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REPÚBLICA PORTUGUESA

ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA

N.º 91 VI LEGISLATURA 1956 7 DE JUNHO

PARECER N.º 42/VI

Proposta de lei n.º 37

Corporações

A Câmara Corporativa, consultada, noa termos do artigo 103.º da Constituição, acerca da proposta de lei n.º 37, sobre Corporações, emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecção de Política e administração geral), à qual foram agregados os Dignos Procuradores António Aires Ferreira, Domingos da Costa e Silva, João Baptista de Araújo, João Ubach Chaves, Joaquim Moreira da Silva Cunha, José António Ferreira Barbosa, José Augusto Vaz Pinto, José Frederico do Casal Ribeiro Ulrich, José Gabriel Pinto Coelho, José Maria Dias Fidalgo, José Penalva Franco Frazão, Luís Quartin Graça, Manuel Alberto Andrade e Sousa, Manuel de Almeida de Azevedo e Vasconcelos, Mário da Silva de Ávila, Quirino dos Santos Mealha, Rafael da Silva Neves Duque e Tomás de Aquino da Silva, sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:

ÍNDICE

I

Apreciação na generalidade i

Introdução

§ 1.º Propositura e importância do problema (n.º 1).
§ 2.º Possíveis repercussões na ordem, externa (n.º 2 e 3).
§ 3.º Os dois sistemas puros de organização social - individualista e socialista- e as suas fórmulas de compromisso (n.º 4 e 5).
§ 4.º A tendência moderna para o «socialismo mitigado» e os seus perigos (n.º 6 e 7).
§ 5.º Uma terceira solução autónoma - o sistema corporativo (n.º 8 a 10).
§ 6.º Retardamento na aplicação prática do sistema corporativo (n.º 11 a 13).
§ 7.º O neocorporativismo como fenómeno de reacção e as suas origens (n.º 14 a 16).
§ 8.º O regime corporativo português. Uma escola corporativa realista (n.º 17 a 20).
§ 9.º Realizações corporativas actuais no estrangeiro (n.º 21 e 22).

II

A corporação na concepção portuguesa

§ 10.º Razão de ordem (n.º 23).
§ 11.º Os organismos corporativos do regime português - A corporação (n.º 24 a 27).
§ 12.º Corporações morais, culturais e económicas (n.º 28 a 31).
§13.º Corporação económico-social ou corporação económica e corporação social? (n.º 32 e 33).
§14.º Corporação de base sindical e de base empresarial (n.º 34 a 36).
§15.º Processos de enquadramento na corporação (n.º 37 a 39).
§16.º O enquadramento de actividades não organizadas ou a que faltam os organismos intermédios (n.º 40 a 44).
§17.º Organismo coordenador das corporações (n.º 45 a 48).
§18.º O princípio da autonomia e o condicionalismo que requer (n.º 49 a 51).
§19.º O princípio da fiscalização - factor imprescindível do equilíbrio funcional (n.º 52 a 55).

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§ 20.º O problema da competência (n.º 56 a 69).
§ 21.º Organização e funcionamento (n.º 60).
§ 23.º Património, serviços e pessoal (n.º 61 a 63).
§ 23.º Os organismos de coordenação económica perante a instituição de corporações (n.º 64 a 72).
§ 24.º Critérios de integração corporativa (n.º 73 a 82).
§ 25.º O critério de integração adoptado na proposta de lei (n.º 83 a 90).
§ 26.º Uma solução viável de integração corporativa (n.º 91 e 92).
§ 27.º O problema corporativo do ultramar (n.º 93 e 94).
§ 28.º Simples esboço de possíveis corporações a criar (n.º 95).
§ 29.º Considerações gerais (n.º 96).

II

Exame na especialidade

N.º 98 a 119.

III

Conclusões

N.º 120.

I

Apreciação na generalidade

I

Introdução

§ 1.º

Propositura e Importância do problema

1. A Câmara Corporativa é chamada a pronunciar-se sobre a proposta de lei n.º 37, que visa a modificar o regime jurídico da corporação, promulgado pelo decreto-Lei n.º 29 110, de 12 de Dezembro de 1938.
A providência, olhada assim, sob o ângulo restrito da mera substituição de um diploma por outro - e por mais profundas ou meritórias que fossem as alterações agora introduzidas-, não nos exprime a verdadeira grandeza do acontecimento. Para avaliá-lo na sua justa medida, torna-se necessário acrescentar que o novo estatuto da corporação surge como anunciador da instituição próxima das primeiras corporações portuguesas. E o sucesso ganha entoo toda a sua altura e transcendência.

Estamos, pois, colocados perante a intenção peremptória, por parte do Governo, de levar a nossa organização corporativa ao seu termo natural, outorgando-lhe os órgãos superiores que coordenem, toda essa gama de interesses, actualmente pulverizada em centenas de organismos corporativos primários ou intermédios. Quer dizer: o processo da organização portuguesa, de base sindical quanto aos organismos inferiores, só agora poderá arrogar-se a qualidade de sistema corporativo, porque só agora será possível operar-se, por via institucional, a coordenação hierárquica das múltiplas funções e interesses que tais organismos prosseguem.
O facto possui um alcance ou, melhor, deverá possuir um alcance - de que nem todos se terão ainda apercebido suficientemente. Representa, ou deve representar, uma autêntica «viragem histórica», a tomada de um novo rumo, com todas as implicações que na sua novidade se contêm.
Para tantos, para uma grande maioria, o Estado Corporativo será praticamente igual aos outros, apenas com a diferença no «pormenor», de utilizar o instrumento corporativo como processo de organização.
Nada mais erróneo nem mais prejudicial. E nunca será ocioso desfazer a dúvida ou aã ilusões que pairam em muitos espíritos, só inclinados para a concepção corporativa porque ela se lhes afigura a couraça protectora das situações criadas, a muralha oposta aos ventos que sopram do Leste. Ora, para além da circunstância anticomunista ou anti-socialista como princípio de orientação social - o que só por si não é despiciendo - o corporativismo encerra um corpo bem definido de conceitos próprios e, em razão deles, postula reformas na ordem social, na ordem económica, na ordem política e na ordem moral.
Por isso tanto se tem falado, e bem, na necessidade de uma «consciência corporativa» nacional e de uma cuidadosa «formação de dirigentes», como fulcro de nova mentalidade impulsionadora e aceleradora da série de reformas de estrutura de que o País está carecido e às quais o corporativismo responde por forma perfeitamente definida, na concepção, e actualizada, no tempo. E daqui também a razão determinante de terem sido ao mesmo tempo enviadas à Assembleia Nacional, e por consequência ao parecer da Câmara Corporativa, duas propostas de lei essencialmente complementares: a que está sendo objecto de apreciação e outra sobre um largo «Plano de Formação Social e Corporativa».
E assim, à luz das premissas anteriores, apenas esboçadas e mais adiante desenvolvidas, que o problema posto à consideração da Câmara adquire, tanto em profundidade como em extensão, os seus foros de grande acontecimento nacional e transcendente projecção.

§ 2.º

Possíveis repercussões na ordem externa

2. Grande acontecimento nacional, é-o sem dúvida.
Resta saber, no plano externo, se a nossa capacidade de realização será de molde a conferir ao surto de corporativismo aplicado em que vamos entrar o potencial de expansão que a própria ideia corporativa comporta em si. Conseguiu-o manifestamente a experiência da Itália fascista, galgando as fronteiras de todo o mundo civilizado durante um largo período que antecedeu a última guerra mundial, concitando a curiosidade e o estudo de alguns dos maiores pensadores em matéria social, de todos os países, e dando lugar a uma abundantíssima bibliografia, ainda hoje utilizada com inegável proveito.
A notar que o movimento expansivo do corporativismo italiano foi sempre travado no seu avanço exterior pela grilheta do fascismo, a que andava amarrado. Se não fora essa marca totalitária, que justificadamente funcionou como motivo de prevenção ou desconfiança, a experiência corporativa italiana teria porventura alcançado uma repercussão ainda maior, sem ter a coarctá-la a força perturbadora do elemento político.
O caso português é bem diferente, como se proclama alto, e sem reticências, no relatório da presente proposta de lei. Pretende-se instaurar um corporativismo autónomo, colocando o Estado fora da corporação - único lugar onde poderá manter uma posição isenta e desapaixonada perante os choques de interesses, sem neles intervir mais do que com a sua autoridade e dignidade de juiz; único lugar onde nunca poderá perder a visão geral e superior de todos os problemas nacionais, por forma a assegurar o bem comum.
E por ser assim, porque a nossa fórmula corporativa não é acessório nem instrumento do socialismo, à maneira italiana, antes se apresenta como sistema independente de organização, não causaria surpresa, nem seria utopia, acreditar que pudesse vir a constituir, em futuro mais ou menos próximo, um padrão de vida social onde outros povos vissem vantagem em inspirar-se.

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3. Tal significaria que temos vindo a acender, nestas costas mais ocidentais da Europa, uma pequena luz que, mal se vislumbrando até agora, teria porventura a força de irradiação suficiente para se transformar em potente farol que pudesse iluminar o Mundo.
Esta circunstância, se feliz por um lado, traz, por outro, uma «pesadíssima responsabilidade, quando tivermos a perfeita consciência de que não estaremos a fazer um simples ensaio para uso exclusivo da pequena casa lusitana, mas antes e simultaneamente a construir algo de que pode depender o destino da Humanidade. Maior ónus, ainda, se tivermos em mente que podemos vir a ser acusados por incapacidade de realização, desrespeito dos princípios, pusilanimidade ou falta de fé - de não estarmos à altura das circunstâncias ao empunharmos, voluntariamente e quase sozinhos, o estandarte do. corporativismo.
Ë por demais evidente que só será legítimo raciocinar assim quando, com segura consciência, se possa responder afirmativamente a duas questões preliminares fundamentais, e .pela ordem seguinte:
Estará o Mundo de hoje necessitado de fontes de inspiração no terreno social, ou, por outras palavras, 'terá o nosso tempo encontrado já a fórmula de organização que permita o arranjo dos homens na sociedade em condições sofríveis de paz, de ordem material e moral e de justiça?
Terá a concepção corporativa, por seu turno, a bondade e o vigor, como ideia, para se arvorar em condutora de novos destinos e mais sãos?
Tentaremos que não fiquem sem resposta estas duas magnas interrogações.

§ 3.°

Os dois sistemas puros de organização social -Individualista e socialista - e as suas fórmulas de compromisso

4. O panorama do Mundo Ocidental que está sob os nossos olhos fornece-nos uma imagem conturbada e revolta. Há desorientação nos espíritos, há perplexidade, indecisão e angústia; há sintomas de doença social, grave e em ritmo acelerado. Os pensadores filósofos, sociólogos, economistas e tantos outros- escrevem o seu diagnóstico, quase concordante por unanimidade, mas não encontram remédio eficaz para o mal. Tudo sinais insofismáveis de que a Humanidade vive um estado transitório, sempre caracterizado por convulsões de toda a índole, e aguarda -sabe Deus para quando - a fase permanente em que a vida espiritual e material dos homens alcance aquele mínimo de normalidade que é seu anseio premente ou, pelo menos, uma linha tendencial para esse mínimo.
(Transição» parece ser realmente, e reduzido à sua expressão mais simples, o traço dominante nas últimas décadas neste lado ocidental da Terra e -poderia acrescentar-se ainda, embora . sem tanta certeza - o .traço genérico de todo o viver social presente, para cá e para lá da chamada «cortina de ferro».
Estão em guerra - aberta e declarada, em toda a problemática, social, as duas clássicas teses - o liberalismo e o socialismo. Por certo que são múltiplas as variantes de liberalismo individualista ou de socialismo, acusando desvios mais ou menos importantes, mas entroncando na mesma raiz comum, designadamente o neoliberalismo e o neo-socialismo, este com manifestações actuais bem conhecidas: o comunismo, o trabalhismo e as diversas correntes do neo-socialismo francês.
E compreende-se facilmente que assim suceda, sabido como é que toda a doutrina rígida e pura, tal como originariamente nasceu, está sujeita a um processo de revisão, pode dizer-se contínuo, no sentido da sua adaptação ao condicionalismo social do momento ou a novas correntes de pensamento que se-vão consolidando.
5. Como quer que seja, porém, e apesar das revisões sofridas, as variantes doutrinárias mantêm-se fiéis aos princípios basilares da doutrina original de que descendem. O mesmo é dizer que, no .fundo, se reduzem a dois os sistemas puros de organização - social: o sistema individualista e o sistema socialista.
Ou a sociedade se organiza em função do indivíduo
- este, a única realidade verdadeiramente válida a quê o Estado se submete voluntariamente, porque, em princípio, só existe para garantir o exercício livre da iniciativa individual -, ou o indivíduo se organiza em função da sociedade - esta a - realidade imperante, dominadora, a que o indivíduo, quer queira, quer não, tem de ficar subjugado, como simples algarismo de um grande «cérebro electrónico» - o Estado -, que faz todos os cálculos para cada pormenor da vida social.
No primeiro caso teremos o «Estado neutro», só preocupado com a paz nas ruas (ainda aqui vergado à segurança do indivíduo) e assistindo impassível ao trágico conflito capital-trabalho e à luta económica e feroz entre as empresas (Etat gendarme). Tudo em homenagem a uma «ordem-natural», que a livre iniciativa dos egoísmos individuais automaticamente há-de engendrar.
No segundo caso teremos o «Estado providência», assumindo o comando de toda a iniciativa, erguendo uma burocracia gigantesca, capaz de riscar a régua e compasso a planificação de todos os quadros da vida em sociedade, suprimindo radicalmente a «questão social» e a «luta económica», porque inventa o «Estado patrão». E tudo isto, em razão da comprovada incapacidade dos indivíduos para forjarem por si uma ordem estável, onde se possa alcançar uma equitativa distribuição da riqueza, o que equivale a construir justiça social segundo um critério exclusivamente materialista.
Por certo que os dois sistemas apontados, de contornos rígidos e geométricos, nunca poderiam ter aplicação prática em toda a sua pureza. Mas temos a sua concretização, muito aproximada, em dois exemplos historicamente registados: o primeiro, o surto do liberalismo, que nasceu manchado de sangue, com a Revolução Francesa, reinou em toda a Europa e América durante o século XIX e veio a morrer nessa outra carnificina que foi a primeira grande guerra; o segundo, que surgiu em sucessão cronológica imediata no Leste europeu, ainda subsiste em termos de grande vitalidade e -mais do que isso- já se encontra disseminado na maior parte do continente asiático.
Tudo o resto que conta actualmente quedemo-nos na Europa Ocidental e na América- vive em regime de transigências mútuas entre o individualismo e o socialismo. Tais soluções de compromisso ou vivem mais acantonadas na fórmula socialista, como o Ocidente europeu, ou ainda de certo modo ligadas à inspiração individualista, como os 'Estados Unidos da América do Norte.
Uma visão de conjunto sobre o panorama do Mundo Ocidental revela, pois, uma tendência marcada para a fórmula de um «socialismo mitigado».
E compreende-se semelhante tendência. Superado o liberalismo individualista, pelo menos nos domínios do social e dó económico, por ter deixado de corresponder às novas estruturas do meio e à mentalidade dominante, o homem julga não ter outra alternativa senão a de integrar-se no Estado socialista, pois o imperativo da sua condição o obriga a construir a «cidade» em que possa viver.
Mas, com esta integração, o homem sabe que abdica de prerrogativas que ciosamente desejaria conservar e, sobretudo, tem no subconsciente o receio, seguramente fundado, de que as abdicações se hão-de suceder em ritmo progressivo, porque a onda socialista, por

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definição, não deixa de se avolumar e só pára quando o Estado se encontrar pletórico e o indivíduo atrofiado. Em síntese: o homem sente não lhe ser permitido dizer-se individualista, mas no fundo não quer o socialismo. E não será esta uma das causas profundas do grande drama que a Humanidade vive presentemente, daquela desorientação, perplexidade e angústia, daquele estado convulsivo de transição a que antes nos referimos?

§ 4.º

A tendência moderna para o «socialismo mitigado» e os seus perigos

6. Esse socialismo mitigado que o Ocidente europeu está praticando, em maior ou menor escala, é a única forma possível de organização social para quantos entendam que -para além do individualismo, ultrapassado, e do socialismo puro, que se repele- não existe outra alternativa para enquadrar os homens em sociedade.
Circunscritos nesse horizonte limitado, os povos ocidentais submetem-se à fatalidade da situação e aceitam-na vencidos. Más tem de reconhecer-se que semelhante posição não pode ter carácter definitivo e permanente, não pode constituir mais do que expediente transitório ou solução de emergência.
Todos sabem o que é organizar um Estado ao pendor do individualismo puro ou do- socialismo comunista, mas ninguém sabe, nem jamais saberá, quais são em rigor os pilares para a construção do Estado sob a forma de «socialismo transigente». E que, na realidade, o sistema de organização individualista assenta em princípios bem definidos que facultam os dados suficientes para se conduzir uma política operante em todos os sectores da vida social, permitindo um rumo - melhor ou pior, mas indubitavelmente fixo- na orientação do Estado. E o mesmo se passa com o sistema socialista puro, onde há também princípios, agora contrários, mas incontestavelmente seguros, para neles alicerçar uma política - mais ou menos humanamente viável, não interessa discuti-lo, mas em perfeitas condições de certeza.
E esta segurança de princípios, é esta potencialidade de uma política estável e certa, que falta inteiramente no socialismo mitigado. Mercê da sua própria natureza de solução ecléctica, todo o seu poder de acção é vacilante e movediço, oscilando ao sabor das oportunidades do momento e sempre vergado aos arranjos, mais ou menos confessáveis, entre os partidos políticos. Não se esqueça que este socialismo de que nos ocupamos aceitou intacta, do liberalismo, a herança política da democracia parlamentar, embora a tenha repudiado, em grande parte, nos domínios económico e social.

7. Pseudo-sistema de organização, o socialismo transigente é, portanto, um processo híbrido; como tal, sem definição precisa. E não pode conceber-se que, por essa via, o Mundo venha a conseguir aquele mínimo de normalidade material e moral que a sua declarada perturbação e o seu estado convulsivo patente reclamam de modo assustador.
Repare-se, contudo, que o socialismo mitigado não se mostra apenas ineficaz como remédio, mas encerra em si mesmo um perigo sério, para quem não aceite uma fórmula de socialismo puro. E que, muito embora de mão» dadas com o liberalismo, ele parte de uma base predominantemente socialista.
E então, uma de duas: ou é incoerente consigo mesmo, travando o intervencionismo do Estado, que sabemos ser uma autêntica «bola de neve», e assim negará as suas próprias premissas, desacreditando-se como ideologia política; ou, coerentemente, tem de entregai ao Estado cada vez maior soma de atribuições ou poderes e, seja qual for a resistência que intente opor ao avanço, a meta onde vai tocar, a (prazo mais longo ou mais curto, é sempre o socialismo puro.
Ora o socialismo atenuado apresenta-se e confessa-se declaradamente anticomunista, agindo «aparentemente» como seu adversário. E assim comete um grande erro de lógica: aceitar o «princípio» e rejeitar o «fim», admitir uma causa e negar os seus efeitos naturais.
Em resumo: pondo de parte toda a ingenuidade mascarada, quem queira enfileirar conscienciosamente nas hostes do socialismo transigente deve ponderar que ajuda a ideia comunista, mesmo sem querer, e que trabalha para a sua implantação futura. Este parece ser o dilema para os que têm responsabilidades na condução dos povos, para os chefes ou influentes políticos; e tema grave para a sua meditação. Porque o povo, não sendo esclarecido, pode bem caminhar de olhos tapados, e com certeza «ingenuamente», para aquilo de que, no seu íntimo profundo, desejaria afastar-se.

§ 5.º

Uma terceira solução autónoma - o sistema corporativo

8. Perante esta verdadeira crise de organização em que os países ocidentais se debatem, à procura de um rumo certo na encruzilhada individualismo-socialismo, e na sua gama variada de soluções eclécticas, chegou a altura de perguntar se é fatal essa dicotomia, se não existe ao lado dos dois sistemas puros -individualista e socialista- um terceiro sistema ou uma terceira solução.
Quando se fala em terceiro sistema, o que se quer significar não é obviamente mais uma solução intermédia, de compromisso entre o individualismo e o socialismo, como tantas que por toda a parte proliferam. E, sim, uma nova solução diferente daquelas duas, que contenha um princípio distinto de ambas e cujos contornos não se lhes possam assimilar, confundindo-se nelas.
Mas existe tal solução, de conteúdo verdadeiramente autónomo?
Responde-se com uma afirmativa categórica, e com a plena consciência de que não se está a fazer, no domínio do social, qualquer coisa como uma descoberta. Nem sequer como novidade se apresenta, porque o sistema foi experimentado durante séculos sucessivos e ninguém o desconhece. Mais do que isso, o sistema não é invenção do homem, mas decorre da própria natureza humana; não é postulado teórico, mas imperativo da realidade social. E de tal modo que, em qualquer sociedade, humana, se não houver força estranha a tolhê-la, a tendência imediata e espontânea, a tendência natural, será para uma organização sob essa forma.
Queremos referir-nos, como já se calcula, ao sistema corporativo.
9. Na verdade, não são apenas dois os sistemas puros de organização social -individualista e socialista-, porque pode demonstrar-se, sem dificuldade, que o sistema corporativo não se identifica com qualquer deles nem é combinação dos dois. Enquanto no sistema individualista e no sistema socialista a imagem social se exprime por uma criação abstracta da inteligência, que é o binómio Indivíduo-Estado, com predomínio absoluto de um dos dois termos, na solução corporativa - porque parte da realidade concreta - a imagem da sociedade humana apresenta-se sob a forma natural e trinómica Indivíduo-Instituição-Estado.

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A simples intercalação ou enquadramento desse novo 3 terceiro termo -a instituição- é o primeiro traço inconfundível do sistema, porque nada tem de comum som o puro individualismo ou o puro socialismo. Mas pode acrescentar-se, e desde já, um segundo traço de distinção, adjuvante daquele e também essencial para a caracterização do sistema corporativo: não há predomínio exclusivista de qualquer das entidades Indivíduo-Instituição-Estado, antes coexistem todas em estreita interdependência. E cada qual no desempenho de uma função própria e no exercício de uma competência limitada, por forma á obter-se o equilíbrio orgânico e funcional do sistema.
A existência desse novo elemento institucional, que a solução corporativa comporta, é desde logo um facto transcendente; atribui-lhe -no plano das concepções que visam o concreto humano e social- uma superioridade incontroversa relativamente às soluções individualista e socialista, que se forjam sobre a premissa abstracta e falsa de apenas duas realidades em jogo no meio social - o indivíduo e o Estado. Nestas últimas soluções sobe-se do mínimo para o máximo, do indivíduo para o Estado, em salto de gigante, como se os homens normais que todos somos mão precisassem de degraus intercalares para vencerem distâncias maiores que as suas passadas; como se fosse possível, sem desvirtuar a natureza das coisas, pôr milhões de indivíduos isolados e dispersos por um país imediata e directamente vinculados -sem qualquer ligação intermédia- a essa coisa tão complexa que é o Estado. Pergunte-se a um rural se ele se sente ligado ao Estado ou compreende o que isso representa, e ele mostrar-se-á surpreendido ou talvez suponha que o estão a desfrutar. Mas inquira-se o que o mesmo rural pensa a respeito da sua família ou da sua freguesia, da sua Casa do Povo ou da sua associação recreativa, e ele saberá dizer alguma coisa dessas instituições em que está directamente integrado, que sente próximas de si, que pode abranger com a vista e lhe fornecem uma expressão nítida, real, perceptível.
E que a ordem da Natureza prescreve uma sucessão de instituições para se chegar do indivíduo ao Estado. Sendo o homem um ser eminentemente social, já pelo seu instinto de animal gregário, já pelo fatalismo da 6ua condição humana, traz dentro de si a vocação para se unir aos seus semelhantes e, assim, forma com eles os mais variados grupos, consoante os múltiplos fins que subordinam a vida humana.
Daí que o agregado social, logo que atinge certo desenvolvimento, se apresente compartimentado em sociedades menores, vivendo na órbita de uma sociedade maior, que exprime a sua unidade política. Daí que o corporativismo, ao respeitar uma estrutural inclinação associativa, e ao aproveitá-la como princípio motor do mecanismo social, proponha um sistema de organização que está plenamente de acordo com a ordem da Natureza e que assenta na realidade concreta.

10. Note-se que o corporativismo não se contenta com favorecer a criação dessas instituições em que o homem se integra. Procura aperfeiçoar o seu relacionamento e coordenação, articulando-as entre si e em planos sucessivos, de molde a promover a conciliação dos vários interesses, trabalhando para um conjunto harmónico donde possa brotar a consciência do bem comum. E, além disso, agora como remate lógico dos pressupostos de que parte, o corporativismo procura extrair do fenómeno institucional todo o seu rendimento útil: confere às instituições corporativas poderes de gestão dos seus interesses próprios e dá-lhes representação adequada na orgânica superior e política do Estado.
Este um dos seus maiores méritos. Não só porque descarrega o Estado macrocéfalo de um grande número de encargos que os interessados deverão estar em melhores condições de suportar -conhecendo e vivendo os problemas específicos das suas actividades - como também porque, ao considerar as instituições corporativas elementos reais e vivos do meio social, tira do facto as suas consequências lógicas e naturais, atribuindo-lhes o poder normativo e o carácter público, ouvindo e acatando a sua voz no plano supremo da estrutura constitucional do Estado.
Estas as linhas mestras do corporativismo; esta a ossatura do sistema corporativo. Mas o que mais importa, segundo a linha de pensamento antes definida, é acentuar firmemente, o carácter autónomo da solução corporativa e concluir, portanto, pela existência de três sistemas puros de organização social: o sistema individualista, o sistema socialista e o sistema corporativo.

§ 6.º

Retardamento na aplicação prática do sistema corporativo

11. Causará, todavia, surpresa o facto -estranho, pelo menos, à primeira vista- de existir um terceiro sistema de organização, adaptável ao condicionalismo próprio da época e com raízes nascidas no terreno natural do homem e da sociedade, sem que os povos angustiosos e vacilantes deitem mão dele como tentativa de salvação.
A primeira razão, e a maior de todas, é que, em matéria social, as grandes transformações de estrutura só se operam com arrastada lentidão. Vencem com extrema dificuldade as resistências continuamente opostas pelas velhas estruturas, pelos conceitos geralmente aceites e os hábitos consolidados, pelas instituições profundamente enraizadas e os fortes interesses humanos que dentro delas se criaram. Não se esqueça que já na primeira metade do século XVIII Vincent de Gournay desfraldava a bandeira do laissez faire, laissez passer, para só em pleno século XIX a nova doutrina se generalizar. E sabe-se também que Engels e Marx escreveram o famoso «Manifesto Comunista» em 1847 e só no primeiro quartel do século XX, com a grande guerra de 1914-1918, o comunismo se implantou na Rússia. Isto para citar apenas dois casos frisantes nos domínios que nos têm ocupado do liberalismo e do socialismo.

12. Mas, além do longo processamento histórico das modificações estruturais, ainda há, quanto ao corporativismo, outras1 razões do seu atraso como sistema aplicado, estas agora de carácter específico.
Antes de tudo, é preciso considerar que o regime corporativo foi o precedente cronologicamente imediato do liberalismo. Se este eclodiu com a revolução de 1789, aquele pode dizer-se que também veio a desaparecer nessa grande viragem do Mundo, após ter florescido na baixa Idade Média (séculos XIII a XVI) - onde as «corporações de artes e ofícios» atingiram o apogeu- e depois de ter atravessado já em declive todo o período da Idade Moderna. Feitas as contas, à escala da civilização ocidental e a partir do período medievo, são quase seis séculos de tipo institucional e corporativo, contra menos de dois de liberalismo, e cerca de meio século dê tendência socialista.
Não se pode dizer, pois, que o juízo da história, reportado aos nossos dias e na sua expressão quantitativa, apresente um saldo desfavorável ao corporativismo. Mas exactamente porque ainda mão passaram duzentos anos sobre a supressão das primeiras corporações em França (Leis Dallarde e Le Chapelier, de 1791), e ape-

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sar de os «corpos profissionais» se terem desenvolvido espontaneamente por todo o Ocidente europeu, talvez que o simples facto desta relativa proximidade, no tempo, tenha trabalhado em desfavor de uma restauração corporativa. Isto porque, embora a distância não seja suficiente para apagar os ecos de um clima de paz e concórdia social, que sabemos ter caracterizado o período áureo das corporações medievais, também, por outro lado, está ainda muito recente, e viva, a ideia de que o regime corporativo de então só foi abolido porque não era já compatível com as modificações verificadas na estrutura do meio económico-social e com os novos conceitos elaborados pela filosofia individualista e racionalista do século XVIII.
Não se negam estes factores notórios, como causas evidentes do declínio e consequente supressão dos grémios dos ofícios. Basta atentar em fenómenos como a passagem de sistema de economia urbana ao sistema de economia nacional, ou o advento do capitalismo, que lhe foi coincidente: basta considerar a nova ideologia -assente nos princípios da livre iniciativa, da liberdade individual e da liberdade de trabalho- para se tomar verdadeira consciência das extraordinárias mutações registadas nessa época e da sua repercussão fatal nas instituições vigentes.
Importa, porém, esclarecer que estes dois importantes factores - económico-social e ideológico - actuaram em cheio sobre as antigas corporações, e acabaram por as eliminar, sobretudo pela circunstância infeliz de os seus dirigentes responsáveis não terem sabido afeiçoar gradualmente a organização corporativa ao novo condicionalismo.
Em vez disso, tornaram ainda mais fechadas as corporações, em lugar de as abrir e de as estruturar em moldes adequados, e reagiram cor todos os meios, supondo talvez que poderiam sair vencedores na contenda. E foi esse p erro de visão dos mestres dos ofícios - visível à distância de hoje e com os dados do conhecimento histórico; naturalmente imprevisível à luz do seu tempo e ao baixo nível de cultura desses honrados artesanos, que deixaram à posteridade a esplêndida herança de uma dignidade profissional e de uma probidade moral jamais atingidas.
O argumento contra o corporativismo, tirado da sua exclusiva adaptabilidade ao sistema de economia artesanal e impossível manutenção nas estruturas económicas modernas, é manifestamente invalioso em face dos dados que a experiência contemporânea tem fornecido prodigamente. Ela demonstra que o princípio corporativo tem a elasticidade bastante para se adaptar às transformações do condicionalismo económico-social: eterno e fixo como princípio, porque decorrente da ordem da natureza, e só transitório ou variável na forma da sua aplicação.
Mas a inconsistência do argumento mais se avantaja agora, em que os tempos já são outros, certo como é que estamos vivendo de novo uma época marcadamente institucional, que abre perspectivas óptimas para a instauração de regimes corporativos autênticos.

13. E, depois dos anteriores, apontaremos apenas um outro motivo que justifica o atraso ma realização do ideal corporativo.
Voltámos, assim, uma vez mais, ao caso da Itália fascista, agora para afirmar que ele teve o merecimento incontestável de atrair as atenções de todo o mundo civilizado, pela sua apresentação brilhante, atirando para o primeiro plano do pensamento universal o estudo dos problemas corporativos. Mas, se não pode negar-se esta efectiva vitória, também não pode desconhecer-se que o estigma totalitário do fascismo desvirtuou a beleza e a bondade do corporativismo italiano. E foi esse o flanco frágil por onde o atacaram com êxito.
Mesmo assim, se não fora a última guerra mundial, de que a Itália saiu vencida, não se sabe qual o destino do seu regime corporativo, mesmo truncado como estava pelo princípio socialista, que o dominava em absoluto. Embora socialismo corporativo ,e, portanto, muito mais vulnerável, porque regime corporativamente desvirtuado, apesar disso não foram razões económicas ou sociais que o mataram - foram razões meramente políticas, foi a sorte das armas, contra a qual não vence a ideia ou o direito, mas unicamente a força.
O liberalismo e o comunismo deram-se as mãos num aperto sincero contra o corporativismo, inimigo comum, que verdadeiramente o era. Tinha ganho disseminação e prestígio, estava já instalado em Portugal e prestes a entrar em começo de execução nalguns outros países, e forçoso se revelava aniquilá-lo, movendo-lhe campanha sem tréguas, surda, mas tenaz. Daqui o slogan «Corporativismo igual a totalitarismo», que tão injustamente o desacreditou, retardando a marcha francamente progressiva que o pensamento corporativo assinalava em 1939, no limiar das hostilidades.
Recorda-se, a título de curiosidade, que chegou a tanto o temor da palavra «corporativismo», tal a sua heresia, que uma moderníssima corrente corporativa, aparecida na Itália e salutarmente eivada do catolicismo social, para não incorrer em pecado contra as democracias, passou a apelidar o novo movimento de a «corporativismo democrático». Dez anos de após-guerra, reveladores de tantas hipocrisias e mistificações, estão a repor no seu devido lugar os valores subvertidos e, entre eles, a verdade corporativa começa a irromper nos factos e na doutrina.
Como quer que seja, porém, a guerra desfechou sobre o ideal corporativo contemporâneo o maior golpe e o mais traiçoeiro que ele jamais sofreu. E, no balanço final dos despojos, o corporativismo acusou um enorme retrocesso.

§ 7.º

O neocorporativismo como fenómeno de reacção e as suas origens

14. Mas o que é este ideal corporativo contemporâneo? Porquê, como e quando surgiu?
Entramos assim no problema das origens do neocorporativismo, em análise forçosamente rápida e sem preocupações de apurado rigor, pois o que mais interessa é destacar as grandes linhas da sua evolução até aos nossos dias.
Pode afirmar-se que o motor original do moderno pensamento corporativo radica no que usa chamar-se a «questão social», oriunda do conceito liberalista do «trabalho-mercadoria», submetido como qualquer outra à violência da lei da oferta e da procura.
A crescente miséria dos trabalhadores e o dissídio feroz entre o capital e o trabalho fizeram eclodir, na primeira metade do século XIX, uma irresistível corrente sindicalista organizada para a luta. E, porque o Estado neutro do liberalismo assistia impassível ao choque brutal dos interesses em jogo, tanto neste aspecto social como no sector económico, apareceu também - nascida de um impulso generoso de justiça e com uma lógica natural - a ideia socialista. Se o Estado-polícia do individualismo é comprovadamente incapaz de dar a solução do problema social ou económico, substitua-se-lhe o Estado-empresário, que assegure o trabalho para todos e a distribuição equitativa da riqueza.
Isto equivalia, porém, a abolir a livre iniciativa e a propriedade privada e, para tanto, o Estado socialista havia de assentar na força, esta necessária para a com-

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pleta subjugação do indivíduo. O conflito capital-trabalho deixava de subsistir, sem dúvida, mas pelo processo radical de suprimir pura e simplesmente um dos contendores -o capital-, ficando o Estado como patrão de todos. A livre iniciativa e a propriedade privada não tinham mais razão de ser, desde que o Estado tomava para si o comando de toda a vida social e se encarregava de distribuir a todos um paradisíaco bem-estar.
Via-se logo, porém, que o sistema socialista, por melhor intencionada ou lógica que fosse a sua resposta aos clamores contra a injustiça liberal, era portador de um critério de justiça manifestamente abstracto, porque não respeitava as constantes essenciais do homem, exigindo-lhe o sacrifício da personalidade e da liberdade em troca de duvidosas promessas de melhoria material.

15. Apresentada a situação, embora por esta maneira esquemática, não causa estranheza o aparecimento de uma nova mensagem que traduzisse o anseio de uma normalidade social, sem menosprezo dos valores humanos eternos, mensagem que salvaguardasse a eminente dignidade da pessoa e respondesse cumulativamente às aspirações de justiça das classes menos favorecidas.
Surge, por este modo, o neocorporativismo, como fenómeno de reacção, a um tempo contra o liberalismo e o socialismo, propondo-se resolver a «questão social» num ambiente de paz e conciliação e afirmando-se capaz de, pelo .princípio corporativo, ordenar os interesses e coordená-los num sentido finalista de bem comum.
O movimento corporativo, que despontou no último quartel da século XIX, foi buscar inspiração a doutrina germânica do catolicismo social, de que foi fundador Mons. Ketteler, conhecido bispo de Mogúncia, cuja obra teve uma projecção notável. Da Alemanha, a sua semente é transportada para a Áustria, onde germina com o barão de Vogelsang e Rodolfo Mayer, e é lá que o coronel La Tour du Pin, adido militar da França em Viena, a vai buscar e a transplanta para o seu país.
O catolicismo social começa em França, praticamente, com a obra dos círculos católicos de operários, criados a partir de 1871, e a publicação da revista Association Catholique, iniciativas a que estão indissoluvelmente ligadas as figuras do marquês de La Tour du Pin, do conde de Mun e de Léon Harmel- o doutrinador, o orador s o realizador, coimo sugestivamente os identifica um dos anais reputados historiadores do catolicismo social (Georges Hoog).
A Igreja não era estranha ao movimento que começava a alastrar, antes o impulsionou decisivamente. Já em 1881 o insigne papa Leão XIII encarregava teólogos eruditos de encarar a doutrina católica quanto aos seus reflexos nos planos económico e social, examinava a questão junto deles e de outras pessoas eminentes e concitava-os a uma elaboração doutrinária, que veio a concretizar-se na União de Estudos Internacionais de Friburgo (abreviadamente União de Friburgo), donde saiu em 1884 um notabilíssimo documento - as famosas «Teses de Friburgo»-, que se reportam a cinco pontos fundamentais: salário, regime de propriedade, regime de crédito, papel dos Poderes Públicos e regime corporativo.
O catolicismo social, que, na sua corrente francesa- através dos círculos operários e da doutrinação na revista Association Catholique -, se havia já afirmado o iniciador de uma escola corporativa católica, veio reforçar a sua deliberada inclinação para o corporativismo com as teses de Friburgo e a ter a sua consagração na encíclica Rerum Novarum (1891), em que o grande Leão XIII perfilha os princípios do catolicismo social, e designadamente o princípio corporativo, revestindo-o assim da altura e da dignidade de doutrina sancionada pela Igreja.
A escola corporativa católica constitui a primeira grande manifestação do neocorporativismo e o repositório doutrinário aonde todas as outras escolas que se lhe seguiram foram buscar a inspiração.
Com base nesse transcendente diploma pontifício, o pensamento social católica adquire uma funda penetração, não atingida antes, arrasta prosélitos e difunde-se por todos os meios. Instituem-se em 1904 as conhecidas semanas sociais de França, que chegam até aos nossos dias com pequenas interrupções, espécie de «Universidade ambulante», que se reúne anualmente aqui ou além, numa qualquer cidade, onde os católicos sociais franceses procedem a uma intensa elaboração e fixação doutrinárias em todos os sectores dá vida social; e o exemplo das semanas sociais frutificou em tantos outros países, inclusivamente Portugal, que as tem desde 1940. De assinalar, a Semana Social de Angers (1935), onde o problema corporativo foi estudado nos seus mais salientes aspectos por nomes destacados do pensamento francês e se definiu mais precisamente o sentido do catolicismo social, aliás sempre proclamado, para a fórmula de um corporativismo de associação.
Já anos antes de Angers havia sido publicada outra famosa encíclica papal - a Quadragésimo Anno, de Pio XI (1931) -, que veio, em seguimento e complemento da Rerum Novarum, confirmar e revitalizar a doutrina da Igreja em matéria social, reforçando o papel preponderante conferido ao princípio corporativo, como substrato e apoio dê uma organização social mais perfeita.
Com todos estes elementos se estruturou a escola corporativa católica, preconizando um corporativismo de associação, que veio depois a firmar-se em três pilares essenciais: livre iniciativa quanto à criação dos organismos corporativos, inscrição facultativa e auto-direcção. Esta fórmula constitui incontroversamente o processo ideal de se concretizar o sistema corporativo, mas, talvez por isso, será porventura, e só, a meta que sempre se procurará alcançar nó delineamento prático da ideia corporativa.
Exactamente por esse facto, já antes da última guerra e dentro do próprio catolicismo social se estava desenhando uma corrente revolucionária, no sentido de emprestar maior eficiência e maior celeridade às realizações corporativas. Assim, excluindo-se em absoluto o corporativismo de Estado, defendia-se simplesmente um certo «corporativismo de associação», pela consideração verdadeira de que «mesmo um regime novo, realmente revolucionário, não pode ser inteiramente espontâneo; deve ele surgir da iniciativa dos interessados, mas os Poderes Públicos deverão estabelecer-lhe de início os quadros legais e territoriais, depois generalizá-lo e impó-lo» (padre Jarlot, S. J.).
Tal directiva aproxima-se, já notoriamente da solução portuguesa, como é visível. Mas, pelo momento-nesta incompleta digressão pelos domínios da génese e evolução do neocorporativismo -, convém assinalar, e apenas nos tópicos principais; as escolas de maior representação que enfileiram na corrente corporativa do nosso tempo.

16. Seguiu-se a escola corporativa italiana, caracterizada fundamentalmente pela fórmula «corporativismo de Estado» -melhor diremos: «socialismo corporativo» - e pela particularidade de circunscrever a organização corporativa ao sector económico, preconizando portanto um «corporativismo parcial».

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Esta escola surgiu como derivada da experiência que o Estado italiano pôs em marcha com a revolução fascista de Mussolini (1922), e a sua doutrina foi elaborada quase totalmente sobre o pressuposto de uma política totalitária de nacional-socialismo e construída, ao menos no período inicial, sobre os textos legislativos que se iam promulgando.
Regista-se também a escola corporativa universalista, ou austríaca, fundada pelo sociólogo Othmar Spann, especialmente definida pela sua peculiaridade de um corporativismo subordinado e rejeitando, consequentemente, a orientação de um corporativismo puro ou de um corporativismo misto.
E, de todas a mais revolucionária, a escola corporativa integral, ou romena, cujos princípios informadores se devem a Manoilesco e aparecem no seu livro célebre O Século do Corporativismo, o qual constitui ainda hoje o ensaio mais harmónico e acabado sobre a construção de um sistema corporativo. São duas, fundamentalmente, as teses aí sustentadas, por forma superior e aliciante: um corporativismo integral, pelo enquadramento corporativo de todas as funções sociais, sem exclusão; um corporativismo puro, pela concessão do poder legislativo supremo exclusivamente aos representantes das corporações. E, deste modo, o princípio corporativo é levado até às suas últimas e naturais consequências.
Interessa ainda fazer alusão à escola francesa, predominantemente influenciada pela orientação doutrinária do catolicismo social, e limitada com ela ao plano das actividades económicas, tendo conseguido um começo de realização sob a chefia do marechal Pétain, no período da última guerra em que a França esteve ocupada pelo exército alemão. Mais uma vez, porém, a sorte das armas foi desfavorável ao corporativismo; e perdeu-se uma realização corporativa nascente, que, embora efémera e só em muito pouco tendo ultrapassado o sector da Agricultura, é curiosa sob muitos aspectos e bem digna de estudo.

§ 8.º

O regime corporativo português, uma escola corporativa realista

17. Nesta resenha evolutiva do neocorporativismo, apesar de incompleta, já se notou com certeza uma grande omissão, exactamente na parte respeitante ao pensamento corporativo português. Não que ela seja só «patriòticamente» grave, ponto agora secundário, mas sobretudo porque cometerá grande injustiça quem, nacional ou estrangeiro, se permita estudar o fenómeno corporativo moderno, com desconhecimento do que se passa entre nós.
Em primeiro lugar - e está aí uma razão de facto -, porque Portugal é hoje o único país onde existe propriamente um regime corporativo, inacabado por certo, mas prestes a ultimar-se. E também por ter sido, nestes dez anos de após-guerra já decorridos - apesar de tantas incompreensões e prejuízos-, o último reduto do corporativismo.
Indiferente s sobranceiro a essa euforia liberal-de-mocrática que se sucedeu à vitória - tão desprevenida e incoerente que andava de braço dado com a Rússia, mas não tolerava qualquer democracia sem partidos -, Portugal, sofrendo-lhe o embate, manteve-se intransigentemente na posição tomada. Porque confiou na bondade e na eficácia do sistema corporativo, nada cedeu aos inimigos do corporativismo e não deixou cair na voragem transitória do simples desfecho de uma batalha o valor real e perene de uma ideia em que acreditava.
Mas há também uma razão de direito - permita-se a expressão - que, para além dos factos apontados, nos torna credores da atenção estrangeira. É pròpriamente a singularidade da nossa corrente de ideias e do nosso corporativismo aplicado, que se não identifica com as características das várias escolas corporativas anteriormente mencionadas, sendo justo que se fale numa escola portuguesa.

18. Esta escola, cimentada na longínqua tradição de costumes e instituições portugueses, recebendo a influência interna de correntes de pensamento como o integralismo Lusitano e o Catolicismo Social propagado pelo C. A. D. G. de Coimbra, e acusando do lado externo a irradiação de duas escolas corporativas - a católica e a italiana -, começou a definir-se alguns anos após a Revolução de 28 de Maio e veio a ter as suas primeiras aplicações com a Constituição Política de 11 de Abril de 1933 e a notável série de diplomas publicados em 23 Setembro do mesmo ano, entre os quais se avantaja o Estatuto do Trabalho Nacional.
Se algum qualificativo de ordem geral devemos atribuir à doutrina e realização portuguesas, é o sentido realista que desde o princípio a tem informado e é ainda, agora a sua orientação dominante. Realismo no pensamento e realismo na técnica da sua aplicação - no pensamento, porque os princípios de que parte a escola corporativa portuguesa são integralmente respeitadores das constantes da natureza humana e do seu reflexo social; na técnica, porque não se avança de um facto e perturbadoramente para as metas a atingir, antes se vai gradual e escalonadamente caminhando à medida que se criam e consolidam as condições de progredir.
Da técnica realista, nos termos em que a considerámos, temos uma demonstração flagrante na própria proposta de lei que está a ser examinada, a qual só poderá acusar-se de ter vindo tarde de mais, porque manifestamente o realismo tem as suas limitações de tempo, sob pena de se transformar em defeito a virtude que comporta. E, quanto ao pensamento realista, pensamento de acordo com a realidade humana e social, também não é difícil demonstrá-lo em face dos índices mais relevantes que definem a escola portuguesa e a distanciam de todas as outras escolas mais representativas.
Assim, embora estendamos a instituição de corporações, não só ao domínio económico-social, mas também à ordem moral e cultural, não vamos até ao ponto de pensar um corporativismo integral, a imagem de Manoilesco, com integração corporativa absoluta de todas e quaisquer funções sociais, inclusivamente actividades como o exército ou outras que são já de longa tradição compartimentos específicos do Estado. Mas, se aqui nos afastamos da escola corporativa integral, ou romena, também, por outro lado, nos desviamos da orientação firmada, sobretudo, pela escola italiana, que propunha um corporativismo meramente económico; e até da escola corporativa católica, ou da escola francesa, cuja inclinação geral não ultrapassa o sector restrito das actividades económico-sociais.

19. Neste traço típico de um «corporativismo quase integral» nos distinguimos de todas as escolas existentes e afirmamos ao mesmo tempo o realismo da solução portuguesa.
Na verdade, reduzir o princípio corporativo ao terreno exclusivamente económico-social é diminuir o âmbito do seu conteúdo e alcance, será amputá-lo na validade geral que encerra como base de organização e não tirar dele todo o proveito possível. Esta redução artificial do campo corporativo, desmente-a a própria Idade Média, onde a organização em «corpos» ou «comunidades» não era singularidade dos artífices ou mercadores, mas foi fenómeno genérico que penetrou em todos os sec-

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sectores da vida social, como Olivier Martin o fez notar ao seu valioso estudo sobre a França. Por seu turno, estender o princípio corporativo até ao máximo da sua projecção, integrando em corporações certas actividades que tudo aconselha a manter sob a alçada directa da Administração Central, como seus serviços próprios, também parece não poder aceitar-se inteiramente como processo ajustado às realidades.
Uma dupla ilação pode, pois, tirar-se desde já: a nossa fórmula de «corporativismo quase integral», ao mesmo tempo que é critério distintivo em relação às várias escolas corporativas, confirma o carácter realista do nosso sistema corporativo.
Mas há ainda uma outra particularidade que convém assinalar e é a modalidade de «corporativismo autónomo» que propomos. Com ela nos desviamos da pureza ideal de um «corporativismo de associação» - livre iniciativa para a constituição dos organismos corporativos, inscrição facultativa e autodirecção-, conforme o pensamento ainda dominante da escola corporativa católica. Mas, ao fazê-lo, agimos uma vez mais segundo uma orientação realista, que tem presente a externa dificuldade ou impossibilidade prática de erguer uma organização corporativa ampla e completa, confiando exclusivamente à espontaneidade dos interessados a constituição das suas instituições corporativas. E, assim, aproveitamos dos pressupostos do corporativismo de associação» o seu elemento básico e definidor, que é a autonomia dos corpos constituídos, e admitimos que o Poder impulsione por si a criação dos vários organismos, substituindo-se à iniciativa dos interessados, e até exija, quando necessário, a sua avaliação obrigatória.
O que realmente importa - parece visível - é saber e a corporação se dirige por si própria ou actua sob o somando do Governo, funcionando como órgão seu; o resto, perante a grandeza deste facto principal, é meramente secundário. Portanto, «corporativismo autónomo» ou «corporativismo dependente» - eis a questão crucial; não devendo deixar de acentuar-se, contudo, que só pode haver corporativismo autêntico quando exista o requisito da autonomia. E tanto equivale a afirmar que o corporativismo dependente, com corporações directamente submetidas à Administração, não constitui sistema corporativo pròpriamente dito, como houve o ensejo de esclarecer ao ser analisado o caso italiano, de cujos princípios norteadores a solução portuguesa se afasta radicalmente.

20. Ainda poderia encontrar-se um novo traço diferenciador do sistema português, intentando integrá-lo na classificação proposta por Manoïlesco, que utiliza como ponto de vista a competência legislativa e as corporações, no plano da estrutura constitucional do Estado. É sobejamente conhecida essa importantíssima classificação: corporativismo puro, quando a câmara corporativa detém o poder exclusivo de fazer as leis; corporativismo misto, no caso de a câmara dividir o poder legislativo supremo com uma assembleia do tipo parlamentar; e corporativismo subordinado, sempre que a câmara corporativa disponha de
era função técnica consultiva.
Segundo este critério classificador, a nossa solução tem revestido até agora a forma de corporativismo subordinado, não cabendo à nossa Câmara uma função
deliberativa. Mas é forçoso acentuar-se que nem sequer seria possível ou aconselhável outra conduta numa fase de organização incipiente, à qual faltava o órgão superior e especificamente corporativo, com que agora (...) pretende dotá-la. Realmente, sem a corporação, muito precária teria de ser sempre uma câmara com atribuições legislativas. E corria-se o risco de, querendo dar-lhe força constitucional e autoridade, impedir que ela viesse a alcançar, como órgão meramente consultivo, aquele alto prestígio que já ninguém bem intencionado lhe pode recusar, porque de direito próprio o conquistou.
Problema inegàvelmente sério, este, e sobre o qual vai sendo tempo de tomar-se posição, o certo é que não há dados suficientemente seguros para definir o nosso regime corporativo através daquele índice de primacial relevo. Motivo também de séria preocupação, esta falta, porque tem de confessar-se que nunca poderá ser completa a caracterização de um sistema corporativo sem a presença desse elemento-base de tamanho reflexo em toda a contextura política do Estado. Acrescente-se: elemento absolutamente imprescindível para a determinação do espaço em que actua o princípio corporativo, ou seja se ele é levado até às suas naturais consequências de reformar o Estado de alto a baixo, ou se deve confinar-se na posição mais modesta de mero instrumento constitucional, que tem voz, mas não decide.
Como quer que venha a suceder, todavia, podemos desde já e em síntese caracterizar o sistema corporativo português, primeiro, por um pensamento e uma técnica realistas, depois, pelo destino a que tal realismo o conduziu - corporativismo quase integral e corporativismo autónomo.
Em conclusão: escola corporativa portuguesa, ou escola corporativa realista.

§ 9.º

Realizações corporativas autuais no estrangeiro

21. E falta apenas, em observância do plano previamente delineado para esta introdução, deixar cair algumas palavras sobre as muitas realizações corporativas que já hoje se vão podendo observar no estrangeiro e têm progredido sensivelmente nos últimos anos.
Estão patentes, mais ou menos por toda a parte, claras manifestações de uma ideia corporativa em acção, quase sempre encobertas ou mascaradas com rótulos duvidosos para não denunciarem a «heresia corporativa». Ainda o «temor da palavra», tão aviltada ela andou; ainda resquícios dessa longa e funesta campanha anticorporativa a que já anteriormente nos referimos.
Nem se calcula, porém, a extensão que o fenómeno corporativo está adquirindo lá fora, tais as aplicações do princípio corporativo que se verificam em numerosos países estrangeiros, desde aqueles que já podem considerar-se como dispondo de corporações em certos ramos da indústria e onde o processo corporativo se mostra generalizado ao social e ao económico, como a Suíça, a Bélgica, a Holanda e a Noruega, até àqueles países em que as realizações corporativas tomam carácter mais restrito ou acidental, como a Suécia, a Franca, a Itália, a Inglaterra, a Grécia, a Turquia, o Egipto, a Pérsia, etc...
Os nomes por que se designam as instituições corporativas são variadíssimos, nomeadamente: «conselhos nacionais», «conselhos industriais», «comissões paritárias», «grupos industriais», «grupos de produção», «comissões económicas», «comunidades profissionais» e tantos outros que seria fastidioso enumerar e onde não está explícita a indicação corporativa, muito embora a essência das correspondentes instituições tenha, em muitos casos, essa genuína raiz.

22. Entenda-se, porém, que se trata apenas de «realizações corporativas». Porque - já o escrevemos e repetimos - regime corporativo como afirmação de

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um pensamento declarado - ou de uma política de governo e de um processo geral de organização - só em Portugal tem existido desde o termo da última guerra.
Não obstante, esta abundância de realizações de marca corporativa tem para nós relevância particular.
É a prova mais edificante de que, mesmo em ambiente de ideologias ou mentalidades ainda fiéis ao compromisso liberal-socialista, o fenómeno corporativo irrompe naturalmente, e em alguns casos com notória pujança, vencendo as fortes resistências de um meio adverso.
Não é pròpriamente uma corrente de pensamento, como acontece entre nós, que se forma em todos esses países e serve de impulso à corporativização das actividades económico-sociais. De modo diverso, são aqueles que vivem diariamente os seus problemas profissionais - empresas e trabalhadores - que forçam a criação dos seus quadros institucionais, como solução mais adequada à defesa dos interesses comuns e ao necessário equilíbrio funcional. E é depois o Estado que, na maioria dos casos, se limita a sancionar situações de facto, perante o consenso unânime dos interessados, a pressão justificada das suas pretensões e o convencimento adquirido de que assim trabalha na prossecução do bem comum.
Altamente edificante, este processamento corporativo no estrangeiro, que por si só deveria bastar para convencer tantos portugueses ainda descrentes de que o seu país tem estado na verdadeira linha de uma organização da sociedade perfeitamente adaptada ao condicionalismo humano e social.
Se lá fora, independentemente de uma concepção de Estado corporativo, se vão erguendo pràticamente verdadeiras corporações, havia de considerar-se rematado contra-senso não as instituir por cá, onde há quase um quarto de século se vive resolutamente sob o signo do corporativismo.
Esta a principal lição a tirar das realizações corporativas no Mundo de hoje.

II

A corporação na concepção portuguesa

§ 10.º

Razão de ordem

23. Ao entrar directamente no âmbito da proposta de lei, impõe-se uma explicação preliminar, justificativa sobretudo da orientação que se tenciona imprimir à sequência deste trabalho.
No primeiro capítulo, agora encerrado a «Introdução»-, procurou-se registar uma visão panorâmica do corporativismo, nos seus fundamentos nucleares, e fazer o traçado duma evolução até aos nossos dias.
A índole da matéria, a partir deste momento, sofre um desvio importante, que se pode exprimir na transição do teórico para o concreto. Não se altera a orientação do trabalho, que será uniforme do princípio ao fim, mas muda o seu ponto de aplicação.
Entramos no domínio real de um projecto de diploma, que se propõe ser o futuro estatuto regulador da corporação e, portanto, inclui normas que se (...) deste organismo, encarado nos (...) fins das atribuições à nossa organização corporativa, em geral, e à instituição de corporações, em particular.
São inúmeras as questões que em todo este campo concreto se situam e há que apreciá-las nas suas grandes linhas, sem deixar também de descer aos pormenores essenciais. Deveria ser todo um trabalho de crítica e construção, de análise da estrutura corporativa e de pesquisa de soluções, de extensão, pelo campo vasto que tem de abarcar-se, e de penetração, pela necessidade de descer mais fundo em alguns compartimentos específicos.
Deveria ser, mas nunca o poderá ser. Por todas as razões que se adivinham e, ainda mais, pelo escassez de tempo que se consente a um trabalho que suscita um mundo de problemas, alguns dos quais nem sequer poderão ser aflorados, para que outros, mais oportunos sejam suficientemente desenvolvidos.

§11.º

Os organismos corporativos do regime português - A corporação

24. No regime português o tipo de organização adoptado compreende três graus: os organismos corporativos primários, os organismos corporativos intermédios e as corporações.
São organismos corporativos primários: os grémios os sindicatos nacionais, as Casas do Povo e as Casa dos Pescadores.
Rigorosamente, apenas os grémios e os sindicato nacionais são organismos exclusivos, associando entidades patronais e trabalhadores, separadamente. As Casa do Povo e as Casas dos Pescadores, embora abranjam entidades patronais para os fins de e cooperação social e participação financeira, podem, todavia e prática mente, considerar-se também organismos exclusivos de trabalhadores, pois estão orientadas unicamente para a defesa dos seus interesses e só a sua categoria profissional representam.
Quanto a este carácter da exclusividade, pode, pois afirmar-se que o critério seguido foi, na essência, uniforme. O mesmo não acontece relativamente a um outro carácter fundamental, o da diferenciação: enquanto o sindicatos nacionais são sempre organismos diferencia dos por profissões e os grémios da indústria também diferenciados por ramos de actividade, já os grémios do comércio, em alguns casos, não revestem essa índole e os grémios da lavoura, abrangendo indistintamente e produtores agrícolas, são sempre de tipo indiferenciado. Do mesmo modo, as Casas do Povo e as Casas dos Pesca dores, agrupando respectivamente todos os trabalhadores do campo ou assimilados e todos os trabalhadores do mar, integram-se também no grupo dos organismos indiferenciados.
Neste aspecto particular não há, portanto, uniformidade. E se, por um lado, devemos louvar o realismo de soluções encontradas, porque manifestamente a diversidade observada radica na natureza pluriforme dos meios e mentalidades a que se destinam as instituições, por outro lado, essa falta de simetria suscita dificuldades sérias quando caminhemos dessa base tão diversificada para um vértice uno que é a corporação.
E passemos, também por forma esquemática, exame dos organismos secundários ou intermédios - federações e uniões. Com mais propriedade: organismos intermédios.

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derações ou uniões de sindicatos. E, òbviamente, as federações poderão constituir ou não organismos diferenciados, conforme revestirem ou não esse tipo os elementos primários nelas integrados. Por seu turno, as uniões - porque associam sindicatos de profissões afins ou grémios de actividades afins - apresentam-se sempre, por natureza e por definição, como organismos indiferenciados.
Pode observar-se que na exemplificação de federações ou uniões apenas se indicaram os casos dos sindicatos e grémios, omitindo-se qualquer referência a Casas do Povo e Casas dos Pescadores. A omissão não teria relevância, nem a observação se justificaria, se não se tratasse realmente de um ponto de certa maneira nebuloso e que convém esclarecer.

á quem pergunte se serão de admitir federações de Casas do Povo e federações de Casas dos Pescadores e há até quem as conteste, fundado sobretudo na existência de órgãos de orientação e coordenação superior, que de facto estão criados e se denominam «Junta Central as Casas do Povo» e «Junta Central das Casas dos Pescadores». Tem de reconhecer-se, contudo, que estas Juntas não pertencem à hierarquia corporativa, não constituem organismos corporativos, antes possuem feição vincadamente estadual, como órgãos do Ministério das Corporações. E ninguém duvida de que uma coisa é a hierarquia dos organismos corporativos e outra, muito diferente, a coordenação de tais organismos feita pelo Estado, mediante órgãos com maior ou menor especificidade. Mais forçosa se apresenta ainda essa necessária destrinça, agora que vão ser instituídas as primeiras corporações, nascendo sob o signo salutar de uma completa autonomia, proclamada clara e desassombradamente pelo Poder, que assim se despejo, em consciência plena e voluntária, de prerrogativas que sente não dever conservar para si.
Além disso, tudo aconselha a que, existindo federações de grémios da lavoura - e com vista a um necessário equilíbrio funcional -, se ergam também federações de Casas do Povo. De outro lado, para cima de uma simples conveniência, a próxima instauração de corporações parece impor a criação desses organismos intermédios, não só por motivos ideais de aperfeiçoamento institucional, mas, sobretudo, em ordem a uma conveniente representação orgânica. E o mesmo pensamento deve ter aplicação às Casas dos Pescadores, onde o problema aparece notòriamente facilitado e não se revela tão premente a necessidade de organismos intermédios.
Ao raciocinar-se assim, pressupõe-se, agora especialmente para as Casas do Povo, a manutenção da sua competência actual representativa dos trabalhadores rurais. Pois é lógico que, se elas revestissem exclusivamente a qualidade de organismos de cooperação social, não haveria que ascender do restrito plano oficial ao regional ou nacional, nem haveria, portanto, que falar, ao menos como requisito imperioso, na constituição de organismos intermédios.
Nesta hipótese, as federações que viessem a criar-se seriam apenas organismos especificamente representativos da categoria profissional dos trabalhadores rurais. E, assim, bem poderiam permanecer as actuais Casas do Povo ùnicamente como organismos de cooperação social e, portanto, sem competência representativa, restituindo-as à pureza da sua origem e retirando-lhes um carácter híbrido que em nada ajuda o seu progresso.
Deixando, porém, este ângulo candente das nossas Casas do Povo, e voltando a encará-las na sua feição actual de organismos de duplo fim, representativo e de cooperação social-, convém salientar ainda que se levanta uma dificuldade prática, com a criação das suas federações, dificuldade de ordem pessoal, pois
que se reporta à selecção de representantes. Mas trata-se aqui de um problema que naturalmente terá de começar por resolver-se no âmbito da organização interna dos próprios organismos, procurando regras mais adequadas do que as actuais para a escolha dos seus dirigentes, como tantas vezes tem sido preconizado.
E entremos no exame, também sumário, do organismo de grau superior - a corporação.

26. Não pode pôr-se em dúvida que a corporação é um organismo corporativo, embora não seja uso, nem na legislação nem na doutrina, designá-lo como tal. Havendo, como há, uma denominação técnica uniforme para esse organismo corporativo de grau superior, é essa que prevalentemente se utiliza, o que não acontece com os elementos primários ou intermédios da hierarquia corporativa, que se diversificam em designações técnicas particulares-sindicatos, grémios, federações, uniões, etc.
Importa até asseverar que a corporação é o único e verdadeiro organismo corporativo, aquele onde os interesses afins ou divergentes são postos em presença para o efeito do seu relacionamento e conciliação, era ordem ao bem comum de todas as actividades que se integram em determinada função social. Aí funciona em pleno o princípio corporativo. Os outros, os elementos primários e intermédios da organização, têm, no caso português, uma finalidade corporativa, são incontroversamente organismos dirigidos a um fim corporativo, mas não revestem intrìnsecamente tal natureza, pois que bem poderiam existir mesmo quando ordena-os a fins diferentes, até anticorporativos.
No nosso sistema, visto pela doutrina ou pelos textos, está firmado um conceito amplo de corporação. Primeiramente, porque «nos organismos corporativos estarão organicamente representadas todas as actividades da Nação» (Constituição Política, artigo 20.º); e daí a trilogia corporação moral-cultural-económica, a que mais adiante iremos referir-nos. Depois, porque dentro da corporação -integrante do capital, da técnica e do trabalho - se admite uma duplicidade de competência: matéria social e matéria económica.
Estas duas ordens de funções - económicas e sociais - sobrelevam a todas as outras, que neste momento não interessa enumerar; e sobre a sua existência conjunta no organismo corporação, que é a tese francamente dominante, ainda, contudo, não se checou entre os corporativistas a uma desejada unanimidade de opiniões. Há, pois, quem sustente neste particular um conceito de corporação mais limitado, contestando-lhe sobretudo uma função especificamente económica.

27. Mas se o conceito português de corporação é seguramente amplo, no sentido de abranger tanto as actividades económicas como as morais e culturais, pode, no entanto, apresentar-se bastante restrito ao observador desprevenido que atente isoladamente numa ou noutra passagem dos nossos diplomas corporativos.
Assim, no Estatuto do Trabalho Nacional fixa-se um conceito insuficiente de corporação ao prescrever-se que «as corporações constituem a organização unitária das forças da produção e representam integralmente os seus interesses» (artigo 42.º).
Tal insuficiência resulta manifestamente de - aquela nossa Carta de Princípios - se ter inspirado na declaração VI da «Carta del Lavoro». Para o diploma italiano o conceito é admissível, por isso que se reportava a uma fórmula de corporativismo parcial, circunscrito ao campo das actividades económicas. Mas, transplantado para o sistema português, já não poderia corresponder à verdade doutrinária e legal, mais se destacando a sua deficiência, perante a realidade dos factos,

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logo que se ergam as primeiras corporações morais e culturais, anunciados para breve.
Daqui só poder aceitar-se o conceito do Estatuto no concernente à corporação de natureza económica. E a mesma atitude tem de tomar-se em face das variantes desse conceito que surgem, aqui ou além, em outros textos legislativos. Para exemplificar, aponte-se o Decreto-Lei n.º 23 049, de 23 de Setembro de 1933, onde se declara que a corporação «constitui a unidade económica totalitária em cada uma das grandes actividades nacionais, pela comparticipação de todos os elementos da produção» (artigo 7.º). O deslize mais grave parece conter-se, porém, no Decreto-Lei n.º 29 110, de 12 de Novembro de 1938 - o estatuto regulador da corporação, que a presente proposta de lei se propõe revogar-, onde, começando-se, no artigo 1.º, por enunciar a classificação das corporações em morais, culturais e económicas, logo mais abaixo, no artigo 4.º, elas aparecem concebidas na sua restrita natureza de «elementos de grau superior da orgânica corporativa e representantes dos interesses unitários da produção».
É patente que o legislador, postulando corporações morais, culturais e económicas, sempre que apresentava o seu conceito abstraía de tudo o resto, para só considerar o caso, predominante embora, da corporação de matiz económico.
Bem mais avisadamente se andou agora, com o projecto de diploma que se encontra em exame, pois o conteúdo da sua base I já exprime a verdadeira grandeza e singularidade da nossa solução corporativa, ao pendor de um corporativismo quase integral. Exactamente a sua faceta mais diferenciadora, que lhe assegura um lugar único no quadro mundial das realizações corporativas.

§ 12.º

Corporações morais, culturais e económicas

28. Ao analisarem-se, na introdução, os traços diferenciadores do sistema corporativo português foi destacado, como seu carácter vincadamente distintivo, a fórmula de «corporativismo quase integral» em que se baseia.
A Constituição Política de 1933, que instaurou entre nós uma organização corporativa, começa por declarar o Estado Português uma «República unitária e corporativa» (artigo 5.º). E esclarece seguidamente que «nos organismos corporativos estarão orgânicamente representadas todas as actividades da Nação» (artigo 20.º), precisando que tais organismos visarão principalmente os seguintes objectivos: científicos, literários, artísticos ou de educação física (organismos corporativos culturais); de assistência, beneficência ou caridade (organismos corporativos morais); e de aperfeiçoamento técnico ou de solidariedade de interesses (organismos corporativos económicos) (artigos 16.º e 17.º).
Posteriormente, os Decretos-Leis n.ºs 29110 e 29111, de 12 de Novembro de 1938, prevêem a constituição de «corporações morais, culturais e económicas». E, sendo assim, interessa definir a posição do nosso corporativismo no que se refere à classificação bipartida e já consagrada - corporativismo integral (ou total) e corporativismo parcial (ou restritamente económico).
A principal ideia a salientar; neste domínio, é a de que semelhante classificação se mostra insuficientemente compreensiva para abranger a peculiaridade do sistema português. Para tanto torna-se forçoso inserir-lhe um terceiro termo, passando a classificação, agora sob a forma tripartida, a enunciar-se desta maneira: corporativismo integral, corporativismo quase integral e corporativismo parcial.

29. Sem maiores desenvolvimentos, porque para trás já ficou dito o essencial, assentemos, pois, em que o nosso corporativismo nem é integral, numa acepção absoluta, nem simplesmente parcial, no sentido de se reduzir ao campo restrito das actividades económico-sociais.
Assim é na norma, assim é na doutrina. Tanto não diremos já a respeito dos factos, por isso que, até ao momento, não está ainda criado qualquer organismo corporativo (entenda-se: em sentido técnico) para reunir e coordenar actividades de natureza cultural ou moral. E a mais directa conclusão a tirar desta particularidade seria a de que prescrevemos, de direito e doutrinalmente, um corporativismo quase integral, mas que, de facto, praticamos apenas um corporativismo de feição estritamente económica.
Na ordem dos factos, contudo, não pode omitir-se a circunstância ponderosa de estarem representados na Câmara Corporativa os «interesses de ordem espiritual e moral» (secção I) e os «interesses de ordem cultural» (secção II), estes desdobrados em três subsecções: «Ciências e letras», «Belas-artes», «Educação física e desportos» (Decreto-Lei n.º 39 843, de 21 de Novembro de 1953, artigo 1.º Vid. também Decreto-Lei n.º 29 111, de 12 de Novembro de 1938, artigo 4.º).
A situação, quando se lhe introduza este novo elemento, modifica-se de certa maneira. Embora não existam organismos corporativos de natureza moral e cultural, a simples realidade de os correspondentes interesses já disporem de representação na Câmara confere-lhes expressão corporativa, porque lhes dá audiência sobre muitos projectos legislativos que interferem na sua esfera de acção ou que os podem afectar. Mas a dita expressão corporativa resulta diminuída com esse carácter de exclusivo órgão constitucional que a Câmara reveste, a sua função meramente consultiva, e por ela não constituir órgão corporativo supremo, competente para coordenar todas as actividades e interesses da organização hierárquica inferior.
Como quer que seja, já se concretiza de algum modo, nos factos, a nossa fórmula de corporativismo quase integral. Mas o que interessa averiguar é o modo por que deverá fazer-se o enquadramento corporativo para o ramo específico dos interesses morais e culturais, dado que a proposta de lei firma o propósito de providenciar também sobre a constituição de corporações de natureza moral e cultural (base XV), facto relevante que merece, no respectivo relatório, oportunas - e fundadas considerações. A salientar - o desígnio confessado de se prosseguir «com prudência e firmeza na execução das tarefas impostas pelos preceitos constitucionais, em ordem a robustecer e a alargar o sistema corporativo até à integral representação orgânica dos interesses morais, culturais e económicos da Nação».

30. Comecemos pelos organismos-base da futura corporação moral ou cultural.
Como é sabido, o nosso esquema-tipo de enquadramento resolve-se em três graus hierárquicos: o organismo corporativo primário, o organismo intermédio e a corporação.
E, a seguir-se esta norma relativamente aos interesses morais e culturais, as perspectivas- que se nos deparavam seriam francamente desanimadoras. Bastaria atentar na longanimidade de esforços e na largueza de tempo exigidas para a instauração de uma rede completa de organismos (primários ou intermédios para se perder a fé na concretização do nosso corporativismo quase integral, através de uma só corporação que fosse.
Mas o problema aqui põe-se de maneira peculiar em cotejo com o esquema gizado para os organismos corporativos de natureza económica. Enquanto nestes há

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quase sempre a necessidade estrita de fazer um enquadramento rígido, por meio de organismos de tipo uniforme - agrupados por actividades, categorias profissionais e áreas geográficas, de modo a efectuar, a sua integração harmónica e por planos sucessivos na competente corporação -, já no domínio sui generis dos interesses morais e culturais, ao contrário, nem se vê necessidade de proceder identicamente, nem seria viável o intento, nem talvez mesmo vantajoso.
Está-se, nesta hipótese, perante um campo muito específico de actividades que se resolvem em fins predominantemente desinteressados, nas quais uma grande maioria da população não está em causa por vínculo directo, inversamente do que sucede no domínio económico, em cuja órbita todos gravitam com maior ou menor intensidade. Enunciem-se apenas os objectivos pressupostos nesta teia de interesses - ciências e letras, belas-artes, educação física e desportos, assistência, beneficência, caridade - e ter-se-á a imagem real (melhor diríamos: ideal) do ambiente em que penetramos, a noção clara da distância a que se situam estes dois sectores de interesses humanos, para os quais não há termo de comparação.

31. Não importa, pois, criar um padrão de organismo tecnicamente corporativo para a integração de todos estes variados interesses; antes se impõe aproveitar as instituições espontaneamente nascidas, respeitá-las na sua diversidade natural - associações religiosas, academias, centros, grupos desportivos, Misericórdias, associações de beneficência, etc.-, e enquadrá-las por modo racional na correspondente corporação.
A tarefa está, pois, e por natureza, grandemente simplificada. E nem sequer normalmente haverá que falar em organismos intermédios, embora em alguns casos haja necessidade ou simples conveniência em os instituir, quando não existam já, como sucede designadamente no ramo da educação física e desportos. Mesmo na hipótese de grande número de instituições primárias, que imponha a selecção de representantes para fazerem parte da respectiva corporação, não será difícil encontrar o processo da sua designação dentro de áreas geográficas a fixar, tal como já hoje se pratica em relação aos municípios e às Misericórdias para eleição de Procuradores à Câmara Corporativa.
Tudo está, portanto, no trabalho de erguer a corporação moral ou cultural, mercê de cuidadoso estudo para cada caso particular; de maior ou menor complexidade, embora, mas sem obstáculos irremovíveis. Assim pudéssemos manifestar o mesmo optimismo - fundado em previsão que não se receia distante da realidade - a propósito das corporações económico-sociais, onde se suscitam óbices que nem a teoria nem a experiência lograram transpor totalmente, sendo imperioso ladeá-los na antecipada convicção de soluções nunca perfeitas.
Até por isso, até pela maior simplicidade de realização, está aberto o caminho para a instituição das nossas corporações morais e culturais, devendo activar-se com celeridade os seus indispensáveis preparativos. Assim se implantariam pela primeira vez autênticas corporações de base ideal, como que a afirmar o primado do espírito numa época de marcada vocação materialista. E não ficaria mal pôr aqui uma discreta nota de orgulho.
Nestes termos, propõe-se que a base XV seja alterada no sentido de prescrever a instituição de corporações de natureza moral e cultural simultâneamente com as de tipo económico constantes da proposta de lei, reservando-se ao Governo a competência para definir quais os ramos de actividade social por elas abrangido».

§ 18.º

Corporação económico-social: ou corporação económica e corporação social?
económica

32. Visto sumàriamente o caso das corporações morais e culturais, trataremos em capítulos subsequentes da corporação de natureza económica. Diremos melhor: de natureza económico-social, porquanto o simples qualificativo económico pode dar a entender que os problemas de ordem social, pertinentes, sobretudo, às relações entre capital e trabalho, não entram na esfera da corporação.
Note-se mesmo que, se há divergências de doutrina, enquanto respeita às funções assinadas à corporação, raros serão os autores que lhe negam competência em matéria social e já em maior número se apresentam os que por aí se quedam, retirando-lhes o fim especificamente económico. Sem embargo, a corrente dominante inclina-se decididamente para o exercício das duas ordens de funções económicas e sociais, embora com desvios importantes de uns para outros, sobretudo no concernente à latitude da competência económica.
Pelo que respeita ao nosso país, os textos legislativos conferem à corporação a dualidade daquelas funções essenciais, além de outras mais secundárias. E, pelo círculo muito limitado dos nossos doutrinários, também se não topam discrepâncias fundamentais em tal matéria. Adoptaremos, por isso, e de preferência, o qualificativo económico-social para a corporação, no desejo de assim utilizar terminologia mais compreensiva e correcta do que a fixada na própria lei portuguesa.
Nesta espécie de corporação, de natureza económico-social, intervêm simultaneamente os dois elementos, patronal e trabalhador.
Mas não deve deixar de dizer-se que já tem sido sustentada uma concepção diferente, ao preconizar-se a separação em dois corpos distintos dos sectores económico e social.
É a tese de Mathon: para cada ramo de actividade uma corporação económica e uma corporação social. Na primeira - a corporação económica - integrar-se-iam apenas as empresas, só a elas respeitando a gerência das actividades económicas; na segunda - a corporação social - interviriam as entidades patronais e os trabalhadores, irmanados na conveniência mútua de resolução dos seus problemas comuns. O fundamento de uma corporação económica, de composição restrita aos chefes de empresa, residiria no facto de serem estes os donos e os responsáveis das explorações económicas, devendo pertencer-lhes, consequentemente, a direcção suprema dos negócios, além de serem para esse efeito os mais qualificados. Sendo assim no domínio interno de cada empresa, se daqui subirmos para o plano da corporação, não haverá mais do que transpor essa competência para nível superior e atribuir, portanto, aos chefes de empresa, exclusivamente, a condução das actividades económicas de todo o ramo de produção considerado.

33. A tese, lógica à primeira vista, não resiste a um exame mais aprofundado. Primeiramente porque, se pode pôr-se em dúvida que aos trabalhadores sejam conferidos alguns poderes de co-gestão económica na sua empresa - e parece que só no aspecto informativo e consultivo eles serão de considerar -, o que não pode discutir-se é o interesse dos trabalhadores na disciplina da actividade económica em cujo âmbito desenvolvem o seu labor profissional e onde o sector do trabalho está também em causa.
Por outro lado, se a co-gestão económica, no âmbito interno da empresa, levanta problemas delicados quanto à unidade de direcção, princípio de autoridade e re-

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lações de disciplina - problemas tão graves que conferem fundamento visível à sua rejeição -, o mesmo não se poderá afirmar da intervenção dos trabalhadores no exame e resolução das questões económicas pertinentes ao seu rama profissional, sobretudo daquelas que mais directamente os podem afectar.
Ao nível superior da corporação já os perigos atinentes à unidade de direcção, autoridade e disciplina perdem a sua razão de ser; e parece que só será legítimo invocar a falta de preparação dos trabalhadores para tarefas que exorbitam da sua capacidade normal. Mas não se trata aqui de uma incapacidade a título permanente, porque a tendência é decididamente para uma elevação cultural dos trabalhadores, além de que o factor trabalho não é ùnicamente constituído por operários; existem outras categorias profissionais onde a cultura alcança já um grau compatível com a compreensão dos problemas económicos. E, de qualquer maneira, a simples presença dos representantes do trabalho no conselho da sua corporação funciona, quanto aos empresários, como força psicológica que a todo o momento lhes mostra a outra parte interessada com que tem de contar-se sempre; e, quanto aos trabalhadores, como motor de estímulo dentro da hierarquia profissional, de dignidade da sua função e de fortalecimento dos vínculos corporativos.
Aliás, a ideia de uma corporação económica, circunscrita aos chefes de empresa, está manifestamente viciada de origem. Melhor se lhe chamaria uma grande enterite industrial, agregadora de um conjunto de empresas, e onde o ambiente seria mais propício a critérios unilaterais.
Por todos estes motivos, a tese de Mathon, que cinde a corporação em dois corpos distintos, não fez escola e pode dizer-se superada.

§ 14.º

Corporação de base sindical e de base empresarial

34. A corporação em sentido técnico é, na concepção portuguesa, o órgão superior do sistema corporativo, aquele exactamente onde se realiza a fusão dos vários interesses em jogo num determinado ramo de actividade, procurando-se a sua conciliação.
Podem-se, todavia, conceber soluções diferentes da nossa, em que logo no organismo corporativo primário se opere essa fusão de interesses, ao pôr ali em contacto, por exemplo, entidades patronais e trabalhadores. Semelhante orientação, aliás genuinamente corporativa, pretendeu a Igreja inculcá-la quando se criaram os primeiros «sindicatos cristãos», sob a fórmula de «sindicatos mistos», associando conjuntamente operários e patrões.
A breve trecho, porém, se reconheceram as escassas condições de viabilidade do sindicato misto, pelo menos reportadas a uma época em que o conflito social atingia o seu ponto culminante, desencadeando-se sem tréguas, e feroz, a luta entre o capital e o trabalho. E de tal maneira que a solução foi abandonada, passando a Igreja a fomentar a fundação de sindicatos cristãos de modelo exclusivo, agrupando-se separadamente os trabalhadores e as entidades patronais. E é este, ainda hoje, o critério que informa todo o movimento sindicalista, seja qual for a sua modalidade; constitui também, como se sabe, a base em que repousam o regime português e as actuais realizações corporativas no estrangeiro.
Desta sorte, a corporação virá a ser um órgão superior, acima do organismo primário, e, normalmente, tendo ainda a precedê-la o organismo intermédio, este constituído pela reunião de organismos primários idênticos ou afins (no caso português, federações ou uniões).

Temos, nesta hipótese, o que se pode denominar um corporativismo de base sindical. Fórmula corrente, quanto mais não seja pela vantagem prática de utilizar o agrupamento sindical, com larga tradição em todos os países, e a sua rede organizada, ao mesmo tempo que aproveita o elemento aglutinador, que é a consciência de solidariedade patronal ou operária, radicada ao longo de gerações sucessivas. Sobre esses fundos caboucos - o que nem sempre quererá dizer sólidos - ergue-se então o edifício corporativo.

35. Mas, além do corporativismo de base sindical, e continuando a colocar-nos no campo económico, importa também considerar outro processo-tipo de corporativização, qual é o que toma por célula a empresa, em todo o seu complexo «capital, técnica, trabalho», e dá lugar a um corporativismo de base empresarial.
Este processo é inegàvelmente de essência corporativa mais pura, partindo de uma unidade natural, a empresa, onde se encontra vinculado a uma obra comum todo o elemento humano que participa na produção - empresários, técnicos, empregados e operários. Aí deve começar a colaboração, no centro de vida profissional onde estão lado a lado os agentes do capital e do trabalho, reunidos para o cumprimento quotidiano de uma tarefa que preenche grande parte do seu tempo útil e constituirá normalmente o fulcro das suas preocupações diárias.
Quer isto dizer que o corporativismo de base empresarial - em que cada empresa se integra no seu organismo primário por meio de representantes do capital, da técnica e do trabalho - parte do pressuposto de ser a unidade-empresa uma autêntica comunidade profissional, onde todos os interesses são ìntimamente solidários, onde existe compreensão mútua e salutar espírito de colaboração.
Verificar-se-á semelhante pressuposto no tipo de empresa capitalista que ainda é a regra da maioria dos povos? Se num ou noutro caso se pode apontar, nos últimos tempos e em alguns países estrangeiros, uma tendência para esse ideal de empresa-comunidade, graças a uma reforma da empresa que se vai operando progressivamente, o certo é que ainda estamos muito longe de poder dar resposta afirmativa à pergunta formulada. Isto lá fora, porque adentro das nossas fronteiras - impõe-se confessá-lo - ainda não consta terem os empresários compreendido que, até em seu próprio benefício, há muito a fazer no sentido de uma estrutura actualizada da empresa, em ordem à sua maior produtividade e a elevação moral e material de todo o seu elemento humano. Pela parte do Estado, benfazejamente se começa agora a atacar o problema; assim o demonstra a proposta de lei sobre formação social e corporativa, que foi já apreciada nesta Câmara.
Em suma, pode dizer-se que o ideal corporativo de fazer da empresa a primeira corporação, a corporação-base, se encontra ainda suficientemente distante para podermos sobre ele edificar um corporativismo de matiz mais puro. Resignemo-nos, pois, e ao menos por enquanto, a querer só o possível; e já não será pouco que tal se consiga.

36. Sem prejuízo destas considerações, acrescente-se que a corporação de género empresarial foi ensaiada, por pouco tempo embora, durante o consulado do marechal Pétain, numa importante zona industrial da Franca - o centro laneiro de Elbeuf.
Foi ali gizada e posta em execução uma estrutura corporativa deste género, e pena foi que não se tivesse mantido pelo tempo necessário para bem se aquilatar dos seus frutos.

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Os depoimentos da época, na fase inicial da organização, que parece não ter chegado a ultimar-se, eram francamente lisonjeiros'. Mas também se supõe que naquele mencionado centro industrial — com muitas unidades fabris transmitidas em várias gerações de pais a filhos, e situação idêntica com grande parte da massa trabalhadora, tradicionalmente ligada à mesma fábrica— o ambiente seria excepcionalmente propício a uma tentativa como a indicada.
Se efectivamente as coisas se passavam tal qual assim, já seria admissível uma organização corporativa de raiz empresarial, porque o espírito de compreensão e a consciência de estreita solidariedade permaneciam vivos. E estavam criadas, por isso, as- condições mais necessárias para o triunfo do empreendimento.
Para se avaliar bem quanto este corporativismo de base empresarial estava no espírito animador do efémero movimento corporativo em França, durante a ocupação, basta citar a mensagem do 1.° de Maio de 1941, onde se contêm as seguintes afirmações do [Marechal:
Lorsque dans chaque entreprise, ou dans cha-que groupe d'entreprises, patrons, techniciens, ouvriers, auront pris 1'habitude de se reunir pour gérer en commun lês intérêts de leur pxofession, pour. administrer en commun leurs O3uvres socia-les, apprentissage, compagnonnage, qualification, allocations f amiliales, secours de maladie, retraites, logements ou jardins ouvriers, il ne tardera pás à se créer entre eux une solidarité d'intérêt et une fraternité de sentiments indestructibles.
Razoes inteiramente estranhas ao corporativismo como sistema de organização social fizeram, tal como aconteceu a outras, soçobrar esta tentativa de corporati-vização francesa, que chegou a ter,'no domínio da agricultura, uma importância prática que não pode ignq-rar-se.
§ 15.° Processos de enquadramento na corporação
37. For maior alcance que tenha o problema da base sobre a qual deve edificar-se a corporação —e muito haveria a dizer se houvesse de optar-se agora por um ou outro critério—, parece, no entanto, que o interesse da questão, posta em Portugal, é sobretudo doutrinário neste momento.
O mesmo se não afirmará, todavia, no concernente ao processo de relacionar as organismos-base entre si por forma a integrá-los na corporação. O problema aqui já reveste um interesse eminentemente prático.
Assentando na corporação de tipo sindical, teremos, pois, sindicatos exclusivos de entidades patronais e sindicatos exclusivos de trabalhadores, como organismos primários a integrar numa determinada corporação. Directamente? Na generalidade dos casos não seria procedimento viável, em razão do excessivo número de organismos. Portanto, concorda-se geralmente em criar um escalão intermédio, constituído pelas federações regionais de sindicatos patronais, de um lado, e de sindicatos de trabalhadores, por outro, sendo estes organismos secundários que virão a ter representação directa na corporação, esta de âmbito nacional.
Esclareça-se, porém, que não é apenas o inconveniente do grande número de organismos primários o motivo único para conduzir à necessidade do organismo intermédio. .A introdução no esquema corporativo deste segundo plano, além da evidente vantagem de mais perfeita coordenação, permite ainda que o contacto patronal-trabalhador se faça em nível mais elevado, entre representantes melhor seleccionados de uma e de outra parte.
Com efeito, os organismos primários, como princípio, escolherão para seus representantes, na federação ou união, os «melhores» de entre si, e é de prever que esses estarão normalmente em superiores condições de compreender a responsabilidade das suas atitudes e o benefício mútuo de um verdadeiro 'espírito de colaboração. Aliás, quanto mais alto se sobe melhor se possibilita uma visão de conjunto dos problemas; e aquilo que se 'mostra inconciliável na base de uma pirâmide de interesses' divergentes em muitos casos bem pode harmonizar-se no seu vértice, ou, pelo menos, obter-se ali uma solução aceitável.
38. Também por esta razão essencial parece preferível o critério apontado —o do regime português — relativamente ao que consiste ein efectuar a junção dos elementos patronal e trabalhador logo no organismo de segundo grau, criando assim, em cada área determinada do País e para cada ramo de actividade, uma corporação regional. E seriam depois estas corporações regionais que, reunidas num nível superior e ordenadas segundo a natureza da sua actividade, viriam a constituir as corporações nacionais.
O argumento invocado, referente à melhor selecção de representantes e à supervisão dos problemas, funciona do mesmo modo contra esta modalidade de enquadramento que se resolve nos três graus hierárquicos: sindicato, corporação regional, corporação nacional. Mas, para sermos rigorosamente lógicos, havemos de aplicar o mesmo raciocínio em toda a extensão que ele comporta e concluir então pela vantagem de levar até ao máximo grau a escolha dos dirigentes sindicais, pelo lado dos patrões e pelo lado dos trabalhadores, separadamente, para só depois fazer a sua conjugação. Teríamos, desta maneira, sindicatos, federações e confederações de cada um dos sectores, patronal e operário; e era do contacto entre os dois grandes blocos — confederação dos trabalhadores e confederação dos patrões — que vinha a resultar a corporação.
Foi este, nas suas linhas gerais, o sistema de enquadramento na Itália fascista. Mas, sem negar que o argumento formulado tem aqui idêntica aplicação, conduzindo à superioridade do processo italiano em relação aos outros descritos, há a notar, todavia, que tem a compensá-lo, em sentido desfavorável, um sério inconveniente. Queremos reierir-nos ao facto de levar 'demasiado longe a organização sindical, ao ponto de ela quase prevalecer sobre a finalidade corporativa, que é, no fundo, a sua razão'de ser. O princípio corporativo fica assim desfigurado e subvertido perante a grandeza e a força da hierarquia sindical.
Mercê desta poderosa circunstância —e quando se raciocine em termos corporativos —, parece já que o argumento da melhor selecção e melhor visão de conjunto se minimiza. Mais se reforça ainda tal pensamento ao considerarmos p perigo manifesto, de dupla ordem, prática e psicológica, que advém de pôr em presença dois grandes blocos, patronal e trabalhador. Ambos cônscios da sua força gigantesca colocar-se-iam, de certo modo, na posição de adversários que se -medem., em escala nacional, assim se contribuindo para o convencimento mútuo da fatalidade e perenidade do conflito capital-trabalho.
Por esta série de considerações pode concluir-se até que a melhor selecção de valores e a visão superior dos problemas, que se pressupunha orientada para o fim corporativo da conciliação e harmonia, funciona aqui numa direcção contrária e anticonporativa, trabalhando psicologicamente para reavivar um espírito de classe, que é exactamente o inverso do espírito corporativo.
Parece, pois, que se comete o mesmo erro de excesso, quando se queira efectuar a junção das entidades pá-

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tronais e dos trabalhadores, quer no grau mínimo - o sindicato misto -, quer no grau quase máximo - a corporação, como resultante das confederações - nacionais de trabalhadores e de patrões.

39. Convém acrescentar que os modos de integração corporativa não se esgotam nos poucos casos acima mencionados.
Manoilesco, por exemplo, encontrou seis formas de combinação diferentes, partindo de três índices fundamentais: a posição social (patrões ou trabalhadores), a categoria económica ou profissional e a área geográfica. Considerando cada um destes índices invariante, por sua vez, e os dois restantes variáveis, obteve seis combinações possíveis para o enquadramento corporativo.
Passaremos, no entanto, sobre esta matéria, por ser incomportável aqui a sua exposição.

§ 16.º

O enquadramento de actividades não organizadas ou a que faltam os organismos intermédios

40. Fixemo-nos na sucessão de instituições corporativas segundo o esquema português - organismo primário e exclusivo de tipo sindical, organismo intermédio da mesma natureza (federação e união) e organismo superior de tipo corporativo (a corporação).
No organismo primário faz-se a coordenação dos interesses dos indivíduos ou empresas por ele abrangidos, em determinada circunscrição territorial; no organismo intermédio coordenam-se os interesses dos organismos primários, geralmente numa área geográfica mais ampla; e na corporação, de âmbito nacional, integram-se os organismos intermédios, que aí têm também a sua necessária coordenação.
Estamos, pois, perante uma estrutura que assenta, conforme o processo de organização mais racional e corrente, numa coordenação por planos sucessivos. E tal facto suscita três questões práticas fundamentais, que já se prendem directamente com a proposta de lei em análise:

a) Existindo apenas organismos primários, como integrá-los na corporação?
b) Não existindo sequer organismos primários para determinadas actividades, como representá-las na corporação?
c) Sendo várias as corporações, qual o seu organismo coordenador?

As duas primeiras questões recebem tratamento adequado na proposta de lei (base XI), onde se dispõe que «os organismos corporativos primários, se não estiverem constituídos organismos corporativos intermédios, designarão entre si, pela forma que vier a ser definida, os seus representantes na corporação». Seguidamente acrescenta-se que «o Conselho Corporativo pode decidir que façam parte dos conselhos da corporação representantes de actividades não organizadas».
Na altura própria se fará o exame da referida base XI na especialidade, limitando-nos por agora a algumas considerações de ordem geral.

41. Quanto à primeira questão, deve observar-se que realmente o único processo viável para suprir a falta de organismos intermédios será o de promover a designação de representantes dos organismos primários, idênticos ou afins, considerando-os, para tal agrupados segundo o critério que deveria presidir à sua reunião em federações ou uniões. Quer isto dizer que se vai actuar como se idealmente esses organismos intermédios existissem.
Não deve ignorar-se, porém, que se trata de uma solução de emergência, só admissível em fase transitória, que não deverá prolongar-se mais do que pelo tempo estritamente indispensável para a criação das autênticas federações ou uniões dos organismos primários ainda não federados ou unidos. E, porque assim é, parece de toda a conveniência que na citada base XI da proposta de lei se faça a inserção de um novo número, onde fique taxativamente expresso que o Governo promoverá a constituição desses organismos intermédios, salvo para os casos especiais em que tal não seja possível ou se repute desaconselhável.
Assim se contribuirá para a perfeição institucional do nosso sistema, evitando-se uma situação anómala que a próxima instituição de corporações vem pôr inteiramente em relevo. E há-de reconhecer-se que a tarefa se mostra grandemente facilitada pela competência, em regra atribuída ao Governo, para a iniciativa da constituição dos aludidos organismos. Porventura até os próprios interessados, chamados agora à designação esporádica de representantes, serão os primeiros a adquirir a consciência da maior vantagem em se organizarem num plano de coordenação superior e permanente, onde possam centralizar os seus vários interesses até agora dispersos.
O exemplo que os grémios da lavoura ainda tão recentemente vieram dar, instituindo as suas primeiras federações, é não só francamente consolador como também sintomático de um espírito corporativo que renasce.

42. Este caso dos organismos intermédios parece, pois, não oferecer dificuldades insuperáveis. Mas não poderemos dizer o mesmo pelo que respeita às actividades ainda não organizadas, incluídas na segunda questão acima posta.
Não existindo sequer organismos primários em determinados ramos da actividade económica, o problema atinge muito maior complexidade. Desde logo a imperfeição institucional do sistema toma sérias proporções, não sendo de conceber que exista o organismo corporativo superior de certo ramo de actividade sem que estejam, na sua armadura-base, os organismo, coordenadores dos indivíduos ou das empresas que gravitam no círculo dessa mesma actividade.
O relatório da proposta de lei chama-nos a atenção para o facto nesta sua passagem esclarecedora «É certo que, ao contrário do que sucede com os trabalhadores do comércio e da indústria, ainda há importantes actividades patronais por organizar, mas espera-se que em breve se formem os primeiros grémios das indústrias algodoeira, corticeira, metalomecânica de curtumes, além de outros, e se aprovem os estatutos de novas federações e uniões».
O mais grave ainda é que todas as indústrias enumeradas são de visível importância no campo da nossa economia, e não será fácil dispensar o seu concurso como elementos corporativos devidamente organizado e integrados na sua correspondente corporação. É caso de perguntar o que valeria uma corporação da indústria, como está previsto na proposta de lei, sem que se encontrem organizados corporativamente sectores tão importantes como o da cortiça, do algodão e da metalomecânica.
Valha, ao menos, a declaração de que se aguardar para breve a formação dos primeiros grémios daquelas aludidas indústrias; e esperemos confiadamente que assim aconteça. Porque, sem negar o valor prático da solução consignada para este efeito na proposta de lei - a faculdade de o Conselho Corporativo decidiu que façam parte dos conselhos das corporações repre-

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sentantes das actividades não organizadas -, bastante precária será sempre tal representação, muito embora se tenha de confessar que não seria fácil descobrir, dentro das possibilidades actuais, outra solução mais ajustada.

43. Tudo parece indicar, efectivamente, que deve proceder-se nesta conjuntura, e com maioria de razão, de modo idêntico ao que já antes se sugeriu para a hipótese aos, organismos intermédios, ou seja a introdução de um novo número na base XI, onde se estabeleça que o Governo promoverá ràpidamente a instituição dos organismos corporativos primários, nas condições reputadas aconselháveis.
A primeira atitude Ao Governo será, por certo, a de impulsionar a constituição desses grémios de industriais, de que a organização corporativa carece actualmente. E confia-se em que tanto bastará, jamais agora; que a instituição próxima de corporações põe a evidência da falta inteiramente à vista daquelas entidades patronais, sem possibilidade de se iludirem a respeito da responsabilidade moral que a sua indiferença ou incúria lhes pode acarretar.
A segunda atitude, esgotados os meios estimulantes, seria a criação de grémios obrigatórios, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 23 049, de 23 de Setembro de 1933, que, sobre ser medida perfeitamente legal, era neste caso irrecusavelmente «legítima», em presença dos superiores interesses da economia, em geral, e da organização corporativa, em particular. Além de que tal providência não iria ferir o rigor dos princípios em que repousa o nosso sistema corporativo, e especialmente aquela forma de corporativismo autónomo que o particulariza e é, como se disse já, um pouco diferente de corporativismo de associação.
Não será de mais repetir, todavia, que tudo indica se espere um nítida compreensão do problema por parte das entidades patronais interessadas, algumas das quais porventura terão já iniciado os precisas diligências para a constituição voluntária dos grémios das suas indústrias; portanto, grémios facultativos, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 24 715, de 3 de Dezembro de 1934.

44. E resta dizer ainda que, relativamente aos assuntos acabados de examinar, o problema se põe de maneira diversa para as corporações morais ou culturais.
Em tal domínio, como se disse oportunamente, o normal será constituir-se a corporação sem dependência da formação prévia de organismos corporativos no sentido técnico; e deve, pois, este caso particularíssimo requerer providências regulamentares ajustadas aos seus especiais requisitos e condicionalismo próprio.
Por este motivo, mostra-se conveniente também incluir na proposta de lei, ainda no contexto da base XI, uma disposição que ressalve o caso específico das corporações morais e culturais.

§ 17.º

Organismo coordenador das corporações

45. Vistas as duas primeiras questões formuladas - enquadramento para o caso de faltarem os organismos intermédios e para a hipótese extrema das actividades não organizadas-, consideremos seguídamente a última questão a que nos propusemos responder:
Sendo várias as corporações, qual o seu organismo coordenador?
A razão de ser desta pergunta entende-se imediatamente quando recordemos o princípio de organização em que se apoia a nossa hierarquia corporativa e já foi antes suficientemente assinalado - uma coordenação em planos sucessivos.
Se os organismos primários agrupam e coordenam indivíduos ou empresas; se daqui subimos ao organismo intermédio, onde se faz a coordenação dos organismos primários; e se, num terceiro patamar; aparece a corporação como centro coordenador dos organismos, intermédios - é manifesto que, na hipótese de existir mais de uma corporação (e está-se a pensar o real), o princípio da necessidade de coordenação não deixará de actuar, suscitando um novo e último plano, onde há-de situar-se o organismo coordenador das próprias corporações.
Do ponto de vista teórico, esta conclusão é inatacável. E o raciocínio, apenas estribado na realidade prática, também reclama a necessidade de um órgão supremo de coordenação corporativa. Com efeito, por mais alta e apurada que seja a consciência corporativa dos dirigentes e por mais elevado ou perfeito o seu conceito do bem comum, nacional, tem de admitir-se como certa, ou pelo menos muito provável, a oposição de interesses entre duas ou mais corporações sobre um qualquer problema que, resolvido de uma ou de outra maneira, beneficiará mais uma actividade em detrimento de outra. E, admitida que seja esta probabilidade ou certeza, tem de se aceitar também a hipótese da conflito aberto entre duas corporações por uma declarada irredutibilidade.
Em tal emergência só uma autoridade hieràrquicamente superior pode dirimir o dissídio.

46. No domínio da escola austríaca, de Spann e Heinrich, o problema estaria resolvido por sua natureza, porque as corporações se deveriam ordenar, umas a seguir às outras, numa sucessão hierárquica, segundo o seu «grau de espiritualidade» E, assim, «desde que se observe a série de corporações na sua ordem hierárquica, torna-se essencial que cada corporação inferior seja conduzida por aquela que lhe é superior espiritualmente, seguindo a lei biológica de toda a comunidade e de toda a relação social: submissão do inferior ao superior» (Spann).
Possìvelmente rigorosa esta tese em pura concepção filosófica e sociológica, transferida ela para o campo concreto da vida, não se vislumbra critério ou medida para aferir ou classificar, pelo grau de espiritualidade, por exemplo, corporações como as dos têxteis, do vinho, da metalurgia ou dos cereais.
Esta dificuldade - diremos melhor, impossibilidade -, de ordem prática, conduziria directamente a rejeitar tal processo de hierarquização das corporações entre si. Mas não só este. Qualquer outro índice escolhido para esse fim haveria de ser sempre defeituosamente arbitrário, tanto mais quanto é certo que todas as grandes funções sociais, dentro do quadro nacional, são úteis ou indispensáveis, e nessa circunstância reside a sua identidade ou equivalência; não podendo demonstrar-se objectivamente - por ser do foro subjectivo - se são mais úteis ou indispensáveis as funções de natureza espiritual ou económica e, dentro de cada uma destas, qual a sua escala de precedências. O mesmo seria dizer que o coração ou o cérebro são mais úteis ou indispensáveis à vida do homem do que os rins ou os pulmões. Todas essas funções sociais ou biológicas são «partes» de um «todo», como é o corpo social ou o corpo humano.
Além disto, não deve esquecer-se que qualquer intento de classificação hierárquica das corporações provocaria forte reacção psicológica de rivalidade e que, devendo o processo corporativo ser contributo para uma desejada harmonia de interesses, acabava por se trans-

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formar em fonte de perturbações e dissídios - anticorporativo, portanto.

47. Em última análise, repudiado que seja um critério de hierarquização entre as várias corporações e assente a premissa da necessidade de coordenação para estes organismos corporativos, restam apenas dois caminhos para trilhar: ou se opta por um novo escalão da hierarquia corporativa, e teremos de forjar um organismo coordenador supremo, ou se cai na solução Estado. E que dizer desta última?
Ainda poderia justificar-se, no terreno prevalentemente teórico de um tipo de corporativismo absolutamente integral e puro, ao sabor da escola romena, que permitiu a Manoilesco afirmar:

Há, contudo, uma corporação, uma só, que faz excepção e que poderia impor a sua superioridade a todas as outras: é o Estado. O Estado, na sua qualidade de supercorporação, portanto como órgão de coordenação das outras corporações e como criador dos fins e dos ideais comuns da Nação, é, por definição, superior e sobreposto a todas as outras corporações.

Para fora deste campo, a solução Estado só seria admissível para quem sustentasse um corporativismo dependente - em terminologia mais usual: um corporativismo de Estado -, pois que aí já as próprias corporações seriam órgãos estaduais e, por maioria de razão, a sua coordenação caberia de direito ao Poder Central. Apesar desta real circunstância, não deixe de registar-se, porém, que mesmo na Itália se reconheceu a necessidade de criar o Conselho Nacional das Corporações, como organismo coordenador supremo, muito embora de feição estadual.
Ainda poderia vir dizer-se que o Estado, para aquela hipótese, que formulámos, de conflito entre duas corporações, se colocaria adequadamente numa posição de árbitro ou juiz. Mas, perante esta objecção judiciosa, terá de observar-se que a função do organismo coordenador não se resolve ùnicamente em tarefas como a indicada - e essa, até, será de índole excepcional-, mas antes num conjunto de decisões orientadoras ou gestivas, com força vinculante para as corporações como organismos coordenados. E, sendo assim, a coordenação não é mais nem menos do que uma forma de comando - o bastante para termos de a repelir quando o seu agente for a Administração.

48. Resta, finalmente, uma só solução - o organismo coordenador das corporações como participante da hierarquia corporativa; «autónomo», por consequência. Sendo assim, e dado que o sistema português compreende já uma instituição hierarquicamente suprema - A Câmara Corporativa -, onde todas as corporações se encontram devidamente representadas, não oferece dúvidas de que só ali deverá efectuar-se a sua coordenação superior. E ficaria, então, por resolver apenas o pormenor da conformação orgânica desse instrumento coordenador - porventura uma secção da Câmara especialmente constituída para esse fim.
Por este modo, o novo órgão ganharia logo o indiscutível prestígio de que a Câmara Corporativa, por mérito próprio, já desfruta. Para além disso, acentue-se que haverá certas decisões desse organismo coordenador onde o grande melindre, ou a transcendência, podem exigir uma altura e autoridade que não se conquistam facilmente, pelo menos a prazo curto.
Na hipótese há pouco figurada, de divergência profunda entre duas ou mais corporações, se poderia pôr-se em dúvida a força e o peso moral de um vulgar agente coordenador para fazer acatar uma decisão, no caso da Câmara Corporativa tinha-se a antecipada certeza de que o seu veredicto viria revestido de uma dignidade e autoridade unânimemente reconhecidas.
Não é preciso avançar mais para se ter a consciência completa de quão precioso, para as corporações nascentes e ávidas de crédito, poderá ser o amparo paternal duma instituição prestigiosa e forte, como a Câmara, que assim vai contribuir decididamente para o triunfo do ideal corporativo em que comunga.
Em resumo, no caso português tudo indica que se confira à Câmara Corporativa o encargo da coordenação superior das corporações.
E só falta dizer - embora se entre já no domínio do pormenor, aqui deslocado - que não ficaria mal à hierarquia corporativa que o presidente desse conselho coordenador fosse o próprio presidente da Câmara Corporativa, como aliás acontece relativamente a todas as secções e subsecções da Câmara. Mais ainda - que determinadas deliberações, de especial relevo e magnitude, deveriam ser tomadas pela Câmara Corporativa reunida em plenário. Ficaria, deste modo, plenamente assegurada a consecução do bem comum nacional.
E, para remate natural destas considerações, julga-se de toda a conveniência acrescentar ao articulado da proposta de lei uma nova base, onde fique prevista a Câmara Corporativa como organismo coordenador das corporações.

§ 18.º

O principio da autonomia e o condicionalismo que requer

49. Num corporativismo autónomo, como o nosso, tem de estar sempre presente, por definição e como ideia mestra, o principio da autonomia.
Nestas condições, o princípio há-de respeitar-se e observar-se desde a base até ao vértice da organização corporativa. Serão autónomos os organismos primários, tal como os intermédios, as corporações e o seu órgão superior de coordenação. Simplesmente - e seria escusado sublinhá-lo-, o princípio da autonomia não quer significar independência soberana, mas tem de coexistir e harmonizar-se com esse outro princípio fundamental que é o da hierarquia.
Ao afirmar-se autónomo um organismo corporativo, subentende-se que o é com inteira subordinação hierárquica àqueles que se situem em nível superior ao seu. Assim como pode tomar em inteira liberdade as deliberações para que seja competente, também se lhe exige o estrito acatamento das resoluções dos organismos superiores, na esfera da sua competência coordenadora, regulamentaria ou disciplinar.
Em suma, princípio da autonomia dentro de uma subordinação hierárquica - eis um primeiro condicionalismo a considerar.
Mas temos de compreender também que o princípio da autonomia só é admissível ao nível da corporação desde que fique suficientemente assegurado um equilíbrio funcional, nos seus dois aspectos essenciais, designadamente o equilíbrio interno e o equilíbrio da própria função social, este considerado nos seus reflexos externos, dentro do quadro geral das funções nacionais.
Quer dizer: requer-se que o princípio de autonomia promova o bem comum restrito da actividade integrada na corporação e, simultâneamente, não contrarie o bem comum nacional.
E inegàvelmente um ponto de extraordinária importância esta conjugação do bem comum parcial de uma actividade com o bem comum total da Nação. E a tal ponto que daí dependerá em grande parte o «ser ou não ser» do corporativismo, como ideia fecunda.
Quando se ataca o sistema corporativo, um dos argumentos de maior peso que se lhe atira tem génese nesta questão crucial. Consente-se geralmente que é generoso

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e meritório o ideal corporativo, mas pretende-se logo a seguir desfechar-lhe o golpe de morte, acusando-o de trabalhar no sentido de uma centralização de esforços que, afinal, conduz à formação de gigantescos monopólios para cada uma das actividades corporativizadas.
E não vá supor-se que o reparo é de todo inconsistente. Só o será se aquele princípio da autonomia, que postulamos, for harmònicamente conjugado com esse outro do equilíbrio funcional, entendido nos termos em que o definimos.
Para tanto, para o fim de uma harmónica conjugação entre os dois princípios apontados, tem de entrar-se em linha de conta com um terceiro princípio intermédio, que nos parece ser o verdadeiro agente da ligação entre ambos. Talvez possamos denominá-lo, a falta de melhor terminologia, princípio da intervenção da parte interessada; querendo com isto significar que, ao ser tomada, corporativamente, uma decisão que possa afectar interesses de qualquer sector da vida nacional, esses devem estar sempre presentes e ter, de direito, uma audiência apropriada.
Nunca será demasiada a insistência neste princípio corrector, ao raciocinarmos em linguagem corporativa. Quem o transgrida pode abrir um flanco vulnerável no corporativismo e condená-lo à contingência de um desaire.

50. O princípio enunciado - intervenção da parte interessada - traz implícitas em si certas consequências imperativas na ordem prática.
Quando o apliquemos à corporação, sentimos logo os seus importantes efeitos, tanto na composição desse organismo superior, como em pormenores do seu funcionamento.
Não é difícil exemplificá-lo.
Se a corporação tem competência em matéria económica e social, que interessam a empresa, ao capital e ao trabalho, hão-de estar representados os empresários e os trabalhadores no respectivo conselho. E porventura também não faltará ali o representante da «Técnica», escolhido pelo organismo corporativo que defende os correspondentes interesses especializados: a Ordem dos Engenheiros, por exemplo, que designará um engenheiro químico para a «Corporação da Química» ou um engenheiro civil para a «Corporação da Construção Civil e Materiais de Construção».
Se a corporação tem atribuições de disciplina económica, com repercussão directa no mercado dos produtos, onde está naturalmente interessada a entidade consumidor, há-de figurar no seu conselho a representação do consumo.
O princípio da intervenção da parte interessada manifestamente não pode actuar aqui numa expressão quantitativa, equivalente ao peso e ao número da população total directamente interessada na função consumo. A expressão daquele princípio será, neste caso e por força das circunstâncias, meramente qualitativa; mas o representante do consumo deverá estar presente e não deixará de ter audiência sempre que o julgue necessário.
Não é o bastante, mas é já alguma coisa. E quando venha argumentar-se que o consumo sairia sempre inexoràvelmente vencido na luta que intentasse travar com empresários e trabalhadores unidos em comunhão de interesses, não deixaremos de dizer que ao representante do consumo não podem deixar de ser conferidos poderes derivados da sua situação especial, nomeadamente o de fazer subir determinada resolução à Câmara Corporativa, funcionando como organismo coordenador das corporações.
Ali - muito mais alto - já o problema não poderia ser encarado apenas à luz dos interesses específicos de certo ramo de actividade, passando a centrar-se na sua dimensão nacional. E as probabilidades de desvio do bem comum ficariam consideràvelmente diminuídas.
Hás há mais. Não é possível conceber a corporação autónoma - dentro de um critério de segurança, de justiça e de defesa colectiva - sem a participação do Estado como supremo fiscal, porque supremo garante do bem comum.
Um pouco à frente se desenvolverá esta ideia. Basta, por agora, acrescentar que a presença do Estado não dispensa, de modo algum, a representação directa da função consumo - essa sim, e verdadeiramente, a «parte directamente interessada», segundo o princípio enunciado. Mas, não dispensando o representante do consumo, a assistência do Estado funciona como seu adjuvante precioso, uma espécie de Ministério Público, defensor da sociedade em geral.
E, desta maneira, a função consumo, com tão reduzida expressão quantitativa no seio da corporação, adquire a força qualitativa suficiente para contrabalançar, em concreto, o peso representativo do capital e do trabalho.

51. Tem-se dito, com frequência, não ser procedente a acusação monopolista assacada ao regime corporativo, porque o sistema contém, intrìnsecamente, as defesas naturais contra semelhante perigo.
Esta afirmação tem um fundo verdadeiro, mas não possui todo o alcance que se pretende atribuir-lhe. Diz-se uma verdade, indubitavelmente, quando se invoca a fiscalização recíproca que as corporações exercem umas sobre as outras, de tal maneira que, desejando qualquer delas fazer vingar decisões contrárias ao interesse colectivo, e em especial lesivas dos consumidores, logo as outras reagem como elementos participantes do agrupamento consumo, que geralmente são.
Por outras palavras, perante uma dada corporação todas as restantes se encontram na posição de suas consumidoras. E, sendo assim, está automàticamente assegurada a defesa da função consumo.
O argumento, que responde à objecção do monopólio, parece à primeira vista invulnerável. Mas para o ser, em toda a sua extensão, seria preciso demonstrar: primeiro, a certeza da premissa em que assenta - essa qualidade consumidora, prevalecendo sempre na atitude de todas as outras corporações; segundo, que é real e permanente o condicionalismo em que se baseia - esse facto de todas as outras corporações intervirem sempre na resolução a tomar.
Ora, nem uma coisa nem outra se verificará sempre e em todas as circunstâncias. Casos haverá em que algumas das outras corporações, ou até a sua maioria, também possam ser beneficiadas de certo modo com a decisão da primeira, por hipótese prejudicial ao interesse dos consumidores; e, se assim suceder, já será falso considerá-las como representativas duma protecção satisfatória do consumo. De outro lado, mão será regra, nem o poderia ser, que todas as decisões de uma corporação hajam de ser sancionadas pelo organismo coordenador supremo; e bem poderá acontecer que algumas dessas decisões, insignificantes ou inofensivas na aparência, venham a ter reflexo mais ou menos intenso na função consumo. E, sendo assim, deixaria de funcionar aquele mecanismo de equilíbrio em que muitos corporativistas confiam demasiadamente.
Aliás, mesmo admitindo que se verificavam sempre as condições de equilíbrio antes mencionadas, não se deve esquecer que a defesa do consumo, feita por todas as corporações contra uma delas, nunca poderia ser tão autêntica e convicta como aquela que incumbe a um representante especial dos consumidores, que só nessa qualidade exclusiva tem assento na corporação.

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E, como reforço ainda deste pensamento, poderá pôr-se em dúvida se os laços de solidariedade entre as várias corporações - e só interessa que sejam fortes - não poderiam, em alguns casos, obscurecer ou diminuir a sua realidade de entidades consumidoras, perante aquela corporação que, em certo momento, se apresentava na posição de produtora.
Tudo parece, pois, fazer ressaltar a necessidade de uma representação especial do consumo em cada corporação a constituir. E, por isso, a Câmara sugere que o assunto seja considerado na devida oportunidade, sem deixar de se reconhecer o estudo e a ponderação que este importante problema requer.
Não se ignora a dificuldade na selecção ou escolha dos representantes do consumo, função que em regra nos aparece mal definida e deficientemente institucionalizada; até, porventura, sem possibilidade de uma organização sofrível.
Sem embargo, não só existem organismos especializados de consumo - as cooperativas -, como também há outros, não dirigidos imediatamente a esse fim, mas que o abrangem, como, por exemplo, os conselhos municipais e algumas instituições de defesa da família ou outras de índole similar. E, por último - ou até pelo começo -, bem poderiam escolher-se «homens bons» que, simultâneamente, dessem absoluta garantia de independência perante as forças produtoras e tivessem o valor intelectual bastante para, em verdadeira expressão qualitativa, representarem condignamente a função consumo.

§ 19.º

O principio da fiscalização: factor imprescindível do equilíbrio funcional

52. Em simples apontamento já anteriormente se disse que não é possível conceber a autonomia da corporação sem que o Estado nela se encontre devidamente representado, como supremo garante do bem comum.
É mais uma consequência imediata daquele princípio que denominámos «do equilíbrio funcional», considerado no seu aspecto externo, isto é, a função social desempenhada pela corporação actuando solidariamente, com todas as outras funções sociais, no quadro geral da Nação. Consequência directa daquele citado princípio, e também desse outro, seu corolário lógico, a que chamámos o a princípio da intervenção da parte interessada».
É quase ocioso esclarecer que este último princípio não funciona apenas nas hipóteses figuradas há pouco, nomeadamente o caso frisante do consumo ou a divergência de interesses entre trabalhadores e entidades patronais. O princípio é de aplicação genérica e, portanto, temos de encontrar maneira de lhe dar satisfação em todas as vicissitudes do funcionamento institucional.
Bastaria este imperativo de generalidade para se concluir, desde logo, que o instrumento realizador do princípio não pode deixar de ser o Estado. Só ele, por certo, tem essência para consubstanciar a síntese de todo o complexo dos interesses nacionais e tem legitimidade para o representar em quaisquer corpos constituídos. Pertence-lhe, pois, a defesa do interesse geral, em todas as emergências, perante os múltiplos interesses particulares que impulsionam e vivificam os indivíduos ou as instituições por eles formadas.
O facto de ser o Estado, por direito próprio/o agente primacial daquele «princípio da intervenção da parte interessada» não é impeditivo, òbviamente, de existirem outros representantes do interesse geral, sempre que este se possa individualizar, sorno é o caso da função consumo. E, quando tal suceda, essa «parte interessada» participará na corporação, em vez de um, com dois representantes.

53. Por esta via é-se levado a concluir imediatamente que o Estado tem de ter o seu lugar próprio na corporação.
E repare-se até que a imprescindibilidade da presença estadual se avoluma, e ganha evidência, à medida que aumentem as funções atribuídas à corporação. Num corporativismo autónomo, cuja linha tendencial é forçosamente uma autodirecção da economia, pode começar-se por não conferir inicialmente à corporação toda a competência que a sua própria natureza lhe assina. Mas o termo da evolução é necessàriamente esse.
Sendo assim, importa ter bem presente que o princípio da autonomia, para poder ser admitido em todo o seu amplo significado, requer imperativamente um certo condicionalismo, sobre o qual temos estado a debruçar-nos.
Podemos exprimir mais sugestivamente esta realidade dizendo que autonomia e fiscalização constituem duas forças contrárias e de igual intensidade que convergem na corporação e devem ter aí o seu ponto de equilíbrio. Se uma delas aumenta, em detrimento da outra, pode romper-se o equilíbrio em duas direcções, ambas perniciosas para o destino da corporação: ou a fiscalização cresce de tal modo em poder que perde a sua natureza específica e se transforma num comando
- e temos subvertida a corporação em órgão do Estado -, ou a autonomia exorbita dos seus limites, sobrepondo-se inteiramente à fiscalização - e temos o económico a dominar o político e a corporação a ser um elemento perturbador no meio social.
Há, pois, que demarcar precisamente as fronteiras entre a autonomia e a fiscalização. Mais ainda - demarcá-las ab initio, para que os seus dois campos se definam sem possibilidade de dúvidas ou hesitações; e de tal sorte que nem a autonomia redunde em mero rótulo de fachada nem seja ilusória ou simbólica a intervenção fiscalizadora do Poder Central.
Não se julgue, porém, que estamos em face de um problema complexo ao querer delimitar, equilibrada e rigorosamente, as esferas de acção dos dois princípios da autonomia e da fiscalização. Seríamos tentados a dizer até que esse problema se põe com relativa simplicidade, dado que o conteúdo da autonomia, com os seus poderes de comando e gestão, é nitidamente distinto do campo fiscalizador, com os seus atributos específicos de informação, vigilância, controle, assistência (obrigatória!) à discussão e votação dos actos gestivos e tantos outros factos similares ou derivados.
O lema terá de ser este: para se conferir à corporação uma autonomia autêntica, forçoso é que também a fiscalização seja exercida por forma autêntica.
Isto equivale a dizer que o órgão estadual deverá ser previsto e montado em termos de eficiência, vigilância permanente e actuação pronta, de modo a que o Estado - guardião do bem comum - esteja ao corrente de tudo quanto se passa na corporação nos seus múltiplos aspectos, nomeadamente a actividade gestiva, a regularidade dos serviços, a legalidade das resoluções, a capacidade dos dirigentes, a consciência corporativa e a moralidade do ambiente.
Sem entrar aqui em pormenores, que haviam de considerar-se descabidos, não deve omitir-se, contudo, uma referência particular à competência do representante estadual para, em casos excepcionais, fazer subir à Câmara Corporativa - funcionando como organismo coordenador das corporações - uma deliberação votada pelo conselho da corporação. E ali, já em plano na-

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cional, o diferendo seria então amplamente apreciado e discutido.

54. De tudo quanto se expôs resultam duas conclusões fundamentais: a necessidade imprescindível da presença estadual no seio da corporação e o carácter imperioso de definir precisamente a posição do correspondente órgão que - para verdadeiramente assegurar o equilíbrio funcional - não pode intervir no comando gestivo, mas tem de acompanhá-lo de um modo total e permanente.
Assim deve ser posta a questão, quando se raciocine, na base da competência plena, que, no futuro, virá a conferir-se à corporação. Mas não podemos desprender-nos da realidade presente, que é uma competência atenuada atribuída pela proposta de lei - às corporações - no período inicial da sua vida.
Com efeito, nesta primeira fase experimental - e numa atitude cautelosa e justificável - outorga-se apenas à corporação a faculdade de «propor ao Governo normas de observância geral sobre a disciplina das actividades ou da produção e dos mercados». E também não se lhe permite, sem, o assentimento do Estado, «estabelecer essas normas, com vista, designadamente, à colaboração das classes, ao aperfeiçoamento da técnica e aumento da produtividade do trabalho, aos menores preços e maiores salários compatíveis com a justiça social» [base IV, alínea d)].
Tanto monta a dizer que a corporação, em todo o vasto âmbito daquelas matérias, não tem uma «competência normativa», mas antes a de «simples propositura de normas». E, sendo assim, já se não revela imprescindível a assistência do Estado a todo o labor interno da corporação - neste período transitório de «competência mitigada» -, porque, no fundo, o poder de decisão compete exclusivamente ao Governo.
Realmente, é de admitir, em tal emergência transitória, que o equilíbrio funcional da corporação seja conseguido por meio de instrumentos fiscalizadores de proveniência interna do corpo colectivo, ou seja de natureza puramente institucional. O bem comum restrito a cada corporação terá sempre a sobrepor-se-lhe o bem comum geral que o Governo interpreta e consubstancia através do seu acto de decidir, obviando-se por este modo a qualquer presumível desvio do interesse nacional.
Nesta linha de pensamento, a Câmara abstém-se de propor, desde já, a inclusão de um órgão estadual na estrutura orgânica das corporações, mas afirma a necessidade de o criar logo que Importa, por isso, acrescentar à base VIII da proposta de lei uma nova disposição, onde genèricamente se consigne a imprescindibilidade desse órgão fiscalizador para o momento em que os corporações conquistem a plenitude da sua competência funcional.

55. Em resumo: um dos órgãos internos que compõem a estrutura orgânica da corporação - considerada esta no seu pleno funcionamento - deve ter uma natureza estadual, com agentes designados pela Administração e incumbidos de acompanhar toda a vida gestiva daquele organismo, em simples missão de assistência, informação e vigilância. No entanto, e acidentalmente - isto é, apenas durante a situação transitória em que a corporação disponha duma competência mitigada-, não se impõe a necessidade desse órgão interno, porque a sua falta aparece suprida pelo poder de decisão exclusivamente atribuído ao Governo.
E note-se que falamos em «órgão interno», apesar de não esquecermos que o Poder Central é exterior à corporação sempre que ela reveste um tipo autónomo, como a nossa. A fiscalização e, outrossim, o conselho ou direcção constituem partes da orgânica interior da corporação, órgãos internos. Simplesmente, no caso especial da fiscalização, esse órgão gera-se e actua internamente, acompanha toda a vida interior da corporação, mas o agente que desempenha essa «função interna» é que tem a particularidade de ser designado por uma entidade exterior à corporação. E essa entidade poderia até ser diferente do Estado, em sentido restrito, como sucederia, por exemplo, se fosse o tribunal a designá-la ou uma câmara de peritos, também independente da Administração.
Em síntese - e depois de tudo quanto se escreveu - parece poder terminar-se com uma nota de optimismo quanto ao problema da autonomia.
Dir-se-á, então, que todas aquelas possíveis defesas ou garantias sumariamente registadas - implícitas nos três princípios que enunciámos: do equilíbrio funcional, da intervenção da parte interessada e da fiscalização - permitem com segurança um funcionamento regular da corporação, evitam perigos,, que só serão reais se não forem acautelados, e bem podem tranquilizar todos aqueles, ainda apreensivos ou duvidosos, que hesitam em aderir decididamente à ideia de erguer, com autenticidade, uma corporação portuguesa autónoma.

§ 20.º

O problema da competência

56. Foi salientado já que o regime de competência proposto para a corporação deve interpretar-se como sendo de carácter temporário.
O relatório da proposta de lei elucida-nos sobre a natureza desta fase experimental, apesar de o fazer cuidadosa e veladamente. Dali se transcrevem estas curtas passagens:

Sabe-se que a competência agora atribuída às corporações limita o poder do Estado. Apesar disso, não se hesitará em reforçar mais ainda aquela competência, se vier a reconhecer-se tal necessidade.

Escritas com a elevação e o bom senso que transparecem em todo este notável documento com que o Governo fez preceder a sua proposta de lei - e ao qual não se regateia a mais sincera homenagem -, as palavras reproduzidas devem tomar-se em sentido sério e profundo, e os futuros dirigentes das corporações têm de gravá-las indelèvelmente no espírito. Se bem as interpretamos, elos querem dizer - sem ferir a sensibilidade, mas com firmeza - que as corporações hão-de aumentar a sua competência só na medida em que o merecerem.
Por isso afirmámos que elas têm um sentido sério e profundo. Interessa sublinhá-lo a traço bem forte, sobretudo com vista a todos aqueles a quem seja confiada a nobre missão, mas tremendamente responsável, de gerir as nossas primeiras corporações.
Mas, se realmente assim é, se vamos entrar apenas num período de ensaio, em que se espera colher da experiência os ensinamentos que ela pròdigamente fornece, impõe-se que o articulado da proposta de lei assinale a circunstância com toda a clareza possível.
Não se suponha estarmos a suscitar uma questão meramente secundária, dado que o propósito do Governo se encontra definido na parte do relatório acima destacada. E, para quem entenda bizantinismo a insistência acerca deste ponto, apresentaremos algumas razões principais.
Assim, o facto de no relatório se afirmar que «não se hesitará em reforçar mais ainda aquela competência, se vier a reconhecer-se tal necessidade» é, como afir-

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mação de princípio, manifestamente muito pouco. Além de que semelhante redacção não abrange a hipótese, mais provável na prática, de se verificar a «conveniência» - que não a «necessidade» - de ir estimulando progressivamente a vida e o labor da corporação à medida que ela demonstre encontrar-se à altura de arcar com mais pesadas responsabilidades.
De outro lado, o relatório não é o mesmo que a proposta de lei, embora seu subsídio interpretativo. E não pode contestar-se a vantagem de um diploma com esta índole - estatuto fundamental da corporação - conter todos os elementos essenciais para uma precisa definição do organismo corporativo por excelência do nosso sistema.
Ora, o ponto focado não constitui um simples pormenor, mas, muito ao contrário, é um dos elementos caracterizadores do nosso regime, pois dele depende o critério de autodirecção que proclamamos abertamente como estádio definitivo da solução corporativa que adoptámos. Dele depende também, em grande parte, a tipização do corporativismo autónomo, no seu amplo e verdadeiro alcance de despojar o Estado de poderes que os interessados, assistidos de uma fiscalização vigilante e permanente, estarão em melhores condições de exercer.
E assim posta, tal como se apresenta na proposta de lei, a competência da corporação, não só pode induzir em erro o estudioso que queira penetrar o sentido do nosso ordenamento corporativo, como também - e agora com muito maior gravidade - pode apontar uma orientação desvirtuada a tantos que vivem profissionalmente o corporativismo e a quem está entregue a responsabilidade da sua execução.
Que se caminhe com prudência é apanágio de bom senso; e não será fácil negar-lhe os benefícios. Mas que, simultâneamente, se enfrentem com coragem as soluções autênticas, embora a prazo mais largo, também é lição de fidelidade às ideias em que se comunga, com a evidente vantagem de revelar pùblicamente e com desassombro que isto de erguer a corporação portuguesa não é mero incidente da vida nacional, mas representa a viragem duma curva decisiva do nosso destino histórico.
A tudo que se alegou pode obviar-se com bastante facilidade, sem deixar de se manter o critério duma competência minimizada para o período experimental. Bastará redigir a base IV em termos definitivos - conferindo a plenitude de competência à corporação - e acrescentar-lhe um simples «número», onde fique estabelecido o regime provisório para a fase inicial, regime a modificar na medida em que a experiência funcional da corporação o justifique e as circunstâncias o aconselhem.
Só assim, parece, a situação ficará suficientemente clarificada, como afirmação do princípio da autonomia.

57. Pana o exame na especialidade se reserva, naturalmente, a análise circunstanciada, das várias alíneas que constituem s base IV da proposta de lei, bem como das bases seguintes, todas subordinadas ao capítulo II «Atribuições e competência»..
Nessa ocasião se procederá AO estudo comparativo da matéria agora legislada relativamente à que lhe corresponde no nosso diploma original sobre a corporação - o Decreto-Lei n.º 29 110, de 12 de Novembro de 1938 -, que a proposta de lei se propõe revogar.
Importa, todavia e neste lugar, desenvolver aquelas questões de generalidade que a leitura da proposta de lei sugere.
Assim, salta à vista que se omitiu agora uma das atribuições da corporação, contida na alínea b) do artigo 4.º do citado Decreto-Lei n.º 29 110. Aí se dispunha que competia à corporação:

b) Coordenar a acção dos organismos corporativos que a constituem, tendo em vista os seus interesses próprios e os fins superiores da organização, conforme o Estatuto do Trabalho Nacional.

E não pode afirmar-se que a omissão seja de somenos importância.
Com efeito, a corporação é um organismo superior pertencente à hierarquia corporativa, a que, por definição, se encontram subordinados os elementos- hieràrquicamente inferiores. E, num tipo de organização corporativa como o nosso - institucional, por excelência -, o elemento coordenador adquire excepcional relevo, como houve o ensejo de dizer ao perscrutar esse processo de «coordenação em planos sucessivos» que está na base do nosso corporativismo e, no fundo, é o índice articulador de qualquer sistema corporativo.
Não se compreende, aliás, que os organismos primários ou intermédios estejam integrados em determinada corporação, sem que, automàticamente, resulte ser esta o seu agente coordenador. E, por isso, não atribuir tal competência à corporação seria o mesmo que amputá-la na sua vida funcional e engendrar um sistema desarmónico e desarticulado. A corporação aparecer-nos-ia como qualquer coisa híbrida, que «é» e «não é» ao mesmo tempo.
A tal ponto assim olhamos este problema que passaríamos descuidadamente sobre a omissão cometida na proposta de lei se não fora a circunstância de procedermos ao cotejo entre ela e o Decreto-Lei n.º 29 110. É que a competência coordenadora está tão ligada à hierarquia corporativa que pode considerar-se implícita na ideia de corporação.
E, concebida por este modo a faculdade coordenadora, bastaria que nada se dispusesse em contrário dela na proposta de lei para se poder concluir que semelhante faculdade não deixava de competir à corporação.

58. Com este raciocínio nos contentaríamos se porventura o Decreto-Lei n.º 29 110 não regulasse expressamente tal matéria. Mas porque regula, e porque é sintomática a sua exclusão agora, impõe-se averiguar qual o motivo que determinou esta atitude negativa do proponente legislador.
Só encontramos uma explicação para o facto, quando excluamos a hipótese improvável de lapso involuntário. Será porventura o caso particular dos organismos de coordenação económica, que assumem, em notável parte, uma acção coordenadora relativamente aos grémios, federações e uniões, que caiam na alçada da sua jurisdição económico.
Com efeito, não só os aludidos organismos se intitulam de coordenação económica, como expressamente a lei lhes confere esse atributo, ao prescrever que eles se destinam a «coordenar e a regular superiormente a vida económica e social nas actividades directamente ligadas aos produtos de importação e exportação», esclarecendo ainda que «os grémios, uniões e federações coordenados pelos organismos a que este diploma se refere devem acatar os regulamentos e determinações por aqueles estabelecidos e promover o seu cumprimento por parte dos agremiados» (Decreto-Lei n.º 26 757, de 8 de Julho de 1936, artigos 1.º e 4.º).
Sendo assim, ter-se-ia talvez considerado que viria a dar-se uma duplicação de funções ao colocar a corporação também como organismo coordenador. E, para fugir à dificuldade - perante a subsistência dos organismos de coordenação económica, no regime da proposta de lei - preferiu-se nada dispor, por forma ex-

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pressa, a propósito da competência coordenadora da corporação.
Continuando a admitir como verosímil esta versão de motivos determinantes, e sem discutir que todo este conjunto de circunstâncias suscita realmente um problema delicado, tem de observar-se, no entanto, que rale mais encarar de frente a dificuldade, para lhe dar solução, ao menos transitória, do que abandoná-la, para o futuro, a um amontoado de dúvidas ou confusões.
Começa por esclarecer-se que a situação legal dos organismos de coordenação económica em nada se alterou, fundamentalmente, desde a publicação do Decreto-Lei n.º 29 110, em 1938, até hoje. Já nessa data existiam organismos de coordenação económica, alguns deles criados antes mesmo do seu diploma geral - de 1936. E, apesar disso, apesar da existência de organismos de coordenação nos moldes conhecidos, o citado Decreto-Lei n.º 29 110 atribui declaradamente às corporações uma competência coordenadora sobre os «organismos que as constituem» [artigo 4.º, alínea b)].
Mas o que interessa salientar principalmente é o carácter restrito da coordenação levada a efeito pelas «juntas nacionais», «comissões reguladoras» e «institutos». Antes de tudo, apenas coordenam instituições do sector empresarial, deixando de parte os organismos corporativos de trabalhadores; depois, mesmo naquele limitado domínio, só lhes pode interessar a tarefa coordenadora, embora muito relevante, que se dirige ao aspecto exclusivamente económico da sua acção.
Fora da jurisdição desses organismos fica, pois, um largo campo de coordenação, do qual - é por demais evidente - só as corporações, por direito próprio, têm de encarregar-se. E seria suficiente este facto para nunca ser dispensável a competência coordenadora entre, as atribuições cometidas à corporação.
Acresce a tudo isto a circunstância vultosa de serem transitórias, ou acidentais, as funções desempenhadas pelos organismos de coordenação económica, sabido como é que foram criados para preencher o vazio provocado, no nosso sistema, pela falta do seu organismo superior; e por isso se prescreveu, no Decreto-Lei n.º 26 757, que eles seriam integrados nas corporações, logo que estas se constituíssem.
Subsistentes, pois, todas as razões apresentadas, de modo algum despiciendas, tem de concluir-se pela necessidade de adicionar à base IV da proposta de lei uma nova alínea, correspondente à que figurava já no Decreto-Lei n.º 29 110 e que mais acima se transcreveu.
Além disso, e para que fique suficientemente esclarecida, a este respeito, a posição dos organismos de coordenação económica, também se revela de toda a conveniência inscrever ali uma outra norma onde se estabeleça que a corporação exercerá a sua actividade coordenadora sem prejuízo das atribuições actualmente conferidas àqueles organismos, os quais as desempenharão durante o período transitório em que ainda forem julgados necessários.
Sendo simples, pelo lado normativo de ordem geral, a solução proposta para tão melindroso problema, já a sua equação prática nalguns casos poderá apresentar-se como espinhosa, em razão de possíveis colisões de competência, para as quais só a experiência do seu funcionamento terá de indicar as providências mais adequadas.
Acresce ainda - mas agora em direcção favorável para superar as dificuldades - que os órgãos representativos dos organismos de coordenação económica participam das secções da corporação, segundo se depreende da proposta de lei (base III). E, no mesmo sentido, os representantes dos aludidos organismos fazem parte do conselho da corporação e, outrossim, dos conselhos das respectivas secções, sempre que abranjam e coordenem actividades integradas em determinada corporação (base X, n.ºs 1 e 2).
Tudo concorre, pois, para atenuar o melindre do problema na sua execução prática. Aliás, quando mesmo assim não fosse, haveria sempre que suportar um estado de coisas anómalo, só admissível em fase temporária, como a prevista para a manutenção dos organismos de coordenação económica.

59. Pertinentes ao domínio da competência estão as funções da corporação, nalgumas das quais já tocámos anteriormente.
Matéria sobremodo vasta e sobre a qual reina muita discordância, vamos limitar-nos a simples ideias gerais, principalmente dirigidas - conforme a orientação imprimida a toda esta segunda parte do parecer - ao exame prático da proposta de lei em estudo.
Na doutrina italiana aparece, entre outras, a seguinte classificação de funções da corporação: «normativas» e «não normativas». As funções normativas subdividem-se em «económicas» e «sociais»; as funções não normativas desdobram-se, fundamentalmente, em «administrativas», «consultivas» e «conciliativas».
A generalidade dos autores, porém, não se preocupa com o maior ou menor rigor teórico na sistematização das funções, preferindo apresentar um esquema descritivo ordenado segundo grandes grupos, suficientemente compreensivos.
Segundo este último critério, tentemos descortinar na proposta de lei, mediante a análise da sua base IV, quais os grandes grupos de funções que se projecta assinar à corporação portuguesa.
Nas várias alíneas da referida base IV, e pela sua ordem, podem apurar-se estes grupos fundamentais de funções: políticas; de representação e defesa de interesses; sociais; de conciliação; económicas; económico-sociais; de formação social e corporativa; disciplinares; e consultivas (estas últimas destacadas na base v).
A enumeração é extensa, como se vê; o que não implica necessariamente que sejam amplos os poderes atribuídos à corporação. Tudo está, neste particular, em descer ao fundo dos vários grupos de funções e indagar qual a sua verdadeira substância.
Já tivemos ocasião, até, em números anteriores, de referir que a competência da corporação, tal como aparece delineada na proposta de lei, no tocante a funções económicas e económico-sociais, era confessadamente mitigada, conforme o respectivo (relatório, onde se faz a promessa de futuramente a «reforçar».
Ora, é exactamente nestes grandes grupos de funções económicas, sociais e económico-sociais que reside, na essência, a caracterização do sistema corporativo e o índice de autonomia das corporações. Pois bem se compreende que o corporativismo pode ser autónomo - na acepção de independente do Governo - sem que as corporações exercitem, em matéria económica, mais do que uma função de estudo e consulta; mas só será corporativismo autênticamente autónomo se, para além dessas funções diminutas, se caminhar para uma autodirecçao da economia, em sincronismo com aqueles princípios de defesa e garantia que já houve oportunidade de expor.
Como quer que seja, todavia, a enumeração é extensa, mas ainda lá faltam alguns importantes grupos, que se impõe adicionar-lhe e que já nada têm que ver com o grau de autonomia a conceder à corporação.
Para um deles já um pouco acima se chamou a atenção, ao referir que a proposta de lei havia omitido a competência coordenadora da corporação sobre os organismos nela integrados e ao propor o aditamento duma nova alínea que remediasse a falta. Aqueles ou-

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tros, que agora indicamos pela primeira vez, reportam-se às «funções de estudo» e às de «cultura técnica e ensino profissional», que ninguém há-de julgar insignificantes e, apesar disso, não têm cabimento em nenhuma das alíneas da base IV da proposta de lei.
Assim, no concernente às funções de estudo, parece incontroverso que a corporação deve desempenhar em tal sector um papel preponderante, já instalando centros de investigação, laboratórios técnicos ou bibliotecas especializadas, já promovendo estudos económicos ou estatísticos, de produtividade ou de relações humanas na empresa, com vista à sua reforma, etc.
Também no tocante a funções de «cultura técnica e ensino profissional» muito se deve fiar das possibilidades da corporação, em ordem a fomentar estágios de técnicos saídos das escola», quer em grandes organizações estrangeiras, quer em unidades económicas do País, a facultar bolsas de estudo para especializações, de técnicos e operários qualificados, a montar cursos de aperfeiçoamento profissional e a tantas outras iniciativas semelhantes.
Podem realmente as corporações vir a ser grandes instrumentos técnicos de estudo e cultura profissional, em que não será veleidade acreditar, mediante a certeza do exemplo que está à vista em alguns organismos de coordenação económica e - apraz muito dizê-lo - em alguns organismos corporativos, como a Federação Nacional dos Produtores de Trigo e a Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios, para só citar dois casos frisantes.
Em conclusão: julga-se aconselhável, pelo seu relevo e grande rendimento social, aditar mais dois grupos de funções ao conjunto regulado na base IV da proposta de lei, a saber: «funções de estudo» e «funções de cultura técnica e ensino especializado».

§ 21.º

Organização e funcionamento

60. Ao capítulo da organização reserva a proposta de lei o seu articulado mais longo, compreendendo matéria distribuída por sete bases, sobre algumas das quais se fizeram nos parágrafos antecedentes diversas referências ou sugestões.
Assim, levantou-se já a única objecção de fundo que suscita este capítulo III da proposta de lei, ao desenvolver «o princípio da fiscalização como factor do equilíbrio funcional»; ali se afirmou a necessidade de incluir - na estrutura orgânica da corporação - um órgão interno de feição estadual, logo que a sua competência transitória de simples «propositura de normas», se transforme em «competência normativa».
Há naturalmente outros reparos a fazer dentro de tão importante capítulo, mas, porque se cifram em simples questões de pormenor, relegar-se-á a sua exposição minuciosa para o «exame na especialidade», onde têm inteiro cabimento.
Não deixaremos, contudo e neste momento, de assinalar alguma coisa que poderia constituir uma segunda objecção de fundo, mas à qual se não atribui tão vincado carácter pelas razões que aduziremos a seguir.
Trata-se do importantíssimo sector do funcionamento da corporação, que a proposta de lei circunscreve aos três números da base XII, com a agravante de só o primeiro possuir indiscutível relevo.
A impressão imediata que esta circunstância provoca - colocado o observador no seu verdadeiro plano a altura de um estatuto fundamental da corporação - não pode ser outra senão a de se encontrar perante uma deficiência grave.
Como delibera o conselho da corporação? Como delibera o conselho da secção? São chamados a decidir todos os membros desses conselhos, digamos, representantes do capital e do trabalho, sejam quais forem os problemas a resolver? A representação do capital-trabalho é de tipo paritário? É o sempre ou apenas para ns questões sociais onde há antagonismo de interesses? Os representantes do trabalho intervêm nas deliberações de natureza exclusivamente económica? Os representantes das empresas intervêm no problema das obras sociais só destinadas a trabalhadores? Qual o processo para a representação do artesanato?
Estas e tantas outras perguntas, que seria exaustivo formular, ficam sem resposta nem princípio de solução. E por isso dissemos que á primeira impressão desta extensa lacuna, quanto ao domínio funcional, não poderia ser lisonjeira. Mas, por outro lado, também asseverámos haver razões para não opor, neste particular, uma objecção funda; e agora acrescentaremos que a transformamos num simples reparo, por mais paradoxal que isso pareça.
Isto porque também entendemos, como seguramente o julgou o Governo, que seria mais aconselhável relegar a consideração dessa, matéria tão complexa para os diplomas instituidores das futuras corporações, onde, caso por caso, o delicadíssimo aspecto funcional seria encarado e resolvido.
Na realidade, este problema não se põe idênticamente para todas as corporações. E, embora se devessem desde já formular alguns princípios gerais, e, portanto, comuns a todas as corporações - seria esse o processo correcto -, requerem eles um estudo aturado para a sua definição precisa; e antes disso seria muito arriscado fixá-los.
Não obstante, mostra-se conveniente alterar a epígrafe deste capítulo III da proposta de lei, colocando «Organização e funcionamento» onde está apenas «Organização».
Isto tanto pelo motivo curial de no mencionado capítulo se regularem alguns aspectos funcionais da corporação, embora em escala mínima, como também porque, em diploma fundamental e orgânico da corporação, haveria de julgar-se estranho não aparecer suficientemente destacado um dos principais compartimentos em que se concretiza a vida do organismo corporativo.

§ 22.º

Património, serviços e pessoal

61. A noção de «património corporativo», tomada na sua acepção de maior amplitude, é inquestionàvelmente uma ideia generosa e sedutora que o corporativismo abarca, na riqueza inesgotável do seu conceito e na sua penetração funda em todos os domínios do social.
Neste lato sentido, muitos corporativistas entendem que o património corporativo será a massa de bens ao dispor da corporação para os múltiplos fins que ela prossegue, com prevalência das obras sociais em benefício dos trabalhadores e abrangendo inclusivamente todo o campo da previdência e assistência sociais.
Para tanto, a corporação, através desse património, deveria ocorrer às variadas formas de protecção social, tornando-as directamente a seu cargo, promovendo-as ou auxiliando-as por todos os meios possíveis. Entrariam assim na esfera da sua acção social: habitações para trabalhadores, instrução e educação dos seus filhos, instituições culturais e obras de recreio ou repouso, instituições -protectoras da maternidade e de assistência a viúvas e órfãos, a previdência nas suas várias modalidades - doença, desemprego, invalidez, velhice, sobrevivência - e tantos outros factos similares.
Encarado com semelhante projecção, o património corporativo seria um contributo notabilíssimo para esse ideal contemporâneo de suprimir a grande chaga ca-

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pitalista, que é o fenómeno generalizado da «proletarização».
Sabido que, para «desproletarizar», um dos objectivos visados é a conquista de um património pelo trabalhador, e não se ignorando ter esta de ser lenta, porque está indissolùvelmente ligada a uma reforma na estrutura da empresa, o património corporativo viria dor um grande passo dirigido para essa desproletarização, sem a qual o Mundo jamais poderá encontrar equilíbrio e tranquilidade.
Primeiro passo, que não dispensará o outro, decisivo, que tem por fulcro a empresa. Mas já poderá contribuir notoriamente para fazer do operário o dono da sua casa, a prazo mais ou menos longo, para transformá-lo no «pequeno capitalista» que é preciso que ele seja, para imprimir-lhe algum «sentimento de segurança», que não tem, e dar-lhe a consciência de possuir, algo, ao menos em comum com os seus pares da corporação.
Para este último aspecto chamam-nos a atenção alguns corporativistas, salientando o facto de o trabalhador participar directamente num «património colectivo», já que o «património individual» lhe tem sido praticamente vedado. O trabalhador, que, como os outros (não proletários), também quer ser dono de alguma coisa, adquirirá, pela corporação e ao menos, a propriedade comum de um «património colectivo».
Considerado com todo este alcance, ninguém ousará dizer que o «património corporativo» não é realmente uma aspiração elevada e meritòriamente social. A viabilidade da sua execução integral pode ser posta em dúvida, mas, ainda que só em parte ela seja realizável, o seu merecimento permanece e o princípio que a orienta é válido universalmente.
E resta sugerir, na sequência das considerações produzidas, que fique taxativamente consignado na proposta de lei - entre as funções sociais atribuídas à corporação - o largo sector das sobrais sociais em benefício dos trabalhadores».
Semelhante sugestão, que teria natural cabimento no parágrafo em que foi analisado so problema da competência», julgámos melhor reservá-la para este lugar, após uma rápida explanação sobre o alcance do património corporativo.

62. No nosso país foi com a organização corporativa que nasceram, pràticamente, as instituições de previdência; e é na «magna carta» do corporativismo português - o Estatuto do Trabalho Nacional- que se traçam as grandes linhas da previdência social.
Ali se fixam as bases estruturais do nosso sistema: a participação conjunta de patrões e trabalhadores nos fundos da previdência (Estatuto, artigo 48.º, § 2.º); a tendência para a generalidade, partindo do mínimo imediatamente possível, para, «em realização progressiva, como as circunstâncias o forem permitindo», se chegar a abranger todos os trabalhadores (artigo 48.º); a organização diferenciada, em vez de unitário, criando-se instituições de previdência para as diversas profissões, consoante ns suas características e necessidades (artigo 48.º, § 2.º).
Deu-se execução às directivas do Estatuto com a lei n.º 1884, de 16 de Março de 1935, que é ainda hoje o nosso diploma basilar em matéria de previdência social. Mas então, como neste próprio momento, faltava à organização corporativa o seu organismo superior; e não havia, pois, um elemento qualificado da hierarquia corporativa, que pudesse arcar com a responsabilidade de impulsionar a rede de caixas de previdência a instituir.
Fê-lo, como não podia deixar de ser, o Estado. E o problema que pode vir a suscitar-se, instauradas sejam as futuras corporações e quando já em eficaz e regular funcionamento, é se o Governo deve manter inteiramente toda a posição assumida no domínio da previdência - e ninguém poderia contestar-lha até agora - ou se, modificado o nosso condicionalismo corporativo, deve despojar-se, e em que medida, duma parte da sua competência actual.
Aliás, já o Decreto-Lei n.º 29 110 incumbia a corporação de «promover ... a organização do, previdência social» [artigo 4.º, alínea e)] e na proposta de lei em estudo se lhe confere essa mesma competência, até aumentada [base IV, alínea c)].
E fica apenas delineado este compartimento da nossa problemática corporativa. Houve somente o propósito e não omitir uma referência especial a um assunto tão candente. Ir mais além seria talvez ultrapassar as fronteiras naturais do presente parecer.

63. Como quer que seja, o património da corporação há-de ser sempre qualquer coisa de grande, porque está directamente afectado à consecução dos seus fins corporativos, e estes são múltiplos e transcendentes.
Ao examinar sumàriamente as funções da corporação destacaram-se alguns grupos de contendo bem definido, nomeadamente as «funções de estudo» e as de «cultura e ensino profissional», que, só por si, demandam apreciáveis recursos, quando sejam exercidas com a latitude e a eficácia que evidentemente requerem.
Ao mesmo tempo, todos os outros grupos de funções, oportunamente citados -salientando-se em especial as funções de natureza económica e social -, exigem o funcionamento de serviços, administrativos ou técnicos, bem como pessoal em número e condições de os desempenhar, além das necessárias instalações.
Se, acima disso, pensarmos- ainda naquele destino do património corporativo a que há pouco nos reportámos - as obras sociais em favor dos mais necessitados -, onde, para muitos autores, reside essencialmente a origem e a concepção mais pura dessa espécie de património, se tudo ponderarmos, somos levados à conclusão de que se impõe assegurar ao nosso organismo corporativo superior os medos financeiros imprescindíveis ao pleno desempenho da sua alta missão.
E repare-se ser irrelevante, neste particular aspecto, que a competência da corporação seja mais ou menos diminuída na sua acção especìficamente económica ou económico-social. Das menores atribuições nestes importantes sectores não resultam necessàriamente maiores economias no orçamento corporativo, porque são exactamente alguns outros grupos de funções já mencionados aqueles que reclamam o maior suporte financeiro.
Equivale a dizer que o problema do «património corporativo» deve ser enfrentado desde já em todo o seu merecido alcance, numa visão rasgada, e embora sujeito ao condicionamento das possibilidades actuais, isto é, sem a sobrecarga de ónus incomportáveis para os elementos integrantes da corporação.
Em abono da esperança que se põe ma viabilidade prática deste desígnio, não deve esquecer-se que muitas das receitas actualmente cobradas por organismos corporativos ou de coordenação económica virão a ser canalizadas para a correspondente corporação, logo que ela tome sobre si algumas das funções por eles desempenhados e nas quais, òbviamente, consomem uma grande parte dos seus réditos.
Nunca será demasiado acentuar que não estamos, neste caso do património, perante um simples acidente da vida corporativa nacional. Muito ao contrário, se visionarmos a concretização prática do corporativismo e o seu prestígio junto do público, havemos necessària-

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mente de reconhecer que o património corporativo é condição-base para o êxito que se ambiciona.
Diremos mesmo que sem ele - ou relegando-o paira lugar acessório - a corporação não conseguirá acreditar-se tão alto quanto precisa instantemente, sobretudo neste período inicial de «viragem».
E jamais o conseguirá, quanto mais não seja, porque não poderá ter expressão - suficientemente visível até para quem queira vendar os olhos - a sua acção em profundidade no domínio social.
Por tudo isto, e também pela vantagem de não deixar incompleto o diploma orgânico da cooperação, urge acrescentar à proposta de lei, na sua última parte, uma nova base, concebida em termos genéricos, onde se afirme o princípio do «património corporativo» e se faça simples alusão a matéria de serviços e pessoal.

§ 28.º

Os organismos de coordenação económica perante a instituição de cororações

64. Aprovada por plebiscito nacional de 19 de Março de 1933 e entrada em vigor em 11 de Abril do mesmo ano, a nossa actual Constituição Política outorgou ao Estado Português a feição de «República unitária e corporativa» e definiu as bases gerais do regime que havia de moldar de alto a baixo a estrutura da Nação.
Em complemento necessário da «palavra de ordem» constitucional é publicado, alguns meses depois, o diploma que bem pode denominar-se a «Carta de Princípios do sistema corporativo português» - o Estatuto do Trabalho Nacional.
Este diploma-base, nìtidamente inspirado na famosa «Carta del Lavoro», de 1927 -mas dela se afastando em pontos fundamentais-, é o primeiro da notabilíssima série de decretos, de 23 de Setembro de 1933, com a qual ficaram delineados os quadros jurídicos dos grémios obrigatórios, sindicatos e Casas do Povo.
Estava forjado o esquema da nossa organização corporativa, vindo a ser mais tarde completada a rede os organismos primários com a publicação dos estatutos jurídicos dos grémios facultativos, das Casas dos Pescadores e dos grémios da lavoura.
Entretanto, instaurados que foram os primeiros organismos corporativos, após a promulgação do Estatuto, que reservava ao Estado «o direito e a obrigação de regular superiormente a vida económica e social», com vista aos fins ali postulados, foi reconhecida - e mesmo anteriormente ao estatuto já o fora - a instante necessidade de criar organismos de tipo estadual que operassem a coordenação das várias actividades económicas, estivessem ou não organizadas corporativamente.
Despontaram, assim, instituições de natureza híbrida - estadual e corporativa-, como o Instituto do Vinho do Porto, a Junta Nacional de Exportação de Frutas, as Comissões Reguladoras do Comércio do Arroz e do Bacalhau.
A experiência frutificou, por ser real e patente a necessidade de órgãos coordenadores e por se verificar também a incapacidade da nossa incipiente armadura corporativa para receber tal encargo, carecida como estava do seu organismo superior - a corporação.
Estava-se então em 1936. O Governo - colocado perante a imposição de alargar esse novo tipo de organismo coordenador a maior número de actividades - entendeu imprimir a devida unidade ao fenómeno nascente. E surge assim o estatuto regulador dessa espécie de organismos pré-corporativos, institutos públicos personalizados, exercendo funções oficiais e «destina-os a coordenar e regular superiormente a vida económica e social nas actividades ligadas aos produtos de importação e de exportação».
É, pois, o Decreto-Lei n.º 26 757, de 8 de Junho de 1936, que define o quadro legal dos novos «organismos de coordenação económica» e os classifica em três tipos:

a) Comissões reguladoras (para coordenar actividades ligadas à importação);
b) Juntas nacionais (para coordenar actividades dirigidas a exportação);
c) Institutos (também orientados principalmente para os produtos de exportação e que, pela sua importância, exijam garantia oficial de qualidade e categoria).

Deve dizer-se, embora sem desenvolvimentos escusados, que as fronteiras distintivas entre estes vários tipos de organismos de coordenação foram em muitos casos ultrapassadas pela imposição das circunstâncias, não podendo hoje verdadeiramente afirmar-se que, por exemplo, a acção das Juntas Nacionais do Vinho, dos Produtos Pecuários ou do Azeite se dirija fundamentalmente à exportação, nem, por outro lado, que algumas comissões reguladoras intervenham primacialmente no campo da importação.
A prática tem-se encarregado de reduzir à unidade aquela compartimentação primitiva, trabalhando progressivamente para uma identidade na acção coordenadora e interventora de todos os organismos de coordenação económica.

65. Para o nosso caso - a expectativa de corporações a curto prazo - o que mais interessa, porém, é focar o espírito que presidiu à criação destes organismos, a que o legislador sintomàticamente atribuiu um «carácter pré-corporativo».
Chamando-lhes «pré-corporativos», quis-se com certeza significar virem esses organismos «antes» das corporações - que, na altura, ninguém teria a veleidade de instaurar. Seriam como que seus anunciadores para data mais tardia, quando a organização corporativa, primária e intermédia, se apresentasse razoàvelmente acabada e consolidada.
Que assim era comprova-o exuberantemente o contexto do diploma de 1936, onde se declara, por modo expresso e imperativo, que «os organismos de coordenação económica serão integrados nas corporações, logo que estas se constituam, como elementos de ligação entre o Estado e as actividades nelas enquadradas».
Não restam dúvidas, pois, sobre a natureza «acidental» e «complementar» que o legislador postulava para tais organismos: prenunciadores das futuras corporações e que nasciam quase com a sentença de morte já assinada, em branco, para data a preencher pela corporação.
O próprio relatório do Decreto-Lei n.º 26 757 é suficientemente elucidativo do espírito que orientou o Governo ao vincar «o sentido de se obter em muitos aspectos importantes uma verdadeira autodirecção das relações económicas». E, na realidade, só esta directriz da «autodirecção», desde sempre proclamada, poderia justificar que, tão enèrgicamente como imperativamente, se dispusesse sobre a transitoriedade dos organismos de coordenação económica.
Passados cerca de dois anos, em 12 de Novembro de 1938, publica-se o Decreto-Lei n.º 29 110, que também encerra matéria bastante elucidativa a propósito da orientação já anteriormente definida para com os organismos de coordenação económica. Comecemos pelo seu articulado, para depois retrocedermos ao relatório que o esclarece.

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Ali se dispõe que, «enquanto for julgado necessário», os organismos de coordenação económica «funcionarão junto das corporações como elementos de ligação entre o Estado e a organização corporativa».
Daqui se tem de inferir:
1.º Que, não se considerando necessários, esses organismos desaparecem;
2.º Que, durante o tempo em que forem julgados necessários, o seu papel será o de agentes de ligação entre o Estado e a organização corporativa.

Se, partindo deste resultado lógico, procedermos ao seu cotejo com o legislado dois anos antes, pelo Decreto-Lei n.º 26 757, e acima transcrito, somos forçados a concluir que nada se recuou no caminho traçado para os organismos de coordenação, ou, com mais rigor, se avançou um novo passo, ao prever a extinção de alguns deles. Deste pormenor, muito importante, que inicialmente não se havia posto em causa, dá-nos perfeita conta o relatório do Decreto-Lei n.º 29 110. Sublinhe-se esta sua passagem edificante:

É porém possível que alguns desses organismos, de futuro, deixem de subsistir, se se verificar que podem ser substituídos, quer pelas corporações, quer pelos serviços normais da máquina do Estado.

Sobre o avanço, nesse sentido, duma possível extinção dos organismos de coordenação não pode haver dúvidas. Já o mesmo se não dirá, contudo, a respeito de outro período do mesmo relatório - exactamente o que antecede a passagem acabada de transcrever -, donde pode tirar-se uma ilação contrária, por menos enérgica, quanto aos aludidos organismos.
Para completo esclarecimento do caso, reproduz-se também esse outro passo do relatório:

Como órgãos executórios de algumas destas funções (funções da estrita competência do Estado, como intérprete supremo do interesse geral) e servindo de elementos de ligação com, a orgânica corporativa, subsistirão ainda os actuais organismos de coordenação económica, devendo ser transferidas para as corporações certas atribuições que os mesmos exerceram na fase experimental agora terminada.

Sublinhou-se o que mais interessa e que, para além do articulado da lei e da conclusão una a que ele conduz, denuncia ter-se enveredado por uma atitude menos rígida, mas mais realista, porque ajustada às imposições de um condicionalismo económico-social que não pode romper-se abruptamente.
Quer dizer, conjugando agora em definitivo os dois diplomas comparados - e tomando como ponto de referência o primeiro -, o legislador de 1938 (Decreto-Lei n.º 29 110) avançou num ponto e retrocedeu noutro. Andou em frente, no caminho traçado, quando admitiu a possibilidade de suprimir alguns dos organismos de coordenação; e fez retrocesso quando permitiu, aos que sobrevivessem, acumular a sua tarefa de agentes de ligação com o exercício de algumas funções da «estrita competência do Estado».
Se, realmente, é no meio que está a virtude, será esta a solução mais praticável - e repetimos: mais realista-, embora se tenha de reconhecer como a mais dificultosa na execução e com certeza também a menos correcta no rigor dos princípios teóricos.

66. Deixemos o passado e inclinemo-nos para o presente. Mais precisamente: para o futuro.

O Governo, na proposta de lei que apresenta, mantém-se fiel à última orientação tomada e enquadra-se, portanto, na tese do legislador de 1938.
Como tal, entende que «importa acompanhar o problema muito de perto, para que se apure quais os organismos de coordenação económica que, porventura, devam subsistir e aqueles que devam integrar-se na corporação ou no Estado e ainda quais as atribuições dos mesmos organismos que convenha passar para a competência das corporações».
E o relatório da proposta de lei que estamos a comentar termina as suas considerações sobre a matéria por este modo, a um tempo formalmente límpido e doutrinàriamente ortodoxo:

E isto porque não pode reduzir-se o âmbito das funções normais da corporação, nem podem converter-se em, definitivas construções que nasceram sob o signo do provisório e com, feição pré-corporativa.

De aplaudir, pois, com natural entusiasmo, esta insofismável manifestação da mais pura e sã doutrina. Só por si afirma a seriedade e altura com que se encara a empresa corporativa e dá reconfortante segurança a quem nela acredita.
Sublinhado este facto, tão significativo, regressemos a proposta de lei.
Ali se reafirma a posição do Decreto-Lei n.º 29 110: «Enquanto forem julgados necessários, os organismos de coordenação económica funcionam como elementos de ligação entre o Estado e as corporações. E logo a seguir as acrescento que devem os órgãos representativos desses organismos, sempre que possível, ser constituídos pelas secções das corporações (base III).
Mais adiante, na base X, aparecem também referências aos organismos de coordenação económica, no prescrever-se que os seus presidentes são membros dos conselhos das corporações junto das quais esses organismos funcionem e, outrossim, membros dos Conselhos das secções a que respeitem as actividades por eles abrangidas (n.ºs 1 e 2).
Eis o que a proposta de lei encerra sobre organismos de coordenação económica. E deixando de parte, para incluir, depois no exame da especialidade, toda a matéria de redacção ou outros pormenores, de que há algo a dizer, vamos limitar-nos agora a levantar algumas dúvidas ou reparos relativamente à parte substancial das bases apontadas.

67. Uma primeira questão: devem os organismos de coordenação económica estar representados nos conselhos das corporações e das respectivas secções, como na proposta de lei se estabelece, ou seria mais acertado proceder ao invés, passando a corporação a fazer-se representar naqueles organismos?
A dúvida - se dúvida existe - teria a sua razão de ser no inconveniente de colocar o dirigente de um organismo de coordenação económica no conselho duma corporação ou duma secção, envolvendo-o assim em deliberações aí tomadas, que ele - depois e na sua qualidade de órgão do Estado - não seria autorizado a respeitar, ou mesmo por si não o quereria, admitido que, no próprio momento da deliberação, dela tivesse discordado e porventura lhe negasse o seu voto.
Dar-se-ia, nesta hipótese, uma colisão de competências - corporação e organismo de coordenação económica em posições diametralmente opostas. Triunfante o ponto de vista do organismo de coordenação, que seria a hipótese de longe mais provável, o desaire da corporação afectaria pùblicamente o seu prestígio; no caso inverso, e de mínimas probabilidades, também o Estado sairia diminuído da contenda, muito embora tivesse mais sólida armadura para suportar o revés.

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Admitida como real e possível, a situação seria delicada de ambas as maneiras.
Poderá sair-se da dificuldade estabelecendo que aos dirigentes dos organismos de coordenação económica deve ser conferida uma representação de natureza especial, intervindo nos conselhos da corporação ou das secções na qualidade de meros assistentes, com audiência, mas sem voto. Isto para manterem a sua posição de independência, sem de qualquer modo se vincularem, como membros da corporação, a decisões que não pudessem cumprir no exercício da sua função oficial, como executores do comando governativo.
Outra, saída para u dificuldade dir-se-ia ser a que foi posta mais acima, logo que se enunciou a questão que debatemos: eram as secções da corporação que deveriam fazer-se representar junto dos organismos de coordenação económica.
Esta hipótese parece de rejeitar in limine. Constituiria uma autêntica inversão de valores, só admissível num clima de corporativismo de Estado. Inversão de valores, ainda, noutro aspecto tão relevante como o anterior, qual seria o de subordinar o geral - a corporação no seu vasto âmbito - ao particular, que seria normalmente o círculo mais restrito das actividades adstritas ao organismo de coordenação económica.
Não é preciso mais para repelir em absoluto a alternativa formulada nem talvez necessário aclarar que com ela ficávamos assistindo à destruição total, pedra após pedra, dessa ideia do corporativismo autónomo em que assenta a concepção portuguesa.
Como resolver então o problema?
Recorde-se que começámos por pôr em dúvida que em toda esta questão houvesse realmente uma «dúvida».
Parece não haver. Circunscrevendo-nos exclusivamente ao articulado da proposta de lei, o mecanismo da competência da corporação quase exclui a hipótese de colisão entre ela e o organismo de coordenação económica. Isto porque, atribuindo-se à corporação, em matéria económica ou económico-social, apenas uma competência para «propor» normas ao Governo ou estabelecê-las, mas com o seu e assentimento», tal significa que, com o acordo ou desacordo do organismo de coordenação económica, qualquer decisão tomada nestes sectores visará ùnicamente uma «proposta» a fazer subir ao Governo; e será este quem a aprova ou rejeita, sem estar em causa, ao menos directamente, aquele organismo.
Não há, portanto, dificuldades deste matiz no pertinente à representação dos organismos de coordenação económica. A grande complexidade estará, sim, na divisão de funções que urge fazer entre os organismos desse tipo que sobrevivam e as corporações nascentes. Isso já é, porém, um outro problema.
E, como elucidação, dir-se-á ainda que se entendeu dar todo este desenvolvimento à questão posta só pelo motivo justificável de ter sido concretamente suscitada a dúvida que se discutiu, e alvitrada, também concretamente, uma das soluções criticadas.

68. Encaremos agora um outro aspecto do relacionamento entre corporação e organismo de coordenação económica, que constitui uma verdadeira dúvida e também foi concretamente levantada. Depreendendo-se da base III que os mesmos indivíduos que compõem uma dos secções da corporação constituem também a «junta em sessão» (no caso de uma junta nacional reunida em plenário), tal significa que um determinado assunto poderá ser estudado, com o mesmo critério, na corporação ou no organismo de coordenação económica.

E, sendo assim, qualquer dos dois organismos poderá tomar a iniciativa desse estudo e deliberar sobre ele ou propor ao Governo as medidas julgadas convenientes ou deverão caber a algum, deles especificadamente essas ou alguma dessas funções?
Reconhece-se que a solução é duvidosa. E foi exactamente pela possibilidade de casos como este - pois tantos outros podem e devem surgir - que mais atrás obtemperámos ser o critério da proposta de lei acerca dos organismos de coordenação o mais praticável e realista, mas também, e com certeza, o mais dificultoso na execução e menos correcto no rigor dos princípios.
Contudo, raciocinemos sobre as bases em que repousa a economia da proposta de lei e a construção do nosso corporativismo autónomo, dado que só por essa via poderemos buscar uma conclusão harmónica.
Quanto ao primeiro ponto - qual dos organismos pode tomar a iniciativa de estudar um problema? -, nem sequer seria necessária qualquer fundamentação para logo responder que ambos devem ter essa faculdade, ou, melhor ainda, que qualquer dos membros da secção, ou da «junta em sessão», o poderá fazer por direito próprio e conforme a prática universalmente consagrada.
Aliás, há na pergunta formulada um certo fundo de confusão, visto que não é possível destrinçar nìtidamente a secção da corporação e a «junta em sessão». Esta circunstância é mais uma dificuldade a ter em conta e confirma inteiramente o que já se afirmou e repetiu a propósito do critério da proposta de lei neste particular: imposto pelo condicionalismo real, mas pouco correcto nos princípios. E serão fatais, por isso, os obstáculos à sua execução.
Mas passemos a encarar o núcleo central desta dúvida: será a corporação ou o organismo de coordenação económica que deve submeter ao Governo a proposta para a disciplina do caso sujeito?
Aqui têm já que funcionar os princípios, como se afirmou.
Assim, se nos colocarmos apenas, e objectivamente, perante a hierarquia dos valores, e se a corporação normalmente é o «geral» e o organismo de coordenação económica o «particular», poderemos concluir desde logo que será a corporação o organismo competente para entrar em contacto com o Governo.
Mas tomada essa hierarquia de valores agora sob um ângulo subjectivo, em que se considere a pessoa moral Estado, na sua posição mais qualificada e soberana, perante a pessoa corporação, constituída por particulares - qual delas é hierarquicamente superior?
Ainda poderia argumentar-se pela igualdade de grau hierárquico- - duas entidades independentes e sem subordinação uma perante a outra -, mas a tese não resistiria a uma análise, por menos profunda que fosse. Não vale a pena fazê-la; e concluiremos, de seguida, que é o Estado o elemento inquestionàvelmente mais valioso.
Ficaremos, deste modo, não já em presença duma hierarquia de valores, dentro da qual se haverá de decidir, mas sim entre dois critérios de hierarquia - objectivo e subjectivo. Qual deve prevalecer?
Não vamos entrar em consideração com a circunstância de aqui poder pôr-se também o problema da hierarquia entre o «objectivo» e o «subjectivo», sendo aquele, porventura, o mais valioso e prevalente, porque, como critério, é mais geral. Reconhecemos, porém, que discuti-lo seria entrar em certa profundidade pelo terreno filosófico, o que - mesmo não havendo outras razões impeditivas - havia de julgar-se deslocado neste parecer.

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Seguiremos, pois, diferente caminho para atingir uma conclusão.
A toda a economia da proposta de lei preside a ideia de transitoriedade quanto aos organismos de coordenação económica; e o princípio da autonomia da corporação também reclama esse carácter transitório. Por outro lado - e com certeza por isso mesmo -, é o organismo de coordenação económica que se integra na corporação, e de modo nenhum esta que vai enquadrar-se naquele organismo.
Destes pressupostos - e tendo mais uma vez em consideração o facto ponderoso de ser a corporação, o «geral», perante o «particular», organismo de coordenação - ressalta naturalmente o resultado lógico a que seremos conduzidos de, na hipótese vertente, ser a corporação o organismo competente para submeter ao Governo qualquer proposta.
Este parece ser o procedimento devidamente correcto. Pode acontecer, porém, que, em casos especiais, a própria corporação encontre maiores vantagens - por mais expedito ou outras razões - em solicitar ao organismo de coordenação que se encarregue de submeter o problema directamente ao Governo.
Mas é bem compreensível que, ainda nesta hipótese, tudo ocorre como se fosse a própria corporação a estabelecer o contacto, visto que o organismo de coordenação económica funcionará como seu delegado ou intermediário. E parece que, mesmo no rigor dos princípios, nada haveria a opor de sério a tal processo, dada a qualidade legal do organismo de coordenação económica - agente de ligação entre o Estado e as corporações.

69. Outra dúvida, que já ficou aflorada dentro da anterior e que convém destacar agora, será esta: sendo os órgãos representativos dos organismos de coordenação económica constituídos, sempre que possível, pelas secções das corporações (base III), estabelece-se praticamente a confusão entre esses órgãos (representativos e as referidas secções. E, sendo assim, como quem preside, por exemplo, a «junta em sessão» é o presidente do organismo de coordenação económica, será ele também quem vai funcionar como presidente da secção da corporação?
Um raciocínio alicerçado em puras razões teóricas atirar-nos-ia, possivelmente, para esse resultado, até porque se não compreende bem que o mesmo órgão - o mesmo, pelo menos, quanto aos vogais que o constituem - tenho, dois presidentes diversos.
Mas a este raciocínio, meramente teórico - por definição, o mais rigoroso -, terá de sobrepor-se, necessàriamente, uma vultosa objecção de ordem prática.
E bem visível a anomalia. Os presidentes ou directores dos organismos de coordenação económica, porque desempenham uma função oficial e são órgãos do Estado, iriam imprimir, pelo simples facto da sua presidência nas secções, uma nota vincadamente estadual à corporação; e bem poderia ser esse um autêntico «cavalo de Tróia», ainda que involuntário, dentro das suas muralhas, mal começadas a construir e, por isso mesmo, tão frágeis.
O motivo, porém, não é apenas este. Também se interpõe a questão, já anteriormente discutida, da perda de independência por parte dos dirigentes dos organismos de coordenação económica, mas agora com toda a acuidade e os sérios perigos que intuitivamente se antevêem. Perda de independência, com duplo carácter, atingindo-os tanto na qualidade de dirigentes estaduais como na de presidentes das secções corporativas.
Qualquer posição neutra seria, em regra, insustentável: ou haveriam de pender mais para o lado das corporações, iludindo a confiança do Governo e incorrendo em desvio da função, ou, mais naturalmente, haviam de inclinar-se para a órbita do Governo, e serviriam mal a sua corporação, agravada a falta com a responsabilidade e o relevo dos seus cargos de presidentes de secção.
O mais ligeiro senso prático repele, pois, a hipótese de acumulação de presidências. E restaria, assim, a solução anómala de o mesmo órgão - ao menos na sua composição - ser dirigido por duas pessoas diferentes.
Na vida concreta esta situação seria de tal modo estranha ou absurda que forçoso é indagar se não haverá - neste enfiamento de circunstâncias, raciocínios e conclusões - um equívoco qualquer.
Parece, realmente, haver em tudo isto um sério equívoco. E também parece que ele resulta do conteúdo da base III da proposta de lei.
Examinemos o caso.
Consigna-se naquela base III que os órgãos representativos dos organismos de coordenação económica deverão ser constituídos pelas secções das corporações. Exemplificando com o caso de uma junta nacional, o seu órgão representativo -compreendendo o presidente, o vice-presidente e os vogais - deverá ser constituído pelos membros da secção correspondente de uma determinada corporação.
Ora aqui começa já o equívoco. Como é possível que isto se possa verificar sem que desapareça o órgão representativo da junta - presidente, vice-presidente e vogais-, ficando apenas a secção da corporação? Não se poderia até concluir que, desaparecendo todo o órgão representativo da junta, ficaria sem significado prático o próprio organismo-junta?
A proposta de lei não pretende isto, seguramente; e o relatório demonstra-o com toda a clareza. O que se pretende, sim, é que a competência da «junta em sessão» se transfira para a secção respectiva da corporação, como já se dispunha no Decreto-Lei n.º 29110, ao regular o presente caso (artigo 3.º, § 2.º).
Quer dizer: a junta deixará de dispor do órgão privativo que actualmente tem; e quando quiser reunir, a fim de serem tomadas deliberações - para as quais o presidente e o vice-presidente, por si sós, não têm competência legal-, terá de ser convocada a reunião da secção da corporação, porque esta passará a substituir aquele órgão privativo actual.
O problema que então se levanta é este: vão os membros da secção da corporação, incluindo o seu presidente, à sala das sessões da junta, convocados pelo presidente deste último organismo, e reunir sob a sua presidência? Ou, ao contrário, solicita o presidente da junta ao presidente da secção corporativa que convoque a reunião da mesma secção e a ela presida, funcionando o presidente da junta como simples vogal?
São as duas soluções possíveis, desde que se admita - o que parece não oferecer dúvidas, em face da conclusão antes firmada - que o presidente do organismo de coordenação económica não poderá cumulativamente presidir à secção da corporação.
A primeira solução, que, de facto, atribui ao mesmo órgão dois presidentes, é indubitàvelmente a que se ajusta à base III da proposta de lei. E aqui reside, no fundo, o equívoco em que andamos envolvidos.
A situação ainda se mostra mais confusa se considerarmos que, no critério da proposta de lei, toda a secção reunirá mediante convocatória do presidente da
Junta e sob a sua presidência, isto é, vai o presidente a secção intervir agora como vogal, quando «de direito» é o seu único presidente.
O ponto de partida de todas estas anomalias cifra-se naquele vício de origem, já assinalado, de o mesmo órgão colegial funcionar simultâneamente como secção de uma corporação e como órgão privativo da junta.

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E, se assim é, manifestamente se impõe destruir esse vício inicial e encontrar um sistema simples e claro que conduza aos objectivos visados.
Para tanto supõe-se que a solução está à vista - aquela segunda alternativa que acima ficou enunciada.
Passaria assim a existir um órgão apenas, com o seu presidente designado pela via corporativa: a secção da corporação. Desapareceria o órgão colegial do organismo-junta, ficando este a funcionar com o seu presidente e vice-presidente, coadjuvados pelos serviços. E - para todos aqueles casos que excedessem a competência do presidente da junta - requereria este que fosse convocada uma reunião especial da secção corporativa para tomar deliberações, com a sua audiência.
O processo tem lógica. Pois, se esse órgão colegial do organismo-junta, de natureza corporativa, só existia porque faltava a corporação, onde estivessem representadas aquelas actividades económicas cujos interesses se pretendia respeitar, desde que se cria agora, o organismo corporativo superior, ao qual incumbe a representação dos mesmos interesses, automàticamente perde a razão de ser o referido órgão privativo da junta.
O que poderá objectar-se, ficando o organismo amputado do seu órgão colegial, é que deixa de justificar-se a denominação «junta» que o identifica. Motivo puramente secundário, para mais neste período - agora verdadeiramente transitório - em que vai entrar-se, e também pela necessidade que sempre haveria de, mais tarde ou mais cedo, modificar aquela designação por ter deixado de corresponder às características dos referidos organismos.
Continuando, pois, com a análise do processo sugerido, dir-se-á que ele é também lógico porque reduz o organismo-junta à sua depurada posição de instrumento do Estado, devolvendo à corporação todo o sector corporativo que lhe pertence. Realmente, se até agora o carácter híbrido do organismo de coordenação económica constituía uma vantagem inegável, pela inspiração corporativa que, na ausência das corporações, emprestava ao comando do Governo, daqui para o futuro tudo quanto seja confundir os dois sectores - Governo e corporação - é nìtidamente prejudicial para ambos.
Estremar e delimitar rigorosamente esses dois campos interdependentes é condição axiomática na fórmula portuguesa de corporativismo autónomo. Só pode haver interesse, portanto, em definir e firmar, desde já, essa imprescindível directriz relativamente aos organismos de coordenação económica.
Neste sentido, julga-se de toda a conveniência que seja modificada a base III em harmonia com a orientação das considerações desenvolvidas.

70. Chegados a esta altura, está feita a essencial elaboração de dados que permite consubstanciar, em ideias genéricas, a posição deste problema, incontestavelmente um dos mais delicados que se contêm na proposta de lei.
Mas, para uma conclusão conscienciosa sobre tão melindrosa matéria, não poderá prescindir-se de pôr em foco os donas correntes de opinião que sobre o momentoso assunto se entrechocam no nosso ambiente corporativo. Ambas são extremistas e, por consequência, diametralmente opostas.
Uma dessas correntes pode condensar-se nestas poucas palavras: criadas que sejam as corporações, devem suprimir-se os organismos de coordenação económica, ficando directamente exercidos pelo Estado aqueles funções que a corporação não possa ainda desempenhar. E conclui-se por esta maneira incisiva: se tais organismos não forem suprimidos nesta oportunidade única, é seguro que a «brandura dos nossos costumes», conjugada com os hábitos profundamente enraizados do comando estadual, tornarão permanente a sua transitoriedade, reduzindo as corporações a uma função inexpressiva e subalterna, que acabará por desacreditá-las.
A outra corrente pode exprimir-se assim: apesar das corporações, os organismos de coordenação económica terão de subsistir e para sempre, com esse ou outro nome, porque a corporação deve limitar-se a funções de representação, estudo e consulta. Quando muito, terá competência para propor ao Governo normas de disciplina económica; mas daí para cima não deverá avançar. Tudo se justifica com o facto de «autodirecção» da economia, tanto pelo processo individualista do «equilíbrio automático» como pelo sistema corporativo, ser uma ideia que está superada pelo condicionalismo das estruturas económicas actuais. E concluí-se, também, por forma incisiva, que a solução dos problemas da economia nacional tem necessàriamente de pertencer ao Estado, supremo responsável pelo bem comum.
Um primeiro confronto entre as duas teses mostra imediatamente que os organismos de coordenação económica estão nelas por mero acidente. O que está em causa, e salta logo à vista, são as duas concepções opostas em que elas assentam: concepção corporativo num caso, concepção socialista no outro.
E quando dizemos «concepção socialista» não queremos significar que os defensores da segunda tese tenham necessariamente uma orientação ligada, ao socialismo, como ideologia política, mas tão-sòmente que, entre a trilogia de sistemas puros exposta na introdução a este parecer, é no sistema socialista que fundamentalmente confiam.
Um segundo confronto - e admitindo já que os partidários de ambas as correntes são corporativistas, numa acepção amplíssima do termo, ou, até, vivem profissionalmente os problemas corporativos - leva-nos a deduzir que uns defendem uma fórmula autêntica de corporativismo autónomo e outros, muito embora possam ver na organização corporativa um instrumento útil para institucionalização e representação das actividades sociais, bem como para uma colaboração com os Poderes Públicos no domínio dessas actividades, é no Estado que principalmente acreditam.
Depois de tantas páginas escritas, mal fora que se não antevisse já para onde terá de inclinar-se o presente parecer. Mas também se engana redondamente quem suponha não ser possível examinar ambas as teses, com um critério objectivo e desapaixonadamente.
Tem razão a primeira corrente enquanto reuta ser este o momento oportuno para extinguir os organismos de coordenação económica, e que a cruzada corporativa pode arriscar o seu pleno triunfo ao mantê-los. Mas já lhe falece a autoridade enquanto se propõe suprimi-los abruptamente, com um simples golpe do Diário do Governo. Como se fosse possível ou socialmente meritório cortar cerce uma forma estrutural de economia, com ligações fundas entre os homens e as instituições, com o seu mecanismo processual já endurecido e apertado o circuito das suas relações de interdependência.
Isto mesmo sem ter em conta que, para tanto, seria ainda condição necessária haver outras instituições suficientemente aptas para a organização dos quadros dessa nova estrutura, concebida em substituição da antiga, e também para o seu eficaz funcionamento.
De outro lado, tem razão a segunda corrente quando dá como indiscutíveis certas funções da corporação, nomeadamente técnicas, de estudo e consulta, e põe reservas lá sua total eficácia no plano da disciplina económica, com tanto maior peso quanto é certo que o

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sistema nunca foi concretamente posto à prova, já que na experiência italiana o comando era estadual.
Mas também lhe falece a autoridade; a esta segunda corrente, quando dá por demonstrada e como certa a capacidade exclusiva do Governo para a condução superior da economia nacional, negando a priori uma concepção corporativa, que teòricamente tem sólidos fundamentos e na prática ainda não foi experimentada.
Tal seria entrar deliberadamente pela via das soluções socialistas, aceitando o dogma da sua inevitabilidade, sem se admitir sequer uma dúvida sobre o valor desse outro processo, humana e socialmente relevante, que, ainda por cima, começa novamente a tomar vulto por esse Mundo além.
Para quem tenha já consolidada a mentalidade socialista - certo e coerente. Quando tal não suceda, tem de reconhecer-se, pelo menos, que há qualquer coisa nessa atitude que não soa bem.

71. Puseram-se em foco as duas correntes extremistas sobre tão momentoso problema. E é tempo de avançar para uma conclusão - aquelas ideias fundamentais que possam consubstanciar, o espírito de todas as considerações desenvolvidas.
Valeram talvez essas longas páginas para se poder assentar, com alguma consciência, em determinados pontos sobre os quais interessa tomar posição neste parecer. E ao intentar essa espinhosa empresa é oportuna uma declaração preliminar: todo o cuidado se porá em que as soluções apontadas se inspirem e movam dentro daqueles pressupostos que na introdução se apresentaram como definidores dessa escola portuguesa de corporativismo que já começamos a ter obrigação de não esconder.
Sobre esses dois pressupostos - um pensamento e uma técnica realistas - escreveu-se ao princípio uma passagem com tal oportunidade nesta ocasião que se não resiste a reproduzi-la:

Realismo no pensamento e realismo na técnica da sua aplicação - no pensamento, porque os princípios de que parte a escola corporativa portuguesa são integralmente respeitadores das constantes da natureza humana e do seu reflexo social; na técnica, porque não se avança dum jacto e perturbadoramente para as metas a atingir, antes se vai gradual e escalonadamente caminhando à medida que se criam e consolidam as condições de progredir.

Com firme propósito de nos não desviarmos um passo desta linha de objectividade e realismo - entremos directamente no âmago da questão.
Antes de mais, parece que é este o momento azado para marcar uma atitude, decisiva e clara, a respeito dos organismos de coordenação económica. Vantagem para todos, em geral, e particularmente com vista aos dirigentes desses organismos, que melhor e mais devotadamente hão-de colaborar dentro dum programa expresso - definido, peremptório e claro - do que ficando-lhes no espírito a mais pequena dúvida sobre o que o destino lhes reserva.
E qual essa atitude?
Se tem de ser decisiva e sem reticências, diremos que, em prazo fixado na proposta de lei, todos esses organismos devem desaparecer, considerados no complexo das suas funções. Ficará para resolver apenas se uma parte da sua competência actual deve passar para departamentos do Estado já em funcionamento, sobretudo do Ministério da Economia, ou se o volume e a natureza dessas atribuições que subsistem justificam a criação de «serviços económicos especializados».
Para todos aqueles organismos, portanto, acerca dos quais se revelar a estrita necessidade de virem a constituir, no futuro, «serviços económicos especializados» ficaria resolvida, também a sua supressão, dentro do prazo marcado desde já, passando o conjunto das suas funções subsistentes para a competência dos mencionados serviços. Nem, de resto, outro procedimento seria mais ajustado, sabido, por exemplo, que as próprias juntas nacionais ou comissões reguladoras, que passam, com a proposta de lei, a servir de elementos de ligação entre o Estado e as corporações, só com muito pouca propriedade poderão manter a sua actual denominação de «juntas» ou «comissões», porque efectivamente o deixam de ser, conforme se deixou sugerido num dos números antecedentes.
Pode considerar-se também a hipótese de - na totalidade das suas funções - o organismo de coordenação económica vir a ser integrado na corporação. Tal circunstância aparece vincada no relatório da proposta de lei, onde se manifesta o intento de apurar «quais os organismos de coordenação económica que, porventura, devam subsistir, e aqueles que devam, integrar-se na corporação ou no Estado ...».
Seria desnecessário frisar que, neste caso especial de integração completa, o processo da supressão se torna muito maus simples. A regra, porém, terá sempre a hipótese mais dificultosa, de integração parcial de funções, e entrega dos obstantes a departamentos dos Ministérios ou a «serviços económicos especializados».
A seguir-se o alvitre proposto, haveria que proceder, durante o prazo a fixar, a um trabalho extenso, complexo e minucioso, para dar solução a grande número de problemas relativamente ao caso particular de cada organismo de coordenação económica. Em simples enunciação apontam-se os seguintes, de importância mais saliente: apuramento das funções, não especificamente estaduais, que deveriam passar para a competência da corporação; serviços e material correspondentes às funções a transferir; unidades de pessoal que acompanhariam tais serviços.
Bastou indicar apenas estas três ordens de assuntos para se ficar consciente do esforço meticuloso e dos absorventes cuidados que semelhante tarefa vai exigir. É todo um plano, porventura de realização escalonada, que tem de se elaborar para o caso especial de cada organismo de coordenação económica, em presença da corporação a que fica vinculado.
O problema do pessoal - não se ignora - será dos mais dificultosos, em atenção a quadros, categorias e antiguidades, ou, até, ao equilíbrio da distribuição a fazer entre os dois organismos interessados, quanto à percentagem de servidores mais aptos ou diligentes. Princípio a observar neste sector será por certo que a transferência do pessoal nunca o prejudicará nas remunerações ou regalias de que desfruta no momento considerado.

ó depois deste breve mas expressivo apontamento é lícito falar em prazo, -porque já se adquiriu, ràpidamente, uma moção do tempo a despender em trabalhos de tal envergadura. Fixemos em dois anos, por hipótese, o período transitório a consignar na proposta de lei. Deveria, no entanto, estar elaborado o plano e respectivo programa de execução no fim do primeiro ano, para se poder contar com o seguinte para a sua apreciação superior, aprovação e realização, esta em alguns casos escalonada.
A elaboração do plano parece dever ser confiada, em conjunto, ao organismo de coordenação económica e à secção da corporação a que ele está ligado. A apreciação e aprovação provisória deveriam competir ao con-

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selho da corporação, primeiro, e, depois, a Câmara Corporativa, funcionando como conselho superior das corporações. Finalmente, a aprovação definitiva pertenceria ao Conselho Corporativo, facto este que dispensa a intervenção ministerial em plano mais baixo, dado que o Ministro competente terá assento neste último Conselho.
Eis um esboço, muito sumário mas suficientemente compreensivo, do que poderiam ser as linhas gerais de uma solução para o delicado problema dos organismos de coordenação económica.
Fora de discussão, por certo, que os pormenores deste simples apontamento se destinam mais a pôr era destaque um processo de realização simples, no sentido de se avaliar da sua viabilidade, do que a sugestões para futura matéria regulamentar.
O que mais interessa, todavia, é expurgar daqui a parte fundamental que deve inserir-se na proposta de lei, em continuação da base III.
Parece que tal matéria deve ser a seguinte:

1.º Fixação do prazo de dois anos como período transitório máximo, quanto aos organismos de coordenação económica;
2.º Até ao fim do primeiro ano desse período cada organismo de coordenação económica, em conjunto com a secção da corporação a que esteja adstrito, deverá apresentar o seu plano de integração, competindo ao Conselho Corporativo aprová-lo em definitivo;
3.º Cessa toda a competência dos organismos de coordenação económica findo o período transitório fixado, ou antes, se tal for possível.

72. Apenas algumas considerações finais, para encerrar este longo parágrafo do presente parecer. E dar-se-á mais uma resposta às duas correntes extremistas antes criticadas - a que confia ilimitadamente na bondade e praticabilidade do sistema corporativo e a outra, que, receosamente, lhe outorga uma função menos que mitigada.
Aos primeiros, para cuja tese o parecer deliberadamente propende, declarar-se-á que se procurou assegurar a transitoriedade dos organismos de coordenação económica - marcando-se-lhes um prazo certo de vida - já que era impraticável, suprimi-los imediatamente.
Aos segundos dir-se-á, em complemento, que se andou cautelosamente não discutindo - nesta fase inicial em que vamos entrar e de acordo com a proposta de lei-, a competência do Governo para a direcção da vida económica.

ais ainda: aclara-se que, já na previsão dum «reforço» de funções dentro de alguns anos - quando a corporação tiver demonstrado a capacidade que potencialmente tem -, se tomou a iniciativa de propor também uma forte armadura com defesas e prevenções, entre as quais um órgão interno estadual, eficiente e pronto, e um conselho superior das corporações, tudo no sentido de travar qualquer possível desvio, mesmo involuntário, do bem comum nacional. Excluiu-se a Administração Central do comando da corporação, mas colocou-se em sítio donde possa vê-la directamente em todo o seu complexo orgânico e funcional.
Aliás - e para uma antevisão do que podem ser as corporações em funcionamento-, é fácil encontrar no nosso acervo de organismos corporativos alguns salutares exemplos de vida corporativa intensa e exemplar, já com importantes serviços de estudo, de ensaios laboratoriais, de ensino, de fiscalização especificamente corporativa, etc.
Alguns facilitam uma ideia aproximada duma pequena corporação a funcionar, como, por exemplo, a Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios. Mantendo serviços corporativos como os acima indicados, propondo superiormente muitas dezenas de providências legislativas para a disciplina económica do seu sector, dispondo duma fiscalização modelar, com os indispensáveis requisitos de tecnicidade e em bases de estrita economia - observe-se este organismo corporativo em acção, integrem-se, ao lado da lã, o algodão e outras fibras, bem como o seu largo sector sindical: e aí teríamos a imagem duma grande «corporação dos têxteis», cuja influência já pode aquilatar-se um pouco através da actividade de um só dos seus elementos intermédios.
Tudo isto, que são sinais firmes do vigor sadio e da bondade natural do princípio corporativo, pode vir a ser subsídio valioso para que alguns descrentes comecem a acreditar e para que todos aqueles que tão pouco crêem vão revendo as suas posições. Revisão que deverá ser feita, não apenas à luz objectiva das realidades já patentes, mas também daquelas que, por raciocínio derivado, só podem conceber numa organização completamente articulada, com o sistema corporativo n trabalhar em pleno rendimento.
E, finalmente - porque de organismos de coordenação económica se tratou -, é justamente merecida uma palavra de homenagem aos seus principais responsáveis.
Incontroversamente, cumpriram o seu dever. E cumpriram-no - é preciso salientà-lo -, em regra, com verdadeiro espírito corporativo dentro da máquina estadual. Foram agentes utilíssimos ao serviço duma ideia coordenadora que a economia não pode dispensar, da qual o Estado tem de ser o intérprete único e, até, o instrumento executor, se não houver órgãos corporativos preparados para o seu exercício.
Sem a corporação não há qualquer outra alternativa - só o Estado pode encarregar-se da missão coordenadora que as novas estruturas económicas implacàvelmente reclamam. E é desta verdade e deste fatalismo que descende em linha recta uma concepção socialista perigosamente generalizada:
Ora, se intentarmos perscrutar o que de mais íntimo se alberga nos nossos organismos de coordenação económica, havemos de encontrar lá o grande merecimento de terem sabido diluir essa concepção socialista, e tantas vezes escondê-la, sob o espírito corporativo que sobre si insuflaram.
É certo que o legislador da nossa «primeira arrancada corporativa», num rasgo de talento, assim concebeu esses órgãos especializados de coordenação. Mas não fossem os seus dirigentes fiéis intérpretes dessa palavra de comando, não fosse a sua mentalidade corporativa e a sua vinculação aos princípios informadores dessa Revolução que «continua» - e tudo se teria dissolvido ou absorvido no falso conceito de «Estado todo poderoso», do qual temos vindo a libertar-nos, numa verdadeira escalada a pulso.
Porque assim é, porque os homens são os mesmos e a sua formação corporativa é sólida, confia-se em que essa obra tão séria que vai empreender-se -, a extinção dos organismos de coordenação económica - seja devotadamente conduzida e amparada pelos seus dirigentes. Deles dependerá, em grande parte, a possibilidade de se operar, com equilíbrio e harmonia, a transmissão de poderes do Governo para a corporação, essa espécie, de «render da guarda» que a história tem de assinalar, porque é o próprio Poder que galhardamente prepara a cedência e a vem propor, dando ao Mundo a lição do ideal corporativo.
Para esses homens de boa vontade se apela, pois, com a plena segurança de ser-se ouvido.
Vamos viver momentos graves, e ninguém deverá poder alegar o desconhecimento da sua gravidade.

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Todos os que alinham deste lado da barricada em que a Câmara Corporativa se encontra não serão de mais para, unidos coesamente e formando um bloco só, entrarem com o coração ao alto e desassombradamente nesta «segunda arrancada» para o triunfo do ideal corporativo e cristão.

§ 24.º

Critérios de integração corporativa

73. Em grau crescente de complexidade - depois de considerada a posição dos organismos de coordenação económica perante a instituição de corporações - surge agora o problema crucial, entre quantos se contêm na proposta de lei: eleger um critério de integração corporativa para as actividades económicas.
Ao empreender o desenvolvimento deste ponto nevrálgico do sistema corporativo tem-se a perfeita noção da responsabilidade imensa que sobre a Câmara recai, com emitir parecer em matéria tão decisiva para o futuro e o destino de qualquer fórmula de corporativismo aplicado.
Mas, se é natural vacilar-se, aqui ou além, em questões de pormenor - onde os critérios podem variar sem repercussões de monta - sobre o núcleo essencial deste grande problema, há que tomar atitude nítida e firme, fazendo profissão de coragem.
Seguramente, as soluções até agora encontradas neste particular não são definitivas nem pacíficas - e essa será a maior dificuldade a vencer. Mas se, por outro lado, nenhuma das soluções e inteiramente boa, pode demonstrar-se que umas são melhores do que outras - e já começa então a pegar-se melhor no problema, em ordem a buscar o princípio de solução para o caso português.
Urge, portanto, mensurar, com lucidez e bom senso, as principais vantagens e inconvenientes deste ou daquele critério possível, trabalhando uma vez mais sobre as duas premissa» do nosso corporativismo - pensamento e técnica realistas. Fazer, em seguida, um reflectido exame de consciência; o mais possível objectivo e desapaixonado. Finalmente, tomar um rumo certo e concluir numa decisão firme.
E é dentro de todo este condicionalismo, inevitável para uma conclusão operante e séria, que se vai encarar tão palpitante questão.

74. São essencialmente quatro os critérios para integração das actividades no domínio económico:, o da função económica ou das gravides actividades económicas; o dos grandes rumos de produção; o do produto ou do ciclo produtivo; e o da categoria.

Consoante o critério «da função económica», segue-se para a integração corporativa o esquema clássico das grandes actividades económicas, reduzidas a cinco grupos fundamentais - agricultura, indústria, comércio, transportes e crédito. E, nestes termos, seriam também cinco as corporações a instaurar, vindo a enquadrar-se nelas todas as actividades económicas existentes num qualquer país.
Pelo critério «dos grandes ramos de produção» determinam-se os mais importantes complexos de actividades económicas, onde se verificam estreitas relações de interdependência, e formando sectores diferenciados da produção suficientemente compreensivos. E para cada um desses grandes grupos de actividades cria-se a respectiva corporação. Exemplos: corporações dos cereais, da pecuária, dos têxteis, da metalurgia e mecânica, etc. Segundo o critério «do produto» ou «do ciclo produtivo»; determinam-se quais os produtos fundamentais no âmbito da economia nacional e para cada um deles se institui uma corporação, que integrará verticalmente todas as actividades que formam o seu ciclo produtivo, abrangendo-as, portanto, desde a produção da matéria-prima, passando pela transformação, até à distribuição do produto final. Exemplos: corporações do trigo, do arroz, da lã, do algodão, do ferro, do vidro, do papel, etc. (Registe-se que este critério só difere do anterior no grau menos compreensivo das actividades abrangidas, que não na própria substância ou conteúdo).
De acordo com o critério «da categoria», determinam-se quais as actividades principais e complementares de curto ramo de produção, independentemente da diversidade de produtos que englobam; e cada uma dessas actividades ficará a constituir uma corporação. Assim, tomando o exemplo já clássico desse importante ramo de produção - os têxteis -, constituir-se-iam as seguintes corporações: da fiação (integrando todas as empresas de fiação, quer da lã, do algodão, da seda ou de quaisquer outras fibras), da tecelagem (lã, algodão, etc.), da tinturaria (lã, algodão, etc.), do comércio de têxteis (lã, algodão, etc.).
Por último, uma referência apenas ao critério regional, ou geográfico, pelo qual se agrupariam numa única corporação todas as actividades económicas, de certa área territorial de um país, processo primário que não pode responder às exigências económicas estruturais, mesmo nas economias pouco desenvolvidas. No entanto, pode ter utilidade como acessório de qualquer dos outros critérios enunciados.

75. Para eleger entre estes quatro critérios o que oferece melhores condições funcionais à corporação impõe-se fazer algumas considerações preliminares e, depois, a crítica de cada um deles.
Antes de tudo, convém investigar qual o princípio ou princípios orientadores que hão-de guiar-nos na escolha de um critério.
Para tal investigação vamos raciocinar pelo processo que se afigura mais simples, mediante algumas perguntas consecutivas.
Assim, e em primeiro lugar: o que se pretende com a integração corporativa, neste sentido em que a estamos a considerar?
Sem dúvida que se procura formar grupos, bastante compreensivos, e o mais harmónicos possível, de actividades com estreitos relações entre si, de modo a pô-las em contacto no seio da corporação, para o fim de resolver problemas de interesse económico comum.
Estamos a centrar-nos, por esta forma, no campo exclusivo das relações económicas entre empresas, para adoptarmos um modelo simples, que permita seguir um raciocínio mais curto em que só intervenham os dados essenciais do problema. Não entraremos, pois, em linha de conta com o sector do trabalho, que em nada alteraria aqueles dados, visto como as categorias profissionais se irão enquadrar, no lado das correspondentes categorias económicas, na mesma corporação.
Procura-se, pois, encontrar grandes grupos de actividades com estreitas relações entre si. Mas, então, quais essas relações?
A resposta completa implicaria, òbviamente uma indagação dirigida ao terreno concreto das actividades consideradas, a uma análise da estrutura económica, no pertinente às relações de interdependência que ligam as empresas umas às outras e dão lugar aos complexos económicos - conjuntos de actividades relacionadas horizontal e verticalmente - a integrar na corporação.
Não pode prescindir-se deste exame analítico para a tarefa de erguer concretamente a corporação. Mas para o aspecto genérico, que nos ocupa agora, podem basta-nos os subsídios que a ciência económica fornece através dos estudos de análise estrutural e das conclu-

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soes tiradas acerca das espécies de relações que solidarizam as empresas.
Neste sentido o exame da estrutura económica ensina que existem dois tipos fundamentais de relações: relações de complementaridade, e relações de instrumentalidade.
Os laços de complementaridade ligam os organismos empresariais em sentido horizontal, querendo significar-se com isto que unem as empresas colocadas paralelamente no mesmo nível da produção e que produzem bens de idêntico uso. E o caso frisante dos exemplos apresentados há pouco ao enunciarmos o «critério da categoria», citando designadamente a corporação da tecelagem, onde estariam integradas todas as empresas daquele escalão da indústria dos têxteis, quer trabalhassem a lã, o algodão, a seda ou outras fibras.
Há, realmente, entre estas empresas de tecelagem uma afinidade e oposição de interesses simultânea. Haverá interesses afins, por exemplo, quanto aos bens instrumentais que utilizam (os teares e outra aparelhagem), à energia que consomem, à permutabilidade da mão-de-obra, às matérias-primas e subsidiárias que adquirem, às relações com as empresas dos escalões inferior ou superior (fiação, tinturaria), etc. Mas já existirão interesses opostos, sobretudo no concernente aos produtos que colocam no mercado e tantas vezes têm natureza sucedânea (tecidos de algodão, lã, seda vegetal, seda animal, nylon, etc.).
Todos estes elos de interdependência constituem relações de complementaridade, quer exprimam identidade ou divergência de interesses. E todos eles requerem integração corporativa, pois que não é apenas pelo lado da afinidade que a corporação pode prestar reais serviços, mas, até e talvez mais, quando os interesses são directamente opostos e importa conciliá-los.
O outro tipo fundamental é constituído., como se disse, pelas relações de instrumentalidade.
Enquanto as de complementaridade ligam empresas situadas paralelamente no mesmo escalão produtivo, as relações de instrumentalidade desenvolvem-se, em sentido vertical, entre os escalões sucessivos da produção, desde a matéria-prima até à venda, e abrangem, portanto, aquilo a que usa chamar-se o «ciclo produtivo». Há aqui uma ligação em cadeia que prende fortemente as empresas intervenientes no ciclo, produzindo uma a matéria-prima, que cede à outra do escalão imediatamente superior; esta, por seu turno, transforma-a, para a vender ao escalão seguinte; e assim sucessivamente, até ao comerciante, que efectua a venda dos bens directos ao consumidor. Exemplificando: a produção da lã, a lavagem, a penteação, a fiação, a tecelagem, a tinturaria, o acabamento, o armazenista de lanifícios, o retalhista e o consumidor.
Parece desnecessário demonstrar em pormenor a intimidade destes laços de instrumentalidade que unem verticalmente as empresas pertencentes ao mesmo ciclo de produção. Para os avaliar em toda a sua expressão e grandeza seria suficiente referir que a mais ligeira alteração no preço dos bens produzidos por um escalão quase sempre influi imediatamente no escalão seguinte e tem reflexo mediato em todos os escalões que se lhe sucedem; e o mesmo se dirá nomeadamente quanto à abundância ou escassez da matéria-prima, produtos semiacabados ora produtos finais, à qualidade e processos do fabrico, à paralização do trabalho em qualquer estádio da produção e a tantos outros factos que atestam uma interdependência notória e comprovada.
E podemos formular já a outra pergunta que imediatamente se segue na ordem do nosso questionário: dos dois tipos de relações considerados, qual o dominante?

Não poderá responder-se-lhe terminantemente com referência a todos os casos concretos, por isso que só a investigação dirigida particularmente a cada um dos grandes grupos de actividade facultará conclusões; de base científica sobre os complexos económicos considerados.
Não obstante, existem linhas gerais e tendenciais, que podem surpreender-se, pelo que respeita à intensidade das relações de interdependência, horizontais e verticais.
Assim, entre as relações de complementaridade dominam as que se exprimem no fenómeno da concorrência entre as empresas que produzem para o mercado os mesmos bens ou bens sucedâneos. E esta relação de interdependência é tão íntima e reclama por tal forma uma condenação para o efeito de se conseguir um tipo da «mercado organizado» o que muito difícil seria não lhe atribuir um carácter predominante entre todas as outras relações, incluídas as de instrumentalidade.
Para o nosso ponto de vista da integração corporativa, porém, é possível prescindir da consideração desse prevalente fenómeno da concorrência entre empresas do mesmo ramo de actividade, visto que, seja qual for o critério adoptado - como tivemos ocasião de verificar pela exposição desses critérios-, sempre as empresas que trabalham o mesmo «bem final» ficam integradas numa só corporação, e ali se efectua a sua coordenação também no sector concorrencial. Por outras palavras, em todos os critérios enunciados no número anterior, e que pretendemos analisar, está implícita a ideia de reunir na mesma corporação as empresas que directamente concorrem entre si no mercado.
Inclusivamente no «critério do produto», ou «do ciclo produtivo», que, praticamente, costuma caracterizar-se pela circunstância de abstrair das relações de complementaridade, verifica-se que atende a elas, pelo menos no que se refere ao aspecto fundamental da concorrência entre as empresas que laboram o mesmo produto.
Considere-se qualquer corporação subordinada ao critério «do ciclo produtivo», e chegar-se-á facilmente a essa conclusão. Por exemplo, numa corporação da lã estariam integradas todas as actividades relativas a este produto, desde a matéria-prima até à indústria e ao comércio de lanifícios. E é patente que, no particular das relações de complementaridade, que se exprimem no fenómeno da concorrência entre produtores de lã, industriais e comerciantes de lanifícios, essas relações são respeitadas, mesmo adoptando-se aquele critério. Quer-se significar com isto que na análise a encetar não interessa ter em conta o factor fundamental da concorrência, pelo menos quanto às empresas que trabalham com o mesmo produto, exactamente aquelas onde esse factor actua com toda a sua intensidade.
Se excluirmos, pois, este grupo dominante entre as relações de complementaridade, já uma visão de conjunto, abarcando as modernas estruturas económicas, na totalidade dos fenómenos de interdependência que nelas se entrechocam, revela um predomínio das relações de tipo vertical -instrumentalidade - sobre os laços de horizontalidade ou complementaridade.
Mais ainda - verifica-se que, podendo as espécies de relações complementares, para certos complexos de actividades, ser numèricamente superiores às de tipo vertical, estas, apesar de tudo, sobrelevam-nas em intensidade, sendo o resultado final nitidamente favorável à instrumentalidade.
A simples observação prática conduz-nos também, em geral, ao mesmo resultado. Tomando por modelo todos os exemplos antes apresentados, é patente o elo mais forte da instrumentalidade a dominar a vida fun-

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cional das empresas nas suas relações de interdependência.
Assim, as empresas de tecelagem do algodão estão naturalmente vinculadas, sob muitos aspectos, às suas congéneres da seda ou da lã, mas é manifesto que as relações entre essas primeiras empresas e as que gravitam no seu ciclo produtivo - fiação, acabamento, etc. - são mais intensas e dominam toda a sua vida funcional quotidiana. É o fio que se encomenda e tem de receber-se em prazo certo para que não seja prejudicada a laboração; são a sua qualidade ou calibre que podem variar, com reflexos na utilização técnica e no rendimento industrial; é o seu preço que influi decisivamente no custo de produção e, como tal, em todos os escalões sucessivos; é todo um mundo de problemas instantes e diários, só pelo lado do escalão inferior, e que se repete, com igual potência, nas relações dessas empresas com as que se situam nos estádios superiores do ciclo.
Outra impressão, que também pode colher-se empiricamente, diz respeito à espontaneidade de organização, segundo o critério da verticalidade, que as empresas tantas vezes denunciam, logo que intentam conjugar os seus interesses pela via corporativa. Entre nós os organismos de coordenação económica fornecem um exemplo edificante e concludente. Nascidos com um âmbito limitado de atribuições coordenadoras, a pressão das circunstâncias, pela imperiosa necessidade de fazer chegar a coordenação a todo o ciclo produtivo, arrastou-os quase imediatamente a ultrapassar os seus quadros legais de competência. E, assim, contra a delimitação rígida fixada no seu estatuto regulador, a que anteriormente nos referimos, pode dizer-se, por exemplo, não existir hoje uma comissão reguladora que se circunscreva ao condicionamento da importação.
Este fenómeno, quase geral, de modo algum decorrente duma orientação deliberada do Poder, porque espontâneo, é bem um tema de longa meditação, para quantos se debrucem sobre o problema da integração corporativa, no desígnio de construir corporações no plano concreto, como é o caso presente.
Parece, pois, ser possível assentar numa conclusão de princípio, acerca da dicotomia verticalidade-horizontalidade, depois de excluído, como foi, o aspecto da concorrência no mercado: como regra, as relações de instrumentalidade são mais intensas e, consequentemente, suscitam com maior premência a necessidade de coordenação.
E ainda uma última pergunta, dentro do esquema previamente traçado: qual o interesse em averiguar o tipo de relações dominante?
A resposta está já desenhada no espírito de quem tenha seguido, sem interrupção, a linha de raciocínio que vimos percorrendo.
Se, realmente, não é único o tipo de relações fundamentais que as estruturas económicas encerram e se está também comprovada a impossibilidade de respeitar em absoluto e simultâneamente os dois tipos existentes, necessário se torna, por força, optar por um, com relativo detrimento do outro.
Não quer isto dizer que tenhamos de preferir um critério de instrumentalidade ou de horizontalidade para todos os casos, mas impõe-se com certeza que se estabeleça uma escala de preferências, pelo menos em relação a cada um dos complexos económicos examinados. Aqui, relativamente a cada um dos grandes conjuntos de actividades paralelas e instrumentais, não pode deixar de pôr-se a questão com toda a acuidade, sabido como é que a integração corporativa não pode fazer-se ao mesmo tempo segundo uma direcção pura de horizontalidade ou verticalidade, porque essas duas direcções se cruzam, havendo que optar sempre por uma ou por outra, como linha dominante.
E depois de toda esta exposição e elaboração de dados fundamentais sobre o problema da integração já se podem, com alguma segurança, deduzir as linhas directrizes que devem nortear-nos na crítica dos quatro critérios, sumàriamente expostos no número antecedente.
Parece deverem ser os seguintes os princípios orientadores, e pela ordem por que vão seriados:

I) O processo da integração corporativa deve subordinar-se às relações de interdependência, verticais e horizontais, que se desenvolvem entre as várias actividades económicas (princípio geral);
II) Quando seja possível a conjugação, devem respeitar-se simultâneamente as relações de instrumentalidade e de complementaridade, embora com predomínio de qualquer delas, de modo a formar conjuntos suficientemente compreensivos e harmónicos, onde se não adopte um critério, com menosprezo total, ou quase total, do outro (principio da simultaneidade);
III) Sempre que se mostre impossível a conjugação dos dois tipos de interdependência e haja que optar por um deles, a regra será preferirem-se as relações de instrumentalidade, onde, pela sua maior intensidade, a necessidade de coordenação é mais premente, e ressalvados apenas casos particulares que requeiram tratamento especial (principio da preferência instrumental).

Esclareça-se uma vez mais que na formulação destes princípios se não atendeu a complementaridade pertinente ao fenómeno da concorrência, porque todos os critérios de integração implìcitamente a respeitam, inclusive o «do produto». Mesmo neste critério a ela se atende para o efeito da coordenação corporativa, e, pelo menos, quanto ao seu aspecto mais premente - o da concorrência entre empresas que trabalham o mesmo produto final.
Por estas razões, ao referirmo-nos, de agora em diante, a relações de complementaridade, não consideramos incluído nesta espécie o vasto domínio da concorrência.

76. Para proceder ao exame dos quatro critérios de integração corporativa que antes enunciámos - critérios «das grandes actividades económicas», «dos grandes ramos de produção», «do produto» e «da categoria»- reservaremos para o último lugar os dois principais, que são os primeiros,- e começaremos por uma crítica sumaríssima aos menos ricos de conceito e alcance, que são os «do produto» e «da categoria».
Uma simples razão metodológica aconselha-nos- a proceder deste modo, em ordem a simplificar a questão. Afastam-se aqueles dois últimos critérios, cujo interesse é predominantemente teórico, e podemos então concentrar-nos ùnicamente na análise mais minuciosa dos dois critérios principais, que estão no fulcro do debate.
Quanto ao critério «do produto», ou «do ciclo produtivo», já se disse que ele postula uma corporação para cada produto - ou grupo de produtos , em geral ligados à mesma matéria-prima -, com certa importância económica, onde todas as actividades a eles relativas se devem integrar verticalmente, desde a produção à venda.
Para mantermos, lògicamente, uma exemplificação dentro das mesmas actividades escolhidas antes, consi-

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deremos o caso dos têxteis, onde naturalmente se partiria da matéria-prima (fibra têxtil), constituindo-se, pelo menos, três corporações, abarcando todo o ciclo produtivo: do algodão, da lã e da seda.
Observar-se-iam assim as relações de instrumentalidade entre todas as empresas que compõem o ciclo de produção, mas haveria que abdicar quase em absoluto do outro tipo de relações de interdependência complementar. E, fazendo já funcionar os três princípios orientadores da integração - que não foram elaborados para outro fim-, temos de concluir que o critério proposto só seria de aceitar desde que não houvesse possibilidade de conjugação entre os dois tipos de relações - verticais e horizontais.
Ora, demonstra-se que essa conjugação é inteiramente praticável e que existe neste caso até um verdadeiro complexo económico, de actividades bem definidas, que é o ramo dos têxteis, onde estão complementarmente ligadas a lã, o algodão e a seda e onde também podem respeitar-se, em larga medida, as relações do ciclo produtivo - obtenção da matéria-prima, indústria, comércio. E o mesmo poderia dizer-se a respeito de produtos como o ferro, o cobre, o zinco ou a prata e, no domínio agrícola, o trigo, o milho ou o arroz.
É de rejeitar, pois, o critério «do produto», ao menos como critério de aplicação generalizada, além de que - e agora independentemente dos nossos princípios orientadores - semelhante critério conduziria, na prática, a um número quase ilimitado de corporações, facto que, por si só, também seria suficiente para o repelir.
Idênticas razões nos levam ao mesmo resultado em relação ao critério «da categoria». Aqui respeitam-se exclusivamente as relações de complementaridade, com menosprezo absoluto do ciclo produtivo.
Forjar inúmeras corporações para os vários estádios do processo produtivo, dentro de cada um dos grandes ramos de produção, seria também pulverizar excessivamente os organismos superiores da hierarquia corporativa, tornando impraticável o sistema. E, para não omitir uma rápida exemplificação, como tem sido a norma adoptada, citemos a corporação da tecelagem, onde se reuniriam todas as empresas desse escalão do ciclo têxtil, englobando a lã, o algodão, a seda e todas as outras fibras.
Recorrendo novamente aos princípios orientadores da integração, concluímos imediatamente que tal critério a nenhum deles satisfaz. Respeitando as relações de complementaridade, foge ao princípio, da simultaneidade, de aplicar, quando possível (e, neste caso, já vimos que o era). Além disso, nem sequer está de acordo com o último princípio; o qual, na impossibilidade de conjugação, prescreve preferência para as relações de instrumentalidade.
De rejeitar, pois, o critério da categoria, ainda com mais forte razão do que para o critério do produto. E passemos, seguidamente, a uma análise mais circunstanciada dos dois critérios de integração que nos faltam e constituem o principal centro de discussão neste problema.

77. Segundo o critério da função económica, ou das grandes actividades económicas, serão cinco as corporações a instituir em qualquer país, conforme a classificação tradicional: agricultura, indústria, comércio, transportes e crédito.
Como orientação metodológica no exame mais pormenorizado deste critério, e para não nos desviarmos da linha de raciocínio seguida até aqui, iremos submeter a uma análise parcelar cada uma das corporações que este critério preconiza, fazendo-a girar, sobretudo, à volta dos princípios orientadores de integração que, para este efeito, tivemos a preocupação de elaborar.
Uma vez mais por imposição de método, e à semelhança do processo já seguido para o exame dos critérios de integração em que estamos, também aqui começaremos por debater o «mais simples», afastando-o rapidamente da discussão. Assim ficará liberto o caminho que permitirá centrar-nos apenas no «mais complexo», exactamente o que está abertamente em causa com a proposta de lei submetida ao parecer da Câmara.
Neste sentido, encaremos primeiramente a Corporação dos Transportes.
Este caso das actividades transportadoras mereceria, porventura, maior desenvolvimento, mas vamos limitar-nos apenas ao que se afigura essencial para o objectivo em causa.
Verifica-se aqui um predomínio nítido das relações de complementaridade sobre as de instrumentalidade. E haverá talvez mesmo quem afirme não existirem estas últimas relações de interdependência verticais no domínio dos transportes.
Parece que, na realidade e em relação ao nosso país, essas relações instrumentais são escassas. Apesar disso, pode afirmar-se que elas existem, ao considerarmos esse ciclo produtivo sui generis constituído pelos estádios sucessivos que algumas vezes apresenta a «produção» do transporte, também sui generis.
É, por exemplo,, o caso de, para certos fins, se estabelecer uma cadeia entre empresas transportadoras - marítimas, ferroviárias e rodoviárias-, colocando-se as primeiras na posição de produtoras da «matéria-prima transporte» e as segundas na de laboradoras dessa «matéria-prima», fabricando um «produto transporte semi-acabado», que fornecem às terceiras aquelas que produzem o «produto transporte acabado», ou seja a fase final do ciclo de produção, quer para o passageiro, quer para a mercadoria transportada.
Interessantes modalidades como estas, aparecem com certa frequência em alguns países; mas já entre nós o chamado transporte «porta a porta» é manifestação desse traço de verticalidade entre o caminho de ferro e a camionagem, encarregando-se o primeiro da fase inicial da «produção» do transporte e a segunda tomando a seu cargo a fase final da entrega da mercadoria ao destinatário. E o mesmo sistema pode utilizar-se também e òbviamente quanto ao transporte de passageiros.
Outro caso análogo e muito frequente de transporte sucessivo, que constitui uma espécie de «ciclo transportador», é o da matéria-prima de origem agrícola que segue por tracção animal até determinada estação de caminho de ferro, o qual se encarrega de a transportar até outra estação, onde passa a utilizar o meio automóvel que a conduz à fábrica de destino.
Como quer que seja, entenda-se aqui ou não um ciclo produtivo sui generis, o certo é que, fazendo funcionar os princípios de integração corporativa, conclui-se que uma corporação dos transportes ou está logo de acordo com o princípio da simultaneidade, respeitando conjuntamente relações de horizontalidade e verticalidade, ou cai na alçada das excepções que o terceiro princípio formulado ressalva na sua parte final.
Isto porque, indubitàvelmente, se trata duma actividade com características muito particulares, bem definida e compartimentada, que constitui um complexo económico perfeitamente destacado no conjunto de todas, as actividades nacionais.
A reforçar o pensamento duma simultaneidade de relações está ainda a peculiaridade curiosa de os transportes, além de apresentarem traços instrumentais no interior da própria actividade, irem colaborar indis-

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tintamente nos ciclos de produção dos vários complexos económicos, prestando serviços em todas as fases do ciclo agrícola, industrial e comercial. Acompanham, pois, os escalões, sucessivos da produção, coadjuvando-os eficazmente numa intervenção a latere, que lhes atribui um cunho muito pronunciado de verdadeiros colaboradores do ciclo produtivo, seja qual for a actividade que se considere.
E, porque assim é, a generalidade dos autores, no campo do corporativismo, não põe em dúvida a conveniência de uma corporação para o ramo dos transportes, ou considerada isoladamente, ou conjugada com o turismo, por este constituir um sector que lhe está directamente vinculado:
E passemos de seguida à Corporação do Crédito.
A esta actividade económica - o crédito - podem aplicar-se de modo geral todas as considerações produzidas a respeito dos transportes.
Na verdade, também aqui se descortinam certas relações de instrumentalidade entre as empresas bancárias, muito embora prevaleçam notòriamente as interdependências complementares.
Isto quanto ao sistema bancário português, que não se apresenta largamente especializado, como acontece em tantos outros países, onde os laços de verticalidade, a relacionar as empresas que constituem a banca, se assinalam nitidamente, estabelecendo-se um curioso «ciclo de produção-crédito», que vai de umas para outras até ao banco central.
Tal acontece, por exemplo, nos Estados Unidos da América do Norte e em alguns outros países, cujo sistema bancário acusa uma especialização digna de registo. Mas entre nós, não sendo tão flagrantes os vínculos de instrumentalidade, é fácil surpreendê-los quanto a determinadas categorias de estabelecimentos bancários para com outras e de todas para com o nosso banco central.
É o caso dos depósitos de bancos e banqueiros no Banco de Portugal, e bem assim o da operação de redesconto também ali efectuada, apesar de não revestir um carácter de generalidade e frequência, que muito favoreceria a concessão do crédito. Para tal inconveniente, oriundo de tradições da nossa banca, que haveria toda a vantagem em alterar, já o parecer da Câmara sobre a última Lei de Meios incisivamente chamou a atenção, fazendo ressaltar os benefícios que resultariam para o nosso sistema de crédito duma atitude diferente da banca portuguesa para com o redesconto.
Por outro lado, também o crédito fornece serviços a todas as actividades ou indivíduos em geral, quer se situem nos domínios do comércio, da indústria ou da agricultura, participando assim, com uma colaboração a latere, nos ciclos produtivos de todos os complexos económicos de tipo agrícola, industrial ou comercial.
O crédito acompanha, desta maneira, os estádios sucessivos da produção, seja qual for o ciclo considerado, apresentando-se, pois, como seu valioso colaborador.
Em resumo, este facto já imprime um certo sentido de verticalidade à função-crédito. Mas, se lhe acrescentarmos a ligação instrumental entre as empresas bancárias, a que acima nos reportámos, pode atribuir-se ao crédito, sem grande esforço, o carácter duma actividade económica dominada por um conjunto simultâneo de relações complementares e instrumentais, embora com notória superioridade das primeiras.
Sendo assim, podemos concluir, como o fizemos relativamente aos transportes: uma corporação do crédito ou está logo de acordo com aquele princípio da simultaneidade que formulámos, respeitando conjuntamente relações de horizontalidade e verticalidade, ou, não se dando relevância a estas últimas, cair-se-ia na alçada de outro, princípio - da preferência instrumental-, que na sua última parte ressalva apenas os «casos particulares que requeiram tratamento especial».
De qualquer modo atingimos por esta via de raciocínio a mesma conclusão a que tem chegado a generalidade dos estudiosos da matéria, admitindo uma corporação para o crédito.
Saliente-se, todavia, que a proposta de lei prescreve uma «Corporação do Crédito e Seguros», embora seja certo que as duas actividades, bancária e seguradora, não mantêm entre si visíveis relações de complementaridade ou verticalidade.
O processo adoptado só pode, pois, legitimar-se mediante um critério exclusivamente restritivo do número de corporações a criar, chamando-se a atenção do Governo para tal circunstância.

78. E passemos ao exame da Corporação do Comércio.
Esta hipótese duma corporação do comércio é realmente curiosa, à luz dos princípios orientadores da integração corporativa. Na verdade, só com ela acontece a particularidade estranha, mas perfeitamente explicável, de os citados princípios a rejeitarem primeiro, admitindo-a depois. Decifremos o enigma.
À primeira análise parece que uma corporação do comércio terá de pôr-se de parte, porque estão ali representados actividades comerciais ligadas entre si por simples relações de interdependência complementar. Aplicando o princípio da simultaneidade que formulámos teríamos de averiguar se é viável para essas actividades organizarem-se com subordinação aos dois tipos de relações - instrumentais e complementares; e só na hipótese de não ser possível a sua, conjugação teríamos de recorrer então ao terceiro princípio - da preferência instrumental.
Ora, verifica-se que há viabilidade, quanto a essas empresas, de serem atendidas simultâneamente tanto as relações de complementaridade como as de instrumentalidade. Chegará para tal demonstração o exemplo dos comerciantes de tecidos, que podem perfeitamente enquadrar-se na corporação dos têxteis, respeitando-se assim as relações horizontais entre o comércio de tecidos de lã de algodão ou de seda e, ao mesmo tempo, a sua interdependência, vertical com as actividades do seu ciclo produtivo - indústrias têxteis e produtores de fibras. E o mesmo poderia dizer-se a propósito dos comerciantes de ferragens, relativamente a uma corporação de metalurgia e mecânica, dos comerciantes de vinhos, quanto a uma corporação dos vinhos, dos comerciantes de carnes, com referência a uma corporação da pecuária, etc.
E note-se, ainda, que o recurso ao terceiro princípio - se tivesse que descesse até lá, o que já está fora de causa - nos arrastaria ao mesmo resultado, porque ele postula a preferência instrumental, na impossibilidade de conjugação das suas espécies de relações, e era, portanto, o caminho do ciclo produtivo que teria de seguir-se, conforme se viu no caso anterior.
Não deixaremos de registar que uma penetração dirigida exclusivamente ao conjunto das actividades mercantis pode revelar a existência de relações verticais no seu campo especifico. É o caso da sucessão «comércio armazenista-retalhista», em que o primeiro fornece produtos ao segundo. Mas tal circunstância, poderá desprezar-se, não só porque o ciclo produtivo é diminuto aqui, como também porque deixa inteiramente de fora a sua parte fundamental -produção da matéria-prima e indústria. E, por isso, julgou-se aconselhável não alterar os dados fundamentais do problema

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posto com a intromissão dum facto estrutural, para o nosso caso irrelevante.
Em resumo - repetimos -, uma primeira, análise, aplicados que sejam os princípios orientadores da integração, conduz-nos à inadmissibilidade duma corporação do comércio.
Mas continuemos a nossa indagação, no intuito de surpreender outros traços de estrutura, fundamentais, quanto a estas actividades do comércio.
No seu terreno específico, e ao lado de empresas diferenciadas por produtos, ou por ramos de produção, podemos fàcilmente verificar a existência duma larga maneta de comércio misto ou indiferenciado. Este fenómeno, que tem uma extensão enorme, sobretudo no sector retalhista, atribui à função comercial um duplo carácter, diferenciado e indiferenciado, notòriamente distinto, quer da função industrial, onde predomina a diferenciação, quer da função agrícola, onde, ao contrário, a norma dominante é a indiferenciação.
Esta circunstância, tão visível e marcada, atribui à função-comércio um lugar à parte, no conjunto das outras funções, pelo que respeita à sua natureza estrutural. Sendo assim, no exame de todo este complexo de actividades mercantis, e para seguirmos um critério tanto quanto possível científico, impõe-se a separação do complexo das actividades comerciais nos dois grupos distintos que o compõem: comércio diferenciado e comércio não diferenciado.
Tal separação exige, obviamente, uma seguindo, análise do problema, aplicando a cada uma das duas partes do complexo, separadamente, os princípios orientadores da integração.
É evidente que não há necessidade de o repetir, quanto ao comércio diferenciado, para o qual já fizemos funcionar os mencionados princípios, tendo concluído pela possibilidade de, quanto a ele, se respeitarem simultâneamente as relações instrumentais e horizontais, negando-se-lhe consequentemente a sua ingerência numa corporação horizontal do comércio.
Há, todavia, que aplicar os princípios da integração ao comércio indiferenciado, porque não se procedeu ainda a esse trabalho.
Será, pois, admissível uma corporação para o comércio misto?
O princípio da simultaneidade, nesta hipótese e ao contrário de há pouco, não pode ter aplicação. Bastará referir que não é possível aqui encontrar complexos económicos relativamente homogéneos para constituir corporações onde pudessem enquadrar-se produtos tão díspares e variados como os vendidos cumulativamente em certos estabelecimentos comerciais. Cite-se uma loja que negocie com artigos de cerâmica, brinquedos, perfumarias e novidades; outra que venda géneros de mercearia, salsicharia, vinhos engarrafados e doçarias; e não precisamos de ir mais longe na imaginação, porque as combinações possíveis e concretas são pràticamente ilimitadas.
Impossível, pois, e quanto ao comércio indiferenciado, satisfazer ao princípio da simultaneidade de relações instrumentais e complementares, porque não haveria corporações, integrantes de complexos homogéneos, que o pudessem abranger na sua multiplicidade e variedade.
E, sendo isso impossível, haverá que fazer funcionar o último princípio, que prescreve a preferência das relações instrumentais, ressalvando apenas os casos particulares que requeiram tratamento especial.
Ora, na verdade, também é impraticável, neste caso, atender à preferência das relações instrumentais, pelos mesmos fundamentos acabados de invocar, ou seja encontrar uma corporação organizada segundo o ciclo dum produto ou de produtos similares que pudesse abarcar a diversidade enorme do comércio misto.
E, sendo assim, caímos necessàriamente na última parte do enunciado desse princípio da preferência instrumental, que admite tratamento específico para os casos particulares. E, realmente, se há casos particulares, este é indubitàvelmente dos mais edificantes.
Em conclusão, só resta uma possibilidade, qual é a de seguir as relações de interdependência complementar e constituir uma corporação do comércio integrando apenas o seu sector indiferenciado, porque a restante actividade mercantil já se viu que segue o ciclo produtivo a que pertence e ao qual está directamente vinculada.
Esta nos parece ser a solução, segundo os princípios estabelecidos.
Raciocinando, porém, fora deles, poderá objectar-se que, por este modo, se corta o comércio em dois blocos, separando artificialmente o que a natureza uniu.
O argumento impressionará muita gente, mas, ao meditar-se um pouco sobre ele, há-de reconhecer-se que só é válido à primeira vista.
Antes de tudo, elucide-se que o comércio não fica separado em dois blocos, mas antes em dez, ou doze, tentos quantas as futuras corporações a criar, de base primàriamente agrícola ou industrial (isto, òbviamente, estando já a admitir como corporações as várias secções da corporação da lavoura e da indústria, previstas na proposta de lei e seu relatório). No fundo, a questão resume-se em passar a existir mais uma divisão do comércio, além daquelas que os ciclos de produção exigem, e tão simplesmente porque este comércio indiferenciado - como se demonstrou - não é susceptível, pràticamente, de integração vertical.
Além disto, que já não é insignificante, recorde-se que o mesmo sucede, afinal, quanto à agricultura e à indústria, cujas actuais secções virão a constituir mais tarde corporações individualizadas, como se julga ter de acontecer, até pela simples força das circunstâncias.
A objecção conjecturada não parece, pois, ter consistência. Objecção lógica, sim, mas não mais custosa de rebater será outra: admitindo que dentro de alguns anos desaparecem as Corporações da Lavoura e da Indústria, pela autonomização natural das suas secções, ficará a função-comércio isolada, sem que apareçam a contrabalançá-la as duas outras grandes funções económicas - indústria e agricultura.
Poderíamos limitar-nos a contestar que se tratava de um mal necessário e que em matéria de integração corporativa convém ter sempre em mente que não pode haver soluções totais, nem óptimas ou perfeitas.
Mas deve acrescentar-se ainda - para tranquilidade de quem suponha erigir-se assim o comércio em potentado dominante - que a força potencial desta corporação não será sequer comparável com a de uma corporação dos cereais, dos vinhos ou dos têxteis, por exemplo. E, por outro lado, é preciso ter também em linha de conta que não é toda a função-comércio que ali está representada, mas talvez a sua parte mais fraca, porque composta quase exclusivamente por comércio retalhista, em geral de dimensões muito reduzidas, muito embora pulverizado em grande número de empresas.
Aliás - e agora para encerrar a discussão - já tivemos o ensejo de expor os dois casos particulares do crédito e dos transportes, que, sendo grandes funções económicas e enfileirando na classificação tradicional ao lado da agricultura, indústria e comércio, também constituem corporações individualizadas.

79. Encaremos de seguida a hipótese da Corporação da Indústria.

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Os princípios orientadores da integração, aplicados a este sector tão vasto, concluem imediatamente pela negativa.
Realmente - e sem alongamentos escusados-, logo o princípio da simultaneidade corta a questão, verificado como está que as actividades industriais podem perfeitamente enquadrar-se em corporações que se subordinem conjuntamente aos dois tipos de relações de interdependência, horizontais e verticais.
Não pode sequer discutir-se - porque estaríamos a argumentar contra factos - a existência de complexos económicos bem delimitados e compreensivos, onde se concentram actividades fortemente vinculadas entre si. Neste caso não devemos raciocinar apenas na base de ser ou não possível formar complexos económicos com as actividades industriais, porque estamos concretamente, e já, em presença de muitos casos em que esses mesmos complexos aparecem naturalmente estruturados na sucessão do tempo. Citemos exemplos frisantes, como os têxteis, a construção civil e materiais de construção, a metalurgia, a metalomecânica, os combustíveis, a energia, as indústrias extractivas, o vidro, a cerâmica, o vestuário, o calçado, o papel e tantos outros.
Pode asseverar-se até que a dificuldade neste vasto sector não rara de modo algum investigar quais os complexos económicos existentes, mas antes, e em escala mais complicada, intentar agrupá-los uns com outros, consoante as suas maiores afinidades, em ordem a constituir com eles um número de corporações que não seja exagerado, sobretudo quando o desenvolvimento industrial, em certos domínios, não atingiu ainda nível que se concilie com o conceito que temos da corporação e a correspondente medida que lhe arbitramos.
Importa, pois - e repetimos ser essa a tarefa dificultosa -, reunir por vezes um ou mais complexos económicos na mesma corporação. E assim, porventura, constituir uma só corporação com a «construção civil, o vidro e a cerâmica», bem como reunir a «metalurgia e mecânica», e «vestuário e calçado» e a «energia, combustíveis e indústrias extractivas».
É este um trabalho que requer análise circunstanciada da estrutura económica nacional, em sectores mais vastos ou parcelares. Impõe-se determinar as relações estruturais que se desenvolvem no interior de cada um desses complexos económicos e nas suas ligações com os outros, como também averiguar da quantidade de mão-de-obra utilizada, do «valor acrescentado» (contribuição para o «produto nacional»), do valor da produção, do volume de investimentos e de tantos outros índices imprescindíveis que permitam uma obra séria, orientada para esse objectivo final de constituir as corporações.
Para tanto há-de ter-se em vista edificar um conjunto equilibrado e evitar, tanto quanto possível, que apareça a estatura de um gigante a ombrear com um corpo liliputiano. Qualquer critério de integração que esqueça ou minimize esta visão do problema tem de considerar-se anticorporativo, sabido, como é que o corporativismo traz implícito, entre tantos outros, um conceito de equilíbrio e harmonia.
Em síntese: é inadmissível uma corporação da indústria onde apareçam, vinculadas quase exclusivamente pelas suas relações de interdependência complementar, actividades que a economia, concreta já estruturalmente ligou e cimentou na sua verdadeira direcção, porque real - o enfiamento do ciclo produtivo, no sentido da verticalidade.
É olhar, mesmo superficialmente, para os casos concretos acima exemplificados e atingir-se-á logo o convencimento de uma realidade patente. Coloque-se a
metalurgia ao lado do vestuário, a energia com o calçado, os combustíveis com a construção civil, o papel com a cerâmica, os têxteis com as indústrias extractivas e façamos outras tantas combinações possíveis: chegaremos fatalmente à conclusão de estarmos perante qualquer coisa de artificial ao concebermos uma corporação para a indústria.
Não se negam, por certo, os laços de horizontalidade que prendem algumas actividades industriais umas às outras; e de tal modo o reconhecemos que até se aproveitaram algumas dessas afinidades para fundamentar que se reunissem na mesma corporação mais do que um complexo económico bem definido é compartimentado. Mas, mesmo assim, não deve abstrair-se de que, normalmente, seria preferível destinar uma corporação a coda grupo de actividades industriais, suficientemente individualizado; e só outras razões sobretudo a necessidade de obter um conjunto harmónico nos podem forçar a uma solução de compromisso equilibraste e viável.
Não se nega a existência de um traço comum entre todas as actividades industriais, que é o desempenho da mesma função-indústria. Mas ele é tão débil e fluido que não chega a saber-se em que consiste, nem admite qualquer comparação, longínqua que seja, com essa cadeia de aço que amarra o industrial ao produtor, pela matéria-prima, e ao comerciante, pelo produto acabado.
Isto, evidentemente, sem ter em atenção ainda o que de colossal teria uma corporação da indústria ao lado de uma grande maioria de corporações de projecção mais reduzida. E, noutros aspectos, ainda a salientar: a dispersão e falta de tecnicidade que teria de inferiorizar essa corporação, prejudicando o seu carácter de órgão especializado; as dificuldades na representação de todas as suas categorias económicas; a largueza numérica do conselho da corporação, a verificar-se ali uma conveniente representação das múltiplas actividades integrados; e tantos outros defeitos que haveria de ocasionar um organismo com essa compleição, predominantemente moldado em relações de interdependência complementares.
Mas não pretendemos entrar pelo desenvolvimento de todos estes pormenores, e alguns outros haveria ainda que lhes juntar. Isto porque, tendo-se dito já «o mais», não valerá a pena insistir muito «no menos».
No entanto, há que fazer, agora em contrário das conclusões a que chegámos, uma observação relevante, em que já se tocou ao examinar a corporação do comércio.
Verifica-se, também neste caso o fenómeno já destacado então de haver relações de instrumentalidade de «ciclo reduzido» entre algumas actividades industriais integradas na corporação da indústria. Assim, por exemplo, é notório que as indústrias extractivas abastecem de matéria-prima a «metalurgia e mecânica» e esta, por seu turno, pode fornecer equipamento industrial ao «vestuário e calçado». E o facto repetir-se-á sempre que a matéria-prima utilizada por certa indústria seja de produção tipicamente industrial, isto é, quando uma determinada indústria se abasteça do próprio sector industrial, e não do agrícola.
Nestas condições dir-se-ia, com fundamento, que a corporação da indústria estava, afinal, organizada também segundo a orientação vertical. Embora o facto não possa negar-se, como também não foi contestado a propósito da corporação do comércio, é imperioso atender-se a certas particularidades que destroem a força do argumento, substancial apenas numa primeira impressão.
Antes do mais, o fenómeno é parcial. Desenvolve-se apenas entre algumas indústrias, se de modo algum

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abranger o seu conjunto, tendo, portanto, de considerar-se facto secundário na totalidade da corporação. Esta, como corporação da indústria, encontra-se organizada numa linha gemi de horizontalidade; e tão-sòmente algumas das suas parcelas isoladamente consideradas é que desenvolvem entre si relações de tipo instrumental.
Esta razão é já de si operosa; mas existe outra com certeza mais decisiva. É que mesmo essas relações de instrumentalidade parcial, agora em causa, não englobam mais do que uma fase do ciclo de produção - o elo: produção da matéria-prima e indústria transformadora. Deixam, pois, inteiramente de fora essa outra cadeia fundamental, que é representada pela segunda fase do ciclo: a ligação indústria-comércio.
Trata-se, portanto e uma vez mais, de um ciclo de produção reduzido, digamos, apenas metade do ciclo, facto que, òbviamente, retira a estas relações em análise o seu verdadeiro carácter de relações de instrumentalidade, na acepção ampla em que a expressão é tomada, ou seja abarcando todo o ciclo produtivo desde a produção da matéria-prima até ao consumo.
E assim se julgou que na análise feita para aplicação dos princípios integradores à corporação da indústria não fosse lícito entrar em função com esta particularidade instrumental de características tão precárias.

80. E resta-nos - para termo desta já longa digressão crítica à volta do critério da função económica - pôr em foco a hipótese duma Corporação da Lavoura.
Esta corporação não satisfaz também ao princípio da simultaneidade que formulámos. Na verdade, não é possível num corpo que reúna toda a lavoura, mas ela apenas, respeitar a interdependência vertical, e por isso, pràticamente, são de complementaridade as únicas relações de interdependência a que a corporação da agricultura se submete.
Não se subordinando esta corporação ao princípio da simultaneidade, o problema que se levanta, em face do mecanismo de raciocínio até agora seguido, é o de saber se há possibilidade de organizar as actividades agrícolas com sujeição àquele princípio. E, se a houver, será essa a forma que deve adoptar-se, rejeitando-se, consequentemente, a concepção duma corporação da agricultura.
Ora a realidade do nosso sector agrícola - realidade económica, acentue-se - evidencia, sem qualquer esforço de penetração, a existência de certos complexos económicos bem individualizados, tais como: trigo, arroz, vinho do Porto, vinhos comuns, cortiça, madeiras, resinosos, pecuária, azeite, frutas e produtos hortícolas.
Talvez, em melhor critério, não sejam estes os verdadeiros complexos económicos, mas alguns agrupamentos deles derivados, nomeadamente e pela ordem da sua enumeração anterior: cereais, vinhos, produtos florestais, pecuária e produtos agrícolas não diferenciados.
Dentro destes vários complexos económicos desenvolvem-se relações estreitas entre a produção agrícola, a indústria e o comércio, laços de tal maneira comprovados que, salvo excepções despiciendas, foram criados, para a todos articular, os organismos de coordenação económica correspondentes, os quais - como já tivemos ocasião de salientar - se sentiram naturalmente arrastados a ultrapassar as suas funções coordenadoras originais, passando a breve trecho a dominar em todo o respectivo ciclo de produção.
Ora, se assim é, está verificada a condição - implícita naquele princípio - da viabilidade de instituir corporações para os complexos económicos da actividade agrícola, respeitando conjuntamente as relações de interdependência, horizontais e verticais. Imediata e consequentemente, resulta de tal facto a inadmissibilidade dum tipo de corporação, como o da agricultura, em que só funcionam, pràticamente, as relações de horizontalidade.
É certo que pode vir objectar-se, ainda outra vez, que, no conjunto desta corporação total da agricultura, também podem verificar-se algumas relações de instrumentalidade. Mas elas são tão escassas que, tendo sido afastadas como inoperantes no caso mais frisante da corporação da indústria, não deveriam agora merecer uma simples referência.
A observação, com algum valimento, que poderá trazer-se a terreiro, nesta hipótese da agricultura, é a seguinte: sendo a produção agrícola, como norma, indiferenciada, e tendo-se verificado, para o caso do comércio misto, a necessidade de criar uma corporação do comércio, também agora, e por maioria de razão, se deveria instituir uma corporação para a agricultura, visto que o sector agrícola não se apresento diferenciado.
E continuar-se-ia, em lógica crescente: se no caso da função-comércio, apesar de haver as duas zonas diferenciadas e não diferenciada-, se reconheceu a exigência duma corporação para esta última, agora, e por dupla razão, se justifica o mesmo procedimento para a agricultura, onde preside a regra geral da indiferenciação.
Ao raciocinar assim não se atentou numa particularidade essencial que separa nitidamente as duas hipóteses em confronto. É que a indiferenciação, no caso do comércio, está no extremo ou vértice do ciclo de produção; e, como tal, já não há mais nenhum escalão superior, onde possa operar-se a concentração ou centralização dos múltiplos e variados produtos que o lojista tem à venda. Seria querer o absurdo tentar essa especialização, porque se está, repetimos, na fase última do ciclo produtivo: o comércio tem o consumo como seu interlocutor directo.
Na agricultura, como já se está calculando, a hipótese é exactamente inversa. É ali, no produtor agrícola, que o ciclo se inicia; e sobe-se, em especialização e concentração, à medida que se avança. Ali está o «composto» donde se hão-de destacar os «simples»; ali vai o industrial têxtil buscar a lã, separando-a do composto agro-pecuário, assim como o exportador de vinho do Porto, o industrial de moagem ou de conservas de frutas, o comerciante de cumes ou o armazenista de mercearia.
É todo um processo de especialização à medida que se caminha no ciclo produtivo - hipótese polarmente oposta à do comércio misto, cuja função, é misturar, pela segunda vez, o que a indústria havia já diferenciado e especializado. Dirige-se ao produtor (ou armazenista) de vinho para adquirir os qualidades de que necessita para fornecer o seu estabelecimento de pastelaria, mas vai também à indústria de moagem comprar a farinha que labora, e ao industrial de bolachas, de chocolates, de conservas de frutas, etc.
Não estamos, pois, autorizados a estabelecer qualquer paralelo entre os dois casos - comércio indiferenciado , e agricultura. Como tal, as peculiaridades do sector agrícola, se as tem, hão-de ser examinadas sem termos de comparação, pensando-as isoladamente, ao menos neste pormenor que vimos analisando.
E prossigamos, então, no intuito de anotar mais algumas observações a respeito da indiferenciação, como traço peculiar da produção agrícola.
Aceita-se como válido o reparo que poderá trazer-se à discussão ao asseverar que nos encontramos perante uma dificuldade quando pretendemos instituir várias corporações agrícolas de tipo diferenciado par-

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tindo duma base constituída por grémios da lavoura não diferenciados.
A pretensão seria descabida e toda a construção projectada haveria de julgar-se artificial ou falsa se não fora a circunstância feliz de os próprios grémios da lavoura, e apesar de indiferenciados, serem susceptíveis duma diferenciação interna por secções, facto que não é pura regra de lei; mas concretamente se patenteia em tantos desses organismos primários.
Nestes termos, perde grande parte do alcance o argumento que se alicerça sobre esse carácter indiferenciado da base para concluir por um vértice também indiferenciado - a corporação da agricultura.
Reconhecendo, embora, que a possibilidade de diferenciação já nos próprios grémios da lavoura é um elemento valioso para a tese, que temos sustentado, de várias corporações agrícolas diferenciadas, podemos declarar, no entanto, que não é preciso descer tão longe, indo buscar a especialização ao organismo do primeiro grau, e nem sequer convém fazê-lo.
A solução de todo este problema parece estar, realmente, no grau intermédio da hierarquia corporativa agrícola: está nas federações de grémios da lavoura. Aqui, sem qualquer assomo de dúvida, não é apenas conveniente mas antes se impõe uma diversificação segundo os ramos fundamentais da produção agro-pecuária. E é também nas federações de grémios que, dentro da maior simplicidade, iremos recrutar os representantes desses ramos especializados da produção agrícola.
Enfim, não se descortinam motivos, na ordem económica ou no domínio dos problemas de organização, que possam pôr em dúvida o resultado da aplicação desse princípio da simultaneidade, que tão útil nos tem sido, para desbravar o caminho dos critérios de integração.
No almejado fim de obtermos uma solução racional, lógica e equilibrada deste magno problema, intentámos enfrentá-lo na sua totalidade e mediante um processo de raciocínio uniforme que pudesse assegurar-nos uma necessária objectividade.
E só mais adiante, ao apreciarmos o critério adoptado na presente proposta de lei, entraremos em outra ordem de considerações, que para esta altura se julgaram menos oportunas.

81. Examinados que foram os três critérios de integração - do produto, da categoria e da função económica -, falta apenas pôr em relevo o critério que postula os grandes ramos da produção.
Se «os últimos serão os primeiros», neste caso dos critérios de integração corporativa o asserto tem plena validade.
Com efeito, o critério dos grandes ramos de produção repousa substancialmente na ideia de pesquisar, no conjunto das actividades económicas, os seus compartimentos bem individualizados s forjar para cada um deles uma corporação.
Está-se, deste modo e por definição, dentro do princípio da simultaneidade, e em toda a amplitude que ele comporta. Com efeito, se esses compartimentos de actividades - ou complexos económicos - que se preconizam para a integração corporativa se definem precisamente por um conjunto de actividades económicas dentro do qual se desenvolvem estreitas relações de interdependência em todos os sentidos, caímos em cheio no princípio da simultaneidade, que não quer significar outra coisa.
À face deste princípio, o critério «dos ramos, fundamentais da produção» apresenta-se, pois, como o único inteiramente válido. E, se quisermos exemplificar, tendo em vista o caso português, podemos apresentar, entre outras, as seguintes corporações, que abrangem grandes compartimentos de actividades, suficientemente expressivos e delimitados: dos cereais, dos vinhos, dos têxteis, da construção civil e materiais de construção.
Mas, ao afirmarmos ser este o critério inteiramente válido, pode ver-se nisso algum exagero; e convém deixar esclarecida tão arriscada afirmação.
Um primeiro esclarecimento reporta-se à circunstância de a validade do critério ter de ser entendida dentro do conjunto de princípios enunciados. E, assim, se o critério «dos ramos fundamentais da produção» satisfaz plenamente ao mais importante princípio desse conjunto, que é o da simultaneidade, tal não exclui, òbviamente, o facto de se encontrar uma actividade económica em que não seja possível a sujeição aos dois tipos de relações de interdependência horizontais e verticais; e essa, evidentemente, não poderá ter integração corporativa segundo o critério de que nos estamos ocupando. De outro modo não teria havido necessidade de formular um outro princípio subsidiário - o da preferência instrumental-, exactamente para prever a hipótese de uma qualquer actividade não poder subordinar-se ao ideal da simultaneidade.
Daqui poderia tirar-se a ilação de que, afinal, o critério indicado se reduzia à precária situação de todos os outros, visto só ser aplicável na hipótese da possibilidade de respeitar, para uma certa actividade ou conjunto de actividades económicas, as duas espécies de relações instrumentais e complementares.
Prova-se que não é assim, e por modo inequívoco.
Atente-se desde já em que, através de toda a nossa exposição - onde parece terem sido previstas as actividades económicas fundamentais-, apenas não satisfez absolutamente ao princípio da simultaneidade, e portanto ao critério «dos grandes ramos de produção», o caso de uma actividade muito específica: o comércio indiferenciado. E só relativamente lhe não deram satisfação outras duas actividades também muito particulares: o crédito e os transportes.
Há-de concordar-se, pois - admitindo que não houve qualquer omissão involuntária, de que nos penitenciamos-, ser lícito afirmar-se que o aludido critério tem uma validade quase geral. E não deve esquecer-se também que, na verdade, aqueles três casos indicados constituem compartimentos económicos muito sui generis. Mas, como anotámos na altura própria, seria possível, sem grande esforço de artificialismo, reduzir a um só os três casos apontados. Assim, e pelo que respeita aos transportes e crédito, logo na altura em que examinámos o caso foi chamada a atenção para a circunstância especial de, no meio interno das próprias actividades transportadora e creditícia, aparecerem, nítidas relações de instrumentalidade. E, com tal fundamento, pudemos concluir ser admissível a aplicação do princípio da simultaneidade aos sectores dos transportes e do crédito.
A procedermos nessa orientação aceitável, ficava automàticamente reduzida apenas ao comércio indiferenciado a lista de inaplicabilidades do critério «dos ramos fundamentais da produção», por isso que este passaria a abranger também os transportes e o crédito.
E realmente nada repugna e até tudo aconselha a considerar os transportes e o crédito como «grandes ramos de produção» - tomada a palavra «produção» num significado económico extensivo.
Em resumo: do campo de aplicabilidade do critério em referência apenas ficaria exceptuado o comércio misto; e, querendo fornecer uma imagem ainda mais vincada do contraste, dir-se-ia que, entre a mancha larguíssima das três funções económicas básicas - agricultura, indústria e comércio-, só uma pequena zona, que

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não altera a visão geral do problema e é constituída pelo comércio indiferenciado, estaria fora da sua jurisdição.
Não será preciso mais para que o critério «dos grandes ramos de produção» se situe a uma distância enorme de todos os outros, inclusivamente do «da função económica», com o qual é de uso pô-lo em confronto. E supõe-se não cometer exagero quem o apresente como critério geral de integração corporativa.
De resto, não foi por acaso que na Itália se enveredou decididamente por este critério - com a série de decretos de 29 de Maio e de 9 e 23 de Junho de 1934, na sequência do estatuto regulador da corporação (a lei de 5 de Fevereiro de 1934) -, prescrevendo-se vinte é duas corporações: oito de ciclo produtivo agrícola, industrial e comercial; oito de ciclo industrial e comercial, e seis relativas às actividades produtoras de serviços. E tão longe do mero acaso quanto é certo terem sido esses diplomas precedidos de trabalhos longos e aturados, além de uma laboriosa discussão em dois convegni reunidos nas cidades de Roma e Ferrara, em cujos prolongados debates sobre a corporação - incidindo sobretudo neste problema da integração corporativa - intervieram alguns dos maiores nomes do corporativismo italiano. São, é certo, essencialmente distintos os dois regimes - o que existiu em Itália e o que vigora em Portugal, este antitotalitário por excelência-, mss, para o aspecto técnico e organizativo que nos ocupa, e por estar só em causa o problema das actividades económico-sociais, não seria lícito menosprezar os subsídios que a experiência alheia nos pode fornecer.
A ideia fundamental a que se chegou na elaboração doutrinária italiana acerca da integração corporativa no organismo superior - foi de que as actividades a enquadrar na corporação deviam constituir complexos económicos tão harmónicos e homogéneos quanto possível, por forma a obter-se um número de corporações que, sem ser diminuto, também não fosse excessivo. E tal significa que o critério geral de integração só poderia ser o «dos grandes ramos da produção», como concretamente veio a verificar-se com os decretos de 1934 acima citados. Isto porque só ele assenta precisamente na simultaneidade das duas ordens de relações de interdependência - complementares e instrumentais - que se desenvolvem na vida interior desses complexos económicos.
Não vá supor-se, contudo, que a adopção deste critério pode resolver totalmente os problemas que a integração corporativa suscita. Já houve ocasião de afirmar, e reafirma-se agora, que nesta matéria não pode haver critérios perfeitos ou óptimos, mas apenas - e isso de certeza - existe um critério melhor do que os outros.
É com semelhante espírito que tem de enfrentar-se o problema da integração. E foi este imperativo, decorrente da múltipla diversidade da natureza, em geral, e da vida económica, em particular, que levou uma das figuras gradas do corporativismo italiano (Guido Bartoloto) a escrever que:

Por uma razão implícita na própria realidade das coisas, todas as classificações e todos os reagrupamentos da actividade económica, por mais compreensivos que possam ser, deixam escapar algumas actividades não reconduzíveis a qualquer das categorias predeterminadas. No entanto, a vida das corporações poderá sugerir modificações baseadas na sua própria experiência.

82. E ainda antes de entrar no exame da proposta de lei e seu relatório, na parte em que os dois documentos tratam deste assunto, convém deixar cair uma palavra acerca do mecanismo de raciocínio que foi seguido em todo este parágrafo do parecer.
Repousou, todo esse mecanismo, numa rápida elaboração de dados estruturais recolhidos pela observação do concreto económico e no estabelecimento de princípios que servissem de instrumento cómodo e objectivo para uma análise dos vários critérios de integração corporativa que têm sido preconizados.
Ficou reconhecida, por certo, a conveniência de utilizar um processo de análise que facilitasse o trabalho a empreender e permitisse, ao menos, mensurar todos esses critérios com medida comum e objectiva, além da vantagem incontestável de evitar que nos perdêssemos em divagações, que naturalmente quebrariam a linha geral do pensamento. Outra vantagem ainda parece ter sido a de não termos de estar, como norma, a rebater argumentos com argumentos, e tantas vezes, com certeza, sem padrão certo para os valorar, podendo uma questão, examinada sob certo aspecto, conduzir a um resultado positivo, e a mesma questão, sob ângulo diferente, a um resultado negativo.
Não tivemos, em regra, obstáculos desta natureza, e o exame dos critérios pôde decorrer rectilíneo e, também se supõe, com alguma clareza.
Tudo isto parece certo. Mas não pode abstrair-se de que todo este trabalho de análise valerá o que valerem os princípios sobre os quais assenta integralmente. Por outras palavras, se no exame dos dados da estrutura económica para a pesquisa dos princípios, na elaboração destes ou na sua formulação se cometeram erros ou omissões fundamentais, ou, ainda, se no encadeamento das deduções houve prejuízos de raciocínio, também fundamenteis, o edifício construído vacilará sobre as suas frágeis fundações.
Pois bem: julga-se não ser natural - no âmbito de fenómenos tão gerais e comprovados em que nos circunscrevemos e no tipo de deduções lineares a que nos encostámos - poderem existir grandes probabilidades de erro.
Além disso, parece certo que, pelo menos, o princípio mais importante de que se partiu - da simultaneidade dos dois tipos de relações de interdependência (instrumentais e complementares) nos grandes compartimentos das actividades económicas - não poderá vir a ser contestado, por mais fundo ou minucioso que venha a ser feito o exame da estrutura económica e por mais rigorosos ou perfeitos que sejam os processos, científicos utilizados. E, se assim sucedesse, só poderia pôr-se em dúvida o segundo princípio - o da preferência instrumental-, do qual fizemos aplicação muito restrita, pelo que, mesmo na hipótese da sua invalidação, não ficaria comprometida a linha geral das conclusões a que chegámos.

or dever de honestidade mental se declara, porém, quão desejável seria - se o tempo o permitisse - ter podido fazer o estudo do problema em maior profundidade e na base de todos os elementos da estrutura económica de que pudéssemos dispor. Só assim a consciência haveria de ficar em tranquilidade e se teriam podido poupar, por já terem cabimento, estas poucas linhas de justificação.

§ 25.º

O critério de Integração adoptado na proposta de lei

83. Na base XIV da proposta de lei em apreciação prescreve-se para já a instituição de seis corporações:

a) Corporação da Lavoura;
b) Corporação da Indústria;
c) Corporação do Comércio;
d) Corporação dos Transportes e Turismo;

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e) Corporação do Crédito e Seguros;
f) Corporação da Pesca e Conservas.

Tal significa que o critério adoptado para a integração corporativa foi o «da função económica» ou «das grandes actividades económicas», com uma única excepção para o caso da «pesca e conservas», relativamente ao qual se optou pelo critério «dos grandes ramos de produção».
Nada a opor, portanto, quanto a esta Corporação da Pesca e Conservas, que já aparece moldada em harmonia com as conclusões a que nos conduziu a análise efectuada no parágrafo anterior. Aliás, o relatório da proposta de lei justifica por modo tão concludente a conveniência em se instituir uma corporação para este sector de actividades que seria redundante traduzir em forma mais apagada, as mesmas ideias que ali se encontram excelentemente expostas.
A mesma concordância com as anteriores, conclusões do parecer se manifesta em relação às duas Corporações do Crédito e dos Transportes, que por si mesmas se fundamentam, como compartimentos específicos e bem delimitados no acervo das actividades económicas nacionais.
A circunstância de se integrar o turismo na Corporação dos Transportes, como sua actividade complementar também não prejudica em nada o esquema de raciocínio segundo o qual se orientou o presente parecer, antes, e até, o poderá porventura valorizar.
Quanto à reunião do crédito com os seguros, na mesma corporação, já antes se salientou que as duas actividades, bancária e seguradora, não mantêm entre si quaisquer importantes relações de interdependência. E, por isso, a sua junção só poderá justificar-se pela necessidade de evitar um número excessivo de corporações.
O mesmo se poderá dizer a propósito de uma «Corporação do Crédito e Previdência», fórmula que constitui a sugestão mais frequente dos estudiosos e tem maior amplitude, visto a previdência abranger outras actividades além dos seguros. Mas é suficientemente compreensível o processo adoptado na proposta de lei, dado que a previdência social está submetida no nosso país a um regime peculiar e ainda não completamente definido pelo que respeita ao seu rumo mais vantajoso.
A resolução definitiva quanto a uma Corporação do Crédito e Previdência parece, pois, dever aguardar uma evolução ainda em curso, figurando-se cautelosa e sensata a maneira por que o problema foi equacionado na proposta de lei.
E, abandonados definitivamente estes casos de somenos importância, porque sobre eles não surgem discrepâncias, vai proceder-se seguidamente ao exame do problema capital e nevrálgico que a proposta de lei trouxe ao terreiro da discussão.
Queremos referir-nos, como ninguém ignora, à trilogia de Corporações da Lavoura, da Indústria e do Comércio, que se projecta instituir no nosso país, optando-se deliberadamente, quanto a estas actividades económicas básicas e vastíssimas, pelo critério integrador, que vimos ser o «da função económica» ou «das grandes actividades económicas».
Para a crítica desta solução torna-se imperioso analisar o relatório da proposta de lei, onde se condensam os seus fundamentos, tudo no intuito de investigar as razões determinantes do pensamento que a ditou.
É o trabalho a que vai proceder-se de seguida, não sem aproveitar esta primeira oportunidade que directamente se apresenta para render o merecido preito ao notável documento objecto da nossa análise, cuja elevação, tanto na forma como nos conceitos, honra sobremaneira quem o subscreveu. E não deixaremos de registar, com sincero desvanecimento e caloroso aplauso, a linha geral de orientação que o anima, o acto de fé corporativa que o informa de alto a baixo e a fortaleza de espírito que o enobrece.
A Câmara sente-se no dever de o registar.

84. As longas considerações que o relatório encerra sobre o problema nuclear e palpitante da integração corporativa demonstram à saturação, e só por si, que não se passou ligeiramente sobre o assunto, antes se lhe dedicou a maior atenção.
A parte justificativa a ele pertinente foi, de todas e a uma grande distância, aquela que mereceu maior desenvolvimento. E por tal facto uma razão de método impõe-nos que compartimentemos a matéria, por forma a evitarmos dois defeitos de exposição, que haveriam de prejudicar mais ainda aquela clareza que, mesmo sem isso, já não passará de mediana.
Para não incorrermos, pois, e tanto quanto possível, nesses dois pecados - de omissão ou de repetição-, que certamente perturbariam a marcha da nossa elaboração crítica, parece conveniente considerar o relatório primeiro na parte em que se aproxima das conclusões já tiradas sobre os critérios de integração e só depois naquela em que se afasta nitidamente do resultado a que nos conduziram os princípios integradores antes enunciados.
Esta separação de matérias, além de facultar uma análise mais lógica, tem ainda a vantagem de permitir uma marcha de raciocínio segundo o esquema já utilizado, partindo do «simples» para o «complexo» e afastando mais ràpidamente o primeiro, para nos podermos centrar em exclusivo sobre o segundo, onde se exigem mais desenvolvidas explanações.
Na parte do relatório por onde se vai começar (o n.º 15) admite-se a «possibilidade de futura dissociação das (corporações) que vão agora instituir-se ou a criação de outras, em obediência a novos pontos de vista».
Faz-se aqui a declaração de uma possível viragem de rumo, certamente inclinada para o critério «dos grandes ramos de produção», como se infere dos esclarecimentos alinhados mais adiante. E, esta declaração se, por um lado, tem o mérito duma leal e confessada vontade de acertar, caminhando sobre os ensinamentos da experiência, por outro, demonstra não existir uma ideia firme sobre esse problema tão importante das relações de interdependência nos grandes compartimentos de actividades que compõem a economia de qualquer país.
Orientada nesse sentido, a análise empreendida no anterior parágrafo deste parecer, mesmo superficial como foi, mostra-se bastante elucidativa. Mas, quando o não fosse, quando a simples observação da realidade económica não bastasse, haveria toda a possibilidade de fazer um estudo aprofundado do problema, e determinar-se-ia então, com rigor, o valor quantitativo e qualitativo dessas íntimas relações de empresa para empresa.
O mais grave, porém, não está aqui. Está, sim, no facto de não ser processo aconselhável reunir agora, pelos laços da horizontalidade, um grande conjunto de actividades, como a indústria, a agricultura ou o comércio; fomentar, durante anos sucessivos, o estreitamento dessas vagas relações complementares; trabalhar, concomitantemente, para o afrouxamento das mais intensas relações, que geralmente são as do ciclo produtivo - tudo para, ao fim desses anos sucessivos, empreender uma tarefa em sentido exactamente contrário.
Na verdade, a seguir-se tal processo, estava-se deliberadamente a erguer uma obra, para em seguida a destruir. Nem de outro modo pode entender-se essa even-

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tualidade de, ao cabo de alguns anos, depois dum esforço na direcção horizontal e em detrimento da vertical, se passar a proceder ao invés, desprezando as relações complementares (por hipótese já mais cimentadas), para fazer prevalecer as relações do ciclo de produção (por hipótese mais enfraquecidas).
A salientar a gravidade de semelhante situação está ainda a circunstância ponderosa de se estar a interferir no plano concreto da vida económica, a bulir com empresas e com dados de estrutura, que as necessidades e o tempo espontaneamente foram consolidando, bem como a promover, não só justificadas reacções, mas ainda uma verdadeira desorientação nos espíritos. A outro resultado não poderia conduzir, por certo, o agir-se agora num certo sentido, para depois desfazer tudo com uma actuação diametralmente oposta.
Não será preciso insistir mais mesta (argumentação para concluir que mão é processo aconselhável o caminho aventado no relatório da proposta de lei. E não parece possível - aliás, só por mera hipótese o consideramos- que se responda a tudo quanto se disse com a alegação de que, por exemplo, uma Corporação da Indústria ou da Lavoura não procura fomentar os laços de complementaridade entre as actividades nela integradas, em detrimento do seu ciclo de produção.
Quando alguém assim o entendesse - repete-se, mera hipótese -, toda esta questão se complicaria muito mais, porque estava aí o reconhecimento tácito de que essas corporações eram uma criação artificial, qualquer coisa de inexpressivo ou sem sentido; e a tal ponto que nem valia a pena intensificar esses laços horizontais, de cuja realidade se partiu, nem afrouxar os outros, que se tinham menosprezado.
Admitida, só em teoria, uma justificação como essa, ela implicava automaticamente a prova dum erro de origem ou a confissão de que o caminho contrário teria sido o verdadeiro rumo.
Outras objecções se poderiam, porventura trazer à discussão, anãs essas levan-tá-las-emos ein altura mais apropriada, que surgirá ao examinarmos a parte em que o relatório se afasta completamente dos resultados a que se chegou no parágrafo anterior deste parecer.
Pelo momento, interessa tirar uma primeira conclusão: por mais meritória que seja a vontade de acertar, com base nos ensinamentos a recolher experimentalmente, tal aspiração terá de pôr-se de parte sempre que se pretenda iniciar a experiência num sentido, paira depois se acabar por outro completamente antagónico. Mais sério e arriscado semelhante processo de acção e reacção quando se trabalha com empresas, com homens, com a realidade humana e social.
Outra conclusão, ainda corolário ilógico dai anterior, seira esta: no ponto concreto que estamos a ventilar não parece aconselhável outro caminho que não seja estudar a realidade económica, colher dela os seus traças fundamentais, meditar o necessário sobre eles e, realizada que seja a tarefa, definir e firmar um critério de integração; depois aplicá-lo.
Quando se diz um critério quer dizer-se «um» para cada caso concreto; mas só um. Parece ter-se provado, realmente, que não pode partir-se, neste campo em que nos situámos, de dois critérios ao mesmo tempo: um para o começo e outro para mais tarde.

85. Enfrentada como o foi esta primeira questão fundamental que o relatório levanta, continuemos o nosso exame, sendo forçoso transcrever dali algumas passagens mais extensas, onde se desenvolve e esclarece a primeira afirmação que acabámos de comentar. Ei-las:
Nem se poderia pôr de parte, em princípio, a ideia da eventual criação, em tempo oportuno, de corporações destinadas a abranger separadamente as indústrias têxteis, as metalomecânicas, as da alimentação e a da construção e materiais de construção e outras. Na altura própria, isto é, logo que a experiência se apresente suficientemente esclarecedora e a organização corporativa primária e intermédia integre todos os ramos da indústria, se verificará se é necessário constituir novas corporações, e se estas devem agrupar todas ou parte das actividades ligadas ao ciclo produtivo, desde a produção ao fabrico e à venda. Na verdade, só os resultados do funcionamento das corporações agora anunciadas poderão permitir que se tome posição firme sobre se algumas das suas secções podem ou devem, autonomizar-se ou se, pelo contrário, hão-de manter-se os critérios consagrados nesta fase inicial (n.° 15).
Foi longa a transcrição, mas houve o empenho de nada deixar em claro, dado o melindre e a importância do problema.
Por aqui se pode avaliar que a interpretação feita há pouco corresponde inteiramente ao pensamento expresso no relatório, e, com a devida vénia, sublinharam-se os passos mais comprovativas desse pensamento. Para melhor elucidação, até, o relatório exemplifica com o caso da Corporação da Indústria e as suas correspondentes secções, que possivelmente viriam a constituir futuras corporações, ficando para resolver «se estas devem agrupar todas ou parte das actividades ligadas ao ciclo produtivo, desde a produção ao fabrico e à venda».
A ideia está posta sem subterfúgios; e não vamos reeditar a argumentação já produzida sobre ela. Mas repare-se que são trazidos agora novos elementos ao processo e urge, portanto, «produzir prova» também acerca deles.
Assim, transparece já, clara e bem vincada, a dúvida a respeito dessa possível mudança de direcção, podendo bem acontecer «manter-se os critérios consagrados nesta fase inicial», como se acrescenta mas últimas linhas dos períodos que acima se transcreveram.
As dúvidas que o relatório tão abertamente assinala põem já a descoberto uma convicção sobre as maiores , possibilidades do critério «da função económica» -relativamente à indústria, agricultura e comércio - quando posto em confronto com aquele que mais geralmente se preconiza, e é o «dos grandes ramos de produção».
O facto não tem de surpreender, provado como está que foi aquele primeiro critério o adoptado na proposta de lei. E é realmente neste plano que a questão deve ser posta com toda a claridade, para se poderem estremar bem os dois campos opostos em que a luta de ideias - franca, leal e puramente construtiva - terá de desenhar-se.
Neste sentido, e para que não haja interferências perturbadoras na consideração do assunto, de ora em diante vamos colocar as duas teses em presença, admitindo, para comodidade e melhor dilucidação do problema, que o relatório não aceita como bom o critério integrador dos «grandes ramos de produção», acantonando-se apenas na solução «das grandes actividades económicas».
Aliás, supõe-se não errar ao admitir que a posição do relatório é essa no fundo, quanto ao sector da agricultura, dada a justificação, convicta e sem reservas, que ali se faz duma Corporação da Lavoura, conforme se dirá um pouco adiante. As dúvidas, pois, em manter o critério consagrado na proposta de lei parece reportarem-se apenas - ou, com muito boa vontade, reportarem-se principalmente - ao compartimento das actividades industriais e comerciais.

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E, se não fora a preocupação - neste caso bem compreensível - de referir tudo quanto no relatório exprime um contributo esclarecedor, daríamos já por encerrada a matéria desta primeira parte em que dividimos a nossa exposição. Mas convém ainda destacar uma última passagem -no n.º 16- onde aparece uma nova razão justificativa: .

Não se tomam, nem seria prudente tomar, posições definitivas em matéria tão delicada. Sabe-se bem que a vida social, na riqueza e multiplicidade das suas manifestações, é por demais complexa para que seja possível atingir, sem a lição da experiência, o perfeito enquadramento corporativo das várias actividades nacionais. No propósito de não sacrificar as conveniências da vida à tentação de soluções rígidas e geométricas, atende-se já ao critério «do grande ramo de produção» no que se refere à Corporação da Pesca e Conservas.

Toca-se aqui num ponto fundamental, que é o necessário afeiçoamento das instituições corporativas à realidade da vida. E, na verdade, se há sistema de organização social que parta essencialmente dessa premissa, esse é, com certeza, o sistema. corporativo, que todo se informa e estrutura numa base institucional.
Mas precisamente porque assim acontece, porque a ideia corporativa parte da multiplicidade e variedade da vida, na ordem económica ou em qualquer outra, é que mais transparente se impõe a obrigação de respeitar o que de real e permanente se contém nas estruturas económicas, tanto em relação às instituições que nelas gravitam, como aos laços estreitos de solidariedade que as prendem umas às outras.
Nestes termos, a organização corporativa pode e deve orientar ou coordenar as instituições sobre as quais incide directamente, mas sempre mim sentido «natural», num sentido conforme à natureza - homens ou coisas-, sem contrariar as constantes humanas e sociais que a mesma natureza criou e faz perdurar.
Ora neste ponto parece residir exactamente o vício original da proposta de lei: violentar algumas constantes informadoras da vida económica - aqui e em toda a parte, porque se trata de «constantes»- ao impor o enquadramento das actividades económicas em determinada direcção, quando elas, natural e espontaneamente, já estão organizadas e vinculadas segundo a direcção oposta.

al violentação só se afiguraria admissível perante circunstâncias ponderosíssimas, como, por exemplo, a de ser essa orientação espontânea das instituições um verdadeiro perigo para o, paz social ou para qualquer outro aspecto do bem comum da Nação. Mas, obviamente, aqui não estão em causa razões desse quilate, e tudo está até em favorecer ao máximo o estreitamento das relações de interdependência, para melhor coordenar as actividades em ordem a um progresso do rendimento social.
E, para terminar, uma ligeira referência à projectada Corporação da Pesca e Conservas, porque para ela se atendeu ao critério dos grandes ramos de produção, «no propósito de não sacrificar as conveniências da vida à tentação das soluções rígidas e geométricas». Apenas para dizer que não pareceria admissível outro qualquer enquadramento para essas actividades, desde que se lhe quisesse dar integração corporativa.
A este respeito, pois, deixa-se apenas em suspenso uma simples pergunta:
Se fosse possível integrar, sem esforço, a «pesca e conservas» em qualquer dos grandes grupo» -agricultura, indústria e comércio - ter-se-ia enveredado já, neste caso especial, pelo caminho dos grandes ramos da produção»?

86. Entremos na segunda parte do nosso exame crítico, concentrando-nos sobre os argumentos postos em defesa do critério «da função económica» quanto às actividades agrícolas, industriais e comerciais.
Vamos seguir, a par e passo, o raciocínio desenvolvido no relatório; comentando separadamente cada grupo de afirmações mais destacadas.
O fundamento essencial e mais genérico da tese «das grandes actividades económicas» é posto por esta forma:

Ao perfilhar-se como regra o critério da função económica houve o propósito de respeitar a tradicional autonomia e a específica feição económica e social que as realidades sempre outorgaram às grandes actividades nacionais. Mormente no que toca à agricultura, não se descobre vantagem, pelo menos na fase inicial do funcionamento das corporações, em contender, através' da integração na orgânica corporativa, com a sólida unidade sociológica do mundo rural, que a força da tradição, o carácter peculiar da vida do campo e dos seus problemas e a psicologia particularista dos homens da lavoura têm mantido através dos tempos sem grandes roturas (n.º 12).

Impõe-se marcar já uma primeira atitude, sem reticências, confessando abertamente que se concorda por inteiro com o quadro traçado no relatório no concernente às especialíssimas características do mundo agrícola. Também assim se visiona a vida do campo e a psicologia rural; e não podemos, pois, desprender-nos dessa realidade em toda a crítica que vai iniciar-se. Mas já não se compreende muito bem que o relatório faça dessa notória peculiaridade da agricultura o fulcro da sua tese sobre uma corporação da lavoura e que possa declarar ao mesmo tempo que não se descobre vantagem, pelo menos na fase inicial do funcionamento das corporações, em contender ...» com essas mesmas peculiaridades.
Realmente, se o carácter muito particularista da vida campesina é razão de invocar como justificativa duma corporação da agricultura, então sê-lo-á sempre, porventura ainda mais, após o funcionamento deste organismo coordenador, que se presume dever reforçar a coesão psicológica existente. E, por isso, não se entende como, passado que fosse o período inicial do funcionamento das corporações, já pudesse ser propício «contender» com esses dados, que ainda hoje são válidos, ao menos no nosso país.
Mas, voltando à ideia central desta tese, diremos que não se nega a verdade do panorama agrícola, tal como no-la apresenta o relatório. O que se questiona, isso sim, é ser essa uma razão mais forte a sobrepor-se a outras cadeias íntimas e reais que também, as próprias actividades da agricultura evidenciam quando se compartimentam em conjuntos bem individualizados e formam, para assim dizer, verdadeiros blocos que, procedendo da terra úbere, se desprendem dela e se autonomizam.

Parece, pois, que este problema particular da agricultura se pode reduzir a estas duas questões fundamentais:

].º Pôr em confronto esses laços de horizontalidade, que ligam todos os produtores agrícolas, sem excepção, pelo lado material e pelo «espírito», com as relações muito estreitas que os vários ramos diferenciados das actividades agrícolas desenvolvem no seu interior,

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segundo o ciclo produtivo, e avaliar qual deve prevalecer entre esses dois tipos de relações, por reclamar com mais intensidade a coordenação corporativa;

2.º Na hipótese provável de não poder chegar-se a um resultado definitivo, averiguar se, pelo critério «dos grandes ramos da produção», também pode conseguir-se o meio de respeitar o interesse psicológico e sociológico da unidade agricultura.

Quanto à primeira questão, não seria difícil concluir, restringindo-nos ao aspecto material, que as relações de instrumentalidade que solidarizam, pelo ciclo produtivo, os conjuntos de actividades agrícolas diferenciados dominam em larga escala os elos complementar*» que unem todos os produtores agrícolas, só pelo facto de o serem.
Mas se pretendermos fazer o cotejo entre a intensidade do ciclo de produção e essa força espiritual, expressa nas afinidades sociológicas e psicológicas- de todo o mundo rural, já falta a medida para o fazer, incomparáveis como são as duas grandezas em presença. No entanto, colocando-nos no círculo, restrito da integração corporativa e tendo em linha de conta apenas a maior ou menor necessidade de coordenação num caso ou noutro, talvez não devesse hesitar-se em afirmar que os interesses específicos - neste caso os do ciclo produtivo de um sector agrícola- dominam os interesses gerais dessa unidade agricultura. Repete-se: quando nos reportemos aos dois factos assinalados- da integração corporativa e da necessidade de coordenação -, único plano, em que nos situámos.
Como quer que seja, porém, será sempre a segunda questão que nos poderá fornecer a chave do problema, pois pode demonstrar-se que o critério dos grandes ramos de produção também acode a dar satisfação aos interesses gerais da lavoura no seu conjunto. Isto porque é perfeitamente possível -e certamente assim virá a suceder- que as várias corporações agrícolas, instituídas segundo e critério dos grandes- ramo» da produção, formem uma espécie de secção do organismo coordenador das corporações, a qual reunirá sempre que estejam em causa interesse» gerais de todos os produtores agrícolas. E o mesmo sistema poderá utilizar-se, embora sem tanta necessidade, quanto às várias corporações de tipo industrial, que constituiriam, por seu turno, uma outra secção daquele organismo coordenador.
Desde que assim se proceda, e não há motivo para o pôr em dúvida, o problema específico e moral da lavoura deixa de ser um argumento a invocar. Resolvem-se, mediante a corporação agrícola diferenciada, os problemas especiais de cada complexo económico e resolvem-se, por intermédio da Câmara Corporativa, os interesses gerais da agricultura.
Não se vê, pois, nenhum motivo- para alterar as conclusões já tiradas sobre a corporação da agricultura - qualquer coisa de vago e macrocéfalo em confronto com uma corporação dos vinhos ou dos produtos florestais, abrangendo os respectivos ciclos produtivos e com a diferenciação, especialização e tecnicidade suficientes para a eficaz gestão dos seus próprios interesses.

87. Continuando o exame do relatório, no concernente à integração corporativa da lavoura, apreciemos uma outra razão justificativa que é apresentada.

Afirma-se ali que cos produtores agrícolas não se dedicam, de resto, a não ser a título excepcional, à exploração de um único produto, mas à de todos- os que são próprios da região e têm interesse económico. Pertencendo o produtor agrícola quase sempre a um só grémio, seria inconveniente para ele, como para os respectivos organismos do primeiro e do segundo grau, que o enquadramento destes se fizesse não numa, mas em múltiplas corporações».

A organização corporativa deve ter a possível simplicidade para que todos a entendam e com ela . possam manter relações fáceis e vantajosas. Tal objectivo só se consegue se não se contrariarem hábitos, tendências e maneiras de ser das pessoas que, por viverem ligadas à mesma grande actividade ou função, possuem naturalmente uma forte homogeneidade social (n.º 12).

Invoca-se nestas passagens uma dificuldade de organização que já em outra altura pudemos verificar não ter a importância que se lhe pretende atribuir.
O grémio da lavoura é um organismo indiferenciado, embora com uma divisão interna em secções, conforme os produtos fundamentais da região considerada. Já, portanto, no organismo primário era possível recrutar representantes as três ou quatro corporações da agricultura que haveria vantagem em criar. Mas não se mostra necessário, nem, é conveniente, descer tanto. O normal será que as federações de grémios da lavoura, geralmente de base provincial, se façam representar nas mesmas corporações; e, para tanto, impor-se-á a necessidade de estabelecer uma diferenciação em secções quanto a estes organismos federativos.
Há-de confessar-se não ser este o lugar- próprio para se focarem pormenores de organização, como os relativos ao número de representantes que caberiam às actividades integradas numa corporação -problema, aliás, complexo e que requer cuidadoso estudo. Mas sempre se dirá não se perceber como é que uma corporação da agricultura poderia funcionar sem vários representantes de todos os produtos agrícola» fundamentais. E, portanto, desde que essa vasta corporação, por hipótese, fosse desdobrada em quatro, só iriam para cada uma delas os representantes das respectivas produções especializados, por exemplo cereais ou vinhos.
Para a defesa de uma só corporação para a agricultura é frequente tirar-se muito partido dessa particularidade que o relatório aponta: ser a produção agrícola indiferenciada. No fundo, está-se perante uma «ideia feita», que convém desfazer ou, pelo menos, reduzir às suas verdadeiras proporções. Primeiro que tudo, nem sempre a produção agrícola é. tão indiferenciada como se inculca, sobretudo em algumas regiões do País; e em segundo lugar também as várias indústrias se não limitam, como regra, a um único produto, mas têm nina, produção diversificada.
Por sobre estas razões -e agora para demonstrar o pouco alcance do argumento- tem de reconhecer-se, que a indiferenciação só existe na base da produção, pois que, como não poderia deixar de ser, à medida que se vai subindo o ciclo produtivo, sempre que o há, automaticamente ocorre a especialização da agricultura, destacando-se os seus compartimentos fundamentais, que são, afinal, os «grandes iramos da produção» agrícola.
E prossigamos na apreciação do relatório da proposta de lei.
Um pouco adiante (n.º 14) faz-se expressa referência aos organismos de coordenação económica, para salientar o contributo que eles podem trazer à Corporação da Lavoura, enquanto subsistirem, no sentido de «reforçar e desenvolver as relações de instrumentalidade entre as várias funções económicas». Não teria interesse a citação deste passo do relatório se não fora a invocação dos organismos de coorde-

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nação económica ter concitado a nossa curiosidade para um pormenor saliente, isto é, o número daqueles organismos que ficariam vinculados à Corporação da Lavoura. Merece a pena enumerá-los, já para ficarmos elucidados sobre o que seria essa corporação, como amálgama, já para tirarmos da enumeração outras ilações edificantes.
Assim, constituída que fosse a Corporação da Lavoura, passariam a funcionar junto dela os seguintes organismos de coordenação económica:.

Instituto do Vinho do Porto.
Junta Nacional do Vinho.
Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes (P).
Instituto Nacional do Pão.
Comissão Reguladora das Moagens de Ramas.
Comissão Reguladora do Comércio de Arroz.
Comissão Reguladora dos Cereais do Arquipélago dos Açores.
Junta Nacional dos Produtos Pecuários.
Junta dos Lacticínios da Madeira.
Junta Nacional do Azeite.
Comissão Reguladora das Oleaginosas e Óleos Vegetais.
Junta Nacional da Cortiça.
Junta Nacional dos Resinosos.
Junta Nacional das Frutas.

Se os contarmos, são nada menos de catorze. E medite-se também na extensa variedade de problemas que teriam de debater-se numa corporação deste matiz, sobre os quais o seu conselho haveria de pronunciar-se. E aquilate-se o valor das suas deliberações, estando os representantes dos vinhos tão desinteressados e desconhecedores em relação aos problemas da cortiça, como os dos resinosos o estariam relativamente aos do trigo, por exemplo.
Não se descortina como a corporação assim poderia funcionar em termos de organismo técnico especializado que deve ser e também não se percebe como lhe seria possível representar convenientemente os interesses de todas as actividades integradas.

88. Na recolha de subsídios e seu registo, orientados para a defesa duma corporação da lavoura, o relatório reporta-se à circunstância de aquele organismo não ter somente funções económicas, mas ainda importantes atribuições de carácter político, técnico, social e cultural.

E é sabido - acrescenta-se - que as questões se apresentam quase sempre diferenciadas nos seus aspectos e nas suas repercussões, conforme surjam no mundo da lavoura, da indústria ou do comércio. Parece evidente, por exemplo, que os problemas dos trabalhadores rurais só podem ser devidamente compreendidos e apreciados numa corporação que englobe apenas actividades agrícolas. Pensar que estes assuntos possam ser discutidos, com utilidade, em diferentes corporações, com intervenção de lavradores, industriais, comerciantes, trabalhadores rurais, operários, empregados e técnicos da indústria ou da lavoura, seria admitir uma organização heterogénea, sem grande viabilidade prática (n.º 14).

Quanto ao facto de a corporação exercer outras funções além das económicas, nomeadamente as de carácter político, técnico, social e cultural - tirando-se daí um argumento contra o critério integrador dos grandes ramos da produção -, não se vê como essa circunstância possa amparar a tese defendida no relatório.

Comecemos pelas funções de natureza política. Avulta neste campo o relacionamento entre o órgão corporação e os órgãos constitucionais, que integram a estrutura política superior do Estado. Concretamente, o aspecto dominante aqui é a representação das corporações no plano constitucional, por meio de procuradores enviados à Câmara Corporativa para levantarem a sua voz e exprimirem o seu parecer.
E, se assim é - se este é o problema político fundamental da corporação-, há-de concordar-se, sem favor, em que tal representação será muito mais perfeita e eficaz se as corporações estiverem organizadas segundo o critério e dos grandes ramos de produção, e, portanto, especializadas em harmonia com os sectores diferenciados da produção agrícola. Para o corroborar, de maneira indelével, é suficiente dizer que a própria Câmara Corporativa está organizada por secções e subsecções especializadas, às quais se procurou dar um a arranjo que mais e mais as aproxima das prováveis corporações a «organizar», como está escrito no relatório dos dois Decretos-Leis n.º 29 110 e 29 111.
Portanto, no caso das funções políticas da corporação o argumento vira-se contra o critério «da função económica», sustentado na proposta de lei. E passemos às funções de carácter técnico e cultural.
Também neste particular o panorama não se altera muito. Isto porque tanto as funções técnicas como as culturais, e sobretudo as primeiras, onde domina o princípio da especialização, devem ser desempenhadas com maior eficiência por uma corporação diferenciada, do que no interior dum círculo tão vasto como todo o conjunto da agricultura, onde os esforços se perdem ou diluem, tal a variedade dê objectivos a prosseguir e de tarefas a realizar.
A natureza postula ordem e diversificação - trabalhar em contrário equivale a perda de energias e rendimento diminuído.
Cotejados os dois critérios de integração, com vista ao exercício das funções políticas, técnicas ou culturais, o saldo é, pois, francamente positivo a favor do critério «dos ramos fundamentais da produção». E restam as funções de ordem social, sobre as quais o relatório insiste especialmente, porque, na verdade -e deliberadamente o confessamos, é só aí que a tese da corporação da agricultura pode encontrar uni ponto de apoio.
Estamos agora em presença duma população rural com características próprias, dum compartimento peculiar dentro das várias categorias de trabalhadores. Estão aqui envolvidos todos aqueles aspectos a que anteriormente se aludiu e compõem essa entidade sociológica e psicológica - o campo.
Não contestamos a força do argumento; e bem poderíamos limitar-nos a reconhecer, neste domínio particular, a superioridade do critério da função económica apenas para o caso especialíssimo da agricultura. Aliás, devemos desde já declarar - porque vem a propósito - que lhe não recusamos também essa vantagem evidente de ser o critério mais simples para se operar uma integração corporativa. Isto sem embargo daquela certeza social de serem quase sempre as soluções reais as mais complexas, já que o homem veio ao Mundo para beber «o suor do seu rosto».
Também a este respeito se salientou já, por mais duma vez, que nesta matéria da integração corporativa não existem soluções inteiramente boas e perfeitas; e o trabalho que se impõe, portanto, cifra-se em escolher de todas a melhor.

Sem prejuízo de .todas estas considerações favoráveis ao critério da função económica não basta, para uma visão segura de tão delicado problema, encará-lo abstractamente como até aqui se fez. É preciso descer

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ao real concreto e investigar aí só a questão se põe nos mesmos termos e com a mesma acuidade.
Para tanto é forçoso considerar quais seriam, presumivelmente, as futuras corporações de tipo agrícola, segundo o critério «dos grandes ramos da produção», e, caso por caso, averiguar como cada uma dessas corporações se comporta quanto ao aspecto as suas funções sociais.
Temos, assim, de nos antecipar sobre a matéria deste parecer, que tem mais adiante o seu lugar próprio. E como se pode ver pelo mapa que se junta em anexo
-simples esboço dum possível arranjo de actividades económicas dentro do condicionalismo próprio da economia portuguesa-, as corporações de base agrícola não poderiam afastar-se muito do esquema seguinte:

a) Corporação dos cereais;
b) Corporação dos vinhos;
c) Corporação de produtos agrícolas não diferenciados;
a) Corporação dos produtos florestais;
e) Corporação da pecuária:

Ora, e quanto ao pormenor que nos preocupa de momento, a simples vista deste esquema denuncia logo que a população trabalhadora que nele se integra é predominantemente agrícola.
Na corporação dos vinhos o sector industrial independente do trabalho agrícola é de importância mínima; na corporação dos cereais haverá que ter em conta a zona operária, sobretudo da moagem, mas que nem de longe se aproxima da mão-de-obra rural; na corporação dos produtos florestais, onde se encontram a cortiça, os resinosos e as madeiras, a zona propriamente industrial é também relativamente pequena, podendo quase restringir-se à indústria da cortiça, porque quase tudo o resto é actividade complementar da produção agrícola; finalmente, nas duas corporações, da pecuária e dos produtos 'agrícolas não diferenciados, o trabalho rural é ainda mais predominante do que nas anteriores.
Infere-se dê tudo isto que, tratada a questão por este processo concreto -o único que pode fornecer-nos uma base de objectividade e segurança-, verifica-se que o problema, não deixando embora de merecer consideração, perde toda aquela acuidade de que apareceu revestido ao ser posto abstractamente e em termos de generalidade.
E possível, assam - com este. nítido predomínio agrícola em todas as corporações apontadas -, respeitar os caracteres peculiares do trabalho rural s tomar decisões, em cada corporação, sem afectar o estilo tradicional ou os requisitos sociológicos e psicológicos deste vastíssimo sector do trabalho.
Por circunstância feliz, portanto -e, pelo menos, em relação ao caso português-, ainda neste particular, de todos talvez o mais melindroso, o critério «dos ramos fundamentais da produção» não perdeu inteiramente a partida.

89. Ao que se supõe, foram respigados do relatório todos os elementos justificativos com valor para a finalidade crítica que nos propusemos.
Mas há ainda uma parte' relevante que ficou por examinar, porque intencionalmente se reservou para o fim.
Tendo em conta o inconveniente fundamental do critério da função económica -o menosprezo das relações de instrumentalidade-, o relatório procura ir ao encontro da estreita interdependência das empresas dentro do seu ciclo produtivo e aponta uma solução de compromisso. Para não fugirmos à regra, e porque é
procedimento mais honesto, vai transcrever-se a passagem essencial a este respeito:

Pensa-se ter encontrado essa solução. Com efeito, numa das bases da presente proposta de lei estabelece-se com carácter obrigatório que os conselhos das secções da mesma ou de diversas corporações reunirão conjuntamente, com todo» ou parte dos seus membros, sempre que a natureza dos assuntos a tratar o torne conveniente.
Desta sorte se poderá -na medida do aconselhável e sem ferir a integridade natural e o cunho próprio de cada corporação- respeitar e fomentar as ligações. e as relações dos intervenientes nas diversas fases do ciclo dos produtos, prever mais facilmente a evolução dos factores económicos, equilibrar a produção, o capital e o trabalho, bem como evitar irredutibilidades perniciosos e lutas estéreis entre as várias corporações e os grupos que as formam (n.º13).

Em resumo, a solução encontrada foi a de fazer uma ligação segundo o ciclo produtivo, por meio de várias secções criadas em cada Corporação da Lavoura, da Indústria e do Comércio.
Repare-se; porém, que o processo, à primeira vista admissível, encerra dois defeitos que o tornam impraticável. Pelo menos dois, podendo ainda passar-se com muito boa vontade sobre o primeiro, que vamos seguidamente explicar; mas o segundo é inultrapassável.
Assim, atente-se em quê um sistema como o proposto .não poderia funcionar apenas com aquele número de secções relativamente equilibrado que o relatório menciona, por exemplo, quanto à Corporação da Indústria.
Já houve o cuidado de dar a entender este facto ao escrever-se ali que a Corporação da Indústria deveria possuir, além de outras, secções diferenciadas para os têxteis, metalúrgicos, cortiça, construção e alimentação. Ora para coordenar as relações de interdependência instrumental não poderia prescindir-se desde logo de bastantes outras, entre 'as quais indicamos ao acaso e sem entrar em minúcias escusados: indústrias extractivas, energia e combustíveis, indústria química, vidro e cerâmica, papel e artes gráficas, metalomecânica, curtumes e calçado, etc.
Juntando estas novas secções - admitindo que estas, apenas às cinco exemplificadas no relatório obteríamos já um total de doze secções; e começa a fazer-se uma ideia aproximada do que seria esta mole, gigantesca e quase disforme, se viesse a constituir no plano concreto uma corporação.
Quer dizer -e o fenómeno é evidentíssimo para quem se detenha um só momento a. considerá-lo - que a questão se complica cada vez mais a medida que se caminha do início do ciclo produtivo para o seu termo.
Assim, na Corporação da Lavoura haveria, por hipótese, aquelas secções enumeradas no relatório -vinhos, cereais, pecuária, azeite e oleaginosas, produtos florestais, frutas e produtos hortícolas - e bastaria talvez acrescentar-lhe só mais uma, relativa à produção agrícola indiferenciada, para ficar abarcado todo o conjunto agro-pecuário.
Na Corporação da Indústria já apareceriam doze secções, segundo o esquema que mais acima se previu, sem outro desígnio que não fosse o de simples exemplificação.
E a pergunta que surge imediatamente dirige-se ao termo do ciclo onde se situa o comercio. Quantas secções?
Teremos de responder: se visamos o ciclo produtivo, e na hipótese duma corporação do comércio, haverá

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que desmembrá-la, pelo menos, em tantas secções quantas as que já constituem o elenco idas duas corporações da lavoura e da indústria, isto é, num mínimo de dezanove secções.
Não merece também comentários desenvolvidos, nesta época que tão caracterizada é pela especialização económica, o que seria esta autêntica «torre de Babel» a funcionar com o nome - porque só com o nome - de corporação do comércio.
Mas, apesar de já ser muito o que se apontou, falta ainda aqueloutro defeito, que já antecipadamente classificámos de inultrapassável.
Ei-lo - e dispensa longas exposições, porque vamos raciocinar, tanto quanto possível; em síntese alternativa:
Considere-se, por exemplo, a secção dos cereais da Corporação da Lavoura, relacionada com a secção de alimentação, da Corporação da Indústria, e a secção de alimentação, da Corporação do Comércio. E então o problema p3e-se por esta forma:
Ou a ligação operada através dessas secções, de corporações distintas, é acidental - e perde quase todo o interesse, porque as relações de estreita interdependência, que abrangem o ciclo «cereal, moagem, panificação, comércio de padarias», não podem coordenar-se por meio de contactos isolados e acidentais;
Ou essa ligação coordenadora se faz intensamente e de modo permanente, como o exigem as íntimas e directas relações entre essas actividades do ciclo - e então temos de concluir que as verdadeiras corporações já não serão a da Lavoura, da Indústria e do Comércio, mas sim e unicamente a Corporação dos Cereais, abrangendo todo o ciclo produtivo.

Este dilema é fatal; dele mão há por onde sair.
No fundo, nada mais haveria a dizer para encerrar o debate. Mas podem, a margem do dilema, e só como esclarecimento complementar, bordar-se ainda mais algumas considerações.
Assim, admitamos, apesar de ser improvável a hipótese, que se verificava o primeiro termo da alternativa que formulámos, sendo meramente acidental o relacionamento entre aquelas três secções de corporações distintas - Lavoura, Indústria e Comércio.
Estava o sistema certo, porque ele naturalmente só pode destinar-se a prever casos especiais, onde a sua utilidade fie revela manifestamente, já que é a corporação a ter de assegurar, por definição, o relacionamento normal e permanente entre as actividades que a integram. Mas, se estava o sistema certo, não estava atingido o fim que ele visava; isto é, a solução aventada para Acautelar os interesses do ciclo produtivo tinha falhado por completo, dado que os referidos interesses não eram efectivamente protegidos.
Resultado final: sistema certo, mas fim inatingido.
Mas admitamos agora a hipótese mãos provável, ou seja, verificar-se o segundo termo da alternativa, passando a reunir normalmente aquelas três secções da lavoura, indústria e comércio. 'Discutiriam, dia a dia, ou semana a semana, os problemas do seu ciclo de produção, procurariam harmonizá-los e resolvê-los; mas cada uma delas teria de levar os problemas mãos importantes ao conselho da sua corporação, sendo forçoso depois que se obtivesse o acordo desses conselhos das três corporações para que a respectiva decisão pudesse ser tomada.
Note-se que a este único caso apresentado do ciclo «cereais, moagem, panificação e comércio de padarias» haveria que somar todos os outros casos de relações instrumentais entre secções das três Corporações. E seriam, assim e por exemplo, os produtos florestais da Corporação da Lavoura que estariam a reunir normalmente com a cortiça e os resinosos, da Indústria; por seu turno, a secção pecuária da lavoura estaria em ligação directa com os curtumes e o calçado, da Indústria, e com as sapatarias, do Comércio, por um lado, e por outro com os têxteis, da Indústria, e os estabelecimentos de lanifícios, do Comércio, etc.
Não vale a pena, e seria fastidioso ao máximo, imaginar todas estas relações de ciclo produtivo, que são imensas, bastando - para uma ideia grosseira do número de combinações necessárias - recordar que tínhamos há pouco chegado a sete secções dentro da Corporação da Lavoura, doze na Corporação da Indústria e dezanove na Corporação do Comércio.
Não merece contradita coisa tão tumultuaria; e pode já rematar-se no mesmo estilo da primeira alternativa, mas em direcção absolutamente oposta.
Resultado final: sistema errado, mas fim atingido. Na verdade, alcançava-se o objectivo dê acautelar os interesses do ciclo produtivo, mas o sistema não era exequível. Isto, tanto pelo que se averiguou quanto à inviabilidade de funcionamento, como ainda porque os verdadeiros organismos corporativos superiores seriam esses conjuntos de secções das três Corporações da Lavoura, da Indústria e do Comércio, e não propriamente a Corporação da Lavoura, a Corporação da Indústria e a Corporação do Comércio. Estas sê-lo-iam apenas no nome; e todos haverão de concordar não ser o bastante. Tudo equivale a dizer que não pode aceitar-se, para resolver o problema da integração corporativa, qualquer solução mediante a qual certas relações de interdependência, entre as secções de corporações diferentes, venham a prevalecer sobre as relações específicas que se desenvolvem no interior da própria corporação.
Assim, para se afirmar com propriedade, que existe uma Corporação da Lavoura, da Indústria ou do Comércio é preciso que, realmente e no interior de cada uma dessas Corporações, se manifestem relações intensas e que requeiram coordenação permanente. E só desta maneira se poderá dizer, em boa verdade, que existe um corpo organicamente definido, um bloco unitário a actuar.
Para tal, porém, seria forçoso, quanto a qualquer dessas Corporações, por exemplo a da Lavoura, que se descortinasse nela uma actividade interior e intensa de relacionamento entre o ramo dos cereais com o dos vinhos ou dos produtos florestais. E nada disto se vê, para além duma afinidade mais ou menos vaga, que não se contesta, mas que só os prende uns aos outros porque o produtor agrícola porventura -e nem sempre acontecerá- recolhe simultaneamente vinho e trigo.
É que, na realidade - como já bastas vezes se asseverou-, a indiferenciação agrícola verifica-se apenas na base, e, mesmo assim, já se manifesta lá a necessidade duma organização de certo modo diferenciada (secções dos grémios da lavoura); daí para cima está tudo praticamente diferenciado, e são esses blocos autónomos de produtos que reclamam instantemente a coordenação pelo ciclo produtivo a que vivem dia a dia amarrados.
Isto, além de ser preciso considerar também que os factores psicológicos e sociológicos, a que se tem aludido, é só na base que actuam em cheio, onde a organização é indiferenciada e convém que o seja; daí para cima, quando a produção se diversifica, já esses factores se minimizam, intervindo outros que os sobrelevam. E esses outros, não pode ignorar-se, são fundamentalmente os que mergulham no ciclo produtivo.
Em resumo: desprender os compartimentos diferenciados da lavoura desta vinculação fatal à cadeia do seu ciclo, ou de qualquer modo contrariá-la, é vio-

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lentar o que a natureza suscita espontaneamente, é negar as realidades da vida económica moderna, é, em suma, fazer obra corporativamente inoperante.

90. Ficou feita uma crítica minuciosa a toda a fundamentação apresentada no relatório da proposta de lei em defesa do critério «da função económica», sobretudo no domínio da agricultura. Criticou-se também a solução de compromisso entre esse critério indicado e o a dos ramos fundamentais da produção», solução que, aliás, é utilíssima para o fim do relacionamento acidental de actividades integradas em corporações diferentes quando ocorram factos especiais que o aconselhem. E, como tal, é de manter a norma inserta, com tal sentido, na proposta de lei que está em causa (base XII, n.º 1).
Restaria agora analisar em particular as duas hipóteses - Corporação da Indústria e Corporação do Comércio. Mas importa confessar que o caso da Corporação da Lavoura já teve de ser desenvolvido por forma tão exaustiva que excedeu todos os cálculos, mercê duma preocupação, talvez levada ao exagero, de se não deixar em claro qualquer argumento que pudesse reputar-se essencial para a visão do problema. ' Além disso, acontece que os dois casos -indústria e comércio- são ainda mais frisantes quanto à necessidade de respeitar as interdependências do ciclo de produção. Por, isso, é, sobretudo quanto à agricultura, e dadas as suas particularidades específicas, que ainda melhor se pode sustentar o critério de integração adoptado na proposta de lei -o «das grandes actividades económicas»- em confronto com o «dos íamos fundamentais da produção».
Tal significa que o trabalho crítico anterior incidiu exactamente sobre aquela Corporação que ainda melhor poderia submeter-se ao critério das grandes actividades económicas. E, apesar disso, parece ter-se conseguido demonstrar a escassa viabilidade duma corporação da agricultura e, em contrapartida, a superioridade manifesta que sobre ela apresenta o critério de instituir corporações em obediência aos ramos diferenciados da produção agrícola.
Sendo assim, julga-se perfeitamente justificável que seja aceita como boa e suficiente a simples declaração de que todos os raciocínios expendidos na crítica à Corporação da Agricultura, salvo os de natureza específica, se aplicam -e por maioria de razão- às duas Corporações, da Indústria e do Comércio. Isto, com tanto mais fundamento quanto é certo ter-se já abordado anteriormente a análise de cada uma dessas aludidas corporações, em particular.
E, desta maneira, pode dar-se por terminado o estudo do critério integrador adoptado na proposta de lei, do qual resultou a negação da sua validade como processo de integração corporativa aplicável às três grandes actividades económicas básicas - agricultura, indústria e comércio.
De outro lado, o exame crítico expendido parece ter demonstrado cumulativamente a existência dum outro critério -o dos grandes ramos de produção- que pode afeiçoar-se à realidade da estrutura económica, porque responde às necessidades de coordenação das actividades agrícolas, industriais ou comerciais, em estrita observância das relações fundamentais de interdependência vertical e horizontal que reclamam, por forma premente, essa coordenação pela via corporativa.
Aliás, nunca foi outro o critério visionado pelo legislador português senão o a dos ramos fundamentais da produção» relativamente às actividades económicas de natureza agrícola, industrial ou comercial. O relatório dos Decretos-Leis n.º 29110 e 29111 é terminante a tal respeito; e seria até bastante elucidativo dar nota desenvolvida de muitas das suas passagens que apontam directamente a esta orientação confessada, se não fora o temor de aumentar, ainda mais excessivamente do que está, o volume deste parecer.
No entanto, e para nada se deixar sem demonstração, sempre que possível, assinalam-se apenas dois ou três curtos períodos do citado relatório.
Assim, ao salientar-se ali que a Câmara Corporativa se organizou por secções, não apenas com a finalidade de fugir ao tipo dó assembleia parlamentar, esclarecia-se que «buscava-se chegar mais longe: obter já em muitos casos uns primeiros agregados de funções que fossem a imagem e representação de possíveis corporações a criar». Mais adiante acrescentava-se: «Parece, por isso, chegado o momento de se dar expressão jurídica aos conjuntos de esforços que, em torno de alguns produtos, representam já realidades muito próximas do nosso conceito de corporação». E, por último, continuando a focar-se o assunto pertinente às secções da Câmara Corporativa, concluía-se por afirmar que ainda se mantinha provisoriamente o quadro das secções existentes «porque se admite desde já a impossibilidade de caminhar demasiado depressa, embora se lhes dê arranjo que mais e mais as aproxima das futuras corporações a criar».
Nada mais concludente sobre o pensamento firme e a orientação uniforme quanto às directivas já anteriormente traçadas a respeito do critério integrador para as futuras corporações e que o relatório daqueles aludidos diplomas apenas teve o mérito de confirmar por maneira categórica.
Em última análise, todas estas conclusões se ajustam integralmente às obtidas no parágrafo anterior, onde se procedeu à apreciação dos diversos processos de integração corporativa, por intermédio dos princípios que propositadamente elaborámos para o efeito e nos serviram de instrumento de análise ao mesmo tempo simples e racional.
E, realizado todo este longo trabalho, é chegado o momento de proceder a nova tarefa - agora, construtiva e muito mais rápida -, qual é a de descobrir uma possível solução inteiramente viável para esse instante problema que está posto à consideração da Câmara.
Entenda-se: solução viável na ordem corporativa, na ordem técnica e na ordem política.

§ 26.º
Uma solução viável de Integração corporativa

91. Para sintetizar, condensemos em poucas palavras o pensamento informador e nuclear do relatório da proposta de lei no tocante à questão que a todas sobreleva dentro do objectivo final de erguer a corporação portuguesa.
Reduzido tudo à sua expressão mais simples,, o relatório ataca o grande problema por esta forma, que podemos mais uma vez colocar em alternativa:

Ou a experiência revela que - para todas ou parte das Corporações, da Lavoura, Indústria e Comércio- não há necessidade de desdobramento futuro, pela autonomização das suas secções; e estaremos perante uma solução definitiva;
Ou, ao contrário, a experiência impõe tal desdobramento, criando-se mais tarde novas corporações, já organizadas segundo o critério «dos ramos fundamentais da produção»; e estaremos perante uma solução transitória.

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Depois do muito que se escreveu para trás é já possível enfrentar agora, por modo sumário, os dois termos da alternativa posta.
Relativamente ao primeiro -situação definitiva assente em três corporações para as grandes actividades económicas básicas - é fórmula de arredar imediatamente, depois da minuciosa crítica que fizemos incidir sobre a hipótese duma Corporação da Lavoura e que a fortiori: se aplica às duas restantes Corporações, a Indústria e do Comércio.
Resta, pois, o segando termo da alternativa - as três Corporações indicadas não constituiriam mais do que mera «ponte de passagem» de um estádio provisório para uma solução definitiva.
Entre as duas hipóteses seria ainda esta a única possível. Não pela via desenhada e sugerida no relatório da proposta de lei, mas por um caminho mais correcto, dentro do condicionalismo imposto pelas circunstâncias do momento presente.
Antes de indagar acerca dessa possibilidade de descobrir e enquadrar uma solução útil na economia da proposta de lei, é, todavia, imprescindível fazer algumas afirmações, claras e serenas, sobre o modo por que se encara este melindrosíssimos problema.
A primeira afirmação, que decorre em linha recta de todas as considerações explanadas, é a de que o critério de integração corporativa, apoiado na classificação das grandes actividades económicas - agricultura, indústria, comércio, transportes e crédito -: só tem viabilidade concreta em quanto se refere aos dois últimos termos da classificação: transportes e crédito.
A segunda afirmação reporta-se à superioridade, que se supõe incontestável; do critério dos ramos fundamentais da produção sobre todos os outros 'preconizados para realizar a integração corporativa dessas actividades básicas - agrícola, industrial e comercial - que compõem a estrutura económica de qualquer país relativamente adiantado.
A terceira afirmação atenta mo facto de mão poder julgar-se exequível sem irreparáveis prejuízos '- como se demonstrou - o sistema exposto mo relatório da proposta de lei quanto ao relacionamento de secções de corporações diferentes com o objectivo de assegurar os interdependências dos ciclos produtivos.
Perante estas três afirmações, que contendem com a economia de toda a proposta de lei, dir-se-ia que se tinham engendrado duas posições inconciliáveis ou irredutíveis entre a doutrina daquele projecto de diploma e as conclusões do presente parecer.
Consequentemente, apenas duas perspectivas se poderiam visionar: o trilho da proposta de lei, com três corporações macrocéfalas e de tipo horizontal, para a lavoura, indústria e comércio; ou o caminho aberto pelo parecer, com dez ou doze corporações equilibradas e de tipo vertical, que abarcassem os grandes ramos diferenciados das actividades agrícola, industrial e comercial.
Ora, prosseguindo neste encadeamento lógico de deduções - e desde, que admitíssemos como fundada a prova exaustivamente produzida sobre os inconvenientes das três grandes Corporações da Lavoura, Indústria e Comércio-, ficava-se circunscrito na hipótese única de instituir desde já aquela dezena de corporações moldada em harmonia com os ramos fundamentais da produção e abrangendo todo o ciclo produtivo das actividades integradas. E essa seria, realmente, a única solução correcta do problema ..., se fosse possível.
Para tanto, para que concretamente e nesta altura se pusesse de pé esse conjunto de corporações haveria que ter estruturado todos esses blocos orgânicos e complexos, um por um, estudar afincadamente e resolver todos os diversíssimos problemas que tal iniciativa comporta. Semelhante empresa mão se compadece, todavia, com a fugacidade de alguns meses.
É possível, parece -e para além da Câmara há-de haver quem tenha a certeza-, instituir imediatamente três grandes Corporações para a Lavoura, Indústria e Comercio, porque este processo de corporativização é, de todos, o mais simples; mas senda tarefa muito arrojada e perigosíssima construir em tempo escasso, com harmonia e solidez, aquele outro grandioso edifício corporativo. Salvo -e seria desnecessário dizê-lo- se os planos, os anteprojectos e os projectos definitivos estivessem concluídos à custa de muita meditação, muita canseira e muito bom senso. E compreende-se perfeitamente que não o estejam, porque eram diferentes a orientação e o objectivo da proposta de lei submetida ao exame da Câmara. Propunham-se apenas três corporações e de articulação muito simples; agora todo o condicionalismo previsto se alterava, passando-se para uma dezena de corporações e de integração relativamente complicada.
Nestas condições, a questão deixou de situar-se mo plano das possibilidades naturais de {realização e passou a colocar-se em termos diversos., que são estes: para se tomar um rumo movo, instituindo corporações de ciclo produtivo, haveria que destruir ou afectar um acto transcendente de Governo, acto que se projecta de tal maneira para além do momento histórico presente que, dita uma palavra publica sobre ele, tão corajosa e tão séria, roem é possível já recuar, toem, se o fosse, existiria verdadeira autoridade para depois o repetir.
Posta a questão nesta base, e sem sombra de exagero quanto a magnitude do acto, não haveria uma só pessoa -com verdadeira consciência e um mínimo de responsabilidades - que admitisse, sequer, a hipótese de poder adiar-se sine die uma empresa de tal envergadura, com as suas flagrantes (repercussões mo prestígio do Poder perante o País.
Mais ainda - no prestígio do País perante o Mundo conturbado que nós espreita, talvez num misto de interesse e incredulidade, mas com certeza curioso dos- resultados deste surto português de autêntico corporativismo. E até a própria ideia corporativa, com tão má sina aos últimos azares do tempo, haveria de sofrer mais um golpe tão rude, agora que já deixou de ser «heresia» falar-se em «corporação». Golpe que, por ironia, vinha a ser desfechado precisamente pela mão do único País que hoje afirma o ideal corporativo como pensamento de Governo e pretende moldar-se integralmente nesse ideal.
Mas, quando colocados mama aparente encruzilhada, o destino reserva-nos, por vezes, bem curiosas surpresas. E estamos: seguramente numa dessas raras emergências em que, tudo parecendo indicar que as duas posições -proposta de lei e parecer, uma perante o outro - são irredutíveis ou inconciliáveis, pode provar-se que, sem qualquer dificuldade irremovível, é possível conjugá-las e até por processo extremamente simples.
Diremos ainda que a conciliação das duas teses poderá operar-se sem quase se sacrificar formalmente a proposta de lei e sem se abdicar da parte substancial de todas as conclusões do parecer.

92. Eis a solução:

Criam-se desde já as três Corporações: da Lavoura, da Indústria e do Comércio;
As duas primeiras - da Lavoura e da Indústria - surgem logo com todas as secções correspondentes aos ramos diferenciados das correspondentes produções agrícola e industrial; a terceira englobará apenas o comércio indiferenciado, de-

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vendo em conformidade alterar-se a sua designação;
Às várias secções da Corporação da Lavoura e da Indústria organizar-se-ão desde logo no sentido de abrangerem o ciclo produtivo, tanto quanto possível, e, portanto, as suas fases açrícola-industrial-comercial, ou apenas industrial-comercial, quando o início do ciclo se situe na indústria;
Todas estas secções, que virão a constituir as verdadeiras corporações, findo que seja um período transitório a fixar -porventura de dois anos-, nascerão logo com a incumbência de elaborar os estudos necessários para a sua estruturação definitiva como corporações;
Decorrido o período transitório estabelecido, cada uma dessas secções, já devidamente estruturada e pronta a funcionar autonomamente, destaca-se da Corporação da Lavoura ou da Indústria, conforme os casos, e adquire vida própria;
A passagem das actuais secções ao seu estado definitivo de corporação implica automaticamente a extinção das duas Corporações agora criadas - da Lavoura e da Indústria;
A Corporação do Comércio subsistirá tal como foi criada inicialmente, isto è, abarcando apenas o comércio misto, pois que toda a parte diferenciada do sector comercial fica desde já integrada nas secções actuais (as futuras e autênticas corporações) da Lavoura e da Indústria, onde vai juntar-se ao respectivo ciclo de produção.

Assim, por esta forma, parece poderem instituir-se nos prazos- previstos todas as Corporações enumeradas na base XIV da proposta de lei: da Lavoura, da Indústria (estas a título provisório), do Comércio Misto, dos Transportes e Turismo, do Crédito e Seguros, da Pesca e Conservas.
Portanto, o objectivo fundamental da proposta de lei é alcançado: constituir aquele número de corporações que estava previsto.
É certo que o funcionamento das Corporações da Lavoura, da Indústria e do Comércio se modifica no sentido de todos os complexos económicos passarem a ser orientados e coordenados segundo a linha do seu ciclo produtivo. E certo também que as duas Corporações -Lavoura e Indústria- nascem com uma vida precária, apenas o tempo bastante para que as suas secções atinjam a maioridade. E certo ainda que a vida tipicamente corporativa será a asa secções da Lavoura ou da Indústria, ficando as duas Corporações com a função superiormente coordenadora de todo o vasto sector agrícola ou industrial, consoante os casos.
Sem dúvida que tudo isto sucedei Mas não deve esquecer-se, por outro lado -e como houve ensejo de verificar no parágrafo anterior-, que o próprio relatório da proposta de lei admitia já a separação dessas secções no futuro, se o conselho da experiência o viesse-a impor. E fundamentalmente, portanto, a alteração a introduzir no sistema proposto limitar-se-ia ao pormenor -substancial, sem dúvida- de todo o funcionamento das actuais secções passar a orientar-se na direcção vertical, segundo a linha do ciclo produtivo, critério que, aliás, já a proposta- de lei prevê imediatamente para a Corporação da Pesca e Conservas.
O mérito da solução preconizada neste parecer, para além de uma plataforma conciliadora das duas posições que pareciam irredutíveis, o que já não é pouco, reside essencialmente em consagrar os princípios da integração corporativa que postulam o respeito pela realidade e intensidade dos laços naturais que vinculam as actividades - económicas entre si, tanto pela sua interdependência complementar como, e sobretudo, pela linha da instrumentalidade.
E não se dirá agora, como antes, que esta fase experimental, durante o período transitório, pode influir perniciosamente na evolução dos acontecimentos. Os efeitos, dentro do género de solução alvitrado no parecer, só poderão ser benéfico» e profícuos pela preciosa lição dos factos e pela possibilidade de ajustamentos e aperfeiçoamentos sucessivo».
É que, pelo sistema ora sugerido, não se trabalha contra as reais ligações entre a» empresas, mas a favor delas; não se violenta no- sentido da horizontalidade aquilo que a natureza orientou e radicou na direcção vertical; não se alteram os dados da moderna estrutura económica, antes se aceitam e favorecem.
Depois, enquanto no regime da proposta de lei se dificultavam inicialmente as relações do ciclo de produção, fomentando os vínculos de horizontalidade, para mais tarde, quando as secções da Corporação se autonomizassem, destruir toda a obra realizada através de uma orientação diametralmente oposta -na modalidade a que conduz o parecer,- actua-se sempre no mesmo sentido e ao sabor das relações de interdependência fundamentais, de tal sorte que o período transitório a que na categoria de secções ficam sujeitas as futuras corporações, além de dar tempo a um plano de estruturação necessário, trabalha simultaneamente como elemento de adaptação e aperfeiçoamento progressivos.
A solução do parecer tem ainda outros merecimentos que podem apontar-se. Por exemplo, haverá até certa vantagem em que as futuras corporações nasçam integradas na Corporação da Lavoura ou da Indústria na qualidade inicial de secções. Isto porque, dessa maneira) as várias equipas constituídas .para elaborar os planos de estruturação corporativa de cada um dos sectores económicos terão maiores oportunidades de contactos e troca» de ponto» de vista, no intuito de imprimirem a necessária uniformidade relativamente às questões de ordem geral e de resolverem as muitas dificuldades de pormenor que a integração corporativa suscita.
Outro valimento do processo de organização sugerido no parecer será o de conjugar este período transitório para a estruturação das futuras corporações com o outro período transitório, que foi proposto, quanto aos organismos de coordenação económica, no intuito de facilitar essa espécie de e transmissão de poderes • do Estado para a corporação. Deste modo, esse prazo de transição de dois' anos coincidiria para ambos os casos em que os fins são convergentes; e com tanto mais interesse ou benefício quanto haveriam de permitir que as futuras corporações nascessem já isentas de certa faceta estadual, que sempre terá de subsistir enquanto não forem extintos aqueles organismos.
E parece ter-se encontrado o capital de vantagens e o suporte suficiente para justificar o sistema de conciliação proposto, que não está livre de defeitos, mas tem seguramente as suas virtudes.
Chega até a supor-se que por um caminho errado se atingiu a solução verdadeira para o momento. Verdadeira, pelo menos, no condicionalismo político, económico e técnico em que o problema crucial do corporativismo português aparece colocado perante esta Câmara.
Nestes termos, propõe-se que seja alterada e completada a base XIV da proposta de lei no sentido de adaptá-la à solução sugerida.
E falta dizer apenas que a solução apresentada requer um desenvolvimento complementar: o esboço de um possível esquema das actuais secções a criar dentro das duas Corporações -da Lavoura e da Indústria-,

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já com o âmbito definitivo das futuras corporações em que hão-de transformar-se, e por meio do qual se possa ter uma noção planificada, ao menos grosseira, do sistema arquitectado.
Inserir-se-á esse esquema mais adiante acompanhado dos esclarecimentos indispensáveis.

§ 27.º
O problema corporativo do ultramar

93. Muito embora a proposta de lei não vise o ultramar português, supõe-se conveniente deixar cair uma palavra, ao menos, sobre o problema corporativo ultramarino.
Ao pensamento de unidade económica - que norteia a política do Governo e se vai traduzindo progressivamente nos factos- tem de interessar, manifestamente, a corporativização das actividades económicas do ultramar.
Primeiramente, porque Portugal, pela letra da sua Constituição, é uma república corporativa e o ultramar constitui território português, simples prolongamento da metrópole; depois, porque a bondade do sistema corporativo é válida no espaço e no tempo, podendo afeiçoar-se às economias avançadas ou subdesenvolvidas, quer do tipo agrícola ou industrial, quer de estrutura mista; e, por último, porque a organização corporativa ultramarina, quando cuidadosamente articulada com a da metrópole, pode ser instrumento valioso para uma eficiente política de unidade económica.
Foram, por certo, estas razões e outras que inspiraram o Governo, já em 1937, no propósito de dotar as nossas províncias ultramarina» com os organismos corporativos que as circunstâncias locais fossem exigindo ou aconselhando, e bem assim com organismos de coordenação que assegurassem a disciplina das actividades económicas de cada província ultramarina, de um grupo de províncias ou, até, de todo o conjunto imperial.
Com efeito, o Decreto-Lei n.º 27 552, de 5 de Março de 1937, ainda hoje diploma básico, veio regular a constituição e o funcionamento dos organismos corporativos e de coordenação económica do ultramar, pondo ali em vigor os Decretos-Leis n.º 23 048 (Estatuto do Trabalho Nacional), 23 049 (grémios obrigatórios), 23050 (sindicatos nacionais), 24715 (grémios facultativos) e 26 757 (organismos de coordenação económica).
Como é óbvio, esta legislação corporativa metropolitana não poderia aplicar-se integralmente aos nossos territórios ultramarinos, e assim introduziram-se-lhes as alterações julgadas necessárias, sobretudo no sentido de a adaptar tanto ao condicionalismo humano e social do nosso ultramar como às características da, sua estrutura económica.
Na sequência deste importante diploma, iniciou-se no ultramar um movimento de corporativização, tendo-se constituído até hoje algumas dezenas de organismos corporativos e de coordenação económica, cuja lista se insere mais adiante, a título simplesmente elucidativo.
Trata-se, por certo; duma organização mais do que incipiente; e acredita-se que (pudesse ter sido, durante estes vinte anos já decorridos desde o Decreto-Lei n.º 27 552, levada a um grau de maior latitude.
Mas, mesmo assim, chega-se a pasmar desse minúsculo arremedo de organização corporativa, se tivermos em conta o período de marasmo que o corporativismo português viveu, na metrópole, durante tantos anos, devido a alguns obstáculos irremovíveis que se lhe antepuseram, mas também àquela a apagada e vil tristeza que o poeta cantou e os homens não souberam vencer.
Não souberam vencer até ao momento em que escrevemos. Mas tudo indica que a face das coisas vai mudar; e a sua prova mais significativa é exactamente a proposta de lei que se encontra em apreciação e a Câmara -com esperança, desvanecimento e entusiasmo - recebeu, de braços abertos.
Parece, pois, ser esta a altura de -em correspondência com o que vai passar-se na metrópole- activai o movimento de corporativização do ultramar, em ordem a promover mais tarde qualquer forma possível de articulação, corporativa, que possa dar expressão concreta a essa 'ideia dominante da unidade económica portuguesa.
Certo que a organização corporativa ultramarina é ainda mais do que incipiente. Seguro, também, que o problema da representação, neste caso particular, se antevê difícil, porque o factor distância lhe empresta aspectos novos e anormais. Verdadeiro, ainda, que são várias as soluções possíveis para operar uma integração corporativa das actividades económicas do ultramar. Mas nada disto é inibitório da viabilidade duma qualquer solução, a prazo longo que seja, para esse tão importante problema nacional.
Por isso se considerou imprescindível introduzir no parecer este pequeno parágrafo sobre o ultramar, onde não se apontam sequer sugestões concretas, pois houve o único propósito de levantar uma questão de alto interesse e concitar o seu estudo atento por parte do Governo.

94. E, como se anunciou anteriormente, vão ser enumerados a seguir os organismos corporativos e de coordenação económica das nossas províncias ultramarinas:

Organismos corporativos

Cabo Verde

Sindicato Nacional dos Empregados do Comércio e Ofícios Correlativos (Forjaria Ministerial n.º 11240, de 17 de Janeiro de 1946).
Sindicato dos Inscritos Marítimos (Portaria n.º 8455, de 25 de Outubro de 1047, confirmada pela Portaria Ministerial n.º 14174, de 29 de Novembro de 1952).
Sindicato dos Operários das Empresas Fornecedoras de Combustíveis e Agua à Navegação (Portaria a.« 4048, de 10 de Marco de 1951, confirmada pela Portaria Ministerial n.º 14174, de 29 de Novembro de 1952).

Guiné

Sindicato Nacional dos Empregados do Comercio e Indústria da Província da Guiné (Portaria Ministerial n.º 18811, de 30 de Setembro de 1950).

S. Tomé e Príncipe

Sindicato Nacional dos Empregados do Comercio, Indústria e Agricultura de S. Tomé e Príncipe (Portaria Ministerial n.º 12762, de 18 de Marco de 1949).

Angola

Sindicato Nacional dos Empregados do Comercio e da Industria de Angola (Portaria Ministerial n.º 10421, de 22 de Junho de 1943).
Sindicato Nacional dos Motoristas e dos Ferroviários da Colónia de Angola (Portaria Ministerial n.º 10712, de 19 de Julho de 1944).
Sindicato dos Construtores Civis e Mestres de Obras (Portaria de 18 de Abril de 1948, confirmada pela Portaria Ministerial n.º 14174, de 29 de Novembro de 1952).
Grémio das Madeiras do Distrito de Cabinda (Portaria n.º 6808, de 2 de Junho de 1948, confirmada pela Portaria Ministerial n.º 14174, de 29 de Novembro de 1952).
Grémio dos Retalhistas do Distrito do Huambo (Portaria nº 6451, de 29 de Setembro de 1948, confirmada pela Portaria Ministerial n.º 14174, de 29 de Novembro de 1952).

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Grémio dos Industriais de Pesca de Luanda, Benguela e Moçâmedes (Portaria n.º 6697, de 27 de Abril de 1949, confirmada pela Portaria Ministerial n.º 14174, de 29 de Novembro de 1952).
Grémio dos Criadores de Caracul (Portaria n.º 7657, de 27 de Agosto de 1951, confirmada pela Portaria Ministerial n.º 14174, de 29 de Novembro de 1952).
Grémio do Milho.
Grémio dos Industriais de Sal de Benguela (Portaria Ministerial n.º 10892, de 8 do Março de 1945).
Grémio Concelhio dos Marchantes de Luanda (Parlaria Ministerial n.º 11821, de 24 de Abril de 1946).

Moçambique

Sindicato Nacional doe Empregados do Comércio e da Indústria de Moçambique {Portaria Ministerial n.º 10422, de 22 de Junho de 1948).
Sindicato Nacional dos Motoristas e dos Ferroviários de Moçambique (Portaria Ministerial n.º 10718, de 19 de Julho de 1944).
Sindicato Nacional dos Ferroviários de Manica e Sofala e do Pessoal do Porto da Beira (Portaria Ministerial n.º 2, de 2 de Agosto de 1945).
Sindicato Nacional dos Empregados Bancários (Portaria Ministerial n.º 11855, de 22 de Maio de 1946).
Sindicato Nacional dos Operários de Construção Civil e Ofícios Correlativos de Moçambique (Portaria n.º 7467, de 14 de Agosto de 1948, confirmada pela Portaria Ministerial n.º 14174, de 29 de Novembro de 1952).
Grémio dos Produtores de Cereais (Portaria Ministerial n.º 87, de 8 de Outubro de 1942).
Grémio dos Industriais de Óleos Vegetais (Porfaria n.º 7849, de 28 de Maio de 1949, confirmada pela Portaria Ministerial n.º 14174, de 29 de Novembro de 1952).

Índia

Ordem dos Médicos da índia Portuguesa (Portaria n.º 3831, de 2 de Fevereiro de 1939, confirmada pela Portaria Ministerial n.º 14174, de 29 de Novembro de 1952).
Sindicato Nacional dos Farmacêuticos do Estado da Índia (Portaria Ministerial n.º 14485, de 29 de Junho de 1953).

Organismos de coordenação económica

Cabo Verde

Junta de Exportação do Café (imperial).
Serviços de Abastecimentos de Géneros Alimentícios (a).

Guiné

Inspecção do Comércio Geral (Portaria n.º 142, de 29 de Dezembro de 1941) (a).

S. Tomé e Príncipe

Junta de Exportação do Café (imperial).
Conselho Regulador do Comércio (o).

Angola

Comissão Reguladora de Importações (b)
Junta de Exportações (b)
Junta de Exportações dos Cereais (imperial)
Junta de Exportação do Café (imperial)
Junta de Exportações do Algodão (imperial)

Moçambique

Comissão Reguladora de Importação da Província de Moçambique (b).
Junta de Exportação da Província de Moçambique (b).
Junta de Exportação do Algodão (imperial).
Junta de Exportação dos Cereais (imperial).
Junta de Exportação do Café (imperial).
Comissão Reguladora do Comércio de Frutas (?).

Índia

Junta das Importações e Exportações da Índia (Decreto n.º 85849, de 6 de Setembro de 1946).
Comissão Reguladora dos Abastecimentos (Diploma Legislativo
n.º 1167, de 25 de Julho de 1946) (a).

Macau
Comissão Reguladora das Importações, (a).

Timor

Comissão de Coordenação Económica (Diploma Legislativo nº 365, de 19 de Maio de 1951) (a).

(a) Estes serviços são equivalentes as comissões de Angola e Moçambique.
(b) As comissões reguladoras de importação e as juntas de exportação dos províncias de Angola o Moçambique serão substituídas pala Junta de Comércio Externo, nos termos do Decreto-Lei n.º 40568, de 12 de Abril de 1956.

§28.º

Simples esboço de possíveis corporações a criar

95. Ao intentarmos a pesquisa de uma solução viável de integração corporativa (§ 26.º), prometemos inserir um esquema das actuais secções a criar -dentro das duas Corporações da Lavoura e da Indústria-, já com o âmbito definitivo das futuras corporações em que haveriam de transformar-se. Isto com o intuito de se fazer uma planificação, ao menos grosseira, do sistema arquitectado.
Junta-se esse anunciado .esquema em folha anexa ao presente parágrafo, fazendo-o preceder das explicações que se reputem mais necessárias para a compreensão do critério de integração adoptado.
Antes disso, porém, cumpre registar uma declaração: o esquema elaborado não tem outro alcance que não seja o de traduzir no plano concreto -mas apenas a título de exemplificação- um possível arranjo de corporações no domínio da economia portuguesa e dentro da fórmula de conciliação a que chegámos.
Partiu-se, portanto, da instituição de duas corporações -uma para a Lavoura e outra para a Indústria-, ficando a Corporação do Comércio reduzida à sua zona indiferenciada, dado que o comércio diferenciado acompanhará as actividades agrícolas e industriais do respectivo ciclo de produção.
A solução proposta no presente parecer, conforme se expôs, é a de considerar provisórias, essas duas corporações - da Lavoura e da Indústria -, diferenciando-as já em secções organizadas segundo o critério dos ramos fundamentais da produção» e, portanto, abrangendo tanto quanto possível o ciclo produtivo das actividades nelas integradas. 'Essas secções devem se-parar-se e autonomizar-se findo que seja o período transitório, durante o qual elaboraram os estudos para a sua estruturação como corporações. Automaticamente, devem desaparecer as Corporações da Lavoura e da Indústria, que no decurso do prazo transitório funcionaram como organismos de coordenação superior.
Em resumo: os rectângulos do esquema anexo, que contêm designações tais como «Cereais», «Têxteis», etc., querem significar, durante o período transitório, secções da Corporação da 'Lavoura ou da. Indústria e, decorrido esse período, autênticas corporações. Sempre, pois, que empreguemos a palavra «secção» não deverá perder-se de vista que se trata de uma qualidade actual, mas provisória, e que, no fundo, são essas secções que se consideram as verdadeiras corporações, embora futuras.
E seguem, por forma tão sumária quanto possível, os esclarecimentos que se reputam mais necessários, u boa compreensão do esquema:
a) O critério seguido para a organização de secções na Corporação da Lavoura e na da Indústria foi o de integrar na primeira as actividades de base fundamentalmente agrícola e na segunda as de base essencialmente industrial.
Assim, na Corporação da Lavoura consideraram-se as secções de: «cereais», «vinhos», «produtos agrícolas não diferenciados», «produtos florestais» e «pecuária», todas elas abrangendo, quanto possível, o ciclo de produção das respectivas actividades, visto que -já o sabe-

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mos - seriam elas as verdadeiras corporações, decorrido que fosse o período transitório fixado.
Na Corporação da Indústria, para onde se levaram as actividades de tipo propriamente industrial, procedeu-se de igual modo, constituindo-se as seguintes secções: «energia, combustíveis e indústria» extractivas», «química», e metalurgia e mecânica», «construção civil, vidro e cerâmica», «têxteis», «vestuário e calçado» e «imprensa, espectáculo e publicidade». Estas seriam, pois, as futura» corporações.
b) Considere-se, para exemplificar; a futura Corporação dos Cereais, actualmente simples secção da Corporação da Lavoura.
Aí se concentrará todo o ciclo produtivo dos cereais, compreendendo, portanto: produção agrícola, moagem, panificação e comércio de padaria. Isto quanto aos cereais panificáveis, que constituem a actividade dominante da secção.
A regra será, pois, abarcar todo o ciclo de produção, sempre que possível. Haverá excepções, que o próprio esquema denuncia, das quais registaremos apenas as que se figurem mais relevantes.
c) As secções «pecuária» e «produtos agrícolas não diferenciados» foram, no sector da Lavoura, as que maiores dúvidas suscitaram.
O critério poderia ter sido reuni-las sob a designação de «produtos alimentares», obtendo-se por esse modo maior equilíbrio potencial, considerada esta futura corporação perante as «dos cereais», «dos vinhos» ou «dos produtos florestais».
Reconheceu-se, porém, que a pecuária - abrangendo toda a criação de gado, a lã, os curtumes, as carnes e respectivas conservas, lacticínios, ovos, etc. - constitui um complexo económico bem definido; e, por outro lado, que esta mesma realidade se pode observar, embora em grau menos elevado, quanto ao conjunto dos restantes produtos agrícolas, tais como o azeite, as frutas e respectivas- conservas, os produtos hortícolas e outros.
Pareceu, por isso, móis aconselhável separar estes dois grupos da produção agro-pecuária e prever para cada um deles uma corporação própria, embora correndo o risco de certo desequilíbrio quanto ao grau de importância unitária no conjunto das corporações de base agrícola.
d) Outro ponto duvidoso é o da indústria do papel.
No nosso esquema esta indústria foi integrada na futura Corporação da Imprensa, Espectáculo e Publicidade, por isso que não faria sentido, em relação ao nosso país, e ao menos por enquanto, preconizar uma corporação exclusiva para o «papel e artes gráficas» ou «imprensa e papel», à semelhança do procedimento que se adoptou no corporativismo italiano.
No entanto, poderia admitir-se que a indústria do papel ficasse integrada nos produtos florestais, dado que a matéria-prima utilizada tem aí a sua principal origem. Atendendo, porém, a que uma grande percentagem da pasta de papel é proveniente da importação, e ainda porque esta indústria está intimamente ligada à «imprensa e artes gráficas», julgou-se mais conveniente incluí-la na futura Corporação da Imprensa, Espectáculo e Publicidade.
Escusado seria, talvez, elucidar que o agrupamento destas trás últimas actividades numa única corporação tem razão de ser, a um tempo, nas relações que as solidarizam e na reduzida importância, como corporação, que cada uma delas teria isoladamente.
e) Quanto às indústrias do vidro e da cerâmica, dada a inviabilidade prática de constituir com elas uma só corporação, como era preferível, poderiam seguir-se dois critérios perfeitamente ajustáveis ao esquema delineado: ou agrupá-las com a química ou juntá-las à construção civil.
Optou-se pela segunda hipótese, já que a produção industrial do vidro e da cerâmica se destina, em grande parte, a materiais de construção e a servir, portanto, a construção civil (chapa de vidro, telha e blocos de vidro, tijolo, telha vulgar, mosaicos, azulejos, louças sanitárias, etc.)
f) A energia e os combustíveis, por um lado, e as indústrias extractivas, por outro, bem poderiam formar por si só corporações distintas. Mas as imposições de ordem prática, tantas vezes salientadas, além de outras, aconselharam a reuni-las.
As razões deste agrupamento filiam-se principalmente na circunstância de respeitar a combustíveis (carvões) uma boa parte da indústria extractiva e, outrossim, na reconhecida vantagem de serem resolvidos em conjunto os problemas comuns aos combustíveis e a energia eléctrica, com vista à eficaz coordenação dos recursos energéticos nacionais.
g) Por último, e como princípio de orientação geral acerca do esquema apresentado; esclarece-se que a sua manufactura foi dominada por um esforço de concentração, no sentido de se chegar a um número de corporações que não tivesse de julgar-se excessivo.
Nessa instante ambição houve até o pensamento de reunir os têxteis com o vestuário e calçado, processo que só em parte satisfaria à regra da instrumentalidade. A razão do seu abandono residiu, porém, e fundamentalmente, na manifesta desvantagem de agrupar um tipo de indústria artesanal, como a do vestuário e calcado, com a indústria têxtil, de tipo predominantemente fabril. Mas tem de confessar-se que também não parece ser critério inteiramente defensável- à luz de um desejado equilíbrio de forças entre as corporações- constituir uma corporação só para o «Vestuário e Calçado», embora ali se incluam actividades que lhe estão naturalmente ligadas, tais como os curtumes, obras de pele, chapelaria e outros acessórios de vestuário.

Muito mais se poderia desenvolver esta matéria, que envolve o conhecimento de toda a estrutura concreta da economia portuguesa. E tal era o procedimento obrigatório, se houvesse o propósito de apresentar qualquer proposta definitiva sobre a matéria ou até meras sugestões, a utilizar ou não.
Mas o único objectivo, repete-se, foi o de exemplificar concretamente um possível arranjo de actividades económicas em harmonia com a solução encontrada no parecer, com vista ao critério de integração corporativa que conviria adoptar entre nós.
Mesmo assim, para a elaboração deste imperfeito e incompletíssimo esquema - que talvez ainda possa servir como ponto de partida para estudo e discussão do problema-, não se esconde o número de dias por que ele se arrastou, num fazer e desfazer sucessivos, até se chegar a um arranjo porventura equilibrado.
Mas, obviamente, o estudo a sério de tão momentoso assunto não se compadece com alguns dias - de meditação, busca de estatísticas ou paciência -, porque exige meses a sua elaboração definitiva.
Parece ser esse o trabalho a empreender imediatamente, em ordem à criação dos duas Corporações da Lavoura e da Indústria, para que surjam organizadas na base das sua» secções definitivas -e estas em termos de elaborarem os seus planos de estruturação, com vista a transformarem-se em corporações autónomas decorrido que seja o período transitório, de dois anos, proposto neste parecer.
E, se a tarefa terá de competir ao Governo, não há-de julgar-se inoportuno que, em último apontamento, se enderece também à sua alta consideração o ajuizar das possibilidades de criar - simultaneamente com as

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outras que tomou a iniciativa de propor - uma «Corporação das Artes e Profissões Liberais», cuja conveniência não necessita ser justificada.

§ 29.º

Considerações ganis

96. Terminamos com algumas considerações genéricas esta longa viagem pela estrada, em construção, do corporativismo português. _ Desbravado o caminho,- atingido o lugar de destino e feita a paragem, resta deixar em repouso as ideias, para que assentem naturalmente, e voltar a percorrê-lo, já com muito maior celeridade, para fixar apenas os pontos cardeais da orientação tomada. É esse o trabalho do «exame na especialidade» e das «conclusões» com que se dará remate ao parecer da Câmara.
Aproveitemos então esta curta paragem para conciliar as ideias, fazer o ponto e deixar subir o pensamento até à altitude suficiente para que os contornos dos pormenores se esfumem e possam ver-se apenas, na sua isolada expressão, as grandes imagens deste caso português.
Não foi por mera coincidência que a Câmara se viu simultaneamente perante duas propostas de lei - uma para «instituição de corporações» e outra sobre um «Plano de Formação Social e Corporativa».
Trata-se, efectivamente, de duas providências complementares. Talvez mais do que isso: uma só providência, concretizada em documentos distintos, porque a sua matéria formal é separada, mas reduzida a um «todo» impartível, já que a sua essência profunda é a mesma.
Na verdade, para nos arrancar do torpor corporativo, dessa indiferença em que nos tínhamos anichado por força duma inércia radicada na falta de estímulo e até por comodismo, é imperativo fazer «formação social e corporativa»: divulgar os princípios, espalhar a verdade dos seus benefícios, promover a disseminação e o esclarecimento da ideia corporativa, mergulhar fundo na estrutura social, doutrinar, formar. Mas toda esta obra de penetração, que pode ser grandiosa mas é árdua e lenta, requer um forte ponto de apoio, para ser iniciada com êxito e vitalidade; exige um grande acontecimento que a desencadeie, que desperte a consciência nacional e a faça estremecer, colocando-a perante alguma coisa de novo que vá passar-se neste país. E, vista assim a questão, tem de concluir-se imediatamente que este diploma sobre a instituição de corporações é parte integrante desse outro que é o Plano de Formação Social e Corporativa.
Por seu turno, a instituição das futuras corporações não pode ser apercebida - em toda a magnitude do acto e nas suas amplas repercussões em profundidade e extensão - sem uma larga campanha que difunda o valor do seu alto significado e prepare os espíritos para uma «viragem» que deveremos iniciar, sob pena de terem sido estéreis tanto ideal esperançoso e tantos esforços ou canseiras.
Tudo seria arriscado sem esta campanha e, outrossim, sem um plano - coordenado, metódico e firme - dirigido a uma consciencialização corporativa, com vista, sobretudo, àqueles que vivem directamente os problemas corporativos ou servem a organização. Serão eles os principais obreiros da construção das corporações, a quem há-de pedir-se fiança solidária na dívida que o País vai assumir para. com o seu destino e perante a história.
Tudo poderia ser vão sem esta campanha ou plano e, mais ainda, sem o estudo sério e metódico de toda a problemática corporativa, nos seus mais relevantes aspectos: sociais, económicos, jurídicos e morais. E porque assim é, o Plano de Formação Social e Corporativa, por sua vez, funciona como parte integrante da instituição das corporações.
Em última análise: simples «partes» dum «todo» complexo, essas duas providências legislativas sobre as quais a Câmara é chamada a pronunciar-se. E desta circunstância há que inferir todas as suas naturais consequências e tirar a lição integral dos ensinamentos que contém.
Ela significa, em primeiro lugar, que andará erradamente quem veja nesta conjuntura portuguesa apenas um novo arranjo das actividades económico-sociais, à guisa de simples ensaio, já que no fundo tudo se passará como antes, pois seria irrisório pensar que as corporações eram capazes de endireitar o Mundo.
Muitos terão na consciência uma ideia assim moldada e fixa; outros, menos descrentes, tê-la-ão no subconsciente, pronta a definir-se; e serão muito poucos os que sentem em toda a profundidade e projecção o que está a passar-se.
Pois bem:
E desses poucos - da sua tenacidade e da sua fé, da sua firmeza de convicções e do seu ideal, do seu conceito duma sociedade mais humana s mais justa - que vai depender em grande parte o sentido e o valor desta segunda arrancada corporativa». É dessa elite porque jamais as grandes obras puderam ser feitas . sem ela - que há-de brotar o caudal de espírito, todo enformado na ideia de justiça social e com a força bastante para dominar, pela qualidade, o turbilhão de interesses materiais que não querem ser perturbados na quietude regalada das posições adquiridas.
Não pode ignorar-se que o corporativismo, com a sua palavra de ordem no social e no económico -e só isto seria muito-, transporta também consiga uma antêntica mensagem de justiça; e, como processo de organização total da sociedade, nunca seria sistema completo quando ela lhe faltasse. Para realizar essa mensagem, «corporizando-a», um dos principais motores há-de ser a corporação -instrumento do corporativismo concreto -, por dar expressão efectiva aos laços de solidariedade entre patrões e trabalhadores, reunindo-os num «corpo», único, onde tem de saltar à vista a sua qualidade essencial de colaboradores numa obra comum.
A corporação deve ser, pois, um agente precioso dessa extraordinária tarefa a empreender para a reforma da empresa, fazendo dela o organismo comunitário -que já o é na essência profunda e a própria Natureza postula- donde possa tirar-se alguma esperança para essa ambição instante de edificar uma ordem mais justa e mais feliz.

Com uma «empresa» onde patrões e trabalhadores, vivendo lado a lado, ainda hoje se desconhecem ou hostilizam não pode haver paz social, porque sai violentada a condição humana e desvirtuado o verdadeiro sentido da vida em comum. Mas a sociedade, o Mundo, parecem viver na ignorância de que o seu equilíbrio instável é na carência desse ponto de apoio que tem o seu principal fundamento. E não virá muito tempo, se os olhos se fecharem a realidade tão flagrante, que uma evolução natural, ainda com condições de viabilidade, se transmude fatalmente e processe em termos revolucionários. A História é tão pródiga nesses exemplos que não permite aos espíritos esclarecidos quedarem-se o naquele engano de alma ledo e cego que a fortuna não deixa durar muito».
Talvez sejam só alguns a ver estas coisas que a fortuna não deixa durar muito». Mas chega a ser criminoso não denunciar o perigo próximo, para que a todos sem excepção, mas sobretudo àqueles que têm uma palavra

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definitiva a dizer -os donos das empresas-, este cruciante problema se ponha em toda a sua claridade e agudeza.
Pois a corporação também, neste vértice da problemática social, tem uma função declarada: tanto pela consciência de corpo que irradiará sobre os seus membros, como pela contribuição utilíssima que pode emprestar ao fomento das relações humanas da empresa, no plano concreto, e, outrossim, ao estudo dos problemas da produtividade. Tudo com vista ao objectivo último duma necessária elevação no nível de vida geral.

97. Ao deixarmos estas altas paragens, voltando a um terreno corporativo mais chão, ouviremos os cépticos-a grande maioria, mesmo quando o não confessem - declarar que, no concerto das actividades económicas, esta retirada espectaculosa do Estado perante a corporação é pura ingenuidade, porque, no condicionalismo do mundo contemporâneo, a sua intervenção directa e o seu comando imediato não podem, dispensar-se.
Há-de ser espinhosa e lenta esta obra de -à vista dos factos, e só deles - convencer do seu erro a mentalidade socialista de tantas pessoas, que assim pensam sem aderir ao socialismo como ideologia política. Compreendemo-la perfeitamente, a essa mentalidade, porque também não desconhecemos que essas pessoas têm apenas uma ideia vaga do sistema corporativo, se é que a têm. E, quando afirmam a priori não existir outro processo actual para a condução da vida económica, laboram sobre uma «ideia feita» e já radicada na tradição longa das últimas décadas deste século.
É um vírus socialista que os próprios Estados, e um pouco por toda a parte, se têm encarregado de injectar permanentemente nos povos, com absorver mais e mais todas as peças do mecanismo social: E a .tal ponto que, à mais pequena aflição, ninguém já hesita um momento e é para o «Estado-pai de todos» que sempre se apela.
A História tem de desenvolver-se muitas vezes- por meio de extremos. Assim, toda a humanidade viveu ,mais de um século a ver apenas o deus-indivíduo, deixando matar os trabalhadores pela fome e as empresas Sela ruína de uma concorrência desenfreada; e, apesar e tudo, quase não via o Estado, porque tinha no corpo o vírus do liberalismo extremo. Mas a face das coisas mudou - mudou porque assim tinha de ser - e o homem agora, na mesma cegueira de trevas, só tem um clarão de luz direito ao Estado.
O fenómeno, se o examinarmos de alto, mostra-nos que tem de haver um lapso em tudo isto e que o equilíbrio social nem há-de depender exclusivamente do Indivíduo nem do Estado, mas supõe-se que da combinação institucional entre os dois, por meio do sistema corporativo..
E, quando surjam os cépticos novamente a sorrir de como é possível encarregar-se a corporação da disciplina económica, poderá responder-se-lhes gradualmente e por uma ordem lógica, que intentaremos dar à resposta.
Primeiramente, se a autodirecção económica deve ser operada por intermédio das corporações, tal não implica necessariamente que o Estado deixe de ter, por seu turno, uma iniciativa económica nos problemas-chave da economia nacional. Exemplificando: o caso de um «plano de fomento», em que o Estado presidirá à sua elaboração e condução superior, embora as corporações colaborem activamente na realização do plano, que delas dependerá numa parte apreciável.
De outro lado, também há determinadas questões do domínio económico que, embora se situem em plano menos elevado, não convirá porventura entregá-las à corporação, já pela sua índole, que pode cruzar-se com o interesse normal das actividades integradas, já por outras quaisquer razões específicas. Exemplificando: o problema do acondicionamento industrial», onde, desde logo e como princípio, se pode presumir a existência de um interesse corporativo a colidir com a orientação superior do Estado no sentido de uma livre iniciativa.
Como primeira conclusão dir-se-á, pois, que a autodirecção da economia é uma «regra» e, como tal, tem de admitir as suas excepções.
Mas, quanto a tudo o resto, que é afinal a generalidade dos problemas económicos - quais as garantias oferecidas pela corporação quanto à bondade e ao acerto das suas decisões?
Antes de formular a resposta, será indispensável uma rápida indagação sobre aquelas garantias que o próprio Estado oferece para essa direcção económica que até agora lhe tem sido confiada.
No aspecto técnico não pode assegurá-las melhor do que a corporação-por hipótese um organismo tecnicamente qualificado, com os seus imprescindíveis órgãos de estudo e de necessária especialização, no seu sector de actividades.
No relativo ao conhecimento dos problemas, à perfeita informação sobre as suas particularidades, às possíveis colisões de interesses que eles envolvem, à rapidez nas resoluções - encontra-se o Estado em plano de nítida inferioridade. Nem seria necessário citar o facto, corrente em toda a parte, da Administração a errar porque desconhecia determinado pormenor, ou porque não ouviu, nem podia ouvir, todos os interessados directamente atingidos, ou ainda porque não vive os problemas, nem lhes conhece a sensibilidade, quando todos têm as suas implicações na vida concreta. E então, como tantas vezes acontece: faz-se e desmancha-se, torna-se a fazer e a desmanchar.

Nestes domínios a corporação deve exercer, melhor do que o Governo, a disciplina das actividades económicas. Mas, ao .passar-se daqui .para a consideração do interesse nacional, vem dizer-se logo que não há outra entidade que reúna os requisitos do Estado para a 'sua defesa e plena garantia. Também o afirmamos no tom mais convicto e peremptório; mas- tal não exclui, de modo algum, a hipótese de uma autodirecção da economia.
É evidente que a objecção posta seria irrespondível quando se concebesse uma corporação abandonada a si própria. Mas do presente parecer não resulta, nem de longe, uma ideia falsa como essa. O que resulta, isso sim, é que o Governo não comanda a corporação, mas está dentro dela, constituindo um órgão fundamental da sua estrutura, 'que assiste a todas as decisões, vigia o seu funcionamento em todas as minúcias, informa-se da regularidade gestiva, ausculta o seu ambiente moral. E aconselha, emite a sua opinião, sugere. Nos casos extremos, pode fazer subir à Câmara Corporativa qualquer decisão.
Nesta posição de assistência constante, eficiente e pronta, pode dizer-se que o Estado se encontra fora da corporação, no sentido- de a não dirigir, mas em sítio de onde a abrange integralmente, naquela função que mais acima lhe outorgámos de direito e sem reticências: supremo fiscal e supremo garante do bem comum.
Concebida assim a corporação - dentro daquele sistema de defesas de que o parecer a rodeou, sobretudo os princípios do «equilíbrio funcional», da intervenção da parte interessada» e da fiscalização estadual-, parece não ser muito possível sustentar que a direcção económica é melhor exercida pelo' Governo do que pela . via corporativa. Teoricamente seria até quase absurdo afirmá-lo; tão simplesmente, porque esta última alternativa é muito mais rica e valiosa quando acrescenta - a unia fiel interpretação do bem comum, que o Poder

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Central assegura, mediante a sua presença num órgão interno e permanente- todos os benefícios que, na ordem técnico-económica, a corporação incontestavelmente comporta.
Mesmo quanto à independência, a Administração ganhará em pureza, desprendida como fica dum comando económico em que aparece envolvido o seu nome e o seu prestígio, umas vezes não podendo voltar atrás,- porque já deu o primeiro passo em frente, outras intervindo com paixão semelhante ò do empresário na luta económica. E poderíamos, sem qualquer artifício, figurar o Poder a funcionar quase como parte interessada, quando se vincula a uma atitude com o afinco- ou a teimosia - própria de iodos os homens, simples particulares ou representantes do Estado.
De qualquer forma, aceitem-se ou não as razões como boas e os fundamentos como válidos, em Portugal o problema está posto perante a Nação e pelo próprio Governo. Ë o Estado que voluntariamente se despoja em holocausto nacional, dando lição de coragem e de fé a um Mundo abúlico e perplexo, inferiorizado pelo cepticismo e quase vencido sem combate.
Todavia, para que a lição possa ser aprendida, se projecte e perpetue, há-de o País -todos quantos nele tenham responsabilidades - entendê-la primeiro em toda a sua altura e dimensão, na certeza duma nova ordem que começa e dos seus reflexos profundos nas estruturas, não só económicas e sociais, mas também do foro moral.
O corporativismo traz na sua ética -já o dissemos- uma palavra de ordem e harmonia fundida numa aspiração de justiça social. Quem só veja uma, ou queira desconhecer a outra, trabalha anticorporativamente, mesmo sem o saber.
A ideia corporativa, ou se aceita totalmente e tem autêntica expressão como portadora dum princípio de aperfeiçoamento e de progresso sociais, ou não vale a pena lutar por ela, deixando ficar tudo como está. Sem a seiva desse ideal que transporta o corporativismo não pode desenvolver-se nem florescer - é só um sistema melhor de arranjo social, sem valor nem força pára essa luta ideológica que ascendeu ao primeiro plano das questões universais. Sendo, embora, forte, ficaria condenado a deixar-se vencer.
Têm de meditar nisto, para não serem logrados, os que suponham poder ganhar, com «águas mornas», a grande partida que está a jogar-se neste Mundo em completa ebulição.
A empresa é dura, mas heróica. E este grande-pequeno país, para onde o dedo da Providência apontou - talvez pela sua perene vocação missionária-, vai direito à luta das ideias, na consciência segura de que interpreta o sentido e o anseio da civilização ocidental e cristã, que ajudou a construir e está apostado em sustentar.

Depois de tão longa estagnação corporativa -tão longa que chegou a pensar-se não mais podermos sair dela-, a clarividência do sentido nacional e o prestígio inigualável dum grande Chefe, aliados à fortaleza de convicções, à pureza de ideal e ao dinamismo dos Ministros responsáveis, operaram este quase milagre da nossa ressurreição corporativa.
Saibamos corresponder-lhes com o nosso dever patriótico e o nosso optimismo.
A Câmara não os recusa. E confia em que o seu exemplo há-de frutificar.

II

Exame na especialidade

98. Como razão de ordem, começará por dizer-se que a extensão, talvez exagerada, concedida à apreciação na generalidade da proposta de lei que esta sendo objecto do parecer da Câmara permite -e até exige - se caminhe muito mais rapidamente neste novo capítulo do exame na especialidade.
Ser-se-á, pois, muito mais sucinto, agora, apontando concisamente as alterações ou aditamentos a introduzir no articulado da proposta de lei, só os fundamentando - e apenas na parte essencial - sempre que o assunto considerado não tenha tido referência na matéria de apreciação na generalidade.
Como regra, examinar-se-á cada base de per si, seguindo a ordenação da proposta de lei, e só procedendo a uma análise conjunta quando a afinidade de matérias o aconselhe ou imponha.
Também como linha de orientação geral, convém esclarecer que se fará o confronto, sempre que interessante e possível, das novas disposições -que constam da proposta de lei- com as suas correspondentes no Decreto-Lei n.º 29 110, de 12 de Novembro de 1938, estatuto regulador das corporações ainda vigente e de que o Governo agora propõe a revogação.

99. Consideremos então a base I da proposta de lei:

BASE I

As corporações constituem a organização integral das diferentes- actividades de ordem moral, cultural e económica e têm por fim representar e defender os seus interesses, com vista à realização do bem comum.

Não se pretende com esta base apresentar uma definição. Alias, o critério dó «definir», em diplomas legislativos, está modernamente posto de parte, pelas desvantagens quê encerra.
Aceita-se, pois, e em princípio, o teor da base i como simples conceito, geral de «corporação» afeiçoado à peculiaridade do sistema corporativo português.
Aceita-se e aplaude-se. Isto, sobretudo, porque é de louvar a maior verdade e rigor que o conceito proposto apresenta em relação ao que se encontrava disseminado pelas nossas leis corporativas, com início no Estatuto do Trabalho Nacional: «organização unitária das forças da produção».
Esta ideia exclusiva da «produção», certa num sistema restritamente económico como era o do corporativismo italiano, não diz o bastante 6 pode induzir em erro quando transplantada para o clima duma concepção corporativa «quase integral», como é a do regime português.
Um primeiro reparo: a corporação, além de «representar e defender» interesses, também os coordena - e este atributo coordenador é mesmo' um dos seus mais salientes caracteres. Por isso se propõe tal aditamento à base I, convindo até colocar em primeira linha o fim da «coordenação» e só depois os dois outros fins ali enunciados - a representação e a defesa.
Seria, deste modo, alterada a base I, conforme a redacção seguinte:

As corporações constituem a organização integral das diferentes actividades de ordem moral, cultural e económica e têm por fim coordenar, representar e defender os seus interesses, com vista à realização do bem comum.

A expressão usada na proposta de lei -«organização integral das diferentes actividades de ordem moral, cultural e económica»- não tem significado rigoroso, porquanto o corporativismo português é apenas «quase integral». Há, pois, actividades que não devem ter inte-

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gração corporativa, designadamente algumas das que se encontram directamente adstritas à Administração Central, como seus serviços próprios: Exército, Armada, Polícia, representação diplomática e consular, etc.
No entanto, pode considerar-se que está subentendida naquela «organização integral» a exclusão de tudo quanto deva constituir actividade específica do Estado. E pode até ser de interesse conservar a palavra «integral» ao menos como afirmação de princípio, no sentido de deverem ser corporativizadas todas as actividades possíveis, inclusivamente algumas ainda hoje na órbita da Administração e que parece deverem separar-se dela: por exemplo, a Universidade.
Um último reparo, agora quanto à epígrafe a que estão subordinadas as três primeiras bases da proposta de lei - «Fins e constituição». A ordem, por mais real e, consequentemente, mais lógica, parece ser «Constituição, e fins». Como tal, propõe-se essa ligeira alteração.

100. Antes de entrar no exame da base II interessa referir que este número de ordem deverá atribuir-se à matéria que a proposta de lei inclui na base VII, onde se prescreve que:

1. As corporações são pessoas colectivas de direito público.
2. O reconhecimento da personalidade das corporações será feito por decreto, ouvido o Conselho Corporativo.

Com efeito, o atributo da personalidade colectiva e o seu reconhecimento jurídico cabem mais correctamente na esfera da «constituição» do corpo colectivo, embora também possa defender-se o critério de os incluir no domínio da «organização», tal como se procede na proposta de lei.
E, na linha deste pensamento, a Câmara pronuncia-se pela colocação da base VII no segundo lugar da ordenação geral do articulado, suprimindo-se apenas no n.º 2 as seguintes palavras: «da personalidade»

101. A base II da proposta de lei está redigida nestes termos:.

BASE II

1. As corporações são formadas por instituições ou organismos corporativos, segundo as funções sociais ou económicas ou os ramos fundamentais da produção.
2. As instituições e organismos correspondentes a actividades diferenciadas podem constituir secções dentro da corporação.

Comecemos a análise pelo n.º l, mão só mais importante, mas ainda o que pode suscitar algumas dúvidas.
Interessa muito, quanto a esta parte da base n, compará-la com a disposição correspondente do Decreto-Lei n.º 29 110. Estabelece-se no artigo 2.º deste último diploma que:

As corporações são constituídas por todos os organismos corporativos de grau inferior que nelas se integrem, segundo as grandes actividades nacionais ou os ramos fundamentais da produção, e, neste último caso, abrangerão normalmente o ciclo económico dos produtos.

Cotejadas estas normas similares, ressaltam logo duas diferenças principais, além de outras, de somenos importância.
Primeiramente, na proposta de lei consideram-se «instituições ou organismos corporativos», enquanto no Decreto-Lei n.º 29 110 se faz referência apenas a «organismos corporativos». Este pormenor diferencial deriva certamente de não terem sido esquecidas agora as corporações morais e culturais, onde, em regra, não será normal contar-se com organismos corporativos (em sentido técnico), sendo necessário aproveitar as instituições existentes de vária ordem - religiosas, literárias, artísticas, de assistência ou beneficência, de educação física, etc. E tal significa que, neste particular, o projectado diploma sobre as corporações acusa um notório progresso em relação ao Decreto-Lei n.º 29110, o que só merece louvor.
Em segundo lugar, como critérios de integração corporativa, a proposta de lei prescreve «as funções sociais ou económicas ou os ramos fundamentais da produção» e o Decreto-Lei n.º 29 110 prevê as grandes actividades nacionais ou os ramos fundamentais da produção, e, neste último caso, abrangerão normalmente o ciclo económico dos produtos».
Assinala-se a repetição da melhoria referida há pouco -fundada na consideração da existência de corporações morais e culturais- ao mencionarem-se agora «funções sociais», visando com certeza os dois casos de corporações da- ordem moral e cultural. Embora se possa dizer que também o Decreto-Lei n.º 29 110 já abrangia esses dois tipos de corporação, ao mencionar as «grandes actividades nacionais», a verdade é que a proposta de lei lhes faz uma referência directa.
O que mais interessa, porém, é averiguar se há alguma modificação relativamente ao critério integrador para as corporações económicas. Ambas as- disposições cotejadas, como é fácil verificar, sancionam simultaneamente os dois critérios mais representativos: ò «da função económicas» ou das grandes actividades económicas», e o «dos ramos fundamentais da produção».
Há, todavia, uma diferença - o Decreto-Lei n.º 29 110 completa a caracterização do critério dos «grandes ramos da produção», acrescentando que ele abrangerá «normalmente o ciclo económico dos produtos»; e a proposta de lei omite tal circunstância.
Intencionalmente? Tudo indica que sim. Mas o que tem de asseverar-se é que essa parte complementar do Decreto-Lei n.º 29 110 não é de modo algum despicienda. Muito ao contrário, há toda a vantagem em mante-la para que não venha um dia a legitimar-se uma interpretação do texto que, por exemplo, admita satisfazer ao condicionalismo legal uma Corporação dos Cereais (segundo este ramo fundamental da produção) que só integre a sua fase agrícola e deixe de parte as duas restantes fases - industrial (da moagem) e comercial (das padarias).
Na solução corporativa trazida pela proposta de lei compreende-se perfeitamente que não era possível sequer obrigar ao «ciclo económico dos produtos», quando se pensavam três corporações, da Lavoura, da Indústria e do Comércio, todas «mais ou menos» definitivas. Mas já na solução apresentada pela Câmara não só há possibilidade de- o fazer, como é forçosamente necessário estabelecê-lo.
Nestes termos, e tendo em consideração que, até no simples aspecto formal, a redacção do Decreto-Lei n.º 29 110 é mais correcta do que a da proposta de lei - a Câmara sugere se adopte aquele primeiro texto, com alguns pequenos retoques e completado também com as melhorias que antes destacámos e há toda a vantagem em aproveitar.

Assim, o n.º l da base II da proposta de lei poderia ser formulado da maneira seguinte:

1. As corporações são constituídas por instituições ou organismos corporativos, nelas integrados

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segundo as funções sociais ou económicas ou os ramos fundamentais da produção, e, neste último caso, abrangendo normalmente o ciclo económico dos produtos.

E quanto ao n.º 2, anteriormente transcrito, a Câmara nada tem a objectar.

102. Passemos a encarar a base III, uma das que provocaram mais desenvolvidas considerações no capítulo da « generalidade», e que está redigida como segue:

BASE III

Enquanto forem julgados necessários, os organismos de coordenação económica funcionam como elementos de ligação entre o Estado e as corporações, devendo os seus órgãos representativos, sempre que possível, ser constituídos pelas secções destas.

Não vão reeditar-se, evidentemente, os exaustivos comentários que se incluíram no § 23.º do presente parecer.

O que importa, nesta altura, é apenas destacar as conclusões a que se chegou no decorrer da «apreciação na generalidade» e propor para a base m uma redacção que as concretize em articulado..
Ora, são duas as propostas da Câmara a respeito dos organismos de coordenação económica.
A primeira está na última parte do n.º 69. (§ 23.º), onde -ao exemplificar com o caso das juntas nacionais- se escreveu: «Desapareceria o órgão colegial do organismo-junta, ficando este a funcionar com os seus presidente e vice-presidente, coadjuvados pelos serviços. E -para todos aqueles casos que excedessem a competência do presidente da junta- requereria este que fosse convocada uma reunião especial da secção corporativa para tomar deliberações, com a sua audiência».
A segunda conclusão sobre tão delicado problema contém-se no final do n.º 71 do mesmo § 23.º, que seguidamente se transcreve:

1.º Fixação do prazo de dois anos como período transitório máximo, quanto aos organismos de coordenação económica;
2.º Até ao fim do primeiro ano desse período cada organismo de coordenação económica, em conjunto com a secção da corporação a que esteja adstrito, deverá apresentar o seu plano de integração, competindo ao Conselho Corporativo aprová-lo em definitivo; .
3.º Cessa toda a competência dos organismos de coordenação económica findo o período transitório • fixado, ou antes, se tal for possível.

Todo o trabalho se resume agora - e confessa-se não ser o mais fácil - a converter em articulado essas fundamentais conclusões.
Neste sentido, propõem-se as bases seguintes em substituição da base III:

NOVA BASE

1. Ê estabelecido o período máximo de dois caiu» para a subsistência dos organismos de coordenação económica, o qual se contará a partir da data em que for constituída cada corporação integradora das actividades económicas coordenadas por esses organismos.
2. No decurso do primeiro ano do período fixado no número anterior serão efectuados os estudos e elaborados os planos necessários à transferência
para as corporações de todas as funções dos referidos organismos que devam passar a competir-lhes, bem como dos respectivos serviços e pessoal, cabendo ao Conselho Corporativo a sua aprovação.
3. Decorrido o período fixado w ainda antes, se for possível, providenciará o Governo relativamente às actuais funções daqueles organismos que devam ser desempenhadas por serviços do Estado de natureza adequada.

NOVA BASE

1. Instituídas que sejam as corporações integradoras de actividades presentemente abrangidas pelos organismos de coordenação económica, a competência dos conselhos gerais dos institutos e a das juntas nacionais e comissões reguladoras, em sessões plenárias, passará a ser exercida pelas secções das corporações onde se encontrem representadas as correspondentes actividades.
2. Para os efeitos do número anterior os presidentes ou directores dos organismos de coordenação económica têm a faculdade de requerer, quando necessário, a convocação de reuniões das respectivas secções, com o fim de simplesmente as ouvirem ou de serem tomadas quaisquer deliberações, sempre com a sua assistência.
3. Durante o período a que se refere a base anterior os organismos de coordenação económica funcionarão junto das corporações como elementos de ligação entre o Estado e a organização corporativa.

103. Segue-se a base IV da proposta de lei, a mais extensa de todas, subordinada ao capítulo n, intitulado «Atribuições e competência». Ali se estabelece que:

BASE IV

São atribuições da corporação:
a) Exercer as funções políticas conferidas pela lei;
b) Representar e defender, nomeadamente na Câmara Corporativa e junto do Governo e dos órgãos da Administração, os interesses comuns das respectivas actividades;
c) Intervir na negociação das convenções colectivas de trabalho, promover a organização e o desenvolvimento da previdência, bem como dos serviços sociais corporativos e do trabalho, e, quando solicitada, tentar a conciliação nas controvérsias entre patrões e trabalhadores;
d) Regular as relações sociais ou económicas entre as instituições ou os organismos corporativos, propor ao. Governo normas de observância feral sobre a disciplina das actividades ou da produção e dos mercados ou, com assentimento do Estado, estabelecer essas normas, com vista, designadamente, à colaboração das classes, ao aperfeiçoamento da técnica e aumento da produtividade do trabalho, aos menores preços e maiores salários compatíveis com a justiça social;
e) Desenvolver a consciência corporativa e o espírito de cooperação social, bem como o sentimento de solidariedade de interesses entre todos os elementos que a compõem;
f) Conhecer dos recursos interpostos das decisões de natureza disciplinar- dós organismos que a integram.

Para seguir uma ordem lógica na análise da base transcrita, comecemos por destacar as principais conclusões - em matéria de competência da corporação- no capítulo da «apreciação na generalidade».

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A ideia fundamental que o presente parecer traz, como contributo para se enfrentar este importante problema, é uma afirmação de princípio acerca da competência da corporação. Pode exprimir-se por estas poucas palavras: na fase inicial da corporação a sua competência será mitigada tal como o Governo a propõe; simplesmente, na base respectiva, declara-se desde já a plenitude dessa competência, acrescentando-se-lhe uma disposição transitória que a limite, enquanto o funcionamento experimental da corporação o imponha ou as circunstâncias o aconselhem (vide § 20.º, n.º 56, in fine}.
Os resultados práticos são precisamente os mesmos, quer se siga o trilho da proposta de lei ou o caminho sugerido no parecer. Este ultimo, porém, revela uma concepção corporativa mais pura ao afirmar o princípio da competência plena -e só depois o restringindo a título temporário.
Outra conclusão do parecer reporta-se à função coordenadora que as corporações devem ter relativamente à acção dos organismos nelas integrados, função já prevista na enumeração do Decreto-Lei n.º 29.110 [artigo 4.º, alínea o)] e que se torna necessário aditar à base IV da proposta de lei (vide § 20.º, n.º 58).
Em directa correspondência com esta função -e para que fique suficientemente esclarecida a tal respeito a posição dos organismos de coordenação económica- também se mostra de toda a conveniência (inscrever uma outra norma onde se estabeleça que a corporação exercerá a sua actividade coordenadora sem prejuízo das atribuições actualmente conferidas àqueles organismos, os quais as desempenharão durante o período transitório em que ainda foram julgados necessários» (n.º 58).
Além disto, também se sublinhou a necessidade de prescrever à corporação «funções de estudos e «funções de cultura técnica e ensino especializado», às quais a proposta de lei não faz qualquer 'referência (n.º 59, in fine).
E, por último, também no presente parecer foi sugerido «que fique taxativamente consignado na proposta de lei -entre as funções sociais atribuídas à corporação- o largo sector das «obras sociais em benefício aos trabalhadores» (§ 22.º, n.º 61).
Eis o que de conclusivo comporta o parecer na sua «apreciação na generalidade».

104.. E, dito o que falta na proposta de lei, resta indagar apenas sobre se o que lá se contém no âmbito da competência suscita qualquer crítica ou requer alterações.
Para tanto consideremos a base IV, alínea- por alínea, observando-se desde já -e como objecção de ordem geral- que se afigura vantajoso desdobrar algumas dessas alíneas no sentido de lhes imprimir maior rigor e clareza.
Nada a opor quanto às duas primeiras alíneas a) e b). E passemos à alínea c), onde se consigna que são atribuições da corporação:

c) Intervir na negociação das convenções colectivas de trabalho, promover a organização e o desenvolvimento da previdência, bem como dos serviços sociais corporativos e do trabalho, e, quando solicitada, tentar a conciliação nas controvérsias entre patrões e trabalhadores;
Praticamente toda a matéria desta alínea -com excepção do referente aos serviços sociais corporativos e do trabalho, onde a proposta de lei é inovadora - estava já contida no Decreto-Lei n.º 29 110, embora com diferente arrumação.
Há, todavia, algumas modificações a salientar. Assim, naquele citado diploma atribuía-se à corporação a competência para «promover a realização e o aperfeiçoamento das convenções colectivas de trabalho», enquanto agora se lhe prescreve «intervir na negociação das convenções colectivas de trabalho».
E inegàvelmente mais relevante a atribuição da proposta de lei, dando às corporações o poder de intervir na negociação das convenções colectivas de trabalho, o que - no regime vigente do Decreto-Lei n.º 36 173, de 6 de Março de 1947- apenas compete às direcções dos organismos corporativos, com a colaboração dos serviços de acção social e delegações do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência (artigos 25.º e 26.º).
Concorda-se inteiramente com a inovação, pelos salutares efeitos que se lhe antevêem. Mas tal. não implica que se retire à corporação a faculdade de promover a realização de convenções colectivas futuras ou o aperfeiçoamento das que já se encontrem em vigor. Por isso se sugere a manutenção do legislado no Decreto-Lei n.º 29 110, aditando-se-lhe o novo poder outorgado pela proposta de lei.
Além disso - e como complemento do seu poder de intervir nas negociações- a Câmara entende que também deve atribuir-se à corporação competência para arbitrar em matéria de convenções colectivas de trabalho, sempre que lhe não seja possível fazer chegar a um desejado acordo as partes em presença. Mas, por outro lado, importa conferir ao Governo a última decisão acerca de questões, como a fixação de salários, que, em alguns casos, podem revestir um interesse verdadeiramente nacional.
Ao Governo deve incumbir, portanto, resolver sobre a arbitragem da corporação -e obrigatoriamente dentro de prazo a fixar por lei -, o que, aliás, está em perfeita harmonia com o direito de «homologação» das convenções colectivas, que legalmente lhe pertence.
Nestes termos, a alínea c), na parte em discussão, poderia ficar assim redigida:

c) Promover a realização e o aperfeiçoamento das convenções colectivas- de trabalho, intervir e arbitrar nas negociações a elas respeitantes e sancioná-las, conforme os princípios do Estatuto do Trabalho Nacional, competindo ao Governo resolver sobre a arbitragem da corporação, no prazo que a lei determinar;

Esclareça-se que o acrescentamento introduzido, relativamente à sanção, tem o seu fundamento na doutrina do artigo 33.º do Estatuto e na conveniência em evitar quaisquer dúvidas sobre a plena validade desta citada disposição legal após a publicação do Decreto-Lei n.º 36173, acima mencionado, que é inteiramente omisso a respeito da sanção das convenções colectivas pelos organismos corporativos superiores.
A parte seguinte da mesma alínea c), com a qual sé concorda, poderá- constituir uma nova alínea, nestes termos:
Promover a organização e o desenvolvimento da previdência, das obras sociais em beneficio dos trabalhadores e doa serviços sociais corporativos e do trabalho.

A parte final da alínea e) -«tentar a conciliação das controvérsias entre patrões e 'trabalhadores»- parece melhor relegá-la para outra base, regressando-se ao critério do Decreto-Lei n.º 29 110, que se julga mais correcto [vide alínea f) do artigo 4.º].

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105. Alguns dos mais importantes poderes da competência estão incluídos na alínea d), que vamos reproduzir e examinar:

d) Regular as relações sociais ou económicas entre as instituições ou os organismos corporativos, propor ao Governo normas de observância geral sobre a disciplina das actividades ou da produção e dos mercados ou, com assentimento do Estado, estabelecer essas normas, com vista, designadamente, à colaboração das classes, ao aperfeiçoamento da técnica e aumento da produtividade do trabalho, aos menores preços e maiores salários compatíveis com a justiça social;

Quanto à primeira parte da alínea -«regular as relações sociais ou económicas entre as instituições ou organismos corporativos» -, supõe-se mau acertado deslocá-la desta base, entre outras razões para não confundir este aspecto de competência plena .com os restantes, que são notoriamente de competência mitigada. E, visto haver que inserir uma nova alínea acerca das funções coordenadoras da corporação -como já mais acima se anotou (n.º 103) -, bem- podem juntar-se as duas disposições, que são similares. E, além disso, convirá também aditar -no final da base respectiva-um novo número, em que fique ressalvada a competência coordenadora dos organismos de coordenação económica, conforme se expôs anteriormente (n.º 103).
Dentro desta orientação, a nova alínea poderia ficar redigida aproveitando-se quase todo o texto correspondente do Decreto-Lei n.º 29 110 [antigo 4.º, alínea b)]:

Nova alínea-Coordenar a acção dm instituições ou organismos corporativos que a constituem e regular as relações sociais ou económicas entre eles, tendo em vista os seus interesses próprios e os fins superiores da organização;
Sovo número - Durante o período transitório estabelecido para a subsistência dos organismos de coordenação económica, a acção coordenadora das corporações, expressa na alínea . . ., só poderá ser exercida sem prejuízo da competência legalmente atribuída àqueles organismos.

A parte restante da alínea d), que já sabemos ser de competência diminuída, refere-se primeiramente a t propor ao Governo normas de observância geral ...» e depois a estabelecer normas «com assentimento do Estado».
Pelo que respeita a essa faculdade de «propor ao Governo normas de observância geral», convém mante-la, não apenas quanto à «disciplina das actividades ou da produção e dos mercados», mas mais .extensamente «sobre quaisquer matérias de interesse para a corporação ».
No concernente à prerrogativa de «estabelecer normas, com assentimento do Estado» -expressão vaga que se supõe querer significar «assentimento do Governo»- julgo-se conveniente redigir a respectiva alínea da base IV por modo definitivo, seguindo o critério da plenitude de competência como afirmação do princípio da autonomia (vide § 20.º, n.º 56, in fine).
Tal procedimento implica, que aditemos à mesma base um novo número em que essa plena competência apareça provisoriamente limitada, enquanto as circunstâncias o aconselharem, durante a primeira fase da vida das corporações que tem de considerar-se o seu período experimental. E o mais provável será, até, que a competência minimizada da corporação, no pertinente a esta alínea, não venha a ser alargada de um jacto, mas antes escalonadamente, à medida que a regularidade e eficiência do seu funcionamento o justifiquem.
Postas estas considerações, sugere-se o desdobramento da matéria fundamental da alínea d) em duas alíneas diferentes, acrescentando-se uma disposição transitória no final da respectiva base, tudo nos termos seguintes:

Nova alínea - Propor ao Governo normas de observância geral sobre quaisquer matérias de interesse para a corporação;
Nova alínea - Estabelecer normas sobre a disciplina .económica e social dos interesses e actividades nela representados, com vista, designadamente, à colaboração entre o capital e o trabalho, ao aperfeiçoamento da técnica e aumento da produtividade, ao regime da produção e dos mercados, aos menores preços e maiores salários compatíveis com a justiça social;
Novo número - Provisoriamente - e enquanto as circunstâncias o aconselharem - a competência atribuída na alínea ... só poderá ser exercida com assentimento do Governo, devendo para tal ser-lhe submetidos os projectos normativos votados pelos conselhos das corporações.

A anotar que se introduziram ligeiras modificações no texto da alínea d), destacando-se em especial as palavras «colaboração das classes», que se substituíram por «colaboração entre o capital e o trabalho», evitando-se, assim - em diploma genuinamente corporativo-, o emprego do vocábulo «classes »_no significado em que o toma a proposta de lei.

106. Quanto à alínea e), só há que aplaudir o pequeno aditamento que a proposta de lei introduziu na doutrina já consagrada pelo Decreto-Lei n.º 29 110, onde se estatui: «desenvolver a consciência corporativa e o sentimento da solidariedade entre todos os elementos orgânicos nelas integrados» [artigo 4.º, alínea a)].
E pode passar-se ao exame da alínea f), à qual se deverá juntar a última parte da alínea c), consoante a justificação apresentada oportunamente (n.º 104, in fine).
Assim se procede no Decreto-Lei n.º 29 110, onde se dispõe: «conhecer dos recursos interpostos das decisões de natureza penal aplicáveis pelos organismos corporativos ou pelos previstos no artigo 3.º (organismos de coordenação económica) e tentar a conciliação nas controvérsias colectivas de trabalho, quando de tal encarregadas pelo Governo».
Dentro desta mesma orientação, a alínea f) da proposta de lei poderá formular-se da seguinte maneira:

f) Conhecer dos recursos interpostos das decisões de natureza disciplinar dos organismos que a integram e, quando solicitada, tentar a conciliação nas controvérsias entre patrões e trabalhadores.

O conteúdo desta alínea, a que o parecer nada acrescenta em relação à proposta de lei, colide em parte com a competência dos tribunais do trabalho, regulada no respectivo Código de Processo -Decreto-Lei n.º 31464, de 12 de Agosto de 1941, artigo 11.º, n.(tm) 8.º, 9.º e 10.º-, mas calcula-se ter sido essa a própria intenção do Governo ao apresentar a base em referência. Com efeito, não existindo corporações, a competência em matéria disciplinar, quanto aos organismos corporativos, estava confiada naturalmente aos tribunais do trabalho. Agora, instituídas que sejam as corporações, não faria sentido que fosse recusada - a esses organismos superiores da hierarquia corporativa - a competência disciplinar que institucionalmente lhes pertence. E assim se conclui pela concordância com a ci-

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tada alínea f) e consequente transferência, para a corporação, da judicatura em matéria disciplinar.
Em continuação da nossa análise, interessa propor uma outra alínea onde se faça expressa referência a duas funções (relevantes da corporação, omitidas simultaneamente na proposta de lei e no Decreto-Lei n.º 29 110: » funções de estudo» e «funções de cultura técnica e ensino profissional».
Com tal objectivo, mostra-se necessária a inclusão duma nova alínea na base IV, a saber:
Nova alínea - Fomentar o estudo dos problemas relativos ao seu sector de actividades, bem como impulsionar e desenvolver a cultura técnica e a preparação profissional.

Continuando o exame da base IV, apontar-se-á que se julga conveniente acrescentar-lhe uma nova alínea, que conota já do Decreto-Lei n.º 29 110 [artigo 4.º, alínea c)], podendo manter-se a sua redacção:

Nova alínea - Dar parecer ao Governo sobre todos os assuntos que lhe sejam submetidos.

Presumivelmente, a proposta de lei suprimiu esta «função de consulta» por a considerar talvez desnecessária em presença do disposto no n.º l da base seguinte: «O Governo poderá ouvir as corporações sobre problemas de administração pública» (base v). Mas não nos parece ser esse o processo preferível, como teremos ocasião de justificar ao proceder ao exame da base seguinte.
For último -e a fim de evitar quaisquer dúvidas, embora pouco prováveis, sobre o alcance da competência fixada à corporação- interessa incluir na base IV um novo número onde se afirme que tal competência será sempre exercida sem prejuízo da orientação e coordenação superiores do Estado nos termos da lei.
Realmente, a corporação não é «órgão do Estado» no sentido restrito em que a palavra Estado se toma nessa expressão e corresponde a «órgão da Administração Central ou do Governo ». Mas já será «órgão do Estado» quando à palavra se dê o seu mais amplo e verdadeiro significado, pois as corporações são «corpos constituídos e representativos» de interesses e actividades fundamentais da Nação, que nunca podem desprender-se do Estado porque nele se encontram inseridas íntima e solidariamente, como suas partes integrantes que verdadeiramente o são.
Entendida nestes justos termos a posição das corporações - e nem outros são admissíveis - fica automaticamente subentendido que a corporação autónoma do sistema português, porque o é, não se encontra sujeita ao comando do Governo; mas, como elemento integrante e indissolúvel do Estado Corporativo, vive na sua órbita e está-lhe inteiramente subordinada.
Sem embargo desta posição clara, a Câmara julga conveniente -e, como tal, propõe- se acrescente à base IV um novo número com a seguinte redacção:

Novo número - A competência da corporação será sempre exercida sem prejuízo da orientação e coordenação superiores do Estado nos termos da lei.

E resta esclarecer que se relega para a parte das «conclusões» do parecer a seriação de todos os mencionados números e alíneas dentro da respectiva base, dispondo-os pela ordem que se afigurar mais lógica.

107. A base v da proposta de lei está formulada nos termos seguintes:
1. O Governo poderá ouvir as corporações sobre problemas de administração pública.
2. Os órgãos consultivos dos Ministérios serão, substituído», sempre que possível, pelas corporações, às quais se agregarão, para o exercício de funções de consulta, representantes dos serviços públicos ou de entidades especializadas.
3. Quando não for possível a substituição prevista no número anterior, caberá às corporações designar os representantes das respectivas actividades nos órgãos consultivos dos Ministérios.

Todo o conteúdo substancial desta base já constava do Decreto-Lei n.º 29 110 (artigo 5.º), que foi melhorado agora simultaneamente quanto à redacção e sistematização.
Quanto ao n.º l, já se afirmou ter sido ele possivelmente a razão determinante da supressão da alínea c) do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 29 110: «dar parecer ao Governo sobre todos os assuntos que lhe sejam submetidos». Entendeu-se talvez que manter as duas disposições -tal como se procede no Decreto-Lei n.º 29 110 (vide. também o artigo 5.º) - seria redundância escusada.
Admitindo que há efectivamente redundância -embora uma das disposições tenha alcance mais lato do que a outra-, o problema que se põe é o de saber qual das duas normas deve ser suprimida. Na proposta de lei seguiu-se critério de encarar a disposição em causa pelo lado do «poder do Governo» para ouvir as corporações em vez de a olhar pelo ângulo oposto, isto é, o «dever da corporação» na resposta à consulta do Governo. E talvez por esse motivo se julgou preferível separá-la da base IV, onde se regula a competência da corporação.
Certo que este critério tem o seu fundamento. Mas, por seu turno, não se ignora que algumas das disposições da base IV, em matéria de competência, também se exprimem mais em deveres do que em direitos. For exemplo: exercer funções políticas, defender interesses, conhecer, de recursos, tentar a conciliação em controvérsias; etc. E isto passa-se assim, obviamente, porque a matéria de competência se resolve, como regra, num verdadeiro «complexo de poderes-deveres», onde as duas noções de «poder» e de «dever» se interpenetram a todo o instante e até quase se confundem.
Raciocinando por esta forma, julga-se preferível manter a redacção e colocação do Decreto-Lei n.º 29 110, inserindo na base IV da proposta de lei a função de «dar parecer sobre todos os assuntos», com a dupla vantagem de se incluir no mesmo lugar toda a matéria basilar de competência funcional e de se adoptar uma disposição mais ampla, que não restringe a consulta do Governo aos «problemas de administração pública».
Nesta ordem de ideias, propõe-se a supressão do n.º l da base v, conservando-se os dois restantes números, sobre os quais nada há a objectar, o mesmo acontecendo quanto à base VI, onde se inscreve doutrina que inteiramente se perfilha.

108. E passemos ao capítulo III, intitulado «Organização».

Já na altura da «apreciação na generalidade» (§ 21.º) se justificou a conveniência em aditar a este título o seu complemento natural acerca do «funcionamento» da corporação, tanto mais que sob a simples epígrafe «Organização» se encerra matéria -embora muito pouca, infelizmente - que respeita em concreto a esse compartimento da vida corporativa.
A Câmara propõe, portanto, que se substitua a epígrafe «Organização», do capítulo m, por esta outra: «Organização e funcionamento».

Começando a análise deste novo capítulo da proposta de lei, recorda-se que já antes (n.º 100) se fun-

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damentou e propôs a passagem da base VII para o segundo lugar na ordem do articulado da proposta de lei.
Passemos, por isso, ao exame da base VIII, onde se dispõe:

BASE VIII

São órgãos da corporação:
a) O conselho da corporação;
b) Os conselhos das secções;
c) A direcção;
d) A junta disciplinar.

Ao tratar-se do «princípio da fiscalização, como factor do equilíbrio funcional» da corporação (§ 19.º), foram feitas desenvolvidas referências à necessidade da presença directa do Estado na vida interior da corporação, constituindo ali um órgão interno bem individualizado.
Em princípio, pois, haveria que acrescentar a esta base VIII esse órgão estadual. Mas a consideração ponderosa de se iniciar agora a vida das corporações -em período que tem de julgar-se experimental- já levou a limitar-lhes transitoriamente certos aspectos da sua competência, transferindo o poder de decisão para o Governo; e conduziu também a Câmara a não propor para já a inclusão, desse órgão no esquema da base VIII. Entendeu-se, pois, como bastante -para esta primeira fase da vida corporativa- a simples fiscalização institucional; portanto, levada a efeito pelos órgãos cooperativos, no próprio interior da corporação, e pela via hierárquica também corporativa - esta Câmara, no caso presente.
Com base nestes motivos, ao tratar-se da apreciação na generalidade, houve o ensejo de concluir que «a Câmara se abstém de propor, desde já, a inclusão de um órgão estadual ma estrutura orgânica das corporações, mas afirma a necessidade de o criar logo que a competência inicial de «estabelecer normas, com assentimento do Estado», se transforme em verdadeira competência normativa».
«Importa, por isso, acrescentar à base VIII uma nova disposição onde genericamente se consigne a imprescindibilidade desse órgão fiscalizador para o momento em que as corporações conquistem a plenitude da sua competência funcional» (§ 19.º, n.º 54, in fine).
Esse movo número poderá ficar redigido como segue:

Novo número - Logo que a corporação adquira a plenitude da competência atribuída na alínea ... da base ... a estrutura orgânica prevista no número anterior passará a compreender também um órgão fiscalizador de natureza estadual, cuja constituição e competência serão definidas em lei especial.

109.. Isto. posto -e não havendo outras observações a fazer ao delineamento orgânico da proposta de lei -, pode passar-se ao exame da base IX, onde se estabelece o seguinte:

BASE IX

1. A corporação tem um presidente, eleito pelo conselho a que se refere a alínea a) da base anterior.
2. Compete ao presidente da corporação presidir às reuniões dos conselhos da corporação e das secções, bem como à direcção.
3. Cada conselho de secção elegerá um vice-presidente, que presidirá normalmente aos respectivos trabalhos.
4. Os vice-presidentes das secções são também vice-presidentes do conselho da corporação, substituindo o presidente pela ordem de criação das secções; o presidente designará aquele de entre eles que há-de funcionar como vice-presidente da direcção.
5. No caso de na corporação não existirem secções, o vice-presidente será eleito nas condições estabelecidas para a eleição do presidente.

Como anotação de ordem geral - a propósito de toda esta matéria da estrutura orgânica das corporações e da composição e designação dos seus órgãos fundamentais-, é de elementar justiça assinalar o progresso visível que a proposta de lei manifesta relativamente ao Decreto-Lei n.º 29 110, que se propõe revogar (vide os seus artigos 6.º e 7.º).

Muito haveria a dizer de laudatório se pretendêssemos proceder a uma pormenorizada análise comparativa, que a excepcional extensão do presente parecer já não permite. Apesar disso, não seria admissível omitir-se uma referência directa ao espírito sadio que enforma a regulamentação destes pontos -e, em abono da verdade, toda a proposta de lei-, salientando-se em especial a preocupação de vincar e salvaguardar o princípio da autonomia corporativa, que se traduz claramente em duas alterações profundas: 'a primeira, banindo a disposição pela qual podiam «igualmente fazer parte do conselho da corporação representantes dos serviços públicos» (artigo 6.º, § 1.º); a segunda, estabelecendo o processo electivo para designar o presidente da corporação, ao contrário do regime vigente, em que a sua designação pertence ao Conselho Corporativo (artigo 7.º).
E, feito este breve apontamento, entremos no exame circunstanciado de cada um dos números da base IX.
Pelo que respeita aos n. os l e 3, nada há a objectar; e, quanto ao n.º 2, apenas convirá acrescentar-lhe o necessário acerca da competência representativa do presidente da corporação, ficando assim redigido:

2. Compete ao presidente representar a corporação em juízo ou fora dele e presidir às reuniões dos conselhos da corporação e das secções, bem como à direcção.

A propósito do n.º 4 é que sé entende haver algo de mais importante a obtemperar.
Afigura-se sensato que os vice-presidentes das secções sejam também vice-presidentes do conselho da corporação, mas já se discorda de que a substituição do presidente se faça pela ordem da criação das secções. E isto pela circunstância que o mesmo m.º 3 apresenta logo a seguir: haver um vice-presidente da direcção designado, entre todos os vice-presidentes de secções, pelo presidente da corporação.
Efectivamente,- quando se entenda -e bem- que o presidente da corporação deve escolher o vice-presidente que o substituirá e coadjuvará no «órgão executivo», que é a direcção, parece não ser muito acertado que seja outra pessoa a substituí-lo no órgão superior, que é o conselho da corporação, e, talvez menos admissível ainda, a substituí-lo na sua competência representativa de ordem geral.
Semelhante anomalia pode recear-se até que venha a originar confusão e possivelmente melindres ou colisões. Basta dizer que o presidente da corporação teria dois substitutos sem grandes diferenças no plano hierárquico: o vice-presidente do órgão deliberativo (conselho da corporação) e o vice-presidente do órgão administrativo (direcção).

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Qual deles com qualidade para externamente representar a corporação em geral nos actos necessários? Começariam por aqui as dificuldades, porque era forçoso defini-lo e não se vê bem como essa definição pudesse ser inatacável.
Considerando-se qualificado .para tanto o presidente substituto do conselho da corporação, estaríamos perante uma espécie de inversão de vaiares, visto caber normalmente ao órgão administrativo a função representativa geral; e a corporação, por hipótese, tinha um presidente substituto da direcção. Quando se entendesse conferir a representação a este último, novamente nos colocaríamos perante outra espécie de inversão de valores, porquanto estavam em causa dois presidentes substitutos, e manifestamente, entre ambos, deve ser mais qualificado o que preside ao órgão hierarquicamente mais alto, que não se duvida ser o conselho da corporação.
Isto apenas para começo dê dificuldades, porque estas haveriam de suceder-se em tudo o (resto e nem vale a pena conjecturá-las, com inevitável alongamento de uma exposição que se pretende seja sucinta.
Todos os obstáculos se podem, porém, remover com & maior simplicidade; e a solução lógica deste caso salta à vista. Bastará que o vice-presidente da direcção, que substitui o presidente neste órgão executivo, seja também o seu substituto no conselho da corporação. O presidente, interino passará a ser um só no» dois órgãos 'mais relevantes da corporação e desaparece a possibilidade de confusão e de melindres ou colisões. Isto com mais uma vantagem, além de outras, qual é a de o presidente saber quem escolhe e não ficar sujeita -a corporação- à contingência de ter a representá-la., porventura, o menos apto de todos os seus vice-presidentes.
O sistema adoptado na proposta de lei pode, contudo, aproveitar-se em parte para o caso - agora meramente acidental - de impedimento do presidente e do seu substituto. Poder-se-ia então seguir a ordem de antiguidade dos restantes vice-presidentes (preferivelmente à ordem de criação das secções) como critério para a substituição, mas ainda neste caso -e apesar de ser praticamente irrelevante - pela raridade- conviria que o mesmo substituto o fosse no conselho da corporação e simultaneamente na direcção.
Na sequência deste pensamento propõe-se para o n.º 4 da base IX a formulação seguinte:

4. Os vice-presidentes das secções são também vice-presidentes do conselho da corporação e o presidente designará aquele de entre eles que há-de servir como vice-presidente da direcção, sendo este também o teu substituto no conselho da corporação; na falta ou impedimento de ambos a substituição far-se-á segundo a ordem, de antiguidade aos restantes vice-presidentes.

E, nada havendo a observar em relação ao n.º 5, entra-se já na análise da base imediata.

110. Como tem sido norma nesta parte do parecer, transcreve-se na íntegra a base x:

BASE x

1. Compõem o conselho da corporação, além do presidente e vice-presidentes respectivos, representantes dos organismos corporativos que a constituem e os presidentes dos organismos de coordenação económica que junto dela funcionem. 2. Compõem os conselhos das secções representantes dos organismos corporativos interessados e os presidentes dos organismos de coordenação económica cujas atribuições respeitem as matérias do âmbito da secção.

3. A direcção é constituída pelo presidente, .por um vice-presidente e por vogais, em número a estabelecer, eleitos pelo conselho da corporação entre os seus membros.
4. A junta disciplinar é presidida por um juiz designado pelo conselho corporativo e por vogais eleitos para cada secção pelo conselho da corporação.
Examinemos o n.º l, que se refere à composição do conselho da corporação.
Os problemas que podem levantar-se, neste particular, suo múltiplos e seríssimos. Atente-se apenas que estamos em presença do órgão deliberativo, por excelência - que frequentes vezes terá de decidir por votação -, e surge logo no espírito um mundo de questões, tão complicado e tão vasto que temos de abster-nos de o penetrar nesta análise sumaríssima.

Ao apreciar a proposta de lei na generalidade (§ 21.º, n.º 60), fez-se sentir a lacuna quase total da proposta de lei em matéria de funcionamento da corporação, que directamente se liga com o problema da composição do seu órgão fundamental - o conselho. Ali se salientou que seria mais aconselhável relegar a consideração desta matéria tão complexa para os diplomas instituidores das futuras corporações, onde, caso por caso, o delicadíssimo aspecto funcional seria encarado e resolvido».
Outrossim, sublinhou-se que o único processo correcto teria sido formular ao menos alguns princípios gerais sobre a matéria e, portanto, comuns a todas as corporações, acrescentando-se todavia que eles exigiriam um estudo aturado para a sua definição precisa e que antes disso seria muito arriscado fixá-los.

Por tais motivos - e sobretudo porque a substância deste n.º l da base x se prende intimamente com toda a vida funcional da corporação- entende a Câmara que não deve estabelecer-se já, e em definitivo, qual a composição desse importantíssimo órgão. E não deve por diversíssimas razões, entre as quais p carácter manifestamente precário de um conselho essencialmente deliberativo, em que o destino das votações dependesse de um critério exclusivamente numérico em relação aos organismos nele enquadrados. Bastará esclarecer - para esmagar esse critério de tipo puramente liberal anticorporativo - que um só organismo pode valer por dois ou três, seguramente.
Há, pois, muitos outros indicadores a respeitar e a atender, para o efeito de definir a composição do órgão-conselho. E não se contesta também que da redacção da proposta de lei se pode depreender que houve o propósito de acautelar tais perigos, que acabámos de deixar apenas esboçados. Simplesmente, em capítulo de tão lato alcance, mostra-se imperioso coarctar falsas interpretações, mas que, apesar de tudo, serão sempre interpretações.
E por isso se .propõe seja aditado à base x um novo número, mais adiante indicado, e se dê ao n.º l a redacção seguinte:

1. A composição do conselho da corporação, ouvida a Câmara Corporativa, será definida em especial para cada uma das corporações a- instituir, devendo participar dele (representantes das instituições ou organismos corporativos que a constituem, bem como, com voto meramente consultivo, os presidentes ou directores dos organismos de coordenação económica que junto dela funcionem.

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Além das alterações que antes se justificaram, não deixará de acentuar-se que mais três se introduziram no testo da proposta de lei: a junção da palavra a instituições», para salvaguardar o caso das corporações morais e culturais; do termo «directores«, para não deixar omissos os dirigentes doa organismos de coordenação económica que revistam o tipo de institutos; e da expressão a com voto meramente consultivo», paira assegurar a independência dos presidentes ou directores dos organismos de coordenação económica e acentuar o carácter autónomo das corporações.
O novo número a juntar à base x -e já antes anunciado- destina-se a mancar uma simples directriz quanto ao necessário equilíbrio representativo no conselho da corporação e, simultaneamente, a prever a representação de certos interesses, como o consumo e a técnica, conforme as considerações produzidas na primeira parte do presente parecer (§ 18.º, n.º 50). Poderia ficar assim redigido:

Novo número - A composição' do conselho da corporação será fixada por decreto, de forma a assegurar o necessário- equilíbrio da representação, tendo em vista o valor económico e social das actividades integradas é o de outros interesses a que se entenda conveniente dar representação.

Relativamente ao n.º 2, convém alterá-lo também ligeiramente, sem necessidade de outra fundamentação além da que sugere o próprio texto proposto:

2. Compõem os conselhos das secções representantes doe instituições ou organismos corporativos interessados e os presidentes ou directores dos organismos de coordenação económica, cujas atribuições respeitem às matérias do âmbito da secção, observando-se o critério estabelecido, nos números anteriores.

Nada a opor, quanto aos n.(tm) 3 e 4. Mas convirá aditar à base x anais um outro número, onde se prescreva que os dirigentes dos organismos de coordenação económica não poderão ser designados para cargos directivos das corporações. São suficientemente óbvias as razões da exclusão, paira terem de fundamenta-se.
Tal disposição pode formular-se deste modo:

Novo número - Os presidentes ou directores dos organismos de coordenação económica não poderão exercer os cargos de presidente e vice-presidentes dos conselhos da corporação- e das secções, nem os de vogais da direcção.

111. Consideremos agora a base XI da proposta de lei.
Nela se estatui:

BASE XI

1. Os organismos corporativos primários, se. não estiverem constituídos organismos corporativos intermédios, designarão entre si, pela forma que vier a ser definida, os seus representantes na corporação.
2. O conselho corporativo pode. decidir que façam parte dos conselhos da corporação representantes de actividades não organizadas.

A respeito do n.º l, apenas ocorre dizer que convém precisar tratar-se aqui apenas o caso das corporações de ordem económica. Isto, com tanta mau razão quanto é certo haver vantagem em inserir nesta base um novo número que vise s hipótese das corporações morais e culturais, como adiante se proporá.

Neste sentido, este número deveria sofrer uma ligeira alteração, a saber:

1. Os organismos corporativos primários de natureza económica, se não estiverem constituídos organismos intermédios, designarão entre si, pela forma que vier a ser definida, os seus representantes na corporação.

No concernente ao n.º 2 também parece bastar uma ligeira modificação, além de se emendar a gralha tipográfica que pôs com minúsculas o órgão «Conselho Corporativo ».
A modificação sugerida reporta-se à necessidade de definir qual a entidade que designará os «representantes das actividades não organizadas» e que parece dever ser o conselho da respectiva corporação.

Neste convencimento, a Câmara permite-se propor a alteração do n.º 2 nos termos a seguir indicados:

2. O Conselho Corporativo, mediante proposta dos conselhos das corporações, pode designar, para fazerem parte dos respectivos conselhos, representantes de actividades por elas abrangidas e ainda não organizadas.

Quando da apreciação na generalidade, escreveu-se sobre a base em exame - e quanto aos organismos intermédios - alguma coisa que importa recordar:
« Não deve ignorar-se, porém, que se trata de uma solução de emergência, só admissível em fase transitória, que não deverá prolongar-se mais do que pelo tempo estritamente indispensável paira a criação das autênticas federações ou uniões dos organismos primários ainda não federados ou unidos. E, porque assim é, parece de toda a conveniência que na citada base XI da proposta de lei se faça a inserção de um novo número, onde fique taxativamente expresso que o Governo promoverá a constituição desses organismos intermédios, salvo para os casos especiais em que tal não seja possível ou se repute desaconselhável» (§ 16.º, n.º 41).
De outro lado, também se anotaram ali, quanto à necessidade de acelerar a corporativização de actividades ainda não organizadas, as considerações que vão transcrever-se:
«Parece, no entanto, e uma vez mais, que deve proceder-se nesta conjuntura, e com maioria de razão, de modo idêntico ao que já antes se sugeriu para a hipótese dos organismos intermédios, ou seja a introdução de um novo número na base xi, onde se estabeleça que p Governo promoverá rapidamente a instituição dos organismos corporativos primários, nas condições que forem aconselháveis» (§ 16.º, n.º 43).

Por isso, e fundada nas razões aduzidas, a Câmara entende dever propor a inclusão de um novo número na base XI, abarcando os dois casos postos em relevo:

Novo número - O Governo impulsionará a rápida constituição de organismos corporativos intermédios para todos os casos em que esta se mostre possível e aconselhava e, outrossim, promoverá por todos os meios ao seu alcance a organização corporativa das actividades ainda não organizadas.

E falta ainda concretizar no articulado da proposta de lei o que se alvitrou na primeira parte do parecer acerca das corporações morais e culturais.
Afirmou-se então que em tal domínio o normal será constituir-se a corporação sem dependência da formação prévia de organismos corporativos no sentido técnico, manifestando-se a opinião de haver necessidade para este caso particularíssimo de providências regu-

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lamentares ajustadas aos seus especiais requisitos e condicionalismo próprio (§ 16.º, n.º 44).
Em tal orientação, propõe-se um novo número, em aditamento à base XI, concebido nos termos seguintes:

Novo número. - Nas corporações morais e culturais, a forma de designação dos representantes das instituições que nelas devem participar será regulada especialmente, para cada caso, pelos diplomas instituidores das referidas corporações.

112. E consideremos a base XII, onde se consigna matéria concernente ao funcionamento da corporação:

BASE XII

1. Os conselhos das secções da mesma ou de diversas corporações reunirão conjuntamente com todos ou parte dos seus membros sempre que a natureza dos assuntos a tratar o aconselhe.
2. Ao presidente da corporação ou de qualquer das corporações interessadas pertence convocar as reuniões previstas no número anterior.
3. O Governo poderá solicitar do presidente da Câmara Corporativa a reunião conjunta das secções de diversas corporações sempre que nisso haja manifesta conveniência.

Em relação ao n.º l desta base, indiscutìvelmente o mais importante, já se fizeram antes desenvolvidos comentaram, tendentes a demonstrar que a doutrina mele expressa não pode ter a validade que se procurou atribuir-lhe (vide § 25.º, n.º 89).
O objectivo confessado ao incluir esta disposição na proposta de lei - já o sabemos - foi sobretudo o de «respeitar e fomentar as ligações e as relações dos intervenientes nas diversas fases do ciclo dos produtos» (relatório da proposta de lei, n.º 13). Quer dizer: constituíam-se corporações de tipo horizontal (Lavoura, Indústria e Comércio), mas procurava-se assegurar os laços de verticalidade mediante o contacto entre as várias secções integradas em corporações, distintas.
Houve o ensejo de fazer a crítica desta concepção, mostrando quer a sua inviabilidade no terreno prático, quer o dilema fechado a que ela inevitavelmente conduziria. E, para que não ficassem dúvidas a tal respeito, exemplificámos com e caso prático de uma secção dos cereais da Corporação da Lavoura, relacionada com a secção de alimentação da Corporação da Indústria e a secção de alimentação da Corporação do Comércio.
O dilema apresentava-se então por esta forma:

Ou a ligação operada através dessas secções de corporações distintas é acidental - e perde quase todo o interesse, porque as relações de estreita interdependência que abrangem o ciclo cereal, moagem, panificação, comércio de padarias» não podem coordenar-se por meio de contactos isolados ou acidentais;

Ou essa ligação coordenadora se faz intensamente e de modo permanente, como o exigem as íntimas e directas apelações entre essas actividades do ciclo - e então temos de concluir que as verdadeiras corporações já. não serão a da Lavoura, da Indústria e do Comércio, mas sim ë unicamente a Corporação dos Cereais, abrangendo todo o ciclo produtivo (§ 25.º, n.º 89).
Anotou-se agora apenas o essencial da tese defendida no parecer; e seria descabido repetir todas as longas considerações com que ela foi abonada. Interessa, contudo, recordar que não se concluiu pela supressão daquela norma, inserta no n.º l da base em estudo, porque, se a mesma era inoperante puro o escopo visado na proposta de lei, já poderia ser * utilíssima para o fim do relacionamento acidental de actividades integradas em corporações diferentes, quando ocorram factos especiais que o aconselhem». (Vide o n.º 90).
Em conclusão,, entende a Câmara que é de manter a doutrina contida no n.º l da base XII; e também não apresenta objecções dignas de registo aos dois números seguintes, embora o n.º 2 seja de interesse secundário e talvez com maior cabimento em diploma regulamentar.

113. Também pouco há que opor ao conteúdo da base XIII, que seguidamente se transcreve:

BASE XIII

A aprovação dos regimentos das corporações é da competência do Ministro das Corporações e Previdência Social, ouvido o Conselho Corporativo.
A Câmara entende dever propor que a competência atribuída nesta base ao Ministro das Corporações seja- com mais propriedade - transferida para o Conselho Corporativo, embora mediante proposta daquele Ministro. E nesse sentido se sugere a respectiva alteração:

BASE XIII

A aprovação dos regimentos das corporações é da competência do Conselho Corporativo, mediante proposta do Ministro das Corporações e Previdência Social.

114. E entremos, assim, na consideração do problema de maior magnitude contido na proposta de lei, o qual recebeu - quando da apreciação na generalidade - desenvolvimento proporcionado ao seu excepcional alcance prático.
Mas, como é óbvio, para esta altura é suficiente - e nem sequer conviria passar além disso - transcrever a base XIV da proposta de lei, que, aliás, só necessita de duas pequenas- correcções, apresentar a solução a que a Câmara Corporativa chegou, e, por último, traduzi-la em articulado pela forma que se julgar mais conveniente. Eis a base XIV:

BASE XIV

As primeiras corporações a instituir serão as seguintes:

a) Corporação da Lavoura;
b) Corporação da Indústria;
c)Corporação do Comércio;
d)Corporação dos Transportes e Turismo;
e)Corporação do Crédito e Seguros;
f)Corporação da Pesca e Conservas.

Consoante a solução mais adiante pormenorizada, a Corporação do Comércio deverá passar a designar-se Corporação do Comércio Misto. Isto pela circunstância de todo o comércio diferenciado acompanhar as actividades agrícolas e industriais do seu ciclo produtivo, em face do «critério dos ramos fundamentais da produção», que se demonstrou ser o único admissível para a integração corporativa da agricultura, indústria e comércio diferenciado.
Apesar disso, não há que modificar a proposta de lei no pertinente às duas Corporações da Lavoura e da Indústria, pela razão simples de apenas se considerar a sua existência para um período transitório de dois anos, até que as respectivas secções se estruturem definitivamente, para poderem autonomizar-se ao fim desse

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prazo e passarem a constituir autênticas corporações de base predominantemente agrícola ou industrial.
Nada havendo a objectar contra a Corporação dos Transportes e Turismo e não se fazendo também qualquer sugestão concreta a respeito da Corporação do Crédito e Seguros, restaria únicamente a Corporação da Pesca e Conservas. Esta não suscita, porém, a mínima discrepância, salvo quanto ao pormenor da sua denominação, que convirá tornar mais precisa, aclarando que .engloba apenas as conservas de peixe e não quaisquer outras (de carnes, frutas, etc.), o que não se duvida ser o intuito do Governo e poder até considerar-se subentendido na simples designação de «conservas», quando ligadas à «pesca».
De harmonia com o exposto, a Câmara propõe para a base XIV a redacção seguinte:

BASE XIV

As primeiras corporações a instituir serão as seguintes:

a)Corporação da Lavoura;
b)Corporação da Indústria;
c)Corporação do Comércio Misto;
d)Corporação dos Transportes e Turismo;
e)Corporação do Crédito e Seguros;
f) Corporação da Pesca e Conservas de Peixe.

Posto isto, e segundo o plano de exposição já anunciado, transcreve-se a solução de integração corporativa proposta pela Câmara e condensada no n.º 92 da apreciação na generalidade:

Criam-se, desde já, as três corporações: da Lavoura, da Indústria e do Comércio;
As duas primeiras - da Lavoura e da Indústria - surgem logo com todas as secções correspondentes aos ramos. diferenciados das correspondentes produções agrícola e industrial ; a terceira englobará apenas o comércio indiferenciado, devendo em conformidade alterar-se a sua designação ;
As várias secções das Corporações da Lavoura e da Indústria organizar-se-ão desde logo no sentido de abrangerem o ciclo produtivo, tanto quanto possível, e, portanto, os suas fases agrícola-industrial-comercial, ou apenas industrial-comercial, quando o início do ciclo se situe na indústria;
Todas estas secções, que virão a constituir as verdadeiras corporações, findo que seja um período transitório a fixar - porventura de dois anos - , nascerão logo com a incumbência de elaborar os estudos necessários para a sua estruturação definitiva como corporações;
Decorrido Q prazo transitório estabelecido, cada uma dessas secções, já devidamente estruturada e pronta a funcionar autonomamente, destaca-se da Corporação da Lavoura ou da Indústria, conforme os casos, e adquire vida própria;
A passagem das actuais secções ao seu estado definitivo de corporações implica automaticamente a extinção das duas corporações agora criadas - da Lavoura e da Indústria;
A Corporação do Comércio subsistirá tal como foi criada. inicialmente, isto é, abarcando apenas o comércio misto, pois que toda a parte diferenciada do sector comercial fica desde já integrada nas secções actuais (as futuras e autênticas corporações) da Lavoura e da Indústria, onde vai juntar-se ao respectivo ciclo de produção.
E tudo se reduz agora ao trabalho de transformar em normas as directivas firmadas e de inseri-las no articulado da proposta de lei.

Neste sentido, a Câmara entende dever propor uma nova base, a seguir indicada:

NOVA BASE

1. As Corporações da. Lavoura e da Indústria serão instituídas serão logo com as suas .várias secções, correspondentes aos ramos diferenciados da produção agrícola ou industrial, e nada uma destas será organizada de modo a integrar, quanto possível, as actividades agrícolas, industriais e comerciais guie pertençam ao ciclo económico do respectivo ramo de produção.
2. É fixado o prazo de dois anos, com início na data da instituição das Corporações da Lavoura e da Industria, para o fim, de serem, laborados e devidamente aprovados os planos necessários à estruturação definitiva de cada uma das suas secções, com vista a constituírem, decorrido esse prazo, corporações individualizadas.
3. Com, a antecedência mínimo de seis meses, em delação ao termo do prazo fixado no número anterior, os conselhos das Corporações da Lavoura e da Indústria submeterão ao Ministro das Corporações e Previdência Social as propostas para a transformação em corporações das correspondentes secções, acompanhadas dos estudos e planos elaborados, competindo ao Conselho Corporativo a sua aprovação definitiva.
4. Findo o período transitório estabelecido no n.2, cessa toda a acção, das Corporações da Lavoura e da Indústria, passando a sua competência coordenadora do conjunto das actividades agrícola ou industrial a ser exercida pela Câmara Corporativa, nos termos da base ...

115. Continuemos a análise da proposta de lei, agora relativamente à base XV, que foca a relevante questão cias corporações morais e culturais a instituir.
A referida base está redigida desta forma:

BASE XV

O Governo definirá os ramos da actividade social que devem ser considerados corporações na ordem moral ou cultural ou a elas equiparados.

A Câmara, concordando inteiramente com o princípio expresso a respeito das corporações morais e culturais, entende contudo que a sua formulação deverá tornar-se mais incisiva, até ao ponto de se prescrever desde já a instituição de corporações dessa natureza, reservando, embora, ao Governo a competência para definir quais os ramos de actividade por elas abrangidos. (Vide § 12.º, n.º 31).
Nesta orientação, propõe-se que seja alterada a base XV segundo o texto que a seguir se inscreve:

BASE XV

Simultâneamente com a instituição das corporações de natureza económica previstas nas base... o Governo promoverá também a instauração de corporações morais e culturais, cabendo-lhe definir quais os ramos da actividade social que devem ser considerados corporações na ordem moral e cultural ou a elas equiparados.

116. E passemos a considerar a base XVI, sobre a qual interessa fazer algumas importantes considerações:

BASE XVI

As corporações instituídas em cumprimento do disposto na base XVI substituirão na Câmara Corpo-

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rativa, desde o começo da próxima sessão legislativa, a representação, actual das respectivas actividades.
Em primeiro lugar, saliente-se a vantagem em fazer referência especial não só à base XIV da proposta de lei, relativa a corporações de natureza económica, mas ainda à base XV, onde se prevê a instituição próxima de corporações morais e culturais. Depois, não deixará de convir também suprimir a obrigatoriedade do prazo ali consignado, que parece improvável poder observar-se.
Estas ligeiras modificações têm por certo algum interesse. Mas o que importa- sobretudo é aproveitar a presente base para dor cumprimento ao voto formulado, aquando da apreciação ma generalidade, no sentido de se instituir um «organismo coordenador das corporações», o qual - no regime corporativo português - não poderá deixar ide ser a própria Câmara Corporativa (vide o artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 29 110, onde se prescreve o « congresso das corporações», que pode considerar-se uma forma embrionária do organismo coordenador aqui sugerido).
Para tonto, emitiu-se a opinião de que porventura se deveria criar dentro desta Câmara uma secção adequada ao fim em vista, naturalmente constituída pelos presidentes de todas, ás corporações, sob a (presidência do presidente da Câmara Corporativa. E alvitrou-se ainda que determinadas deliberações, de especial relevo e transcendência, deveriam ser tomadas pela Câmara, reunida em plenário, assim se assegurando completamente a consecução do bem comum nacional (vide § 17.º, n.º 48).
De qualquer modo, todavia, trata-se aqui de um simples problema de organização. E interessa, pois, deixar a maior latitude de movimentos, para o fim de se procurar a solução- mais harmónica ë adequada, formulando-se apenas a directiva geral a que a mesma solução terá de ajustar-se.
Ao mesmo tempo, impõe-se ainda dar a entender precisamente que não se procura alterar o âmbito de competência da Câmara Corporativa como «órgão constitucional» - objectivo ilegítimo porque ferido de inconstitucionalidade-, mas «penas permitir-lhe uma função coordenadora como «organismo corporativo» do último jirau, planos que têm de considerar-se nitidamente distinto».
Dentro deste espírito, e na sequência de todas as considerações anteriores, a Câmara propõe que se substitua o conteúdo da base XVI nos termos seguintes:

BASE XVI

As corporações instituídas em cumprimento do disposto nas bases ... e ... caberá representar na Câmara Corporativa as respectivas actividades. Através dessa representação se fará a coordenação da actividade das diferentes corporações.

117. Em observância dos votos emitidos ao ser apreciada na generalidade a proposta de lei em análise, torna-se necessário inscrever uma nova base com vista a «património, serviços e pessoal».
Esse voto da Câmara, que só por uma razão de ordem se reservou para agora, foi enunciado desta maneira:

Por tudo isto, e também pela vantagem de não deixar incompleto o diploma orgânico da corporação, urge acrescentar à proposta de lei, na sua última parte, uma nova base, concebida em termos genéricos, onde se afirme o princípio do «património corporativo» e se faça simples alusão à matéria de serviços e pessoal (§ 22.º, n.º 63).

Na convicção de que, além de outras, grande parte das receitas que actualmente cabem aos organismos de coordenação económica deve passar logicamente para as corporações, e em obediência a esta ideia de «património corporativo», que interessa sobremaneira fazer ressaltar - em diploma puramente corporativo como o presente - , a Câmara propõe se acrescente ao articulado da proposta de lei uma nova base, que ponha suficientemente em relevo a alta missão social que a corporação é chamada a desempenhar:

NOVA BASE

Toda a corporação tem, património corporativo, serviços e pessoal, como suporte para a prossecução dos seus múltiplos fins e meio para assegurar-lhe com dignidade e eficiência o desempenho da sua alta missão.

118. Por último, falta apenas inserir na proposta de lei uma sova base que tenha por finalidade acautelar a hipótese de qualquer aumento de encargos decorrente da próxima instituição das corporações.
Neste particular, os aspectos que fundamentalmente urge prevenir reportam-se às taxas cobradas pelos organismos de coordenação económica, que incidem sobre os diversas actividades nacionais, e aos dispêndios que o Estado suporta por força da sua tarefa coordenadora.
Ambos os aspectos devem ser considerados. E, como tal, a Câmara toma a iniciativa de propor o aditamento de uma última base à proposta de lei, com a redacção a seguir mencionada:

NOVA BASE

Da instituição das corporações nos termos previstos nesta lei não poderão derivar encargos superiores aos actualmente suportados pelo orçamento do Estado e péla economia nacional com a manutenção dos organismos de coordenação económica.

119. E termina-se, assim, o exame na especialidade com simples menção da base XVII da proposta de lei, pois que se concorda plenamente com a substituição integral, por meio de revogação expressa, do actual estatuto jurídico das corporações (Decreto-Lei n.º 29110):

BASE XVII

E revogado o Decreto-Lei n.º 29 110, de 12 de Dezembro de 1938.

Conclusões

120. Pelo exposto, a Câmara Corporativa dá a sua aprovação na generalidade â proposta de lei sobre a instituição de corporações, sugerindo que relativamente à especialidade lhe sejam introduzidos os aditamentos e alterações seguintes (grafados em itálico):

Constituição e fins BASE I

As corporações constituem a organização integral das diferentes actividades de ordem moral, cultural e económica e têm por fim coordenar, representar e defender os seus interesses, com vista à realização do bem comum.

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1. As corporações são pessoas colectivas de direito público.
2. O reconhecimento das corporações será feito por decreto, ouvido o Conselho Corporativo.

BASE III

1. As corporações são constituídas por instituições ou organismos corporativos nelas integrados, segundo as funções sociais ou económicas ou os ramos fundamentais da produção, e, neste último caso, abrangendo normalmente o ciclo económico dos produtos.
2. As instituições e organismos correspondentes a actividades diferenciadas podem constituir secções dentro da corporação.

BASE IV

1. É estabelecido o período máximo de dois anos para a subsistência dos organismos de coordenação económica, o qual se contará a partir da data em que for constituída cada corporação integradora das actividades económicas coordenadas por esses organismos.
2. No decurso do primeiro ano do período fixado no número anterior serão efectuados os estudos e elaborados os planos necessários à transferência para as corporações de todas as funções dos referidos organismos que devam passar a competir-lhes, bem como dos respectivos serviços e pessoal, cabendo ao Conselho Corporativo a sua aprovação.
3. Decorrido o período fixado ou ainda antes, se for possível, .providenciará o Governo relativamente às actuais funções daqueles organismos que devam ser desempenhadas por serviços do Estado de natureza adequada.

BASE V

1. Instituídas que sejam as corporações integradoras de actividades presentemente abrangidas pelos organismos de coordenação económica, a competência dos conselhos gerais dos institutos e a das juntas nacionais e comissões reguladoras, em sessões plenárias, passará a ser exercida pelas secções das corporações onde se encontrem representadas as correspondentes actividades.
2. Para os efeitos do número anterior, os presidentes ou directores dos organismos de coordenação económica têm a faculdade de requerer, quando necessário, a convocação de reuniões das respectivas secções, com o fim de simplesmente as ouvirem ou de serem tomadas quaisquer deliberações, sempre com a sua assistência.
3. Durante o período a que se refere a base anterior os organismos de coordenação económica funcionarão junto das corporações como elementos de ligação entre o Estado e a organização corporativa.

II

Atribuições e competência

BASE VI

1. São atribuições da corporação:

a) Exercer as funções políticas conferidas pela lei;
b) Coordenar a acção das instituições ou organismos corporativos que a constituem e regular as relações sociais ou económicas entre eles, tendo em vista os seus interesses próprios' e os fins superiores da organização;
c) Representar e defender, nomeadamente na Câmara Corporativa é junto do Governo e dos órgãos da Administração, os interesses comuns das respectivas actividades;
d) Promover a realização e o aperfeiçoamento das convenções colectivas de trabalho, intervir e arbitrar não negociações a elas respeitantes e sancioná-las conforme os princípios do Estatuto do Trabalho Nacional, competindo ao Governo resolver sobre a arbitragem da corporação, no prazo que a lei determinar;
e) Promover a organização e o desenvolvimento da previdência, das obras sociais em benefício dos trabalhadores e dos serviços sociais corporativos e do trabalho;
f) Estabelecer norma» sobre a disciplina económica e social dos interesses e actividades nela representados, com vista, designadamente, à colaboração entre o capital e o trabalho, ao aperfeiçoamento da técnica e aumento da produtividade, ao regime da (produção e dos mercados, aos menores preços e maiores salários compatíveis com a justiça social;
g) Propor ao Governo normas de observância geral sobre quaisquer matérias de interesse para a corporação;
h) Desenvolver a consciência corporativa e o espírito de cooperação social, bem como o sentimento de solidariedade de interesses entre todos os elementos que a compõem;
i) Fomentar o estudo dos. problemas relativos ao seu sector de actividades, bem como impulsionar e desenvolver a cultura técnica e a preparação profissional;
j) Dar parecer ao Governo sobre todos os assuntos que lhe sejam submetidos;
l) Conhecer dos recursos interpostos das decisões de natureza disciplinar dos organismos que a integram e, quando solicitada, tentar a conciliação nas controvérsias entre patrões e trabalhadores.

2. A competência dai corporação será sempre exercida sem prejuízo da orientação e coordenação superiores do Estado nos termos da lei.
3. Provisoriamente -e enquanto as circunstâncias o aconselharem- a competência atribuída na alí f} só poderá ser exercida com assentimento do Governo, devendo para tal ser-lhe submetidos os projectos normativos votados pelos conselhos das corporações.
4. Durante o período transitório estabelecido para a subsistência dos organismos de coordenação económica a acção coordenadora das corporações, expressa na alínea b), só poderá ser exercida sem prejuízo da competência legalmente atribuída àqueles organismos.

BASE VII

1. Os órgãos consultivos dos Ministérios serão substituídos, sempre que possível, pelas corporações, às quais se agregarão, para o exercício de funções de consulta, representantes dos serviços públicos ou de entidades especializadas.
2. Quando não for possível a substituição prevista no número anterior, caberá às corporações designar os representantes das respectivas actividades nos órgãos consultivos dos Ministérios.

BASE VIII

Os presidentes das corporações podem ser convocados para assistir às reuniões do Conselho Corporativo em que forem apreciados assuntos respeitantes às actividades por elas representadas.

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III

Organização e funcionamento

BASE IX

1. São órgãos da corporação:

a)O conselho da corporação;
b)Os conselhos das secções;
c)A direcção;
d)A junta disciplinar.

2. Logo que a corporação adquira a plenitude da competência atribuída na alínea f) da base VI a estrutura orgânica prevista no número anterior passará a compreender também um órgão fiscalizador de natureza estadual, cuja constituição e competência serão definidas em lei especial.

BASE X

1. A corporação tem um presidente, eleito pelo conselho a que se refere a alínea a) da base anterior.
2. Compete ao presidente representar a corporação em juízo ou fora dele e presidir às .reuniões dos conselhos da corporação e das secções, bem como à direcção.
3. Cada conselho de secção elegerá um vice-presidente, que presidirá normalmente aos respectivos trabalhos.
4. Os vice-presidentes das secções são também vice-presidentes do conselho da corporação e o presidente designará aquele de entre eles que há-de servir como vice-presidente da direcção, sendo este também o seu substituto no conselho da corporação; na falta ou impedimento de ambos a substituição far-se-á segundo a ordem de antiguidade dos restantes vice-presidentes.
5. No caso de na corporação não existirem secções o vice-presidente será eleito nas condições estabelecidas para a eleição do presidente.

BASE XI

1. A composição do conselho da corporação, ouvida a Câmara Corporativa, será definida em especial para cada uma das corporações a instituir, devendo participar dele representantes das instituições ou organismos corporativos que a constituem, bem como, com voto meramente consultivo, os presidentes ou directores dos organismos de coordenação económica que junto dela funcionem.
2. A composição do conselho da corporação será fixada por decreto, de forma a assegurar o necessário equilíbrio da representação, tendo em vista o valor económico e social das actividades integradas e o de outros interesses a que se entenda conveniente dar representação.
3. Compõem os conselhos das secções representantes dos instituições ou organismos corporativos interessados e os presidentes ou directores dos organismos de coordenação económica cujas atribuições respeitem às matérias do âmbito da secção, observando-se o critério estabelecido nos números anteriores.
4. A direcção é constituída pelo presidente, por um vice-presidente e por vogais, em número a estabelecer, eleitos pelo conselho da corporação entre os seus membros.
5. A junta disciplinar é presidida por um juiz, designado pelo Conselho Corporativo, e por vogais, eleitos para cada secção pelo conselho da corporação.
6. Os presidentes ou directores dos organismos de coordenação económica não poderão exercer os 'cargos de presidente e vice-presidentes dos conselhos da corporação e das secções, nem os de vogais da direcção.

BASE XII

1. Os organismos corporativos primários de natureza económica, se não estiverem constituídos organismos intermédios, designarão entre si, pela forma que vier a ser definida, os seus representantes na corporação.
2. O Conselho Corporativo, mediante proposta dos conselhos das corporações, pode designar, para fazerem parte dos respectivos conselhos, representantes de actividades por elas abrangidas e ainda não organizadas.
3. O Governo impulsionará a rápida constituição de organismos corporativos intermédios para todos os casos em que esta se mostre possível e aconselhável e, outros sim, promoverá por todos os meios ao seu alcance a organização corporativa das actividades ainda não organizadas.
4. Nas corporações morais e culturais, a forma de designação dos representantes das instituições que nelas devem participar será regulada especialmente, para cada caso, pelos diplomas instituidores das referidas corporações.

BASE XIII

1. Os conselhos das secções da mesma ou de diversas corporações reunirão conjuntamente, com todos ou parte dos seus membros, sempre que a natureza dos assuntos a tratar o aconselhe.
2. Ao presidente de qualquer das corporações interessadas pertence convocar as reuniões previstas no número anterior.
3. O Governo poderá solicitar do presidente da Câmara Corporativa a reunião conjunta dos secções de diversas corporações sempre que nisso haja manifesta conveniência.

BASE XIV

A aprovação dos regimentos das corporações é da competência do Conselho Corporativo, mediante proposta do Ministro das Corporações e Previdência Social.

BASE XV

As primeiras corporações a instituir serão as seguintes:

a) Corporação da Lavoura;
b) Corporação da Indústria;
c) Corporação do Comércio Misto;
d) Corporação dos Transportes e Turismo;
e) Corporação do Crédito e Seguros;
f) Corporação da Pesca e Conservas de Peixe.

BASE XVI

1. As Corporações da Lavoura e da Indústria serão instituídas desde logo com as suas várias secções, correspondentes aos ramos diferenciados da produção agrícola ou industrial, e dada uma destas será organizada de modo a integrar, quanto possível, as actividades agrícolas, industriais e comerciais que pertençam, ao ciclo económico do respectivo ramo de produção.
2. É fixado o prazo de dois anos, com início na data da instituição das Corporações da Lavoura e da Indústria, para o fim de serem elaborados e devidamente aprovados os planos necessários à estruturação definitiva de cada uma doa suas secções, com vista a constituírem, decorrido esse prazo, corporações individualizadas.
3. Com a antecedência mínima de seis meses, em relação ao termo do prazo fixado no número anterior, os conselhos das Corporações da Lavoura e da Indústria submeterão ao Ministro das Corporações e Previdência Social as propostas piara a transformação em corporações das correspondentes secções, acompanha-

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936 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.° 91

das dos estudos e planos elaborados, competindo ao Conselho Corporativo a sua aprovação definitiva.
4. Findo o período transitório estabelecido no n.° 2, cessa toda a acção das Corporações da Lavoura e da Indústria, passando a sua competência coordenadora do conjunto das actividades agrícola ou industrial a ser exercida pela Câmara Corporativa, nos termos da base XVIII.

BASE XVII

Simultâneamente com, a instituição das corporações de natureza económica previstas na base XV o Governo promoverá a instauração de corporações morais e culturais, cabendo-lhe definir quais os ramos da actividade social que devem ser considerados corporações na ordem moral e cultural ou a elas equiparados.

BASE XVIII

Às corporações instituídas em cumprimento do disposto nas bases XV e XVII caberá representar na Câmara Corporativa as respectivas actividades. Através dessa representação se fará a coordenação da actividade das diferentes corporações.

BASE XIX

Toda a corporação tem património corporativo, serviços e pessoal, como suporte para a prossecução dos seus múltiplos fins e meio para assegurar-lhe com dignidade e eficiência o desempenho da sua alta missão.

BASE XX

Da instituição das corporações nos termos previstos nesta lei não poderão derivar encargos superiores aos actualmente suportados pelo orçamento do Estado e pela economia nacional com a manutenção dos organismos de coordenação económica.

BASE XXI

E revogado o Decreto-Lei n.° 29 110, de 12 de Dezembro de 1938.

Palácio de S. Bento, 6 de Junho de 1956.

Afonso de Melo Pinto Veloso.
Afonso Rodrigues Queiró. (Forçado pelas circunstâncias a não acompanhar desde início a discussão da proposta de lei por parte desta Câmara, encontrei-me na situação de ter de aceitar como já definitivamente aprovada por ela a parte do parecer respeitante à generalidade. Foi-me apenas facultado, aliás generosamente, impugnar as ideias e soluções já votadas quando pude argumentar contra elas com razões não consideradas antes pelos Dignos Procuradores meus colegas. Se, deste modo, pude ainda obter satisfação parcial para alguns dos meus pontos .de vista, a verdade é que, considerada em bloco, a generalidade do parecer continua a não envolver a minha responsabilidade. Deixo-o dito por ser verdade e para não haver possibilidade de, contra toda a justiça, me ser imputada qualquer participação no brilho e no mérito do essencial deste documento. O seu a seu dono.
Considero do meu dever deixar entretanto esclarecido que não pude encontrar-me de acordo com o parecer designadamente nos pontos seguintes:
1) Organismos de coordenação económica. Preferi à solução da Câmara a da proposta de lei, que é, aliás, a do Decreto-Lei n.° 29 110. Não me pareceu, efectivamente, aconselhável estabelecer um prazo de sobrevivência para esses organismos. Deve, em meu modo de ver, que é o do Governo, cada um deles subsistir enquanto for julgado necessário. Estou, de resto, persuadido de que a intervenção governativa na economia não poderá facilmente fazer-se, por muito tempo ainda, sem a sua colaboração. Aliás, o pensar a Câmara em «serviços do Estado de natureza adequada», para desempenharem depois o essencial das funções que hoje cabem aos organismos de coordenação económica, é a melhor prova de que não se deve apressadamente desfazer o que está montado e a funcionar, em alguns casos a funcionar até muito bem, só pelo gosto de consagrar uma pretendida pureza de princípios.
2) Atribuições das corporações. Não consegui esclarecer-me sobre o real pensamento da Câmara e sobre a sua coerência neste ponto fundamentalíssimo. Tão depressa a vejo firme na defesa da competência normativa das corporações em matéria de disciplina económica e social, a exercer em definitivo, sem necessidade de prévio ou posterior assentimento do Governo - como logo a surpreendo a ressalvar a orientação e coordenação superiores do Estado (que é como quem diz: do Governo). Dado, porém, que não se descobriu ainda, que eu saiba, nenhuma forma satisfatória de enquadramento) corporativo dos consumidores finais, em termos de estes poderem fazer valer na corporação uma força e uma voz equivalentes às das outras categorias representadas, não me parece que, sem prejuízo para o interesse geral, se possa reservar à corporação, em qualquer momento do futuro, o poder de livremente estabelecer normas sobre disciplina económica e social. O lógico e o razoável é que tão-só às possa propor ao Governo ou estabelecer com assentimento dele-como vem dito na proposta de lei. Ë certo prever a Câmara, para o momento em que a corporação venha a adquirir a plenitude de competência em matéria de disciplina económica e social, a entrada do Estado -ou seja: do Governo - na sua orgânica, para . . . fiscalizar a sua actuação em tal domínio. Mas, se assim há-de ser, que interesse pode descobrir-se em proclamar a soberania da corporação no domínio económico e social, de preferência a reconhecer-lhe, como fez o Governo, poderes muito mais limitados ? Só para se não dar a impressão de estatolatria, insistindo em proclamar romântica fidelidade, de resto apenas verbal, a um corporativismo autónomo ou de associação, como quer que se lhe chame? Por mim, prefiro fórmulas que exprimam a verdade a fórmulas equívocas e perturbadoras.
Nesta ordem de ideias, creio que, tendo resolvido não se afastar substancialmente do que o Governo a este respeito propôs, a Câmara deveria ter evitado adoptar fórmulas tributárias de uma concepção corporativa utópica. As corporações não podem ser abandonadas a si próprias, designadamente porque o sindicalismo dos consumidores finais não é, nem será provavelmente jamais no futuro, uma. realidade. O Estado - como escreveu entre nós um agudo e respeitado estudioso da matéria - «tem sempre de ser mais do que um simples árbitro, pois tem de regular a actividade das corporações, definir-lhes as directivas, inspirar-lhes as normas, vigiá-las. Lá se vai então o corporativismo autónomo: as corporações passam a ser orientadas de perto pelo Governo, é o Governo que, por

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intermédio delas, dirige na realidade a economia». E é assim que não podemos deixar de considerar realista o nosso legislador constitucional quando, nesta ordem de ideias, dispôs que «o. Estado tem o direito e a obrigação de coordenar e regular superiormente a vida económica e social» (Constituição Política, artigo 31.°).
3) Aprovação governativa dos regimentos das corporações. - Sustentei que estes regimentos deveriam ser aprovados pelo Ministro competente, ouvido o Conselho Corporativo, ou pelo Conselho
Corporativo, ouvido o Ministro competente. Parece-me doutrinàriamente menos coerente consagrar-se a existência permanente de um Ministério das Corporações, que, a esse título, se intrometa em domínios tradicionalmente afectos a outros departamentos. Não tem razão de ser a distinção entre um Ministério das Corporações e Ministérios que não são das Corporações, e que, portanto, nas corporações não superintendem. O meu parecer é que o& Ministérios clássicos superintenderão nas corporações que funcionalmente caibam no seu círculo de atribuições. Assim, por exemplo, as corporações culturais nada terão que ver com o transitório Ministério das Corporações, cabendo desde logo ao da Educação Nacional a aprovação dos respectivos regimentos, ouvido o Conselho Corporativo, com vista a assegurar a unidade indispensável de princípios no ordenamento estatutário de tais entes. Se se quiser, inverta-se a ordem de intervenção destes órgãos, atribuindo a aprovação ao Conselho e a audiência ao Ministro competente.
4) Âmbito das corporações. - Não compreendo que se crie só uma corporação na agricultura e só outra na indústria, voltando as costas, deliberadamente, à realidade dos vários complexos económicos dentro de ambas existentes e aos laços de instrumentalidade e complementaridade das respectivas actividades. As corporações que no âmbito da agricultura e da indústria se instituam desprezando estes complexos económicos para nada ou para muito pouco servirão em matéria de disciplina económica e social. Poderão servir para o mais - podem ter significado e valor político -, mas não terão, pràticamente, nem significado nem valor económico. Se se não quer ficar pelo plano da mera organização política, se se quer fazer corporativismo no próprio terreno económico - então não pode hesitar-se em dar consagração legal às únicas soluções que são ditadas pela teoria económica do corporativismo e pelo melhor sentido das realidades. Não se trata, pois - contra o que já se proclamou, com discutível oportunidade -, de «soluções teóricas mais próprias de manuais em que se alinham nomenclaturas e ordenam sistemas lógicos»: trata-se de fazer ou não fazer as corporações como um sério instrumento de disciplina estadual da economia!
A Câmara transigiu com o critério da proposta, admitindo que se instituam uma corporação da lavoura e outra da indústria. Simplesmente, concebeu-as como corporações a termo - corporações destinadas a ser substituídas, passados dois anos, por outras, correspondentes aos vários ramos diferenciados da produção agrícola e industrial. Desta solução de compromisso pode dizer-se que se credita com a pretendida experiência, que entretanto se colheria, do funcionamento das várias secções previstas, em correspondência com os grandes ramos da produção
agrícola e industrial, para funcionarem dentro das grandes corporações da lavoura e da indústria. Mas creio que não deixa de ser verdade que, se se podem, desde já, discriminar os grandes (ramos da produção da lavoura e da indústria, para efeito de os integrar em secções das supercorporações a que me referi, essa operação pode servir para, agora mesmo, os integrar em corporações de ciclo produtivo. E não se receie a inexperiência: a experiência que convém colher é justamente a que resultará de verdadeiras corporações a funcionar - não de meras secções de corporações.
5) As corporações e a Câmara Corporativa. Pugnei por que se mão dissesse que «a coordenação da actividade das diferentes corporações» se fará através da Câmara Corporativa. O sentido desta norma não me parece claro - e aquele que lhe descubro é suspeito de inconstitucionalidade.
Guilherme Braga da Cruz.
Luís Supico Pinto. (Se é condenável que o Estado domine a vida económica e social para além dos limites definidos pela doutrina, e que a Constituição e o Estatuto do Trabalho Nacional consagram, penso que não menos condenável será qualquer orientação que possa levar, na prática, a uma limitação dos poderes do Estado, que nem os princípios nem os imperativos do bem comum justificam' ou consentem.
As leis devem corresponder a necessidades evidentes, devem adaptar-se às circunstâncias de um dado momento, devem ter em conta a noção do possível e conveniente. A sua eficácia depende, além do mais, destas condições, mormente quando se tratar, como é o caso, de uma lei eminentemente política.
Quanto a estes aspectos, entendo que a proposta do Governo é realista. Nas suas linhas gerais, com efeito, sem prejudicar o natural desenvolvimento do sistema que todos ambicionamos se fortaleça, prestigie e amplie, acautelava o essencial e permitia que as corporações funcionassem com a competência e a orgânica adequada às circunstâncias actuais.
Não compreendi que se quisesse legislar em definitivo, estabelecendo-se desde já regras em que a pureza dos princípios devesse sobrepor-se a outras razões. Neste particular, ao apreciar-se a proposta, haverá que ter em conta os motivos que levaram p Governo a simultaneamente propor um Plano de Formação Social e Corporativa, sobre o qual, aliás, a Câmara já se pronunciou. Com isto quero fundamentalmente dizer que da experiência resultante do funcionamento das corporações e da execução do mencionado Plano haveriam de colher-se ensinamentos que permitissem, num futuro que se deseja próximo, nova intervenção legislativa em termos mais amplos.
Estas considerações levaram-me a não poder acompanhar a Câmara em algumas das votações. Particularmente quanto aos organismos de coordenação económica, entendo que a solução que teve vencimento priva o Estado de órgãos apropriados de intervenção na vida económica, com experiência feita e eficácia demonstrada, e que serviriam de elementos de ligação entre a ordem estadual e a corporativa. Neste ponto concreto, por exemplo, pareceu-me preferível a orientação o Governo).
Manuel Duarte Gomes da Silva.
António Alves Ferreira.

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938 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.° 91

Domingos da Costa e Silva.
João Baptista de Araújo.
João Ubach Chaves.
Joaquim Moreira da Silva Cunha. (Ao Estado, como principal responsável pelos superiores interesses nacionais, impõe-se orientar e dirigir as actividades económicas com o objectivo de estabelecer as condições para a realização do máximo de poderio e justiça entre os cidadãos, o que se exprime no máximo de produção e riqueza socialmente útil e no bem-estar dos indivíduos.
A instituição das corporações supõe uma delimitação de competências pela especificação do que, na vida económica, cabe ao Estado, no exercício daquela função, e do que deve pertencer às corporações como órgãos das diferentes actividades económicas.
Seja qual for a orientação que, em concreto, se adopte, sempre se deve ter em conta o que acima fica expresso, e, por isso, as corporações não deverão substituir-se ao Estado nem erigir-se contra o Estado. Pelo contrário, devem integrar-se nele, para assim se dar realização ao preceito constitucional que qualifica o Estado Português como uma República unitária e corporativa.
Portanto, mesmo depois de instituídas as corporações, deve ficar assegurada a possibilidade efectiva de o Estado se desempenhar da sua função de orientador e coordenador supremo da vida económica.
É, pois, indispensável que no Estado existam órgãos adequados ao desempenho de tais funções.
A natureza destas não aconselha que sejam exercidas pelos órgãos burocráticos da Administração Central. A experiência dos últimos vinte anos mostra, com efeito, que quando o Estado teve necessidade de organizar a intervenção na vida económica foi forçado a criar instrumentos de acção novos, de que são tipo o s organismos de coordenação económica. A estes deve competir a função essencial, a que acima se alude, de elementos de ligação entre a ordem estadual e a corporativa, por fornia a assegurar o exercício da função coordenadora e directiva do Estado.
Para este efeito, e porque, quando foram criados, lhes foram dadas também atribuições que, instituídas as corporações, lhes serão entregues, deve rever-se a sua actual estrutura, com vista a garantir o cabal desempenho daquela função do Estado).
José António Ferreira Barbosa.
José Augusto Vaz Pinto. (Em matéria de organização corporativa penso que o ideal para que deve tender-se é o do corporativismo de associação, preconizado pela escola do Catolicismo Social; e, a meu ver, o parecer assim o admite, baseando-se no que chama corporativismo autónomo apenas por considerações realistas. Por este motivo o votei, mas, de acordo, quer com os seus próprios princípios, quer com os da escola do Catolicismo Social, propus durante a discussão na generalidade se sugerisse ao Governo a conveniência dê substituir o actual regime de sancionamento dos corpos gerentes dos organismos primários, sindicatos e grémios, por um sistema combinado de condicionamento prévio em matéria de eleições e de fiscalização e repressão posteriores, do qual resultariam as necessárias garantias políticas.
A estrutura do parecer e todo o seu desenvolvimento lógico pressupõem o princípio da corporação autónoma; ora a corporação, onde se aglutinam os sindicatos e os grémios, não será verdadeiramente autónoma se o não forem os seus organismos de base. Mantendo-se o sistema vigente, parece-me que a corporação nascerá com um defeito de origem susceptível de viciar o seu funcionamento.
Por outro lado, e especialmente nos sindicatos, a certeza do exercício de funções para os corpos gerentes eleitos daria certamente forte vida a estes organismos; e a experiência mostra que, muitas vezes, os eleitos não simpatizantes, arrastados pela própria actividade a que são forçados, mudam de atitude e passam a dedicar-se com lealdade às obrigações dos seus cargos, correctamente entendidas.
O problema que abordei parece-me de muita importância, pois a grandeza da experiência que vai iniciar-se postula a necessidade de ela ser empreendida nas melhores condições possíveis, já que o seu malogro de certo afectaria gravemente o espírito público).
José Frederico do Casal Ribeiro Ulrich.
José Gabriel Pinto Coelho.
José Maria Dias Fidalgo.
José Penalva Franco Frazão. (Considero que o corporativismo visa exactamente a estabelecer sentido de mútua convivência e comunicabilidade entre o Estado e a Nação. E através da ordenação e do espírito corporativo dos seus organismos de coordenação económica que se deve realizar o necessário desdobramento até à zona de encontro com as corporações representativas.
Nestas condições, por muito louvável que seja desejar manter o rigor absoluto dos princípios em matéria tão delicada, reputo o critério da proposta de lei acerca dos organismos de coordenação económica o único praticável e realista neste momento).
Luís Quartin Graça.
Manuel Alberto Andrade de Sousa. (Sem de qualquer forma querer diminuir o valor de tão exaustivo parecer, que considero elaborado dentro da pureza dos princípios, mas cuja matéria julgo de difícil aplicação na prática, portanto tão-sòmente para que fiquem registadas as afirmações que fiz no decorrer da apreciação do respeitante ao comércio, confirmo a minha discordância pela forma como no parecer foi distribuída e arrumada a sua actividade, diluindo-a, quase no seu todo, na contextura das restantes corporações propostas. Como dentro do esquema gizado no parecer não foi encontrada colocação nas restantes corporações a criar, para uma pequena parcela do comércio subsistiu, sem que possa vir a ter qualquer .projecção, uma corporação designada por «Comércio Misto».
Porque o comércio tem tradições, relevância na economia do País, e ainda porque no quadro dos elementos produtores da riqueza sempre se exprimiu por figura própria, a sua representação dentro do Estado corporativo deve ser realizada, em toda a sua amplitude e profundidade, através duma corporação genérica do comércio, onde se agrupem todas as suas modalidades.
Segundo penso, baseando-me nos ensinamentos colhidos na prática, só desta forma o comércio poderá bem servir dentro das corporações, cuja criação o Governo preconizou).
Manuel de Almeida de Azevedo e Vasconcelos.
Mário da Silva de Ávila.

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Quirino dos Santos Mealha. (Discordo do parecer desta Câmara naquilo em que se aproxima da ideia de se pretender acelerar a institucionalização das corporações mais por força dós conceitos, esquemas ou normas a impor do que por evolução natural e progressiva do desenvolvimento do seu funcionamento a partir de uma forte e autónoma vitalidade do corporativismo de associação na base primária, designadamente:

a) Fixação de prazo para a extinção dos organismos de coordenação económica (base IV). Só a experiência poderá proporcionar os elementos necessários a uma apreciação da sua oportunidade para cada caso;
b) Aumento da competência das corporações em relação à definida na proposta do Governo (base VI);
c) Eliminação dá Corporação do Comércio (base XV), quando o comércio, pela importância da utilidade que presta e larga tradição histórica que possui, se encontra bem demarcado na vida da Nação;
d) Marcação de prazos para a individualização das futuras corporações (base XVI).

Tomás de Aquino da Silva. (Embora o parecer fixe o prazo de dois anos para a estruturação definitiva de cada uma das secções da Corporação da Indústria, com vista a constituírem corporações individualizadas, discordo desde já da existência de uma única corporação, sabido como são complexos os seus problemas, e parece-me também que é uma lacuna grave a falta da Corporação da Imprensa, Artes Gráficas e Papel.
A imprensa é hoje um dos mais portentosos meios de transmissão do pensamento, não se devendo desprezar a sua cooperação, a sua ajuda e a sua intervenção, a par do seu interesse, na criação duma mentalidade corporativa. Além de tudo, os seus interesses são específicos e não se prendem com os da generalidade das outras actividades industriais englobadas na Corporação da Indústria.
Penso também que a melhor estrutura das corporações seria aquela que obedece à actual representação dos interesses sociais nesta Câmara, do mesmo passo que me parece dever competir à Câmara Corporativa - e só a esta - a coordenação superior das corporações).
José Pires Cardoso, relator.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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