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REPÚBLICA PORTUGUESA
ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 36
VII LEGISLATURA
ANO 1959 14 DE JANEIRO
PARECER DE DECRETO N.º 6/VII
Projecto de decreto-lei n.º 500
Da nacionalidade portuguesa
A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 105.º da Constituição, acerca do projecto de decreto-lei relativo à nacionalidade portuguesa, emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecções de Política e administração geral, Justiça e Relações internacionais), à qual foram agregados os Dignos Procuradores Joaquim Moreira da Silva Cunha e José Caeiro da Mata, sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:
I
Apreciação na generalidade
1. O projecto de decreto-lei n.º 500, acerca da nacionalidade portuguesa, apresenta-se antecedido de um expressivo relatório. Neste se põe em relevo, logo de início (n.º 1), o alcance político da matéria sobre que versa o projecto e se aponta em seguida o interesse que o instituto da nacionalidade assume no campo das relações de direito privado (n.º 2).
Exprimem-se assim considerações fundamentais sobre a importância da matéria a que o Governo pretende dar novo ordenamento, mais amplo e minucioso do que o vigente.
Antes, porém, de emitir sobre o projecto a sua crítica, entende a Câmara Corporativa ser conveniente referir, embora a traços largos, alguns elementos do
quadro político e jurídico em que se situa o instituto da nacionalidade.
2. Cumpre notar desde início que a palavra «nacionalidade» tem, pelo menus, dois significados diversos: um predominantemente social e político e o outro especificamente jurídico, para compreensão dos quais se torna necessário tomar em conta a distinção entre nação e estado.
Segundo Hauriou, devem considerar-se como nações os grupos sociais que tomaram consciência da sua unidade moral e dos seus interesses comuns e estão prontos a formar comunidades estaduais (Précis Elémentaire de Droit Constitutionel,.2.ª edição, p. 6). Esta vontade de viver em comum que serve de vínculo é nação repousa, porém, em elementos objectivos, nem todos necessariamente presentes, tais como a comunidade de língua, de raça, de religião ou de história, elementos cuja importância é relativa de caso para caso.
De acordo com o princípio das nacionalidades que, depois da Revolução Francesa, tem orientado as remodelações territoriais da Europa, destruindo velhos estados, restaurando ou criando outros e alterando as fronteiras de alguns, a cada nação deve corresponder um estado. Nos limites da civilização ocidental sucede hoje assim na generalidade dos casos, com maior ou menor rigor, sem embargo de continuar havendo estados que englobam povos de mais de uma nação e nações a que não corresponde um estado.
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Diversamente, seguindo o mesmo autor, um estado é uma organização política, dotada de um aparelhe administrativo em funcionamento permanente, que se destina a preencher e disciplinar em regime de direito as necessidades sociais dos seus cidadãos, seja qual for a origem destes.
Este vínculo entre cada cidadão e o seu estado constitui a nacionalidade daquele. Trata-se, pois, de um laço de natureza jurídica, e é neste segundo significado que, ao estudar-se o projecto de decreto-lei, o termo «nacionalidade» tem de ser entendido.
3. Assente este ponto de partida, convém qualificar a natureza do vínculo da nacionalidade.
De direito público ou de direito privado?
Segundo a noção comum, pode considerar-se como direito público o que regula as relações entre o indivíduo e o Estado como entidade soberana e como privado o direito que rege as relações dos indivíduos entre si.
Aceitando este critério, não poderá negar-se que a relação da nacionalidade tem feição própria do direito público, pois, na verdade, a nacionalidade é o laço que prende o indivíduo ao Estado, o vínculo permanente entre certo indivíduo e determinado Estado, a expressão da soberania do Estado no domínio pessoal. Ela fundamenta o gozo dos direitos políticos, designadamente, o direito à protecção em país estrangeiro e a obrigação de prestação do serviço militar.
Todavia, nunca se fez unanimidade entre os tratadistas acerca deste ponto. Em várias constituições políticas posteriores à Revolução Francesa incluíram-se normas reguladoras da nacionalidade dos súbditas dos respectivos estados, o que inculca a natureza pública para o instituto da nacionalidade; mas o facto de esta matéria ter sido versada no Code Civil Français, o primeiro grande código moderno, conduziu muitos autores a considerarem-na como parte integrante do direito privado.
E não há dúvida de que são numerosos e importantíssimos os aspectos de direito privado no instituto da nacionalidade. De facto, ela é condição do gozo de certos direitos privados e determina a lei competente para certas relações jurídicas de Carácter privado. Em suma contribui para determinar o estatuto do indivíduo e é, certamente, o mais importante dos elementos integrantes do estado das pessoas.
Perante tal complexidade, que dos efeitos bem parece remontar à própria natureza, torna-se natural concluir que a nacionalidade deve considerar-se como um instituto misto, de índole pública e privada simultaneamente.
Tal o simples sumário de um vasto problema que aqui só ligeiramente se pretende abordar.
4. Também em Portugal se manifestaram, bem à vista, tendências conducentes a alimentar as duas correntes sobre o carácter da nacionalidade.
A Constituição de 1822 dedicou u nacionalidade dos cidadãos portugueses os artigos 21.º a 23.º Por sua vez, a Carta Constitucional tratou-a nos artigos 7.º e 8.º E, finalmente, a Constituição de .1838 dedicou ao mesmo assunto os artigos 6.º e 7.º
Da regulamentação assim feita, em textos de índole essencialmente política, passou-se ao pólo oposto, quando o Código Civil Português, publicado em 1867, inseriu na sua parte I «Da capacidade civil» o livro único, cujos títulos I e II têm, respectivamente, as epígrafes: «De como se adquire a qualidade de cidadão português» e «De como se perde a qualidade de cidadão português» (artigos 18.º a 23.º).
Estas têm sido as regras disciplinadoras da matéria da nacionalidade no direito português desde há cerca de um século, cuja estabilidade foi principalmente tocada pelo Decreto n.º 19 126, de 16 de Dezembro de 1930, que, além de outras, alterou a redacção dos artigos 18.º a 21.º do mesmo código.
Aborda-se no n.º 3 do relatório o problema da localização da lei reguladora da nacionalidade. E, recordando-se que esta matéria foi primeiramente regida pelos textos constitucionais introduzidos pela Revolução Liberal no País e veio depois a ser tratada no Código Civil, procura-se justificar que o seu assento deva passar a fazer-se em lei especial própria.
É a primeira questão prática a discutir.
Reconhecida a vantagem de renovar a ordenação jurídica da matéria da nacionalidade, não poderia já defender-se com segurança, mesmo em plano puramente teórico, a ideia de a reintroduzir nos textos constitucionais. Como se diz no relatório, estes têm em regra uma rigidez que torna difícil fazer-lhes alterações muitas vezes necessárias e, na matéria da nacionalidade, embora esta seja; de natureza essencialmente política, são numerosas e importantes, as incidências no domínio do direito privado. Ora este, sujeito à eventualidade de alterações, porventura frequentes, postula a necessidade de regulamentação em diplomas de índole mais flexível, como são as leis ordinárias.
Por isso, na ocasião em que se prepara um novo Código Civil Português, parecia natural manter no corpo de leis em projecto a regulamentação atinente à nacionalidade, embora sob a forma nova que se revelasse aconselhável. Era a solução respeitadora do sistema actual, que nunca entre nós foi discutido.
Todavia, diz ainda o relatório do projecto, visto o tema da nacionalidade interessar fundamentalmente ao direito público, pela especial projecção que, tanto na constituição do Estado como na organização política da comunidade, tem a distinção entre nacionais e estrangeiros, não se justifica o seu tratamento num diploma essencialmente de direito privado, como deve ser um código civil.
Em face dás características assim apontadas, surge naturalmente como solução intermédia a de tratar a matéria da nacionalidade sob os seus aspectos, quer de direito público, quer de direito privado, num diploma único, que não poderia integrar-se num código civil, por causa da sua natureza complexa.
Esta foi a solução adoptada pelo direito francês no Code de la nationalité française, promulgado em 19 de Outubro de 1945, e é aquela que se afigura mais razoável e equilibrada.
Pelos motivos, teóricos e práticos, que ficaram expostos, também a Câmara Corporativa com ela se conforma.
5. Como questão de ordem geral, indica ainda o relatório (n.º 4) qual a posição tomada no projecto a respeito dos princípios fundamentais adoptados em relação à fixação da nacionalidade, a qual se exprime por uma combinação entre os dois critérios basilares orientadores da matéria: o do jus sanguinis e o do jus soli. Afirmando que todas as legislações se apoiam em algum deles, mas admitem sempre atenuações a um por influência do outro, nota que o Código Civil consagra, já um sistema misto, o qual dá certa preferência ao jus soli e, pôr ainda satisfazer fundamental mente as exigências da colectividade nacional, embora, com fortes restrições, continua a ser aceito.
A combinação de critérios adoptada pelo projecto em discussão revela-se nas disposições concretas do seu articulado. Por isso, só pode fazer-se-lhe crítica útil à medida que cada uma delas for analisada, isto é, na especialidade.
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6. Desdobra-se o projecto em discussão em dez capítulos, alguns deles subdivididos em secções. A matéria vem aí tratada com lógica, harmonia, amplidão e profundidade.
Aos poucos artigos quê lhe dedica o Código Civil corresponde agora uma riqueza de pormenores disciplinada com melhor arrumação, redacção mais precisa e preenchimento de lacunas importantes.
Em face de todas as circunstâncias expostas e não se lhe suscitando contra o projectado diploma qualquer objecção de princípio, a Câmara aprova-o na generalidade.
II
Exame na especialidade
7. lio capítulo I do projecto, «Da atribuição da nacionalidade originária», a secção I tem a epígrafe a Da atribuição por mero efeito da lei» e contém apenas três artigos.
No artigo 1.º, n.º l, enumeram-se em cinco alíneas os que são considerados cidadãos portugueses com fundamento no facto de terem nascido em território português. É a disposição em que o jus soli impera em absoluto. Duas objecções lhe opõe a Câmara. A primeira é a de que, havendo no ultramar súbditos portugueses cujo estatuto não é o da plena cidadania, é inconveniente o emprego da expressão «cidadãos portugueses», que faz ocultar, por contraste, a situação dos nacionais não beneficiados, com os direitos inerentes à cidadania. O remédio para o caso consiste em suprimir a expressão, começando o artigo por dizer simplesmente: «São portugueses ...».
É a segunda que a menção várias vezes repetida de «legítimos» e «ilegítimos» é inútil, observação esta extensiva a várias disposições do projecto. Deve dar-se ao texto do artigo 1.º redacção mais condensada, até com a vantagem de tornar mais explícita a sua amplitude.
O n.º 2 do artigo considera nascidos em Portugal, até prova em contrário, os recém-nascidos expostos em território português. Preenche-se assim uma lacuna em termos que, mediante a possibilidade de ilidir a presunção, impedem que, no caso visado, se imponha coactivamente a nacionalidade portuguesa.
Por sua vez, o artigo 2.º baseia-se inteiramente no jus sanguinis ao ressalvar a nacionalidade portuguesa para os. filhos nascidos em território estrangeiro de pai português que nesse território se encontre ao serviço do Estado Português. É a regra em vigor (Código Civil, artigo 18.º; n.º 5.º), que não precisa de ser justificada e deve também ser aplicável ao caso dos filhos de mãe portuguesa que porventura venha a encontrar-se em território estrangeiro no mesmo serviço.
8. Estabelece o artigo 3.º uma importante regra de interpretação ao determinar que para os efeitos dos artigos 1.º e 2.º só os agentes diplomáticos e consulares de carreira são- considerados como estando ao serviço do Estado a que pertencem.
A falta de disposição restritiva no vigente regime, não pode deixar de se entender ser a residência em território estrangeiro não serviço da Nação Portuguesa» (Código Civil, artigo 18.º, n.º 5.º) mera circunstância de facto que para este efeito aproveita, a qualquer agente oficial do Estado Português, seja qual for a sua função. Em contrário, a disposição em projecto vem introduzir nesta matéria uma- limitação muito rigorosa.
É duvidosa a justiça desta restrição. Sem esquecer que a atribuição dá nacionalidade portuguesa aos filhos dos representantes do Estado Português que não sejam agentes diplomáticos os consulares de carreira pode sempre ficar garantida mediante o emprego de alguns dos processos previstos no artigo 4.º, parece ser razoável conceder àqueles que se encontram no território, estrangeiro no desempenho de missão oficial independente do exercício das funções de uma- carreira o mesmo tratamento dado aos agentes diplomáticos ou consulares.
9. Na Secção II do mesmo capítulo, «Da atribuição por efeito da vontade, declarada ou presumida», indicam-se as condições em que se consideram cidadãos portugueses os nascidos no estrangeiro quando filhos legítimos ou ilegítimos de pai português (artigo 4.º) ou de mãe portuguesa (artigo 5.º).
Como nota o relatório do diploma (n.º 4), consagra-se assim o princípio firmado no Código Civil (artigo 18.º, n.ºs 2.º e 3.º), segundo o qual a declaração de opção pela nacionalidade portuguesa com fundamento na nacionalidade portuguesa do progenitor pode fazer-se sem subordinação» a prazo e, portanto, a todo o tempo.
Solução diferente da do Code de la nationalité française (artigo 45.º), a sua. manutenção implica, na verdade, os inconvenientes apontados. Mas o carácter universalista da expansão do povo português, que o relatório vinca, e a circunstância de a maior parte dos problemas desta índole se originarem no Brasil, nação irmã onde a linha divisória entre as duas nacionalidades não tem muitas vezes repercussão na prática, conduz a apoiar a solução adoptada: e com tanto mais garantia de segurança para o Estado Português que, mediante a faculdade expressa no artigo 34.º, o Governo tem a possibilidade de impedir o funcionamento da regra geral nos casos em que considerar a sua aplicação capaz de produzir efeitos verdadeiramente inconvenientes.
10. Trata a secção III da filiação em matéria de nacionalidade.
Aos seus quatro artigos (6.º a 9.º) nada há a opor.
Há apenas a notar que o artigo 8.º aplica à matéria em causa o princípio geral sobre a equiparação dos filhos legitimados aos legítimos (Decreto n.º 2 de 25 de Dezembro de 1910, artigo 2.º) e que, além do lapso que na parte final do n.º 2 do artigo 9.º diz «perfilhado» por «perfilhante», o n.º 3 deste mesmo artigo só dá. efeitos à perfilhação em matéria de nacionalidade quando ela for feita durante a menoridade do perfilhado. A liberdade da atitude deste em tal matéria, quando maior, fica assim inteiramente ressalvada.
11. É epígrafe do capítulo II «Da aquisição da nacionalidade», e divide-se ele em duas secções, sendo a primeira. «Da aquisição da .nacionalidade pelo casamento» (artigos 10.º e 11.º).
No primeiro destes artigos, o preceito em vigor, segundo o qual é portuguesa a mulher estrangeira que casa com cidadão português (Código Civil, artigo 18.º, n.º 6), passa a permitir uma importante excepção: a regra não se aplicará se até à celebração do casamento a mulher declarar que não quer adquirir a nacionalidade portuguesa e provar que mão perde a nacionalidade anterior.
Ao problema da repercussão do casamento na nacionalidade da mulher se refere com largueza o relatório do projecto (n.º 6), indicando as divergências sobre ele que a doutrina tem admitido e os sistemas-base em que as várias legislações se têm fixado, embora com variações de pormenor.
Acerca do princípio em vigor no caso português, faz-se notar que ele deriva da ideia de os cônjuges deve-
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rem ter a mesma lei pessoal, o que evita prováveis e graves conflitos de leis e é mais um vínculo de robustecimento da unidade da família; mas justifica-se a proposta atenuação do mesmo princípio com a ideia de por este modo, se respeitar a vontade individual nitidamente expressa num domínio que, por ser estritamente pessoal, transcende os interesses da própria família e que, por se basear normalmente no nobre sentimento do amor pátrio, é digno de todo o respeito.
Mesmo sem perfilhar esta doutrina, deve reconhecer-se que a circunstância de a modificação projectada só permitir a conservação da nacionalidade de origem à mulher quando ela provar que não perde pelo casamento essa nacionalidade traz consigo a vantagem, decerto mas importante na prática, de evitar que ela fique sem nacionalidade.
Aliás, é semelhante a situação que, em caso paralelo, a lei em vigor cria à mulher portuguesa que casa com cidadão estrangeiro. (Código Civil, artigo 22.º, n.º 4.º1).
A alteração proposta afigura-se, portanto, de louvar.
12. No artigo 1.1.º afirma-se a regra de que a nulidade ou anulação do casamento não prejudica a nacionalidade adquirida pelo casamento de mulher estrangeira com português, se ela o tiver contraído de boa fé e enquanto tiver domicílio em Portugal.
A solução contrária é a consagrada no Code de la nationalité française (artigo 42.º) e tem sequazes no nosso país (Dr. L. da Cunha Gonçalves, Tratado ..., vol. I, p. 525); mas. com orientação contrária opinou o Prof. Fernando A. Pires de Lima (O Casamento Putativo no Direito Civil Português, p. 252). A disposição em projecto resolve a questão no segundo sentido, e os motivos que o relatório invoca em justificação (n.º 7) - a possibilidade de do casamento haver filhos que conservem a nacionalidade portuguesa e o facto de a mulher se ter integrado realmente na comunidade portuguesa - são inteiramente procedentes. E tanto mais que a solução adoptada fica dependente da atitude da própria interessada e esta se revelará por um índice objectivo - a manutenção do seu domicílio em Portugal. Convém, no entanto, exprimir esta atitude por forma inequívoca, através de uma opção de nacionalidade.
13. Trata a secção II do capítulo II da aquisição da nacionalidade por naturalização (artigos 12.º a 16.º). Aí se renovam os princípios substantivos acerca da naturalização de estrangeiros, matéria esta que, depois de ter sido regulada pelos Decretos de 2 de Dezembro de 1910 e de 28 de Março de 1911, consta hoje do artigo 19.º do Código Civil, segundo a redacção do Decreto n.º 19 126, de 10 de Dezembro de 1930.
Pouco há a observar sobre o assunto.
Dizendo que o Governo «poderá» conceder a nacionalidade portuguesa mediante naturalização, o artigo 12.º vinca que a obtenção desta não constitui um direito subjectivo de todos aqueles que se encontrem nas condições previstas na lei. E apenas uma expectativa de direito, cuja concretização depende de uma faculdade discricionária a usar pelo Governo. E, em atenção à importância política que as naturaliza coes podem revestir, não pode criticar-se esta solução.
A atenuação das exigências permitida pelo artigo 13.º justifica-se obviamente.
14. Refere-se o preceito do artigo 12.º à naturalização de qualquer cidadão de país estrangeiro, sem distinção alguma, que para adquirir a nacionalidade portuguesa reúne as condições ali impostas.
Mas esta Câmara tem conhecimento da existência de pretendentes à nacionalidade portuguesa de índole bem diversa. São muitos dos que pertencem a povos com maior ou menor grau de sangue nacional desde o tempo das conquistas e que se sentem presos a Portugal pelos laços da língua, que dificilmente conseguem ir conservando, ou da religião, que os isola do meio ambiente, ou da civilização ocidental, que assimilaram. São, em todo o caso, grupos humanos cheios de fervor português e que a Portugal se sentem vinculados por lima comunidade de sentimento e de vontade digna de admiração e credora de carinho.
Não pode pensar-se que o Governo proceda à naturalização, por assim dizer em massa, dos componentes de qualquer grupo destas populações, tantos, e tão graves seriam os problemas que tal medida poderia suscitar. Mas é de desejar que a lei lhe dê meios para, segundo as circunstâncias de cada caso a considerar, poder introduzir no grémio da Nação muitos daqueles que, talvez impedidos para sempre de pisar o território nacional, todavia se sentem irmanados com a população portuguesa mediante laços espirituais, que só por falta de vínculo jurídico se não podem considerar como amor pátrio verdadeiro.
E isto pode prevê-lo na futura lei em disposição adequada.
15. O capítulo III do projecto intitula-se «Da perda e da reaquisição da nacionalidade» e também se divide em duas secções, das quais a primeira tem por epígrafe «Da perda da nacionalidade» (artigos 17.º a 20.º).
Comenta, os respectivos preceitos o relatório do projecto (n.º 8), indicando o espírito que orientou as disposições. Por virtude destas eliminou-se .das causas de perda da nacionalidade a aceitação de condecoração de qualquer governo estrangeiro sem licença do Governo Português (Código Civil, artigo 22.º, n.º 2.º), sanção transcrita do artigo 8.º da Carta Constitucional e que, em face da hodierna intensidade das relações internacionais, é totalmente desproporcionada com o facto que visa impedir e parece não ter paralelo em qualquer outra legislação.
A este respeito pode ainda dizer-se que, além de obsoleta, aquela disposição é hoje praticamente inoperante. É por isso que, podendo certamente aplicar-se a muitos portugueses, só provocou até hoje uma decisão conhecida, e essa judicial. É a sentença de 9 de Dezembro de 1881, confirmada por acórdão da Relação dos Açores, que julgou ser a sanção cominada naqueles dois preceitos «grave pena que não deve ser imposta, senão por sentença condenatória ...º (Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 17.º, p. 489).
Justifica-se, portanto,/inteiramente, a omissão daquele facto entre as causas da perda da nacionalidade.
Analisando agora as disposições projectadas, podem fazer-se-lhes algumas observações.
No artigo 17.º, alínea a), a fórmula empregada é, como se diz no relatório, mais ampla do que a fórmula vigente, que apenas se refere a naturalização, e permite abranger casos de aquisição de nacionalidade estrangeira como os apontados, aos quais o conceito de naturalização não pode aplicar-se. A fórmula nova é, pois, mais adequada.
Ao fundamento da perda da nacionalidade expresso na alínea b) - a aceitação de funções públicas ou a prestação de serviço militar a Estado estrangeiro sem licença do Governo, se essas funções ou o serviço não forem abandonados dentro do prazo fixado - faz o relatório a importante restrição de que, no pensamento inspirador da lei, estes motivos apenas são aplicáveis aos cidadãos que sejam sómente portugueses, e não aos
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que, sendo portugueses, sejam também nacionais de outro Estado a quem prestem o serviço ou a cujo funcionalismo cheguem a pertencer.
Tal é, na verdade, a doutrina razoável sobre este ponto, já que, não podendo negar-se a ninguém o dever ou o direito de prestar serviço a um Estado a cuja esfera jurídica se pertença, por força do vínculo da nacionalidade, não faria sentido, que tais situações se considerassem só por si como reveladoras da vontade de não querer conservar a nacionalidade portuguesa.
Mas se não há dúvidas sobre esta doutrina e ela é justa, importa, para eliminação de incertezas e segurança dos interessados, exprimi-la no próprio texto da lei.
As disposições das alíneas c), d) e e) do artigo 17.º não suscitam objecções. Sobre o significado da terceira dá o relatório do projecto (n.º 4) explicações inteiramente de aplaudir.
16. Para não dar a alguns casos de perda da nacionalidade a rigidez absoluta que resultaria da aplicação da lei feita isso facto, dispõe o artigo 18.º que compete ao Conselho de Ministros decidir ponderadamente as circunstâncias particulares de cada caso sobre a perda da nacionalidade quanto a três situações concretas sobre as quais não se suscita qualquer dúvida. Todavia, para vincar bem a distinção entre elas e as previstas no artigo anterior por forma a acentuar que no artigo 18.º se concede ao Governo uma faculdade discricionária, convém retocar ligeiramente a disposição .
No artigo 19.º (que no n.º 8 do relatório do projecto é, por lapso, referido como artigo 22.º) dá-se ao Governo, a faculdade de decretar a perda da nacionalidade ainda em dois casos, sobre o primeiro dos quais o artigo 20. º contém u mia disposição complementar. São preceitos que não exigem justificação especial.
17. Na secção II do capítulo III trata-se da reaquisição da nacionalidade (artigos 21.º e 22.º).
No artigo 21.º indicam-se em quatro, alíneas os pressupostos de facto que conduzem à reaquisição da nacionalidade, todos baseados sobre declaração da vontade dos interessados em regressar à esfera jurídica portuguesa. Do caso previsto na alínea b) -o de obtenção de graça especial de reaquisição - trata mais explicitamente o artigos 22.º, indicando que a respectiva concessão compete ao Conselho de Ministros e pode ser requerida através do Ministério do Interior. São disposições que constituem um sistema coerente com os princípios que dominam o projecto e aos quais nada há a opor.
Deve, porém, suprimir-se na alínea c) do artigo 21.º a referência ao casamento anulado, visto a situação daí resultante já estar prevista no artigo 11.º
18. Também o capítulo IV, «Dos efeitos da atribuição, aquisição, perda e reaquisição! da nacionalidade», se divide em duas secções. E a secção I, «Dos efeitos da atribuição da nacionalidade», contém-se toda no artigo 23.º
Consagra-se nesta disposição o princípio geral de que os efeitos da atribuição da nacionalidade portuguesa se produzem desde o nascimento do interessado, isto é, com retroacção a esse momento, quando as condições de que depende a atribuição, só venham a verificar-se posteriormente. Para este caso, porém, ressalva-se a validade das relações jurídicas estabelecidas anteriormente com base em nacionalidade diversa.
Tanto a regra como a sua limitação merecem inteira concordância: a primeira por ser evidente a vantagem de não cindir no tempo o estatuto pessoal de cada
indivíduo e a segunda por poder ter reflexo no domínio dos direitos de terceiros.
19. A secção II deste capítulo IV intitula-se «Dos efeitos da aquisição, perda e reaquisição da nacionalidade» (artigos 24.º a 33.º).
Exprimem-se nas primeiras sete destas disposições as consequências jurídicas dos factos referidos naquela epígrafe, que deles directamente dimanam e a lei quis firmar em forma expressa. Sobre esta matéria há a fazer uma observação apenas.
No artigo 28.º, n.º 1, impede-se temporariamente aos que adquirem a nacionalidade portuguesa o exercício de funções públicas, ou de direcção e de fiscalização em sociedades ou outras entidades dependentes do Estado Português, por contrato, ou por ele subsidiadas.
Não suscita oposição o objecto deste preceito e a sua forma é á mesma do artigo 20.º do Código Civil, conforme a sua actual redacção.
Tal forma, porém, não é bastante clara. Por outro lado, é certo que, mesmo nas sociedades que têm posição especial em relação ao Estado, podem os estrangeiros exercer, em certa medida, funções de direcção e fiscalização. E como não faria sentido que a capitis diminutio dos naturalizados fosse mais extensa do que a dos estrangeiros, é curial estabelecer apenas que durante p período de dez anos estes não sejam hábeis para exercer as funções que não possam ser desempenhadas por estrangeiros.
20. Trata o capítulo V da oposição à atribuição, aquisição ou reaquisição da nacionalidade portuguesa (artigos 34.º a 36.º).
Nada há a observar sobre a razão, de ser destas dispoções, cujo sentido de defesa dos interesses da colectividade, nacional é patente e através delas se mostra acautelado. Mas, não obstante os termos da epígrafe abrangerem a reaquisição, nota-se que os preceitos dos três artigos do capítulo só permitem ao Governo opor-se à atribuição e aquisição da nacionalidade. E, contudo, no caso da reaquisição, podem suscitar-se problemas análogos aos previstos para os outros dois casos.
No projecto há, assim, uma lacuna, fácil de preencher com uma disposição nova que preveja a oposição do Governo no caso da reaquisição pelos únicos fundamentos a ela adaptáveis: os indicados nas alíneas a), b) e c) do artigo 34.º
21. O capítulo VI intitula-se «Do registo central da nacionalidade» (artigos 37.º a 45.º).
É um conjunto de regras tendentes a dar aos actos probatórios do estatuto pessoal em matéria da nacionalidade a certeza que lhes é indispensável para poderem produzir os seus efeitos.
Nada há a objectar ao sistema.
22. No capítulo VII, «Da prova da nacionalidade» (artigos 46.º e 47.º), regula-se minuciosamente a importante matéria que consta da sua epígrafe.
Os respectivos preceitos estão, na generalidade, de harmonia com os princípios do projecto ,e o desenvolvimento do seu articulado.
23. O capítulo viu, «Do contencioso da nacionalidade», contém apenas duas disposições (artigos 53.º e 54.º).
A primeira corresponde à letra do artigo 117.º da Lei n.º 2049, e sobre o seu alcance e significado já esta Câmara se pronunciou ao apreciar a proposta do Governo que veio a converter-se naquela lei (Pareceres da Câmara Corporativa, Vg Legislatura, pp. 520 e seguiu-
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tes). Exige, porém, um pequeno retoque destinado a excluir da sua letra as questões emergentes de actos que o projecto atribui a competência do Conselho de Ministros.
Será certamente de toda a utilidade o funcionamento junto da Conservatória dos Registos Centrais do contencioso da nacionalidade que o artigo 54.º manda organizar.
24. Intitula-se o capítulo IX «Dos conflitos de leis em matéria da nacionalidade» (artigos 55.º a 57.º).
Nas duas primeiras destas disposições adaptam-se ao direito interno princípios geralmente admitidos no corpo doutrinário do direito internacional privado. E na última firma-se uma regra de incontestável utilidade prática em caso de conflito de leis.
Nada a opor.
25. O último capítulo, o décimo, é o que contém as «Disposições diversas» (artigos 58.º e 59.º).
A primeira delas tem o fim de evitar uma dúvida e a segunda contém uma prescrição de ordem prática. Ambas estas normas se integram no sistema projectado e sobre o seu sentido ou alcance não há observações a fazer.
Nota-se, porém, a falta de uma disposição destinada a acautelar o estatuto jurídico especial de que gozam numerosas populações do território português, a cujo abrigo desenvolvem a sua vida colectiva própria. É o chamado regime de indigenato, em vigor nas províncias ultramarinas da Guiné, de Angola e de Moçambique, que convém isentar de qualquer incidência do diploma em projecto. E isso se obtém com uma nova disposição a colocar no seu final.
26. Além das alterações sugeridas nos números anteriores, outras há que se encontram incorporadas no texto a propor. São todas de simples redacção e tendentes a aumentar a clareza ou a permitir mais fácil interpretação das disposições do projecto em estudo. Por isso não se lhes fez referência especial.
III
Conclusões
Em virtude do exposto, a Câmara Corporativa aprova na especialidade o projecto de decreto-lei n.º 500, sugerindo, no entanto, que no seu articulado se façam as alterações de que resulta dever q seu texto ficar com a redacção, seguinte:
Da nacionalidade portuguesa
CAPITULO I
Da atribuição da nacionalidade originária
SECÇÃO I
Da atribuição por mero efeito da lei
ARTIGO 1.º
1. São portugueses, desde que hajam nascido em território português:
a) Os filhos de pai português;
b) Os filhos de mãe portuguesa se o pai for apátrida, de nacionalidade desconhecida ou incógnito;
c) Os filhos de pais apátridas, de nacionalidade desconhecida ou incógnitos;
d) Os filhos de pai estrangeiro, salvo se este estiver em território português ao serviço do Estado a que pertence ;
e) Os filhos de mãe estrangeira se o pai for apátrida, de nacionalidade desconhecida ou incógnito, salvo se aquela estiver em território português ao serviço do Estado a que pertence.
2. Presumem-se nascidos em Portugal, salvo prova em contrário, os recém-nascidos expostos em território português.
ARTIGO 2.º
São igualmente portugueses, conquanto nascidos em território estrangeiro, os filhos de pai ou mãe portugueses que nesse território se encontrem ao serviço do Estado Português.
ARTIGO 3.º
Para os efeitos do disposto nos artigos 1.º e 2.º, são considerados como estando ao serviço do Estado a que pertencem aqueles que se encontrem fora do respectivo território em consequência de missão oficial do mesmo Estado.
SECÇÃO II
Da atribuição por efeito da vontade, declarada ou presumida
ARTIGO 4.º
São considerados portugueses os filhos de pai português nascidos no estrangeiro, desde que satisfaçam a alguma das seguintes condições:
a) Declararem, por si, sendo maiores ou emancipados, ou pelos seus legais representantes, sendo menores, que querem ser portugueses;
b) Terem o nascimento inscrito no registo civil português através de declaração prestada pelos próprios, sendo maiores ou emancipados, ou pelos seus legais representantes, sendo menores;
c) Estabelecerem domicílio voluntário em território português é assim o declararem perante a entidade competente.
ARTIGO 5.º
São tides igualmente como portugueses, desde que se verifique alguma das condições previstas no artigo anterior, os filhos de mãe portuguesa nascidos em território estrangeiro se o pai for apátrida, de nacionalidade desconhecida ou incógnito.
SECÇÃO III
Da filiação em matéria de nacionalidade
ARTIGO 6.º
Só a filiação estabelecida de conformidade com a lei portuguesa produz efeitos relativamente a atribuição da nacionalidade portuguesa.
ARTIGO 7.º
No caso de a filiação ser legítima, só a nacionalidade do pai produzirá efeitos em relação à nacionalidade dos filhos, salvo se aquele for apátrida ou de nacionalidade desconhecida.
ARTIGO 8.º
A nacionalidade dos legitimados rege-se pelas disposições aplicáveis aos filhos legítimos.
ARTIGO 9.º
1. Se o filho ilegítimo for simultaneamente perfilhado por ambos os pais, apenas o reconhecimento paterno terá efeitos na fixação da nacionalidade do perfilhado, excepto se o pai for apátrida ou de nacionalidade desconhecida.
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2. Se o filho ilegítimo for sucessivamente perfilhado por .ambos os pais, apenas o primeiro reconhecimento será considerado para efeitos de fixação da nacionalidade do perfilhado, salva a hipótese de o perfilhante ser apátrida ou de nacionalidade desconhecida.
3. A perfilhação só terá efeitos em relação à nacionalidade do reconhecido quando estabelecida durante a sua menoridade.
CAPITULO II
Da aquisição da nacionalidade
SECÇÃO I
Da aquisição da nacionalidade pelo casamento
ARTIGO 10.º
A mulher estrangeira que casa com português adquire a nacionalidade portuguesa, excepto se até à celebração do casamento declarar que a não quer adquirir e provar que não perde a nacionalidade anterior.
ARTIGO 11.º
A nulidade ou anulação do casamento não prejudica a nacionalidade adquirida nos termos do artigo anterior, desde que a mulher o haja contraído de boa fé e enquanto tiver domicílio estabelecido em Portugal, salvo se no prazo de seis meses optar pela nacionalidade de origem.
SECÇÃO II
Da aquisição da nacionalidade por naturalização
ARTIGO 12.º
O Governo poderá conceder a nacionalidade portuguesa mediante naturalização aos estrangeiros que satisfaçam cumulativamente as seguintes condições:
a) Serem maiores ou havidos como tais,- tanto pela lei portuguesa como pela lei nacional do seu Estado de origem;
b) Terem a capacidade necessária para granjear solário suficiente pelo seu trabalho ou outros meios de subsistência;
c) Terem bom comportamento moral e civil;
d) Terem cumprido as leis do recrutamento militar do país de origem, no caso de não serem apátridas ou de nacionalidade desconhecida;
e) Possuírem conhecimentos suficientes, segundo a sua condição, da língua portuguesa;
f) Residirem há três anos, pelo menos, em território português.
ARTIGO 13.º
As condições a que se referem as alíneas e) e f) do artigo anterior não serão exigíveis aos descendentes de sangue português que vierem estabelecer - domicílio em território nacional, e poderão ser dispensadas em relação ao estrangeiro casado com portuguesa ou que tenha prestado ou seja chamado a prestar algum serviço relevante ao Estado Português.
ARTIGO 14.º
A naturalização será concedida, por decreto do Ministro do Interior, a requerimento do interessado e mediante processo de inquérito organizado e instruído, nos termos que em regulamento vierem a ser fixados.
ARTIGO 15.º
O processo de naturalização e os documentos destinados à sua instrução não estão sujeitos às disposições da lei do selo.
ARTIGO 16.º
Como título de aquisição da nacionalidade, será passada, ao interessado a carta de naturalização, que levará apostos e inutilizados os selos fiscais previstos na legislação em vigor.
ARTIGO 17.º
Quando o considerar justo e oportuno, o Governo poderá também reconhecer a nacionalidade portuguesa a pessoas pertencentes a comunidades que a si próprias se atribuem ascendência portuguesa e manifestem vontade de se integrar na ordem social e política nacional.
Este reconhecimento será feito nos termos do artigo 14.º, e para o obter exigir-se-ão apenas as condições enumeradas no artigo 12.º que o Governo considerar indispensáveis em cada caso.
CAPITULO III
Da perda e da reaquisição da nacionalidade
SECÇÃO I
Da perda da nacionalidade
ARTIGO 18.º
Perde a nacionalidade portuguesa:
a) O que voluntariamente adquira nacionalidade estrangeira ;
b) O que sem licença do Governo aceite funções públicas ou preste serviço militar a Estado estrangeiro, se, não sendo também súbdito desse Estado, não abandonar essas funções ou serviço dentro do prazo que lhe for designado pelo Governo;
c) A mulher portuguesa que case com estrangeiro, salvo se não adquirir, por esse facto, a nacionalidade do marido ou se declarar até à celebração do casamento que pretende manter a nacionalidade portuguesa,- ou ainda se o casamento vier a ser declarado nulo ou anulado ;
d) O que, havendo nascido em território português e sendo também nacional de outro Estado por motivo da filiação, declare, por si, quando maior ou emancipado, ou pelo seu legal representante, enquanto menor, que não quer ser português;
e) Aquele a quem na menoridade haja sido atribuída a nacionalidade portuguesa, nos termos da secção II do capítulo I, ou a tenha adquirido por efeito de declaração do seu representante legal, se declarar, quando maior ou emancipado, que não quer ser português e provar que tem outra nacionalidade.
ARTIGO 19. º
Compete ao Conselho de Ministros decidir, ponderadas as circunstâncias particulares de cada caso, sobre a perda ou a manutenção da nacionalidade:
a) Se a aquisição da nacionalidade estrangeira for determinada por naturalização directa ou indirectamente imposta a residentes no respectivo Estado;
b) Se os factos a que se refere a alínea b) do artigo anterior só forem conhecidos depois de haverem cessado o exercício das funções ou a prestação do serviço militar ou o Governo não chegar a designar prazo para o seu abandono.
ARTIGO 20.º
Por deliberação do Conselho de Ministros, pode o Governo decretar a perda da nacionalidade portuguesa:
a) Aos portugueses havidos também como nacionais de outro Estado que, principalmente após a maioridade ou emancipação, se comportem, de facto, apenas como estrangeiros;
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b) Aos portugueses definitivamente condenados por crime doloso contra a segurança externa do Estado ou que ilicitamente exercerem a favor de potência estrangeira ou de seus agentes actividades contrárias aos interesses da Nação Portuguesa.
ARTIGO 21.º
No caso previsto na alínea a) do artigo anterior, a perda da nacionalidade poderá tornar-se extensiva ò mulher e aos filhos menores do plurinacional se todos forem também havidos como nacionais do outro Estado; a medida não será, porém, aplicável aos filhos se o não for simultaneamente à mulher.
SECÇÃO II
Da reaquisição da nacionalidade
ARTIGO 22.º
Readquire a nacionalidade portuguesa:
a) O que, depois de se haver, naturalizado em país estrangeiro, estabelecer domicílio no território nacional e declarar que pretende readquiri-la;
b) O que, após haver perdido a nacionalidade por decisão do Governo, obtiver graça especial de reaquisição;
c) A mulher que houver perdido a nacionalidade devido ao casamento celebrado com estrangeiro, no caso de o casamento ser dissolvido, se estabelecer domicílio em Portugal e declarar que pretende readquiri-la;
d) O que, havendo perdido a nacionalidade em consequência de declaração feita, na menoridade, pelo seu legal representante, tiver domicílio em Portugal e declarar, quando maior ou emancipado, que pretende readquiri-la.
ARTIGO 23.º
A concessão da graça especial de reaquisição da nacionalidade portuguesa compete ao Conselho de Ministros e poderá ser requerida pelo interessado, por intermédio do Ministério do Interior.
CAPITULO IV
Dos efeitos da atribuição, aquisição, perda e reaquisição da nacionalidade
SECÇÃO I
Dos efeitos da atribuição da nacionalidade
ARTIGO 24.º
Salvo disposição em contrário, a atribuição da nacionalidade originária portuguesa produz efeitos desde o nascimento do interessado, ainda que as condições de que dependa só posteriormente se tenham verificado. Neste caso, porém, a atribuição da nacionalidade não prejudica a validade das relações jurídicas anteriormente estabelecidas com fundamento em nacionalidade diversa.
SECÇÃO LI
Dos efeitos da aquisição, perda e reaquisição da nacionalidade
ARTIGO 25.º
Os eleitos das alterações de nacionalidade dependentes de actos ou factos obrigatoriamente sujeitos a registo só se produzem a partir da data do registo.
ARTIGO 26.º
A carta de naturalização só produzirá efeitos se o seu registo for requerido dentro do prazo de seis meses, a contar da, data do decreto de concessão.
ARTIGO 27.º
1. Os efeitos das alterações de nacionalidade dependentes de actos ou factos não obrigatoriamente sujeitos a registo produzem-se desde a data da verificação dos actos ou factos que as determinem.
2. Exceptua-se do disposto no número anterior a perda da nacionalidade fundada na aquisição voluntária de nacionalidade estrangeira, a qual apenas produz efeitos para com terceiros, no domínio das relações de direito privado, desde que seja levada ao registo e a partir da data em que este se realize.
ARTIGO 28.º
O indivíduo que adquirir ou readquirir a nacionalidade portuguesa goza de todos os direitos inerentes à qualidade de português, salvo as restrições mencionadas no artigo seguinte e as expressamente previstas em leis especiais.
ARTIGO 29.º
1. Para o exercício de funções públicas ou de direcção e fiscalização de sociedades ou outras entidades dependentes do Estado Português, a aquisição da nacionalidade portuguesa só produz efeitos decorridos dez anos após a sua data, salvo se outro prazo for fixado em lei especial.
2. Se a aquisição se verificar, porém, durante a menoridade, a duração da inabilidade será de cinco anos, a contar da maioridade ou emancipação do interessado.
ARTIGO 30.º
A inabilidade prevista no artigo anterior é aplicável durante o prazo de três anos aos que readquiram a nacionalidade portuguesa. Tal inabilidade não se produzirá se a perda da nacionalidade portuguesa se houver verificado, na menoridade do interessado, pôr declaração do seu representante legal.
ARTIGO 31.º
A mulher casada com indivíduo que adquira a nacionalidade portuguesa pode também adquiri-la se declarar que pretende ser portuguesa.
ARTIGO 32.º
1. Os filhos menores de pai legítimo ou ilegítimo ou de mãe ilegítima que adquira por naturalização a nacional idade portuguesa poderão também adquiri-la se, por intermédio do pai ou da mãe, conforme os casos, declararem que pretendem ser portugueses.
2. Nas mesmas condições podem adquirir a nacionalidade portuguesa os filhos de mãe legítima se forem apátridas ou de nacionalidade desconhecida.
ARTIGO 33.º
Os filhos menores de pai legítimo ou ilegítimo ou de mãe ilegítima que perder a nacionalidade portuguesa poderão a ela renunciar se adquirirem a nova nacionalidade do pai ou da mãe, conforme os casos, e por intermédio deles declararem que não querem ser portugueses.
ARTIGO 34.º
São aplicáveis à filiação, para os efeitos dos artigos anteriores, as disposições da secção III do capítulo I.
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CAPITULO V
Da oposição à atribuição, aquisição ou reaquisição da nacionalidade portuguesa
ARTIGO 35.º
O Governo poderá opor-se à atribuição da nacionalidade portuguesa aos indivíduos que se encontrem nas condições previstas nos artigos 4.º e 5.º que sejam também nacionais de outro Estado por qualquer dos seguintes fundamentos:
a) Terem praticado em favor de Estado estrangeiro actos contrários à segurança exterior do Estado Português;
b) Terem cometido crime a que, nos termos da lei portuguesa, corresponda pena maior;
c) Terem exercido funções públicas de Estado estrangeiro ou haverem nele prestado serviço militar;
d) Terem mais de duas gerações de ascendentes imediatos nascidos no estrangeiro e não provarem conhecer suficientemente a língua portuguesa.
ARTIGO 36.º
O Governo poderá opor-se à aquisição da nacionalidade portuguesa não só pêlos- fundamentos constantes das alíneas a), b) e c) do artigo anterior, mas ainda pelas razões seguintes:
a) Se, no caso de a aquisição, provir de casamento, a mulher tiver sido expulsa do país antes da celebração desse acto;
b) Se, no caso de reclamação da declaração feita, a menoridade do interessado, pelo representante legal, o reclamante houver manifestado expressamente, depois da maioridade, a vontade de seguir a nacionalidade estrangeira.
ARTIGO 37.º
O Governo poderá opor-se u reaquisição da nacionalidade portuguesa pelos fundamentos expressos nas alíneas a), b) e ) do artigo 35.º
ARTIGO 38.º
O direito a oposição será exercido pelo Ministro da Justiça, no prazo de seis meses, a coutar da data do facto, de que dependa a atribuição ou aquisição dá nacionalidade e depois de ouvidos os Ministérios que possam contribuir para a justa decisão do caso.
CAPITULO VI
Do registo central da nacionalidade
ARTIGO 39.º
Do registo, central da nacionalidade, a cargo da Conservatória dos Registos Centrais, constarão as declarações de que depende a atribuição da nacionalidade portuguesa, bem como a sua aquisição, perda ou reaquisição.
ARTIGO 40.º
É obrigatório o registo:
a) Das declarações necessárias para atribuição da nacionalidade;
b) Das declarações para a aquisição, perda ou reaquisição da nacionalidade;
c) Das declarações para que pelo casamento a mulher não perca a nacionalidade ou não adquira a do marido;
d) Da naturalização de estrangeiros.
ARTIGO 41.º
Para fins de identificação, serão inscritas no registo:
a) A aquisição da nacionalidade portuguesa por parte da mulher estrangeira que casa com português;
b) A perda da nacionalidade em que incorre a mulher portuguesa que casa com estrangeiro;
c) A perda da nacionalidade por aquisição voluntária de nacionalidade estrangeira.
ARTIGO 42.º
A perda da nacionalidade nas condições previstas na alínea b) do artigo 18.º ou em consequência de decisão do Governo e, bem assim, a reaquisição por graça especial serão registadas oficiosamente.
ARTIGO 43.º
1. O registo dos actos a que se refere-o artigo 40.º será lavrado a requerimento dos interessados.
2. O registo dos actos a que se refere o artigo 41.º será feito oficiosamente ou a requerimento dos interessados.
ARTIGO 44.º
As declarações previstas nas alíneas a), b) e a) do artigo 40.º, exceptuada a que se refere ao estabelecimento de domicílio em Portugal, poderão ser feitas perante os agentes consulares portugueses, e neste caso serão registadas oficiosamente- em face dos necessários documentos comprovativos.
ARTIGO 45.º
Para fins do registo a que se refere o artigo anterior, os agentes consulares portugueses deverão enviar, no prazo de quinze dias e por intermédio do Ministério dos Negócios Estrangeiros, os documentos necessários á Conservatória dos Registos Centrais.
ARTIGO 46.º
São gratuitos os registos das declarações para a atribuição da nacionalidade portuguesa e os registos oficiosos, bem como os documentos necessários para uns e outros.
ARTIGO 47.º
O registo de acto que importe atribuição, aquisição, perda ou reaquisição da nacionalidade será sempre averbado ao assento de nascimento do interessado.
CAPÍTULO VII
Da prova da nacionalidade
ARTIGO 48.º
A nacionalidade portuguesa de indivíduos nascidos em território português prova-se pelas menções constantes do assento de nascimento.
ARTIGO 49.º
A nacionalidade portuguesa de indivíduos nascidos no estrangeiro prova-se, consoam te os casos, pelo registo das declarações de que depende a sua atribuição ou pelas menções constantes do assento de- nascimento realizado nos termos previstos na alínea b) do artigo 4.º
ARTIGO 50.º
A aquisição, perda e reaquisição da nacionalidade provam-se, nos casos de registo obrigatório, pelos respectivos registos ou pelos consequentes averbamentos lavrados à margem do assento de nascimento.
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ARTIGO 51.º
A aquisição e a perda da nacionalidade que resultem de actos cujo registo não seja obrigatório provam-se pelo registo ou pelos documentos comprovativos dos actos de que dependem. Para fins de identificação, é aplicável, porém, à prova destes actos o disposto no artigo anterior.
ARTIGO 52.º
Para efeito de inscrição ou matrícula consular, a prova da nacionalidade poderá ser feita nos termos previsto na respectiva legislação.
ARTIGO 53.º
Em caso de dúvida sobre a nacionalidade portuguesa do impetrante, os agentes consulares só deverão proceder à respectiva matrícula ou inscrição mediante prévia consulta à Conservatória dos Registos Centrais.
ARTIGO 54.º
1. Independentemente da existência do registo, poderão ser passados, a requerimento do interessado, certificados da nacionalidade portuguesa.
2. A força probatória do certificado poderá, porém, ser ilidida por qualquer meio sempre que não exista registo da nacionalidade do respectivo titular.
CAPITULO VIII
Do contencioso da nacionalidade
ARTIGO 55.º
1. Exceptuado o caso da naturalização e os previstos nos artigos 19.º e 20.º, é da competência do Ministro da Justiça decidir sobre as questões relativas à legalidade da atribuição, aquisição, perda ou reaquisição da nacionalidade e, bem assim, esclarecer as dúvidas que nessa matéria se suscitem.
2. Das decisões do Ministro cabe recurso, nos termos da lei geral, para o Supremo Tribunal Administrativo.
ARTIGO 56.º
Para averiguação da matéria de facto nas questões relativas á atribuição, aquisição, perda e reaquisição da nacionalidade portuguesa, funcionará junto da Conservatória dos Registos Centrais o contencioso da nacionalidade.
CAPITULO IX
Dos conflitos de leis sobre a nacionalidade
ARTIGO 57.º
Se um indivíduo tiver duas ou mais nacionalidades e uma delas for a portuguesa, prevalecerá sempre esta, salvo o disposto no artigo seguinte.
ARTIGO 58.º
O português havido também como nacional de outro Estado não poderá, enquanto viver no território desse Estado, invocar a nacionalidade portuguesa perante as autoridades locais nem reclamar a protecção diplomática ou consular portuguesa.
ARTIGO 59.º
No caso de conflito positivo de duas ou mais nacionalidades estrangeiras, prevalecerá a nacionalidade do Estado em cujo território o plurinacional tiver domicílio.
CAPITULO X
Disposições diversas
ARTIGO 60.º
A inscrição ou matrícula realizada nos consulados portugueses, rios termos do respectivo regulamento, não constitui, de per si, título atributivo da nacionalidade portuguesa.
ARTIGO 61.º
Em todos os casos de aquisição de nacionalidade, e, bem assim, nos de atribuição dependente de facto posterior ao nascimento, o interessado deverá registar os actos do estado civil a ele respeitantes que, segundo a lei portuguesa, devam obrigatoriamente constar do registo civil.
ARTIGO 62.º
O preceituado neste diploma não prejudica o disposto nas regras especiais do regime de indigenato em vigor nas províncias ultramarinas da Guiné, de Angola e de Moçambique, nos termos do Decreto-Lei n.º 39 666, de 20 de Maio de 1954.
Palácio de S. Bento, 8 de Janeiro de 1959.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Afonso Rodrigues Queira.
Augusto Cancella de Abreu.
Fernando Andrade Pires de Lima.
Guilherme Braga dá Cruz.
João Mota Pereiro de Campos.
José Gabriel Pinto Coelho.
Manuel Duarte Gomes da Silva.
Adelino da Palma Carlos.
Augusto de Castro.
António Pinto de Meireles Barriga.
Manuel António Fernandes.
Joaquim Moreira da Silva Cunha.
José Augusto Vaz Pinto, relator.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA