Página 1117
REPÚBLICA PORTUGUESA
ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA
N.º 110 VI LEGISLATURA 1957 21 DE MARÇO
RARECER N.º 48/VI
Projecto de proposta de lei n.º 521
Instituto Nacional de Sangue
A Câmara Corporativa, consultado, nos termos do artigo 105.º da Constituição, acerca do projecto de proposta de lei n.º 521, elaborado pelo Governo, sobre a criação do Instituto Nacional de Sangue, emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecção de Política e administração geral), à qual foram agregados os Dignos Procuradores José de Sousa Machado Fontes, Amândio Joaquim Tavares, Jorge Augusto da Silva Horta, Fernando Prata Rebelo de Lima, Reinaldo dos Santos e Joaquim de Sousa Uva, sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:
I Apreciação na generalidade
1. O Governo propõe-se criar na dependência do Ministério do Interior, através da Direcção-Geral da Assistência, um organismo dotado de amplos poderes no campo da terapêutica pelo sangue. Este organismo terá finalidades coordenadoras, orientadoras e fiscalizadoras de todas as actividades de carácter civil relacionadas com a colheita, preparação e fornecimento de sangue. Terá, por outro lado, atribuições de caracter técnico bem definidas, pois, além de proceder à colheita, conservação e distribuição de sangue, assegurará a industrialização dos derivados deste e até dos produtos de substituição. Terá, além disso, importante papel no campo do ensino e investigação, entregando-se-lhe a preparação do pessoal técnico e o estudo de «problemas que o emprego do sangue suscitam em medicinai».
Estas atribuições fornecer-lhe-ão os meios de assegurar à população a quantidade de sangue necessária para fins terapêuticos, tanto em condições habituais, como em situações de emergência.
Prevê-se a colaboração do Instituto com os serviços de Defesa Nacional e a cooperação activa com os mesmos «em caso de guerra e de grave alteração da ordem pública».
O preâmbulo do projecto justifica amplamente a necessidade de se legislar neste domínio. Esta necessidade impõe-se não ao em face das condições particularmente graves em que a este respeito nos encontramos, mas também pelo motivo comum a todos os países de serem cada vez em maior número as situações clínicas que requerem a terapêutica pelo sangue e seus derivados.
Antes da última guerra, e principalmente antes da guerra de Espanha, a transfusão era raramente empregada e a técnica usada quase sempre a de «braço a braço». De então para cá cada vez se foi acentuando mais o recurso a hemoterapia, a qual se tornou a melhor arma para combater as situações de choque. A terapêutica pelo sangue ocupa, assim, um lugar de primazia nas técnicas de reanimação.
Os serviços de urgência necessitam hoje de ter à sua disposição importantes quantidades de sangue como se compreende, o sangue fresco teve de ser substituído por sangue conservado.
Página 1118
1118 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 110
O uso das transfusões em doentes do foro médico também aumentou e, com os progressos da técnica de fraccionamento de plasma (E. J. Cohn), foi possível isolar fracções com notável interesse para o tratamento de substituição de certos defeitos da coagulação sanguínea.
Certamente que no futuro estas fracções poderão entrar no uso corrente.
O fraccionamento trouxe reais vantagens: isolaram-se a gama-globulina e ti albumina, (fracção IV) e, além destas, substâncias de importante acção coagu-lante local, como o fibriuogénio purificado, a espuma de fibrina com trombina e o filme de fibrina. A aplicação de albumina vai sendo cada vez mais corrente na terapêutica dos estados de choque; tem também todo o interesse o seu emprego em situações de hipopruteinemia, como na cirrose hepática, no síndrome nefrótico e no edema por deficiente nutrição. A vantagem do seu emprego sobre o do plasma reside em eliminar a possibilidade de aparecimento da hepatite de soro homólogo.
Hoje em dia, quando nos situamos num plano de paz, verificamos já que as exigências de sangue são notáveis: em França, Aujaleu e Laporte (1953) falam de 420 000 l anuais, o que corresponderia a l milhão de dadores, cada um dando sangue uma vez por ano.
Se é certo que num país em guerra as reservas existentes e a produção quotidiana não poderão suprir as necessidades então verificadas por melhor que seja a organização existente, também é verdade que, quanto mais eficazes forem os serviços de transfusão em tempo de paz, menos difícil será acudir a essas necessidades aumentadas.
Por estes factos, em quase todos os países o problema tem sido abordado por intermédio de programas nacionais de sangue.
A estas razões comuns a todos os países e que por si sós bastariam para rever também o assunto em Portugal juntam-se entre nós outras, as que se encontram referidas no preâmbulo do projecto e que conferem ao referido assunto uma acuidade muito particular.
II Exame na especialidade
2. No projecto da proposta de lei n.º 521 o Governo estabeleceu as bases que considerou necessárias para a resolução de um grave problema - pôr à disposição da população sangue humano em quantidades suficientes para fins terapêuticos.
As múltiplas aplicações do sangue e a gravidade das situações clínicas em que este é praticamente a única arma eficaz ao nosso alcance dão, em face das quantidades de que hoje podemos dispor, um carácter nacional ao problema.
Se as exigências de sangue são já tão importantes na paz, muitíssimo maiores serão, como se disse, durante a guerra. Há então que acudir ás enormes necessidades das forças combatentes e às da própria população civil, multiplicando-se os acidentes em que é preciso ministrar sangue.
Na terapêutica dos acidentes pelos bombardeamentos atómicos prevê-se ainda um maior emprego de sangue e seus derivados, já porque se depara com grande número de estados de choque, em especial em virtude de traumatismos e queimaduras, já porque há necessidade de combater as consequências das acções ionizantes sobre a medula óssea. Além disso na terapêutica anti-infecciosa destes indivíduos a par do tratamento antibiótico preconiza-se hoje o emprego da gama-globulina.
Numa guerra moderna as tropas combatentes e a população civil precisam, pois, de ter u sua disposição, quantidades excepcionalmente grandes de sangue. Isto exige uma notável eficácia dos serviços civis de transfusão; mais um motivo para estar justificada a proposta de criação de um Instituto Nacional de Sangue.
Mas exige-se mais: uma perfeita concatenação dos serviços de sangue civis e militares, a existência de planos maduramente estudados para a sua aplicação em caso de guerra.
Exige-se, portanto, a elaboração de um programa nacional de sangue.
O problema poderia ser desde já completamente equacionado. Para tal seria necessário propor a criação de um organismo num plano superior ao do Instituto e do Serviço de Transfusão do Exército,, com atribuições de supervisão dos problemas do sangue e, como tal, coordenador dos blocos civil e militar.
Deve-se ponderar, porém, que, em face da gravidade da situação actual, urge montar e pôr a funcionar o organismo técnico para que a população possa dispor da quantidade de sangue de que necessita. Este é, sem duvido, o ponto essencial da questão.
As demoras inevitáveis a que conduziria a constituição do referido organismo e os morosos trabalhos preliminares necessários para a coordenação dos blocos militar e civil viriam retardar o começo do funcionamento do Instituto Nacional; afigura-se-nos que no estado actual este resultado envolveria uma certa gravidade.
A criação de um Conselho Superior, que continuamos a considerar imprescindível, poderia sei levada a efeito mais tarde, quando o Instituto já estivesse em pleno funcionamento. Então, no estudo dos planos de coordenação já se podia contar com dois valores reais, que seriam os resultantes do funcionamento do Instituto Nacional de Serviço de Transfusão de Exército.
Sem dúvida que o organismo chave da eficácia de um programa nacional de sangue é o Instituto cuja criação o Governo propõe.
Se por um lado as necessidades já actualmente existentes exigem o rápido funcionamento deste organismo, por outro, o mesmo funcionamento rápido se lhe impõe para que no mais curto lapso de tempo o referido Instituto se encontre em condições de acudir ws necessidades de sangue que podem resultar de uma guerra, alteração da ordem pública ou outra calamidade nacional.
A Câmara é de parecer que a existência de um Conselho Nacional de Sangue funcionando como órgão de Instituto terá todas as vantagens no momento actual como órgão coordenador, sem os inconvenientes apontados atrás.
3. Uma questão de fundo não se encontra explícita no projecto. Deve ficar bem expresso que desde a colheita à utilização terapêutica do sangue e derivados se trata de uma sucessão de actos médicos e que, portanto, só podem ser executados por licenciados em Medicina ou sob a sua inteira responsabilidade. Isto encontra-se em legislações estrangeiras. No quadro de princípios resultantes de um inquérito feito pelo coronel Dr. J. Julliard afirma-se que a «responsabilidade do sangue e seus derivados deve ser confiada a médicos».
Se este ponto é suficientemente claro, outro se nos afigura mais complicado, a saber: se o acto de injectar sangue pode ser levado a efeito por qualquer médico ou apenas por médicos qualificados pelos serviços de transfusão.
Apesar das sérias razões que se possam aduzir não é possível infringir o princípio básico de que se não pode opor limites ao exercício profissional do médico.
Página 1119
21 DE MARÇO DE 1957 1119
Nada impede que qualquer médico não inscrito nos quadros da Ordem referentes a uma dada especialidade possa actuar terapêuticameute no âmbito dessa especialidade. O que não pode, segundo o artigo 14.º do Decreto n.º 40 651, é usar o respectivo título. Deve-se esclarecer, por outro lado, que a hemoterapia não constitui sequer especialidade reconhecida pela Ordem dos Médicos.
Cada médico tem a responsabilidade moral do que pode fazer em face de uma medicina que cada i vez lhe exige mais- conhecimentos e técnicas especializadas. J. P. Carlotti e H. Laffiti afirmavam no primeiro Congresso da Moral Médica em França (1955): «Este agravamento da responsabilidade é a caução moral da liberdade deixada, ao médico de não ter nenhum limite teórico ao seu exercício profissional».
Todavia, esta terapêutica é tão particular, em virtude dos perigos que dela podem resultar, que esta Câmara é de parecer que cada médico só poderá injectar sangue depois de o hemoterapeuta, feitas as pravas de compatibilidade em cada caso concreto, lhe ter entregue o sangue adequado. Evidentemente que o próprio hemoterapeuta ou outro auxiliar qualificado pelo serviço de transfusão e sob responsabilidade deste último podem proceder ao acto de transfusão.
4. A eficácia de qualquer organismo de transfusão depende sobretudo da quantidade e qualidade de sangue de que dispõe, e isso só se pode atingir recorrendo a grupos de dadores suficientemente numerosos.
De uma maneira geral os nossos serviços civis, que estão muito longe de dispor das quantidades de sangue de que necessitam, não podem pensar em resolver o problema tendo por base o «dador remunerado». As somas de que a assistência teria de dispor podem avaliar-se a partir das que se têm gasto nos últimos anos, apesar da quantidade total de sangue injectado ser muito inferior à que seria necessário injectar.
Vejamos o que se passa nos Hospitais Civis de Lisboa:
1947 .............. 356.100$00
1948 .............. 389.500$00
1949 .............. 519.900$00
1950 .............. 968.700$00
1951 ............ 1:355.300$00
1952 ............ 1:669.400$00
1953 ............ 1:374.700$00
1954 ............ 1:952.500$00
1955 ............ 2:178.800$00
1956 ........... 2:236.000$00
Outros factores, além do «inquietante acréscimo de despesas para os serviços hospitalares», estão expostos no preâmbulo do projecto. O seu conjunto obriga a abandonar o uso dos dadores a que até hoje sobretudo se tem recorrido - o dador remunerado - e a envidar todos os esforços conducentes a uma propaganda intensiva e bem orientada no sentido do recrutamento de dadores voluntários, os chamados e dadores benévolos».
A campanha para a «dádiva de sangue» é hoje largamente utilizada por toda a parte. Em especial a Cruz Vermelha tem exercido uma importante acção neste campo. O Conselho de Governadores desta instituição recomendava em 1936 «... que é altamente desejável que qualquer sociedade da Cruz Vermelha não pague sangue que lhe é fornecido pelo dador e que demonstre a todos os cidadãos, por intermédio de uma publicidade constante, a extraordinária importância deste precioso liquido e dos seus derivados».
Aujaleu e Laporte afirmaram no I Congresso Francês de Transfusão Sanguínea (1953) « que a dádiva de sangue é um dever de solidariedade nacional ao qual nenhum francês válido se deve eximir».
Em vários congressos, nos últimos dez anos, foram aprovados votos e recomendações no sentido da doação gratuita e da propaganda necessária para se atingir a referida finalidade, tais como no de Turim, em 1948, e no de Lisboa, em 1951.
A propaganda no sentido da dádiva de sangue tem sido recomendada, em especial, em determinados meios, como nas associações religiosas, agremiações humanitárias, clubes desportivos, certas empresas comerciais e industriais, quartéis, etc.
Tem-se aconselhado a constituição de associações de dadores, das quais as mais importantes foram a Associação dos Voluntários Italianos de Sangue, criada sob o patrocínio de Mussolini, e a organizada pelo Dr. Maurício Schafiro em Joanesburgo.
Para que o sangue usado num serviço de transfusão seja proveniente apenas de dadores benévolos, o número destes dadores tem de ser bastante grande, porque as colheitas só se devem fazer de longe em longe. Segundo Aujaleu, em 1953 as necessidades em França exigiriam o concurso, como atrás se referiu, de l milhão de dadores (2,5 por cento da população) para que cada um só desse sangue uma. vez por ano.
O processo de «banco de sangue» lança mão de outro tipo de dador que, sendo benévolo, é ocasional. Consiste o processo em repor, por intermédio de uma pessoa de família ou amiga, a quantidade gasta pelo doente ou em depositar, quando da entrada deste último no hospital, uma determinada quantidade de sangue, na eventualidade de ser necessária uma transfusão.
Outra modalidade destes bancos de sangue usada nos Estados Unidos consiste em fazerem-se depósitos de sangue noa centros de transfusão, que, à maneira de um depósito bancário, ficarão à ordem do depositante.
Entre nós os dadores remunerados constituem ainda a maior parte dos grupos de dadores de quase todos os serviços de transfusão. Por exemplo, no serviço de transfusão de sangue dos Hospitais Civis de Lisboa nos últimos anos as quantidades de sangue obtidas de dadores remunerados e de benévolos foram as seguintes:
(Ver tabela na imagem)
No Porto há um importante movimento pró-dador voluntário, intitulado «Cruzada de Sangue», iniciado pelo Prof. Ernesto de Morais. Hoje estes dadores benévolos fornecem cerca de um terço do sangue injectado no hospital da Misericórdia daquela cidade.
Um bom exemplo de banco de sangue do primeiro tipo é o da Maternidade Dr. Alfredo da Costa, onde todo o sangue que se tem gasto nos últimos tempos provém de dadores voluntários ocasionais.
O sangue humano altruisticamente oferecido não pode ser objecto de comércio. Quando entre nós se conseguir a situação ideal de existirem apenas dadores voluntários, o custo do sangue e do plasma líquido deve baixar bastante. A isto se refere em França o artigo 673.º do Decreto de 21 de Junho de 1952, que regula a utilização terapêutica do sangue humano, plasma e derivados.
A Cruz Vermelha Americana e a Canadiana fornecem até gratuitamente os derivados de sangue, apesar
Página 1120
1120 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 110
do alto custo da sua preparação, o que representa um pesado encargo para estas instituições. Os serviços portugueses nunca poderão suportar encargos desta ordem.
Por melhor orientada que seja no nosso país a propaganda no sentido de obter grupos numerosos de dadores benévolos, não podemos ter ilusões quanto aos resultados imediatos dessa propaganda..
Por este motivo o Conselho Nacional de Sangue deve estudar o aproveitamento, em tempo de paz, do importante manancial de sangue que podem representar as forças armadas.
A propaganda a que nos temos referido deve estar adstrita no Instituto Nacional, ao passo que a propaganda no sentido dos dadores ocasionais - pessoas de família e amigos dos doentes - tem de ser feita nos próprios estabelecimentos onde esses indivíduos estuo internados.
No primeiro tipo de propaganda, a que podemos chamar «grande propaganda pública», «leve a Cruz Vermelha Portuguesa ter um importante papel, a par de outras organizações já existentes, as quais obtiveram relevantes resultados e adquiriram uma experiência que não se pode desprezar.
Por toda a parte a Cruz Vermelha desempenha um papel muito importante nos programas de sangue. Nalguns países tudo lhe está entregue: organização dos grupos de dadores, colheita, conservação, distribuição de sangue e preparação dos derivados; noutros comparticipa nestas atribuições a par do Estado.
A angariação de dadores benévolos é, como diz G. Alsted (1953), «um serviço tipicamente Cruz Vermelha, porquanto é regido pelo princípio da gratuitidade absoluta de uma dadiva de voluntários».
Na Cruz Vermelha Portuguesa há numerosos militantes dotados de um bom nível cultural e possuindo espírito de sacrifício e entusiasmo - conjunto de garantias para serem excelentes elementos de propaganda.
5. No projecto lê-se (base II) que compete ao Instituto Nacional de Sangue a proceder a colheita de sangue e garantir a sua preparação, conservação e distribuição».
Não se faz referência à manutenção de grupos de dadores privativos nos vários serviços de transfusão de estabelecimentos civis oficiais, ao passo que tal manutenção vem expressa na base X quanto aos serviços particulares.
Somos de parecer que o Instituto tenha as atribuições referidas no n.º 6.º da base II do projecto do Governo, mas que se mantenham os grupos de dadores privativos das vários instituições hospitalares, as quais podem, por intermédio de uma boa propaganda, obter quantidades importantes de sangue dos familiares dos doentes.
Os serviços de sangue das várias instituições (hospitais, maternidades, Assistência Nacional aos Tuberculosos, serviços particulares, etc.) manteriam os seus grupos privativos de dadores, encarregando-se dos respectivos exames médicos, do estudo dos tipos de sangue, etc., mas seriam obrigados a enviar um duplicado da ficha de cada dador para o Instituto ou suas delegações; de forma a que estes pudessem organizar o cadastro geral dos dadores e, em especial, impedir que nada um pudesse estar inscrito em mais de um serviço.
O Instituto e as delegações funcionariam, por outro lado, tecnicamente com as atribuições de qualquer dos serviços de transfusão, procedendo também a colheitas, conservação e preparação de sangue. As suas reservas de sangue e derivados permitiriam suprir a cada momento as faltas verificadas nos outros serviços.
O Instituto e delegações teriam também um papel muito importante na industrialização dos derivados - de sangue, competindo-lhes o fraccionamento de plasma. Claro está que esta mesma industrialização e fraccionamento poderiam também ser levados - a efeito pelos serviços de transfusão de outros estabelecimentos oficiais e serviços particulares.
Se concordamos que o Instituto ou outros serviços de transfusão devem contribuir para assegurar a industrialização dos derivados de sangue, não concordamos que intervenham na preparação de sucedâneos; temos opinião de que este papel deve ser desempenhado pela indústria farmacêutica. Alguns destes substitutos de sangue têm já larga aplicação, mas estamos ainda longe dos sucedâneos ideais; há que fomentar as pesquisas, auxiliando nesse sentido, quanto possível, a indústria farmacêutica nacional.
6. Concorda-se com a elaboração da pesquisa científica no Instituto e suas delegações, mas somos do parecer que os respectivos planos e resultados devem ser apreciados pelo Conselho Nacional de Sangue. A presença neste Conselho de um representante do Instituto de Alta Cultura teria o interesse de coordenar estas investigações com outras similares que eventualmente viessem a ser feitas nos centros de estudo deste Instituto. Assim seria também anais fácil interessar este último organismo na subvenção de centros de estudo no Instituto e suas delegações.
III
Conclusões
Em face do exposto, a Câmara Corporativa entende que o projecto de proposta de lei n.º 521 merece ser aprovado na generalidade e sugere, quanto à especialidade, que se adopte a seguinte redacção:
BASE I
E criado o Instituto Nacional de Sangue, com sede em Lisboa, dependente do Ministério do Interior, através da Direcção-Geral da Assistência, dotado de personalidade jurídica e autonomia técnica e administrativa.
BASE II
São atribuições do Instituto:
1.º Coordenar, orientar e fiscalizar todas as actividades de carácter civil, oficiais e particulares,- relacionados com a colheita, preparação e fornecimento de sangue e seus derivados para serem empregados como agentes terapêuticos;
2.º Colaborar com os serviços do Secretariado-Geral da Defesa Nacional e dos departamentos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica Militar, com vista a estabelecer a cooperação nos assuntos da sua competência;
3.º Estudar os problemas do emprego do sangue na medicina, procedendo a trabalhos de investigação que lhe digam respeito;
4.º Promover a formação de pessoal técnico e a padronização do material;
5.º Assegurar a industrialização de derivados de sangue;
6.º Proceder à colheita de sangue, sua preparação, conservação e distribuição aos organismos oficiais e a entidades particulares nas condições a regulamentar;
7.º Organizar o cadastro geral dos dadores de sangue;
Página 1121
21 DE MARÇO DE 1957 1121
8.º Fornecer sangue em situações de emergência;
9.º Promover a propaganda intensiva da dádiva voluntária de sangue;
10.º Elaborar, de acordo com o departamento da Defesa Nacional, os planos a pôr em execução em caso de guerra ou de grave alteração de ordem pública.
BASE III
1.º São órgãos centrais do Instituto:
a) O Conselho Nacional de Sangue;
b) A direcção;
c) A comissão técnica.
2.º São órgãos locais do Instituto:
a) As delegações;
b) As subdelegações.
BASE IV
O Conselho Nacional de Sangue será presidido pelo director do Instituto e dele fazem parte, além dos delegados do Porto e Coimbra, ura representante de cada uma das seguintes entidades:
a) Direcção-Geral de Saúde;
b) Direcção-Geral da Assistência;
c) Secretariado-Geral da Defesa Nacional.
d) Direcção dos Serviços de Saúde do Exército;
e) Direcção dos Serviços de Saúde Naval;
f) Direcção dos Serviços de Saúde da Força Aérea;
g) Ordem dos Médicos;
h) Cruz Vermelha;
i) Faculdades de Medicina;
j) Instituto de Alta Cultura;
k) Serviços particulares de transfusão.
BASE V
A direcção do Instituto é exercida por um director, médico de reconhecida competência na matéria, e por um adjunto, também médico, que o coadjuva e o substitui nas faltas e impedimentos e que terá especialmente a seu cargo a parte administrativa, sendo um e outro de livre nomeação do Ministro do Interior.
BASE VI
A comissão técnica será presidida pelo director, tendo como vogais, além dos delegados do Porto e Coimbra:
a) Um representante dos serviços particulares de transfusão;
b) Um hematologista clínico;
c) Um hematologista laboratorial;
d) Um bioquímico;
e) Um imunologista;
f) Um cirurgião dos hospitais com larga prática dos serviços de urgência.
BASE VII
1. O Instituto terá delegações no Porto e em Coimbra e subdelegações nas sedes dos hospitais regionais ou ainda em outras localidades onde p Ministro do Interior julgue conveniente a sua acção.
2. As delegações ficam a cargo de delegados privativos.
3. As subdelegações funcionarão em estreita colaboração com as Misericórdias e ficam a cargo dos delegados de saúde distritais ou de médicos especialmente para esse fim.
BASE VIII
Compete ao Conselho Nacional de Sangue:
a) Estabelecer as normas de cooperação e os planos a que se referem os n.ºs 2.º e 10.º da base II;
b) Aprovar os planos dos trabalhos de investigação a realizar nos termos do n.º 3.º da mesma base;
e) Aprovar as normas de formação de pessoal técnico e de padronização do material;
d) Aprovar os planos de propaganda da dádiva voluntária do sangue.
BASE IX
Compete ao director do Instituto:
a) Presidir ao Conselho Nacional de Sangue e a comissão técnica;
b) Exercer as atribuições do Instituto que não pertençam a outros órgãos;
c) Executar as deliberações do Conselho Nacional de Sangue;
d) Dirigir superiormente os serviços do Instituto;
e) Representar o Instituto em juízo e fora dele.
BASE X
À comissão técnica compete pronunciar-se sobre problemas de ordem técnica que lhe sejam submetidos pelo director do Instituto.
BASE XI
Compete as delegações nas respectivas áreas:
a) Cumprir e fazer cumprir as determinações do director do Instituto;
b) Exercer as atribuições do Instituto que não pertençam a outro órgão;
c) Dirigir os serviços da delegação;
d) Superintender na actividade das subdelegações;
e) Coordenar e fiscalizar todas as actividades abrangidas pelo n.º 1.º da base II.
BASE XII
Às subdelegações compete proceder à colheita de sangue, sua preparação, conservação e distribuição.
BASE XIII
1. Os serviços de transfusão integrados em estabelecimentos hospitalares e organismos oficiais e particulares de assistência, bem como os serviços particulares de transfusão, exercerão as suas actividades de acordo com o estabelecido na base II, sob a coordenação, orientação e fiscalização do Instituto Nacional de Sangue.
2. Compete a estes serviços:
1.º Fazer a inscrição dos seus dadores, proceder aos estudos necessários para o seu agrupamento, a inspecção médica e elaborar a ficha individual, segundo o modelo fornecido pelo Instituto;
2.º Proceder à colheita, preparação e distribuição de sangue a indivíduos internados naqueles estabelecimentos ou, quanto aos serviços particulares, aos doentes que para esse efeito lhes sejam confiados;
3.º Proceder à preparação daqueles derivados do sangue que o Instituto ou as suas delegações entendam estarem os mesmos serviços aptos a realizar;
4.º Enviar para o Instituto um duplicado da ficha de cada dador e proceder para que o ficheiro central se mantenha em dia acerca de cada
Página 1122
1122 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 110
um dos mesmos, em especial no que respeita no número e data das transfusões, u quantidade de sangue cedida e a outras ocorrências.
BASE XIV
1. Os serviços de sede do Instituto e das suas delegações compreendem:
a) Serviços administrativos;
b) Serviços técnicos;
c) Serviços de fiscalização;
d) Serviços de propaganda.
2. Os serviços de sede das subdelegações compreendem apenas os referidos nas alíneas a), b) e d).
3. Poderão ser instalados postos de colheita de sangue e criadas para o mesmo efeito brigadas móveis.
BASE XV
Constituem receita do Instituto:
1.º Dotações orçamentais que lhe forem consignadas;
2.º Rendimentos provenientes da sua actividade;
3.º Subsídios, doações, heranças ou legados.
BASE XVI
Ao pessoal do Instituto suo aplicáveis as réguas de provimento e disciplina estabelecidas para os organismos de coordenação da assistência.
BASE XVII
As operações de colheita, conservação e utilização de sangue e seus derivados só podem ser feitas por médicos ou sob a sua responsabilidade.
BASE XVIII
Deverá sempre diligenciar-se no sentido de obter a reposição do sangue consumido.
BASE XIX
A compensação a dadores de sangue terá a natureza de uma indemnização por prejuízos sofridos e nunca poderá exceder os limites fixados pelo Instituto.
BASE XX
São criados o diploma, e medalha de mérito do dador de sangue para galardoar a dedicação inerente à dádiva de sangue.
As condições de concessão serão fixadas pelo regulamento.
BASE XXI
Logo que as circunstâncias o permitam o Governo poderá reorganizar o Conselho Nacional de Sangue, previsto na base IV, integrando-o na Presidência do Conselho, com funções de superintendência e coordenação de todas as actividades civis e militares relacionadas com o sangue.
Palácio de S. Bento, 13 de Março de 1957.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Afonso Rodrigues Queiró.
Guilherme Braga da Cruz.
José Pires Cardoso.
Manuel Duarte Gomes da Silva.
Amândio Joaquim Tavares.
Joaquim de Sousa Uva.
José de Sousa Machado Fontes.
Reinaldo dos Santos.
Jorge Augusto da Silva Horta, relator.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA