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REPÚBLICA PORTUGUESA

ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA

N.º 83 VI LEGISLATURA 1956 31 DE MARÇO

PARECER N.º 37/VI

Projecto de proposta de lei n.º 516

Alterações ao Decreto-Lei n.º 30135 (organização e funcionamento dos Institutos de Serviço Social)

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 105.º da Constituição, acerca do projecto de proposta de lei n.º 516, elaborado pelo Governo, sobre organização e funcionamento dos Institutos de Serviço Social, emite, pelas suas secções de Interesses de ordem espiritual e moral e de Interesses de ordem cultural (subsecção de Ciências e letras), às quais foram agregados os Dignos Procuradores Luís Quartin Graça, Quirino dos Santos Mealha, Luís Filipe Leite Finto, Luís Manuel Fragoso Fernandes, Guilherme Braga da Cruz e Manuel Gomes da Silva, sob à presidência de S. Ex.ª o Presidente da Camará, o seguinte parecer:

I

Apreciação na generalidade

Introdução

1. A intenção que suscitou o Decreto-Lei n.º 30 135, de 14 de Dezembro de 1939, permanece ainda, e cada vez mais acentuada, no projecto de proposta de lei n.º 516, que altera esse primitivo diploma: «o apreço e a valorização oficial de todos os esforços para a elevação do nível da gente portuguesa».

É lei de vida o progresso; lei de morte a inacção.

Não admira, pois, que num pais onde tudo tem progredido num admirável crescimento de vida se verifique a necessidade de reformar, para desenvolver e aperfeiçoar, um diploma já um pouco desactualizado, porque, no ritmo que tem levado a vida social portuguesa, dezasseis anos são, pelo menos, meio século de avanço em certos sectores.
Os «inexplorados horizontes» que o Decreto-Lei n.º 30135 vislumbrava são hoje campo trabalhado, do qual já se têm colhido muitos frutos. Mas se a semente pode dar cem por um podemos contentar-nos com uma mediana colheita?
Muito se tem feito em Portugal. Mas há obras que, realizadas, exigem novas tarefas; progressos que, alcançados, criam novas necessidades.

2. Dois aspectos do projecto merecem à Cornara especial atenção:

1) A consagração oficial dos cursos geral e normal de educação familiar;
2) A criação de cursos de índole elementar destinados a preparar agentes da educação familiar para os meios rurais.
3. É impressionante observar como em toda a parte do mundo aqueles que se preocupara com os problemas de ordem moral e social - a valorização do indivíduo e a construção de um mundo melhor - reconhecem será família a escola onde mais perfeitamente se aprende a praticar o bem e a evitar o mal, e, por conseguinte, ser

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a família o mais salutar ambiente educativo e o mais sólido fundamento da sociedade.

É raro o congresso internacional de questões de carácter social em que nas conclusões o problema da família não venha incluído, insistindo todos no mesmo, quer se trate do meio rural, operário, médio ou elevado:

É urgente desenvolver um intenso trabalho de educação fundamental para elevar o nível familiar nos sectores religioso, moral, cultural e doméstico. (Encontros Internacionais do Rio de Janeiro, Julho de 1950).

Respigamos este voto ao acaso. Ás citações poderiam prolongar-se sem fim.

Os cursos de educação familiar (geral e normal), de que o projecto de proposta faz menção, vêm ao encontro das proposições tão claramente marcadas nas reuniões internacionais e correspondendo também às necessidades do meio português.

4. Os cursos de educação familiar visam essencialmente a valorizar a instituição da família.

Tendo este objectivo, a acção da assistente familiar reveste três aspectos diferentes, que integram múltiplas formas de trabalho. Assim, essa acção será:

Estudo;

Actuação directa;

Formação de agentes de educação familiar.

No sen trabalho de estudo a assistente procurará conhecer a realidade familiar na conjuntura presente, pois na família reflectem-se os males e as dificuldades do mundo e da hora em que se vive; e procurará descobrir soluções para os problemas familiares, a fim de realizar uma acção construtiva.

Estudo vivo, e não apenas intelectual, na observação flagrante das necessidades e deficiências com as quais a sua missão a põe em contacto.

Mas estudar os problemas e, mesmo, encontrar-lhes possíveis soluções de pouco servirá, se a assistente familiar não exercer actuação sobre a família e o. meio em que a família está integrada, pois não pode desassociar-se a família do meio social. É preciso fazer educação familiar realizando simultaneamente acção social, para que o mesmo movimento que eleva a família eleve a sociedade. Não se transforma a sociedade se não se transformar a família; e esta tem de ser fortificada na sua base de princípios e termos e alterada no sen ideal, pois tudo no mundo moderno tende a abalar a solidez da família e a baixar o sen sentido espiritual.

Para realizar a sua missão, a assistente familiar, terá de ser colaboradora da mãe de família, a amiga da casa, aquela que ensina e ajuda para que o viver familiar se torne mais feliz, porque mais bem adaptado às circunstancias, mais rendoso no aproveitamento dos recursos familiares, mais facilitado pelos conhecimentos domésticos e racionalização do trabalho, mais confortante pela alma com que a mulher anima toda a sua actividade, numa dedicação mais consciente dos seus deveres e das suas responsabilidades.

É ainda das atribuições da assistente familiar, promover iniciativas a bem da família, suscitando a organização de associações e movimentos familiares, em que as próprias famílias estudem em comum os seus problemas e defendam os seus interesses, e fomentando a «mística» familiar.

Compete-lhe também cooperar com o Estado e entidades particulares em actividades e serviços que favoreçam a família e influir de todos os modos ao seu alcance para que se crie um clima propicio à família, nas ideias, nos costumes e nas leis; e ainda divulgar novos recursos da ciência, da arte e da indústria úteis para a vida doméstica: utensílios para facilitar o trabalho, processos mais perfeitos de nutrição, melhoria de higiene no lar, todo esse mundo de coisas que, em alguns países, vai até ao estudo dos gasto» para não desperdiçar energias.

Sem chegarmos, talvez, tão longe, muito há, na verdade, que divulgar e ensinar!

Ao serviço da família, a assistente familiar deverá marcar a sua presença em todas as actividades relacionadas com a família, como seja a ocupação das horas livres de um modo são, alegre e valorizador da personalidade.

Mas não basta que a assistente familiar trabalhe: cabe-lhe também a formação de agentes de educação familiar nas escolas onde por meio de cursos regulares se preparam as profissionais - assistentes, monitoras e auxiliares rurais - e em cursos intensivos ou dias de estudo, de formação reduzida, para trabalhadores sociais já em exercício ou colaboradores benévolos.

Nos serviços com larga rede de núcleos de educação familiar ou com poucos agentes de trabalho directo, compete à assistente familiar a orientação e direcção dos serviços das monitoras familiares ou outras trabalhadoras sociais que se consagram ao ensino doméstico e às actividades culturais e recreativas dentro do campo da acção, familiar.

O que existe de especifico na função da assistente familiar de modo algum, exclui ou diminui a missão da assistente social.

A assistente social, pela sua preparação técnica e pela sua experiência, está em condições privilegiadas para orientar e colaborar, com a sua actuação, com estudos e programas que incluam também a família. Mas a assistente familiar deve participar nessas actividades e estudos relacionados com a educação e aumento de segurança e bem-estar da família, visto que neste campo também a sua preparação e a sua experiência têm grande importância.

A missão da assistente familiar não é, pois, inferior à da assistente social; como também não é inferior a sua preparação.

Assistentes sociais, monitoras e assistentes familiares têm no programa dos dois primeiros anos do curso as mesmas matérias: histologia, anatomia, fisiologia, microbiologia, doenças infecciosas e parasitárias, indicações terapêuticas e de farmácia, enfermagem, higiene, puericultura, psicologia, cultura religiosa, história da assistência, direito civil e direito tutelar de menores. E no 3.º ano as assistentes sociais e as assistentes familiares também seguem em algumas matérias linhas paralelas: economia, organização corporativa, legislação de trabalho e previdência, problemas e aspectos técnicos da vida rural, urbanismo, filosofia e encíclicas.

Com um programa destes seria injustiça considerar a assistente familiar, e mesmo a monitora familiar, uma simples mestra de economia doméstica, negando-lhe direito a uma missão mais elevada de educadora e orientadora.

É certo que a sua missão também é ensinar trabalhos caseiros - não seriam educadoras familiares se o não fizessem -, e para isso se especializam nas técnicas da sua profissão, em aulas práticas de economia doméstica, cozinha, confecção e conserto de roupas, rendas e bordados e outros trabalhos manuais e em estágios em postos de puericultura e de socorros urgentes, dispensários, serviços do protecção materno-infantil, creches e jardins de infância, centros sociais e familiares, rurais e urbanos, colónias de férias e outras instituições que lhes fornecem conhecimentos práticos bem mais preciosos do que certas ciências abstractas.

For isso, sem já falar das profissionais, a toda a mulher a educação familiar interessa. Já um autor da Idade Média pedia que ensinassem todas as mulheres a coser,

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(...) a fiar e a cozinhar, porque - dizia - «a pobre tem necessidade disto para si própria e a rica para conhecer e dirigir o trabalho das outras».

E a educação familiar não é apenas preparação para os misteres domésticos: é formação educativa, que há-de exercer-se na acção maternal, a influir sobre a vida toda dos filhos; e formação social, que tornará a mulher mais capaz de ser eficaz sobreira do progresso humano.

Não devem, pois, os cursos de educação familiar, que o projecto de proposta reconhece, ser considerados apenas meio de preparação de dirigentes profissionais, mas cursos apropriados a completar a formação de toda a rapariga, mesmo que esta não deseje exercer uma profissão, mas apenas tornar-se mais apta para a sua missão familiar e social.

Encarando o problema nesta visão larga, a Câmara regozija-se com a aprovação oficial dos cursos de educação familiar, geral e normal..

5. Parece à Câmara supérfluo enaltecer a utilidade e a beleza do curso de serviço social.

Qualquer que seja a forma que o serviço social tome - actuação na família, relações de grupo, iniciativas para a comunidade, elaboração de reformas sociais -, é sempre uma profissão que se ocupa do bem-estar social dos indivíduos e do bem comum.

«Ocupação» que exige mais do que conhecimentos: compreensão inteligente, dedicação incansável, sensibilidade delicada, calor de simpatia, «identificação com o assistido», para sentir e viver o seu caso, procurando resolvê-lo o melhor que se possa.

6. Embora o serviço social seja, por tradição, uma profissão feminina, em alguns países, como a Bélgica, a Holanda e o Brasil, existem escolas de serviço social exclusivas para alunos do sexo masculino. Mas o mais corrente é as escolas sociais serem frequentadas por alunos dos dois sexos. O número dos homens, em regra, é muito inferior, mas não se pode dizer que seja uma excepção.

Para alguns trabalhos sociais - como por exemplo a assistência nas prisões, junto de menores delinquentes, de doentes mentais e de vadios, em campos de refugiados e para muitas das tarefas da educação de base e organização das comunidades - a experiência tem mostrado a vantagem de agentes masculinos.

Mas estes não se improvisam. Daí, a presença de rapazes e homens nas escolas de serviço social.

Em Portugal não existem quaisquer disposições legais ou regulamentares que se oponham à admissão de homens no curso de serviço social.

Consultada a direcção do Instituto de Serviço Social, mostrou-se disposta a admitir os candidatos que porventura surjam, sendo apenas necessário fazer pequenas alterações na organização e programas da parte prática do ensino para convenientemente o adaptar a alunos do sexo masculino.

Até hoje, porém, não tem havido candidatos.

No entanto, vários rapazes têm frequentado como ouvintes diversas disciplinas ministradas no Instituto de Serviço Social, designadamente Encíclicas Sociais e Psicologia, e maior seria o seu número, se as aulas fossem dadas a horas mais tardias. Para obviar a esta dificuldade o Instituto oferece-se para organizar pequenos cursos especiais, funcionando ao fim da tarde ou à noite, para rapazes interessados no estudo de questões sociais.

E quanto proveito haveria em que um dirigente de cada Casa do Povo viesse frequentar um desses pequenos cursos, especialmente orientado para actividades educativas e recreativas, contactos de grupo e outros aspectos de acção social.

Aqui se deixa a ideia, para quem de direito a apreciar.

7. A educação familiar rural, enunciada na base IV, merece também à Gamara o maior interesse.

Pretender renovar a estrutura política da Nação, desprezando a educação do povo, seria desejar construir um edifício bem acabado com pedras por trabalhar.

As pedras toscas e rudes - tanta vez as mais sólidas - têm de ser polidas para se adaptarem à planta do arquitecto e se amoldarem umas às outras; e então, sim, o edifício poderá elevar-se com firmeza e beleza.

Uma nação não é uma entidade abstracta; é uma comunidade.

Tanto o citadino ilustrado como o humilde camponês têm direito a que o Estado se ocupe deles.

Se é motivo de regozijo e aplauso a construção das cidades universitárias, merece igual louvor o plano da educação popular, que tem dado tão admiráveis resultados no combate contra o analfabetismo e se propõe continuar a educação do povo, não só na extensão da sua cultura geral, mas na aquisição de ensinamentos que defendam a sua saúde, desenvolvam a sua formação moral, familiar e cívica e aperfeiçoem os processos agrícolas da massa rural, para melhorar as condições de existência daqueles que no campo vivem e do campo vivem.

8. Por todos os motivos, o meio rural pede a atenção do Estado.

Nenhum meio escapa à propaganda das doutrinas dissolventes.

E se o meio rural for contaminado, as próprias nascentes da Nação ficarão envenenadas. Destruídas as tradições cristãs, corrompida a consciência dos homens bons, abalada a resistência dos mais vigorosos, aonde irá Portugal buscar a força para preservar o sen património de bens espirituais e para defender a própria nacionalidade?

Enquanto o mundo rural se conservar apegado à terra, crente em Deus e fiel às virtudes dos seus maiores, a Pátria terá nele uma cidadela invencível.

O amor da família e o orgulho da terra em que se nasceu, onde se possui uma courela que dá o pão dos filhos e uma casa onde junto à lareira se descansa após um duro dia de trabalho, são a forca que melhor resiste a ataques de inimigos de dentro e de fora e mais vivamente reage, repudiando promessas feitas em nome dum universalismo sem nobreza e sem liberdade.

9. Com justa visão, o projecto de proposta de lei considera a formação familiar o melhor processo de elevar o meio rural.

Embora seja banal repeti-lo, a família é a célula vital da sociedade.

Se os lares são bem constituídos, há ordem e progresso social; se a família se desagrega e o individualismo egoísta impera, tudo se afunda.

Nos países que sofreram profundos abalos com a guerra vemos com que esforço se está procurando recuperar os valores perdidos pela restauração da família, o ensino doméstico e outras medidas de ordem familiar.

Sem dúvida os factores jurídicos e económicos são de importância capital na conservação ou restabelecimento do equilíbrio social; mas o ambiente familiar, as virtudes e o trabalho caseiro são também elementos importantes.

Porque a família está profundamente atingida na maioria dos países, «a ordem psíquica e moral do mundo cai em ruína». E a juventude que se cria numa sociedade em derrocada é uma juventude decadente.

Graças a Deus e a uma política que compreende o valor básico da família, considerando-a «como fonte de conservação e desenvolvimento da raça, como base primária da educação, da disciplina e harmonia social», o

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problema em Portugal não é ainda tão angustioso como noutros países. Mas o conhecimento do que se passa por esse mundo além não deve permitir-nos uma tranquilidade descuidada e imprudente.

Se não temos ainda tão graves males para remediar, tomemos precauções para evitar cair nos mesmos males.

A consciência do perigo é o primeiro passo para a defesa. Tomemos, então, consciência do perigo. Há inimigos que ameaçam a família; e onde existe hoje lugar tão escondido a que eles não possam chegar?!

Antigamente a província era quase um mundo à parte; hoje, com a facilidade de comunicações, a imprensa, a rádio, campos e serras vivem em permanente contacto com as cidades, o que, se traz vantagens, pode acarretar também graves perigos.

Num inquérito que a Juventude Agrária Católica fez no seu meio lemos pormenores bem elucidativos da penetração da imoralidade nas aldeias e vêm relatadas consequências bem lamentáveis.

Seria loucura fechar os olhos à transformação das regiões rurais e um tremendo erro abandonar a juventude rural num período de evolução em que corre todos os riscos.

10. 0 problema rural não pode ser visto apenas à roda do campanário paroquial; tem de ser encarado no plano nacional.

A agricultura não tem apenas influência sobre a mesa farta ou faminta dos cultivadores; tem relações com tudo. Terra abandonada, terra mal cultivada, produção menor, rendimentos diminuídos, desequilíbrio na economia da Nação.

«Comei as pedras! Bebei as pedras!», exclamava com sarcasmo a velha Gagula nas Mina» de Salomão.

Não se comem diamantes, não se bebem diamantes. É a terra que dá o pão nosso de cada dia.

O ensino familiar doméstico e agrícola é uma necessidade premente. Cerca de 70 por cento das freguesias do continente são rurais; e 46 por cento da população activa total dedica-se à agricultura. Mas a percentagem da população rural decresce sensivelmente. Neste meio século tem diminuído cerca de 20 por cento. E ainda a nossa situação é consoladora se a compararmos, por exemplo, com a França, onde, no mesmo espaço de tempo, a população agrícola diminuiu 40 por cento. É impressionante a decadência das aldeias francesas, não só na reduzida população - 50 por cento não contam actualmente mais de 200 habitantes -, mas ainda tio aspecto que oferecem. E é curioso notar que em Portugal, embora a percentagem de população rural tenha diminuído, as aldeias crescem, renovadas, sinal evidente de progresso nacional.

Mas o número de casas novas nem sempre é acompanhado por um nível de vida mais elevado. Impõe-se a necessidade de estabelecer harmonia entre a evolução material e a educação familiar, doméstica, social e agrária do povo.

A obra educativa a realizar não consiste apenas em ensinar a mulher a cuidar melhor da casa e dos filhos e a ajudar com mais proveito o marido na faina agrícola. Trata-se de qualquer coisa mais importante: de afeiçoar a mulher à terra.

Cada rapariga que sai da aldeia é talvez um lar a menos que se funda. E o homem isolado é um trabalhador diminuído. O homem solteiro cultiva a terra para ganhar o salário de um dia; o homem casado para que a terra lhe dê a fartura e o bem-estar da mulher e dos filhos.

O ensino familiar, doméstico e agrícola contribuirá para prender a mulher à terra e à casa. E o que importa é evitar a partida: o regresso sempre difícil!

11. O problema rural tem também um aspecto económico, profundamente ligado à família.

É bem verdadeira esta afirmação dum economista francês: e A economia doméstica é o princípio da economia política».

Sem o equilíbrio financeiro do lar, sem o aproveitamento dos recursos familiares, não existe riqueza nacional.

Sem trabalho, sem ordem, sem economia e sem previdência - sem as virtudes caseiras que fazem milagres - a jorna do trabalhador ou o salário do operário, por mais elevados que estes sejam, tudo é pouco!

É certamente difícil administrar quando o que se tem mal chega para o necessário; mas nem só por dinheiro de lado é economizar. Não estragar é poupar; saber aproveitar é fazer render.

A mãe de família que produz e economiza é uma colaboradora humilde, mas útil, do Ministro das Finanças.

12. Finalmente, há que considerar o próprio problema social.

O homem é um produto do seu meio. Se vive numa casa asseada e arranjada, rodeado de paz e amor, num ambiente de alegria e bem-estar, terá também a alma mais limpa, as ideias mais ordenadas, o coração mais tranquilo e feliz.

E é a mulher que cria o ambiente familiar. Assim, indirectamente, a mulher é uma influência social, mesmo sem exercer qualquer profissão ou se meter em actividades políticas; isto, quer se trate da mulher culta e de elevada condição social ou da humilde mulher rural. O campo da influência será diferente, mas a realidade é a mesma.

Quantas vezes a questão social deriva da família!

Nem tudo está no problema de habitação. Se não é verdadeiro lar a barraca aberta a todos os ventos, nem o quarto alugado, paredes meias com outros quartos alugados, numa promiscuidade desmoralizadora, também não é verdadeiro lar a casa suja e desarranjada, que o marido troca pela taberna e donde os filhos fogem para a rua, essa escola colectiva do vício.

Não; nem sempre o mau viver dos humildes é ocasionado pela miséria; nem sempre falta o necessário. O que muitas vezes falta é a «ciência das mães», como alguém chamou à educação familiar doméstica.

No inquérito da Juventude Agrária Católica (a que já fizemos referência) aponta-se o baixo nível da vida rural e as deficiências das habitações; mas a falta de higiene e conforto não é só atribuída, pela juventude das nossas aldeias, à má qualidade das casas: é acusada, ainda mais, a falta de limpeza!

E essa mesma juventude, que lamenta as precárias condições em que vive, manifesta aspirações de «criar gosto pela educação, boas maneiras; higiene tanto pessoal como no lar, e de se interessar pelo problema da habitação, santificar a família, organizar divertimentos sãos e amar cada vez mais a terra, trabalhando-a por meios mais modernos e produtivos».

Estas declarações, feitas pelos representantes de dezenas de milhares de associados da J. A. C., são a prova de quanto a educação familiar, a que a proposta abre caminho, corresponde às necessidades e aspirações do meio rural.

13. Deve ainda atender-se a que meio rural não é exclusivamente aquele em que só se cultiva a terra; não basta a existência duma fábrica numa aldeia para que esta deva ser considerada meio industrial. Se a população conserva mentalidade e costumes rurais, embora exista uma percentagem de operariado, o meio continua a ser rural.

Mas seja a aldeia mais ou menos rural, pouco importa; mesmo, onde o meio seja caracteristicamente industrial,

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(...) também aí deve chegar a educação familiar. Talvez, aí, ainda com maior necessidade, pois quanto mais a família se desagrega, mais se impõe a obrigarão de lhe acudir. As palavras de Salazar, já velhas de mais de vinte anos, são ainda de uma actualidade evidente.
O trabalho da mulher fora do lar desagrega este, separa os membros da família, torna-os um pouco estranhos uns aos outros. Desaparece a vida em comum, sofre a obra educativa das crianças, diminui o número destas; e com o mau ou impossível funcionamento da economia doméstica, no arranjo da casa, no preparo da alimentação e do vestuário, verifica-se uma perda importante, raro materialmente compensada pelo salário percebido.
É exacto. Mas a insuficiência dos recursos familiares justifica por vezes a ausência da mulher do lar, e, neste caso, meu há senão aceitá-la, enquanto o abono familiar e mais largas instituições de previdência não remediarem a penúria de haveres.
No entanto, é preciso formar a rapariga de modo a ela não considerar normal e desejável essa troca de ocupações: o trabalho da casa trocado pelo trabalho da fábrica; é preciso convencê-la de que também o trabalho caseiro rende e que para a felicidade da família nada conta tanto como a presença da mulher.
É preciso formar a rapariga para que o desejo da independência e do luxo - motivos que por vezes imperam mais do que a necessidade - não a levem para a fábrica, donde dificilmente sairá depois de casada, se ali tiver feito a sua vida de solteira.
O habito tem tanta força e a opinião pública arrasta tanto que, se não se fizer corrente contrária, mesmo que. medidas sociais venham tornar mais desafogadas as condições familiares, a mulher, por hábito ou já por deformação de mentalidade, preferirá o trabalho profissional ao trabalho doméstico.
Abono familiar, segurança social, nada bastará para prender a mulher à casa, se o amor pela casa se tiver perdido.
Inquéritos feitos na Bélgica mostram que «muitas mulheres casadas e com filhos assumem um trabalho salariado porque este lhes agrada mais do que o trabalho doméstico» (Revue Internationale du Travail).
Por conseguinte, se importa melhorar as condições económicas da família, importa também fomentar espirito familiar.
Nos países mais industrializados reconhece-se a necessidade de acudir à crise familiar lançando mão da educação familiar doméstica, para corrigir um pouco os males de ordem moral, familiar e social a que a família operária está mais sujeita do que qualquer outra.
Em França as empresas concedem às operárias, dos 18 aos 30 anos, que desejarem seguir um curso familiar doméstico, quatro semanas livres, com salário pago por inteiro, para que, sem prejuízo do orçamento familiar, possam frequentar o curso.
O serviço social - em todas as suas formas - não é um luxo, é uma utilidade. Um centro social ou familiar será sempre uni elemento de ordem, de dignificação de vida, de elevação moral, de que a própria empresa beneficiará.
No complexo de problemas e necessidades que se acaba de expor pensa a Camará estar o programa da educação familiar rural, como certamente o Governo a encara.

Cursos elementares de educação familiar

14. A base IV do projecto autoriza, «nas escolas de serviço social, ou fora delas, a criação de cursos de educação familiar de índole elementar, destinados a preparar agentes da educação familiar para os meios rurais».
São muito diversas as categorias das escolas estrangeiras da educação familiar rural: elementares, médias e superiores.
No caso português - de momento - parece indicado o grau elementar que o projecto apresenta.
Poderão surgir objecções contra esses cursos elementares, com o argumento de que seria preferível por à frente dos centros familiares rurais trabalhadoras sociais de classe mais elevada. Mus, muitas vezes, o óptimo é inimigo do bom!
Sem já falar dos possíveis «inconvenientes» a que faz menção o n.º 5 do relatório e do escasso número de educadoras diplomadas, tem de se pensar nas dificuldades económicas. Mesmo quando o Estado faz política de espirito, como mais uma vez pretende fazer com a educação familiar rural, nunca pode ser esquecido que a política, ciência e arte de governar, tem orçamento e tem contas...
Uma assistente social ou uma assistente familiar ganha, pelo menos, 1.800$; uma monitora familiar ou auxiliar social cerca de 1.2005.
E quantas são as aldeias em Portugal?!
Ainda que essas trabalhadoras sociais abundassem e quisessem ir «enterrar-se na aldeia» (como depreciativamente se diz) permitiriam os recursos do Estado ou das entidades particulares tão brusca e elevada despesa?
Não teriam os centros rurais de continuar a ser exclusivo de meia dúzia de aldeias privilegiadas?
Ora, o que se deseja é fazer obra nacional: estender ao País inteiro os centros familiares rurais.
Não se pode legislar para um futuro ideal e longínquo, mas para um presente de realizações concretas e possíveis.
E a realidade é esta: no sector da educação familiar rural estamos atrasados algumas dezenas de anos. A primeira escola de ensino doméstico rural foi aberta na Noruega, em 1865; a França abriu a segunda, em 1884. A pouco e pouco, os outros países europeus foram seguindo; no principio deste século a ideia tomava definitivamente forma e realidade, encontrando-se, no momento presente, em pleno desenvolvimento. Citaremos apenas, para exemplificar, os dois países pioneiros: na Noruega existem setenta escolas de ensino familiar doméstico rural; na França, sessenta e três escolas departamentais. (Isto sem falar de inúmeros pequenos «cursos»).
E em Portugal? A comparação não é lisonjeira para nós. Numa estatística há pouco publicada - em que não se atende ao número de escolas, mas à percentagem dá população atingida pelo ensino familiar rural - entre dezassete países europeus Portugal ocupa o 14.º lugar.
Repetimos: não é lisonjeiro para nós! Temos de caminhar depressa para alcançarmos um lugar mais honroso.
Sem dúvida, as agentes da educação familiar para os meios rurais, com pouca instrução preparatória e formação apenas de um ano, seguido de outro de estágio, não poderão ser mestras e educadoras sem defeitos. Mas mais vale pouco do que nada. Num ano de internato ainda se pode aprender muita coisa; e as agentes rurais não ficarão abandonadas a si mesmas. Serão visitadas e orientadas por supervisoras; terão periodicamente pequenos cursos de aperfeiçoamento e procurar-se-á enquadrá-las num núcleo de colaboradoras benévolas.
De resto, não há por onde escolher: ou se faz a educação familiar rural nestes moldes modestos, ou não se sairá dum campo limitadíssimo e de privilégio - o que parece um pouco pior!
Evidentemente que nada impede os centros rurais, que o desejarem e tiverem possibilidades financeiras, de preferirem e utilizarem trabalhadoras sociais de superior categoria.
O curso elementar será o mínimo de preparação requerida; dai para a frente fica livre.

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Porque não hão-de, por exemplo, as auxiliares sociais que desejarem exercer a sua profissão neste campo completar a sua formação com meio ano de especialização doméstica e agrícola?

15. Qual deverá ser o espirito e o plano dos cursos elementares de educação familiar?
Convém que a escola funcione em regime de internato, não muito populoso: vinte a trinta alunas, para que se possa manter o espirito familiar. Se importa aprender as matérias do programa, importa ainda mais viver num ambiente que marque na educação das alunas.
De cada aldeia, onde se projecte criar um centro familiar rural, virá uma rapariga, escolhida cuidadosamente, e com a intenção de para a sua aldeia voltar.
Tudo na escola deve, pois, concorrer para afeiçoar as raparigas ao meio rural e não para as desviar deste. Instalações, utensílios, usos e costumes devem possuir característico cunho regional.
Situada no campo (mas relativamente perto da cidade, para facilitar a ida de alguns professores, etc.), com terrenos para exemplificação das práticas agrícolas e das indústrias caseiras.
O curso, para a admissão no qual serão consideradas essenciais as boas qualidades morais e predisposições para o exercício das funções, dando-se, em igualdade destes predicados, preferência às maiores habilitações literárias, terá a duração de dois anos. O 1.º, de aulas teóricas e práticas; o 2º, de estágio, dividido em permanências nos seguintes serviços: centros de ensino familiar doméstico, sociais, sanitários e instalações agrícolas. Idade não inferior a 18 anos.
O programa, aprovado pelo Ministério da Educação Nacional, ouvidos os Ministérios do Interior, da Economia e das Corporações, será orientado no sentido de valorizar a rapariga em todos os aspectos: moral, familiar, doméstico, estético, agrícola, social e de saúde.

16. Formação moral. - A formação moral das futuras auxiliares assentará em sólidos princípios cristãos, que cultivem qualidades de bom senso, domínio próprio, alegria, dedicação generosa, sentido humano e sobrenatural do grande dever da caridade.
Num tempo em que a visão materialista da vida ameaça atingir a própria mulher e perigosas ideias políticas entram sorrateiramente em toda a parte impõe-se a necessidade de formar uma forte personalidade nas auxiliares rurais, para que estas não sejam amanhã mais um elemento de desordem social, mas fiéis defensoras das tradições nacionais.
Essa personalidade terá de afirmar-se, antes de mais nada, na dignidade pessoal. A educadora familiar rural - seja esta assistente, monitora ou simples auxiliar - estará sempre em foco na aldeia. Tudo nela deve, pois, ser educativo: palavras, atitudes, modo de vestir. Para educar não é suficiente preleccionar: é preciso possuir qualidades e dar bom exemplo.
A formação moral e religiosa é parte importante do programa. Mas não basta.
Nenhuma ocasião de educar deve ser desperdiçada; de todos os acontecimentos se devem tirar lições de vida. Chamar a atenção... frisar o aspecto moral, familiar, social... E de tudo, do que é bem o do que é mal, do que é belo e do que é feio, colher ensinamentos, dados com elevação, mas dentro das realidades, de modo a despertar o sentido da observação e a criar um critério esclarecido e justo.

Já dentro da escola devem ser aproveitadas e valorizadas as qualidades naturais das raparigas, confiando-lhes serviços e responsabilidade».

17. Formação familiar e doméstica. - Se todo o ensino deve ser preparação para a vida, uma escola que tem por objectivo preparar agentes da educação familiar, mais do que nenhuma outra, deve procurar formar verdadeira espiritualidade familiar, ao mesmo tempo que ministra conhecimentos e desenvolve aptidões domésticas.

A formação doméstica compreenderá todos os trabalhos caseiros: limpeza e arranjo do lar; culinária e composição das refeições; costura e corte; lavagem, engomagem e tratamento de roupas; contabilidade doméstica; pequenas indústrias caseiras.

O ensino deve ser essencialmente prático, sem excesso de intelectualidade e de técnicas descabidas, dado de modo simples, fazendo compreender o porque das coisas, para corrigir defeitos e melhorar a execução. É também necessário atender às fracas possibilidades do meio rural, em que as raparigas terão de agir. Encontrando-se este ainda bastante atrasado, seria um erro, por exemplo, utilizar na formação das auxiliares rurais a última palavra dos utensílios modernos, com a intenção de facilitar ou aperfeiçoar o serviço doméstico da mulher do povo.

O que não quer dizer que não se inculquem às auxiliares rurais todas as iniciativas de ordem técnica e metódica que possam aliviar a tarefa da dona de casa, mas dentro das suas possibilidades reais.

Conviria que na escola existissem algumas dependências que fossem um modelo autêntico e perfeito das casas rurais da região.

Nas nossas escolas elementares os problemas familiares e domésticos - têm de ser encarados, não segundo formas intelectuais e livrescas ou no panorama estrangeiro, decalcando programas e arremedando costumes, mas no ambiente da nossa pequena casa lusitana.

A formação estética deve inspirar-se nesta fórmula (aliás conveniente a todos os níveis de vida: simplicidade e bom gosto, aplicável ao arranjo da casa, ao modo de vestir, e até ao apreço pelos trabalhos regionais, quase sempre mais belos, mais úteis e mais duradouros do que as «fantasias» modernas.

18. Formação agrícola. - No nosso povo muitas vezes a mulher participa nos trabalhos agrícolas; por conseguinte, na formação das auxiliares rurais deve incluir--se a aprendizagem agrícola, orientada especialmente no sentido da utilidade familiar; e esta não deve consistir apenas em noções teóricas de agricultura, mas na participação de certos trabalhos do campo. O serviço da horta e do jardim deverá ser assegurado pelas alunas, em grupos que se revezam. (É preciso ter cuidado em não fazer formação agrária a moda das «pastoras» do Trianon de Versalhes l). Não é bastante que à beira da escola exista um quintal ou uma granja... que outros cultivam. Evidentemente que não se pode pedir às alunas trabalho aturado ou excessivo para as suas forças. Mas é preciso que aprendam sem ser somente em teoria. Lacticínios, avicultura, cunicultura, apicultura, fruticultura, conservação dos produtos, criação e tratamento de animais das espécies pecuárias, serão também objecto de ensino prático.

19. Formação social. - A formação social deverá fazer-se na proporção modesta da situação e da função da auxiliar rural.

E, porque o centro familiar e a Casa do Povo irão ser especialmente o seu campo de trabalho, deve encaminhar-se a formação social tendo em vista a colaboração que nesses meios lhe será pedida.

Não se trata de ensinar grande metodologia de serviço social, mas de despertar o sentido social e estimular o desejo de servir na vizinhança, na freguesia, nesta ou naquela instituição ao seu humilde alcance.

A ocupação dos tempos livres deve merecer especial cuidado na formação social da auxiliar rural: canto, danças regionais, jogos, organização de serões, representa-

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(...) ções, folclore e arte rústica. Tudo quanto possa concorrer para entreter -possivelmente com utilidade - e para dar alegria.
A celebração do Natal, o «dia da mãe» e outras festas familiares e tradicionais devem merecer também a atenção das educadoras.

20. formação sanitária. - Higiene pessoal, da alimentação e da casa; tratamento de doentes, com exercícios práticos de enfermagem; puericultura, também com o programa desdobrado em aulas teóricas e práticas; sem esquecer a educação das crianças.
Na ministração de todo este ensino deve ainda atender-se à colaboração que a futura auxiliar rural, coadjuvada pelas alunas dos centros familiares rurais, deverá dar à assistência materno-infantil, cantinas, infantários, etc., que porventura existam na Casa do Povo ou em qualquer instituição, da aldeia.

21. Lembra-se, finalmente, que as auxiliares rurais, pela sua pouca idade e elementar formação, não podem ser abandonadas a si mesmas no exercício da sua profissão.
Além das visitas frequentes das supervisoras, julga-se necessário reuni-las cada ano num pequeno curso de aperfeiçoamento, com lições teóricas e práticas, para manter os seus conhecimentos actualizados e reanimar o espírito da sua missão.
Missão difícil. Convém aceitar só aquelas que por vocação a queiram seguir e cujas qualidades morais sejam garantidas por pessoas idóneas; e conservar ao serviço só aquelas que com agrado dele se desempenharem.
Seria útil que se elaborasse um manual, em conformidade com os ensinamentos teóricos e práticos da escola que as auxiliares rurais frequentaram; ajudá-las-ia nas suas dificuldades de mestras principiantes.

Centros familiares rurais

22. A educação familiar nos meios rurais - para a qual o projecto propõe a criação de cursos elementares preparatórios de agentes - parece à Camará dever tomar especialmente a forma de centros familiares rurais.
A experiência está feita e é deveras animadora.
Os vinte e sete centros familiares rurais organizados pela Obra das Mães pela Educação Nacional - que por esta magnifica iniciativa merece agradecimentos e louvores - tom dado os melhores resultados. É palpável a influencia benéfica que eles tem exercido no meio local.
As linhas gerais desses centros, que traçam um caminho seguro a outros que venham a fundar-se, são as seguintes:
Directamente dependente da comissão, local da Obra das Mães pela Educação Nacional, o centro familiar rural recebe orientação técnica de uma educadora familiar diplomada e tem para serviço efectivo uma auxiliar rural e, em alguns casos, uma mestra de artesanato.
Colaboram no centro o médico, que dá as lições da sua especialidade, e o pároco, na formação moral.
O programa, teórico e prático, consta de: formação moral e familiar; arranjo e adorno do lar; cozinha e higiene alimentar; higiene e socorros a doentes; puericultura; costura e corte; bordados regionais; artesanato feminino; aprendizagem agrícola.
Findo o curso doméstico, cuja duração vai de dois a três anos, segue-se a frequência do curso de artesanato, especialmente escolhido entre as indústrias caseiras locais de mais acentuado cunho regional.
A aprendizagem agrícola é feita nos dois últimos anos, ministrando-se noções de horticultura e jardinagem; e, sendo possível dispor de instalações, avicultura, cunicultura e apicultura.
As alunas colaboram nas obras de assistência local, tais como cantinas, lactários e infantários, o que lhes serve de treino nos trabalhos práticos e lhes cultiva sentimentos de solidariedade e caridade. A participação no trabalho efectivo das obras sociais é voluntária.
Em complemento educativo, o centro possui uma biblioteca familiar, promove passeios, visitas de estudo e festas de carácter formativo e recreativo.
O horário do centro é organizado tendo em conta as épocas de trabalho agrícola, para que a falta das raparigas não se faça sentir no campo. A duração das aulas diárias é apenas de duas ou três horas, para que também em casa a sua ausência não seja demasiado sensível.
Periodicamente, realizam-se reuniões para as mães das alunas inscritas no centro.

23. É esta, resumidamente, a orgânica dos centros familiares rurais da Obra das Mães que a Câmara considera aconselhável.
No entanto, não se deve cristalizar em programas nem em métodos. Estes devem ser revistos e aperfeiçoados na evolução normal dos tempos e dos costumes.
Há que tomar também em consideração, embora a finalidade dos centros seja em toda a parte idêntica, que as condições da vida rural não são absolutamente iguais em todo o país, e os centros devem acomodar-se às circunstancias locais. É importante não o esquecer.
Há regiões mais pobres e outras mais abastadas; zonas de cultura primitiva e outras com modernas explorações agrícolas; províncias onde o interior das casas é branqueado todas as semanas e outras onde a fuligem forra as paredes; aldeias onde os usos e costumes pouco evolucionam e outras onde já se arremeda a cidade; lugares onde o artesanato tem honras de exportação e outros onde nem nas feiras aparece, etc. Cada aldeia é um pequeno mando que tem de ser previamente estudado, para o centro ser adaptado de modo a realizar a sua obra de educação e bem-estar.
Esta expressão - bem-estar - precisa de ser interpretada com bom senso. O bem-estar depende muito das aspirações. Uma casa com uma porta e nina janela pode albergar, feliz, uma família.
Melhorar o nível da vida rural não é criar ambições que, impossíveis de satisfazer, a tornarão ainda mais infeliz. Tem de se lutar contra a ignorância e a rotina, mas sem sair das realidades; estimular nas raparigas o desejo de uma vida de família mais perfeita, mas não deslocada para alturas inacessíveis. O ideal, para ser estimulo e força, deve ser superior à realidade; mas nunca opor-se à realidade. Ideal e sonho são diferentes. Criemos ideal, sinónimo de perfeição; mas evitemos o sonho, sinónimo de utopia.
Tudo no centro familiar rural se deve subordinar às condições da vida local: mobiliário, utensílios, receitas de cozinha, confecção de vestidos e roupas. E inútil - e até prejudicial - ensinar para um meio artificial ou inexistente.
Isto não quer dizer que não se introduzam no ensino processos novos e mais racionais para facilitar o trabalho, que não se indiquem transformações para o arranjo e embelezamento do lar e que as preocupações de aperfeiçoamento e progresso não se estendam desde a civilidade até à participação na vida social da comunidade.
A civilidade, adaptada à modesta condição das raparigas, não deve ser considerada um luxo supérfluo. A boa educação é primor dos grandes e nobreza dos humildes. As boas maneiras não tornam apenas mais agradáveis as relações sociais; são uma defesa moral.

Deve-se ainda cultivar as virtudes que são o esplendor do trabalho.

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Quantas mulheres que são mouros de trabalho não fazem felizes o marido e. os filhos l Falta-lhes a doçura do sorriso, a bondade das palavras, a calma do domínio próprio... Tudo isto é preciso ensinar às raparigas nos centros familiares rurais. Fazer-lhes considerar os afazeres domésticos um ideal de utilidade, de dedicação e de alegria; fazer-lhes compreender que, na humildade dos serviços domésticos, estuo contribuindo para o bem-estar e felicidade da família.

24. Os centros familiares nas localidades industrializadas devem possuir certas características especiais, baseadas na observação das realidades materiais e psicológicas do meio operário.
Não pensam do mesmo modo, nem vivem do mesmo modo, a operária e a camponesa. A fábrica, desviando a mulher do lar, modifica a sua mentalidade e desapega-a dos deveres familiares.
A formação a dar às alunas de um curso familiar que funcione numa indústria ou mesmo independente de qualquer empresa ou sindicato, se se destina a filhas de operários ou a raparigas já operárias, embora a matéria do programa seja aproximadamente idêntica, requer orientação adequada.
Métodos de trabalho, conselhos de dignidade pessoal, problemas de felicidade, tudo deve ser visto no prisma que decompõe a realidade da vida da família operária, se a fábrica está instalada na aldeia, procurar-se-á conservar ou ressuscitar tradições, costumes, relações de família e solidariedade de vizinhança, para corrigir a de formação que o trabalho profissional e o clima da fábrica exercem sobre a personalidade feminina.

25. A maioria dos centros familiares rurais da Obra das Mães pela Educação Nacional - dezassete - funcionam em colaboração com as Casas do Povo, que, normalmente, fornecem instalações e contribuem com uma verba que varia segundo as possibilidades de cada organismo.
A Obra das Mães possui ainda centros rurais em colaboração com outras entidades: câmara municipal, Instituto de Assistência à Família e paróquia.
Sem exclusivismo - como se vê - a preferência da colaboração tem sido dada às Casas do Povo.
Parece à Câmara acertada essa preferência.
Na fase de organização corporativa em que nos encontramos convém ligar a acção social, na medida do possível, às Casas do Povo, como forma de valorização e a fim de evitar duplicações.
Se as obras se não agrupam, ficam, no seu isolamento, fracas e desamparadas. A dispersão de serviços sociais numa localidade onde exista uma Casa do Povo só serve para diminuir e empobrecer esta, quando tudo deveria concorrer para a tornar um organismo vivo, cheio de interesse e utilidade.
A coordenação das obras é indispensável. Obra das Mães, Instituto Maternal, Instituto de Assistência à Família - e até instituições particulares - todos deveriam conjugar-se para completar a acção social da Casa do Povo, pois cooperar com as Casas do Povo é fazer obra nacional.
Em algumas Casas do Povo os centros rurais da Obra das Mães colaboram nos serviços materno infantis ali em funcionamento; noutras asseguram os serviços da cantina. E em todas as Casas do Povo, a que os centros rurais estão ligados, colaboram nos festas e noutras manifestações familiares.
A ocupação dos tempos livres deve ser preocupação comum às Casas do Povo e centros rurais.
Das reuniões internacionais faz-se ouvir, soltado por representantes de todas as nacionalidades, um grito de alarme pelos perigos que ameaçam a juventude na ocupação das horas vagas. Muitos divertimentos, se não são imorais, são amorais, quando a sua função deveria ser contribuir para a formação e educação perfeita e equilibrada do corpo e da alma. Não falta quem afirme:
Amanhã serão em grande porte as ocupações dos tempos livres que condicionarão o valor moral e mesmo intelectual da mossa dos cidadãos. Um sistema de horas vagas, que no sen conjunto seja imoral, ou mesmo simplesmente amoral, traria riscos de abaixamento de todo um povo, marcaria a perda de gerações inteiros.

26. Além da coordenação das obras, indispensável na aldeia, haveria vantagem em rodear os centros familiares rurais de colaboradoras benévolas, que pela sua situação social, superior à da auxiliar rural, seriam para estas um precioso apoio, ao mesmo tempo que supririam a inexperiência da sua juventude. Por outro lado, essas senhoras poderiam cooperar na educação familiar doméstica ainda poro lá das actividades ordinárias do centro.

Os leaders existentes nos Estados Unidos também entre nós seriam úteis. Estes leaders são pessoas de todas as classes que se oferecem poro colaborar, no meio rural em que vivem, com os a serviços de extensão». (Na América chamam a «serviços de extensão» a todos os serviços que abarcam, os sectores da vida rural, desde os ensinamentos para a cultura da terra à economia doméstica, não descurando o problema da alimentação, vestuário, recreios, etc.).
Atribui-se a essas colaboradoras benévolas grande parte dos resultados obtidos, apesar dos «serviços de extensão» contarem 8500 técnicos espalhados pelos vários estados.
As estatísticas mostram como a acção dessas voluntárias (às quais se juntam também homens e jovens de ambos os sexos) é admirável.
Técnicos regionais preparam as leaders por meio de cursos, reuniões, palestras e demonstrações, organizados especialmente para elas; publicações periódicas e folhetos completam a sua formação.
Afigura-se-nos que uma organização semelhante poderia dar grandes frutos nas nossas aldeias: almas de boa vontade levariam às famílias os seus conselhos e ensinamentos, em visita amiga, e divulgariam esses conhecimentos em reuniões, pelos métodos que se revelassem mais convenientes.
A preparação das colaboradoras voluntárias poderia ser feita pela supervisora dos centros quando visita estes. E publicações da especialidade, como A Campanha, poderiam destinar-lhes mensalmente uma secção que lhes levasse ideias e conhecimentos práticos, segundo um plano anualmente organizado pela Obra das Mães pela Educação Nacional, que se entenderia com organismos representativos da gente rural ou a ela particularmente votados paro um movimento de conjunto.

27. Como fica dito, destinam-se os centros rurais à formação familiar das raparigas e, por extensão, das mulheres.
E os rapazes?! Os rapazes da aldeia, saídos da escola primária - para a maioria o único quinhão de estudo e educação da vida inteira-, não seria bem pensar também neles ?! Principalmente nos anos perigosos da adolescência, em que o vazio das suas horas perdidas se enche de tanta coisa má!
A juventude desta geração não nasce pior do que as antecedentes; mas a atmosfera que a criança e o adolescente respiram no mundo moderno não é favorável para a sua saúde moral. E como as forças educativas da família andam muito enfraquecidas, não há remédio senão ajudar a família na educação da juventude, para a defen-

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(...) der das ideias falsas e lhe dar uma concepção verdadeira da vida.

Os rapazes não tom lugar marcado na organização ordinária do centro familiar; mas se a agente familiar tiver alma e coração para estender até eles a sua acção educativa, também para os rapazes se poderá arranjar um lugar.

Em horas diferentes das das raparigas, pelo menos uma vez por semana, o centro poderia abrir as suas portas aos rapazes para actividades educativas e de recreio: trabalhos manuais, canto coral, hora do «conto», frequência da biblioteca e discreta formação moral.
Tratando-se de rapazes acima da idade escolar, é indispensável a presença de um ou mais colaboradores masculinos, com boa formação moral e aptidões para o ensino de pequenos actos e ofícios úteis para a vida familiar e que começarão por ser, na aprendizagem, um entretenimento agradável.
Mas será assim tão difícil - sobretudo se o centro funcionar numa Casa do Povo - encontrar um homem ou um rapaz que queira dar a sua colaboração?!
Sendo a auxiliar rural ainda jovem, conviria também que alguma senhora da terra lhe desse o amparo moral da sua presença nas reuniões dos rapazes.
Evidentemente que, se existir um centro social, é a este, e não ao centro familiar, que compete a assistência aos rapazes.

28. Sugere ainda a Câmara que para empresa de tamanha envergadura, como é levar a todo Portugal a educação familiar doméstica, se faça apelo a todas as boas vontades para que onde não existam, nas Cosas do Povo, centros familiares rurais estes surjam de iniciativa particular, quer pela quotização de uma ou mais freguesias vizinhas, quer pela iniciativa própria e à responsabilidade das casas agrícolas que tenham ao seu serviço normal elevado número de pessoas. Conviria fazer campanha nesse sentido, fornecer elementos de orientação e facilitar a presença de uma assistente familiar para a organização desses centros e até subsidiar os centros criados e mantidos em parte por particulares ou entidades locais.
Parece indicado seguir-se o espirito do Estatuto da Assistência Social: utilizar e favorecer as iniciativas particulares e, na falta ou insuficiência destas, o Estado promover e sustentar as obras que as necessidades reclamarem.

Cursos Itinerantes e serviços de divulgação

29. Mas deverá a educação familiar rural realizar-se unicamente através dos centros, quando noutros países se realiza de mil modos?
Os cursos itinerantes parecem-nos uma modalidade particularmente apropriada ao caso português; com eles se poderia chegar a toda a parte onde a criação de centros rurais não seja possível.
Foi com os cursos itinerantes que se começou em quase todos os países e a sua utilidade tem sido de tal modo reconhecida que, apesar de se abrirem escolas e se organizarem cursos fixos de toda a espécie, eles continuam a carreira, sempre apreciados.
«É que este sistema permite, com um mínimo de pessoal e de despesa, atingir o máximo número de almas».
Na França, onde circulam vinte e sete cursos itinerantes, existem, para estes, trabalhadoras sociais com preparação polivalente: além do curso de educação familiar, é-lhes pedido um certificado de enfermeira por uma escola do Estado e um certificado de especialização rural.
Em Portugal, não existindo assistentes com estas múltiplas especializações, os cursos itinerantes teriam de ser formados por um grupo: uma diplomada com o curso de engenheiro agrónomo, uma assistente familiar e uma enfermeira puericultora.
Esta equipa, transportar-se-ia à aldeia onde devesse actuar, numa furgoneta conduzindo todo o material necessário. (Na Suíça o material vai acomodado em caixas especiais que, vazias, servem de mesas e armários).
Cada curso teria a duração de um mês (ou mais tempo se se julgasse necessário), podendo ser também prolongada a estada numa terra quando, permanecendo no mesmo local, houvesse possibilidade de atingir vários povoados.
Aceitar-se-iam inscrições gratuitas de mulheres ou raparigas de qualquer condição social.
Sempre que possível, o curso colaboraria com as Casas do Povo, entendendo-se também com as autoridades civis e religiosas da povoação e aproveitaria as boas vontades locais que pudessem garantir uma continuidade de acção.
Durante a sua estada na aldeia, a brigada do curso itinerante, se tiver amor pela sua missão, poderá suscitar vocações sociais de colaboradoras benévolas e lançar a ideia de obras locais.
Os cursos itinerantes andariam de terra em terra durante oito meses. Dos quatro restantes, um seria para férias do pessoal e os outros três destinar-se-iam à organização de centros familiares rurais permanentes nas terras onde se tivessem encontrado possibilidades de os fundar ou à vulgarização de ensinamentos domésticos e agrários (como mais adiante diremos).
O ensino seria dado principalmente por exemplos práticos, por demonstrações feitas perante os olhos das alunas. Uma máquina portátil de projecções completaria, pela imagem, o ensino de carácter prático.
Folhetos ou opúsculos muito ilustrados, com texto literário reduzido ao mínimo, serviriam para orientar o ensino de cada disciplina e para oferecer às alunas instruídas.
Programa: economia doméstica; culinária; costura; higiene; enfermagem caseira; puericultura; pequenas indústrias rurais; noções de agricultura; moral e religião.
A par deste programa poderiam, conforme as possibilidades, organizar-se outras actividades subsidiárias:

Cuidando um pouco das crianças, em colaboração com os professores locais, pelo ensino de canções, jogos educativos e outros meios;
Fazendo às mães palestras sobre higiene e puericultura e, conjuntamente aos pais e às mães, sobre educação;
Actuando junto dos homens, com a colaboração do médico, do regente técnico, do professor e de quaisquer outras entidades competentes;
Estimulando o desenvolvimento de pequenos artesa- ' natos em decadência ou abandonados;
Recolhendo canções regionais e quaisquer outras curiosidades do folclore local e elementos etnográficos.

30. É sabido como os serviços de vulgarização doméstica e agrária estão tomando incremento em todo o mundo.
Sem já falar dos Estados Unidos, o número de vulgarizadoras ou conselheiras -como em alguns países lhes chamam - é avultado: Holanda, 39; Suíça, 40; Noruega, 45; Suécia, 90; Dinamarca, 100; Áustria, 144; Alemanha, 150, etc. Na França têm em projecto uma vasta rede de vulgarização com 40 lugares de direcção, 314 professores e 252 monitoras.
Em Portugal, a Campanha de Educação de Adultos já vai na XIX missão cultural, equipa itinerante que leva às populações ensinamentos sobre matérias de educação sanitária e familiar; do mesmo modo, têm sido

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realizadas jornadas e cursos de divulgação agrária sob o patrocínio do Subsecretariado de Estado da Agricultura.
No entanto, permitimo-nos lembrar que também as brigadas dos cursos itinerantes poderiam realizar, nos três meses que lhes ficariam livres, sessões ou curtas séries de lições de divulgação doméstica e agrária, continuando a servir-se da furgoneta e do material de informação, documentação e exposição utilizado para os cursos normais.
Há várias opiniões sobre estes serviços. Dizem alguns: divulgação e ensino são coisas diferentes; e pretendem ficar só no campo da divulgação.
Tratando-se de meios ainda bastante incultos, como são geralmente os nossos meios rurais, a simples divulgação de processos mais ou menos científicos e a indicação de utensílios domésticos ou agrícolas supermodernos e caros parece-nos ilógica.
A vulgarização a fazer, embora tendendo sempre a melhorar as condições de vida, a organizar o trabalho e a acrescer a produção, para aumento do bem-estar e prosperidade da família, terá de ser ensino e com carácter prático.

31. Melhor do que ninguém a brigada do curso itinerante poderia desempenhar-se dos serviços de divulgação. A sua permanência nas aldeias durante um mês seguido, o contacto com as realidades e a convivência com as pessoas do meio dar-lhes-ia uma ideia exacta e prática, e não apenas imaginária e teórica, do que deve ser a formação doméstica e agrária do povo português e como se deve tratar com este para ganhar a sua confiança e poder actuar com proveito. Porque não basta ir a uma aldeia fazer uma palestra, mais ou menos erudita, e passar um filme mais ou menos interessante. É preciso saber como falar ao povo e estar informado das condições locais: económicas e humanas.

32. Afigura-se à Câmara que estes dois processos - centros familiares rurais e cursos itinerantes, estes últimos utilizados também como extensão de serviços de divulgação doméstica e agrária - são, de momento, os mais próprios para a campanha que o Governo deseja realizar nos meios rurais.
Algumas experiências já feitas no distrito de Leiria demonstram o interesse com que as aldeias aceitam os cursos temporários, de um mês, e os excelentes resultados obtidos.
Não só os cursos são muito concorridos e despertam entusiasmo na população, como nas redondezas ficam a desejar que chegue a sua vez, e quase sempre nasce do curso alguma obra local com carácter permanente: casa de trabalho, posto de puericultura, patronatos.
Assim se vai criando ambiente e espalhando a semente, que será talvez como o grão de mostarda da parábola evangélica, que, sendo a mais pequena das sementes, cresce e se faz árvore, de tal modo que as aves do céu vêm pousar sobre os seus ramos.

II

Exame na especialidade

BASE I

33. No relatório que acompanhava o Decreto-Lei n.º 30135, que estabelecia aos princípios gerais de orientação» dos estabelecimentos para o serviço social, liam-se estas palavras:

A missão de extraordinário alcance e a influência decisiva que às obreiras do serviço social incumbem nos diversos meios em que hão-de trabalhar, designadamente entre as famílias humildes e de restrita cultura, as mais facilmente influenciáveis, impõem ao Governo não se alhear da formação que àquelas se dê, para que jamais possa desviar-se do sentido humano corporativo e cristão.
No relatório do actual diploma não vem feita nenhuma referência ao espírito que deve informar as escolas de serviço social; por isso nos permitimos algumas considerações.
É sabido que o serviço social é muito influenciado pelas ideias correntes. Não só o modo de agir, mas até os princípios mudam... com o vento! E o «vento» nem
sempre é favorável ao espírito cristão e ao ideal político português.
Em muitos países o serviço social está a tomar uma feição neutra - e será só neutra?! - que, aparentando conceder todo o valor à personalidade humana, cai numa materialização de técnica desumanizada, ignorando a natureza espiritual do homem e o seu destino sobrenatural e esquecendo também que ao lado dos direitos do homem se elevam os direitos de Deus e que nenhuma carta magna poderá fazer o homem feliz, porque só no Evangelho os direitos de Deus e dos homens, encontrando-se em plena harmonia, estabelecem a paz e a ordem.
A tendência do serviço social moderno - mesmo aquele que tem por base a ideologia cristã - é sorrir com um pouco de ironia do Bom Samaritano...
Não falta quem rejeite, quase com - indignação, a palavra caridade. E acha-se até já fora da moda a palavra assistência.
Sem se lembrarem de que também é contrária à personalidade e dignidade humana a intromissão na vida particular com a secura profissional de quem só vê casos.
Se é bem verdade, como disse alguém, que «só pelo teu amor, unicamente pelo teu amor, os pobres te perdoarão o pão que tu lhes dás», é igualmente verdade que só pelo amor as famílias não se revoltarão contra a entrada da trabalhadora social no sen lar e no segredo da sua miséria moral, física ou material, para pesquisas que devassam a sua intimidade e... nem sempre acodem às suas necessidades!
Que teria acontecido ao pobre caído na estrada de Jericó, ferido e despojado pelos ladrões, se em vez do Bom Samaritano lhe aparecesse uma agente social de inquéritos?!
Sem dúvida, a informação, os inquéritos, etc., são necessários. Mas, como dizia o ano passado na Assembleia Nacional a Sr.ª Deputada D. Maria Leonor Correia Botelho, «os inquéritos trazem sempre um sentido odioso», sobretudo quando esse inquérito, «frio e burocrático, se confunde com serviço social»; conviria, sim, como a ilustre Deputada manifestou o desejo, «libertar o serviço social desse inconveniente e colocá-lo de forma a mostrar que o serviço social existe para o bem do interessado e não apenas para averiguações ...».
O desenvolvimento da previdência social tem modificado bastante o serviço social em alguns países, tirando-lhe o carácter de protecção económica aos indivíduos e às famílias e desviando o serviço social mais para o campo dos serviços preventivos, os estudos sociológicos, etc.
Mas, por mais perfeita que seja a justiça social, existirão sempre dificuldades e sofrimentos. Haverá sempre homens mal ajustados à vida e vidas aos baldoes da sorte; por conseguinte, haverá sempre necessidade de quem ajude a normalizar situações desordenadas e a firmar existências mal equilibradas.
Enquanto o mundo for mundo «a vida será um círculo de dores». Não o disse um teólogo; escreveu-o Voltaire. E só o amor consola na dor.

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O serviço social não é beneficência, mas é ama forma superior de assistência e educação.
Uma assistente social que fosse apenas uma peca da engrenagem duma repartição seria uma funcionária, mas não uma verdadeira trabalhadora social.
A sua missão é, sem dúvida, utilizar o maquinismo social, mas ser dentro dele uma alma que humanize a rodagem.
Não esterilizemos o serviço social com demasiada burocracia, nem deixemos, tão-pouco, que ele se exceda num humanismo mais político do que cristão.
A obreira social, que a sua profissão coloca junto do povo humilde e facilmente influenciável (como se dizia no relatório do primeiro decreto-lei), tanto pode fazer obra construtiva como destrutiva. Para que a sua acção social se não torne perigosa é necessário dar-lhe aquela formação de «sentido humano, corporativo e cristão» que em 1939 se desejava.
Até hoje, as duas escolas sociais oficialmente aprovadas têm realizado plenamente esse desiderato. Honra lhes seja!
Mas um decreto não legisla para tal ou tal instituição. Afigura-se-nos prudente que na remodelação da lei se preceitue uma formação que impeça que um dia possam surgir trabalhadoras sociais a desmanchar o que com tanto trabalho se tem feito.
Por isso, a Camará Corporativa propõe que se acrescente à base I:

O ensino ministrado nas escolas de serviço social será sempre orientado no sentido humano, corporativo e cristão.

Palavras que não envolvem qualquer critica ou desconfiança, mas são uma legitima precaução.

BASE II
34. - No n.º 2 do relatório justifica-se a existência de dois tipos de trabalhadoras sociais, considerando as «monitoras e as assistentes familiares, mais particularmente votadas aos problemas educativos, pedagógicos, recreativos, culturais e da vida familiar; outras, as assistentes sociais, dedicando-se mais especialmente aos problemas da saúde, do trabalho, de auxílio social, de pesquisa e planeamento sociais».
Não se pode fazer, nas funções das trabalhadoras sociais, uma distinção tão esquemática; existe sempre uma interdependência entre os campos e os serviços.
Apesar da similitude que existe na missão de toda a trabalhadora social - elevar o nível das populações e procurar-lhes um aumento de bem-estar económico e social-, concorda a Câmara com a diferenciação de cursos indicada na base II.
No meio português, onde a família é ainda a base fundamental da sociedade, mas onde começam a falhar certas virtudes familiares e a organização doméstica é bastante deficiente, os cursos de educação familiar, quer para habilitar profissionais para funções directivas e formativas, quer para preparar raparigas para mais perfeita compreensão e desempenho da sua missão familiar, só podem ser úteis.
E dificilmente se poderia meter num curso único - sem aumentar de um a dois anos um curso já longo de quatro anos - todas as matérias correspondentes ao curso de serviço social e de educação familiar, e, ainda, o total de aulas práticas e estágios especializados que pertencem, diferençados, aos dois cursos.

35. A mesma base II fixa em quatro anos a duração do curso de serviço social.
É de notar que o curso de serviço social já contava este número de anos.
No primitivo Decreto-Lei n.º 30 135 o curso tinha a duração de três anos. Mas p novo Decreto n.º 36 914, publicado no Diário do Governo de 14 de Junho de 1948, modificou o artigo 4.º, que passou a ter a seguinte redacção:

Art. 4.º O curso de assistente de serviço social terá a duração de três anos, seguidos de um estágio de quatro a doze meses.
O curso passou, assim, a ser de quatro anos, visto que sem esse estágio não se considera concluído.
Não têm pois razão de ser as «hesitações» manifestadas no n.º 4 do relatório; não se «alarga» o curso; o «alargamento» já estava feito e o 4.º ano tem um carácter apenas estagiário e de trabalho sociológico.
Quanto a diminuir agora a duração do curso de serviço social, seria baixar o nível das profissionais diplomadas, quando a tendência, em toda a parte, é para elevar os institutos de serviço social à categoria universitária, o que não obsta à existência de outros cursos sociais de diferentes graus: médios e elementares.
Já data de muitos anos a filiação da primeira escola social numa Universidade - a de Amsterdão, em 1900.
Nos Estados Unidos, das sessenta e duas escolas superiores de serviço social existentes, cinquenta e quatro estão agregadas a Universidades; na Austrália, Canadá, Inglaterra, Irlanda e outros países, embora em proporção muito menor, também existem escolas sociais integradas em Universidades, principalmente Universidades católicas.
A Câmara está de acordo em que se mantenha a duração de quatro anos (incluindo o ano do estágio final). para o curso de serviço social; mas considera também útil a existência de outros cursos de nível mais modesto.

36. «Hesitou-se igualmente -lê-se no n.º 4 do relatório- quanto à constituição do curso de monitora familiar».
O desdobramento do curso de educação familiar em dois escalões - curso geral e curso normal- parece à Camará ser vantajoso.
O curso de professorado particular de ensino doméstico familiar, aprovado pelo Governo Francês em 1953, também está dividido em duas partes com sequência: monitoras de ensino doméstico e professoras de ensino doméstico familiar, equivalentes às nossas monitoras familiares e assistentes familiares.
Ponhamo-nos em face das realidades.
O número de educadoras familiares diplomadas desde o ano de 1937-1938 até ao ano de 1954-1955 foi apenas de trinta e oito. (A diferença do número entre estas e as assistentes sociais, cento e trinta e seis, de 1936-1937 a 31 de Dezembro de 1955, explica-se, talvez, por o curso de educação familiar não estar oficializado e, possivelmente, pelo prestígio da palavra social).
Das trinta e seis educadoras familiares que terminaram o curso, dezoito não trabalham presentemente; treze trabalham em instituições oficiais e cinco em instituições particulares.
Nenhuma disponível. Ora, no mês de Outubro passado o número de educadoras e monitoras familiares pedidas ao Instituto de Serviço Social foi de onze.
Como remediar esta mingua?
Esperar que se formem novas assistentes familiares, no ritmo, já um pouco mais prometedor, mas ainda lento, das inscrições (onze em 1954 e dezasseis em 1955)? Seria excessivamente demorado para acudir às necessidades prementes.
Reduzir a educação familiar a um único curso de dois anos? Seria descer a formação das assistentes, diminuindo a sua capacidade para as funções de orientação, projecção social e direcção que as esperam.

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É preciso também atender a que a criação dos cursos de índole elementar e a multiplicação dos centros familiares rurais vêm criar a necessidade de professoras para esses cursos e de supervisoras distritais com o curso normal e monitoras concelhias com o curso geral, para orientação e inspecção desses serviços, desempenhados por agentes com uma preparação muito rudimentar.
E onde ir buscá-las?!
Existindo o curso geral de educação familiar, apenas de dois anos - o que já é suficiente para serviços de direcção intermediária e também bastante para actividades directas de acção e ensino nos centros rurais, etc.-, há motivo para esperar que o número de monitoras aumente de modo a poder resolver de algum modo a falta de trabalhadoras sociais familiares e a tornar possível realizar o plano de educação familiar que o Governo tem em vista.
Parece, pois, à Camará que há vantagem no desdobramento do curso de educação familiar.
Não considerou a Camará, por não estar no espirito da proposta, a hipótese, que aliás considera merecedora de maior ponderação, de se dividir o curso de serviço social, à semelhança do de educação familiar, em curso geral e curso normal de serviço social.

BASE III

37. A base m permite a criação de cursos de especialização técnica e faz referência às necessidades da actividade social também nas ilhas adjacentes e províncias ultramarinas. For fim, refere-se aos Decretos n.º 35 457 e 35 682.
Qualquer destes pontos merece algumas palavras de apreciação.
As transformações por que o mundo tem passado neste meio século trouxeram corá elas a necessidade de especialização do serviço social. Compreende-se. Num mundo em evolução o serviço social não poderia estacionar, ele que deseja ser um elemento de progresso social.
Muitas escolas sociais estrangeiras têm cursos especializados: serviço médico; serviço social psiquiátrico; assistência à infância; assistência à família; assistência aos delinquentes; especialização de trabalho em grupo, supervisão.
Existindo ainda, por exemplo nos Estados Unidos, especializações... das especializações!... Cursos sobre testes mentais; relações públicas; serviço social internacional; defesa social; informações legais e legislação social, e outros.
Mas não nos deixemos deslumbrar pelo panorama da América. Lembremo-nos de que os Estados Unidos possuem 165 milhões de habitantes e 130 000 agentes sociais, e ainda se lamentam de só saírem das suas escolas cerca de 2000 diplomadas por ano!...
É sempre perigoso para a rã querer medir-se com o boi... Adaptemos as nossas escolas e cursos às condições e possibilidades nacionais.
No caso português, estando a Nação organizada corporativamente, está naturalmente indicada a especialização corporativa (já aprovada pelo Decreto n.º 35 457).
O corporativismo, com o seu conceito espiritualista da pessoa humana, a sua aspiração da dignificação do trabalho e o sen desejo do bem comum, não pode dispensar serviços sociais que se ocupem do bem-estar do trabalhador e da solução das suas dificuldades imprevistas.
De resto, as actividades do grupo multiplicam-se por toda a parte; estamos numa época de acção colectiva, quer seja para a esquerda ou para a direita. E os agrupamentos têm de ser acompanhados com uma acção educativa e cultural, para que as massas não sejam apenas uma força bruta, mas delas saiam valores sociais. Ora, para que a massa se personalize com consciência e dignidade tem de ser trabalhada, não só no campo económico e social, mas no campo moral.
E temos o serviço social em jogo; o serviço social que protege e defende o indivíduo, mas serve o grupo, quer o «grupo» seja a profissão, a comunidade ou a família.
Actualmente são mais os problemas da comunidade do que os casos individuais que ocupam as trabalhadoras sociais. Mas é preciso ter cuidado e não limitar o serviço social a diagnósticos psico-sociais, quando há tratamentos e bem a fazer, num campo menos cientifico mas mais humano.
For conseguinte: a especialização é necessária, mas no serviço social não pode haver exclusivismos.
Todo o exclusivismo seria empobrecimento do serviço social.
Concorda a Gamara com o serviço social corporativo, mas não vê necessidade de se incluir na base m a referência feita aos decretos que o criaram, os quais, constituindo legislação especial, não serão revogados pela presente lei.

38. A actividade social nas províncias ultramarinas merece também a aprovação da Camará.
A nossa função histórica de civilizar as populações indígenas, exercendo uma influência moral e actuando sobre o progresso material, deve fazer-nos voltar os olhos para o além-mar para estender até lá os benefícios do serviço social adaptado às circunstâncias locais e à vocação missionária de Portugal.
A preocupação do Estado em favorecer os direitos dos indígenas e em assisti-los por meio de instituições públicas e particulares não pode deixar de acarretar consigo a ideia de um serviço social que ajude a evolução dos povos nativos e aperfeiçoe os seus costumes domésticos e sociais.
Em França está reconhecido oficialmente o «Serviço Social Coloniais, que constitui uma especialização profissional.
Para as ilhas adjacentes não vê a Camará necessidade de preparação especializada, o que não quer dizer que não se estenda até lá a actividade social.

BASE IV

39. Numa aldeia tem de se ter sempre uma visão de conjunto. Família e comunidade rural não podem separar-se: a própria aldeia é uma grande família! E os problemas de uma grande família são múltiplos: é a casa, mas é também a saúde, a ocupação dos tempos livres, etc.
Tudo na vida rural está tão estreitamente unido que acudir a uma necessidade descurando as outras quase que não remedeia nada.
As condições de vida têm de ser simultaneamente melhoradas-melhor produção, melhor alimentação, etc.; quanto ao moio social, só poderá elevar-se pela contribuição de todos para o bem comum.
Para unir todos e harmonizar os esforços de todos, foram criadas as Casas do Povo e se pretende fazer delas um «centro social», nem sempre, talvez, no sentido especifico, mas tendo sempre em vista a conjugação de todas as actividades: educativas, familiares, sociais e sanitárias.
As agentes preparadas pelos cursos elementares, a quem serão confiados os centros familiares rurais, terão, pois, de ter uma formação que as habilite para a educação familiar, sim, mas também para cooperar nas necessidades da acção sanitária e entrar no movimento social da sua terra.
E-lhes necessário um mínimo de preparação polivalente, não para fazer tudo, mas para ajudar um pouco em tudo.

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E esta missão sugere, por si mesma, o nome dessas agentes: auxiliares rurais. Nome que abrange tudo e não tem pretensões a nada.
Não será aquela que orienta - acima dela haverá quem o faça -, mas será aquela com quem se conta sempre.
Em favor da família, a bem da comunidade, é indispensável fazer-se a coordenação das obras; se a Casa do Povo for amparada pelos Ministérios da Economia, das Corporações, da Educação e do Interior, então, sim, a Casa do Povo será verdadeiro lar da família rural - onde se pensa em todos, onde se olha por todos, onde se açodo a todos!
E nesta casa de família a auxiliar rural será uma presença, humilde talvez como uma luzinha de azeite; mas diz um provérbio oriental: «Se podes ser uma estrela no céu. sê uma estrela no céu; se não podes ser uma estrela no céu, sê o fogo sobre a montanha; se não podes ser o fogo sobre a montanha, sê a candeia do lar».
Que outros sejam estrela no céu e fogo na montanha: a candeia no lar também é útil e benfazeja...
Reconhecendo a utilidade da coordenação das obras, a Camará sugere que às palavras «destinados a preparar agentes de educação familiar» se acrescente na base IV: que possam simultaneamente cooperar, nesse nível elementar, com os serviços social, sanitário e de formação agrícola que o meio rural requer.

BASE v

40. Lê-se no relatório que se hesitou quanto u exigência, para a admissão no curso geral de educação familiar, das mesmas habilitações que se exigem para a admissão no curso de serviço social.
Se se considerasse apenas certo paralelismo existente entre as funções das monitoras - habilitadas com esse curso geral - e as auxiliares sociais, poder-se-ia ser tentado a exigir para aquelas as habilitações mínimas requeridas para o curso de auxiliar social.
Não é, porém, a função prática das futuras agentes sociais, nem a organização e o nível cultural dos respectivos cursos, aquilo que deve condicionar a preparação exigida para o ingresso nestes.
Ora a orgânica do curso geral é semelhante à dos cursos universitários, tal como universitários são, em geral, os professores e o próprio nível do ensino ministrado.
Por isso, e ainda por o curso geral ser um escalão do curso normal, que dá o titulo de assistente familiar, aquele curso pede, como o curso de serviço social, preparação cultural e desenvolvimento mental semelhantes aos das Faculdades. É este o critério de muitas escolas sociais estrangeiras e aquele que parece à Camará dever ser seguido nos actuais institutos.
A desigualdade de exigências de habilitações para o curso geral da educação familiar e o curso de auxiliares sociais não é injustiça. Trata-se de dois cursos diferentes, com finalidades diferentes, com títulos diferentes, em escolas diferentes, de Ministérios diferentes. E nada impede as raparigas de se matricularem no curso que mais lhes agrade ou convenha.

41. Na mesma base exige-se para a admissão ao curso normal de educação familiar, além do curso geral de educação familiar, um ano de trabalho efectivo como monitora familiar.
Esta interrupção no estudo, para durante um ano se aplicar unicamente a trabalhos práticos, tem vantagens e inconvenientes.
Vantagens. - Esse ano, para muitas alunas, é prova real de vocação e capacidade, e meio de valorização.
A monitora que volta a retomar o sen lugar no instituto trará uma visão mais larga e exacta da vida e da eficácia ou deficiência dos métodos de trabalho que já aplicou; essa experiência contribuirá favoravelmente para o acabamento da sua formação, com mais perfeita inteligência, feita de conhecimento mais real e de penetração mais intuitiva.
Este sistema de interromper o curso de educação familiar com um ano de trabalho prático não é inédito.
Em algumas «escolas de quadros» da Suécia, «depois de um ano preparatório na escola, a aluna é obrigada a um estágio de um ano, e acontece muitas vezes que, no fim desse ano de prática, a aluna não é julgada apta para seguir o ensino propriamente dito (dois anos, com uma parte teórica, onde é dado largo lugar à pedagogia, física, química, fisiologia e outras matérias) e tem de prolongar, às vezes durante anos, o sen estágios. (No ano a que a revista Informatíons Sociales faz referência, na escola de Estocolmo só admitiram vinte e quatro alunas, das setenta que fizeram um ano de estágio). Por aqui se vê a importância que dão a esta iniciação prática das alunas.
Inconvenientes. - A fraca frequência nas escolas sociais é atribuída, na opinião de algumas pessoas, a que o curso - pelas habilitações exigidas, a abundância das matérias que compõem o programa e a tua duração- se torna menos acessível que alguns cursos universitários, aos quais as raparigas e os pais são tentados a dar a preferência.
Esse ano intervalar de trabalho efectivo, obrigatório para a matricula no curso normal, alongaria o curso para cinco anos, pois a verdade é que antes de cinco anos não se poderia receber o certificado do curso.
Além disso, é de recear que a maioria das alunas, que, tendo interrompido os estudos, se empregaram e começaram a ganhar, desistam de voltar ao instituto para frequentar o curso normal. E, assim, reduzir-se-ia ainda o quadro das assistentes familiares, tão necessárias para lugares superiores.
A Câmara, tendo ponderado os prós e os contras desse ano de trabalho efectivo para a admissão ao curso normal, considera preferível não o admitir como obrigatório.
No entanto, se alguma aluna, tendo terminado o curso geral, quiser realizar esse ano de trabalho efectivo como monitora familiar, antes de ingressar no curso normal - o que só lhe poderá ser útil - deve-lhe ser facultado. Em vista da eliminação da alínea c) - com carácter obrigatório-, à Câmara parece de eliminar a alínea d), que se refere ao exame de aptidão a realizar para a entrada no curso normal.

BASES VI E VII

42. Na base vi diz-se que as profissionais habilitadas com o curso de serviço social terão direito, depois do exame final, a receber um certificado e a usar o titulo de assistente social; na base VII lê-se que as mesmas profissionais que fizerem o exame de estado receberão um diploma oficial e poderão usar o titulo de assistente de serviço social.
Para as profissionais habilitadas com o curso normal de educação familiar os nomes serão, respectivamente, nos casos acima indicados, assistente familiar e assistente de educação familiar.
Não vê a Câmara vantagem - mas apenas confusão - na distinção de títulos.
Exceptua-se o caso dos cursos de especialização em que se reconheça a conveniência de acrescentar ao titulo qualquer designação particular, como, por exemplo, o autoriza o Decreto n.º 35 457, que criou a especialização de «Serviço Social Corporativo» e no artigo 8.º concede

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às diplomadas com esse curso o titulo de privativo de assistentes de serviço social corporativo.
Parece também à Câmara que não se deva considerar apenas oficial o diploma de exame de estado.
Esse exame de estado, que aliás muito poucas assistentes sociais têm feito, é apenas uma prova pública de competência e valor, que, sendo facultativo, não deve impedir que o certificado final tenha valor oficial, embora a defesa da tese e o respectivo diploma possam ser motivo de preferência no provimento de lugares que impliquem funções de acção social ou educação.
Substitui-se a palavra auxílio, por menos apropriada na expressão auxilio social; trabalho social traduz mais perfeitamente o conceito da moderna assistência social.
Parece, pois, à Camará que o último período da base VII é de eliminar, passando as palavras que se referem à «preferencia» para outro lugar.

43. Contra os títulos das diplomadas com o curso geral e o curso normal de educação familiar tem-se manifestado, da parte de algumas assistentes sociais, uma forte corrente, alegando que essas profissionais não têm o direito de usar no seu titulo a palavra familiar, porque também as assistentes sociais actuam na família.
O facto de essas profissionais usarem os títulos de monitora familiar e assistente familiar não significa de forma alguma que o campo da família fique fechado às diplomadas com o curso de serviço social. A palavra social, já por si, diz família. Pois que é a sociedade senão um agregado de famílias?
No serviço social não podem subsistir compartimentos estanques.
Mesmo o serviço social mais individualizado -case-work- não pode alhear-se da família. Quantos casos, nas suas causas ou nas suas consequências, ou nos meios para os solucionar, põem a assistente social em face da família !
Problemas de saúde, habitação, trabalho, inadaptação, etc., tudo vai dar à família. E não só à família, a toda a comunidade humana: Estado, Igreja, cidade, freguesia, instituições, corporações, etc., pois a nenhum problema de ordem espiritual, cultural, educativo, recreativo, etc., uma assistente social pode ficar estranha.
Mas poderá negar-se que as diplomadas com os cursos de educação familiar, cuja técnica se especializa durante o curso inteiro, em avias práticas e estágios, possuam habilitações mais vastas e especiais para actuar em certos sectores familiares?
E se assim é, não terão elas o direito que se acrescente ao seu titulo a palavra familiar ?
Parece à Câmara que sim.

BABE VIII

44. Concorda-se com a obrigação do «segredo profissional». Países como a Inglaterra e os Estados Unidos não prevêem a obrigação de guardar segredo no serviço social. Outros preocupam-se com o problema.
Que atitude deve tomar a assistente quando alguma pessoa ou instituição deseja examinar os processos ou fichas dos assistidos? Ou no caso de ser chamada a depor no tribunal sobre coisas de que tomou conhecimento no exercício da sua profissão? Não terão os assistidos direito a um segredo que respeite a sua pessoa e preserve a sua intimidade, confiada ou descoberta em condições de miséria e horas de amargura, que são o drama da sua vida?
Simplesmente, a recusa de depor como testemunha constitui crime de desobediência qualificada (Código Penal, artigos 188.º e 189.º) e a recusa de informações exigidas por superior hierárquico representará infracção disciplinar, se esses factos não forem legitimados pelo exercício de um direito ou pelo cumprimento de uma obrigação legal.
Por isso mesmo, parece à Câmara que a regulamentação do «segredo profissional» das trabalhadoras sociais deve ser análoga à do segredo profissional dos médicos, enfermeiros, etc.
Toma-se esta medida, não apenas para proteger o assistido, mas para permitir que a assistente licitamente se defenda de interferências descabidas na sua missão delicada, que só poderá ser plenamente realizada em condições de absoluta confiança.

III

Conclusões

45. A Câmara Corporativa concorda com o reconhecimento oficial dos cursos de educação familiar (geral e normal); reconhece a utilidade dos cursos de Índole elementar; considera necessária a fundação de centros familiares rurais e alvitra a organização de cursos itinerantes.
A Câmara entende, ainda, que o projecto da proposta de lei n.º 016 merece ser aprovado na generalidade e propõe, quanto à especialidade, em consequência das modificações sugeridas, a seguinte redacção:

BASE I

Pelo Ministério da Educação Nacional, e dentro do quadro dos estabelecimentos de ensino particular, poderá ser autorizado o funcionamento de escolas destinadas à formação de assistentes sociais, de assistentes familiares e de monitoras familiares, por forma a assegurar a satisfação da necessidade do pessoal técnico, tanto dos serviços públicos como das instituições particulares, que, em qualquer aspecto da sua actividade, se proponham fins de serviço social, educação familiar ou acção social.
Essas escolas terão organização diferenciada e autónoma e a sua direcção será constituída por pessoas de nacionalidade portuguesa, sem embargo da faculdade de recurso à colaboração de professores estrangeiros quando o exijam as necessidades do ensino.
O ensino ministrado nas escolas de serviço social será sempre orientado no sentido humano, corporativo e cristão.

BASE II

Nas escolas de serviço social poderão funcionar todos ou alguns dos seguintes cursos:

a) curso de serviço social;
b) Curso geral de educação familiar;
c) Curso normal de educação familiar.
O curso de serviço social tem a duração de quatro anos e prepara assistentes sociais. O curso geral de educação familiar, com a duração de dois anos, prepara monitoras familiares. O curso normal de educação familiar tem a duração de dois anos e prepara assistentes familiares.
Estes cursos constam de estudos teóricos e práticos, revestindo a forma de aulas, visitas de estudo e estágios, elaboração do relatórios e de outros trabalhos e realização de trabalho social efectivo, conforme programas a fixar pelo Ministério da Educação Nacional.
O curso de serviço social poderá ser frequentado também por alunos do sexo masculino, com as necessárias adaptações e com a obtenção de idêntico diploma.

BASE III

Poderão ser criados cursos de especialização técnica por despacho do Ministro da Educação Nacional, sobre requerimento fundamentado de uma escola de serviço

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social autorizada e parecer da Junta Nacional da Educação, devendo ter-se em conta, para a determinação da sua duração orgânica e programas, as necessidades da actividade social tanto na metrópole como nas províncias ultramarinas.

BASE IV

Pode o Ministro da Educação Nacional, ouvida a Junta Nacional da Educação, autorizar nas escolas de serviço social, ou fora delas, a criação de cursos de educação familiar rural, destinados a preparar agentes da educação familiar que possam simultaneamente cooperar, no nível próprio, com os serviços social, sanitário e de formação agrícola que o meto rural requer.

BASE V

A admissão à matricula no curso de serviço social e no curso geral de educação familiar só é permitida a candidatas que tenham, pelo menos, 17 anos de idade e alguma das habilitações seguintes:
a) 3.º ciclo do curso dos liceus ou cultura equivalente, comprovada em exame de aptidão a realizar na escola em que pretenda ingressar;
b) Curso do Magistério Primário;
c) Qualquer curso que permita a matricula em escola de ensino superior.
Para a admissão à matrícula no curso normal de educação familiar exige-se a habilitação do curso geral de educação familiar.
Para admissão à matricula nos cursos de especialização técnica exigir-se-á a habilitação do curso de serviço social ou do curso normal de educação familiar e aptidão, a comprovar pela forma que o Ministério da Educação Nacional determinará para cada curso.
§ único. As diplomadas com o curso geral de educação familiar poderão, se assim o desejarem fazer, um ano de trabalho efectivo como monitora familiar, antes de se matricularem no curso normal.
A escola poderá facultar, se assim o entender, a realização deste ano de trabalho também ás alunas do curso de serviço social.

BASE VI

O aproveitamento das alunas do curso de serviço social, do curso geral de educação familiar e do curso normal de educação familiar será em cada escola anualmente verificado por meio de provas prestadas perante os respectivos júris de exame, não podendo ser concedido o certificado final sem a aprovação em todas as matérias do curso frequentado.
As profissionais habilitadas com o certificado final daqueles cursos terão direito ao uso dos títulos de assistente social, monitora familiar e assistente familiar, respectivamente.

BASE VII

O Exame de Estado do curso de serviço social e do curso normal de educação familiar só poderá ter lugar depois de dois anos, pelo menos, de trabalho profissional efectivo e compreenderá a defesa de uma tese elaborada pelo candidato perante um júri único, de três a cinco membros, nomeado pelo Ministro da Educação Nacional, com intervenção de professores das escolas e uma delegada da Obra das Mães pela Educação Nacional.
As profissionais que tiverem feito o Exame de Estado terão preferência no provimento de lugares que impliquem funções de trabalho social ou educação.

BASE VIII

As profissionais a que se referem as bases II, III e IV da presente proposta de lei serão obrigadas à observância do «segredo profissional» relativamente aos factos de que tenham tido conhecimento em virtude do exercício da profissão.

BASE IX

Fica o Governo, pelo Ministério da Educação Nacional, autorizado a tomar as providências que julgue adequadas no sentido de acautelar os legítimos interesses não só das alunas que presentemente frequentam os cursos de educação familiar no Instituto de Serviço. Social, de Lisboa, e na Escola Normal Social, de Coimbra, mas também das profissionais já habilitadas com os referidos cursos daqueles estabelecimentos.

Palácio de S. Bento, 19 de Março de 1956.

António Avelino Gonçalves.
Amândio Joaquim Tavares.
Adriano Gonçalves da Cunha.
Guilherme Braga da Cruz.
Luís Filipe Leite Pinto.
Manuel Duarte Cromes da Silva.
Luís Quartin Graça.
Quirino dos Santos Mealha.
Luís Manuel fragoso Fernandes.
Maria Joana Mendes Leal, relator.

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