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REPÚBLICA PORTUGUESA

ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.° 92

VI LEGISLATURA

ANO 1956 7 DE JULHO

PARECER N.° 43/VI

Projecto de colonização da Gafanha (u parte)

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 105.° da Constituição, acerca do projecto de colonização da Gafanha (II parte), emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecções de Obras públicas e comunicações e Finanças e economia geral), às quais foram agregados os Dignos Procuradores Afonso de Melo Pinto Veloso, Luís Quartin Graça e Afonso Rodrigues Queiró, sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:

Apreciação na generalidade

I

1. O Governo, ao abrigo da base VI da Lei n.° 1914, de 24 de Maio de 1935, enviou à Câmara Corporativa, para efeito de parecer, o projecto de colonização da Gafanha (II parte).

2. Este projecto diz respeito a um dos empreendimentos que vêm sendo executados pela Junta de Colonização Interna, adentro das atribuições definidas pelo Decreto-Lei n.° 27 207, de 16 de Novembro de 1936, que criou o organismo, sendo ao tempo Ministro da Agricultura o Dr. Rafael Duque, e foi elaborado de acordo com o disposto na alínea d) do artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 36 054, de 20 de Dezembro de 1946, firmado pelo Ministro da Economia, Dr. Supico Pinto.

3. No relatório deste diploma, que determinou a execução do plano geral de aproveitamento dos baldios reservados e dos projectos de colonização da Herdade
de Pegões, da campina da Idanha e da Gafanha (I e II partes), sintetizou-se a obra a realizar pelas seguintes palavras:

a) A área a colonizar abrange 115 682 ha, dos quais somente 14 709 se referem a terrenos não baldios;
b) É de 1532 o número de famílias a instalar em casais agrícolas, ou seja em explorações autónomas com área suficiente para assegurar uma vida desafogada, embora modesta;
c) 47 569 ha de baldios destinam-se à divisão em 26 448 glebas, a atribuir em propriedade plena a outras tantas famílias de pequenos agricultores, para equilíbrio das suas explorações agrícolas, ou de trabalhadores rurais que, ajudados pêlos membros do agregado familiar, poderão utilizar o tempo disponível na valorização da pequena parcela de terreno que constitui a gleba, passando assim a dispor de uma parte importante dos géneros necessários à sua alimentação e da família;
d) 41 433 ha serão utilizados em regime de logradouro comum, para cultura ou apascentação de gado, no interesse dós moradores mais necessitados;
e) 4973 ha irão ser atribuídos, nos termos da base XXXI da Lei n.° 2014, às juntas de freguesia e às Casas do Povo para a constituição de pequenas matas;
f) A verba a despender atinge 169 000 contos, dos quais 33 654 têm aplicação em trabalhos de interesse geral, tais como vias de acesso e instalações assistenciais, que constituem encargo normal

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do Estado; os restantes 135 346 contos abrangem o custo dos terrenos e das obras de interesse exclusivo dos colonos, e por isso mesmo o respectivo reembolso será efectuado de harmonia com o disposto na Lei n.° 2014;
g) As verbas não reembolsáveis atingem cerca de 20 por cento do custo total, devendo, porém, notar-se que a maior parte das despesas desta natureza vai ser absorvida na construção das vias de acesso aos baldios, situados em zonas serranas de difícil povoamento e onde os povos desde tempos remotos vivem isolados e entregues à pastorícia;
h) Calcula-se em 13 627 contos o rendimento bruto actual dos terrenos a colonizar e prevê-se que, executado o plano, o mesmo se eleve a 63 000 contos aproximadamente.

4. Parece oportuno - uma vintena de anos passados sobre a fundação do organismo - recordar a actividade desenvolvida no sentido do aproveitamento económico de baldios e de outros terrenos de aptidão agrícola mal utilizados e de permitir, pela colonização, uma possibilidade de melhoria das condições de vida de famílias de rurais. Eis, em rápida síntese, o já realizado neste sector:

Colónia Agrícola de Martim Rei (Sabugal):

Número de colonos admitidos (a) 39
Número de colonos admitidos 39
Área total dos casais ......... 372,0695 ha
Área média por casal .......... 9,5402 ha
Custo médio das construções . . 43.537$20
Empréstimos (média por casal):
Gados ....................... 3.681$50
Alfaias ..................... 950$50
Fundo de Exploração
Rural ....................... 2.950$80
Móveis ...................... 1.303$10

(a) Estes colonos entraram já todos em regime de fruição definitiva.

Nota. - Os casais foram ocupados nos anos de 1942 e 1943.

Colónia Agrícola de Pegões (Montijo-Palmela):

Número de casais construídos 207
Número de colonos admitidos 188
Área total dos casais ..... 3417,0397 ha
Área média por casal ..... 16,5075 ha
Custo médio das construções 56.211$30

Empréstimos (média por casal):

Gados .......... 7.905$30
Alfaias ......... 3.075$50
Fundo de Exploração
Rural .......... 6.234$10

Nota. - Os casais foram ocupados nos anos de 1952 a 1956.

Colónia Agrícola do Barroso (Montalegre):

Número de casais construídos 125
Número de colonos admitidos 125
Área total dos casais ..... 2382,4300 ha
Área média por casal ..... 19,0595 ha
Custo médio das construções 128.007$20
Empréstimos (média por casal):
Gados .................. 11.086$40
Alfaias ................ 2.270$70
Fundo de Exploração
Rural .................. 9.411$50
Móveis ................. (a) 3.240$00

(a) Referido só a oitenta e seis colonos.

Nota. - Os casais foram ocupados nos anos de 1950 a 1955.

Colónia Agrícola do Alvão (Vila Pouca de Aguiar):

Número de casais construídos 25
Número de colonos admitidos 24
Área total dos casais ...... 647,0300 ha
Área média por casal ....... 26,9595 ha
Custo médio das construções 81.989 $40

Empréstimos (média por casal):

Gados ...................... 8.800$00
Alfaias .................. 2.462$50
Fundo de Exploração Rural .. 10.843$00

Nota. - Os casais foram ocupados no ano de 1954.

Colónia Agrícola da Gafanha (Ílhavo):

Número de casais construídos 77
Número de colonos admitidos 33
Área média por casal ....... 3,9332 ha
Custo médio das construções 59.567$00
Empréstimos (média por casal):

Gados .................... 5.985$30
Alfaias .................. 8.418$40
Fundo de Exploração Rural .. 7.110$00
Móveis ................... (a) 2.000$00

(a) Referido só a catorze colonos.

Nota. - Os primeiros casais foram ocupados em 1952.

Verbas despendidas nas diversas colónias até fim de 1955

[Ver Tabela na Imagem]

(a) Nesta verba está incluída a importância dos empréstimos concedidos apenas a trinta e três colonos admitidos até esta data.

II

5. A Gafanha é uma extensa zona de areias situada junto da ria de Aveiro e que, acompanhando o litoral, se estende desde Ovar a Quiaios, englobando as dunas de Vagos, de Mira e de Cantanhede. Ocupa uma área de cerca de 9500 ha. Diz-se no relatório do projecto:
Emerge a Gafanha no meio da laguna, predominando a planície de 2 a 5 m acima do nível do mar, embora na sua parte central se encontrem

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cotas superiores a 30 m, em dunas na sua maioria já fixadas pela arborização.
Raramente é necessário profundar abaixo de 2 a 3 m para se encontrarem quantidades apreciáveis de água utilizada para rega e usos domésticos.
Quanto ao clima, pode afirmar-se que é propício à vegetação de todas as culturas dos climas temperados. A proximidade do mar regulariza extraordinariamente a temperatura, não se registando nos meses mais cálidos temperaturas muito altas, nem muito baixas nos de Inverno; a chuva distribui-se regularmente por todo o ano, raro sendo o mês em que não chove; os números que exprimem o estado higrométrico do ar são dos mais elevados registados no País; os nevoeiros são cerrados e persistentes, as geadas e trovoadas são pouco vulgares. Pena é que, por vezes, a cerração dos nevoeiros e a intensidade dos ventos, especialmente do N. W., prejudiquem a excelência de tal clima.
O solo agrícola da Gafanha pertence ao cenozóico moderno e classifica-se, quanto à sua textura, em tipicamente arenoso, ou «de pinhal». Destituído de compacidade e de tenacidade, e por isso muto permeável ao ar e à água, é extremamente pobre em todos os elementos principais: calcáreo, húmus (por vezes só vestígios), matéria orgânica, azoto, fósforo e potássio.
A cultura nestes terrenos só é econòmicamente possível à custa de lautas fertilizações, que vão melhorando lentamente a constituição física do solo. Nestas transformações intervêm ainda o clima excepcional, a permeabilidade das areias e a existência de grande humidade nas camadas subjacentes ao solo arável.

6. O primeiro projecto de colonização referente a uma pequena parcela - 441 ha da Mata Nacional da Gafanha - foi já objecto do parecer desta Câmara em 4 de Maio de 1944. Assinou-o o Digno Procurador engenheiro Ezequiel de Campos. Considerava-se a instalação de setenta e cinco casais, e a Câmara aprovou-o com pequenos reparos, tendentes a alguns ajustamentos e estudos complementares.

7. Julga-se ser agora conveniente apresentar uma súmula do que foi feito nesta i parte da colonização da Gafanha desde o início dos trabalhos - 1937 - até agora.

Do estudo feito chegou-se à conclusão de que, dadas as condições especiais de localização, vias de comunicação e características agrológicas, a parte da Mata Nacional da Gafanha situada a norte da estrada de Ílhavo-Costa Nova, numa área de 441 ha, apresentava condições favoráveis para os primeiros trabalhos de colonização dirigida.
Assim, foi elaborado o primeiro projecto, em que não se considera a construção dos edifícios, mas apenas um crédito necessário, sob a forma de subsídio reintegrável, para a construção de casa e dependências, de harmonia com o projecto previamente estudado pela Junta.
O casal era constituído por 3 ha de regadio e 1 ha de sequeiro, estando prevista uma incorporação de moliços da ordem das ,200 t por hectare, não se considerava a macadamização das estradas e a adaptação ao regadio reduzia-se a uns ligeiros nivelamentos dos terrenos de 2.ª e 3.ª classes, utilizando principalmente pás-de-cavalo e vagoneta.
Passado pouco tempo, verificou-se que as famílias não mostravam o interesse necessário para proceder ao rápido povoamento da zona considerada. Revisto novamente o problema, procedeu-se a um certo número de modificações que levassem os terrenos a uma mais rápida produtividade, melhorando desta forma a vida dos colonos nos primeiros anos de ocupação ria terra.
Assim, a área do casal foi fixada em 3,3 ha de regadio, depois de elaborados contas de cultura e mapas de distribuição do trabalho, reorganizados os efectivos pecuários previstos e procurada uma melhor utilização do lençol freático, bem como do aproveitamento de novas fontes de matéria orgânica: fabrica de estrumes artificiais e utilização dos lixos da cidade de Aveiro.
Verificou-se também que se tornava indispensável a prévia construção das casas a habitar pêlos futuros colonos, bem como proceder a uma mais cuidadosa adaptação ao regadio, compreendendo um perfeito nivelamento em tabuleiros, dominados por uma rede de rega e com a consequente rede de drenagem.
Posto o problema neste pé, e depois de se solicitar a necessária autorização superior, procedeu-se em primeiro lugar à abertura e macadamização de uma rede de estradas, num desenvolvimento total de 15 910 m, onde se gastaram 26 000 m3 de materiais diversos e 214 000 torrões para as bermas, com um encargo aproximado de 18$50 por metro quadrado. Concluídas as vias de acesso, procedeu-se à construção das casas a habitar pêlos colonos, primeiramente um grupo de seis e, sucessivamente, um grupo de quatro e outro de sete e, finalmente, o último grupo de sessenta casais. Ao mesmo tempo procedia-se à adaptação ao regadio, à abertura de valas de drenagem, construção de caleiras e estrumação de fundo.
Construção das casas. - A casa agrícola ocupa uma área coberta de 137 m3 e é constituída por duas partes: residência do colono e instalações necessárias à exploração agrícola. A primeira é constituída por três quartos, que permitem a separação dos sexos, uma cozinha e um W.C. com chuveiro e fossa séptica. A segunda é formada por um estábulo, alpendre e dois silos e no pavimento superior um armazém e água encanada; exteriormente deste conjunto está instalada uma nitreira descoberta, com a área de 30 m2, e ainda duas pocilgas, uma destinada a criação de porco de engorda e outra a uma marrã. O custo global desta construção foi de, aproximadamente, 70.000$, sendo de 60.000$ para a casa, e correspondendo 10.000$ ao anexo nitreira-pocilga.
Adaptação ao regadio. - Seguindo o mesmo critério, executaram-se estes trabalhos deixando os terrenos nivelados a uma altura máxima cio lençol freático de 1,80 m no Verão. Esta orientação baseou-se no estudo apurado e completo da variação do lençol freático, elaborado durante cinco anos sucessivos nas areias da Gafanha. Este sistema, embora ocasionasse maior encargo no estabelecimento dos casais, contribuiu para um melhor aproveitamento agrícola dos mesmos.
Drenagem. - Verificou-se também que para os terrenos estarem em condições normais de cultura se tornava necessário proceder à sua drenagem; para isso foram abertos cerca de 16 km de valas de secção trapezoidal, defendidas por duas linhas de canavial.
Rede de rega. - A prática demonstrou que, embora utilizando a tradicional junção, de «lama da ria» ,na água de rega, o movimento desta era ainda assim extremamente lento, originando, portanto, um elevado volume de perdas. Procedeu-se então à construção da rede de rega, formada por caleiras

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de betão armado de secção rectangular apoiada em pequenos pilares assentes em estacaria e com as tomadas de água constituídas por degraus e caixas de remanso, para deste ânodo diminuir a acção erosiva da água. Executaram-se estes trabalhos, ficando este ano concluída toda a instalação da rede de rega, num total, aproximadamente, de 21 000 m de caleiras instaladas, com um encargo médio de 40$ por metro linear de caleira assente.
Estrumação de fundo. - Motivado, não só pela extrema pobreza inicial destes terrenos, mas também pêlos trabalhos de nivelamento, tornava-se necessário proceder a uma forte incorporação de matéria orgânica nos casais acabados de adaptar ao regadio. Como as quantidades, globais que se precisariam utilizar eram avultadas - cerca de 35 000 t -, houve que estudar completamente o problema, de modo a obter-se esta massa de matéria orgânica, apenas com utilização parcial do moliço, para assim não se desequilibrar o comércio local deste fertilizante e, portanto, não prejudicar a lavoura, que normalmente o utiliza.
Lançou-se então mão do fabrico de estrumes artificiais, a partir do mato existente na colónia, o que provou ser de importância primordial. Ao mesmo tempo procedia-se à sementeira de tremocilha para siderar e utilizaram-se os lixos de Aveiro, cuja acção fertilizante nestes terrenos é verdadeiramente notável.
O encargo do estrume artificial é da ordem dos 50$ por tonelada e o lixo aproximadamente 45$ por tonelada posta na colónia. Por outro lado, a tonelada de «moliço verde» posta na colónia oscila entre os 30$ e os 35$, sendo o encargo da sideração por hectare aproximadamente 800$.
Assistência técnica. - Embora se tivesse «procedido a um completo estudo monográfico da zona da Gafanha, o certo é que estes dados diziam mais respeito às «areias velhas» de que às «areias novas», e, portanto, pode dizer-se que, ao principiar a colonização desta zona, pràticamente se partiu do zero, do ponto de vista da condução das culturas. Para obviar a este inconveniente estabeleceu a Junta uma rede de campos experimentais, que, pode dizer-se, foram e são a base da sustentação de todos os trabalhos de observação. Verificou-se então que os abrigos eram de importância fundamental no desenvolvimento das culturas e, portanto, na sua produção; chegou-se à diferença da ordem dos 50 por cento.
No que se refere ao trigo, por exemplo, depois de se experimentarem até agora cerca de trinta e cinco variedades, verificou-se que o Roma se tem comportado melhor do que qualquer outro. No que se refere à adubação, verificou-se o que era lógico esperar: que adubações azotadas eram neste caso fundamentais, afinando-se também já as quantidades, embora elevadas, mas economicamente viáveis.
No capítulo das forragens - o panorama era idêntico, se não mais trágico - verificou-se a pouca adaptação das forragens correntemente conhecidas, ensaiando-se, portanto, novas formas de consociação e mesmo até outras espécies. Assim se chegou a utilizar a ervilhaca do Caia, consociada com o «avião», e a introdução de uma leguminosa de corte, desconhecida ma região - trifolium resupinatum»-, que se mostrou com um notável poder de adaptação às areias ainda novas.
Ao mesmo tempo levou-se os colonos à utilização de ensilagem e fenação, alargando assim as possibilidades de manutenção racional do seu efectivo pecuário. Assente nesta orientação, e à medida que os casais iam ficando concluídos, procedeu-se à ocupação destes, havendo a preocupação de trabalhar em primeiro lugar com os de aptidão cultural média e mista deixando só para este ano os de melhor aptidão cultural.
Assim, estão instaladas actualmente trinta e duas famílias - seis em 1952, quatro em 1953, nove em 1954 e treze em 1955-, estando prevista para este amo (Julho-Agosto) a entrada de mais trinta e duas, ficando os restantes treze casais para ocupar em Janeiro-Fevereiro próximo futuro.
A vida económica dos colonos é, nos primeiros tempos, um tanto difícil, consequência da pobreza, inicial destes terrenos e muitas vezes até do desequilíbrio financeiro e falta de senso administrativo que caracterizam estas famílias, na sua maior parte. Com o decorrer dos anos a fertilidade do terreno vai aumentando, as famílias vão-se adaptando ao ambiente e as produções entram no seu regime normal.
Foi baseado nesta experiência de vários anos de trabalhos nas areias da Gafanha que a elaboração do projecto da Gafanha (II parte) assentou, não restando dúvidas de que, embora apareçam ainda grandes dificuldades a vencer, a entrada destes terrenos em produção far-se-á mais rapidamente e com um encargo global menos elevado.

III

8. Feita esta rápida revisão do que se tem realizado em Portugal em matéria de colonização dirigida, parece não ficar deslocada a apresentação de alguns números, que atestam a importância social e económica do problema nos dois países da Europa para aquém da «cortina de ferro» que mais se têm entregue à realização destes empreendimentos, nomeadamente na transformação em regadios e seu integral aproveitamento.
Em Itália a grandiosa obra da «Bonifica Integrale», iniciada por Mussolini em 1928, com a projecção e êxito-conhecidos, e suspensa pela guerra, deu lugar à «Riforma Fondiaria», regulada em 1950 pelas leis «stralcio» e «Sila», para a Sicília.
O balanço actual dos trabalhos da «Reforma» é o seguinte: entrega de 500 000 ha a 101 000 famílias de camponeses; 21 000 casas construídas; numerosas povoações rurais; 177 centros sociais; 196 centros escolares e de assistência; construção de 5000 km de estradas; distribuição de 4000 tractores, 51 000 máquinas agrícolas, 10 000 meios de transporte, 46 000 ovinos de raça seleccionados, 13 000 equinos, 11000 suínos e 31 000 ovinos, e instituídas 630 cooperativas, das quais 30 para as transformações de produtos agrícolas.
Em Espanha já foram considerados de interesse nacional para colonização 681 935 ha em novas zonas regáveis, em 184 427 ha dos quais já se encontram concluídas ou em vias de conclusão as obras necessárias e entregues unidades de exploração a mais de 30 000 colonos. E do programa em curso, em aplicação da lei de colonização de zonas regáveis de 21 de Abril de 1949, admite-se que, durante largo período, possam vir a ser instaladas anualmente cerca de 10 000 famílias. Mais de uma centena de novas povoações surgiram das obras de colonização.

9. E, antes de entrarmos na apreciação do projecto, arquivam-se, pela objectividade que revestem, estas palavras de Gómez-Ayau, técnico dos mais competentes dos serviços de colonização do país vizinho:

Melhorar no sentido higiénico e construtivo é um primeiro passo necessário na colonização, mas

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nada mais. O aumento da produção, consequência desta melhoria, é um passo mais; mas só quando na terra se instale de maneira fixa e estável uma povoação agrícola teremos dado todo o conteúdo à palavra; quer dizer, a colonização não termina quando os caminhos, as redes de rega, de drenagem, as moradias, os edifícios industriais, as plantações, etc., estão concluídos, mas sim quando se conseguiu o estabelecimento, num meio assim formado, de unidades de exploração de harmonia com ele e se alcançou a produtividade normal dos seus solos e a independência económica das famílias estabelecidas.

Exame na especialidade

I

10. O projecto agora em estudo é de maior envergadura que os antecedentes, pois abrange 3969 ha e compreende quatrocentos e cinquenta e um casais agrícolas.
Alicerçado nos ensinamentos colhidos nos trabalhos realizados na I parte do empreendimento, o projecto apresenta pormenorizados elementos técnicos para justificação da economia do sistema, e que, quer pela forma cuidadosa, como foram recolhidos, quer pela experiência do pessoal técnico que os apreciou, não podem estar em causa.

11. Os 3969 ha delimitados para colonização foram escolhidos de entre uma zona estudada que abrange 15 000 ha, constituídos apenas por terrenos do Estado - matas nacionais - e das autarquias locais - baldios-, com os seguintes limites:

A norte a estrada de Ílhavo à Mata da Encarnação.

A sul o concelho de Cantanhede.

A poente das estremas da anata do Estado e baldios da Verdura do Norte e Arção e o oceano Atlântico.

A nascente os limites este da mata do Estado e baldios da Caniceira, do concelho de Cantanhede.

Consideram-se três núcleos:

Núcleo I - Mata nacional - 1780 ha - 190 casais.
Núcleo II - Baldio da Videira do Norte - 407 ha - 61 casais.
Núcleo III - Pinhal do Costinhas - 1782 ha - 200 casais.

O aproveitamento actual dos núcleos I e III é feito através dos pinheiros e o núcleo n mantém-se em logradouro comum. O baldio de Caniceira, considerado no projecto (1454 ha), não será desde já submetido à colonização, dado que «os povos têm-se defendido tenazmente de qualquer tentativa para modificar o statu quo».
A distribuição da área considerada, em face dos actuais proprietários, é a seguinte:
[Ver Tabela na Imagem]

«Todos estes terrenos confinam com zonas cultivadas e não se vêem motivos impeditivos do seu aproveitamento agrícola», diz-se no projecto. E acrescenta: «O facto de uns se encontrarem na parte do Estado-matas nacionais - e outros -baldios - exigirem a realização de complexos e dispendiosas obras de defesa e de drenagem são, na verdade, as razões que têm obstado à sua cultura e consequente apropriação».

12. A densidade da população, por quilómetro quadrado, é, na região e segundo o censo de 1950, 137,9, superior à média geral do continente - 89,3.
E, se se subtraírem os 15 000 ha considerados -matas e dunas-, sobe para 176,5.
Parece, portanto, que, sob o aspecto demográfico e social, se justifica a tentativa de aproveitamento de tão extensa zona.

13. E sob o aspecto agrológico e agrícola?
O solo agrícola da Gafanha é tipicamente arenoso - o vulgar terreno «de pinhal». São terras em que a cultura só é economicamente possível desde que, mediante fortes e contínuas adubações orgânicas, sofram uma profunda transformação. Mas a existência de grande humidade nas camadas subjacentes do solo arável, a permeabilidade das areias e o clima e a facilidade de se conseguirem matos para o fabrico de estrumes e algas marítimas favorecem a sua transformação.

14. Uma das características do terreno é a existência de um lençol freático, que, não só dá ao mesmo uma humidade que auxilia poderosamente a formação dos solos agrícolas, como assegura as exigências das culturas.
Admite-se mesmo a necessidade de estabelecer desenvolvido sistema de drenagem, para que os terrenos se possam submeter com êxito à cultura, como no núcleo n, por exemplo. Em função da profundidade do lençol e da existência no solo de matéria orgânica, anãs principalmente em relação à primeira, os terrenos foram classificados em cinco classes.

15. Numa região com as características da que estudamos a exploração do solo faz-se intensivamente e a policultura é dominante.
Consideram-se como culturas principais, no Outono, as ervas para pastos e, na Primavera, a batata, o milho estreme ou condicionado ao feijão ou à batata e, nalguns casos, a chicória para a indústria de torrefacção.
Em escala menos acentuada cultiva-se o trigo, a cevada, a fava, o centeio, a ervilha, a mostarda, e ultimamente tem-se recorrido também ao amendoim, que se admite traga apreciáveis vantagens económicas.
Como meio de trabalho e gado de engorda, é habitual cada lavrador possuir uma junta de bezerros e, para complemento da economia doméstica, os indispensáveis suínos e galináceos.
Ultimamente tem-se registado a expansão da vaca turina, explorada com o objectivo de produzir trabalho e leite.
Frisa-se que as características do clima local são favoráveis à expansão da indústria dos lacticínios.
Admitem-se, ao atingir o «período de plena produção», os seguintes rendimentos médios por hectare, que, dadas as fertilizações orgânicas previstas, a facilidade no recurso à água e as doses maciças de adubos químicos habitualmente empregados na região, se consideram aceitáveis:

Produções
Milho com feijão: previstas
por hectare
Milho ...................................... 2 200 kg
Feijão ..................................... 600 l

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Trigo ................ l 800 kg
Batata ............... 11 000 kg
Batata e milho:

Batata................ 12 000 kg
Milho ................ l 500 kg
Amendoim ............. 5 000 kg
Cevada ............. l 800 kg
Tremocilha .......... 2 500 l

16. Na região a propriedade está extremamente dividida. Cerca de 70 por cento dos prédios têm uma superfície inferior a l ha.
Nestas condições, a exploração é predominantemente de conta própria e a empresa agrícola do tipo familiar imperfeito.
Cerca de 90 por cento da população rural dedica-se à exploração de terras, ocupa-se também com o trabalho nas salinas, seca de bacalhau, pesca, comércio, etc., o que não é, porém, suficiente para absorver toda a mão-de-obra, pelo que são já correntes as deslocações periódicas da região, trabalhando na cultura do arroz no vale do Sado, etc., e a emigração.

II

17. Dada uma ideia geral das condições naturais e aspecto social da região, vejamos como no projecto se justifica a orientação estabelecida.

18. Diz-se:

De harmonia com o conceito de exploração familiar, pretende-se instalar nos núcleos considerados explorações agrícolas cujo rendimento possa prover à manutenção da família e cobrir os encargos anuais relativos à amortização do casal e resultantes da obra de colonização.
Todavia, o facto de existirem algumas pequenas manchas onde se não julga como melhor solução a instalação de casais agrícolas leva a prever a constituição de glebas de regadio subsidiárias de exploração vizinhas deficitárias.
Não se tem a pretensão de considerar resolvido com esta medida o problema agrário da Gafanha, visto que o número de glebas previstas neste projecto - 207 - representa apenas ligeiro contributo para melhorar as condições de vida das referidas explorações.

19. Já nos referimos às várias classes, consideradas em função da produtividade do terreno. Poderia admitir-se que os casais teriam superfícies variáveis com à riqueza dos mesmos.
O projecto, porém, diz:

Todos os casais projectados do mesmo tipo serão constituídos por terrenos com igual superfície cultivável, qualquer que seja a sua classe de aptidão.

E justifica-se este critério dizendo-se que:

... as diferenças de produtividade nas várias classes de solos só nos primeiros anos são bastante acentuadas e atenuam-se à medida que os terrenos atingem a maturação.

20. Ora a o maturação» em terrenos desta natureza, que se prevê atingir-se de dois a cinco anos em terrenos de l.ª classe e de oito a dez anos nos de 3.ª, é função da matéria orgânica que neles for incorporada. Tem a seu favor a região o ser fácil obter matos na» vizinhas matas nacionais e até dentro do perímetro considerado e de se dispor dos (moliços da ria de Aveiro.
No entanto, dado o grande emprego dos moliços que se faz na região e o notório decréscimo da flora marinha - e julga-se indispensável averiguar das causas que o originam e actuar no sentido do seu revigoramento, pela extraordinária importância que oferece -, o estudo baseia-se no enriquecimento dos terrenos através da matéria orgânica constituída por estrumes, estrumes artificiais, moliços e sideração.
E, assim, o projecto considera para todos os casais uma estrumação de fundo na base de 110 t por hectare e anual de 60 t por casal.
As áreas previstas como necessárias para a sementeira intensiva de mato e que reúnem as condições para o efeito são as seguintes:
[Ver Tabela na Imagem]

(a) Inclui a superfície destinada a glebas subsidiárias de explorações agrícola» particulares já existentes.

Diz-se no projecto:

A grande massa de pinhal que se estende desde o norte da Gafanha até quase à Figueira da Foz terá de ser explorada tendo em vista intensificar a produção de mato sob coberto dos pinheiros, de modo a assegurar a produção da matéria-prima destinada ao fabrico dos estrumes que supram a falta de moliços.

E acrescenta-se:

É de facto imprudente pensar-se em aproveitar agrìcolamente extensões hoje incultas, mas cultiváveis, contando apenas com os actuais recursos em matéria orgânica (estrume de curral e moliço); é indispensável ter garantida a produção de mato» para tornar possível a cultura, sobretudo das zonas ainda incultas.

21. A orientação geral do projecto é expressa nas seguintes conclusões:

a) Estabeleceu-se que, à semelhança dos terrenos já cultivados na Gafanha, a superfície do casal seria totalmente explorada em regadio, pois pareceu conveniente dotar os casais com o máximo possível de gado, a explorar em função mista de trabalho e leite;

b) A fim de promover o completo aproveitamento das forragens produzidas no casal, considerou-se a técnica da ensilagem;
c) Estabeleceu-se o plano de exploração, de harmonia com o cultivo regional, calculando-se a distribuição dos salários e das jeiras pêlos vários meses, de forma a averiguar-se da viabilidade económica e do equilíbrio desta exploração;
d) A partir destes elementos apuraram-se as receitas e despesas da empresa e compararam-se com as despesas inerentes à manutenção da família empresária, acrescidas dos encargos resultante» da colonização.

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Pelos estudos realizados concluiu-se que a quantia anual necessária à manutenção da família era de 3.000$ por unidade de consumo e que o número médio de unidades de consumo e de trabalho por família era de 4,5 e 2, respectivamente.
A despesa da manutenção da família assim prevista será, portanto, de 13.500$.
As diferentes características dos núcleos que constituem o perímetro, e designadamente o custo da matéria orgânica e os encargos de captação da água de rega, levaram à adopção de três tipos de casal, dois dos quais com 4 ha e um com 3,5

III

22. O projecto apresenta o plano de exploração dos vários tipos de casal considerados nos três núcleos. Podemos agrupá-los da seguinte forma:

Núcleo I

Casal do tipo l

Área: 4 ha de regadio

Hectares
190 casais, a 4 ha ............. 760
Área social .................... 84
Superfície florestal ........... 936
1 780

Trabalho estranho, 20 por cento das necessidades:

Valor médio do hectare ....... 3.060$00
Valor médio do casal ....... 12.250$00

99,7 ha de terra de 1.ª classe.
253 ha de terra de 2.ª classe.
500 ha de terra de 3.ª classe.

Núcleo II

Casal do tipo II

Área: 8,5 ha de regadio

Hectares
61 casais, a 3,5 ha ........... 217,5
35 glebas (a) ......... ......... 17,5
Área social ..................... 36
Superfície florestal ............ 136
407

(a) Para as explorações agrícolas já existentes.

Trabalho estranho, 7 por cento das necessidades de exploração:

Valor médio do hectare ........ 4.103$00
Valor médio do casal .......... 14.360$00

47 ha de terra de 1.ª classe.
130 ha de terra de 2.ª classe.
56 ha de terra de 3.ª classe.

Núcleo III

Casal do tipo III

Área: 4 ha de regadio

Hectares
200 casais, a 4 ha (a) ........... 800
172 glebas ....................... 86
Área social ...................... 106
Superfície florestal ............. 790
l 782

(a) 32 constituem variante - menor encargo de instalação para água (24.000$, em vez de 30.000$).

Trabalho estranho, 25 por cento das necessidades:

Valor anedio do hectare ....... 1.929$50
Valor médio do casal .......... 7.720$00
21,74 ha de terra de 1.ª classe.
130,2 ha de terra de 2.ª classe.
616 ha de terra de 3.ª classe.
260 ha de terra de 4.ª classe.

23. E as previsões para a economia do casal são as seguintes:

[Ver Quadro na Imagem]

24. O quadro que se segue dá inova arrumação a estes elementos, facilitando possivelmente a análise comparativa:
[Ver Quadro na Imagem]

(a) Estas verbas foram contabilizadas nas contas de cultura que serviram de base à elaboração do projecto.

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25. As obras complementares da colonização de interesse geral: 45 km de estradas e 61,5 km de vias de acesso; os dez aldeamentos, com a seguinte distribuição:

[Ver quadro na imagem]

(a) 4 casais são dispersos.

compartimentação; canal de drenagem com 3 km de extensão; move chafarizes, para o abastecimento de águas, estão orçadas em 6:784.280$. Não figuram no orçamento geral as verbas destinadas a edificações de carácter social, que terão a seguinte distribuição:

[Ver quadro na imagem]

26. Os encargos previstos no projecto são, em resumo:

[Ver quadro na imagem]

Verbas reintegráveis . .
Verbas não reintegráveis .
Arredondamento . . . .

com a seguinte discriminação:

[Ver quadro na imagem]

a) Verbas reintegráveis:

Construções.......
Estrumações de fundo . . .
Nivelamento.......
Enxugo .........
Obras de regra......
Gado..........
Alfaias.........
Fundo de Exploração Rural Obras de defesa.....

b) Verbas não reintegráveis:

Estradas.........
Nivelamento.......
Canal..........
Chafarizes........
Implantação de casais . . .
Compartimentação ....
Administração e fiscalização das obras.....

27. Exposto o problema nas suas linhas gerais, parece poder concluir-se que o empreendimento tem viabilidade técnica, já comprovada com os resultados da

exploração, ainda que em número de anos limitado, dos casais da l.a fase.
Trata-se do aproveitamento de terrenos de pinhal ou incultos pertencentes ao Estado e às juntas de freguesia, pelo que a sua utilização não suscita dificuldades de ordem local.

28. Na abundância e facilidade de aproveitamento da água e nos recursos locais para obtenção das grandes massas de matéria orgânica indispensáveis à transformação das areias em terras de cultura assenta o interesse técnico do projecto.
Há que transformar, especialmente nos núcleos i e iii, tal como se está realizando para os casais que figuram na i parte, terreno de fertilidade muito reduzida em meio de cultura intensiva. A experimentação local e os resultados registados em condições semelhantes na Aguçadoura (Póvoa de Varzim) permitem admitir que, estando as terras em «maturação», sejam atingidos os rendimentos unitários a que o projecto alude para as culturas consideradas.
Afigura-se à Câmara que haverá que ser observado com a maior cautela o equilíbrio entre as fontes de obtenção de matéria orgânica e as necessidades de cada casal, explorado como tem de ser em regime de cultura intensiva de regadio. Quer no período de formação das terras, quer quando se atinja a sua «maturação», caberá aos matos fornecer a contribuição mais importante para este fim.
Entende a Câmara que deverá ser acompanhada atentamente a evolução verificada nos casais da l.a fase já em exploração, para que dos ensinamentos colhidos se introduzam no projecto da 2.a fase as alterações que se imponham, mesmo que haja de alterar em alguns pormenores o plano geral estabelecido.
E não lhe repugna aceitar, sem se modificar a estrutura prevista para o casal e se as circunstâncias o aconselharem, um arranjo, a título temporário, no sentido de aumentar as possibilidades do aproveitamento de matos e de no mais curto prazo de tempo dar às terras a fertilidade indipensável. Porque empreendimentos da envergadura e natureza do da Gafanha, se bem que necessitem de ser rodeados de todas as precauções, precisam de ser conduzidos com ritmo o mais rápido possível.
E, se bem que não passe, de momento, de simples apontamento, afigura-se-nos que, dadas as condições naturais propícias e a proximidade de mercados com larga aceitação e apreciável poder de compra — Aveiro, ílhavo, a própria Gafanha da Nazaré e, ainda que mais longe, o Porto e Coimbra —, não é totalmente descabido admitir que parte da exploração de alguns casais possa vir a ser dirigida para a cultura hortícola, «primores» e floricultura, produtos estes dum rendimento muito mais apreciável.
Pelas características especiais dos terrenos, este empreendimento da Gafanha oferece maiores dificuldades. Não se trata apenas de colonizar uma zona. Há que preparar o meio natural que permita o êxito da colonização.

IV

29. No n.° 23 transcreveram-se do projecto os elementos que se referem aos resultados económicos dos casais nos três núcleos considerados, no período de plena produção, que se admite seja atingido entre dois a dez anos depois de iniciada a exploração, conforme as classes dos terrenos.
Atribui-se a cada unidade de consumo o valor anual de 3.000$, e, como a família é constituída por 4,5 uni-

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dades-consumo, reserva-se para a sua sustentação a importância anual de 13.500$.

Resulta das contas apresentadas — em que nas receitas e nas despesas não são incluídos imprevistos resultantes duma exploração agrícola nem os devidos às contingências da vida familiar, que podem vir a beneficiar ou agravar os números considerados — que o casal, quando em plena exploração, tem viabilidade económica. Assim, os saldos anuais previstos variam

para os vários núcleos — função da melhor ou pior qua-lidade dos terrenos do casal, em especial da profundidade em que se encontra a água — entre 193$ e 1.053$ anuais.

30. Se é certo atingir-se a viabilidade económica adentro da modéstia da vida do trabalhador rural, há que concordar que é manifesta a exiguidade dos saldos previstos. Mas é preciso não esquecer que o artigo 33.° da Lei n.° 2072, de 18 de Junho de 1954, diz: «O preço do casal e o empréstimo a que se refere o artigo 21.° (o capital inicial indispensável à exploração, em espécies ou dinheiro) serão pagos em prestações anuais e iguais, não superiores a trinta, vencendo juro à taxa máxima de 2 por cento», pelo que compete ao Estado apenas ao custo das obras consideradas de interesse público ou social e o dos estudos e trabalhos de planificação».

Enquanto o casal estiver em regime de fruição provisória, que o § 1.° do artigo 29.° estabelece seja de três anos, que poderão ser prorrogados até cinco, o colono pagará anualmente um quinhão da colheita, normalmente avaliado em um sexto. E esta a situação em que se encontram todos os colonos, com excepção dos de Martim Rei.

31. Vem agora a propósito recordar que no n.° 35 do parecer desta Câmara de 24 de Junho de 1952 («Projecto de colonização dos terrenos da várzea do Ponsul») já se fez referência às condições de vida, por certo limitadas, dos colonos em face dos encargos a suportar.

Parece não oferecer dúvida que a situação que se lhes proporciona será ainda largamente favorável em relação à incerteza da condição de assalariados, sem quaisquer garantias nem horizontes, que é o meio donde provêm. Terão, dado o lar privativo e a assistência de ordem vária que os centros sociais das colónias lhes proporcionam, bom ambiente familiar e vida mais independente e o futuro garantido para si e para os seus. Mas durante trinta anos os encargos serão preo-cupantes. E é essa preocupação que justifica, possivelmente, a falta de interesse que parece existir, o que faz com que na Gafanha, por exemplo, a maior parte dos colonos não seja da região, vindo por vezes de longe — Minho. Beira Alta, etc. —, quando se trata de uma zona, como já se frisou, densamente povoada, onde escasseia a terra e a emigração é normal. Porque a noção de responsabilidade que a nova vida traz, a desconfiança em relação à natureza dos benefícios resultantes e até à falta de sentido de autodirecção para a exploração da «sua propriedade» — se bem que tecnicamente assistidos —, parece ser motivo de retraimento.

Não haverá que fazer uma apreciação prévia, eficiente, nos aspectos técnico e psicológico para o recrutamento dos futuros colonos? E não seria mesmo de considerar a existência de um «centro» ou «escola preparatória», que poderia servir não só para este fim como para a preparação dos que se destinam ao ultramar?

32. Hoje essa adaptação faz-se nos próprios casais. Em todas as obras de colonização há que contar sempre com um certo número de pretendentes a colonos

que, ainda no período inicial ou de «tutela», ou se desinteressam por motivos diversos e abandonam a exploração ou a quem pela Administração, por falta de bom comportamento ou de aptidões, é rescindido o contrato. Esse número, nos países em que se faz a colonização em larga escala, atinge cerca de 40 por cento. Em Portugal a percentagem tem sido sensivelmente menor. Mas o que se expõe no número anterior não poderia diminuir sensivelmente os prejuízos, como o atraso de exploração dos casais que as desistências voluntárias ou impostas originam e outros de ordem material e moral?
33. Parece não ficar despropositado neste parecer admitir a possibilidade de revisão do regime de fruição definitiva, tendente, não só a estimular os futuros colonos, mas a permitir a estes um nível de vida superior àquele que hoje, segundo os projectos de exploração, se lhes proporciona.
A legislação prevê a possibilidade de se atender a situações momentaneamente precárias.
O artigo 73.° do Decreto n.° 36 709 diz: «Se, acidentalmente, o rendimento do casal não garantir a sustentação do colono e sua família e a liquidação das prestações, a Junta, quando o considere justo e conveniente para a eficiência da colonização, proporá ao Ministro da Economia a redução, por período não excedente a três anos, de 25 por cento no quantitativo das anuidades de amortização do preço do casal».
Na verdade, as condições de vida das nossas populações rurais sào extremamente baixas. Mesmo num distrito como o de Aveiro, dos que mais contribui para o rendimento nacional, mercê de uma riqueza industrial apreciável e de uma agricultura varladíssima, das mais valorizadas, mas .em que o índice demográfico é elevado (176 habitantes por quilómetro quadrado, contra 89 de média geral no País), é impressionante o estado de depauperamento físico que se nota nas camadas rurais, nomeadamente nas mulheres com encargos de família, mesmo jovens, a pobreza de vestuário e a falta de higiene nas crianças e no conforto do lar.
E evidente que este estado de coisas não é apenas consequência da magreza dos orçamentos familiares. A escassa educação e a falta de preparação para a vida chamam a si parte importante destas deficiências.
E de esperar do «serviço social e de formação agrícola» previsto no parecer qus reforma os cursos dos institutos de serviço social, que esta Câmara aprovou recentemente, e que se deseja seja em breve uma realidade, um forte impulso para modificar esta deprimente situação.
E parece-nos que seria legítima aspiração que as «colónias agrícolas» marcassem uma posição de vanguarda neste sector.
Por isso se justifica que contra o inicialmente previsto, a moradia e anexos agrícolas fundamentais sejam construídos pelo Estado, embora reembolsáveis. Representa já um valioso contributo para este fim.
E certamente seria de desejar que tão grandes investimentos por parte do Estado e o esforço que se admite venha a ser despendido pelos agregados familiares dos colonos conduzissem estes a um nível de vida mais elevado do que se presume possam alcançar normalmente nas condições actuais.

34. Afigura-se a esta Câmara não ser da sua competência precisar qual a orientação a seguir para se atingir tão desejado objectivo. Recorda entretanto que na Alemanha, antes da última guerra mundial, onde se fez uma apreciável obra de colonização, a Lei de Patrimónios Familiares, de 29 de Setembro de 1933,

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estabeleceu que as amortizações dos encargos se estendiam até sessenta anos; que em Itália, em 1936, o «Patto Colonico» determinava que até se atingir a «maturação económica da exploração» se concedessem subsídios aos colonos sempre que se provasse que, por motivos alheios à vontade própria, o rendimento extraído fosse insuficiente para a manutenção da família, assegurando a cada unidade de trabalho o mínimo de rendimento (no Agro Pontino, de 1932 até ao início da guerra de 1939 tinham eido estabelecidas 2963 explorações em 54 266 ha, com uma população de 29 300 pessoas); que em Espanha, cuja obra de colonização, nomeadamente nos regadios, é notável, se considera que todos os benefícios tendentes a elevar ao máximo a produtividade da terra não podem ser, na maioria dos casos, reintegrados no seu valor total pelos colonos, e, assim, de acordo com o decreto de Julho de 1942, em face das condições económicas dos colonos, atribuem-se subsídios que se estendem de 10 a 40 por cento do valor das construções ou das benfeitorias realizadas, a amortizar em prazos variáveis, sendo o das moradias de quarenta anos.
E há também quem julgue que a amortização se poderá fazer por escalões, em vez de anuidades fixas.
Mas deseja emitir voto de que se impõe, nomeadamente em casos como o da Gafanha, em que pelo esforço do colono se verifica uma verdadeira recuperação de terras em benefício do património da Nação e da grei, uma suavização das condições gerais estabelecidas, no sentido de estimular e amparar os futuros colonos, que será de desejar sejam sempre que possível da região. A diminuição das verbas a recuperar pelo Estado, o aumento do número de anos para a sua reintegração, ou a conjugação destes dois factores, pode, certamente, dar ao problema uma solução justa e humana e estimulante para futuros empreendimentos.
E sem dúvida pesado para uma geração ter de suportar, por si, a totalidade dos encargos desta natureza. E se o objectivo da colonização é fixar braços, facilitar o acesso à propriedade, deve ser, também, o de proporcionar ao colono aquele nível de vida que possa servir de padrão às nossas populações rurais, tão necessitadas de se elevarem social e economicamente.

Conclusões

A Câmara Corporativa, independentemente das considerações de ordem genérica apresentadas, ponderadas a natureza e dificuldade do aproveitamento das dunas da Gafanha e o interesse económico e social do empreendimento, emite o seguinte parecer:

a) Deverão ser revistas, para serem aplicadas na colonização da Gafanha e outras obras em que a natureza especial do projecto o justifique, as disposições constantes do artigo 33.º da Lei n.º 2072, de 18 de Junho de 1954, mo intuito de suavizar as condições impostas aos colonos;
b) Dada a importância fundamental da matéria orgânica para o êxito da exploração económica dos casais, deverá ser devidamente ponderada a forma de obtenção de matos, para que fiquem plenamente asseguradas os necessidades dos casais, quer na fase de instalação quer na de plena exploração;
c) Na execução da 2.ª fase deverá actuar-se com a cautela que as circunstâncias aconselhem e em face dos ensinamentos colhidos na exploração dos casais da 1.ª, sem prejuízo se imprimir ao empreendimento o ritmo que trabalhos desta natureza exigem;
d) Ressalvando a matéria das alíneas anteriores, a Câmara Corporativa dá a sua aprovação ao projecto de colonização da Gafanha (II parte).

Palácio de S. Bento, 6 de Julho de 1956.

António Passos Oliveira Valença.
José Frederico do Casal Ribeiro Ulrich.
José de Queiroz Voz Guedes.
António Carlos de Sousa.
Ezequiel de Campos.
Rafael da Silva Neves Duque.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Luís Quartin Graça, relator.

Reuniões da Câmara Corporativa no mês de Junho de 1956

Dia 4. - Proposta de lei sobre Corporações.

Secção: Interesses de ordem administrativa (subsecção de Política e administração geral).

Presidência de S. Ex.a o Presidente da Câmara.

Presentes os Dignos Procuradores: Afonso de Melo Pinto Veloso, Afonso Rodrigues Queira, Guilherme Braga da Cruz, José Pires Cardoso, Luís Supico Pinto, Manuel Duarte Gomes da Silva e, agregados, António Aires Ferreira, Domingos da Costa e Silva, João Baptista de Araújo, João Ubach Chaves, Joaquim Moreira da Silva Cunha, José António Ferreira Barbosa, José Augusto Vaz Pinto, José Frederico do Casal Ribeiro Ulrich, José Gabriel Pinto Coelho, José Maria Dias Fidalgo, José Penalva Franco Frazão, Luís Quartin Graça, Manuel Alberto Andrade e Sousa, Manuel de Almeida de Azevedo e Vasconcelos, Quirino dos Santos Mealha e Tomás de Aquino da Silva.

Discussão do projecto de parecer.

Dia 5. - Proposta de lei sobre Corporações.

Secção: Interesses de ordem administrativa (subsecção de Política e administração geral).

Presidência de S. Ex.a o Presidente da Câmara.

Presentes os Dignos Procuradores: Afonso de Melo Pinto Veloso, Afonso Rodrigues Queiró, Guilherme Braga da Cruz, José Pires Cardoso, Luís Supico Pinto, Manuel Duarte Gomes da Silva e, agregados, António Aires Ferreira, Domingos da Gosta e Silva, João Baptista de Araújo, João Ubach Chaves, Joaquim Moreira da Silva Cunha, José António Ferreira Barbosa, José Augusto Vaz Pinto, José Frederico do Casal Ribeiro Ulrich, José Gabriel Pinto Coelho, José Maria Dias Fidalgo, José Penalva Franco Frazão, Luís Quartin Graça, Manuel Alberto Andrade e Sousa, Manuel de Almeida de Azevedo e Vasconcelos, Quirino dos Santos Mealha e Tomás de Aquino da Silva.

Discussão do projecto de parecer.

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Dia 6. - Proposta de lei sobre Corporações.

Secção: Interesses de ordem administrativa (subsecção de Política e administração geral).

Presidência de S. Ex.a o Presidente da Câmara.

Presentes os Dignos Procuradores: Afonso de Melo Pinto Veloso, Afonso Rodrigues Queiró, Guilherme Braga da Cruz, José Pires Cardoso, Manuel Duarte Gomes da Silva e, agregados, António Aires Ferreira, Domingos da Costa e Silva, João Baptista de Araújo, João Ubach Chaves, Joaquim Moreira da Silva Cunha, José António Ferreira Barbosa, José Augusto Vaz Pinto, José Frederico do Casal Ribeiro Ulrich, José Gabriel Pinto Coelho, José Maria Dias Fidalgo, José Penalva Franco Frazão, Luís Quartin Graça, Manuel Alberto Andrade e Sousa, Manuel de Almeida de Azevedo e Vasconcelos, Quirino dos Santos Mealha e Tomás de Aquino da Silva.

Final da discussão do projecto de parecer.

Foi aprovado.

Dia 6. - Projecto de colonização da Gafanha.

Secção: Interesses de ordem administrativa (subsecções de Obras públicas e comunicações e Finanças e economia geral).

Presidência de S. Ex.a o Presidente da Câmara.

Presentes os Dignos Procuradores: António Passos Oliveira Valença, José Frederico, do Casal Ribeiro Ulrich, José de Queirós Vaz Guedes, António Carlos de Sousa, Ezequiel de Campos, Fernando Maria Alberto de Seabra e, agregados, Afonso de Melo Pinto Veloso, Afonso Rodrigues Queiró e Luís Quartin Graça.

Escolha de relator.

O REDACTOR - M. A. Ortigão de Oliveira.

IMPRENSA NACIONAL m LISBOA

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