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REPÚBLICA PORTUGUESA

ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA

N.º 107 VI LEGISLATURA 1957 6 DE MARÇO

PARECER N.º 47/VI

Projecto de decreto-lei n.º 519

Alterações a introduzir na Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 105.º da Constituição, acerca do projecto de decreto-lei n.º 519, elaborado pelo Governo sobre as alterações a introduzir na Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948, emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecções de Política e administração geral e Justiça), à qual foram agregados os Dignos Procuradores Álvaro Salvação Barreto e José Albino Machado Vaz, sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:

I
Apreciação na generalidade

1. A Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948, admitiu, no seu artigo 69.º, alínea c), um novo fundamento de despejo, consistente em o senhorio se propor fazer obras destinadas a possibilitar o aumento do número de arrendatários.
Trata-se, na verdade, de um fundamento novo no nosso Direito, visto que antes da referida lei não era facultado ao senhorio despejar o arrendatário ou arrendatários para o indicado fim.
Sem dúvida, os inquilinos já se encontravam de há muito, pode dizer-se que desde sempre, sujeitos a ser despejados para o efeito de realização de obras. Mas esse fundamento era diverso do estabelecido pela Lei n.º 2030 e, aliás, ainda persiste, como não podia deixar de persistir, com autonomia, à margem da citada lei. Referimo-nos ao despejo imposto pela necessidade de fazer obras destinadas à conservação do edifício arrendado. Já as Ordenações contemplavam esta hipótese, permitindo ao senhor da casa lançar fora dela o alugador para a «renovar ou repairar de adubios necessários» (Ordenações Filipinas, livro IV, título XXIV). E a mesma hipótese está hoje regulada no artigo 21.º, n.º 3.º, do Decreto n.º 5411, de 17 de Abril de 1919, no artigo 51.º, n.os 18.º e 19.º, do Código Administrativo, e no artigo 167.º do Regulamento Geral das Edificações urbanas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 38 382, de 7 de Agosto de 1951.
Diferente é o alcance da acima mencionada alínea c) do artigo 69.º da Lei n.º 2030, pois a sua aplicabilidade não depende da necessidade de trabalhos de conservação do prédio, não visa possibilitar a realização desses trabalhos, mas antes a de obras tendentes a permitir o acréscimo do número de arrendatários.
Vem isto a propósito, para acentuar a novidade da doutrina consagrada naquela alínea, como determinação legislativa sem precedentes entre nós.
Dada esta circunstância, é realmente de aconselhar que, decorridos mais de oito anos sobre o começo da vigência dessa doutrina legal, se procure fazer a apreciação crítica das suas vantagens e desvantagens, tomando relativamente ao problema uma posição esclarecida por experiência que em 1948 ainda não existia.

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é dentro desta ordem de ideias que se integra o projecto de decreto-lei n.º 519, submetido pelo Governo ao parecer da Câmara Corporativa.
2. Entende esta Câmara que o aludido projecto é de aplaudir, na medida em que exprime, como orientação geral, a de não abolir o fundamento de despejo em referência, mas rodeando-o de novas cautelas tendentes a assegurar, em termos efectivos e suficientemente relevantes, o verdadeiro fim da lei e tendentes outrossim a conciliar equilibradamente os interesses de senhorios e arrendatários.
A supressão pura e simples da inovação introduzida pela Lei n.º 2030 não se justificaria.
Essa inovação, com efeito, oferece apreciáveis vantagens de ordem social, económica e estética.
Por um lado - e - é esta a sua finalidade primacial - ela permite aumentar o número dos locais arrendados ou arrendáveis, intensificando assim as possibilidades de alojamento, como é altamente desejável, dado o crescimento do população e sua afluência aos centros urbanos e o progressivo alargamento das actividades económicas e sociais.
Por outro lado, a providência legislativa a que nos estamos reportando faculta um melhor aproveitamento económico dos terrenos sitos em áreas urbanizadas, pois consente que esses terrenos sejam utilizados de modo mais intenso e completo, dentro da função própria das referidas áreas, pela construção de edifícios novos ou pela ampliação dos já existentes.
Por último, a mesma providência serve importantes fins de estética e ainda de higiene e comodidade, visto que, ao mesmo tempo que possibilita o acréscimo de número dos locais arrendados ou arrendáveis, poderá consentir mais perfeito arranjo urbanístico e o melhoramento dos condições desses locais na proporção em que se torne necessário.
Certamente em atenção a estas razões, outras legislações têm enveredado por igual caminho, autorizando do mesmo modo o despejo dos arrendatários, em vista à possibilidade de aumento do seu número, através , da realização de obras. Podem citar-se nesse sentido as legislações francesa 1 e espanhola 2.
3. Todavia, como também se acentua no relatório do projecto sob apreciação, a experiência da aplicação da Lei n.º 2030 neste capítulo tem evidenciado a existência de inconvenientes que cumpre combater ou suprimir, mediante a introdução de modificações nos seus preceitos. A isso visa o mencionado projecto.
É de notar no entanto, e desde já, que a reforma aí gizada teria carácter limitado e provisório. Essa reforma, com efeito, seria restrita aos arrendamentos para habitação em Lisboa e Porto e destinar-se-ia a vigorar tão-sòmente enquanto se não facultar ao senhorio a avaliação fiscal para correcção do rendimento inscrito na matriz (projecto do Decreto-Lei n.º 519; artigo 1.º).
Pensa a Câmara Corporativa que a reforma a empreender deve revestir amplitude maior, desprendendo-se das restrições, de objecto e tempo, a que aparece vinculada no projecto do Governo. Deve ampliar-se a todos os arrendamentos e ser concebida como uma reforma de índole permanente (na medida em que, claro está, o podem ser as reformas legislativas), sem subordinação ao termo marcado pela outorga, aos senhorios, da possibilidade de avaliação para actualização das rendas nos arrendamentos habitacionais de Lisboa e Porto.
Sem dúvida, nesses arrendamentos o problema apresenta maior acuidade. Quanto a eles, a Lei n.º 2030, no seu artigo 48.º, limitou-se a prever a publicação de uma lei que permitisse actualizar as rendas através de avaliação requerida pelos senhorios. Essa lei, porém, não foi publicada até hoje, e o fenómeno da desactualização das rendas nos referidos arrendamentos mantém-se em larga escala e vai-se mesmo acentuando cada vez mais. Daí resulta que muitas vezes os senhorios, têm utilizado a faculdade consignada na alínea c) do artigo 69.º da Lei n.º 2030, não tanto para atingirem o objectivo, que legalmente a inspira e justifica, de aumento do número de arrendatários, como sobretudo para se libertarem de arrendatários antigos ou das rendas desactualizadas por eles pagas. O que representa um claro desvio do fim legal, desvio aliás facilitado, até aqui pela insuficiência, que a experiência veio revelar, das cautelas destinadas a assegurar a consecução desse fim e a defesa dos interesses dos arrendatários. Nisso está a maior gravidade do problema quanto aos arrendamentos para habitação em Lisboa e Porto.
Essa maior gravidade, como muitos outros males que se manifestam nas relações entre senhorios e inquilinos, desapareceria com a publicação da lei anunciada pelo artigo 48.º da Lei n.º 2030, ou seja, mediante a aplicação de um sistema que permitisse a actualização das rendas, nos arrendamentos a que o mesmo artigo se refere, embora em termos muito suaves e graduais, destinados a evitar abalos perturbadores. Claro que, em contrapartida, se deveria intensificar uma política de barateamento das rendas, livres, tanto mais que a desactualização das rendas antigas se torna particularmente flagrante pelo contraste com o exagero de muitas rendas, novas. O problema tem de ser visto no seu conjunto.
Mas, constitucionalmente; compete a esta Câmara cingir-se à matéria do projecto em estudo e por isso não lhe cabe, neste momento, desenvolver as considerações que acaba de enunciar.
E seu desejo, apenas, pôr em evidência que a projectada reforma pode e deve conceber-se sem ligação específica com os arrendamentos habitacionais das duas principais cidades do País. Essa reforma não deve ser arquitectada como instrumento de protecção de rendas, desactualizadas - o que, em vista do exposto, se não justificaria -, mas sim como instrumento de protecção da estabilidade do arrendamento. Olhada a reforma a esta luz, ela deve, designadamente, estender-se ao inquilinato comercial. Como se vê do projecto e do que mais adiante se dirá, procura-se, entre outras coisas, dar aos inquilinos possibilidades efectivas de regresso ao prédio depois das obras. Ora, mais do que aos inquilinos habitacionais, interessam essas possibilidades aos inquilinos comerciais, para quem desempenha papel de decisiva importância o local, como centro de atracção e fixação da clientela.
4. De todo o exposto resulta a conveniência de imprimir carácter geral à reforma, institucionalizando-a como um elemento de defesa da estabilidade do arrendamento, seja qual for a natureza deste, e na medida em que essa defesa se mostre compatível com a finalidade do fundamenta de despejo em causa.
Por outro lado, a reforma não deve limitar-se apenas ao que consta do projecto governamental. Nesse projecto regulam-se alguns aspectos de primordial importância, introduzindo-se quanto a eles inovações que podem perfeitamente integrar-se, dum modo geral, na ordem de ideias que acabamos de expor. Mas há ainda outros aspectos a acautelar, para cabalmente se atingirem os fins prosseguidos.

1 Lei de 31 de Dezembro de 1937, artigo 12.º
2 lei de 21 de Abril de 1958, artigo n.º 2.º, e 78.º e seguintes.

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Verdadeiramente, esses fins só poderão alcançar-se tomando a matéria no seu conjunto e sujeitando-a a uma nova regulamentação unitária. Há que instituir, em substituição do antigo, um novo sistema que permita corrigir as deficiências e preencher as lacunas do primeiro e que através dos seus preceitos, devidamente coordenados, proporcione as necessárias garantias. É esse sistema que a Câmara Corporativa se propõe elaborar, sugerindo para isso o texto que consta das conclusões do presente parecer. Como se verificará, os vários elementos que o formam estão estreitamente concatenados entre si, em lógica articulação, destinada possibilitar a consecução dos desideratos em vista. Cada um dos preceitos propostos tem, pode dizer-se, ligação com todos os demais, numa interdependência que os torna reciprocamente solidários.
5. O referido texto é dominado pelas seguintes directrizes principais, mero desenvolvimento da orientação s que obedece o projecto governamental:
a) Deve-se assegurar, como mínimo, um aumento relativamente substancial do número de arrendatários. Doutro modo o interesse público representado por esse aumento não ofereceria consistência bastante para justificar o sacrifício do interesse, que pode igualmente qualificar-se como público, da estabilidade do arrendamento.
b) Deve-se assegurar uma correspondência aproximada entre os locais destinados aos antigos inquilinos, no edifício remodelado ou construído de novo, e os que eles ocupavam antes do despejo. A lei já hoje reconhece o direito de reocupação. Mas esse direito mão faz sentido, não tem verdadeiro conteúdo, desde que se não exija, pelo menos, certa, correspondência entre o local que o inquilino ocupava no prédio demolido ou alterado e o que é posto à sua disposição depois das obras.
c) Deve-se assegurar ao arrendatário a possibilidade de exercício efectivo do aludido direito. Para se reconhecer quanto é precária, neste ponto, a regulamentação vigente, basta evidenciar que o inquilino que queira usar desse direito tem para isso de notificar o senhorio no prazo de quinze dias, a contar da data da licença camarária de ocupação. Licença que é requerida pelo senhorio e a ele passada e de que se não manda, sequer, dar conhecimento oficial ao inquilino.
d) Deve-se, dum modo geral, estabelecer uma regulamentação que procure conciliar equitativamente os interesses dos senhorios e os dos arrendatários. Cumpre, na verdade, dar legítima satisfação a essas duas ordens de interesses, em conformidade com as exigências da justiça, e dentro do condicionalismo marcado pelas directrizes precedentemente formuladas.
Tais são, em resumo, as linhas de orientação a que esta Câmara entende dever subordinar-se a reforma legislativa em estudo. É em obediência a esse espírito geral que se encontra concebido o texto adiante inserto, cujas principais disposições serão directa e concretamente justificadas no exame na especialidade que se passa agora a fazer.
Nesse exame seguir-se-á a ordem do texto sugerido pela Câmara, mais extenso que o projecto do Governo. Quando se cite algum preceito, sem outra indicação, deve entender-se que respeita aquele texto.

I

Exame na especialidade

ARTIGO 1.º
6. O artigo 1.º do texto da Câmara enuncia o princípio, que vem da Lei n.º 2030, da admissibilidade de despejo para o efeito de execução de obras tendentes a permitir o aumento do número de arrendatários.
Na linguagem empregada, e em harmonia com a nomenclatura do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, distingue-se o caso de mera ampliação e o de alteração do edifício. Esta distinção, que não se encontra expressa na Lei n.º 2030, reveste-se de importância, porque se lhe faz correspondente diversidade de regimes jurídicos, como se verá.
De resto, os conceitos de ampliação e alteração tem o seu quê de relativo. O mesmo edifício pode ser apenas ampliado em relação a algum ou alguns inquilinos e alterado em relação aos demais. Assim sucederá se as obras modificarem os locais ocupados por estes últimos, mas não os ocupados pelos primeiros.
Suponha-se por exemplo que existe um edifício com quatro andares e águas-furtadas e que o senhorio pretende conservar intactos os quatro andares e acrescentar outros quatro, com supressão das águas-furtadas. As obras a efectuar modificam este último local, mas não os demais. O inquilino das águas-furtadas ficará sujeito ao regime estabelecido para a alteração do edifício ; os restantes inquilinos, ao regime estabelecido para a ampliação do mesmo.
Daí a fórmula do § 2.º do artigo 1.º

ARTIGO 2.º
7. O artigo 2.º visa definir o campo de aplicação do fundamento de despejo admitido no artigo 1.º
Como se vê do aí disposto, esse fundamento é aplicável aos arrendamentos para habitação, comércio, indústria ou profissão liberal, mas com uma restrição, relativa às casas de saúde e aos colégios e escolas.
As casas de saúde e os colégios e escolas, estes últimos quando tenham internato ou semi-internato, figuram na Relação Geral das Indústrias e portanto estão sujeitos a contribuição industrial.
Essa circunstância submete-os ao regime jurídico do arrendamento para indústria (Decreto n.º 5411, de 17 de Abril de 1919, artigo 62.º, § único).
Mas, apesar disso, não parece razoável que possam ser atingidos pelo fundamento de despejo em estudo, dados os fins que visam e a grave perturbação que para a realização dos mesmos representaria a aplicação daquele fundamento.

ARTIGO 3.º
8. O artigo 3.º enuncia os requisitos que se devem cumular para que possa ser decretado o despejo. Esses requisitos são em número de três. É necessário:
1.º Que o número dos locais arrendados ou arrendáveis aumente num mínimo de metade, mas nunca para menos de sete, quando seja inferior;
2.º Que o novo edifício ou o edifício alterado contenham locais destinados aos antigos inquilinos e que esses locais, devidamente assinalados no projecto aprovado pela Câmara Municipal, correspondam aproximadamente aos que os mesmos inquilinos ocupavam antes do despejo;
3.º Que se mostre verificada a impossibilidade de o inquilino ou inquilinos continuarem no edi-

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fício, quando este não seja demolido e substituído por outro, mas apenas ampliado ou alterado.
Este último requisito já consta da lei vigente e por isso nada diremos a seu respeito [Lei n.º 2030, artigo 69.º, alínea c), n.º 1.º].
9. A exigência de um aumento mínimo de locais não é formulada pela Lei n.º 2030.
Essa exigência consta, porém, do projecto governamental sob apreciação, o qual no seu artigo 1.º fixa aquele mínimo em um terço, à semelhança da lei espanhola de 21 de Abril de 1956 (artigo 62.º, n.º 2.º). Segundo aquele projecto, e sob este aspecto, seria necessário e suficiente, para a admissibilidade do despejo, que o número dos arrendatários pudesse passar a ser, depois das obras, superior em um terço, relativamente ao que era antes delas.
Gomo já resulta do exposto na apreciação na generalidade, esta Câmara aplaude inteiramente a orientação que consiste em exigir um mínimo de aumento das unidades locativas. Só quando esse aumento atinja um certo mínimo se justifica, à luz do interesse público, a perturbação que representa, para a estabilidade do arrendamento, o despejo (ainda que acompanhado da faculdade, que se procura agora tornar efectiva, de reocupação). Não faz sentido, por exemplo, causar apreciável incómodo a várias famílias para só dar guarida a mais uma ou duas.
Mas esta Câmara pensa que o mínimo proposto pelo projecto governamental ainda é insuficiente.
Por um lado, deve estabelecer-se um mínimo fixo, independente de qualquer relação de proporcionalidade com o número anterior de unidades. Quer-se intensificar o aproveitamento económico do terreno e por isso é razoável que esse aproveitamento não fique abaixo de certa medida. No texto da Câmara sugere-se como mínimo fixo o número de sete (e não número mais elevado, atendendo sobretudo ao condicionalismo urbanístico de certas áreas).
For outro lado, o mínimo variável, segundo uma relação de proporcionalidade, não deve ser apenas de um terço, mas de metade. Um terço ainda seria pouco. Metade, sem impossibilitar na generalidade das hipóteses a consecução do fim de utilidade geral que se tem em vista, dá satisfação mais completa a esse fim.
Os dois mínimos têm de se verificar cumulativamente. Da sua aplicação conjugada resulta que nunca haverá um acréscimo inferior a três unidades. O aumento será, pelo menos, de um, dois, três ou quatro para sete; de cinco para oito; de seis para nove; de sete para onze; de oito para doze, e assim sucessivamente.
10. A Lei n.º 2030 dá ao inquilino despejado o direito de «ocupar a parte do novo prédio que substituir a que anteriormente ocupava». Mas aquela lei não exige qualquer correspondência entre o novo local e o antigo. Assim o têm decidido os tribunais 1.
Semelhante sistema não se justifica. O direito do inquilino de reocupar o edifício ampliado ou alterado, ou de ocupar o edifício construído de novo, só possui verdadeiro conteúdo desde que haja equivalência entre o local que ele deixou, compelido pelo despejo, e o que é agora posto à sua disposição. Não faria sentido oferecer três divisões a uma família que dispunha de quinze, ou proporcionar um cubículo ao comerciante que fruía amplo armazém. Estas hipóteses, figuradas propositadamente com certo carácter de extremismo, servem para ilustrar bem a necessidade de um requisito fundamental, omisso na Lei n.º 2030.
Procurando suprir essa lacuna, o projecto governamental declara, no seu artigo 1.º, só poder ser exercido o direito ao despejo «quando o novo ou novos edifícios contiverem, destinadas aos antigos locatários, habitações com áreas não inferiores a três quartas partes das anteriores, com as mesmas divisões e de situação e altura análogas» 1.
A Câmara Corporativa, como decorre das precedentes considerações, da o seu inteiro apoio à orientação geral que esta exigência exprime. Mas pensa que essa orientação não deve aparecer concretizada legislativamente num critério rígido, como o enunciado no projecto. Esse critério tornaria praticamente impossível em muitos casos, sem justificação suficiente, a realização das obras e a inerente consecução do fim de utilidade geral prosseguido pelo legislador. Não é possível enunciar, no plano abstracto da lei, índices susceptíveis de se adaptarem neste capítulo, de forma justa e conveniente, a toda a extrema variedade das hipóteses reais.
Por isso a solução naturalmente indicada consiste em formular, como directriz legislativa, a necessidade de correspondência aproximada entre os novos locais e os antigos e em deixar ao tribunal a aplicação dessa directriz. Ao tribunal caberá decidir em cada caso, segundo as circunstâncias e de harmonia com o seu prudente critério, se se verifica ou não o requisito expresso sob aquela fórmula.
Tal é o sistema proposto no texto da Câmara (artigo 3.º, n.º 2.º e § 1.º).
11. Observe-se por último, ainda com referência ao artigo 3.º, que no seu § 3.º se requer a mesma correspondência aproximada quando as obras possam ser efectuadas sem despejo do inquilino, mas com alteração do local por ele ocupado.
Supõe-se nesse § 3.º que as obras modificam este local, mas não de molde a o inquilino ter de o desocupar. As obras, por exemplo, só atingem dependências anexas, em termos tais que a Câmara Municipal, com base na vistoria efectuada, entende não ser necessário o despejo. Este não se efectuará.
No entanto o local em referência sofre modificação, se bem que parcial, e por isso é razoável exigir, também aqui, que ele depois das obras fique correspondendo aproximadamente ao que era antes delas - sempre segundo o prudente critério do tribunal.
É esse o objectivo do citado § 3."

ARTIGO 4.º
12. O artigo 4.º contém, do mesmo modo, algumas inovações relativamente à doutrina da Lei n.º 2030. Essas inovações são as seguintes:
a) Em primeiro lugar, fixa-se como indemnização pela suspensão do arrendamento uma quantia certa, antecipadamente conhecida, e faz-se variar esta indemnização conforme se trata de arrendamento para habitação ou de arrendamento para comércio, indústria ou profissão liberal (à semelhança do que já hoje acontece com a indemnização devida em caso de resolução do arrendamento).

1 - Vejam-se, por exemplo, os Acórdãos da Relação de Lisboa do 26 de Janeiro de 1952, de 3 de Maio de 1952 e de 4 de Junho de 1952, o da Relação do Porto de 11 de Maio de 1955 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 32, p. 276; n.º 33, .p. 237; n.º 34, p. 365; n.º 53, p. 344).

1 - O projecto fala de «habitações» na lógica da premissa, em que assenta, da sua exclusiva aplicabilidade aos arrendamentos para habitação em Lisboa e Porto.

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Assim, o arrendatário que é despejado, mas que se reserva o direito de reocupação, sabe desde logo a indemnização que tem a receber; e recebe-a mesmo, em parte, antes da desocupação e; em parte, no momento desta (artigo 9.º e artigo 10.º, § 2.º).
Essa indemnização aliás constitui um mínimo, sempre devido qualquer que seja o tempo de desocupação, como modo de cobrir os prejuízos por esta causados. Mas, se a desocupação se prolongar para além de doze meses, haverá que satisfazer um complemento de indemnização, em conformidade com o disposto no artigo 13.º
b) Em segundo lugar, reconhece-se não serem sempre suficientes as indemnizações hoje concedidas aos arrendatários, quer em caso de mera suspensão, quer em caso de resolução do arrendamento; nem equitativo n modo simplista de as calcular.
Por isso sugere-se a elevação dessas indemnizações, embora em termos de modo algum incomportáveis e mediante a aplicação de um factor que as torne progressivamente maiores em função da antiguidade dos arrendamentos.
Deste modo, os montantes determinados segundo o critério geral já hoje adoptado (certo múltiplo da renda anual) serão acrescidos de um vigésimo por cada ano completo de vigência do arrendamento, até um limite de vinte anos: § 3.º do artigo 4.º
Conforme já atrás se disse, a Câmara Corporativa concebe a reforma em estudo como um instrumento de protecção da estabilidade do arrendamento. Dentro deste espírito geral entende ser justo intensificar, até certo ponto, essa protecção em harmónia com a maior antiguidade do arrendamento, fazendo-a reflectir no quantitativo da indemnização a receber.
13. O projecto governamental no seu artigo 3.º prevê a hipótese de o inquilino querer «ocupar no novo prédio uma habitação diferente da que lhe era destinada segundo o estabelecido no artigo 1.º».
No texto sugerido pela Câmara Corporativa nada se diz sobre essa hipótese, porque se pensa não haver que contemplá-la.
O inquilino despejado pode realmente, se assim lhe aprouver, ocupar o novo edifício ou reocupar o antigo depois das obras.
Mas só tem direito à ocupação ou reocupação do local que lhe compete. Esse local é o que já constituía abjecto do seu arrendamento, se o edifício apenas foi ampliado; nas outras hipóteses é o que se reconhece corresponder, de harmonia com o projecto das obras, ao que lhe estava arrendado antes destas.
O inquilino nau pode arrogar-se a faculdade de ocupar local diverso. Se quer fazê-lo, apresenta-se perante o proprietário do prédio como qualquer terceiro, e só pode consegui-lo mediante novo contrato, livremente acordado, nos termos gerais, e sem prejuízo, claro está, dos direitos dos outros inquilinos.
14. Dado o novo sistema geral adoptado, não se vê necessidade de manter o regime especial contido na Lei n.º 2030 para os casos de «habitação com renda mensal inferior a 50$».
O acréscimo da indemnização decretado no § 3.º do artigo 4.º conduzirá em muitas hipóteses a uma indemnização igual à prescrita na Lei n.º 2030 para esses arrendatários. Por outro lado, procura-se agora assegurar a todos os inquilinos, e portanto também a estes, a possibilidade efectiva de ocupação de um local correspondente ao que antes possuíam.
Note-se ainda que a Lei n.º 2030 levava ao seguinte resultado inaceitável: de dois inquilinos habitacionais, um com renda de 40$ e o outro com renda de 50$, o
primeiro receberia praticamente o dobro da indemnização devida ao segundo. Pois o primeiro beneficiaria do regime especial daquela lei instituído para o caso de renda inferior a 50$, e o segundo não.

ARTIGO 5.º
15. O artigo 5.º regula o aspecto das rendas a pagar pelos inquilinos despejados que queiram instalar-se no edifício novo ou regressar ao edifício antigo após as obras.
Se estas se limitaram à ampliarão do prédio, continuará em vigor a renda que era devida ao tempo do despejo. O local que o inquilino ocupava não sofreu qualquer modificação; o inquilino deixou-o, apenas em razão da impossibilidade de as obras se executarem com a sua permanência; logo a renda também não deve sofrer modificação alguma.
Nos outros casos, de alterarão ou substituição do edifício, há que fixar novas rendas, que correspondam com justiça ao valor locativo dos locais nele destinados aos antigos inquilinos. Já é assim no sistema da Lei n. 2030. Mas há que assinalar importantes diferenças do regime agora proposto em relação a esse sistema.
Em primeiro lugar, as novas rendas serão de futuro estabelecidas pela Comissão Permanente de Avaliação, não como até aqui depois das obras, mas antes delas, em face do projecto aprovado pela Câmara Municipal. Essa inovação destina-se a facultar aos inquilinos, desde o inicio, um importantíssimo elemento, necessário para poderem formar juízo seguro sobre o alcance da alternativa que lhes é oferecida: o regresso ao prédio ou a saída definitiva dele. Por este modo os inquilinos ficam imediatamente habilitados a fazer uma escolha consciente.
Em segundo lugar, em coso de aumento das rendas, esse aumento não passa a vigorar no seu todo logo após a reocupação do prédio, como sucede pela Lei n.º 2030. Neste ponto segue-se a orientação do artigo 2.º do projecto governamental, mas sem se adoptarem exactamente os termos em que está concretizada. Pensa-se que, havendo aumento, será justo que o arrendatário passe imediatamente, a suportá-lo até o limite de 50 por cento da renda antiga (e não só até o limite de 20 por cento, como no projecto), dado o investimento de capital feito pelo senhorio através das obras. Por outro lado e no que se refere a uma eventual diferença que ainda fique existindo para o montante fixado pela Comissão Permanente de Avaliação, propõe-se que essa diferença seja atingida, de forma gradual e suave, por meio de acréscimos semestrais sucessivos de 10 por cento do seu quantitativo, ou seja no espaço de cinco anos. Prefere-se esta solução à gizada no projecto - acréscimos semestrais de determinada percentagem da renda antiga -, que não dá a nenhuma das partes garantia legal de um prazo de actualização, como mínimo e como máximo.
16. O § 2.º do artigo 5.º prevê a hipótese de as obras poderem efectuar-se sem despejo do inquilino e estabelece que em tal caso não haverá modificação de renda, ainda que as obras alterem o local por ele ocupado.
Adopta-se esta solução, que além do mais tem o mérito da simplicidade, em atenção a duas razões principais.
Por um lado - e é essa a razão mais importante - é de supor que as obras não impliquem alteração profunda ou substancial do local em referência, pois de contrário dificilmente se conceberia que o arrendatário pudesse aí permanecer durante a sua execução.

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For outro lado, se o arrendatário porventura obtém de futuro alguma, pequena melhoria, certo é também sofrer no decurso das obras privação parcial ou diminuição da fruição do local arrendado, sem correspondente diminuição da renda ou qualquer indemnização.
A renda manter-se-á a mesma, quer durante as obras, quer depois delas.

ARTIGOS 6.º a 10.º
17. Englobam-se numa rubrica única os artigos 6.º a 16.º do texto sugerido pela Câmara Corporativa, por conterem fundamentalmente disposições de natureza processual, que não requerem grandes esclarecimentos.
As bases substantivas do sistema instituído nesse texto constam sobretudo dos cinco primeiros artigos, anteriormente examinados. Os artigos subsequentes, até o 16.º, ocupam-se primacialmente dos trâmites através dos quais se efectivam neste domínio os direitos de senhorios e arrendatários.
Procura-se organizar e ordenar a sucessão daqueles trâmites em moldes susceptíveis de rodearem estes direitos do máximo possível de garantias e de tolher a frustração do fim de utilidade geral, que é a razão de ser deste fundamento legal de despejo.
18. Os aspectos fundamentais a distinguir são os seguintes:
Haverá, primeiro, uma fase administrativa, tendente à aprovação camarária do projecto das obras e à fixação pela Comissão Permanente de Avaliação das rendas dos locais destinados aos antigos inquilinos.
finda essa fase, iniciar-se-á a fase judicial, com a instauração da acção.
Esta deverá, em princípio, ser intentada conjuntamente contra todos os arrendatários. Formula-se tal exigência (litisconsórcio necessário passivo) porque a acção visa, antes de mais, obter o reconhecimento do direito de realizar as obras e este direito, de natureza indivisível, tem por sujeitos passivos os vários arrendatários. Compreensìvelmente, porém, não haverá que demandar os arrendatários que não sejam em nada afectados pelas obras nem tão-pouco aqueles contra quem o senhorio já possua título exequível de despejo. Estão no primeiro caso os inquilinos cujos locais não sofram qualquer alteração e que, em harmonia com o resultado da vistoria camarária, possam permanecer no prédio durante a execução das obras. Acham-se no segundo caso, por exemplo, os arrendatários que se tenham disposto a desocupar voluntariamente o prédio, desde que o senhorio possua título que o habilite a requerer, se necessário, a efectivação do despejo, nos termos do Código de Processo Civil.
Na hipótese de procedência da acção, a sentença reconhecerá ao senhorio o direito de proceder às obras e, em consequência disso, decreterá o despejo dos réus. Todavia, há ou pode haver uma categoria de réus em relação aos quais o despejo não será de ordenar. Referimo-nos aos arrendatários de que falámos atrás, no n.º 11, ou sejam aqueles que têm a possibilidade de permanecer no prédio, mas cujos locais estão sujeitos a alternaria. Eles também são interessados; há que averiguar se se verifica ou não, quanto àqueles locais, a correspondência exigida no § 3.º do artigo 3.º Mas a procedência da acção não pode, evidentemente, ter por efeito o seu despejo e tão-sòmente a sua condenação a não embaraçarem as obras.
A petição da acção deve conter todos os elementos necessários para os inquilinos ficarem desde logo devidamente esclarecidos e em condições de poderem escolher entre a mera suspensão do arrendamento, com a subsequente ocupação do edifício, ou a sua resolução.
É-lhes facultado fazer essa escolha o mais tardar até oito dias depois do trânsito em julgado da sentença de despejo, entendendo-se no seu silêncio que optam pela resolução do contrato 1.
Nos quinze dias subsequentes ao termo daquele prazo o senhorio pagará a cada um dos arrendatários metade da indemnização que lhe pertencer (a indemnização, menor, pela suspensão do arrendamento ou a indemnização, maior, pela sua resolução).
Começará a correr então o prazo para o arrendatário desocupar o prédio: e só nessa altura, porque antes ainda não estava definida e concretizada a necessidade de efectivar o despejo. Fixa-se um lapso de tempo razoável, em todo o caso não excessivo, atendendo às delongas que pode exigir a procura de nova acomodação.
No momento da desocupação voluntária o senhorio satisfará ao arrendatário a segunda metade da indemnização. Por este processo de pagamento da indemnização - pagamento antecipado e em duas prestações - não só se habilita o arrendatário a fazer face as despesas com os preparativos da deslocação e com esta, mas cria-se um estímulo para ele desocupar voluntariamente o prédio.
Efectivado o despejo em relação a todos os arrendatários, o senhorio deverá começar as obras dentro de certo prazo. Se o não fizer, os arrendatários poderão reocupar imediatamente o prédio, sem terem de restituir a indemnização recebida. Já é esta a doutrina da Lei n.º 2030.
Quanto aos inquilinos que hajam declarado querer ocupar ou reocupar o edifício, a indemnização que receberam foi calculada na base de uma desocupação pelo período de doze meses. Por isso, se a desocupação se prolongar por lapso superior, competir-lhes-á uma indemnização complementar.
Eis, nos seus traços mais salientes, o processamento proposto no texto da Câmara Corporativa.

ARTIGO 17.º
19. Neste último artigo definem-se os limites da aplicação, no tempo, da nova lei.
Á semelhança do estatuído no artigo 4.º do projecto do Governo, entende-se que a eficácia da nova lei se deve reportar à data da publicação do referido projecto nas Actas da Câmara Corporativa, de 29 de Outubro de 1906, pois nesse dia tornou-se pública a intenção governamental de modificar à regulamentação legislativa da matéria.
Portanto, os casos de despejo anteriores àquela data continuarão sujeitos à lei antiga; os posteriores reger-se-ão pela lei nova.
Mas à luz de que critério se deve definir se o caso é anterior ou posterior à data em referência?
O projecto em exame atende ao momento da instauração da acção de despejo. Aplicar-se-ia a lei antiga ou a lei nova consoante a acção de despejo tivesse sido proposta em juízo antes ou depois de 29 de Outubro de 1956:
A Câmara Corporativa julga mais indicado tomar em consideração um momento anterior: o do pedido de aprovação camarária do projecto das obras. Dentro deste critério observar-se-á a lei antiga ou a nova conforme esse pedido tiver sido formulado antes ou depois da mencionada data.
Na verdade, é preciso não esquecer que a fase judicial é aqui antecedida, necessariamente, de uma fase admi-

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1 A escalha, claro está, poderá ser feita mesmo na pendência do processo, subordinadamente à condição de o despejo vir a ser decretado.

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nistrativa e que esta principia justamente com a apresentação do pedido de aprovação do projecto. Os senhorios que procederam a essa apresentação anteriormente a 29 de Outubro de 1956 exerceram o seu direito à sombra da lei antiga, antes de estar sequer anunciada a lei nova: e fizeram-no por meio de um acto susceptível de atestação oficial, quanto à sua realidade e quanto à sua data. É por isso razoável que o exercício do seu direito se desenvolva, em toda a extensão, segundo as disposições da lei ao abrigo da qual se iniciou. Doutro modo os senhorios em referência poderiam ver, sem qualquer culpa, frustrados por completo incómodos e despesas, porventura muito apreciáveis, o que não seria justo.
Numa palavra, o decisivo, na determinação dos limites temporais de aplicação das duas leis, deve ser o começo, não do processo judicial, mas sim do processo administrativo, que antecede aquele, como seu imprescindível preliminar.

III

Conclusões
20. Em harmonia com todas as considerações expendidas precedentemente, queria apreciação na generalidade, quer no exame na especialidade do projecto do decreto-lei n.º 519, a Câmara Comparativa formula, em resumo, as seguintes conclusões:
a) A orientação geral expressa nesse projecto merece franco aplauso, como meio de corrigir algumas deficiências da lei vigente sobre a matéria, denunciadas por um período já suficientemente largo de aplicação dessa lei;
b) Reconhece-se, no entanto, a conveniência de concretizar em termos um pouco diferentes a referida orientação e, sobretudo, de retomar a matéria no seu conjunto, a fim de corrigir outras deficiências, também reveladas pela experiência, e que ainda ficariam por sanar;
c) Nestes termos sugere-se a adopção do seguinte texto:

ARTIGO 1.º
O senhorio pode requerer o despejo para o efeito de execução de obras tendentes a permitir o aumento do número de arrendatários, em conformidade com projecto aprovado pela Câmara Municipal.
§ 1.º O referido despejo pode ser requerido:
a) Contra o arrendatário ou arrendatários de prédio urbano, a fim de proceder à respectiva ampliação, alteração ou substituição;
b) Contra o arrendatário de prédio rústico, sito dentro de zona urbanizada, a fim de construir neste um edifício.
§ 2.º Observar-se-á, em relação a cada inquilino, o regime estabelecido para a alteração ou o estabelecido para a ampliação do edifício, conforme as obras projectadas modifiquem ou não o local por ele ocupado.

ARTIGO 2.º
O disposto no artigo anterior abrange os arrendamentos para habitação, comércio, indústria ou profissão liberal; mas não é aplicável às casas de saúde e aos colégios e escolas, mesmo quando sujeitos a contribuição industrial.

ARTIGO 8.º
O despejo com o fundamento indicado no artigo 1.º só é admissível desde que se reunam os seguintes requisitos:
1.º O número dos locais arrendados ou arrendáveis deve aumentar num mínimo de metade, mas nunca para menos de sete, quando seja inferior;
2.º O novo edifício ou o edifício alterado devem conter locais destinados aos antigos inquilinos, correspondentes aproximadamente aos que estes ocupavam e devidamente assinalados no projecto;
3.º Em caso de ampliação ou alteração do edifício, deve encontrar-se certificada pela Câmara Municipal, com base em vistoria, a impossibilidade de o inquilino ou inquilinos permanecerem nele durante a execução, das obras, nos termos do § 2.º do artigo 167.º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 38 382, de 7 de Agosto de 1951.
§ 1.º O requisito expresso no n.º 1.º aplica-se tanto ao despejo de prédio urbano como ao despejo de prédio rústico.
§ 2.º A correspondência aproximada entre os novos locais e os antigos será apreciada pelo tribunal, segundo o seu prudente critério, em atenção às circunstâncias de cada caso.
§ 3.º A mesma correspondência aproximada é necessária quando as obras possam ser efectuadas sem despejo do inquilino, mas com alteração do local por ele ocupado.

ARTIGO 4.º
O inquilino sujeito a despejo nos termos dos artigos precedentes pode escolher entre:
1.º Reocupar o local que ocupava no edifício simplesmente ampliado ou ocupar o que lhe é destinado no edifício alterado ou construído de novo e receber além disso, em qualquer dos casos, uma indemnização pela suspensão do arrendamento;
2.º Receber uma indemnização pela resolução do arrendamento.
§ 1.º A indemnização pela suspensão do arrendamento será igual a uma ou duas vezes a renda anual à data da sentença de despejo, conforme se trate de arrendamento para habitação ou para comércio, indústria ou profissão liberal.
§ 2.º A indemnização pela resolução do arrendamento será igual a cinco ou dez vezes a renda anual à data da sentença de despejo, também conforme se trate de arrendamento para habitação ou para comércio, indústria ou profissão liberal.
§ 3.º Aos montantes determinados nos termos dos parágrafos anteriores acrescerá um vigésimo por cada ano completo de vigência do arrendamento antes da sentença de despejo, até um limite máximo de vinte anos.
§ 4.º A indemnização pela resolução do arrendamento é devida, do mesmo modo, ao arrendatário de prédio rústico despejado em conformidade com o disposto no artigo 1.º

ARTIGO 5.º
Em caso de mera ampliação do edifício o inquilino continuará sujeito à renda que pagava ao tempo do despejo. Nos outros casos as rendas dos locais destinados aos antigos inquilinos serão fixadas antecipadamente pela Comissão Permanente de Avaliação, em face de cópia certificada conforme com o original do projecto aprovado pela Câmara Municipal e dos seus anexos.
§ 1.º O antigo inquilino que vier a ocupar o edifício alterado ou construído de novo não poderá ser compelido a satisfazer, de começo, renda superior à vigente na data do despejo, acrescida de um máximo de 50 por cento do seu quantitativo. A eventual diferença para o montante estabelecido pela Comissão Permanente de Avaliação será atingida por meio de acréscimos de 10 por cento dessa diferença, que começarão a vigorar, sucessivamente, em cada um dos semestres seguintes.

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§. 2º Se as obras puderem efectuar-se sem despejo do inquilino, e ainda que alterem o local por ele ocupado, não haverá modificação de renda, nem durante a sua execução, nem posteriormente.

ARTIGO 6.º
A acção judicial será intentada conjuntamente contra todos os arrendatários, à excepção daqueles cujos locais não sofram alteração e que possam permanecer no prédio e daqueles contra quem já exista título exequível de despejo.
§ 1.º Havendo outros locais, além dos ocupados pelos arrendatários demandados, o senhorio deverá alegar e provar que não sofrem alteração e que os seus detentores podem permanecer no prédio, conforme certificado camarário; ou que possui título exequível de desocupação contra os respectivos arrendatários ou detentores; ou que estão ocupados por ele próprio, senhorio; ou que se encontram vagos.
§ 2.º A petição inicial especificará as rendas pagas pelos arrendatários a despejar e o começo da vigência dos arrendamentos respectivos e será acompanhada de documentos comprovativos dos arrendamentos, nos termos legais, de planta do edifício na sua forma actual, de cópia certificada conforme com o original do projecto aprovado pela Câmara Municipal, de certidão do parecer da Comissão Permanente de Avaliação, e da mais documentação necessária.
§ 3.º São aplicáveis à referida acção as disposições do Código de Processo Civil sobre despejo para o fim do prazo do arrendamento ou da sua renovação, em tudo o que não for contrariado pelo presente diploma, e exceptuadas designadamente as disposições do artigo 970.º e da segunda parte do segundo período do artigo 971.º daquele código, bem como as relativas ao despejo provisório, que não é aqui admissível.
§ 4.º Será de vinte dias o prazo para a contestação e de oito dias o prazo para a resposta.
§ 5.º Não pagarão custas os arrendatários que não contestarem a acção.

ARTIGO 7.º
Em caso de procedência da acção, a sentença reconhecerá ao senhorio o direito de realizar as obras e condenará os réus a despejarem o prédio, ou a não embaraçarem as obras, quanto aos inquilinos a que alude o § 3.º do artigo 3.º
§ 1.º A mesma sentença condenará o senhorio nas prestações, de coisa ou de facto, a que o arrendatário tem direito por força do artigo 4.º; e condená-lo-á ainda nas prestações a que o arrendatário virá eventualmente a ter direito, nos termos dos artigos 12.º e 13.º, para a hipótese de o disposto nesses artigos se tornar aplicável.
§ 2.º A referida sentença será título constitutivo de hipoteca, a favor do arrendatário, sobre o prédio a que respeita a acção. Mas a hipoteca não constituirá obstáculo a execução das obras e abrangerá a ampliação ou alteração do edifício ou o edifício a construir.

ARTIGO 8.º
O inquilino comunicará ao senhorio, por meio de carta registada e o mais tardar até oito dias depois do trânsito em julgado da sentença de despejo, se opta pela primeira ou pela segunda das modalidades previstas no artigo 4.º
§ único. No silêncio do inquilino, entender-se-á que este escolhe a segunda das aludidas modalidades.

ARTIGO 9.º
Nos quinze dias subsequentes ao termo do prazo estabelecido no artigo anterior, o senhorio pagará ao arrendatário metade da indemnização que no caso couber.
§ 1.º Tratando-se de arrendatário de prédio rústico, o prazo fixado neste artigo começará a correr na data do trânsito em julgado da sentença.
§ 2.º A mora do senhorio dará ao arrendatário direito aos respectivos juros, nos termos gerais.

ARTIGO 10.º
Efectuado o pagamento ordenado no artigo precedente, o arrendatário deverá desocupar o prédio dentro do prazo de três ou de seis meses, conforme se trate de arrendamento para habitação ou para comércio, indústria ou profissão liberal, ou no fim do prazo do arrendamento ou da renovação deste, em curso ao tempo da propositura da acção, se o segundo desses prazos vier a expirar depois do primeiro.
§ 1.º Verificando-se algum dos factos previstos no artigo 759.º, nos. 1.º, 2.º e 3.º, do Código Civil, o primeiro prazo indicado no como do presente artigo contar-se-á a partir da ocorrência desse facto.
§ 2.º No acto da desocupação voluntária do prédio o senhorio satisiará ao arrendatário a segunda metade da indemnização, sem o que este pode legitimamente recusar-se a proceder àquela desocupação.

ARTIGO 11.º
As obras deverão ser começadas o mais tardar três meses depois de tornado efectivo o despejo em relação a todos os arrendatários, salvo caso fortuito ou de força maior.
§ único. Esse prazo será, todavia, de seis meses se nenhum arrendatário houver declarado querer ocupar ou reocupar o edifício.

ARTIGO 12.º
Em caso de inobservância do prescrito no artigo anterior ou no seu § único, o senhorio perde o direito à execução das obras, e os arrendatários, mesmo que não tenham optado pela modalidade estabelecida no n.º 1.º do artigo 4.º, podem reocupar imediatamente o prédio, nas condições vigentes a data do despejo, sem obrigação de restituírem a indemnização recebida.

ARTIGO 13.º
O inquilino que oportunamente declarou querer ocupar ou reocupar o edifício tem direito a um complemento de indemnização, se o senhorio lhe não facultar aquela ocupação ou reocupação, com base na respectiva licença camarária, até doze meses depois de ele haver desocupado o prédio.
§ 1.º O referido complemento será determinado nos termos seguintes: por cada um dos primeiros seis meses de atraso, vez e meia ou três vezes a renda, mensal à data da sentença de despejo, consoante se trate de arrendamento para habitação ou para comércio, indústria ou profissão liberal; por cada um dos meses seguintes, o dobro desses quantitativos.
§ 2.º Se o senhorio provar que o aludido atraso provém de caso fortuito ou de força maior, o complemento de indemnização será calculado, conforme a natureza do arrendamento, na base de uma ou duas vezes a mencionada renda; e só depois de cessar o impedimento se observará o disposto no parágrafo anterior.
§ 3.º Ao complemento de indemnização, também é aplicável, em qualquer dos casos, o factor estabelecido no § 3.º do artigo 4.º

ARTIGO 14.º
As obras serão executadas em harmonia com o projecto junto com a petição inicial, mesmo que nenhum

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arrendatário tenha declarado querer ocupar ou reocupar o edifício.
§ 1.º Não poderão, em caso algum, ser aprovadas alterações ao projecto que impeçam o aumento mínimo do número de arrendatários exigido no antigo 3.º, n.º 1.º, ou que afectem os locais destinados aos inquilinos com direito à referida ocupação ou reocupação.
§ 2.º Verificando-se a hipótese prevista na segunda parte do corpo do artigo 165.º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 38 382, de 7 de Agosto de 1951, o despejo aí regulado tornar-se-á obrigatório, desde que nenhum dos antigos arrendatários tenha declarado querer ocupar ou reocupar o edifício.
§ 3.º O pedido de licença de ocupação será despachado o mais tardar até trinta dias depois da sua apresentação, sem prejuízo do disposto no artigo 8.º e seus parágrafos do citado Regulamento Geral das Edificações Urbanas.

ARTIGO 15.º
O preceituado nos artigos 804.º, 986.º, 987.º, 988.º e 992.º do Código de Processo Civil é aplicável, com as necessárias adaptações, à execução da sentença de despejo, ou à ocupação ou reocupação do prédio pelos
arrendatários despejados, nos termos do n.º 1.º do artigo 4.º ou nos termos do artigo 11.º deste diploma.

ARTIGO 16.º
Os processos administrativos respeitantes ao projecto e execução das obras e à fixação das rendas ficam sujeitos à legislação respectiva, no que não for modificado pelo disposto precedentemente.

ARTIGO 17.º
Fica revogado o artigo 69.º, alínea c), da Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948.
§ único. As disposições inovadoras do presente diploma só são aplicáveis aos despejos fundados em projecto cuja aprovação tenha sido requerida à Câmara Municipal a partir de 29 de Outubro de 1956, inclusive.

Palácio de S. Bento, 22 de Fevereiro de 1957.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Afonso Rodrigues Queira.
Guilherme Braga da Cruz.
José Pires Cardoso.
Manuel Duarte Gomes da Silva.
José Augusto Vaz Pinto.
Adelino da Palma Carlos.
Álvaro Salvação Barreto.
José Albino Machado Vaz.
Inocência Galvão Teles, relator.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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