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REPÚBLICA PORTUGUESA
ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA
N.º 104 VI LEGISLATURA 1957 1 DE FEVEREIRO
PARECER N.º 46/VI
Projecto de decreto-lei n.º 518
Delitos contra a saúde pública e a economia nacional
A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 105.º da Constituição, acerca do projecto de decreto-lei n.º 518, elaborado pelo Governo sobre os delitos contra a saúde pública e a economia nacional, emite, pelas suas secções de Comércio, crédito e previdência (subsecção de Actividades comerciais não diferenciadas) e Interesses de ordem administrativa (subsecções de Justiça e Finanças e economia geral), às quais foram agregados os Dignos Procuradores Alberto Ventura da Silva Pinto, António Ferreira da Silva e Sá, Artur Elviro de Moura Continuo Almeida de Eça, Fernando Carlos da Costa, Francisco Pereira da Fonseca, João de Figueiredo Cabral de Mascarenhas, Jorge Augusto da Silva Horta, José Caeiro da Mata, Luís Supico Pinto e Manuel Duarte Gomes da Silva, sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:
I
Apreciação na generalidade
1.0 pequeno mas expressivo relatório do projecto de decreto-lei n.º 518 mostra claramente quais os objectivos que o Governo se propôs ao elaborá-lo.
Notando que a disciplina legal relativa aos delitos contra a saúde pública e a economia nacional se foi organizando sob o império de circunstâncias de momento, que obrigaram a reprimir esta forma de Actividade criminosa acompanhando os passos das suas manifestações, e, portanto, de modo fragmentário, o relatório põe em relevo os principais defeitos de que, em consequência, ficou enfermando a respectiva legislação: a existência de importantes lacunas da lei e de inúteis repetições de princípios já firmados, ou até de contradições com estes.
Ao mesmo tempo nota como, para evitar o alastramento do mal, o intuito de punir severamente os autores destas classes de infracções levou à fixação de penas muito rigorosas, que, embora explicáveis no ambiente do tempo, são inúteis na ocasião em que a normalização das condições económicas da Nação as faz considerar como excessivas; e ainda que a necessidade momentânea de tornar célere a aplicação da justiça conduziu à introdução de vários desvios nas regras legais de competência e de processo, alguns dos quais são hoje inúteis ou injustificados.
Assim, por se ter julgado que chegara o momento oportuno, foi elaborado o presente projecto, cujos fins principais são os de «reunir, coordenar e sistematizar a legislação dispersa, limar as arestas mais vivas dos diplomas vigentes, integrar as lacunas cuja existência maiores dúvidas haja suscitado na jurisprudência, ajustar o rigor das sanções cominadas para os diversos delitos às necessidades da época presente, sem privar o sistema da maleabilidade indispensável para eficaz
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mente cumprir a sua missão nos períodos de crise que a situação económica da comunidade eventualmente tenha de atravessar ...».
Sendo certo que o projectado diploma foi antecedido de largos e demorados estudos, feitos por uma comissão de jurisperitos e postos à disposição desta Câmara, torna-se manifesto que, dominando, com segura e ampla informação, os numerosos elementos do problema que tenciona resolver, o Governo tem já opinião muito fundamentada e claramente definida sobre as soluções que se propõe dar-lhes.
É sob um ângulo delimitado por esta circunstância capital que se procederá à crítica do projecto de decreto-lei n.º 518.
2. Sob a epígrafe geral «Dos delitos contra a saúde pública e infracções afins e dos delitos antieconómicos», o diploma em projecto divide-se em quatro capítulos, cujos títulos são, sucessivamente, «Das infracções e das penas», «Das regras da competência e do processo», «Das infracções disciplinares contra a economia nacional» e «Das disposições gerais e transitórias». E só o capítulo I é subdividido em duas secções, que se intitulam «Das infracções em especial» e «Da responsabilidade penal em geral».
Mas a estrutura real do projecto não obedece rigorosamente à sua epígrafe geral. No capítulo I «Das infracções e das penas» prevêem-se várias infracções antieconómicas, que o próprio projecto classifica de contravenções (artigos 16.º a 19.º, 23.º e 24.º), e todo o capítulo III trata, como a sua própria epígrafe diz, de infracções disciplinares. Como é sabido, nem as contravenções nem as infracções disciplinares cabem no conceito de crime ou delito, e, assim, a menção exclusiva, de delitos antieconómicos na epígrafe geral mostra que, quanto ao grupo de infracções contra a economia nacional, a realidade vai além da nomenclatura.
Apesar do seu carácter puramente formal, esta observação não é despicienda, pois não poderá negar-se o asserto de que as leia devem ser redigidas com o maior rigor possível, não só quanto à linguagem em si, mas também quanto à propriedade desta.
3. Na secção II do capítulo I «Da responsabilidade penal em geral» o projecto ocupa-se de matérias de vária natureza, unidas entre si apenas pelas relações de cada uma com a parte especial, tratada na secção I.
Esta colocação relativa é discutível. Na nossa lei-padrão em matéria criminal, o Código Penal Português, e matéria geral constitui o objecto do livro I, enquanto a matéria especial é tratada no livro II. Não havendo motivo que contra-indique esta sistematização de base, é de aconselhar que na proposta em discussão se siga orientação semelhante. E, aplicando o mesmo princípio, no possível, às matérias tratadas na própria secção II, devem também alguns dos seus artigos mudar de posição em relação a outros.
4. No caso concreto em estudo, para além destes aspectos superficiais, surge também um problema de estrutura, o de se saber se convém reunir num mesmo diploma a regulamentação de dois tipos de ilícitos, o penal e o disciplinar.
É de simples intuição que entre as infracções próprias dos dois géneros há diferenças profundas. Sem querer, por descabido, aprofundar doutrinàriamente o problema, bastará recordar que, segundo o princípio nullum crimen sine lege, não há infracção penal sem lei anterior que como tal a classifique, regra esta consagrada na Constituição Política (artigo 8.º, n.º 9.º). Pelo contrário, a infracção disciplinar afecta o dever genérico de respeitar certa ordem jurídica, normalmente funcional; em consequência, há frequentemente nas leis a enumeração de infracções disciplinares de certos tipos, mas é decerto impossível discriminar previamente todas as que podem cometer-se sem relação a qualquer matéria. No próprio diploma em projecto se manifestam estes princípios, pois, enquanto os delitos e as contravenções ali vêm especificadamente definidas (artigos 1.º a 24.º), se dá da infracção disciplinar uma única definição genérica (artigo 54.º), e se apresenta uma enumeração delas puramente exemplificativa (artigo 55.º). Não há dúvida de que a síntese legislativa tentada no capítulo III da proposta «Das infracções disciplinares contra a economia nacional» é do maior interesse.
Dada a progressiva regulamentação das actividades nacionais, que a organização corporativa vai estendendo no plano interno e que as pressões do mundo externo, cada vez mais próximo e mais semelhante, vão impondo pela necessidade de se tomar parte nas competições do mercado internacional, a disciplina da actividade dos organismos e das pessoas é exigência imperativa. E ao direito, como sistema de normas reguladoras da vida social, compete definir, enquadrar e reger as relações que daí derivam.
Mas, olhando ao fundo das coisas, deve notar-se que, no aspecto substantivo, o complexo jurídico relativo às infracções disciplinares previstas no projecto se relaciona estreitamente com a organização corporativa (artigos 54.º, 55.º, n.ºs 1.º, 2.º, 3.º e 8.º, 56.º, n.ºs 6.º e 7.º, 57.º, 58.º e 59.º) e que, por outro lado, se separa totalmente do complexo penal no tocante à aplicação de sanções. Enquanto para julgar as questões relativas a este são competentes, em princípio, os tribunais comuns (artigo 39.º), o sistema previsto para dirimir as controvérsias referentes àquele prevê recursos hierárquicos de tipo administrativo, que num recurso administrativo contencioso vem a culminar (artigo 60.º), ao mesmo tempo que a organização dos processos se manda fazer recorrendo ainda a regras de carácter administrativo (artigo 61.º).
Por outro lado, a Lei n.º 2086, de 22 de Agosto de 1956, que promulgou as bases para a instituição das corporações, atribui a estes organismos competência para, com assentimento do Estado, estabelecer normas sobre a disciplina das actividades e dos mercados [base V, alínea f)]. Não foram instituídas ainda as primeiras corporações, mas, logo que o sejam, do seu funcionamento resultará a necessidade de introduzir nos respectivos regimentos disposições de carácter disciplinar. Ao iniciar-se uma nova fase no desenvolvimento da organização corporativa, a qual forçosamente implicará novas regulamentações, cuja estabilização virá a fazer-se, provavelmente, só depois de tentativas e ensaios, parece prematuro ir condensar já num regime breve e único as normas reguladoras da disciplina em matéria por sua natureza instável e fluida.
Ora, considerando o conjunto destes elementos, entende a Câmara Corporativa que a regulamentação disciplinar prevista no projectado decreto-lei deve ser destacada dele, para constituir objecto de diploma autónomo, a publicar em momento oportuno.
5. Cindido em dois diplomas distintos, o projecto ainda apresentará, no seu corpo propriamente penal, uma complexidade discutível, a que resulta do agrupamento de infracções de naturezas muito distintas, as relativas à saúde pública e as referentes à economia nacional.
Na verdade, há uma linha divisória bem aparente a separar umas das outras. Enquanto as infracções contra a saúde pública atentam directamente contra a lei moral em si mesma, cujas normas o direito adopta,
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convertendo-as em leis positivas, nas infracções contra a economia nacional a imoralidade esbate-se e pode diluir-se até ao ponto de desaparecer; é, por exemplo, o caso do delito de exportação proibida, em que o ilícito, dependendo somente da existência formal de certo preceito, pode subitamente converter-se em lícito por força da simples revogação da lei.
Mas, por outro lado, há certo parentesco entre os dois géneros de infracções. E o derivado de ser comum a ambos o móbil económico que anima os delinquentes, o qual num grupo se manifesta mais directamente e no outro se revela de modo mediato e menos visível, e ainda o de os respectivas definições legais se terem aperfeiçoado e as formas de repressão se terem intensificado paralelamente, à medida ao progresso da intervenção do Estado na vida económica. Poderá, pois, sustentar-se a vantagem de tratar cada uma em seu diploma as duas distintas matérias. Mas a já referida unidade de fundo e a simplificação resultante de, como se faz no projectado decreto, se poderem aplicar simultaneamente princípios comuns aos dois grupos de infracções (artigos 25.º a 38.º) conduz a considerar melhor a solução do projecto.
No entanto, para se obter maior clareza, entende a Câmara que as infracções dos dois tipos devem ser tratadas em grupos separados.
6. No capítulo I, a secção I «Das infracções em especial» abrange os primeiros vinte e quatro artigos do projecto, dos quais os artigos 1.º a 8.º versam sobre infracções contra a saúde pública e os restantes as infracções antieconómicas.
No primeiro destes grupos começa o projecto por colocar a falsificação de géneros alimentícios e delitos conexos (artigos 1.º a 4.º) e depois as infracções relativas ao abate de animais (artigos 5.º a 7.º), sendo o artigo 8.º comum aos dois tipos. Mas os agentes das infracções da primeira espécie são em geral os comerciantes de géneros alimentícios, que são igualmente os sujeitos principais dos crimes do segundo grupo, tratados a seguir no projecto, o de açambarcamento (artigo 9.º) e o de especulação (artigo 13.º).
Em vista destes elementos comuns, parece mais lógico tratar seguidamente destes dois tipos de crimes; e para isso basta pôr em primeiro lugar as infracções relativas ao abate de reses. Mantendo-se entre estas, por um lado, e, pelo outro, a falsificação e as infracções conexas, a sequência própria da comunidade da natureza, as últimas estabelecerão transição mais natural de um grupo de infracções para outro.
7. No planeamento do sistema repressivo nota-se no projecto a grande maleabilidade das penas, fixadas a partir de um mínimo sempre baixo, que vem permitir melhor adequação a cada caso concreto. A determinação específica delas, considerada no equilíbrio relativo do sistema proposto, depende de certo critério político, orientado pelo prudente arbítrio do legislador, a que a Câmara não vê motivo para fazer objecções de princípio.
8. Suscita-se, porém, aqui um delicado problema de fundo.
Como ficou notado, a regulamentação actual das infracções contra a saúde pública, que o projecto em causa visa a coordenar e estabilizar, atinge principalmente o pequeno comércio, e neste, em particular, o de géneros alimentícios de primeira necessidade, ou seja o dos retalhistas de mercearia. Esta regulamentação pressupõe um nível social e profissional dos estabelecimentos e do pessoal que os serve muito diferente e distante do nível real. Não há condicionamento algum para a montagem de um estabelecimento de mercearia, não já quanto à viabilidade económica da empresa, mas sobretudo quanto aos requisitos fundamentais a que deve obedecer no tocante à higiene e salubridade gerais. Não há, também, para a maioria dos géneros, regulamentos sobre preparação, acondicionamento, transporte e conservação.
Nestas condições, sem regras orientadoras para os inumeráveis pequenos actos que constituem a trama da sua actividade constante, o retalhista de mercearia pode facilmente supor-se ao abrigo das normas repressivas. Mas, sem curar das origens ou das causas dos factos, a lei olha simplesmente aos resultados, aos efeitos, e estes implicam uma multidão de infracções quase fatalmente cometidas no final do ciclo económico do produto.
Deve reconhecer-se assim que, no plano da justiça, o sistema de repressão em vigor é imperfeito. Por isso formula esta Câmara o voto de que, através dos seus órgãos especializados, o Governo regulamente a actividade do comércio de géneros alimentícios desde a origem dos produtos até à sua entrega aos consumidores, assegurando a salubridade e higiene dos estabelecimentos de venda, definindo, quanto aos produtos que se vendem avulso, as regras gerais e essenciais para cada um a observar pelo comerciante e, quanto aos que se vendem em invólucros de origem, determinando as cautelas a observar, tais como a impressão nos respectivos invólucros do período de garantia de sanidade e as instruções a observar em cada caso para esta se manter.
9. Ao iniciar o capítulo II do projecto «Das regras de competência e de processo», dispõe o artigo 39.º que a preparação e o julgamento dos processos pelas infracções nele versadas competem aos tribunais comuns, salva a especial competência atribuída pela legislação em vigor ao Tribunal Colectivo dos Géneros Alimentícios. E no começo do capítulo IV «Das disposições gerais e transitórias» regula-se em novos termos a orgânica deste Tribunal. Suscita-se assim à Câmara a necessidade de apreciar a legalidade da proposta reorganização e as vantagens da existência daquele órgão jurisdicional.
Segundo a Constituição Política, a função judicial é exercida por tribunais ordinários e especiais, sendo tribunais ordinários o Supremo Tribunal de Justiça e os tribunais de 2.ª e de 1.ª instâncias (artigo 116.º). E não é permitida a criação de tribunais especiais com competência exclusiva para julgamento de determinada ou determinadas categorias de crimes, excepto sendo estes fiscais, sociais ou contra a segurança do Estado (artigo 117.º). Por outro lado, a Constituição dispõe também que os juizes dos tribunais ordinários senão vitalícios e inamovíveis (artigo 119.º).
A classificação feita no artigo 116.º é insuficiente e a doutrina reconheceu que, por sua vez, os tribunais ordinários se dividem em comuns e especializados.
Directamente, a Constituição não define o que deva entender-se por tribunais ordinários, mas a enumeração de quais eles são, feita no mesmo artigo 116.º, e os atributos dos seus magistrados, indicados no artigo 119.º, permitem concluir que como tribunais ordinários devem considerar-se os incluídos na hierarquia em cujo topo se encontra o Supremo Tribunal de Justiça, e em que só podem servir magistrados vitalícios e inamovíveis.
A regra constitucional, que proíbe a criação de tribunais especiais de carácter penal, assenta no pressuposto de que os tribunais organizados para o fim específico de reprimir certos crimes, imbuídos do ambiente em que surgiram, têm tendência a aplicar
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a lei com severidade porventura excessiva e não com aquela objectividade extrema e aquela impassibilidade que são o timbre da sã administração da justiça. No fundo, o artigo 117.º contém, pois, uma verdadeira garantia individual, incluída entre as admitidas no § 1.º do artigo 20.º, e que bem poderia alinhar ao lado das enumeradas no artigo 8.º
E à luz destes princípios constitucionais que o Tribunal Colectivo dos Géneros Alimentícios deve ser considerado.
Segundo o seu actual estatuto, o Decreto-Lei n.º 27485, de 15 de Janeiro de 1937, o Tribunal é constituído por três membros: um presidente, juiz de direito, e dois assessores, sendo um o comandante-geral da Polícia de Segurança Pública e o outro um oficial superior do Exército ou da Armada, e um promotor de justiça (artigo 4.º). E das suas decisões só há recurso, restrito à matéria de direito, directamente para o Supremo Tribunal de Justiça, quando a multa aplicada for superior a 6.OOO$ (artigo 3.º).
Por força do artigo 2.º deste diploma, o preceito fundamental regulador da competência do Tribunal continua sendo o artigo 157.º do Decreto-Lei n.º 27 207, de 16 de Novembro de 1936, que dispõe:
Os delitos e transgressões sobre géneros alimentícios, e designadamente os previstos no Decreto n.º 20 282, de 31 de Agosto de 1931, são julgados pelo tribunal especial a que se refere o mesmo decreto e pela forma nele prevista.
A esta competência geral, fixada em fórmula excessivamente vaga para tão delicada matéria, acresce a atribuída por alguns diplomas especiais, tal como o Decreto-Lei n.º 25 732, de 12 de Agosto de 1935, que, mandando julgar as transgressões dos seus preceitos nos termos do Decreto n.º 20 282, implicitamente as incluiu na esfera de competência do Tribunal.
Por falta de referência a qualquer delimitação territorial, o Tribunal estende a sua jurisdição a todo o País, e disso resulta que a instrução de grande parte dos processos tem de ser feita mediante cartas precatórias, o que demora o andamento dos autos e priva o Tribunal do contacto directo com importantes fontes de conhecimento para a formação da sua convicção; assim, a justiça é frequentemente administrada em forma puramente burocrática e este inconveniente do sistema arrasta outro consigo, o de obrigar os arguidos a defenderem-se longe dos seus domicílios, que podem estar situados nos extremos do País, e isto acarreta despesas e dificuldades de toda a ordem, necessariamente traduzidas em grave diminuição prática das condições de defesa.
Vistas em conjunto estas características, o Tribunal Colectivo dos Géneros Alimentícios aparece como órgão judiciário absolutamente anómalo. A sua constituição, segundo a qual só o juiz presidente é magistrado togado, permite, pelo mecanismo do vencimento, que se tomem decisões contra o voto do único jurisperito; a admissão do recurso directamente para o Supremo Tribunal de Justiça só em matéria de direito e em casos de condenação em multa superior a certo mínimo coloca-o fora da hierarquia judiciária normal e traz consigo a total privação ou a importante afectação do direito ao recurso; finalmente, a extensão da sua competência a todo o território nacional, dificultando e onerando pesadamente a defesa dos arguidos, contraria o princípio tocante à boa organização do Estado, segundo o qual a justiça deve ser administrada em condições de idêntico gravame para todo o País.
Sendo, como é, anterior à promulgação da Constituição Política de 1933, pode, com esse fundamento, sustentar-se a constitucionalidade do Tribunal. Mas, em face das suas já analisadas características, não há dúvida de que contraria o espírito do artigo 117.º da nossa lei fundamental. Nestas condições, entende a Câmara que não deve subsistir.
Pode pôr-se, porém, o problema de saber se para a boa administração da justiça é ou não conveniente que exista um órgão jurisdicional particularmente adequado à repressão dos crimes contra a saúde pública. Em caso afirmativo, esse órgão poderia ser um tribunal constituído conforme as regras normais da organização judiciária portuguesa e integrado nela, um tribunal que não seria especial, mas sòmente especializado, tal como os tribunais de menores e os da execução das penas.
Esta é a solução de que se aproxima o projecto em discussão ao dispor que o Tribunal dos Géneros Alimentícios passará a depender do Ministério da Justiça e será constituído por dois magistrados togados e por um oficial superior do Exército (artigo 62.º), cabendo recurso das suas decisões nos termos gerais (artigo 53.º, n.º 3.º).
Posto em paralelo com os tribunais criminais ordinários, haveria uma diferença essencial a distingui-lo destes: a de nele ficar dotado de poderes jurisdicionais um magistrado não togado. Ora esta particularidade ainda lhe faria manter a natureza de tribunal especial. É certo que esse defeito poderia eliminar-se, dando ao Tribunal a constituição homogénea dos tribunais comuns e sem prejuízo de ele ter como assessores os técnicos que se julgasse necessário agregar-lhe, mas dotados apenas de voto consultivo.
Mas esta criação de um tribunal especializado para se ocupar das infracções contra a saúde pública não parece justificar-se. A especialização de funções em tribunais pode ser muito útil para a boa e eficaz administração da justiça quando os ramos do direito que lhes compete aplicar assumem feição peculiar pela sua técnica própria, como o administrativo, por exemplo.
Não é esse, todavia, o caso do capítulo do direito penal em causa na discussão. Neste, os problemas a ventilar não têm notáveis particularidades jurídicas a considerar e a essência deles reside nas questões de facto, para as quais a prova tem de ser predominantemente pericial. Ora a verdade é que, organizada a instrução dos processos com bases desta índole, qualquer tribunal judicial normalmente organizado estará apto a aplicar a lei para decidir os feitos.
Em defesa da manutenção de um tribunal especializado no julgamento das infracções contra a saúde Pública tem-se invocado principalmente a necessidade e rapidez na aplicação da justiça neste sector, a maior severidade nas condenações quando, feitas por um tribunal cuja função é exclusivamente a de defender a saúde pública e, enfim, o forte efeito intimidativo que resulta da própria existência do tribunal.
Deve notar-se que a melhor justiça não é a que, pela severidade excessiva, se pode transformar em vindicta pública, mas a que mais ponderadamente aplica a lei. E, ressalvado este princípio, é fácil admitir que se, em boa política legislativa, isso for julgado necessário, aqueles objectivos podem alcançar-se igualmente através dos tribunais comuns, pelo emprego do processo sumário no julgamento de todas ou de parte das infracções e pelo aumento de severidade nas penas. Do resultado conjugado destes elementos resultaria necessàriamente um efeito intimidativo tão intenso como o que o Tribunal Colectivo dos Géneros Alimentícios actualmente provoca.
Cumpre notar também que se o sistema proposto no artigo 39.º do projecto vier a concretizar-se, quer quanto à competência, quer quanto ao processo, os
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encargos de defesa dos arguidos tornar-se-ão muito mais pesados do que actualmente são. Na verdade, ordenando que o processo passe a regular-se pelo Código de Processo Penal e legislação complementar, a simplicidade dos trâmites empregados naquele Tribunal cederá ao tecido de formalidades próprias da lei geral. Será impossível, por exemplo, mesmo aos arguidos caucionados, eximirem-se a comparecer pessoalmente no julgamento. Essa formalidade tomar-se-á indispensável (Código de Processo Penal, artigo 418.º) e salta aos olhos quão oneroso será para eles que podem ser de Melgaço ou da ilha da Madeira, da ilha das Flores ou de Vila Real de Santo António, esse gravame a mais daqueles a que, em muitos casos, já os obriga a distância.
Se for assente o princípio da transformação do actual Tribunal Colectivo dos Géneros Alimentícios, o modo de ela se realizar suscita ainda um importante problema de direito constitucional.
Com efeito, constitui matéria da exclusiva competência da Assembleia Nacional a organização dos tribunais [Constituição, artigo 93.º, alínea e)]. Não faz este preceito distinção alguma quanto & natureza dos tribunais a que se refere, e, sendo assim, impõe-se concluir que ele abrange tanto os tribunais ordinários como os especiais. E, por este modo, não pode o Governo dar ao Tribunal Colectivo dos Géneros Alimentícios organização diversa da vigente sem infringir a lei fundamental.
É certo que, se o fizer, praticará uma inconstitucionalidade meramente orgânica, que só a Assembleia Nacional poderá apreciar (artigo 123.º, § único). Mas nem por isso esta Câmara se sente desobrigada de chamar a atenção para tal ponto.
Por todos os expostos motivos, é opinião da Câmara que o Tribunal Colectivo dos Géneros Alimentícios deve ser extinto, ficando competentes para julgar as infracções que actualmente lhe cabe decidir somente os tribunais comuns.
Para o caso de se manter o intuito de reorganizar o mesmo Tribunal, a Câmara entende que o Governo deve propor essa alteração em proposta de lei a apresentar à Nacional.
10. No capítulo II contêm-se também as especialidades de processo em relação à lei geral que, apesar da regra de uniformização prescrita no artigo 39.º, foi considerado necessário ressalvar.
Logo no artigo 40.º enumeram-se as entidades a quem compete impedir a prática ou promover a repressão das infracções e bem assim o exercício da acção penal pelas contravenções previstas no decreto, mas declara-se que os poderes assim conferidos não prejudicam o disposto no Decreto-Lei n.º 37 007, de 15 de Outubro de 1945. Como o preceito basilar deste diploma é o de que a acção penal compete fundamentalmente ao Ministério Público (artigo 1.º), isto significa a plena entrada da matéria em causa no campo de acção desta entidade. O princípio assim expresso é vincado logo no artigo seguinte, ao dispor-se que a delegação da competência nele prevista para proceder à instrução preparatória dos processos não prejudica a direcção desta por parte do Ministério Público (artigo 41.º, n.º 1). E em seguida se determinam as normas positivas que a este permitirão manter a efectiva direcção da acção penal nos processos (artigos 42.º e 43.º).
A introdução deste princípio terá o maior alcance. Através das suas aplicações concretas se assegura um eficaz sistema de repressão das infracções previstas no diploma e se poderá evitar igualmente que se instaure acção penal contra quem não deva ser perseguido, nela. Na verdade, é facto notório que se levantam muitos autos sem razão bastante para procedimento penal; mas as autoridades fiscalizadoras, temerosas de que se lhes atribua qualquer parcela de favoritismo, a todos mandam seguir seus trâmites, e disto resulta a instauração de muitos processos sem fundamento legal.
Dir-se-á que nestes casos a absolvição futura consagrará a inocência dos arguidos, mas esta consolação é bem pequena. São sempre grandes os ónus da defesa, e o dano moral causado pelo conhecimento público da acusação é quase sempre irreparável. Por isso há quem prefira submeter-se a exigências descabidas da fiscalização, feitas no intuito de obrigar a remediar hipotéticos prejuízos, a deixar seguir os processos para juízo, embora com a certeza antecipada de uma absolvição. Situações destas produzem mal-estar público, criando o sentimento de que a justiça é inacessível. Ora o princípio da direcção da acção penal pelo Ministério Público permitirá evitá-las, se for vazado em regras processuais adequadas.
11. Nos termos expostos, a Câmara Corporativa, recordando o seu voto de que o Governo decreta a regulamentação do comércio de géneros alimentícios, dá a sua aprovação na generalidade ao projecto de decreto-lei n.º 518, com as restrições já fundamentadas:
1.º De que dele se deve destacar para diploma independente a matéria do capítulo III, «Das infracções contra a economia nacional»;
2.º De que ele se não deve ocupar de reorganizar o Tribunal Colectivo dos Géneros Alimentícios, por ser organicamente inconstitucional esse objecto.
II
Exame na especialidade
A) Das Infracções em especial
12. Os primeiros quatro artigos da secção I, «Das infracções em especial», do capítulo I do projecto tratam do crime de falsificação de géneros alimentícios.
As fontes destes preceitos foram os artigos 53.º a 60.º do Decreto n.º 20 282, de 31 de Agosto de 1931, e tal matéria aparece agora melhor ordenada e muito clarificada.
Nas três alíneas do n.º 1 do artigo 1.º prevêem-se três modalidades de falsificação: a dos géneros que, depois de falsificados, sejam, por sua natureza, susceptíveis de prejudicar a saúde do consumidor (a); a dos géneros cuja falsificação não possa ter aquela consequência, mas possa causar prejuízo a terceiro ou ao Estado (b); e, finalmente, a falsificação que, sendo nociva à saúde, for devida a simples negligência (c).
Destas três incriminações a última suscita reparos. De facto, e segundo os termos do n.º 3, a falsificação ou se produz por substituição, de modo a obter-se uma imitação fraudulenta, ou se efectua através de modificação das qualidades do produto. No primeiro coso apenas pode dar-se mediante uma acção que só pode ser dolosa, o que, por definição, exclui a negligência; mas no segundo pode admitir-se que a falsificação resulte de modificações na composição dos produtos causadas por fabrico descuidado, contudo não intencionalmente defeituoso. Em atenção a estes elementos, que postulam o desrespeito das condições de preparação dos alimentos, parece mais adequado considerar o facto como contravenção em preceito à parte, punindo-o embora com a multa que o projecto prevê para a infracção culposa.
No n.º 2 do artigo dá-se a definição de «género alimentício». Salvo pequenas diferenças de redacção, é a do artigo 1.º do Regulamento sobre Géneros Alimen-
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tícios, de 23 de Agosto de 1902, que passou ao § único do artigo 1.º do Decreto n.º 20 282. Nada a opor-lhe. Finalmente, o n.º 3 do artigo dá o conceito de falsificação. É um conceito sintético, que abrange duas formas: a contrafacção e a alteração dos produtos; limitado à materialidade dos factos que prevê, revela-se como inteiramente satisfatório.
13. No artigo 2.º, n.º l, prevêem-se conjuntamente cinco infracções relativas a géneros alimentícios falsificados, avariados ou corruptos: a venda, exposição à venda, aquisição, transporte e 'armazenamento para comércio, das quais só a aquisição aparece explicitamente como nova em relação à incriminação anterior (Decreto n.º 20282, artigo 17.º). Mas este complexo divide-se em dois grupos pela expressão copulativa «... e bem assim». No primeiro figuram somente a venda e a exposição à venda dos produtos, simples actos materiais e objectivos. No segundo grupo, constituído pela aquisição, transporte e armazenamento, a incriminação só se fará se houver um elemento moral - o de o destino de qualquer destas operações ser o comércio, dos produtos. E curial é que assim seja, pois quem adquire, transporta ou armazena produtos falsificados sem ser para comércio só como vítima, e não como criminoso, pode ser considerado.
Olhando ao fundo das coisas, vê-se que há outro agrupamento a fazer aqui. Por um lado, a venda, a exposição à venda e o armazenamento para comércio, infracções nas quais não pode deixar de admitir-se que o seu autor conhece o estado dos produtos ou tem, em princípio, obrigação de o conhecer, salvo o caso de géneros contidos em invólucros de origem sem prazo de garantia, em que nem sequer mera negligência pode existir.
Mas é outra a situação quanto à aquisição e ao transporte. Nos casos de aquisição por correspondência e nos de transporte de produtos cujo empacotamento não permite notai1 à simples vista o estado dos géneros, impõe-se para a incriminação a exigência de outro elemento moral - o conhecimento daquele estado, sob pena de se ferir a simples equidade.
As alíneas do n.º 1 fixam as penas, duas para os crimes dolosos, conforme os géneros forem nocivos à saúde ou simplesmente impróprios para consumo, e a última para o caso de o defeito dos géneros ser ignorado do responsável por desleixo ou incúria. Estes dois motivos são característicos da negligência e não é fácil mesmo imaginar situações em que a ignorância do estado dos produtos possa ser devida a outras razões. Nestas circunstâncias e para evitar divergências de interpretação, parece preferível substituir a expressão final da alínea c) pela palavra a cujo conceito ela corresponde.
A comparação das penas previstas nos artigos 1.º e 2.º faz surgir um problema de equilíbrio entre estas sanções. No caso de falsificação dolosa, mas sem nocividade para a saúde do consumidor, o delito é punido somente com multa [artigo 1.º, n.º 1, alínea b)], ao passo que a venda dos produtos falsificados somente impróprios para consumo o é com prisão de três dias a seis meses e multa [artigo 2.º, n.º 1, alínea b)]. Semelhantemente, se a falsificação for apenas culposa, mas nociva, cabe-lhe a multa de 500$ a 3.000$ [artigo 1.º, n.º 1, alínea c)], ao passo que a venda de produtos falsificados é punível com multa de 600$ a 10.000$, se o defeito dos produtos for ignorado por negligência [artigo 2.º, n.º 1.º, alínea c)]. É, portanto, claro que o vendedor de produtos falsificados é mais severamente castigado do que o próprio falsificador.
Esta situação está em desacordo com o sentimento geral de justiça, que atribui ao autor da iniciativa criminosa maior responsabilidade do que a daquele que dela apenas se aproveita. E não pode esquecer-se que este sentimento tem expressão nos princípios gerais do direito penal, de harmonia com os quais o segundo seria mero encobridor (Código Penal, artigo 23.º, n.º 4.º) e beneficiaria de redução na pena (idem, artigo 106.º). Nestas condições, parece razoável diminuir as penas da segunda infracção.
Nem colhe contra estas considerações o facto de no artigo 2.º se punir a venda não só de produtos falsificados, mas também a dos avariados e corruptos, pois a falsificação exige de si mesma uma actuação dolosa positiva, ao passo que as vendas de produtos falsificados, avariados ou corruptos têm o traço comum da não intervenção do agente no facto doloso originário e o defeito dos produtos pode ser devido a simples efeitos naturais.
Em contraste com a prolixidade do artigo 53.º do Decreto n.º 20 282, o n.º 2 do artigo define em termos de grande nitidez e simplicidade o que deve entender-se por géneros corruptos e avariados. Nada a opor-lhe.
14. Tratando especialmente dos transportes, estabelece o artigo 3.º, n.º 1, a presunção de que ele é feito para comércio sempre que os géneros sejam daqueles a cujo comércio se dedica o destinatário. É uma fórmula simples e clara, fácil de aplicar com todo o discernimento a cada caso concreto, se for possível ilidir a presunção. Sendo este o espírito do preceito, convém, todavia, dizê-lo expressamente.
A regra do n.º1 completa-se com a do n.º 2, cuja função é de simples esclarecimento. Mas ela afigura-se inútil desde que, como se propôs, para a incriminação do transportador se exija o seu conhecimento sobre o estado dos géneros. E daí a vantagem de reduzir o artigo 3.º a simples número do artigo 2.º
15. No artigo 4.º admite-se como acto isentador de pena a declaração da existência de géneros alimentícios falsificados, avariados ou corruptos, quando feita perante a Inspecção-Geral dos Produtos Agrícolas e Industriais, antes de qualquer intervenção oficial ou denúncia. É norma cuja fonte está no artigo 59.º do Decreto n.º 20 282 e cuja razoabilidade se não pode impugnar.
16. Prevêem-se e punem-se nos artigos 5.º a 7.º algumas infracções relativas ao abate de animais, regulamentação esta que vem do Decreto n.º 15 982, de 31 de Agosto de 1928, e do Decreto-Lei n.º 32 334, de 20 de Outubro de 1942, mas recebe no projecto forma nova. No artigo 5.º trata-se do abate de reses impróprias para consumo, infracção cujos elementos essenciais são que as reses se destinem ao consumo e se conheça o seu estado. Versa o artigo 6.º sobre a matança clandestina, que como tal classifica quando for feita sem prévia inspecção sanitária às reses. E, finalmente, o artigo 7.º prevê a matança de animais fora de certas condições, entre as quais há a relativa aos lugares próprios para o sacrifício. Reflectindo sobre o alcance destes preceitos, nota-se que o projecto faz depender somente da falta de inspecção das reses a clandestinidade da matança (artigo 6.º). Mas, se para esta há lugares destinados por lei, os indicados na alínea a) do artigo 7.º, a matança feita fora deles não pode deixar de considerar-se clandestina. As condições objectivas da clandestinidade exprimem-se, pois, em dois preceitos do projecto, mas é manifesto que devem reunir-se num só. As relações entre os três artigos suscitam assim um problema de estrutura, a resolver com melhor articulação da matéria.
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17. Posto isto, cumpre apreciar o sentido dos preceitos projectados, tal como se acham redigidos. No n.º 2 do artigo 5.º manda-se aplicar a pena cominada no n.º l aos que, por qualquer modo, aproveitam para alimentação de outrem a carne das reses - impróprias para consumo ou das que tenham morrido de doença, mas tanto num como noutro caso quando conhecerem o estado delas. A segunda infracção depende normalmente da primeira, mas como em ambas o elemento moral é o mesmo, é lógico que sejam iguais as penas de uma e de outra.
No n.º l do artigo 6.º chama-se delito à matança clandestina, mas esta denominação, já empregada no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 32 334, não é rigorosa. Segundo o Código Penal, considera-se contravenção o facto voluntário punível que consiste na falta de observância das disposições preventivas das leis e regulamentos, independentemente de intenção maléfica (artigo 3.º). E, aprofundando esta noção, professa a doutrina de que o essencial na contravenção é a violação do sistema administrativo, quer dizer, do interesse da actividade administrativa na prevenção de outros bens jurídicos ou na prossecução de outros interesses individuais ou colectivos (Prof. Cavaleiro de Ferreira, Lições do Direito Penal, 2.ª ed., p. 164).
Ora, considerando a matança clandestina sob tal critério, nota-se que com esta infracção se viola o sistema regulamentar geral preventivo da morte de animais para consumo público, o qual não protege qualquer interesse particular determinado. Trata-se, pois, de uma contravenção, embora de relevo e importância. Para não pôr a redacção do preceito em oposição com os conceitos jurídicos, deve substituir-se nela a palavra em causa e, em atenção à índole deste ilícito, suprimir na punição a pena de prisão, tal como sucede no regime vigente (Decreto-Lei n.º 32 334, de 20 de Outubro de 1942, artigo 1.º).
Parece ainda razoável que a pena correspondente a esta contravenção seja cominada em relação com o número de cabeças abatidas e, ao mesmo tempo, sancionar na lei os posturas municipais que, quanto a amimais de pequeno porte, permitem a matança com dispensa de condições legais.
No n.º 2 deste artigo fazem-se incorrer na pena cominada no n.º l os que adquiram para alienação ao público ou com destino ao consumo público em hotéis, restaurantes, pensões ou estabelecimentos análogos a carne de reses abatidas clandestinamente ou produtos com ela fabricados, se tiverem conhecimento do carácter clandestino da matança. Por este modo, os que aproveitam da matança clandestina consideram-se com responsabilidade igual à dos que a praticam.
Parece haver aqui punição a mais, porque a gravidade da aquisição da carne de reses abatidas clandestinamente com destino ao consumo público é objectivamente menor do que a gravidade da matança em si, se a carne for sã. Mas não é assim, porque o aproveitamento da carne é o grande estímulo para a prática da contravenção, visto o infractor ter por assegurado o consumo. Por isso justa será a pena desta infracção que for o mais aproximada possível da da outra.
18. Finalmente, o artigo 7.º pune com multa a matança de reses fora das condições enumeradas nas suas duas alíneas.
A regulamentação assim determinada vem directamente do artigo 1.º do Decreto n.º 15 982, diploma este que trata também de outras matérias conexas, tais como o transporte de animais domésticos e o uso do aguilhão.
Num diploma de objectivos puramente penais, como é o projecto de decreto-lei, parece deslocado este objecto, bastando para manter o equilíbrio do sistema que as condições regulamentares definidas naquele ou noutro diploma, em vez de serem aí especificadas, sejam genericamente referidas.
19. Fechando o grupo das infracções contra a saúde pública, pune o artigo 8.º as transgressões aos deveres gerais de asseio e higiene, a que ficam vinculados todos os que fabricam, manipulam, armazenam, transportam ou vendem géneros alimentícios, e ainda as infracções aos deveres especiais legalmente estabelecidos para cada caso.
É um preceito novo, cujo espírito merece louvores, pelos princípios educativos que se propõe incutir. Tem, porém, o inconveniente, na sua redacção demasiadamente genérica, de deixar margem a interpretações muito diversos, tanto amplamente benévolas, como rigorosas em excesso.
Por outro lado, torna-se um pouco pleonástico, se as regulamentações especiais previstas no seu n.º l não satisfizerem as exigências de salubridade e higiene próprias de cada ramo de comércio. A fim de melhor concretizar os seus objectivos, parece preferível considerar como único elemento para a punição o desrespeito dos deveres especiais de asseio e higiene já regulamentados e, visto ser certo que onde não há regras não pode haver irregularidades, considerar faltas ao dever geral da mesma natureza somente para o efeito de serem comunicadas as autoridades sanitárias.
20. Os artigos 9.º a 12.º são dedicados ao crime de açambarcamento e às infracções conexas.
No artigo 9.º diz-se que comete aquele crime o produtor ou comerciante que ocultar as suas existências de mercadorias ou produtos ou se recusar a vendê-las, segundo os usos normais da actividade agrícola, industrial ou comercial e ao preço corrente do mercado.
O esboço desta incriminação vem do artigo 7.º do Decreto n.º 8724, de 21 de Março de 1923, mas a sua formulação precisa fez-se no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 29 964, de 10 de Outubro de 1939.
As datas destes dois diplomas indicam só por si qual o ambiente geral de necessidade pública que provocou a sua publicação. O primeiro saiu à luz quando mais se Jaziam sentir as consequências económicas da grande guerra europeia, entre as quais se conta a desvalorização da moeda que, por sua vez, provocou a subida vertiginosa dos preços. E o segundo surgiu, como verdadeira medida preventiva, logo que a conflagração mundial começou a devastar a Europa e a perturbar a economia de todos os países.
21. Com uma ligeira diferença de forma, o artigo 9.º, n.º l, do projecto reproduz o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 29 964 e nele se faz a incriminação fundamental.
Em seguida o n.º 2 exclui dela o que não constitui infracção, matéria esta que no sistema daquele decreto-lei faz o objecto do seu artigo 5.º . Em ambas as disposições se extraem do campo da punição o produtor que tiver recusado a venda das quantidades indispensáveis as necessidades do seu abastecimento doméstico anual ou às exigências normais da sua exploração durante o ano [projecto n.º 2, alínea a), e decreto-lei, artigo 5.º, n.º 1] e o comerciante que tiver recusado a venda de mercadorias em quantidade susceptível de prejudicar a justa repartição entre a sua clientela ou manifestamente desproporcionadas às necessidades normais do consumo do adquirente [projecto, idem, alínea b), e decreto-lei, idem, n. 3.º].
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As excepções assim estabelecidas justificam-se pelos seus próprios termos. Mas o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 29 964 admitia ainda ao princípio geral da incriminação uma excepção que o projecto não prevê - a do pequeno produtor agrícola que recusar a venda das reservas destinadas a obter no decurso do ano as importâncias necessárias à sua manutenção e actividade (n.º 2).
Na base, tanto do sistema actual como no do projecto, está uma amplitude que não é de aceitar.
O açambarcamento caracteriza-se essencialmente pela retenção de mercadorias, impedindo o seu lançamento no comércio em certo momento, com o fim de mais tarde se procurar obter melhor preço de venda. No fundo visa a conseguir um lucro reputado ilícito e por isso pode ter por objecto tanta produtos agrícolas como industriais e ser praticado pelo produtor agrícola ou industrial ou pelo comerciante.
Mas a liberdade de preços é de lei geral em regime de mercado como aquele em que vivemos e, dentro deste, os preços variam segundo a acção das leis económicas, entre as quais a dá oferta e da procura. A este regime pode o Estado pôr limites por motivos de interesse público e assim faz quando tabela os preços, ou condiciona a venda, ou determina o máximo dos lucros. Mas se não impõe concretamente nenhuma destas restrições não é de admitir que por meio de uma norma punitiva introduza um condicionamento indirecto, mas geral, que só tem lugar natural em regime socialista.
De resto, é imensa a dificuldade de o fazer dentro do próprio sistema do projecto. Dizendo que o açambarcamento existe quando se retêm mercadorias e se recusa à sua venda ao preço corrente do mercado, o projecto esquece a impossibilidade prática para o fiscal ou o juiz de determinar qual é este preço na grande maioria dos casos.
Pode ainda assim distinguir-se entre os preços industriais e os agrícolas. Enquanto o produtor industrial fixa os seus com estabilidade relativa para períodos indeterminados e quando os altera se limita, em geral, a agravá-los ou a diminuí-los por meio de simples percentagens, o produtor agrícola sofre desamparado os efeitos da lei da oferta e da procura. Os preços variam de ano para ano, de época para época, de feira para feira. Onde encontrar aqui o «preço do mercado»?
Por outro lado, o rendimento da produção agrícola no País é notoriamente baixo e os volumes da produção variam de ano para ano em proporções elevadas, segundo as contingências do tempo em relação às culturas.
Numa série de conjunturas assim fluidas, o produtor agrícola a quem a pressão das necessidades não obriga a desfazer da totalidade das suas colheitas procura muitas vezes reter uma parte destas à espera de melhores preços, com o fim de equilibrar os anos maus com os bons. Este intuito malogra-se frequentes vezes, mas mesmo quando é levado a bom termo significa apenas medida de autodefesa de bem precários resultados e não tentativa de auferir altos rendimentos com prejuízo do agregado social. A admitir-se o princípio geral do projecto, o viticultor que resolver vender conjuntamente duas colheitas de vinho, o criador de gado que decidir não vender os seus animais num ano em que os preços lhe pareçam ruinosos ou simplesmente adiar essas vendas de uma feira para outra, o avicultor que em época de superprodução, como a Primavera, guardar os ovos para os vender quando o mercado estiver menos abastecido, estarão incursos em crime de açambarcamento.
Salta à vista que em regime de mercado livre tal situação é incongruente e hostiliza as realidades. Sendo assim, entende a Câmara que as restrições à liberdade de venda a fazer no artigo 9.º, n.º l, devem referir-se apenas aos produtos tabelados ou de venda condicionada. E não se vê que disto possa resultar qualquer inconveniente de ordem social. O Estado tem a faculdade de intervir na vida económica. Quando o entenda necessário, tabela os preços ou regula o condicionamento de venda de novos produtos, estendendo assim, por um simples acto de governo, a esfera de aplicação do artigo 9.º a mais sectores da economia.
Assente este ponto de princípio, cumpre examinar em pormenor o conteúdo do n.º 2 do artigo.
Segundo ele e a sua alínea a), - não constitui infracção ter o produtor recusado a venda das quantidades indispensáveis à satisfação das necessidades do seu abastecimento doméstico anual ou das exigências normais da sua exploração durante o ano. Esta excepção subentende que todos os produtos agrícolas, e não só os frutos, são de produção anual; mas não sucede assim, por exemplo, com o azeite, em relação aos pequenos olivicultores. É sabido que as oliveiras dão os seus frutos em anos alternados, havendo assim os anos chamados de safra e os de contra - safra. Para o grande olivicultor não haverá dificuldade de abastecimento, pois mesmo em anos de contra - safra a sua baixa produção lhe permitirá obter o azeite necessário ao consumo doméstico. Mas o pequeno olivicultor pode ter necessidade de guardar o azeite de uma colheita para gastar no ano dela e no seguinte. A actual redacção da alínea a) não lho permitirá sem perigo de açambarcamento; deve, por isso, dar-se-lhe forma que tome para ponto de referência não o ano, mas o período necessário à renovação das existências.
A alínea b) do mesmo número contém uma excepção do tipo da anterior, mas em benefício do comerciante. Nada a opor-lhe.
No n.º 3 do artigo indicam-se as situações equiparáveis à recusa. Não há objecções a fazer às suas alíneas a) e b). Mas a alínea c), relativa ao não levantamento de mercadorias, está redigida de modo tão genérico que pode permitir imputar responsabilidades ao destinatário de mercadorias que nem sequer as tenha encomendado, situação esta que deve ser acautelada. Além disso a alínea distingue entre mercadorias sujeitas a racionamento ou condicionamento de distribuição e mercadorias livres; assentando-se em que o delito de açambarcamento só pode ter por objecto mercadorias da primeira categoria, impõe-se a adaptação do preceito a esta situação.
Prevê a alínea para este levantamento o prazo de cinco dias. Mas deve ter-se em conta que em certas épocas do ano o movimento nas empresas de transportes é tal que se torna impossível cumprir tal prazo, e como nada contra-indica que seja um pouco maior, deve ele ser alargado para dez dias, pelo menos.
O último número do artigo, o 4, equipara à recusa o encerramento voluntário do estabelecimento, com o fim de eximir à venda a respectiva existência [alínea a)] e a limitação da venda pelos industriais ou comerciantes quando essa limitação tenha sido declarada prejudicial pela entidade competente. Nada há a opor à primeira situação, mas a segunda pode ter o efeito de inutilizar em parte o preceito da alínea b) do n.º 2; para evitar esse inconveniente deve fazer-se na redacção a necessária ressalva.
22. No artigo 10.º fixa-se a pena do crime de açambarcamento, quer para o caso de dolo, quer para o de culpa, e declaram-se sempre puníveis a tentativa e a frustração. Não há objecção a fazer-lhe.
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23. Versa o artigo 11.º sobre as infracções às regras do racionamento ou do condicionamento de quaisquer produtos ou mercadorias estabelecidas pelo Governo. No n.º l fixa-se a pena para os que adquirirem ou venderem quantidades superiores às fixadas e nada há a opor-lhe.
O n.º 2 faz incorrer em pena igual o produtor que constituir reservas de mercadorias ou produtos racionados ou condicionados superiores às legalmente permitidas ou, na falta de fixação, às necessidades previsíveis do respectivo agregado familiar.
Esta fórmula final é paralela da da alínea a) do n.º 2 do artigo 9.º e, em certo sentido, o objecto de ambas é o mesmo, pois o produtor que recusa a venda das quantidades indispensáveis ao seu abastecimento doméstico procede, ipso facto, à constituição de reservas. Nestas condições, parece mais adequado relacionar o segundo preceito com o primeiro.
Finalmente, o n.º 3 agrava a pena da infracção quando os produtos objecto dela se destinem à indústria ou no comércio. Nada mais razoável, atendendo a que qualquer destas formas de actividade tem em mira a obtenção de lucros.
24. Termina o grupo das infracções cujo delito principal é o açambarcamento com o artigo 12.º Versa ele a omissão ou falsidade de declarações na sequência dos inquéritos ou manifestos ordenados pelo Governo para conhecimento das quantidades existentes de certos produtos ou mercadorias, bem como a recusa de elementos oficialmente exigidos para o mesmo fim. Prevê-se o crime doloso e o culposo.
É uma infracção com figura pela primeira vez desenhada na nossa legislação. Não pode discutir-se a vantagem de a tratar e nenhum problema suscita a matéria deste preceito.
25. Trata o artigo 13.º do crime de especulação, definindo nas três alíneas do seu n.º l os vários tipos que ele pode assumir. Destes, é o primeiro e principal o descrito na alínea a), a venda de produtos ou mercadorias por preço superior ao legalmente fixado ou, na falta e tabelamento, com margem de lucro liquido superior a 10 por cento nas vendas por grosso e a 15 por cento nas vendas a retalho. O n.º 2 diz o modo legal de se fixarem os preços e o n.º 3 determina a fórmula de cálculo para se achar o lucro líquido.
Esta incriminação teve origem no Decreto n.º 8724, de 21 de Março de 1923, que regulou para o efeito da aplicação do disposto no Decreto n.º 8444, de 21 de Outubro de 1922, diploma este que abrangia apenas os géneros de primeira necessidade, as matérias-primas para as indústrias a estes afectas e estilagem para a agricultura (artigo 1.º). Mais tarde o Decreto-Lei n.º 29 964 generalizou a matéria da infracção a todo o campo da vida económica, desenvolvimento lógico próprio da crescente intervenção do Estado naquela esfera.
E neste plano se mantém o projecto [artigo 13.º, n.º l, alínea a)].
Esta primeira alínea por si só não merece reparos. Se o preço de certa mercadoria é tabelado, tem de admitir-se que ao fazer o tabelamento o Governo fixou ao comerciante um preço suficiente para remunerar toda a sua actividade relativa ao produto, desde o custo da aquisição ao lucro líquido legítimo; a venda por preço superior será, pois, uma infracção pura. Para o caso dos géneros ou produtos não tabelados, o lucro de 10 e de 15 por cento nas vendas por grosso e a retalho, respectivamente, parece bastante, se a fórmula para determinar o lucro for, não já matematicamente rigorosa, mas pelo menos ajustada equitativamente.
O segundo tipo do delito da especulação está previsto na alínea b) do n.º l e é a alteração, sob qualquer pretexto ou por qualquer meio apropriado, dos preços que do regular exercício das actividades económicas ou dos regimes legais em vigor normalmente resultariam para as mercadorias. Esta espécie de incriminação vem directamente do Decreto-Lei n.º 29 964 (artigo 7.º) e, tem o intuito transparente de punir toda e qualquer operação económica que perturbe o mecanismo de formação dos preços, com a intenção de os fazer subir. E, como também já faz o Decreto-Lei n.º 35 809, de 16 de Agosto de 1946 (artigo 5.º), a um destes expedientes dá o projecto autonomia, punindo na alínea c) a intervenção remunerada de um novo intermediário no ciclo normal da distribuição, ainda que não tenha havido lucro ilícito, salvo quando se mostrar que da intervenção não resultou qualquer aumento de preços. Esta restrição não consta da incriminação em vigor, mas, em atenção ao fim da lei, justifica-se inteiramente. E tanto uma como outra das alíneas têm o seu lugar no complexo jurídico do crime de especulação; nada há por isso a objectar-lhes.
Ao determinar que o preço legalmente fixado para as mercadorias ou produtos é o que lhes tiver sido atribuído em decisão ministerial publicada no Diário do Governo, o n.º 2 insere uma medida de largo alcance, para dar certeza às obrigações dos interessados e evitar dúvidas aos serviços de fiscalização. E de louvar inteiramente.
O punctum saliens do artigo 13.º está no seu n.º 3. Regula ele a fórmula para determinar o lucro líquido por modo muito diverso do adoptado no Decreto n.º 8724. Enquanto neste diploma se considera como legal o lucro que se obtiver depois de abatidas todas e quaisquer despesas e encargos, avaliados conforme o prudente arbítrio do julgador, que forem proporcionalmente inerentes à produção ou ao comércio dos artigos vendidos (artigo 1.º, § único), este n.º 3 do artigo 13.º considera como lucro líquido para o comerciante o que se obtiver depois de abatidos o preço de aquisição e o custo do transporte, acrescidos de 7 por cento, quando, se não aleguem e comprovem encargos de montante superior ou inferior inerentes ao comércio dos artigos vendidos.
Combinando cora este número a alínea a) do artigo 13.º, tira-se que o apuramento dos lucros líquidos se faz da seguinte maneira: toma-se o preço de aquisição do produto, adiciona-se-lhe o custo de transporte e ao total destas duas verbas acrescentam-se 7 por cento da soma encontrada. Sobre esta soma poderão incidir, como lucro máximo, 10 por cento para o grossista e 15 por cento para o retalhista.
Na formação dos preços o primeiro elemento é, pois, o custo de aquisição. Este elemento, porém, é falaz. Em tempo de estabilidade oferece garantias como ponto de partida para o ciclo, mas, se os preços oscilam em medida apreciável surge um problema económico do maior relevo - o dos preços de reposição.
O comerciante que vendeu um produto adquirido por certo preço tem de refazer as suas existências, substituindo-o. Se para proceder a esta operação souber que vai encontrar elevado o preço de produtos iguais, não poderá vender os que possui pelo preço de aquisição, pois se o fizer, e, por exemplo, no caso de uma duplicação de preços, com o produto de dez objectos vendidos só poderá comprar cinco novos. Por este caminho arruinar-se-á certamente.
A contrapartida desta situação dá-se no caso de baixa de preços. Se os produtos foram adquiridos por preços altos, o comerciante tem, para os poder vender, de acompanhar a descida feita no mercado; abandonará, pois
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o preço do aquisição e será obrigado a conformar-se com o preço de reposição.
Tanto num como noutro dos casos, este fenómeno verifica-se mais frequentemente com os preços dos géneros de produtos importados, que dependem das cotações de mercados estrangeiros e não são por isso compressíveis no espaço económico nacional.
O preço de reposição é, pois, aquele que, teoricamente, deve servir de base ao cálculo do lucro líquido. Todavia, a instabilidade dos preços não deve tomar-se como sendo própria do regime normal; por isso pode acautelar-se a equidade mantendo o preço de aquisição como primeiro elemento do circuito, mas corrigindo-o pelo preço de reposição a partir do momento em que este exceda aquele em certa margem, 10 por cento, por exemplo.
O último elemento previsto no n.º 3 para a formação dos preços são 7 por cento sobre a soma doa elementos anteriores, quando se não aleguem e comprovem encargos de montante superior ou inferior inerentes ao comércio dos artigos vendidos. Estes 7 por cento representam certamente a média arbitrada para os encargos gerais suportados pelo produto.
É sabido que as médias são um artifício do espírito, um conceito puramente abstracto, sem correspondência com qualquer realidade objectiva, destinado apenas a orientar investigações ou a basear resoluções tomadas à base de empirismo. Se isto é assim de modo geral, mais ainda o será na busca dos encargos gerais dos comerciantes. São tão numerosas as actividades diferenciadas neste campo que é praticamente impossível encontrar medida comum para elas e, dentro do mesmo ramo, os encargos gerais variam em função de numerosos dados, tais como o nível económico da localidade, a importância da renda do estabelecimento, a colecta da contribuição industrial, o número de pessoas ao serviço, o sistema de distribuição dos géneros ou produtos, o maior ou menor volume da clientela, etc. Em presença de tantas variáveis é completamente impossível encontrar o ponto de apoio de alguns dados comuns verdadeiramente seguros. Procurar neste campo determinar uma média é como perseguir uma miragem. Por outro lado, deve atentar-se em que os casos de apuramento de lucro líquido a decidir em juízo serão sempre casos concretos, delimitados pelas suas circunstâncias próprias, também variáveis de terra para terra, de ramo para ramo, de loja para loja. E, sendo assim, o respeito de uma percentagem fixada na lei em vez de, para o julgador, ser um auxílio, pode ser um obstáculo à administração da melhor justiça para cada caso. Por este modo, parece mais prudente não seguir o critério do projecto e manter o do Decreto n.º 8724, melhorando o preceito com a referência aos preços de aquisição e de reposição, mas deixando de pé o seu comando, essencial, a confiança no prudente arbítrio do julgador.
26. No artigo 14.º dispõe o projecto que o crime de especulação será punível nos termos do artigo 10.º Equipara-se assim a gravidade deste crime à do crime de açambarcamento, o que, dado o parentesco profundo das duas infracções, é inteiramente razoável.
27. Prevê-se no artigo 15.º uma situação especial que se equipara à tentativa de especulação - a da existência para venda de produtos que, por unidade, devam ter certo peso, quando seja inferior a esse o peso encontrado (n.º 1); mas, se o infractor provar que não teve ânimo de obter lucro ilícito, a infracção será tida como contravenção e punida como tal (n.º 2).
A incriminação por este fundamento é de toda a necessidade, mas não deve bastar para a caracterizar a simples materialidade dos factos. Na verdade, há produtos que sofrem com o tempo as chamadas quebras naturais e pelo facto de estas se revelarem não deve o comerciante ser responsabilizado. E também é certo que quando os produtos são vendidos nos seus empacotamentos de origem não deverá atribuir-se a falta de peso a quem os põe à disposição do público com boa fé evidente. O n.º l deve, pois, sofrer uma alteração de redacção que resolva estes e porventura outros casos. Nada há a opor à classificação do facto como contravenção no caso de falta de ânimo de lucro, como se diz no n.º 2. Mas a redacção deste número, permitindo fazer a prova densa falta exclusivamente ao infractor, obrigará a que, mesmo no caso de a fiscalização reconhecer não haver intuito de lucro, o auto respectivo seja levantado pela tentativa de crime. Este rigor não se justifica e tem a desvantagem de impedir o pagamento voluntário da multa, que é admissível, visto não se cominar para o caso pena de prisão (Código de Processo Pernil, artigo 553.º). O n.º 2 deve por isso levar o retoque necessário para remediar tal inconveniente.
28. Pune o artigo 16.º, como contravenção, a falta de balanças e respectivos pesos nos estabelecimentos em que se vendem produtos que devam ter certo peso por unidade (n.º 1) e estende a obrigação aos vendedores ambulantes de produtos daquele género (n.º 2). Nada a objectar.
29. Segundo o artigo 17.º, são consideradas como contravenção, quando não constituam crime de açambarcamento e especulação, a falta, no estabelecimento do comerciante retalhista, de exposição dos géneros ou produtos de consumo e da relação dos preços que constem das listas elaboradas pulos organismos competentes [alínea a)] e a falta de afixação de etiquetas nos artigos, em contrário às determinações dos organismos competentes [alínea b)].
Quanto às duas últimas obrigações, a providência é justa e necessária, mas a respeito da primeira pode haver inconvenientes graves, pois em certos ramos do comércio não há possibilidade de expor todos os géneros de consumo sem correr o risco de os inutilizar. Para obter o efeito desejado pela lei bastaria, em vez de expor os produtos susceptíveis de perigar por esse motivo, afixar uma relação doa que estiverem à venda. Por outro lado, a arrumação da matéria no preceito não é a melhor. Salta à vista que a falta de exposição da relação de preços tem maior afinidade com a falta de afixação de etiquetas do que com a falta de exposição dos próprios produtos; por isso, deve esta fazer o objecto de uma alínea e aquelas situações o objecto de outra.
Diz-se nas duas alíneas que a relação de preços constará de lista elaborada na Intendência-Geral dos Abastecimentos e prevê-se que a afixação de etiquetas suja determinada pelos organismos competentes. Tanto num caso como noutro, porém, apenas deve haver a certeza das obrigações quando a estas for dada a publicidade indispensável, e esta só pode ser a que resulta da publicação no Diário do Governo. Por isso, semelhantemente ao que acontece com a fixação legal dos preços (artigo 13.º, n.º 2), devem as determinações previstas nas duas alíneas ser publicadas no jornal oficial.
30. O artigo 18.º tem três números. No n.º l considera-se contravenção e pune-se como tal o comércio ou a existência para comércio dos produtos que não satisfaçam as características legais; no n.º 2 contempla-se o caso especial da falta de características legais nas farinhas fornecidas à panificação, determinando-se
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que as moagens fornecedoras as substituam e, quando as farinhas não devam ser inutilizadas, as beneficiem ou desnaturem; e no n.º 3 ordena-se, finalmente, que a farinha beneficiada ou desnaturada, em cumprimento do n." 2, seja vendida, revertendo o produto a favor do Tesouro Público.
Parece fora de dúvida que as determinações destes dois números ficam mal colocadas num diploma com as características do projecto em discussão. Sito medidas de disciplina de uma indústria particular, com o seu lugar próprio na regulamentação respectiva. Entende por isso a Câmara que, à semelhança do que propõe quanto às alíneas do artigo 7.º do projecto, a respectiva matéria se não inclua no diploma.
Reduzido ao n.º l, o artigo 18.º parece invadir o campo de aplicação do artigo 2.º, visto também não satisfazerem às características legais os géneros alimentícios - que também são produtos - falsificados, avariados ou corruptos. Há, porém, outras características legais, não atinentes à sanidade dos produtos, e a estas se quer referir, certamente, o preceito em causa. Para evitar a confusão, deve fazer-se nele a alteração da redacção necessária e, uma vez estabelecida claramente a distinção entre as duas matérias, eliminar, por inútil, a referência à infracção criminal.
31. No artigo 19.º define-se e pune-se como contravenção a existência ou emprego nas padarias de peneiras ou quaisquer outros aparelhos ou objectos que possam servir para alterar os tipos legais das farinhas e do pão. Trata-se de outra infracção específica da indústria de panificação a cuja inclusão no projecto a Câmara considere aplicáveis as observações feitas no anterior número deste parecer acerca dos n.os 2 e 3 do artigo 18.º .
32. O artigo 20.º do projecto traça uma figura jurídica nova, a da destruição ou aplicação indevida de quaisquer produtos ou mercadorias, quando feitas em prejuízo do abastecimento público, quer dolosas (n.º 1) quer culposas (n.º 2). É um elemento mais para a integração, tão completa quanto possível, do sistema de repressão das infracções contra a economia nacional. E de louvar, por isso.
33. Prevê-se no artigo 21.º o delito de exportação de mercadorias sem autorização, quando esta estiver dependente de licença do Ministério da Economia, e pune-se com prisão e multa, sem prejuízo do procedimento a que houver lugar por infracção fiscal (n.º 1). E declara-se que a tentativa e a frustração são sempre puníveis (n.º 2).
A fonte deste preceito está no Decreto-Lei n.º 31 328, de 21 de Junho de 1948 (artigos 1.º, 2.º e 6.º), mas entre as normas dos dois diplomas há importantes diferenças. No decreto em vigor prevê-se que a licença para exportação seja exigida em portaria ou despacho publicados 110 Diário do Governo (artigo 1.º) e no caso de o delito ser cumulativamente fiscal regula-se um sistema de acumulação de penas (artigo 6.º, § único).
A Câmara entende que o sistema agora proposto se deve aproximar do sistema vigente quanto ao primeiro ponto assinalado. Assim, a determinação (ministerial que condiciona à passagem de licença a exportação de mercadorias, como importante restrição que é à liberdade do comércio, deve ter a maior publicidade, a fim de que desta resulte para os interessados a certeza sobre os seus direitos na matéria.
34. Figura jurídica também nova, na sua forma genérica, é a infracção prevista no artigo 22.º do projecto, a falta de cumprimento da requisição de mercadorias consideradas indispensáveis ao abastecimento das actividades produtoras ou transformadoras ou ao consumo público. Trata-se da definição da sanção correspondente a infracção análoga ao crime de desobediência; por isso, a pena cominada se aproxima da daquele crime (Código Penal, artigo 188.º). Nada a opor.
35. O artigo 23.º prevê o transporte de mercadorias sujeitas a condicionamento de trânsito sem a apresentação da respectiva guia de autorização. Pune-o com multa, à qual acrescerá a perda da mercadoria nos casos que, atento o fim do transporte e o condicionalismo justificativo do regime de condicionamento, revelem maior gravidade (n.º 1); e determina os sujeitos da infracção (n.º 2).
Nada há a objectar contra os termos da infracção e a medida da pena de multa que lhe cabe. Mas entende a Câmara que a pena acessória de perdimento não deve aplicar-se em casos destes, porque se trata de uma infracção episódica, dependente de um regime jurídico que entra em vigor de um momento para o outro e nas mesmas condições pode perder a validade. Além disso, as condições previstas para a aplicação desta pena são extremamente latas, pondo na mão dos julgadores um arbítrio que dificilmente poderão utilizar com justiça; e não se vê possibilidade de definir outras condições mais concretas para o uso desse arbítrio.
36. A última infracção prevista no projecto é a do artigo 24.º Segundo ele, sempre que certas actividades ou a actividade comercial ou industrial relativa a quaisquer produtos sejam limitadas, por determinação do Governo, às pessoas singulares ou colectivas inscritas em determinados organismos, a prática de actos sem a inscrição exigida constitui contravenção.
A situação prevista neste preceito tem o seu campo normal na órbita da organização corporativa; mas de facto não só nela, e a sua punição é consequência exigida pelo respeito devido a lei. No regime vigente é classificada e punida como crime (Decreto-Lei n.º 31 867, de 24 de Janeiro de 1943, artigo 2.º), o que é, tecnicamente, incorrecto. Não se pode, pois, pôr em dúvida a razão do preceito, mas ele ficará mais bem estruturado se referir, como se faz noutros passos do diploma, que a determinação obrigatória deve ser publicada no Diário do Governo.
B) Da responsabilidade penal em geral
37. No artigo 25.º considera-se comerciante, para os efeitos deste diploma, todo o indivíduo ou empresa, singular ou colectiva, que, mesmo acidentalmente, compre para revenda, por grosso ou a retalho.
O intuito da grande amplitude deste conceito é transparente: generalizar a todo aquele que praticar qualquer acto de comércio as obrigações e restrições impostas pelo diploma. Como quem colhe os proveitos há-de suportar os encargos, nada há a opor ao alcance da definição.
Sucede, porém, que a lei geral define expressamente o que são comerciantes (Código Comercial, artigo 13.º); parece, por isso, mais harmónico com este preceito dar ao artigo uma forma que o respeite.
38. Estabelece-se no artigo 26.º que aqueles que actuam em nome e por conta de outrem procedem em virtude de instruções recebidas, sem embargo da responsabilidade que pessoalmente lhes possa caber, medida tendente a evitar que as entidades patronais desviem as responsabilidades em que incorram para os seus empregados, os quais não têm, geralmente, a
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possibilidade de as solver. Esta regra hostiliza o princípio de que a responsabilidade criminal deve ser sempre imputada e provada e, por outro lado, é inútil para o fim a que visa. Com efeito, os agentes dos delitos são punidos pela aplicação directa das normas reguladoras da incriminação e a responsabilidade criminal apenas pode recair nos mesmos agentes (Código Penal, artigo 28.º), entre os quais se contam os mandantes e instigadores (idem, artigo 21.º). Por este modo, quaisquer outras responsabilidades que o preceito pretende impor só podem ser de natureza civil; e o cumprimento destas assegura-o o artigo seguinte. O artigo 26.º deve por isso ser suprimido.
39. No artigo 27.º institui-se a responsabilidade solidária das sociedades civis e comerciais pelas multas e indemnizações em que forem condenados os seus representantes ou empregados, contanto que estes tenham agido nessa qualidade ou no interesse da sociedade, a não ser que se prove terem procedido contra ordem expressa da administração.
Este preceito vem do Decreto-Lei n.º 29 964 (artigo 10.º) e tem correspondência muito aproximada nos princípios que regem a responsabilidade fiscal de natureza civil (Contencioso Aduaneiro, artigos 20.º e 22.º a 24.º). Não pode negar-se-lhe fundamento moral e vantagem prática, pelo efeito intimidativo que produz.
40. Estabelece-se no artigo 23.º o princípio dê que às sociedades civis e comerciais suo aplicáveis medidas de segurança.
Conforme resulta da regulamentação fundamental, da matéria (Código Penal, artigo 70.º), as medidas de segurança têm carácter nitidamente pessoal e os próprios termos, muito vagos, do preceito conduzem a pensar que, na prática, elas são inaplicáveis às sociedades, isto, porém, sem embargo de o poderem ser, como providências autónomas, alguns dos seus efeitos.
O artigo 28.º deve, por isso, ser eliminado; e como nos artigos 32.º e 34.º se versam vários aspectos da mesma matéria, para a crítica deste grupo de preceitos se reserva o estudo da regulamentação das medidas de segurança que é possível e conveniente aplicar às sociedades.
41. Contém o artigo 29.º algumas disposições acerca da pena complementar da multa, a primeira das quais é a de que, em relação a cada infracção, ela não poderá ser inferior ao dobro do valor das mercadorias que desta constituíram objecto, nem superior a 1:000.000$ (n.º 1). Se a infracção consistir em transacção efectuada por preço superior ao normal ou ao legalmente estabelecido, atender-se-á, na fixação da multa aplicável, ao montante total do preço convencionado para a transacção; nos demais casos atender-se-á ao valor da mercadoria no seu estado normal (n.º 2).
No caso do crime de especulação, visado na primeira parte do número, este critério pode dar lugar a grandes anomalias. Assim, numa transacção sobre mercadorias com o valor de 20.000$ em que o lucro ilícito seja também de 20.000$ a multa será de 40.000$; mas, se o crime incidir sobre mercadoria do valor de 500.000$ e o lucro ilícito for também de 20.000$, a multa ascenderá a 1:000.000$. Perante tamanha incongruência, impõe-se variar o critério da fixação da multa complementar conforme a natureza dos crimes. Por isso, quanto ao crime de especulação, deve tornar-se como base do cálculo, não o valor da mercadoria objecto do delito, mas a importância do lucro ilícito auferido. Neste caso, porém, o coeficiente fixo do dobro é insuficiente e deve ser alterado para uma importância variável entre o dobro e o décuplo, por exemplo, que o prudente arbítrio do julgador adaptará a cada caso concreto.
A fixação da pena de multa no máximo de 1:000.000$ tem muito interesse. Segundo o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 35 809, em vigor, ao crime de açambarcamento cabe sempre a pena complementar de multa de valor igual a dez vezes o valor das mercadorias seu objecto, sem limitação alguma, e, nos termos do artigo 4.º, à pena de prisão pelo crime de especulação acresce a multa de 1.000$ a 1:000.000$, mas nunca inferior a dez vezes o valor do preço da transacção ilícita que se efectivou ou pretendeu efectivar, ou a do valor das mercadorias cujo preço se alterou ou tentou alterar. Da aplicação destes preceitos resulta, muitas vezes, a imposição de multas tão vultosas que os próprios julgadores hesitam em considerar provados os factos a que tais sanções têm de corresponder, as quais quando são efectivamente decretadas se mostram incobráveis, com manifesto desprestígio da justiça. Tal frustração tornar-se-á improvável em face do máximo fixado no artigo, pois em juízo a multa será naturalmente graduada pela gravidade real dos delitos e a situação económica dos infractores.
No n.º 3 do artigo declara-se aplicável às multas previstas no diploma o disposto nos §§ 2.º e 3.º do artigo 63.º do Código Penal, sem prejuízo da comparticipação estabelecida pela legislação em vigor a favor dos participantes, autuantes ou descobridores dos crimes contra a saúde pública. Tendo em atenção que no artigo 39.º se ressalva a competência actual do Tribunal Colectivo dos Géneros Alimentícios, que, fundamentalmente, é a de julgar os delitos e transgressões sobre géneros alimentícios (Decreto n.º 27 207, de 16 de Novembro de 1936, artigo 157.º), parece cloro que a norma projectada está em relação com este preceito. Manter-se-ia, assim, o Tribunal com organização especial, para julgar infracções especiais, através de um processo especial, baseado em autos e participações lavrados por fiscais com remuneração especial.
Não há dúvida de que os comandos da regra em vigor e da norma proposta são adaptáveis a qualquer dag formas da organização judiciária; mas admitindo-se a extinção do Tribunal Colectivo de Géneros Alimentícios, a subsistência do princípio ressalvado no n.º 3 para ser aplicado nos tribunais comuns, em relação apenas a um dos grupos de infracções tratadas no projecto, avultada logo como uma anomalia. Além disso, a evolução dos conceitos sobre a dignidade das funções de fiscalização tem-se feito no sentido de libertar os respectivos agentes da suspeição geral de actuarem mais na prossecução do seu próprio interesse do que na defesa do interesse público, não lhes dando, portanto, qualquer comparticipação nas multas. E o que sucede, por exemplo, com os agentes da Polícia de Viação já a partir do Código da Estrada de 1930 (artigo 147.º, § único). É certo que a comparticipação nas multas serve de estímulo para maior actividade no serviço de fiscalização, mas não é menos verdade que algumas vezes ela faz perder de vista aos agentes a exacta dimensão das infracções, chegando a haver quem os acuse de tentarem suscitá-las. No plano superior dos interesses morais do Estado, mais vale deixar impunida uma ou outra infracção do que castigar com injustiça algum delinquente ou inocente; e por isso melhor será pôr de parte a norma projectada.
Ora, admitindo-se esta conclusão, o primeiro comando do n.º 3 torna-se inútil, pois o artigo 38.º do projecto, tornando o Código Penal como lei subsidiária, conduz de per si à solução que ele visa. Em tais condições, deve este número ser eliminado.
42. No artigo 30.º estabelece-se o perdimento dos produtos ou mercadorias que constituam objecto das in-
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fracções dolosas previstas nos artigos 1.º, 2.º, 5.º, 6.º, 9.º, 13.º e 21.º, n.ºs 1 e 2, sem prejuízo do disposto no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 40 478, de 31 de Dezembro de 1955. Trata-se de um efeito da pena semelhante ao que se prescreve no artigo 75.º, n.º 1.º, do Código Penal; ao mesmo tempo generaliza-se, assim, o disposto no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 31 328, de 21 de Junho de 1941, para as mercadorias objecto do delito de exportação proibida, e no § 1.º do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 35809, de 16 de Agosto de 1946, para as mercadorias da mesma espécie das que tenham sido objecto do crime doloso de açambarcamento. Note-se, porém, desde já que do projecto resulta a redução a proporções normais desta última excessiva, sanção.
A regra assim formulada não suscita dúvidas quanto à relacionação com os artigos 1.º, 2.º, 5.º e 9.º do projecto, mas levanta problemas quanto aos outros três artigos. Com efeito, aceitando-se que é de contravenção, e não de delito, a verdadeira natureza ida matança clandestina, esta infracção ficará desde logo fora do âmbito do preceito, já que este se aplicará sómente a crimes .dolosos; e não parece razoável alterar o comando substancial da norma proposta só para ampliar o castigo de uma simples contravenção.
E quanto ao artigo 13.º deve notar-se que o produto ou a mercadoria objecto do delito consumado de especulação, previsto na alínea a) do n.º 1, segue o seu comprador, que não é o agente, mas a vítima da infracção. A pena de perdimento não é, pois, adaptável a esta espécie de delito, como o não é também às suas formas previstas nas outras alíneas.
No tocante ao artigo 21.º, n.º 1, a própria, consumação do delito, levando a mercadoria objecto dele para fora do País, impedirá a aplicação desta pena. E, sendo assim, será decerto incongruente aplicá-la nos casos de tentativa e frustração, previstos no n.º 2, sem dúvida de menor gravidade objectiva, e que, por isso, a lei geral puniria com mais benevolência (Código Penal, artigos 104.º e 105.º). Por outro lado, deve atender-se a que, na quase totalidade dos casos, o delito de exportação proibida será cumulativamente delito fiscal e então lhe caberá igualmente a pena de perdimento (Contencioso Aduaneiro, artigos 38.º e 44.º). Nestas condições, parece mais razoável excluir do" âmbito da aplicação desta pena as discutidas infracções.
Na parte final do artigo 30.º ressalva-se a aplicação do disposto no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 40 478, de 31. de Dezembro de 1945. Quis-se assim visar o n.º 13.º deste artigo, que considera como receita do Fundo de Socorro Social o produto da venda das mercadorias apreendidas ou recusadas, a que se refere o § 1.º do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 35 809, de 16 de Agosto de 1946. Esta ressalva não parece de aceitar. Se a pena de perdimento se alarga a outras infracções além da de açambarcamento, única prevista no n.º 13.º do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 40 478, não f az sentido que o comando deste preceito deixe de acompanhar a ampliação do alcance da lei a novos casos materialmente análogos; mas para isso, em vez da restrição proposta, que fica deslocada no contexto do projecto, impõe-se dar nova redacção à regra cujo comando se pretende ressalvar e certamente se desejará ampliar.
43. Dispõe-se no artigo 31.º que a pena aplicável não será suspensa nem a prisão substituída por multa quando na infracção a julgar concorra qualquer das circunstâncias a que se refere o artigo 36.º, n.ºs 1 e 2.
Por esta forma se impedirá, em casos sem dúvida da maior gravidade relativa, a aplicação das faculdades de suavização das penas de que goza o tribunal, quer quanto à suspensão, admitida na Lei de 8 de Julho de 1893 (artigo 8.º), quer quanto à substituição da prisão por multa, regulada no Decreto-Lei n.º 35 978, de 23 de Novembro (de 1945 (artigo 5.º). Salvo a crítica a fazer aos preceitos referidos, não há objecção a opor a tal princípio.
44. Conforme ficou dito no n.º 40, a matéria tratada no projecto relativamente a medidas de segurança podo condensar-se nos artigos 32.º a 34.º A redacção do artigo 32.º parece imprópria, por excessivamente ampla; dizendo serem aplicáveis no domínio das actividades previstas neste diploma as medidas de segurança fixadas pelo artigo 70.º do Código Penal, o n.º 1 do artigo 32.º incorpora este preceito, e, todavia, a primeira de tais medidas, o internamento em manicómio criminal (Código Penal, artigo 70.º, n.º 1.º), é, sem dúvida, inadaptável aos delinquentes por infracções previstas no projecto e em razão delas (ibidem, § 1.º). O internamento em casa de trabalho ou colónia agrícola, (ibidem, n.º 2.º), a liberdade vigiada (ibidem, u.º.3.º) e a caução de boa conduta (ibidem, n.º 4.º) não são formalmente incompatíveis com a delituosidade típica versada no projectado diploma, mas situam-se num plano de criminalidade profundamente diverso do que nele se discute. Só ia última das medidas, a interdição do exercício da profissão (ibidem, n.º 5.º), é francamente adaptável à situação ambiente dos delitos" contra a saúde pública e contra a economia nacional. Por este modo, parece mais apropriado prescrevê-la como única medida, de segurança, ao mesmo tempo que se adaptará a sua aplicação à índole das sociedades.
Determinam as alíneas do n.º 2 do artigo 32.º quais os efeitos da medida de interdição do exercício da profissão; todos são efeitos do comando fundamental do preceito. Nelas só há a fazer pequenas alterações de redacção, suprimindo o apôs-to o comercial ou industrial» na alínea a), o que permitirá abranger o estabelecimento de venda do produtor agrícola, e substituir na alínea b) a palavra «lugares», de sentido restrito, pela de mais amplo significado «locais».
O n.º 3 do artigo prescreve que não obsta à aplicação. do disposto no n.º 2 a transmissão do estabelecimento comercial ou industrial efectuada, quer após a perpetração do crime que dê lugar à interdição do exercício da profissão, quer depois da instauração, conhecida do arguido, do processo de segurança. Substitui-se assim a disposição vigente que fere de nulidade absoluta a cessão do estabelecimento comercial ou industrial efectuada após a perpetração do crime que de lugar à interdição do exercício da profissão (Decreto-Lei n.º 35 809, artigo 8.º, § 5.º), e certamente com vantagem, pois, nos termos da forma projectada, ignora-se a transmissão do estabelecimento, com todas as facilidades práticas que disso resultarão.
Finalmente, dispõe o n.º 4 que o encerramento do estabelecimento comercial ou industrial em consequência da interdição do exercício da profissão não constitui justa causa para o despedimento dos empregados ou assalariados nem fundamento para a suspensão ou redução do pagamento das respectivas remunerações.
Inutiliza-se assim, para basear o despedimento, o efeito que poderia tirar-se da lata definição legal de justa causa (Lei n.º 1952, de 10 de Março de 1937, artigo 11.º, § único), e, por conseguinte, o direito ao despedimento só poderá usar-se cumprindo-se a correlativa obrigação de pagar as indemnizações legais previstas para o despedimento sem justa causa (ibidem, artigo 10.º, § 2.º). É mais uma consequência prática dos delitos, justa e moral, e por isso de aplaudir.
Ficou dito no n.º 40 que alguns dos efeitos próprios chis medidas de segurança se poderiam adaptar à natureza das sociedades civis ou comerciais. E assente que de
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todas aquelas só a interdição do exercício da profissão é plenamente aplicável aos agentes dos crimes previstos no projecto, pode na verdade estabelecer-se que esta medida se deve aplicar aos representantes constitucionais das sociedades; restringir-se-á, assim, a actividade daqueles que, embora em representação de outrem, tiverem delinquido ou se teme que venham a delinquir, mas não se afectarão os interesses das colectividades, as quais podem ter sido apenas vítimas de actuação criminosa.
Ao mesmo tempo pode dispor-se que as consequências legais da interdição do exercício da profissão são aplicáveis directamente às sociedades enquanto durar o mandato dos seus representantes que Rejam indignos; será uma forma a mais de, dentro dos princípios, acautelar o interesse público.
45. No artigo 33.º prevê-se que as medidas de segurança sejam decretadas isoladamente ou impostas cumulativamente com as sanções penais, podendo a sua aplicação ser proposta também pela Intendência-Geral dos Abastecimentos. Admitindo-se a redução delas a uma só, devem os termos do artigo ser adaptados à essa situação, e como a referência à proposta da Intendência-Geral dos Abastecimentos tem o significado de dar a este organismo, a par do Ministério Público e das autoridades policiais (Decreto-Lei n.º 34 553, de 30 de Abril de 1945, artigo 25.º, n.º 2.º), a legitimidade para requerer no tribunal de execução das penas a instauração do respectivo processo de segurança, melhor será dizê-lo em termos expressos.
46. Fechando a matéria relativo, às medidas de segurança, indica o artigo 34.º, em três alíneas, os índices especialmente reveladores da perigosidade dos arguidos que justifica a aplicação de tais medidas. A forma do preceito é demasiadamente doutrinária e também excessivamente ampla; parece a Câmara que deve ser taxativa a enumeração dos índices de perigosidade. No sentido exposto deve retocar-se a redacção do artigo.
47. No artigo 35.º enumeram-se, além das indicadas no artigo 34.º do Código Penal que sejam, inerentes ao agente ou se mostrem adequadas à especial natureza do ilícito, mais nove circunstâncias agravantes. Todas elas se mostram formuladas em estreita relação com a índole dos delitos versados no projecto e permitirão qualificar mais rigorosamente cada um deles, salvo uma que está redigida em termos muitos vagos. É a 7.ª, «ser manifesto o perigo de prejuízo dos interesses legalmente protegidos».
Exigindo a própria natureza das circunstâncias agravantes a individuação tão exacta quanto possível das condições de facto que permitirão avaliar melhor a gravidade dos crimes, parece bem que não obedece a este requisito a 7.ª do artigo 35.º Nestas condições, é a melhor solução eliminá-la.
48. Dispõe-se no artigo 36.º, n.º l, que no caso de reincidência os limites máximo e mínimo da multa são elevados ao dobro, sem prejuízo do disposto no artigo 100.º do Código Penal. Segundo o preceito referido, e pondo de parte o seu n.º 1.º, relativo à pena de prisão maior, no caso de pena de prisão, a agravação consistirá em aumentar o máximo e o mínimo da pena de metade da duração máxima da pena aplicável (n.º 2.º). A forma de agravação prevista no projecto é, portanto, diferente da regulada no artigo 100.º do Código Penal e incompatível com ela. Sendo assim, a ressalva feita no n.º l do artigo 36.º não tem razão de ser.
No n.º 2 do artigo equiparam-se à reincidência as circunstâncias 4.ª e 6.ª do artigo 35.º e qualquer outra a que o Governo, por simples portaria, transitoriamente atribua igual valor. As circunstâncias assim expressamente referidas são a de ter a infracção sido praticada encontrando-se o País em estado de guerra ou de mobilização preventiva (4.º) e a de sei manifesto o perigo da saúde do consumidor (6.ª). Qualquer delas é suficientemente grave para justificar a equiparação projectada. Mas levanta dúvidas a proposta faculdade, reservada ao Governo, do, por simples portaria, atribuir transitoriamente a qualquer outra circunstância agravante o mesmo valor. Compreende-se que o fim desta norma é o de dar ao sistema proposto a maleabilidade necessária para, sem lhe alterar a estrutura, permitir adaptar o aparelho repressivo a situações económicas de gravidade excepcional, mas transitórias. Contudo, na hierarquia das fontes do direito a portaria tem lugar e relevo muito inferiores aos de um decreto simples, ou regulamentar, e não se presta à divulgação que é própria desta espécie; e não pode negar-se a excepcional importância de uma alteração do quadro regulador da aplicação das penas, que irá necessariamente provocar agravamento de sanções. Aceitando, pois, o princípio proposto, deve a equiparação em causa ser feita mediante decreto, e, dando certamente mais rigorosa expressão ao pensamento manifestado, para efeito temporário, e não transitório.
49. Segundo o artigo 37.º, o estado de necessidade não dirime a responsabilidade do agente por infracção de preceitos legais determinados pela carência de produtos para o abastecimento público.
A expressão «estado de necessidade» não é empregada no Código Penal e o próprio significado deste conceito é puramente doutrinário, sujeito à fluidez das correntes filosófico-jurídicas. Por outro lado, não se vê razão para excluir da possibilidade legal da justificação do facto, nas condições gerais e comuns, os agentes dos crimes previstos no projecto.
Nestas condições deve o artigo 37.º ser suprimido.
50. Contém o artigo 38.º a fórmula integradora do sistema legal estruturado no projecto, segundo a qual às infracções penais nele previstas são aplicáveis, subsidiariamente, as disposições do Código Penal e legislação complementar. Trata-se de um elemento essencial a este novo corpo jurídico, mas a supressão da parte do projecto relativa às infracções disciplinares leva a eliminar no artigo projectado a restrição que exclui estas.
C) Das regras de competência e de processo
51. Aos problemas de competência dedica o projecto os artigos 39.º a 43.º No artigo 39.º fixa-se a regra geral de que a preparação e o julgamento dos processos pelas infracções nele referidas competem aos tribunais comuns e são regulados pelo Código de Processo Penal e legislação complementar, salvas certas disposições especiais, assim como a competência atribuída ao Tribunal Colectivo dos Géneros Alimentícios pela legislação em vigor.
O princípio basilar do preceito impõe-se por si mesmo e a ressalva das disposições especiais s certamente necessária em face das peculiaridades próprias do ilícito tratado do projecto. Mas a excepção relativa ao Tribunal Colectivo dos Géneros Alimentícios não pode subsistir em consequência da conclusão assente na discussão na generalidade, segundo a qual este Tribunal deve ser extinto (n.º 9). O princípio que levou àquela conclusão, a inconstitucionalidade dos tribunais especiais além dos destinados a julgar os crimes expressamente indicados no artigo 117.º da Constituição Política, con-
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duz também u não ressalvar o preceito de pura economia processual contido no artigo 12.º, n.º 2.º, do Decreto-Lei n.º 31 328, de 21 de Junho de 1941, segundo o qual compete aos tribunais fiscais aduaneiros o conhecimento do delito de exportação proibida quando ele deva considerar-se cumulativamente delito fiscal.
No aspecto processual, a providência do artigo tem o maior alcance. Com efeito, segundo as leis em vigor, os erguidos de delito contra a saúde pública, quando forem indiciados, terão de prestar caução pelo valor total da multa aplicável e seus adicionais, sob pena de prisão abe ao julgamento (Decreto n.º 20 282, artigo 42.º, § 1.º); se não contestarem, serão condenados de preceito e som recurso- (ibidem, idean, § 2.º), anomalia sem par, verdadeiramente aberrante; terão de contestar no prazo de cinco dias (artigo 43.º); só poderão oferecer três testemunhas de defesa, que podem ser ouvidas por depreenda, mas não serão notificadas (artigo 44.º); podem ser julgados por acórdão verbal, que ficará consignado na acta (artigo 48.º); e só desta decisão poderão recorrer no caso de a multa ser superior a 6.000$, recurso este restrito a matéria de direito (artigo 49.º e § único). Por sua vez, os arguidos de delitos contra a economia nacional têm de contestar no prazo de três dias, a contar da notificação da acusação, indicando logo o máximo de cinco testemunhas de defesa (Decreto n.º 29 964, artigo 22.º), que não serão notificadas, tendo de ser sempre apresentadas (Decreto-Lei n.º 32 300, de 2 de Outubro de 1942, artigo 2.º); serão julgados à revelia se não comparecerem na audiência (Decreto n.º 29 964, artigo 26.º); não poderão recorrer de qualquer despacho interlocutório, mesmo o de pronúncia (artigo 27.º); e o recurso da sentença final é restrito a matéria de direito (Decreto-Lei n.º 35 809, artigo 28.º, § 2.º). Perante um quadro de restrições ajustado com tanto rigor, a aplicação da legislação comum do processo penal implicará uma transformação radical dos meios de defesa; e estes foram sempre a garantia mais segura da aplicação da melhor justiça.
52. Diz-se no artigo 40.º que, sem prejuízo do disposto no Decreto-Lei n.º 35 007, de 13 de Outubro de 1945, competem, especialmente à Intendência-Geral dos Abastecimentos, à Inspecção-Geral dos Produtos Agrícolas e Industriais e aos organismos corporativos e de coordenação económica, em conformidade com a respectiva lei orgânica, a fiscalização das actividades económicos destinada a impedir a prática ou a promover a repressão das infracções, e bem assim o exercício da acção penal pelas contravenções previstas no diploma em projecto.
A restrição que encabeça o preceito tem o significado de manter no âmbito da lei comum reguladora da acção penal a competência para o exercício desta no tocante às infracções previstas no projectado diploma; a competência especial em discussão não poderá, pois, prejudicar aquela. É precaução indispensável.
Também não suscita dúvidas a competência atribuída u Intendência-Geral dos Abastecimentos e à Inspecção-Geral dos Produtos Agrícolas e Industriais, entidades que, por sua própria natureza, estão na base do sistema de repressão das infracções em causa, nem aos organismos de coordenação económica, cujas funções de coordenar e disciplinar por si próprias implicam a necessidade de fiscalização. Mas já não sucede o mesmo com os organismos corporativos.
Estes não são organismos públicos, embora exerçam funções de interesse público (Estatuto do Trabalho Nacional, artigo 42.º), e por isso os poderes de fiscalização regulados nas suas leis orgânicas não devem, em princípio, ir além do âmbito da tutela dos interesses de cada uni; como na actividade económica não ha divisões completamente estanques, se não for assim as fiscalizações interferirão umas com as outras, ou, pior ainda, irão muitas vezes exercer-se, não no campo próprio, mas no do sector vizinho, o que é inconveniente e desprestigiaste.
Tudo se equilibrará, porém, se os poderes dos organismos corporativos forem expressamente referidos na lei, pois não pode conceber-se que esta deixe de regular funções fie tanto relevo segundo um sistema harmónico e coerente.
De resto, este tipo de fiscalização está estritamente ligado à organização corporativa e a redacção do artigo, empregando u palavra «infracções», e não «crimes», revela que no preceito se incluíram as infracções disciplinares; ora, como, segundo a apreciação na generalidade (n.º 4), estas devem ficar excluída» do âmbito do diploma, acresce ainda este motivo aos que induzem a alterar a redacção do artigo no sentido exposto.
53. Tirando as consequências do pensamento do artigo anterior e pormenorizando os seus comandos, dispõe o artigo 41.º que se considera delegada na Intendência-Geral de Abastecimentos, na Inspecção-Geral dos Produtos Agrícolas e Industriais, na Guarda Fiscal, na Guarda Nacional Republicana e na Polícia de Segurança Pública a competência para proceder à instrução preparatória dos processos correspondentes a crimes ou contravenções previstos no projecto, sem prejuízo da respectiva direcção por parte do Ministério Público (n.º 1). Se à restrição da parte final do artigo nada se pode objectar, deve ter-se em conta que entre os organismos mencionados há grandes diferenças no tocante u aptidão para proceder u instrução preparatória dos processos. Será, por isso, mais equilibrado considerar a competência delegada como susceptível de ser subdelegada por qualquer deles na Guarda Fiscal, nu Guarda Nacional Republicana e na Polícia de Segurança Pública, para cada caso concreto. Obter-se-á assim mais firmeza no critério da fiscalização, sem nenhum prejuízo da eficácia da acção que os organismos policiais podem executar.
No n.º 2 impõe-se a todas as entidades competentes para a instrução preparatória a obrigação de porem os arguidos presos disposição do Ministério Público, nos termos da lei geral. E uma sólida garantia contra a possibilidade de violências ou atropelos.
54. Nos termos do artigo 42.º, as autoridades competentes para proceder à instrução preparatória enviarão imediatamente ao Ministério Público e à Intendência-Geral dos Abastecimentos cópia de todos os autos ou denúncia (n.º 1).
A remessa das cópias no Ministério Público é de necessidade evidente, pois é esta a entidade que dirige a ficção penal, como no artigo 40.º se ressalva e expressamente se diz no artigo 41.º, mas, precisamente porque esta direcção se impõe a todas as entidades fiscalizadoras, não haverá necessidade de enviar a uma delas, a Intendência-Geral dos Abastecimentos, iguais cópias.
No n.º 2 estabeleceu-se uma regra de competência territorial relativa ao Ministério Público, que está de acordo com a actual organização judiciária, e no n.º 3 pune-se nos termos da lei geral a demora em enviar a esta entidade as comunicações previstas no n.º 1; é uma precaução necessária contra qualquer tentativa de impedir a marcha da acção penal.
Na mesma orientação do artigo anterior, permite o artigo 43.º ao Ministério Público, passado o prazo normal para a instrução preparatória, avocar os processos para lhes dar o destino legal; é providência que completa a outra.
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55. Os problemas do processo são versados no projecto a partir do artigo 44.º
Os termos deste preceito permitem a apreensão de produtos ou mercadorias quando ela for necessária à instrução do processo, à cessação da ilicitude, ou ainda lios casos de suspeita de infracção capaz de importar a perda deles. Trata-se de nona faculdade de larga amplitude para o Ministério Público e de correlativo gravame para os arguidos; a fim de impedir o seu uso indevido no último dos casos previstos, não deve admitir-se a apreensão com base em simples suspeitas, que implicam uma apreciação puramente subjectiva, mas somente em indícios, que são objectivos por sua natureza.
56. Nos seus cinco números admite o artigo 45.º, nos casos de se ter produzido prova da infracção por meio de exame de laboratório, a possibilidade de segundo exame em instrução contraditória, quando esta seja admissível e durante a instrução preparatória não tenha sido requerida essa diligência. E uma importante ampliação dos meios de defesa, inteiramente de aplaudir; mas, para que ela surta todo» o» seus efeitos, deve estabelecer-se no n.º 4 que o segundo exame será feito um laboratório diferente daquele em que se realizou o primeiro, como é de regra geral (Código de Processo Penal, artigo 197.º).
A actual colocação do artigo 45.º interrompe a sequência da matéria relativa à apreensão de mercadorias, que no artigo 44.º começou a ser tratada. Para melhor harmonia do conjunto, deve permutar-se a posição dos dois preceitos.
57. Volta o artigo 40.º a tratar das mercadorias apreendidas, regulando as condições em que podem ser vendidas (n.º 1) e mandando depositar o produto da venda pura ser levantado conforme o resultado final do julgamento (n.º 2). Nada há a opor à sua doutrina.
58. No artigo 47.º determinam-se as providências a tomar para os casos de serem encontrados em estado de abandono géneros falsificados, avariados, corruptos ou que não possuam os requisitos legais. Não há objecções a fazer.
59. Dispõe-se 110 artigo 48.º que a inutilização, beneficiação ou transformação dos géneros com aqueles mesmos defeitos não está dependente dos resultados do processo judicial, mesmo quando este for favorável aos arguidos (n.º 1); permite-se a oposição dos interessados (n.º 2), e admite-se que aquelas providências sejam tomadas na pendência do processo (n.º 3).
Trata-se de disposições de carácter cautelar, dominadas pelo imperativo do interesse público e tendentes a fazer excluir do comércio as mercadorias impróprias para consumo; são de aplaudir.
60. No artigo 49.º estabeleceu-se o critério para determinar qual a forma de processo comum aplicável às infracções tratadas no projecto.
O critério da lei geral baseia-se essencialmente na espécie e na duração das penas de prisão (Código de Processo Penal, artigos 63.º a 65.º), por serem estas as penas principais punitivas dos crimes. Nas infracções previstas no projecto a pena complementar da multa pode avultar muito em relação à pena de prisão (artigos 29.º e 36.º), e por isso prevê-se que a determinação da forma de processo se faça tomando por base aquela pena e não esta. Como a solenidade das formas de processo aumenta u medida da gravidade das infracções, o critério do artigo 49.º está de acordo com os princípios gerais de processo penal; nada a opor-lhe.
61. O artigo 50.º dispõe que quando for exigível a caução destinada a garantir a comparência do arguido seja obrigatória a prestação de caução económica, que, segundo a lei geral, o juiz pode mandar prestar ao arguido a quem reconheça suficiente solvabilidade (Código de Processo Penal, artigo 297.º, .§ 1.º).
O desvio da negra geral que prende uma à outra as duas formas de caução é mais uma manifestação da índole económica das infracções previstas no projecto. Não se vê motivo para oposição.
62. Dá-se no artigo 51.º ao Ministério Público a faculdade de requerer arresto preventivo nos bens dos arguidos, quando haja justo receio de insolvência ou de ocultação de bens e a multa provável for fixada em quantia superior a 10.000$ (n.º 1), permitindo-se a diligência durante a instrução preparatória (n.º 2) e admitindo-se meios de defesa contra ela (n.º 3).
E nos três números do artigo 52.º determinam-se os efeitos que a caução económica pode ter sobre o arresto. E um sistema bem arquitectado, que não dá matéria para oposição.
63. No artigo 53.º regula-se a forma do julgamento pelo Tribunal Colectivo dos Géneros Alimentícios. Admitindo-se que esto Tribunal deve ser extinto, não há lugar para tal preceito.
D) Das disposições gerais e transitórias
64. Nos artigos 62.º a 64.º propõe-se a maneira de efectivar a reorganização do Tribunal Colectivo de Géneros Alimentícios e uma série de providências relacionadas com este desígnio. Admitindo-se, como ficou dito no n.º 9, que o Governo não tem poderes, mesmo através de um decreto-lei, para reorganizar o Tribunal, só têm cabimento no projecto as medidas que criam o lugar de auditor jurídico junto da Inspecção-Geral dos Produtos Agrícolas e Industriais e regulam a sua categoria e vencimentos. Quanto a estes pontos, deve, como é curial, definir-se a situação do aludido funcionário de harmonia com as dos que prestam serviços de idêntica natureza noutros departamentos do Estado, parecendo ser o mais semelhante de todos a Inspecção-Geral de Crédito e Seguros. Isto, porém, implica a alteração do nome «auditor» para o de «consultor».
Propondo-se neste parecer a extinção do Tribunal Colectivo dos Géneros Alimentícios, torna-se também necessário dispor sobre o destino dos processos que nele se encontrarem pendentes à data da extinção e regular a situação dos funcionários da sua secretaria, a qual deverá pautar-se pela dos funcionários doa serviços conexos com os do Tribunal a extinguir.
65. Finalmente, no artigo 65.º dá o projecto a fórmula revogatória da legislação que se propõe substituir. Ë ela de aceitar na generalidade; mas, tendo-se seguido no exame na especialidade dos artigos do projecto o critério de não incluir no diploma as normas puramente regulamentares que ficaram apontadas, impõe-se excluir da revogação proposta alguns artigos do Decreto n.º 15 982, relativos à preparação das reses para matança e à punição, de algumas transgressões referentes ao transporte e trabalho dos animais, e outros do Decreto-Lei n.º 40 083, tocantes ao regime de fabrico e comércio do pão.
E a este propósito formula a Câmara outro voto - o de que os diplomas cuja revogação for apenas parcial e ficarem por isso mutilados sejam, por parte do Governo, objecto de novas redacções, de tal modo que voltem a manter na sua estrutura a coerência e a continuidade de que ficarão privados.
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III
Conclusões
66. Em virtude do exposto, a Câmara Corporativa, dando como aqui reproduzidas as conclusões da sua apreciação do projecto no generalidade, sugere que as epígrafes e aã disposições do mesmo projecto tenham a arrumação e sofram as alterações, grafadas em itálico, que constam da redacção seguinte:
Das infracções contra a saúde pública e das infracções antieconómicas
CAPITULO I
Das infracções e das penas
SECÇÃO I
Da responsabilidade penal em geral
Artigo 1.º É equiparado ao comerciante, para os efeitos deste diploma, todo o indivíduo ou colectividade que, mesmo acidentalmente, compre para revenda, .por grosso ou a retalho.
Art. 2.º As sociedades civis e comerciais são solidariamente responsáveis pelas multas e indemnizações em que forem condenados os seus representantes ou empregados, contanto que estes tenham agido nessa qualidade ou no interesse da sociedade, a não ser que se prove que procederam contra ordem expressa da administração.
Art. 3.º São unicamente circunstâncias agravantes, além das indicadas no artigo 34.º do Código Penal que sejam inerentes ao agente ou que se mostrem adequadas à especial natureza do ilícito, as seguintes:
1.ª Ter a infracção influído na subida anormal dos preços do mercado;
2.ª Ter o agente favorecido interesses estrangeiros, em detrimento da economia nacional;
3.ª Ter a infracção sido praticada em estado de carência ou insuficiência de produtos ou mercadorias para o abastecimento do País, desde que o seu objecto tenha sido algum desses produtos ou mercadorias;
4.ª Ter a infracção sido praticada encontrando-se o País em estado de guerra ou de mobilização preventiva;
5.ª Ter o agente aproveitado o estado de premente carência do comprador, com conhecimento desse estado;
6.ª Ser manifesto o perigo da saúde do consumidor;
7.ª Ter a infracção permitido alcançar lucros excessivos ou ter sido praticada com intenção de os obter;
8.º Ser grande o volume de negócios ou existências do infractor.
Art. 4.º A pena, complementar de multa relativa a cada infracção será graduada nas condições seguintes:
a) No crime de especulação variará entre o dobro e o décuplo do lucro Ilegítimo que se obteve ou tentou obter;
b) Nas outros crimes não será inferior ao dobro do valor da mercadoria que constitui objecto da infracção;
c) Em qualquer caso não será superior a 1:000.000$.
Art. 5.º Serão declarados perdidos a favor do Estado os produtos ou mercadorias que constituam objecto das infracções dolosas previstas no artigos 14.º, 18.º, 19.º e 21.º
Art. 6.º - 1. Aos agentes dos crimes dolosos previstos neste diploma é aplicável a medida de segurança de interdição do exercício da profissão.
2. Além dos efeitos e consequências previstos no § 5.º do artigo 70.º do Código Penal, esta medida importa:
a) O encerramento do estabelecimento;
b) A cassação das licenças ou autorizações relacionadas com o exercício da profissão e, para os vendedores das feiras ou mercados públicos, a perda da concessão ou a (proibição de ocupação dos inçais de venda;
c) A suspensão do exercício dos direitos provenientes da inscrição no grémio respectivo.
3. A medida de segurança indicada no n.º l é aplicável aos representantes constitucionais das sociedades civis e comerciais e a estas são directamente aplicáveis as providências enumeradas nas alíneas do n.º 2 enquanto durar o mandato daqueles.
4. Não obsta à aplicação do disposto no n.º 2 a transmissão do estabelecimento efectuada, quer após a perpetração do crime que dê lugar à interdição do exercício da profissão, quer depois da instauração, conhecida do arguido, do processo de segurança.
5. O encerramento do estabelecimento em consequência da aplicação da medida de segurança não constitui justa causa para o despedimento dos empregados ou assalariados, nem fundamento para a suspensão ou redução do pagamento das respectivas remunerações.
Art. 7.º A medida de segurança a que se refere o artigo precedente pode ser imposta cumulativamente com as sanções de carácter penal ou ser isoladamente decretada, nos termos da legislação respectiva, podendo a sua aplicação ser proposta quer pelo Ministério Público, quer pela Intendência-Geral dos Abastecimentos.
Art. 8.º Serão exclusivamente considerados como índices reveladores da perigosidade que fundamenta a aplicação das medidas de segurança:
a) O concurso de três condenações por crimes dolosos previstos neste decreto;
b) A condenação por crime que revele manifesto desprezo pelos interesses da economia nacional ou da saúde do consumidor;
c) A comparticipação voluntária em associação ou acordo destinados a obter, por qualquer modo, a alteração do movimento normal da vida económica ou o aproveitamento consciente da actividade da associação ou do funcionamento do acordo.
Art. 9.º - 1. No caso de reincidência os limites mínimo e máximo da pena de multa são elevados ao dobro.
2. São equiparadas & reincidência as circunstâncias 4.º e 6.º do artigo 4.º e qualquer outra a que o Governo, mediante decreto, temporariamente atribua igual valor.
Art. 10.º A pena aplicável não será suspensa nem a prisão substituída por multa quando na infracção a julgar concorra qualquer das circunstâncias a que se refere o artigo antecedente, n.º l e 2.
Art. 11.º As infracções penais previstas neste diploma são aplicáveis, subsidiariamente, as disposições do Código Penal e legislação complementar.
SECÇÃO II
Das infracções em especial
SUBSECÇÃO I
Das Infracções contra a saúda pública
Art. 12.º - 1. Os que abaterem reses impróprias para consumo e a este as destinarem, conhecendo o seu estado, serão punidos com prisão de três dias a dois anos e multa, se pena mais grave lhes não couber nos termos da lei geral.
2. Em igual pena incorrem aqueles que, por qualquer modo, aproveitarem para alimentação de outrem a carne das reses impróprias para consumo ou das que hajam morrido de doença, desde que, num ou noutro caso, conheçam o seu defeito.
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Art. 13.º - l. Comete a contravenção de matança clandestina, punível com multa de 100$ a 5,000$ por cabeça, aquele que abater para consumo público animais das espécies bovina, ovina, caprina, suína ou equina cuja carne seja própria para consumo, quando o abate for feito sem a competente inspecção sanitária e fora dos lugares apropriados, nos termos da legislação em vigor.
2. Fica salvo o disposto em posturas municipais acerca do abate de animais de pequeno peso das espécies ovina, caprina e suína.
3. Incorrem na pena de 50$ a 500$ por quilograma de carne os que adquiram para alienação ao público ou com destino ao consumo público em Loteis, restaurantes, pensões ou estabelecimentos análogos a carne das reses abatidas clandestinamente ou produtos com ela fabricados, desde que tenham conhecimento do carácter clandestino da matança.
Art. 14.º - 1. Será punido com multa de 200f a 500$ aquele que abater para consumo público animais das espécies bovina, ovina, caprina, suína ou cavalar fora das condições de preparação das reses fixadas nos respectivos regulamentos.
2. Incorrem na mesma pena os que fizerem a matança depois da competente inspecção sanitária dos animais, mas fora dos lugares apropriados para o abate.
Art. 15.º - 1. Todo aquele que fabricar, manipular, armazenar, transportar ou vender géneros alimentícios infringindo as obrigações fixadas na lei ou em regulamentos especiais para salvaguarda do asseio e higiene incorrerá na multa de 200$ a 5.000$.
2. Será comunicada às competentes autoridades sanitárias toda a falta ao dever geral da mesma natureza.
Art. 16.º - 1. A falsificação de géneros alimentícios é punível:
a) Com prisão de três dias a dois anos e multa, quando os géneros falsificados sejam, por sua natureza, susceptíveis de prejudicar a saúde do consumidor;
b) Com multa de 3.000$ a 20.000$, quando, não sendo prejudicial à saúde do consumidor, a falsificação for todavia susceptível de causar prejuízo a terceiro
ou ao Estado.
2. Considera-se género alimentício toda a substância ou preparado usados como alimento ou bebida humana, exceptuadas as drogas medicinais, bem como toda a substância utilizada na preparação ou composição dos alimentos humanos, sem exclusão dos simples condimentos.
3. A falsificação compreende a substituição dos géneros alimentícios por substâncias, alimentares ou não, que imitem fraudulentamente as qualidades daqueles (contrafacção) e bem assim a modificação, capaz de induzir o consumidor em erro, da sua natureza, composição ou qualidade (alteração).
Art. 17.º A alteração de géneros alimentícios que resultar de mera negligência do infractor constitui contravenção e é punível com multa de 500$ a 3.000$.
Art. 18.º - 1. A venda ou exposição à venda, bem quino o armazenamento para comércio, de géneros alimentícios falsificados, avariados ou corruptos são puníveis:
a) Com prisão de três dias a um ano e multa, se os géneros forem nocivos à saúde;
b) Com multa de 1.000$ a 5.000$ se forem simplesmente impróprios para consumo;
c) Com multa de 500$ a 3.000$, se o defeito for ignorado do responsável por negligência.
2. A aquisição e o transporte para comércio são puníveis nos termos das alíneas a) e b)) do n.º l quando o responsável conhecer o defeito dos géneros e conforme a alínea c) do mesmo número se só por negligência o desconhecer.
3. Presume-se, até prova em contrário, que o transporte dos géneros alimentícios falsificados, avariados ou corruptos é feito para comércio sempre que os géneros sejam daqueles a cujo comércio se dedica o destinatário.
4. Consideram-se corruptos os géneros alimentícios que entraram em putrefacção ou decomposição, e bem assim aqueles que contêm gérmenes que possam ser nocivos à saúde; e avariados os géneros alimentícios que, por influência do meio, do tempo ou dos agentes a cuja acção estiverem expostos, se deterioraram ou sofreram modificações de natureza, composição ou qualidades que os tornam impróprios para consumo.
Art. 19.º A declaração da existência de géneros alimentícios falsificados, avariados ou corruptos, com indicação das respectivas quantidades e do local em que se encontram, feita perante a Inspecção-Geral dos Produtos Agrícolas e Industriais antes de qualquer intervenção oficial ou denúncia livra das penas cominadas nos artigos antecedentes, ficando, porém, os géneros sujeitos a conveniente beneficiação, transformação ou inutilização.
SUBSECÇÃO II
Das Infracções antieconómicas
Art. 20.º - 1. Comete o crime de açambarcamento aquele que ocultar as sua» existências de mercadorias ou produtos ou se recusar a vendê-las, segundo os usos normais da actividade agrícola, industrial ou comercial quando a venda de umas ou de outros estiver condicionada ou os respectivos preços estiverem, tabelados.
2. Não constitui infracção:
a) Ter o produtor recusado a venda das quantidades indispensáveis à satisfação das necessidades do seu abastecimento doméstico ou das exigências normais da sua exploração durante o período necessário à renovação das existências;
b) Ter o comerciante recusado a venda de mercadorias em quantidade susceptível de prejudicar a justa repartição entre a sua clientela ou manifestamente desproporcionada às necessidades normais de consumo do adquirente.
3. E equiparado à ocultação:
a) O armazenamento de mercadorias ou produtos em locais não indicados às autoridades da fiscalização, quando essa indicação seja devidamente exigida;
b) A recusa ou falsidade da declaração sobre as existências, quando exigida pelas autoridades encarregadas da fiscalização;
c) O não levantamento pelo destinatário no prazo de dez dias das mercadorias que lhe tenham sido consignadas nas condições contratadas e derem entrada nas estações de caminho de ferro, em cais de desembarque ou quaisquer locais de descarga.
4. É equiparado à recusa:
a) O encerramento voluntário do estabelecimento, com o fim de eximir à venda a respectiva existência;
b) A limitação de venda de mercadorias, quando essa limitação tenha sido declarada prejudicial pela entidade competente, mas sem prejuízo do disposto na alínea b) do n.º 2.
Art. 21.º - 1. O crime de açambarcamento é punível com prisão de três dias a dois anos e multa.
2. Quando houver mera negligência, a pena aplicável será a de prisão de três dias a seis meses e multa, podendo a multa ser excepcionalmente reduzida a metade.
3. A tentativa de açambarcamento, bem como a frustração, serão sempre puníveis.
Art. 22.º- l. Sempre quê o Governo determine o racionamento ou estabeleça o condicionamento de quaisquer produtos ou mercadorias, fixando directamente as capitações ou os contingentes cuja distribuição é permi-
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tida, aquele que adquirir ou vendei quantidades superiores às fixadas incorrerá na pena de 200f a 500$, se pena mais grave lhe não couber nos termos da legislação em vigor.
2. Em igual pena incorre o produtor que constituir reservas de mercadorias ou produtos racionados ou condicionados superiores às permitidas nos termos da alínea A) do n.º 2 do artigo 21.º
3. Quando as mercadorias ou produtos adquiridos, vendidos ou reservados se destinem à indústria ou ao comércio, a pena aplicável será a de multa de 3.000$ a 20.000$ ou de 500$ a 3.000$, conforme o respectivo valor exceda ou não 2.000$.
Art. 23.º - 1. A omissão ou falsidade de declarações na sequência dos inquéritos ou manifestos ordenados pelo Governo para conhecimento das quantidades existentes de certos produtos ou mercadorias, bem como a recusa de quaisquer elementos oficialmente exigidos para o mesmo fim, serão puníveis com prisão até três meses e multa até um mês.
2. Quando houver mera negligência, a pena aplicável será a de multa de 100$ a 500$.
Art. 24.º - 1. Constitui crime de especulação:
a) A venda de produtos ou mercadorias por preço superior ao legalmente fixado ou, na falta de tabelamento, com margem de lucro líquido superior a 10 por cento, nas vendas por grosso, e de 15 por cento, nas vendas a retalho;
b) A alteração, sob qualquer pretexto ou por qualquer meio apropriado, dos preços que do regular exercício das actividades económicas ou dos regimes legais em vigor normalmente resultariam para as mercadorias;
c) A intervenção remunerada de um novo intermediário no ciclo normal da distribuição, ainda que não tenha havido lucro ilícito, salvo quando se mostre que da intervenção não resultou qualquer aumento de preços.
2. Considera-se preço legalmente fixado para as mercadorias ou produtos o que lhes tenha sido atribuído por decisão ministerial publicada no Diário do Governo,
3. É tido como lucro líquido para o comerciante aquele que se obtiver depois de abatidos o preço da aquisição ou o de reposição, guando for superior àquele em mais de 10 por cento, o custo do transporte e quaisquer outros encargos avaliados conforme o prudente arbítrio do julgador, que forem proporcionalmente inerentes ao comércio dos artigos vendidos.
Art. 25.º O crime de especulação será punível nos termos do artigo 21.º
Art. 26.º - 1. E equiparada à tentativa de especulação a existência, para venda, de produtos que, por unidade, devam ter certo peso, quando seja inferior a esse o peso encontrado e deva imputar-se a falta ao vendedor.
2. Quando não tiver havido ânimo de obter lucro ilícito, o facto a que se refere o número anterior constituirá mera contravenção, punível com multa de 200$ a 3.000$.
Art. 27.º - 1. Nos estabelecimentos comerciais ou industriais em que se vendam produtos que devam ter, por unidade, determinado peso é obrigatória a existência de balanças e respectivos pesos.
2. Igual obrigação recai sobre aqueles que façam venda ambulante dos produtos a que se refere o número anterior.
3. A contravenção do disposto neste artigo é punível com multa de 200$ a 000$.
Art. 28.º São consideradas como contravenções, puníveis com a pena de multa de 200$ a 600$, quando não constituam crime de açambarcamento ou especulação:
a) A falta de exposição, nas condições usuais, no estabelecimento do comerciante retalhista dos géneros ou produtos de consumo ou, quando estes possam perigar por esse motivo, a afixação em lugar bem visível de uma relação dos que estiverem â venda;
b) A. falta de afixação nas mesmas condições da relação dos preços constantes de lista publicada no Diário do Governo ou a de afixação de etiquetas nos artigos contrariamente à determinação dos organismos competentes.
Art. 29.º O fabrico, comércio ou existência para comércio de produtos que, salvo os requisitos de sanidade, não satisfaçam as características legais constitui contravenção, punível com multa de 000$ a 3.000$.
Art. 30.º - 1. Aquele que, em prejuízo do abastecimento público, destruir quaisquer produtos ou mercadorias ou lhes der aplicação diferente da normal ou da que for imposta por lei será punido com a pena de multa de 500$ a 20.000$.
2. Quando houver mera negligência, a pena aplicável será a de multa de 200$ a 3.000$.
Art. 31.º - 1. Quando a exportação de mercadorias estiver dependente de licença do Ministério da Economia publicada no Diário do Governou, a exportação não autorizada das mercadorias sujeitas a esse regime é punível com a pena de prisão de três dias a dois anos e multa, sem prejuízo do procedimento a que houver lugar por contrabando; descaminho ou outras infracções de natureza, fiscal.
2. A tentativa, bem como a frustração, da infracção a que se refere este artigo são sempre puníveis.
Art. 32.º Sempre que o Governo ordene a requisição de mercadorias consideradas indispensáveis ao abastecimento das actividades produtoras ou transformadoras ou ao consumo público, a falta de cumprimento dá requisição, nos termos estabelecidos, é punível com prisão de três dias s. seis meses e multa.
Art. 33.º - 1. 0 transporte de mercadorias sujeitas a condicionamento de trânsito sem a apresentação, imediata ou dentro do prazo que razoavelmente for fixado para o efeito, da guia de autorização constitui contravenção, punível com multa de 500$ a 20.000$.
2. São considerados autores da infracção o dono da coisa transportada, aquele que houver ordenado o transporte, e bem assim as pessoas ou empresas que o efectuarem.
Art. 34.º Sempre que certas actividades ou a actividade comercial ou industrial relativa a quaisquer produtos sejam limitadas, por determinação publicada no «Diário do Governo», às pessoas singulares ou colectivas inscritas em determinados organismos, a prática de actos sem a inscrição exigida constitui contravenção, punível com a pena de multa de 500$ a 3.000$.
CAPÍTULO II
Das regras de competência e de processo
Art. 35.º A preparação e julgamento dos processos por infracções a que este decreto se refere competem aos tribunais comuns e são regulados pelo Código de Processo Penai e legislação complementar, salvas as disposições especiais inseridas no presente diploma.
Art. 36.º Sem prejuízo do disposto no Decreto-Lei n.º 35 007, de 13 de Outubro de 1945, competem especialmente à Intendência-Geral dos Abastecimentos, u Inspecção-Geral dos Produtos Agrícolas e Industriais, aos organismos de coordenação económica, em conformidade com a respectiva lei orgânica, e ainda aos organismos corporativos, segundo as regras legais da sua
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própria disciplina, a fiscalização das actividades económicas destinada a impedir a prática ou a promover a repressão dos crimes, e bem assim o exercício da acção penal pelas contravenções previstas neste decreto.
Art. 37.º - 1. Considera-se delegada na Intendência-Geral doa Abastecimentos e na Inspecção-Geral dos Produtos Agrícolas e Industriais a competência para proceder à instrução preparatória dos processos correspondentes a crimes ou contravenções previstos neste diploma, sem prejuízo da respectiva direcção por parte do Ministério Público.
2. Esta competência pode ser subdelegada na Guarda Fiscal, Guarda Nacional Republicana e Polícia de Segurança Pública.
3. A todas aã autoridades cora competência para proceder à instrução preparatória é aplicável o disposto no n.º 1.º do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 35 007, de 13 de Outubro de 1045.
Art. 38.º - 1. As autoridades competentes para proceder à instrução preparatória enviarão imediatamente ao Ministério Público cópia de todos os autos ou denúncias.
2. A remessa será feita directamente para os procuradores da República quando para o julgamento forem competentes os tribunais da Lisboa, Porto ou Coimbra e nos demais casos para o ajudante do procurador da República no círculo judicial a que pertença o tribunal competente.
3. A falta de comunicação ao Ministério Público no prazo de quarenta e oito horas, a contar do levantamento do auto ou da apresentação da denúncia, é punível nos termos do § 2.º do artigo 168.º do Código de Processo Penal.
Art. 39.º Findo o prazo estabelecido no artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 35 007, é lícito ao procurador da República ou seus ajudantes avocar o processo que estiver em poder de qualquer autoridade, para lhe dar o destino legal.
Art. 40.º - 1. Nos casos em que se tenha produzido prova da infracção por exame de laboratório, ao arguido que suão haja requerido segundo exame com base na amostra que ficou em seu poder será lícito requerê-lo em instrução contraditória, quando esta seja admissível.
2. Ao requerimento do exame juntará o arguido a amostra, a qual será devidamente identificada no auto de apresentação que para o efeito deve ser lavrado.
3. A autoridade que tiver ordenado a colheita de amostras ou a cuja ordem tenham ficado as amostras recolhidas será remetida cópia do auto ti que se refere o número anterior, a fim de se pronunciar sobre a identidade da amostra apresentada para segundo exame.
4. O novo exame será efectuado no laboratório oficial designado pelo tribunal, diverso daquele onde se tiver efectuado o primeiro exame, dentro do prazo de vinte dias, a contar da remessa da amostra, acompanhada de cópia do auto de identificação.
5. O segundo exame será recusado sempre que a amostra junta ao requerimento revele sinais de viciação ou de aliteração do sistema de acondicionamento ou de garantia da respectiva autenticidade.
Art. 41.º A apreensão de produtos ou mercadorias pode ter lugar quando necessária à instrução do processo ou à cessação da ilicitude ou ainda nos casos de indícios de infracção capaz de importar a sua perda.
Art. 42.º - 1. Aã mercadorias apreendidas, logo que se tornem desnecessárias para a instrução preparatória, poderão ser vendidas, por ordem do Ministério Público ou da Intendência-Geral dos Abastecimentos, observando-se o disposto nos artigos 884.º e seguintes do Código de Processo Civil, desde que relativamente a elas haja:
a) Risco de deterioração;
b) Conveniência de utilização imediata para satisfação das necessidades de abastecimento da população, da agricultura ou da indústria;
c) Requerimento do dono paira que sejam alienadas.
2. O produto da venda será depositado na Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, à ordem do tribunal, a fim de ser levantado, sem quaisquer encargos, por quem se mostre ter direito a ele ou dar entrada nos cofres do Estado, conforme o resultado do julgamento.
Art. 43.º No caso de serem encontrados em estado de abandono géneros falsificados, avariados, corruptos ou que não possuam os requisitos legais, a entidade instrutora providenciará para que sejam inutilizados, beneficiados ou transformados e, quando possível, postos no comércio, revertendo o rendimento líquido para o Estado.
Art. 44.º - 1. A inutilização, beneficiação ou transformação de produtos ou géneros falsificados, avariados, corruptos ou que não possuam os requisitos lesais não deixarão de ser ordenadas pelo facto de o indiciado ser absolvido ou de a instrução preparatória dever ser arquivada ou ficar aguardando produção de melhor prova, ouvindo-se, quando assim seja, o possuidor ou responsável, por conta de quem correrão os encargos com as diligências a efectuar.
2. Quando o possuidor ou responsável deduza oposição, decidirá o juiz, e, havendo má fé, condenará o oponente em multa de 500$ a favor do Cofre Geral dos Tribunais.
3. As providências a que se refere o n.º l poderão ser ordenadas na pendência do processo quando se verifica que alguma das circunstâncias mencionadas no artigo 42.º, correndo os respectivos encargos por conta do dono ou possuidor, se for ele o requerente, e saindo do valor da mercadoria nos casos restantes.
Art. 45.º Quando o limito máximo da pena de prisão correspondente ao crime cometido não exceda um ano, a forma de processo aplicável será determinada em atenção ao limite mínimo da multa complementar, calculado nos termos dos artigos 6.º e 11.º
Art. 46.º Sempre que seja legalmente exigível a caução destinada a garantir a comparência do arguido, é obrigatória a prestação de caução económica, nos termos do § 1.º do artigo 297.º do Código de Processo Penal.
Art. 47.º - 1. Nos casos de justo receio de insolvência do devedor ou de ocultação de bens e de a multa provável, fixada por prudente arbítrio do juiz, não ser inferior a 10.000$, requererá o Ministério Público, após a pronúncia, ainda que provisória, ou despacho equivalente, o arresto preventivo sobre bens do indiciado, a fim de garantir a responsabilidade pecuniária em que ele possa incorrer.
2. O arresto preventivo pode ainda ser requerido durante a instrução preparatória quando, além dos pressupostos fixados no número anterior, ocorrerem circunstancias anormais que criem uma forte presunção de culpabilidade, como a ausência em parte incerta do arguido, o abandono doa respectivos negócios ou a entrega a ou trem da direcção do giro comercial.
3. Ao arresto, que será processado por apenso, podem ser opostos os meios de defesa previstos no artigo 414.º do Código de Processo Civil, salvo quanto ao facto constitutivo da responsabilidade.
Art. 48.º - 1. A exigência de caução destinada a garantir o pagamento da parte pecuniária da condenação ficará sem efeito ou será convenientemente reduzida quando o arresto assegure, total ou parcialmente, esse pagamento.
2. A caução pode ser voluntariamente prestada, a fim de que o arresto fique sem efeito.
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3. A caução económica requerida antes de efectuado o arresto fará sobrestar na realização deste, depois de a respectiva decisão transitar em julgado.
CAPITULO III
Das disposições gerais e transitórias
Art. 49.º - 1. É extinto o Tribunal Colectivo dos Géneros Alimentícios.
2. Os processos que estiverem pendentes neste Tribunal à data da entrada em vigor do presente diploma serão remetidos para os tribunais que forem competentes segundo a lei geral.
3. Apenas para o efeito de serem tomadas as medidas necessárias ao cumprimento do disposto no número anterior, manter-se-ão por mais trinta dias na comissão de serviço que têm exercido no mesmo Tribunal o juiz presidente e o agente do Ministério Público e continuarão a prestar serviço pelo mesmo prazo os funcionários da sua secretaria.
4. Durante o referido prazo, os magistrados e os funcionários a que se refere o número anterior serão abonados pelas verbas orçamentais inscritas para o efeito.
Art. 50.º - 1. O chefe da secretaria do Tribunal extinto tem preferência na colocação em lugar idêntico dos quadros dos tribunais comuns. Os restantes funcionários têm preferência na colocação em lugares do quadro Ha Inspecção-Geral dos Produtos Agrícolas o Industriais preenchendo as vagas das suas categorias que existirem ou como pessoal além Do quadro até a abertura destas:
2. Todos estes funcionários transitarão para os novos lugares sem perda da antiguidade e mais direitos que tiverem.
Art. 51.º - 1. E criado o lugar de consultor jurídico junto da Inspecção-Geral dos Produtos Agrícolas e Industriais.
2. O agente do Ministério Público do tribunal extinto transitará para o lugar de consultor jurídico junto da Inspecção-Geral dos Produtos Agrícolas e Industriais com o vencimento correspondente à letra F do mapa incluído no artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 26 115, de 23 de Novembro de 1935.
Art. 52.º Os encargos resultantes da execução deste diploma serão suportados no actual ano económico por conta das verbas orçamentadas para despesas com o Tribunal Colectivo dos Géneros Alimentícios e pelas disponibilidades das dotações destinadas a pessoal dos quadros aprovados por lei inscritas nos artigos 94.º e 107.º do capítulo 3.º do orçamento do Ministério da Justiça para 1957.
Art. 53.º Fica revogada por este diploma toda a legislação em contrário, e especialmente: Decreto n.º 8724, de 21 de Março de 1923; Decreto n.º 15 982, de 31 de Agosto de 1928 (artigos 6.º e 8.º); Decreto n.º 20 282, de 31 de Agosto de 1931 (artigos 25.º, 31.º, 32.º, 33.º, 38.º, 40.º a 67.º, inclusive, e 74.º); Decreto-Lei n.º 27 485, de 15 de Janeiro de 1937; Decreto-Lei n.º 29 964, de 10 de Outubro de 1939; Decreto-Lei n.º 31 328, de 21 de Junho de 1941; Decreto-Lei n.º 31 564, de 10 de Outubro de 1941; Decreto-Lei 31 867, de 24 de Janeiro de 1942; Decreto-Lei n.º 32 086, de 15 de Junho de 1942; Decreto-Lei n.º 32 300, de 2 de Outubro de 1942; Decreto-Lei n.º 32 334, de 20 de Outubro de 1942; Decreto-Lei n.º 35 562, de 28 de Março de 1946; Decreto-Lei n.º 35 809, de 16 de Agosto de 1946 (artigos 1.º a 11.º, inclusive, e 20.º e seguintes); Decreto-Lei n.º 36 104, de 18 de Janeiro de 1947; Decreto-Lei n.º 37 047, de 7 de Setembro de 1948 (artigos 40.º e 41.º); Decreto-Lei n.º 40 083, de 10 de Março de 1955 (artigos 2.º, 4.º e 6.º a 8.º).
Palácio de S. Bento, 16 de Janeiro de 1957.
Abílio Lagoas. (Dou o meu voto ao douto parecer que antecede, apenas com as reservas seguintes:
1. Considero altamente inconveniente e inadequada às realidades da vida comercial a manutenção de um único limite de lucro nas vendas por grosso e a retalho. [Artigo 24.º, alínea a), do parecer].
Porque, se há artigos para os quais as margens de 10 ou 15 por cento são vantajosas, outros existem - como sejam os de luxo e os que dependem da moda ou da estação - para os quais essas margens são insuficientes.
Basta comparar, por exemplo, o lucro corrente dos artigos de mercearia com o dos artigos de ourivesaria ou com o de chapéus de senhora, gravatas e outros semelhantes, que têm necessidade, para cobrir o sobrante invendável, de lançar margens de lucro que em muito excedem aquela que se prevê neste projecto.
Por isso voto no sentido de se redigir a citada disposição por forma que, em vez de uma única margem de lucro - que tão inconveniente se tem revelado -, se deixe ao Governo o encargo de quando oportuno, ouvidas as corporações respectivas, fixar e publicar no Diário do Governo as percentagens legítimas de lucro, adequadas às várias categorias de artigos ou ramos de comércio.
2. Considero larga a margem de 10 por cento fixada no n.º 3 da redacção proposta pelo Sr. Relator para o artigo 24.º Esta margem absorve, por completo, quando da reposição, todo o lucro legítimo do armazenista e 2/3 do retalhista, pelo que entendo deve ser alterada para 5 por cento.
3. Dou a minha concordância à extinção do Tribunal dos Géneros Alimentícios, como opina o douto parecer da Câmara. Todavia, na hipótese de o Governo decidir manter o seu inicial propósito, voto no sentido de o segundo vogal ser escolhido entre representantes das corporações.
4. Também voto pela manutenção do capítulo III do projecto. Embora reconheça que seria mau correcto publicar-se um diploma especial para regular esta matéria, não há dúvida de que ela é tão importante e necessária que mais vale essa pequena imperfeição legislativa do que continuarmos, como até aqui, totalmente carecidos de normas disciplinares nas actividades económicas). José Maria Dias Fidalgo. (Discordei e votei contra a supressão do artigo II, com o seguinte fundamento:
A doutrina do artigo II estabelece que «até prova em contrário, aqueles que actuam em nome e por conta de outrem procedem em virtude de instruções recebidas»; deduz-se assim que a prova em contrário terá de ser feita pelo proprietário da
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firma ou gerente à face do pacto social. Suprimido o artigo n, recai a matéria de prova, por força do artigo m, sobre aqueles que actuam sob mandato. Assim, enquanto que para a entidade patronal a prova em contrário seria relativamente fácil, dados os meios morais e materiais de que dispõe, para os empregados torna-se muito difícil, se não impossível, considerando que esta só poderá ser feita através de testemunho, e mesmo que a ordem tenha sido dada perante os restantes empregados, se os houver, estes vêem-se na contingência de não poder depor contra a firma, sob pena de perda do lugar ou, o que é mais grave, de as informações prestadas pelos patrões aos seus colegas lhes dificultarem a colocação noutra firma.
Evidentemente que quero aludir àquela entidade patronal adventícia, oportunista, que visa unicamente explorar cobre todos os meios e aspectos, e não àquele comerciante profissional, probo e digno; para estes o problema não existe, considerando que o empregado é por eles orientado de acordo com a sua maneira de ser e de agir e quando este uno corresponda não fica ao seu serviço.
Dado o exposto, entendo que com a eliminação do artigo II se vai colocar na mão do comerciante menos honesto um elemento de fuga para os seus desígnios malformados, criando assim ambiente mais amplo aos seus propósitos condenáveis, o que se pretende evitar com a publicação do presente diploma).
Manuel Alberto Andrade e Sousa.
José Gabriel Pinto Coelho.
Adelino da Palma Carlos.
António Carlos de Sousa.
Ezequiel de Campos.
Fernando Emggdio da Silva.
Rafael da Silva Neves Duque.
Alberto Ventura da Silva Pinto.
-(Preconizo a revogação do disposto nos artigos 5.º a 8.º do Decreto-Lei n.º 40 083, de 10 de Março de 1955, mantendo-se o restante articulado, o que parece estar no espírito do projecto de decreto-lei apresentado pelo Governo).
Artur Elviro de Moura Coutinho de Almeida de Eça.
Fernando Carlos da Costa.
Francisco Pereira da Fonseca.
João de Figueiredo Cabral de Mascurenhas.
José Caeiro da Matta.
Luís Supico Pinto.
Manuel Duarte Gomes da Silva.
José Augusto Voz Pinto, relator.
Reuniões da Câmara Corporativa no mês de Janeiro de 1957
Dia 3. - Projecto de proposta de lei sobre o Instituto Nacional de Sangue.
Secção consultada: Interesses de ordem administrativa (subsecção de Política e administração geral).
Presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara Corporativa.
Presentes os Dignos Procuradores: José Pires Cardoso, Manuel Duarte Gomes da Silva e, agregados, Amândio Joaquim Tavares, Fernando Prata Rebelo de Lima, Joaquim de Sousa Uva, Jorge Augusto da Silva Horta, José de Sousa Machado Fontes e Reinaldo dos Santos.
Escolha de relator.
Dia II. - Proposta de lei sobre o Instituto Nacional de Investigação, Tecnologia e Economia Industrial.
Secção consultada: Interesses de ordem administrativa (subsecção de Finanças e economia geral).
Presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara Corporativa.
Presentes os Dignos Procuradores:
António Carlos de Sousa,
Rafael da Silva Neves Duque e, agregados,
Amândio Joaquim Tavares,
António Trigo de Morais,
Carlos Garcia Alves,
Francisco José Vieira Machado,
Frederico Gorjão Henriques,
João António Simões de Almeida,
João Baptista de Araújo,
João Osório da Bocha e Melo,
João Ubach Chaves,
José António Ferreira Barbosa,
José Frederico do Casal Ribeiro Ulrich,
José do Nascimento Ferreira Dias Júnior,
José Pires Cardoso,
José de Queirós Vaz Guedes,
Luís Supico Pinto,
Manuel Lopes Peixoto,
Ramiro da Costa Cabral Nunes de Sobral e
Vasco Lopes Alves.
Consulta do Sr. Relator à secção.
Dia 14. - Projecto de decreto-lei sobre delitos contra a saúde pública e a economia nacional.
Secções consultadas: Comércio, crédito e previdência (subsecção de Actividades comerciais não diferenciadas) e Interesses de ordem administrativa (subsecções de Justiça b Finanças e economia geral).
Presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara Corporativa.
Presentes os Dignos Procuradores:
Manuel Alberto Andrade e Sousa,
Abílio Lagoas,
José Maria Dias Fidalgo,
José Augusto Vaz Pinto,
José Gabriel Pinto Coelho,
Adelino da Palma Carlos,
António Carlos de Coelho,
Adelino da Palma Carlos,
António Carlos de Sousa,
Ezequiel de Campos,
Fernando Emídio da Silva,
Rafael da Silva Neves Duque e, agregados,
Alberto Ventura da Silva Pinto,
António Ferreira da Silva e Sá,
Artur Elviro de Moura Coutinho de Almeida de Eça,
Fernando Carlos da Costa,
Francisco Pereira da Fonseca,
João de Figueiredo Cabral de Mascarenhas,
Jorge Augusto da Silva Horta,
Luís Supico Pinto e
Manuel Duarte Gomes da Silva.
Início da discussão do projecto de parecer.
Dia 15. - Projecto de decreto-lei sobre delitos contra a saúde pública e a economia nacional.
Secções consultadas: Comércio, crédito e previdência (subsecção de Actividades comerciais não diferenciadas) e Interesses de ordem administrativa (subsecções de Justiça e Finanças e economia geral).
Presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara Corporativa.
Presentes os Dignos Procuradores:
Manuel Alberto Andrade e Sousa,
Abílio Lagoas,
José Maria Dias Fidalgo,
José Augusto Vaz Pinto,
José Gabriel Pinto
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Coelho, Adelino da Palma Carlos, António Carlos de Sousa, Rafael da Silva Neves Duque e, agregados, Alberto Ventura da Silva Finto, Artur Elviro de Moura Coutinho de Almeida de Eça, Fernando Carlos da Costa, Francisco Pereira da Fonseca, João de Figueiredo Cabral de Mascarenhas e Manuel Duarte Gomes da Silva.
Discussão do projecto de parecer.
Dia 16. - Projecto de decreto-lei sobre delitos contra a saúde pública e a economia nacional.
Secções consultadas: Comércio, crédito e previdência (subsecção de Actividades comerciais não diferenciadas) e Interesses de ordem administrativa (subsecções
de Justiça e Finanças e economia geral).
Presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara Corporativa.
Presentes os Dignos Procuradores:
Manuel Alberto Andrade e Sousa, Abílio Lagoas, José Augusto Vaz Pinto, José Gabriel Pinto Coelho, Fernando Emídio da Silva, Rafael da Silva Neves Duque e, agregados, Alberto Ventura da Silva Pinto, Artur Elviro de Moura Coutinho de Almeida de Eça, Fernando Carlos da Costa, Francisco Pereira da Fonseca,
João de Figueiredo Cabral de Mascarenhas, José Caeiro da Mata,
Luís Supico Pinto e Manuel Duarte Gomes da Silva.
Final da discussão do projecto de parecer.
Foi aprovado.
Dia 17. - Proposta de lei sobre o Instituto Nacional de Investigação, Tecnologia e Economia Industrial.
Secção consultada: Interesses de ordem administrativa (subsecção de Finanças e economia geral).
Presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara Corporativa.
Presentes os Dignos Procuradores:
Ezequiel de Campos, Fernando Emídio da Silva, Rafael da Silva Neves Duque e, agregados, Adolfo Alves Pereira de Andrade, Amândio Joaquim Tavares, António Trigo de Morais, Carlos Garcia Alves, Francisco José Vieira Machado, Isidoro Augusto Farinas de Almeida, João António Simões de Almeida, João Baptista de Araújo, João Osório da Rocha e Melo, João Ubach Chaves, José António Ferreira Barbosa, José Frederico do Casal Ribeiro Ulrich, José do Nascimento Ferreira Dias Júnior, José de Queirós Vaz Guedes, Luís Supico Pinto, Manuel Lopes Peixoto e Vasco Lopes Alves.
Discussão do projecto de parecer.
Foi aprovado.
Dia 18. - Conselho da Presidência.
Presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara Corporativa.
Presentes os Dignos Procuradores assessores:
José do Nascimento Ferreira Dias Júnior, António Trigo de Morais, Fernando Quintanilha e Mendonça Dias, Francisco José Vieira Machado, José Gabriel Pinto Coelho, José Penalva Franco Frazão, Luís Filipe Leite Pinto, Luís Quartin Graça, Rafael da Silva Neves Duque, Vasco Lopes Alves e, secretário, Manuel Alberto Andrade e Sousa.
Distribuição das propostas de lei sobre federações de Casas do Povo, regime jurídico das obras de fomento hidroagrícola e actividades circum-escolares.
Dia 22. - Proposta de lei sobre regime jurídico das obras de fomento hidroagrícola.
Secção consultada: Interesses de ordem administrativa (subsecções de Justiça, Obras públicas e comunicações e Finanças e economia geral).
Presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara Corporativa.
Presentes os Dignos Procuradores:
Inocêncio Galvão Teles, José Augusto Vaz Pinto, José Gabriel Pinto Coelho, Adelino da Palma Carlos, António Carlos de Sousa, Ezequiel de Campos, Rafael da Silva Neves Duque e, agregados, António da Cruz Vieira e Brito, António Trigo de Morais,José Carlos Casqueiro Belo de Morais, José Penalva Franco Frazão e Luís Quartin Graça.
Escolha de relator.
Dia 22. - Proposta de lei sobre federações de Casas do Povo.
Secção consultada: Interesses de ordem administrativa (subsecção de Política e administração geral).
Presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara Corporativa.
Presentes os Dignos Procuradores:
Afonso Rodrigues Queiró, Guilherme Braga da Cruz, José Pires Cardoso, Luís Supico Pinto, Manuel Duarte Gomes da Silva e, agregados António Monteiro de Albuquerque, Fernando Pais de Almeida e Silva, Francisco de Barros, José Gonçalves de Araújo Novo, José Rino de Avelar Fróis, Luís Manuel Fragoso Fernandes, Orlando Ferreira Gonçalves, Patrício de Sousa Cecílio e Quirino dos Santos Mealha.
Escolha de relator.
Dia 23. - Projecto de decreto-lei introduzindo alterações na Lei n.º 2030.
Secção consultada: Interesses de ordem administrativa (subsecções de Política e administração geral e Justiça).
Presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara Corporativa.
Presentes os Dignos Procuradores:
Guilherme Braga da Cruz, José Pires Cardoso, Manuel Duarte Gomes da Silva, Inocêncio Galvão Teles, José Augusto Vaz Pinto, José Gabriel Pinto Coelho e, agregado, Álvaro Salvação Barreto.
Consulta do Sr. Relator à secção.
Dia 24. - Proposta de lei sobre actividades circum-escolares.
Secção consultada: Interesses de ordem cultural (subsecção de Ciências e letras).
Presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara Corporativa.
Presentes os Dignos Procuradores:
Amândio Joaquim Tavares, Júlio Dantas, Adriano Gonçalves da Cunha e, agregados, Afonso Rodrigues Queiró, Carlos Afonso de Azevedo Cruz de Chaby,
Celestino Marques Pereira, Fernando Prata Rebelo de Lima, Guilherme Braga da Cruz, Inocêncio Galvão Teles, João António Simões de Almeida, José Gabriel Pinto Coelho, José do Nascimento Ferreira Dias Júnior, José Pires Cardoso,
Luís Filipe Leite Pinto e Manuel Duarte Gomes da Silva.
Escolha de relator.
O REDACTOR - M. A. Ortigão de Oliveira.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA