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REPÚBLICA PORTUGUESA

ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º43

VII LEGISLATURA

ANO 1959 12 DE FEVEREIRO

PARECER N.º 8/VII

Plano de arborização das bacias hidrográficas das ribeiras Terges e Cobres

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 6.º da Lei n.º 2069, de 24 de Abril de 1954, acerca do plano de arborização das bacias hidrográficas das ribeiras Terges e Cobres, emite, pelas suas secções de Lavoura (subsecção de Produtos florestais) e de Interesses de ordem administrativa (subsecção de Finanças e economia geral), às quais foram agregados os Dignos Procuradores José Martins d» Mira Galvão e Luís de Castro Saraiva, sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:

I

Apreciação na generalidade

§ 1.º

A posição da Câmara Corporativa em face da Lei n.º 2069

1. O plano de arborização das bacias hidrográficas das ribeiras Terges e Cobres é o primeiro plano apresentado a esta Câmara, como resultado da aplicação das disposições da Lei n.º 2069, de 24 de Abril de 1954, o que proporciona ocasião para estudar em pormenor, com base em novas informações facultadas pelo referido plano, o problema já largamente analisado no parecer n.º 2/VI, de 16 de Dezembro de 1953, de que foi relator o Digno Procurador Luís Quartin Graça.
Do estudo do plano de arborização depreende-se imediatamente que não foi possível dar resposta à questão apresentada no referido parecer desta Câmara sob a forma de objecção, que hoje se entende ainda mais fortalecida:

... em diploma desta natureza não haveria conveniência em considerar todos os processos a que, sob os aspectos técnico e económico, seja de recorrer para a defesa do solo e melhor aproveitamento económico e social dos terrenos erosionados ou em vias de o serem? É que se afigura que o recurso ao povoamento florestal, se bem que indiscutível e fundamental, não resolverá todos os problemas em causa e os restantes meios, ainda que enunciados no projecto, não ficam dispondo do incitamento e da protecção que agora se concede no revestimento das terras pelas matas.
Deste racionínio parece a esta Câmara que o estudo do problema da conservação e defesa do solo no seu conjunto deveria ser objecto da atenção da entidade que se julga indispensável, como noutros pareceres se tem advogado, venha a superintender no ordenamento geral da produção agrícola e não ficar adstrito a qualquer dos sectores especializados da Administração, que serão os naturais executores do plano estabelecido.

Em exame na especialidade o parecer referido acrescentava:

E certo que no articulado apenas acidentalmente no artigo 25.º se faz referência a outros métodos de conservação do solo que não sejam os da utilização de espécies florestais. Mas no preâmbulo do projecto ressalta a impressão de que se pretende dominar o problema em toda a sua extensão.
Por que não se inclui essa matéria neste diploma? É possível que se pretenda reservá-la para outra lei, mas à Câmara parece que haveria toda a conveniência em reunir num mesmo instrumento legislativo tudo quanto respeita à conservação do solo. Até mesmo por facilitar as directrizes a seguir, quer pelo Estado, quer pelos particulares, nesta árdua tarefa.

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Excedia as atribuições da Câmara Corporativa propor outras medidas de defesa e conservação do solo que envolvessem encargo financeiro que representasse um desvio do consignado a arborização florestal.
E, por isso, na redacção proposta Se manteve a referência a outros trabalhos de defesa, que teriam de ser feitos, no entanto, por conta dos proprietários, embora com o auxílio não preferencial da Lei dos Melhoramentos Agrícolas, se a propriedade estivesse em condições de ser hipotecada.

2. Todavia, o propósito justíssimo cia Câmara Corporativa de chamar a atenção do Governo para o problema da erosão nos terrenos que conservam ainda apreciável grau de utilidade agrícola não parece ter estabelecido sério conflito com o outro propósito do Governo que, sem sombra de dúvida, é o de acudir urgentemente aos casos mais graves de destruição do solo nacional sempre que se pratica a cultura agrícola em solos que, desta forma, tendem para a completa esterilidade. Admite-se mesmo que, ao lado destas medidas urgentes de defesa do património nacional, se estabeleçam meios que permitam a conversão do aproveitamento agrícola em florestal em toda n parte onde seja possível associar razoáveis perspectivas económicas a decisões que simultaneamente entravam o curso da erosão, mesmo onde o quadro não é espectacular e se apresenta mais lento.
Por isso a Câmara Corporativa, nunca contestou o interesse da Lei n.º 2069, e apenas discutiu o seu âmbito, na parte em que era omissa no apoio técnico e financeiro a dar às modalidades de defesa não florestais.
E certo que pode sempre manifestar-se o receio de que as imposições de florestamento, que, aliás, são antigas na legislação portuguesa, possam, porventura, ser levadas longe de mais, acelerando um processo de conversão na utilização do solo que segue o seu curso normal em todas as regiões agrícolas do País.
Mas a lei consente a defesa do interesse privado, sempre que se apresente como razoável ou compatível com o interesse comum, e serve de poderoso volante nos casos em que a conversão não pode ser espontânea por motivos de inércia das tradições, ou de incapacidade económica para promover os necessários investimentos, ou para suportar o diferimento das receitas para o fim de prazos, em geral largos, além dos quais se consegue obter rendimentos da floresta instalada em condições de severa aridez.
Embora se reconheça que a Lei n.º 2069 poderia e deveria ter sido regulamentada e que terá de o vir a ser, como está previsto, em resultado da experiência da sua aplicação, e se possa afirmar de novo e afoitamente que o problema do estudo do novo ordenamento de culturas no âmbito regional e nacional deve ser tratado por grupos de trabalho onde figurem diversos especialistas, hoje compartimentados em diferentes serviços públicos, o plano enviado a esta Câmara pelo Governo apresenta aspectos de real valor e serve de ponto de partida para trabalhos futuros.

3. A Câmara Corporativa, consciente de que se lhe pede parecer, neste momento, unicamente sobre um plano elaborado ao abrigo da Lei n.º 2069, entende que não desempenharia seu papel se não chamasse mais. uma vez a atenção do Governo para os principais problemas ligados à conversão das formas de aproveitamento do solo numa vasta região, que vai ser imposta, embora com o apoio de medidas que tendem a anular ou diminuir as consequências económicas e sociais que desta conversão fatalmente resultam.
Entende, no entanto, quê as condições mesológicas existentes no perímetro a que diz respeito o plano são de molde a imporem a necessidade de alterar as formas de utilização do solo, mesmo nas áreas onde esta alteração não parece, em face dos usos tradicionais, ser imperiosa. Isto é, o nível de produtividade dos solos entregues à agricultura ú baixo em vastíssimas áreas e afecta duramente os preços de custo e a produtividade do trabalho, mantendo o ruinoso enquadramento económico da agricultura regional, com reflexos evidentes no nível de vida das populações rurais.
Nestas condições, e num ambiente desta natureza, a sujeição ao regime florestal é ponto vital de defesa do património da Nação, mas deve ir-se mais longe, admitindo que uma política de valorização regional se deva apoiar no fomento da silvicultura, justificando-se largamente que os projectos de povoamento florestal a elaborar pelos proprietários do perímetro, em ligação com os serviços do Estado, venham a incluir áreas onde a floresta é melhor empreendimento económico e social do que a utilização agrícola, usando-se dos meios de auxílio técnico e financeiro facultados pela lei, sempre que os proprietários assim o solicitem.
A defesa deste ponto de vista, aplicável aos casos, muito frequentes no perímetro, notados entre a capacidade de uso declaradamente agrícola e florestal contidos na classificação pouco objectiva de «agro-florestal», obriga, no entanto, a ressalvar ou impedir o desvio que pode dar-se sempre que o propósito de conversão do aproveitamento agrícola para florestal possa ser feito nas áreas de capacidade de uso agrícola que interessa manter para assegurar o montante das produções ou, mesmo nos casos-limite, para garantir o adoçamento de uma crise de transição já nitidamente desencadeada quando se observa o baixo nível económico das formas tradicionais de aproveitamento do território.
Entende-se, porém, que para definir a conveniente opção nestes casos não basta o ponto de vista do engenheiro silvicultor, e é este um dos pontos fracos da Lei n.º 2069, já reconhecido no parecer desta Câmara que resultou da sua apreciação em 1953. Lembra-se ainda que parece imperioso negar o apoio técnico e financeiro às iniciativas que porventura os proprietários pretendam empreender optando pela exploração florestal nos solos de reconhecida capacidade de uso agrícola, uma vez que as leis portuguesas não contêm disposições para impedir a utilização florestal de solos agrícolas.

§2.º

Os serviços florestais perante as novas tarefas do fomento florestal

4. Não se pretende relatar a história dos serviços florestais no continente português, porque muitos dos seus passos já se encontram largamente assinalados em pareceres desta Câmara, de quê se deve destacar o parecer acerca da proposta de lei n.º 194 sobre o povoamento florestal, de Março de 1938, de que foi relator o Digno Procurador Afonso de Melo Pinto Veloso. No entanto, há circunstâncias que devem agora ser assinaladas, para que se entenda claramente a magnitude do esforço que se exige agora aos engenheiros silvicultores portugueses e aos serviços onde encontram seu principal campo de actividade.
Foi em 1324 que foram confiados à Administração dos Serviços Florestais 14 464 ha de matas e coutadas da Coroa. Em 1886 os mesmos serviços administravam 18 278 ha, em 1903 tinham a seu cargo 33 303 ha e em 1910 a superfície que lhes estava entregue representara 37 000 ha.
Foi com este reduzido campo de actividade que a silvicultura portuguesa construiu seus alicerces e empreen-

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deu trabalhos que em 1936 conduziram à seguinte posição:

Dunas: Hectares

Área arborizada em 1896 ..................... 2 891
Área arborizada em 1936 .................... 23 350
Área por arborizar ......................... 13 892

Serras - baldios ao norte do Tejo:

Área arborizada até 1935 ................... 19 999
Área a arborizar .......................... 512 308

Entretanto, a legislação portuguesa em matéria florestal criava também suas tradições, especialmente com os Decretos de 24 de Dezembro de 1901, 24 de Dezembro de 1903 e 11 de Julho de 1905, todos ainda em vigor e que constituem notabilíssimos diplomas que, nos aspectos fundamentais, não envelheceram. Para sua aplicação faltou-lhes, no entanto, o apoio dos recursos financeiros e equipamento de serviços, e assim continuará a ser, no sector florestal particular, até que venha a ser aplicada a Lei n.º 2069.
Em 1938 foi estruturado o plano de povoamento florestal, que atribuiu aos serviços florestais o pesado encargo da arborização das dunas e dos baldios situados a norte do Tejo, mantendo-lhes as tarefas ligadas ao regime florestal parcial e de simples polícia e avolumando extraordinariamente a administração directa das propriedades que constituem património do Estado (regime florestal total) e dos corpos ou corporações administrativos (regime florestal parcial).
No início do II Plano de Fomento o problema da arborização das dunas está praticamente resolvido, mas nos baldios situados a norte do Tejo foram arborizados cerca de 145 000 ha, o que revela certo atraso em relação ao plano de 1938, que previa a arborização de 420 000 ha em seis quinquénios. As dificuldades da guerra impediram que em 1958 tivessem sido alcançados os 193 000 ha previstos, muito embora no decurso do I Plano de Fomento se ultrapassasse o ritmo planeado. Por isso se encontra referido no relatório final preparatório do II Plano de Fomento que «para concluir em 1968 o plano de arborização de 1938 será necessário dotar os serviços com os meios necessários para procederem à arborização de 150 000 ha, pelo menos, durante a vigência do II Plano de Fomento. Na verdade, a tarefa até agora realizada representa 34,5 por cento dos 420 000 ha totais, quando deveria atingir 46 por cento».
O que interessa, no entanto, considerar é que as tarefas impostas aos serviços florestais pelo Plano de 1938, ou ainda pelo II Plano de Fomento, em matéria de arborização de dunas e baldios, foram apreciadas como tendo probabilidade de se enquadrarem bem nas suas tradições e orgânica, tendo em vista que tudo havia de decorrer segundo as normas da «administração directa», tanto de propriedades do domínio privado do Estado, como dos corpos e corporações administrativos.
A «administração directa» do património do Estado era susceptível de continuar a decorrer de uma forma, de certo modo autoritária, que tinha o símbolo no guarda florestal armado, que excluía, com boa soma de argumentos, a co-utilização reivindicada pelos povos, mesmo com invocações baseadas no direito
consuetudinário. A necessidade de manter reservas florestais e de salvaguardar exemplares preciosos que ao Estado estavam entregues para alguma coisa mais do que a simples fruição económica justificava todos os propósitos de defesa, com exclusão de acções de terceiros.
A entrada dos serviços florestais nos baldios veio, no entanto, ferir interesses variados e contrariar usos profundamente enraizados. Mas nem sempre os serviços florestais penetraram, nos redutos montanhosos do continente tomando as precauções necessárias de estudar o ambiente, determinando a verdadeira feição dos problemas económicos e sociais que lhe respeitam. Bastava somente entrar em fronteiras nunca violadas, onde grupos humanos conseguiram manter intacto, desde as invasões romanas até às dos árabes, o espírito de independência e de autodeterminação, para provocar a inevitável reacção contra as novas técnicas que passavam a ser impostas. Procurou-se destruir essa reserva, em vez de a aproveitar dando-lhe sentido económico, e não se levou o estudo do ambiente mais longe do que o simples inquérito imposto pelas leis e, especialmente no início da «ocupação» dos baldios, deu-se um ritmo excessivo às sementeiras e plantações sem cuidar das pastagens, cujo melhoramento permite passar da utilização extensiva e depredadora ao sistema característico de um regime silvo-pastoril equilibrado.
Hoje os serviços dispõem de melhor orientação neste aspecto, mas do passado ficou a ferida que sangra ainda e a tradição de uma luta que se desenvolveu sem que bastassem aos guardas florestais as armas como sistema de defesa das leis, armas felizmente quase nunca usadas, mesmo quando os povos recorreram ao fogo lançado em vários focos em plena floresta de um modo que logo se via não ser acidental.
Ao lado do recurso à violência, que conduzia os povos a destruírem numas horas o produto do árduo trabalho de um serviço público e do investimento de importantes verbas do Estado, tem sido usada largamente a táctica da reclamação invocando razões actuais e tradicionais.
Mas a iniciativa progrediu, sobrepondo às reclamações dos povos a realidade incontestável de belas matas nos perímetros mais antigos e de prometedoras sementeiras e plantações nos mais recentes. Os redutos montanhosos foram abertos pela rede de estradas florestais, as linhas telefónicas dos serviços cruzaram vales e montanhas, a instalação e exploração das matas levou recursos novos a pontos onde tudo enquistava em economia fechada; com a estrada deslocou-se melhor o médico e salvaram-se muitas vidas, criou-se melhor ambiente para o professor e adoçaram-se as mentalidades, desenvolveu-se o comércio e visiona-se já a possibilidade da criação de indústrias.
Contra tudo isto ergue-se ainda o clamor dos povos pedindo espaço para ver agonizar uma pastagem torturada pelo dente das cabras e pelo fogo posto pelos pastores, ou espaço ainda para cultivar entre as pedras, o que alguns dizem ser o «pão dos pobres», mas que tem de ser entendido como o motivo pelo qual se não pode deixar de ser pobre. E quantas vezes a «razão dos povos» se apresenta deformada pelos que exploram em seu proveito a pobreza das montanhas com o privilégio de rebanhos que não são do povo, ou com abusivas apropriações de parcelas de baldios concretizadas de forma discutível, ou tentadas por todos os meios, tendo em vista as largas perspectivas económicas do aproveitamento florestal.
Mas o problema está longe de se encontrar encerrado. O baldio é um tipo de propriedade tão respeitável como qualquer outro e, fora dos casos de indiscutível domínio privado das juntas de freguesia ou dos municípios, será lamentável que dos verdadeiros baldios se apropriem o Estado ou as autarquias, como por vezes parece ser tendência actual, não bastando para resolver o assunto uma pouco esclarecida comparticipação em resultados económicos difíceis de de-

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terminar, comparticipação a que poderá talvez vir a ser dado destino discutível.
Fora dos domínios da a administração directa expande-se o regime florestal parcial e de simples polícia, conduzido pelos proprietários, quando a lei transfere as armas do ombro de funcionários públicos para o ombro de empregados da exploração agro-florestal. É de acordo com este regime que se colocam tabuletas nas estremas das propriedades dizendo-se que se não pode caçar. E assim o regime florestal tem assegurado muita vez somente o privilégio das coutadas sem impor uma técnica conveniente de exploração florestal.
Modernamente, o Decreto-Lei n.º 39 931, de 24 de Novembro de 1954, obriga a propriedade submetida ao regime florestal a subordinar-se a um plano de arborização, tratamento e exploração. Mas é cedo ainda para avaliar dos resultados do referido diploma.

5. A Lei n.º 2069 lança a Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas num terreno novo, atribuindo-lhe funções muito mais amplas de "assistência técnica" nos terrenos particulares. Quando reforça disposições de 1901, 1903 e 1905 subordina-as à disciplina de planos de arborização de acordo com os quais terão de ser elaborados ou estudados projectos respeitantes a propriedades que se espera ver submetidas de facto ao regime florestal. Todavia, para ser assim, os serviços terão de ser equipados de forma adequada.
Neste ponto justifica-se que a Câmara Corporativa se veja obrigada a reconhecer que a última reforma da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, promulgada já depois da Lei n.º 2069, não foi concebida de modo a atender às novas tarefas fixadas nesta lei e no II Plano de Fomento, visto que praticamente não alterou a estrutura dos serviços nem acrescentou o número de técnicos, uma vez que a ampliação dos quadros somente resolveu problemas correspondentes a situações precárias já existentes.
Na realidade mantiveram-se quatro repartições técnicas e uma administrativa, respectivamente de arborização, de obras, de exploração, de fomento e protecção e dos serviços administrativos, onde as novas tarefas resultantes da Lei n.º 2069 se diluem, juntamente com outras tradicionais e respeitantes a dunas, baldios das serras, regime florestal e protecção de arvoredos. No exterior dispõe-se de seis circunscrições apenas no continente e duas nas ilhas adjacentes, com pessoal quase inteiramente absorvido pela administração de matas nacionais ou de baldios. A investigação e experimentação florestais reduzem-se a três Estações - de Experimentação Florestal, de Biologia Florestal e Aquícola - não se sabendo em que lugar se situa a investigação económica.
Não é possível descortinar no esquema dos serviços actuais a forma como vão ser coordenados os trabalhos respeitantes à Lei n.º 2069, que exigem uma mentalidade própria e um contacto atento e activo com um meio muito diverso daquele onde até agora os serviços actuaram. Em resumo: a tarefa imposta aos serviços pela Lei n.º 2069 é desmedidamente grande para a actual estrutura doa serviços, tão grande que não será prudente confiar no êxito sem enfrentar o problema de reformar novamente a Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas.
Torna-se, na verdade, indispensável e urgente separar nitidamente dois campos de actividade: o da "administração directa", de sabor tradicional, mas ainda de interesse indiscutível para salvaguarda e valorização de preciosas reservas, e o da "assistência técnica" ou de fomento florestal particular. Para apoio dos dois campos de actividade deve expandir-se claramente outra actividade, certamente essencial ou básica - a da investigação florestal -, onde não deve esquecer-se o sector económico-social, indispensável para orientar a intervenção nos baldios e muito mais na propriedade particular. Paralelamente, a rede de circunscrições tem de ser adensada, distraindo-se boa parte dos técnicos para a assistência que tende a ser cada vez mais procurada pela actividade particular.

§ 3.º

As dimensões do problema que se pretende enfrentar

6. Antes de iniciar uma tarefa, que se impõe, de recuperação do muito que se apresenta perdido não será de mais meditar nas dimensões do problema que se pretende enfrentar. Por isso se oferece, nesta análise do I lano em estudo na generalidade, um sugestivo trecho o Prof. Aldo Pavari 1:
A predominância da pastorícia na economia dos povos primitivos mediterrâneos transmitiu-se através dos séculos até hoje e as suas consequências têm sido muito mais desastrosas que em outra qualquer parte, pois que os três factores da destruição do bosque, isto é, o corte, a pastagem e o fogo, têm efeitos qual deles o mais intenso neste ambiente físico particular. Basta pensar na facilidade com que é destruída a manta morta e o húmus, na gravidade da erosão do solo, quando este esteja desnudado, por efeito da chuva torrencial, na intensidade da erosão eólica, etc.
Esta situação, comum a toda a bacia mediterrânica e resultante das fatais consequências das relações entre o ambiente e a vida do homem, mostra que ela não se pode atribuir às políticas ou às legislações dos diversos países. As invasões dos Bárbaros e a influência do fatalismo muçulmano são de considerar mais causas indirectas do que directas. Por outro lado, a destruição da floresta e a erosão são fenómenos bem mais antigos, do que a civilização romana; de facto, segundo Xenofonte, já então os montes de África eram referidos como o osso de um esqueleto.
Estas breves e incompletas notas explicam não só o facto do avanço do deserto até aos limites do território mediterrâneo (como se verificou, por exemplo, na Anatólia e na África do Norte), mas também a progressiva e muitas vezes impressionante desertificação de vastas zonas dentro desta região, como se pode ver nas centenas de milhares de hectares da estepe espanhola, que noutros tempos eram floresta, e nas imensas extensões de montanha que estão agora desnudadas e sujeitas a graves fenómenos torrenciais.

E mais adiante o referido autor comenta:

O quadro não é decerto muito reconfortante. Por outro lado, é evidente que se não se removerem as cousas seculares de degradação, não será possível fazer uma silvicultura mediterrânea que satisfaça aos dois fins - protector e produtivo -, de modo a deter a marcha para o deserto e a funcionar como elemento de equilíbrio e de segurança para o solo e para a vida dos povos.
Não são, certamente, os solos florestais que poderão resolver esta grave tarefa. E preciso, por

1 "Fundamentos ecológicos e técnicos da silvicultura nos países mediterrâneos", trad. de A. A. Monteiro Alves, in Estudos e Informação, n.º 85-A, 3, da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas.

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um lado, diminuir a acção humana sobre a floresta, em especial a que é exercida por meio da pastorícia. Por outro lado, é preciso estudar as formas de silvicultura que atraiam o interesse das populações ou, pelo menos, pôr era execução uma política florestal que, com financiamentos fáceis e baratos, defenda a mata contra a concorrência de utilizações depredadoras do solo. Eis porque em todos os países do Mediterrâneo, onde a gravidade da situação impôs o estudo esclarecido deste problema, se preconizou o retorno às grandes linhas mestras da antiga civilização, isto é, o aumento da irrigação e da cultura arbórea, ligada a uma progressiva transformação da agricultura extensiva em intensiva.
Em Itália essa política, iniciada antes da última guerra mundial, continua hoje, com a aplicação de leis especiais sobre a bonifica, sobre as regiões montanhosas e sobre a reforma agrária.

7. A publicação da Lei n.º 2069 constituiu para os serviços florestais um decisivo desafio. E o certo é que os engenheiros silvicultores parece terem aceitado com bom espírito profissional o repto lançado pelo Governo ao fixar na lei a «prioridade às regiões situadas a sul do Tejo e na orla raiana do Centro e Norte, onde a erosão é mais intensa».
Também se apercebe a Câmara Corporativa de que o Governo não marcou para início da tarefa o quadro mais grave -a serra do Algarve-, mas reconhece que a falta de cadastro geométrico da propriedade rústica foi, com certeza, o motivo que levou a adiar a escolha em primeiro lugar do problema mais difícil. E se é certo que desta circunstância se pode tirar partido para adquirir experiência no Terges e Cobres, onde os problemas são também muitíssimo graves, deve esperar-se que, no entanto, o plano respeitante à serra do Algarve não venha a sofrer grande adiamento.
Mas, se a silvicultura portuguesa reagiu bem em face da situação que lhe foi criada, deve admitir-se que se comportou dentro das suas tradições, neste país onde a agricultura se extensificou muito para além dos limites onde pode servir de razoável apoio económico e social ao agricultor, tradições que consistem em conformar-se com as parcelas do território mais adversas, onde se confina o quê se entende ser a capacidade de uso florestal, a que correspondem os solos e climas mais ingratos. Deve, por uso, esperar-se que a luta que vai ser iniciada não seja fácil, nem prometa resultados que compensem prontamente os sacrifícios impostos.
O trabalho que se pretende empreender não admite, portanto, optimismos inconscientes, nem consente, porém, reservas derrotistas. As coisas são o que são e o que está na frente do plano é uma ecologia e um resultado da acção do homem que caracterizam bem a floresta mediterrânica, composta de povoamentos de fraca densidade e de crescimento muito lento.
Depreende-se também facilmente a gravidade do problema ao ler o relatório final da 6.º sessão da Subcomissão de Coordenação das Questões Florestais Mediterrâni-cas - Silva Mediterrânea, realizada em Madrid de 17 a 21 de Abril de 1958. Neste relatório afirma-se que «a utilização das florestas como fonte de forragens, de preferência à colheita de madeiras, deve ser atribuída em grande parte, não somente às condições naturais da floresta mediterrânica, mas também às estruturas agrárias actuais. Esta utilização não diminuirá senão na medida em que sejam integradas a produção agrícola e a produção animal, integração segundo a qual seriam desenvolvidos os prados permanentes melhorados».
Descrevem-se depois as medidas tomadas pelos governos de alguns países no sentido de desenvolverem políticas de restauração florestal, políticas «a longo prazo, tendentes a conservar as florestas, a melhorá-las e desenvolvê-las, e a melhorar também a exploração e a criar uma consciência pública responsável». Mas acentua-se que «em muitos casos os meios para alcançar os objectivos são precários. A falta de técnicos é muitas vezes o obstáculo à realização do plano. Enfim, numa região caracterizada por uma interpenetração dos diferentes sistemas de utilização das terras, os planos florestais não são, a maior parte das vezes, suficientemente coordenados com os programas agrícolas. O melhoramento da situação florestal não pode, com efeito, traduzir-se pela diminuição das disponibilidades alimentares nos países considerados».
Estas afirmações mostram bem a complexidade do problema, revelando a impossibilidade evidente de o reduzir a uma fórmula simples que corresponda, por exemplo, à atitude cómoda de supor que a Lei n.º 2069 e os planos que ao abrigo desta lei forem elaborados bastam para resolver todas as questões da ecologia e dos efeitos da acção do homem no Terges s Cobres ou noutras zonas mediterrânicas semelhantes.
No mesmo relatório debate-se ainda um ponto fundamental: o do lugar ocupado pela floresta na utilização do solo, lugar que se estabelece a partir de critérios físicos (conservação dos solos e protecção das culturas), económicos (abastecimento dos mercados em produtos) e sociais (abastecimento directo dos habitantes, distribuição de salários, função paisagística ...). Admite-se que «a função de protecção se deve considerar, de maneira geral, como de importância primordial», mas nunca deixa de se atribuir valor às duas restantes funções - a económica e a social-, que devem obrigar a um esforço de pesquisa de soluções que permitam a melhor conciliação dos três critérios. E é justamente nesta conciliação que reside todo o melindre do problema e toda a sua transcendente complexidade.

§4.º

O apoio nos trabalhos básicos do plano de fomento agrário e do Instituto Geográfico e Cadastral

8. Há uma circunstância que não passa despercebida ao analisar-se o plano agora apresentado à Câmara Corporativa. Tem de acentuar-se a certeza de que não seria possível apresentar um estudo apoiado em bases sérias se não se dispusesse dos trabalhos preparatórios já organizados na bacia hidrográfica do Terges e do Cobres pelo plano de fomento agrário. Este serviço, que hoje tem a designação de «Serviço de Reconhecimento e de Ordenamento Agrário», resultou em 1949, por determinação de um despacho do Subsecretário de Estado da Agricultura, engenheiro agrónomo José Garcês Pereira Caldas, da colaboração estabelecida entre as Direcções-Gerais dos Serviços Agrícolas, Florestais e Aquícolas e Pecuários e Junta de Colonização Interna, com o fim de «laborarem e um plano coordenado a que deverão subordinar-se os planos de acção a desenvolver por cada organismo».
O referido despacho, depois de fazer notar que até 1918 os serviços do Estado dispunham apenas da Direcção-Geral de Agricultura, que superintendia a actividade de engenheiros agrónomos, engenheiros silvicultores e médicos veterinários, mostra que o desdobramento em três direcções-gerais e Junta de Colonização Interna, constituindo uma necessidade, apresentou, simultaneamente, sérios inconvenientes: «se é certo que muito se ganhou em extensão e profundidade no que respeita a assistência técnica à lavoura e na acção de

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fomento, não é menos certo que se perdeu em unidade, pois a actividade daqueles organismos tem-se subordinado a planos ou programas de trabalhos elaborados pelos respectivos conselhos técnicos, que, isoladamente, encaram determinados aspectos a resolver dos nossos problemas agrários.
São notórios os inconvenientes do sistema, agravados pelo facto de nem todos os serviços terem elaborado os respectivos planos. Os problemas agrários são de tal modo interligados que a sua eficiente resolução se não compadece com acções isoladas: tem de ser encarada em conjunto pelos vários sectores que devem intervir na sua resolução».
Note-se que em 1949 ainda se não vislumbrava a possibilidade ou o propósito de organizar o I Plano de Fomento. Hoje, com a experiência já adquirida na elaboração deste e do II Plano de Fomento, parece evidente que se torna indispensável a coordenação da actividade não só dos serviços ligados a agricultura, mas de todos os serviços do Estado, para a boa resolução dos problemas do planeamento económico nacional e sua projecção nos diversos sectores de actividade e nos espaços regionais.
E com todo o agrado que a Câmara Corporativa reconhece que se vão impondo e prestigiando, as tentativas para lançar as bases do estudo sereno e continuado dos problemas económicos nacionais e pode concluir-se que o chamado plano de fomento agrário, com todos os defeitos resultantes de ter sido um serviço público montado unicamente mercê da boa vontade das direcções-gerais ligadas à agricultura, e que responderam a um propósito experimental do Governo, anterior às iniciativas dos planos de fomento, conseguiu demonstrar a utilidade evidente dos estudos coordenados.
Conseguiu-se dispor dos elementos necessários para elaborar a Carta Agrícola, que, uma vez publicada, dará o conhecimento das formas actuais do aproveitamento do solo no continente. Foi empreendida a elaboração da Carta de Solos, concluída praticamente na metade sul do País. Dispõe-se da Carta das Estações Ecológicas, que informa, de maneira complementar, no que respeita ao estudo das possibilidades agrícolas do território. No Sul, conjugando as cartas referidas com o declive, construiu-se a Carta de Capacidade de Uso do Solo, como resultado da tentativa de definir o esquema da melhor utilização de potencialidades existentes. Tudo isto vai sendo ponderado pelos dados económicos e sociais e pode vir a permitir a elaboração de uma Carta de Ordenamento que traduza o equilíbrio do uso com as necessidades ou procura interna e externa.

9. É este conjunto de trabalhos que constitui, como se depreende do relatório do plano, o ponto de partida da elaboração do estudo enviado agora à Câmara Corporativa para apreciação. Sem ele a Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas não teria podido dar tão , pronta execução à 1.ª fase da aplicação da Lei m.º 2069, ou seja, a elaboração do plano, e se tivesse empreendido os estudos indispensáveis somente com seus técnicos teria deparado com dificuldades que afectariam a qualidade das conclusões.
Foi, na verdade, no plano de fomento agrário que engenheiros silvicultores, engenheiros agrónomos e médicos veterinários travaram o debate necessário para demarcação na carta, onde se sobrepunham as cartas agrícola, de solos e ecológica, dos «padrões» definidores da capacidade de uso do solo.
Para elaboração do plano de arborização bastou partir das capacidades de uso florestal e agro-florestal, trabalhando-as no sentido de «padrões» mais concretos. E esse trabalho prosseguirá até à altura da elaboração dos projectos, feito depois ao nível da empresa, exigindo critérios diferentes da simples visão nacional ou regional, mas agora talvez mais fáceis de definir.
A Câmara Corporativa sente, no entanto, que a sequência do trabalho pode vir a introduzir no pormenor o risco de deformação, porque os serviços florestais vão actuar agora sem o apoio de outros serviços especializados, quando é certo que seria imensamente desejável que tudo decorresse no âmbito das técnicas modernas do planeamento regional, coordenando os trabalhos florestais com as indispensáveis iniciativas no sector agrícola e pecuário e tudo apoiado em simultâneas intervenções de reorganização agrária e de expansão de outros sectores de actividade económica ligados à indústria, energia, comunicações e transportes, comércio e serviços diversos.
Deve ter-se ainda em conta a utilidade que representará para a boa execução do plano o facto de se dispor dos elementos fornecidos pelo cadastro geométrico da propriedade rústica. A Câmara Corporativa receia, no entanto, que o ritmo actual dos trabalhos cadastrais venha a impor, dentro em breve, sérios embaraços aos trabalhos de planeamento regional, que não poderão ser empreendidos nalgumas regiões do País onde venha a reconhecer-se serem mais urgentes, como por exemplo, na serra do Algarve, aspecto que noutro lugar ficou referido.

§5.º

O apoio na Investigação e experimentação florestais

10. Outra circunstância que condiciona o êxito da aplicação da Lei n.º 2069 é a do partido que se tem de tirar da investigação e experimentação florestais.
Já se mostrou que os serviços florestais se mantiveram confinados durante muito tempo no pequeno sector da «administração directa» de matas do Estado ou de autarquias. Aqui a experimentação e investigação constituíram matéria de curiosidade de profissionais distintos e estudiosos, mas não respondia verdadeiramente a um apelo premente de actividades económicas organizadas no País tendo em vista o aproveitamento de produtos das matas. E, assim, o labor dos técnicos existiu, sempre cuidadoso e ponderado, conduzido com elevado nível científico pelos mais distintos, reunindo-se colecções de exemplares exóticos ou seleccionando-se endemismos que despertavam atenções dos administradores das matas ou de particulares votados ao culto da árvore. Mas tudo representava uma tarefa de cientistas e de artistas, desprovida de verdadeiras finalidades económicas.
Com a industrialização tudo mudou e a exploração florestal veio a impor-se na sua verdadeira grandeza, obrigando a um esforço de recuperação que exigiu ritmos de trabalho inteiramente novos. E a silvicultura, ao ver a valorização dos seus produtos, descobriu as enormes possibilidades de renovação das técnicas de produção. E assim se vai assistindo à destruição sistemática de muitos dos «impossíveis» do engenheiro silvicultor antigo.
O que era inviável há um século na instalação e exploração das matas, pela deficiência dos transportes, pela quase exclusiva utilização das espécies indígenas, pela impossibilidade de recurso a meios mecânicos de trabalho ou a sistemas correctores do clima como a rega, entrou no domínio das possibilidades sob o impulso da valorização dos produtos e consequente acréscimo dos rendimentos.
E a silvicultura cresceu em interesse económico e vai impondo técnicas que lutam agora com as mentalidades tradicionais que não aceitam de bom grado o recurso às mobilizações do solo feitas com modernos e potentes tractores, à rega, às fertilizações e ao uso de exempla-

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res importados do mundo mais distante, eficientemente trabalhados por meio de selecção e da hibridação.
Seja como for, alguma coisa se passa de novo em matéria de técnica florestal. O que persiste como limite a uma evolução ainda mais espectacular do que a presente é o obstáculo que a natureza da investigação e experimentação florestais ainda impõe, como resultado do lento apuramento dos resultados. Mas a lentidão dos ensaios não pode estabelecer barreira eterna à descoberta de novos rumos. O mercado pede produtos florestais - o mercado tem de ser abastecido e deve caminhar-se mais depressa quando o processo produtivo é necessariamente lento.
As regiões de sequeiro do Sul, abandonadas durante muitos anos ao domínio das criações ecológicas, constituem exclusivamente o suporte do sobreiro, da azinheira, do pinheiro manso, onde foram abertas clareiras imensas de utilização agrícola, uma vezes certa e outras vezes errada, por destruir o solo e escravizar o trabalho reduzindo-lhe a produtividade.
Existem motivos fortes para supor que é possível introduzir espécies exóticas e explorar de maneira mais correcta as indígenas, organizando sistemas de aproveitamento que defendem o solo, produzem o máximo rendimento possível numa utilização conservadora e conciliam as necessidades da exploração agro-pecuária com a exploração florestal.
Muitos dos conceitos da silvicultura clássica encontram-se hoje seriamente abalados. O estímulo das exigências económicas obrigou a abandonar os preceitos rígidos dos tipos de floresta natural, durante muito1 tempo estudados, e estabelecidos de acordo com normas baseadas na dendrometria.
A utilização de clones e de híbridos seleccionados, acompanhada de técnicas culturais intensivas, transformou a silvicultura, conduzindo-a a uma verdadeira
"cultura de árvores" que a identifica com o esforço já realizado pela agricultura na obtenção de altos rendimentos. Mas os horizontes indiscutivelmente abertos à silvicultura moderna, quando se mostram largamente prometedores, não deixara, no entanto, de oferecer riscos que obrigam a desenvolver um crescente esforço de investigação e experimentação.

11. é por este motivo que se não pode deixar de manifestar o natural receio de que o apoio do plano em estudo na investigação e na experimentação não seja, infelizmente, tão forte quanto seria desejável.
Na verdade, a investigação e experimentação florestais tiveram um início prometedor quando Mendes de Almeida, há cerca de trinta anos, criou a Estação de Experimentação Florestal do Sobreiro e Eucalipto, em Alcobaça, cuja direcção foi entregue ao Prof. Engenheiro Silvicultor J. Vieira Natividade. Desta Estação saíram, praticamente todas as iniciativas, estudos e os especialistas mais destacados no sector da investigação florestal no nosso país. A sua múltipla actividade teve enorme projecção do ponto de vista científico, que se reflectiu também no campo prático, como devia ser norma em Portugal, destacando-se os valiosos estudos sobre o sobreiro e a sua exploração no montado alentejano. Além deste sector, que dispõe hoje de bibliografia mundialmente conhecida e apreciada, há também os estudos sobre o castanheiro, sobre o melhoramento genético de algumas espécies com vista à instalação de .uma silvicultura intensiva e da tecnologia da madeira e da celulose. Em todos estes sectores se formaram técnicos dos mais prestigiosos, que alcançaram consideração internacional.
É com natural receio que se assiste hoje a uma estranha interrupção do caminho que ia sendo trilhado, sendo de esperar que o II Plano de Fomento active trabalhos interrompidos há quase uma dezena de anos.
E assim, além do conhecimento de que dispunham em relação à cultura do sobreiro, os serviços florestais, ao iniciarem os estudos no sequeiro do Sul, só podiam basear-se, em matéria de experimentação, nos trabalhos há pouco empreendidos no perímetro florestal de Mértola. Foi apenas há oito anos que se iniciou a arborização do baldio, gravemente erosionado pela cultura agrícola, e as conclusões à vista são animadoras.
Os serviços, aperfeiçoando as técnicas usadas em Mértola, iniciaram há dois anos trabalhos no perímetro florestal de Barrancos, ensaiando uma colecção muito rica de eucaliptos, plantados segundo normas agora preconizadas, que muito diferem das técnicas em uso na propriedade particular.
Pela mesma altura deu-se início a trabalhos no perímetro da Contenda de Moura, recorrendo-se a processos inteiramente novos de mobilização do solo, que se mantêm em estudo.
Ao abrigo da Lei n.º 2069 foram estabelecidos viveiros que se aprontam para fornecer as plantas necessárias para as novas plantações. Nesses viveiros multiplicam-se as espécies que melhores provas vão dando, e deve destacar-se como assumindo enorme importância o que se tem reunido no que respeita ao eucalipto, choupo e outras espécies ripícolas, destinadas a facultarem rendimentos imediatos e a assumirem fundamental função na compartimentação da paisagem e na defesa contra os ventos.
Ao mesmo tempo, os serviços acompanham de perto, o trabalho dos engenheiros silvicultores espanhóis, que montam uma experimentação em condições muito
semelhantes perto da fronteira, além das ligações que são mantidas com todos os serviços idênticos de muitos outros países, interessados no intercâmbio de espécies florestais e na identificação das que se mantêm em cultura ou que se apresentam nas reservas naturais.
Existem novas técnicas que bem podem ser ensaiadas no Sul; existe o seguro equipamento da dedicação e entusiasmo de técnicos devotados à profissão e ao trabalho, mas não se descortina nada mais do que os primeiros passos em matéria de investigação e experimentação e é reduzido o número de investigadores, e nem sempre a qualidade basta perante a grandeza da tarefa.
E a tarefa encontra-se anunciada nas palavras de Vieira Natividade1:

A floresta sobro a qual nos debruçamos é a floresta de amanhã, erguida com ferramentas científicas, a floresta de arvoredos modelados, por assim dizer, pela mão do homem, a floresta regida por leis naturais: criação prodigiosa, fruto de mais de um século de labor científico, e para a qual contribuíram, com sucessivas oferendas, quase todos os ramos da ciência humana, permitindo que, pouco a pouco, se desvendassem alguns dos mistérios da biologia da árvore, os segredos do equilíbrio e da harmonia da mais estranha, da mais complexa e da mais grandiosa das comunidades vegetais.

Receia, no entanto, esta Câmara que, não estando funcionalmente estruturados os serviços florestais, como já se afirmou, de modo a poderem corresponder ao que o Governo deles espera, seja prejudicada ou muito diminuída a actividade científica, com o propósito de satisfazer em quantidade as tarefas cada vez mais volumosas que lhe são atribuídas. Compreende-se perfeitamente que esta não pode ser a norma de trabalho

1 J. Vieira Natividade, A Nova Floresta, Academia das Ciências de Lisboa, 1954.

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em qualquer sector da vida moderna: a investigação tem de acompanhar, para lhe dar vida e sentido progressivo, qualquer plano de realizações.

§ 6.º

Dificuldades que se opõem à execução do plano

12. Vão ser muito grandes as dificuldades que se opõem à execução do plano. Essas dificuldades resultam da natural inércia do meio, que resiste aqui, como em toda a parte, às rápidas alterações da técnica, a menos que os resultados económicos se mostrem imediatamente compensadores.
Assume a Lei n.º 2069 as proporções de uma «campanha» de «defesa do solo» e de «produção de produtos florestais».
No aspecto da «defesa do solo» a «campanha» não encontra da parte dos interessados uma consciência suficientemente forte da gravidade, do problema com que se debatem: cada seara que se renova é uma esperança e julga-se que terá de ser revisto o conceito que se encontra ainda nos nossos livros únicos do ensino médio de que o Sul é o «celeiro de Portugal». Bom seria que deixasse de o ser, no sentido de um exclusivismo absurdo da produção, confinando a cerealicultura às zonas de melhor capacidade produtiva, que bem podem manter abastecido o «celeiro» mercê do recurso a novas técnicas de utilização dos sequeiros, e explorando hábil e decididamente outras vocações do meio, recorrendo, num bom ordenamento, ao regadio, à cultura arbórea e ao povoamento florestal.
Não é fácil, porém, fazer aceitar a quem nasceu a ver searas sem fim, a quem depois viu ligada a vida à própria continuidade da seara, a quem conserva ainda a tradição de uma «campanha do trigo» que suprimiu charnecas; não é fácil fazer aceitar que, ano a ano, cada vez mais se degrada o solo, se altera o clima e se comprometem as reservas hídricas. A seara já não vai nalguns cabeços, mas somente porque a charrua deu na rocha, ou minguaram as sementes abaixo do que tem interesse alimentar; nada se suspendeu a tempo em resultado de raciocínio informado e inteligente. Porque assim é dilata-se o solo erosionado, onde não há árvores, ou onde as azinheiras e sobreiros sofrem a tortura de um tratamento que leva à ruína. Reflectindo a imagem do meio, o trabalhador rural, curtido pela aridez da terra exausta e pelo invariável desgaste das «crises de desemprego», aguarda um milagre, conformando-se com um pouco de agricultura, dias ociosos e obras públicas.
No ponto em que a Lei n.º 2069 assume as proporções de uma «campanha de produção de produtos florestais» a questão assume aspectos muito particulares. O apelo ao trigo mobilizou energias que descortinaram um benefício imediato. Ao romper a «campanha do trigo» na bacia hidrográfica do Terges e do Cobres, Mértola desfez-se em cereal, chamando a um esforço heróico os «seareiros» do Sul. Bastou romper os matos, o que, não sendo fácil, era possível para agricultores de profissão; semear e colher um produto que veio a ter venda garantida, apenas com dificuldades momentâneas num ano de excesso. Mas a transformação de mato em seara foi pronta e tanto bastou para criar um ambiente eufórico, que somente as leis inflexíveis da natureza vieram obscurecer, vingando-se por terem sido ofendidas.
Já alguma coisa se tem escrito sobre o problema, e decerto foi dito que nunca é fácil disciplinar, sem que se tomem seguras precauções, as forças económicas e sociais que se desencadeiam sem um perfeito conhecimento do meio sobre o qual incidem. Os que lembraram o risco da erosão nunca poderiam ser entendidos; os que lembraram a força moderadora e protectora da floresta traziam consigo uma visão, no momento, utópica. Se no País, sem indústria, a floresta nada produzia além da cortiça, pouco valorizada, carvão vegetal e suínos nada apurados, como resisitir à tentação de colaborar, com proveito imediato, numa política au-tárcica em relação ao trigo, em grande voga na Europa de 1929?

13. A «campanha de produção de produtos florestais» surge agora, ao fim de trinta anos, como o necessário e fatal complemento de uma campanha de
extensificação da cultura do trigo. No ponto de vista económico deixou de ser utópica, mas promete rendimento a certo prazo, por vezes largo de mais para poder ser entendida por todos. Daqui a invalidação do seu poder aglutinador de esforços e energias; daqui a sua situação obscura, não espectacular, que corresponde a um apelo ao bom senso, à inteligência de agricultores e proprietários prudentes, chamados a uma tarefa difícil, como muitas outras, de defesa do «bem comum».
Existem, portanto, dificuldades específicas nesta campanha, dificuldades de carácter psicológico e económico e, para além de tudo, apresentam-se problemas sociais que não podem deixar de ser ponderados.

II

Exame na especialidade

§1.º

Generalidades

14. O plano agora apresentado à Câmara Corporativa mostra que a unidade territorial escolhida para aplicação da Lei n.º 2069 foi a bacia hidrográfica. Sabe-se, na verdade, como são grandes os inconvenientes que resultam da falta de coordenação entre os trabalhos de defesa do solo e da água e as obras de aproveitamento hidroeléctrico e hidroagrícola.
Uma bacia hidrográfica onde se não tomem medidas de defesa contra a erosão, de que o revestimento florestal constitui, sem dúvida, o meio mais importante, põe em risco algumas das referidas obras, ameaçando as albufeiras de progressiva diminuição da capacidade de armazenamento, mercê do transporte de mais ou menos volumoso caudal sólido que fatalmente determinará o completo assoreamento.
Acontece, porém, que este problema, posto com grande acuidade nalgumas das nossas bacias hidrográficas onde se realizaram importantes obras de hidráulica, não determinou a escolha de prioridade na aplicação da Lei n.º 2069. Escolheu-se o Terges e o Cobres, afluentes do Guadiana, rio onde se projecta, é certo, um aproveitamento hidroagrícola de realização ainda distante: a barragem da Rocha da Galé, não incluída no II Plano de Fomento.
De outras obras já realizadas e em exploração pode dizer-se que se mantêm à mercê da erosão das encostas, como sucede em relação à obra da campina de Silves, Portimão e Lagoa, que, se não beneficiar de rápida intervenção, terá vida bem curta.
Não pretende a Câmara Corporativa sugerir outra prioridade, convencida como está de que um plano desta natureza tem de apoiar-se em elementos seguros, de organização morosa, de que se não dispõe em todo o País. E foi certamente essa circunstância que levou à escolha do Terges e do Cobres. Mas esta escolha não deve impedir que, de futuro, estes trabalhos possam ser devidamente coordenados.
Mas, como o problema do assoreamento das albufeiras é demasiadamente grave para permanecer esquecido, não

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se resiste à tentação de o referir. Para tanto basta transcrever os seguintes comentários e números do Prof. Engenheiro Silvicultor M. Gomes Guerreiro 1:

O problema do assoreamento foi levantado na América do Norte - onde em 1940 existiam já 8400 barragens - quando se verificou, em 1934, que das 56 albufeiras ao sul do Piedmont as 13 maiores estariam completamente assoreadas dentro de um período máximo de trinta anos. Neste mesmo trabalho, passando revista a um certo número de albufeiras e outras represas, apresentam-se valores verdadeiramente alarmantes. Deles respigamos os seguintes exemplos:

Assoreamentos de algumas albufeiras nos Estados Unidos da América

[Ver quadro na imagem]

Estes números são de facto assustadores e devem ser encarados com o interesse que merecem, em especial em regiões onde o clima tem a irregularidade a que atrás referimos e onde a agricultura e o pastoreamento são excessivos e descontrolados.
A perda de 50 por cento da capacidade de uma albufeira, ou até menos, pode, na maioria dos casos, torná-la completamente inútil para o fim á que foi destinada. Além disso, sendo estes reservatórios construídos em locais com óptimas características, dificilmente poderão ser substituídos por outros que satisfaçam as mesmas exigências e necessidades. Quanto à limpeza de uma albufeira assoreada, embora haja divergências, parece que, de acordo com a base actual da técnica, ela é economicamente impraticável, pois o seu custo oscila entre cinco a cinquenta vezes o da obra inicial.
Segundo um relatório apresentado por Brawn (1937) o estado das albufeiras no território dos Estados Unidos da América era, em 1937, o seguinte:

38 por cento tinham uma vida útil de 1 a 50 anos.
24 por cento tinham uma vida útil de 50 a 100 anos.
21 por cento tinham uma vida útil de 100 a 200 anos.
E só 17 por cento tinham uma vida útil superior a 200 anos.

Por aqui talvez se possa apreciar o interesse deste problema e o valor económico e social que ele representa.

15. A crítica estabelecida no plano à orientação que, em resultado de circunstâncias históricas com seus reflexos estruturais, tem sido dada à utilização do território merece a mais larga concordância e mostra bem quanto é necessário proceder, no mais curto espaço de tempo possível, a um novo ordenamento agrário conservador e fomentador de novos rendimentos estáveis e crescentes.
Depreende-se, no entanto, da leitura do plano que o problema - desaparecida «a floresta, a terra, presa fácil da erosão, foi pouco a pouco degradando-se até ser hoje o que é, a charneca imensa, quase sempre esquelética, campo infinito aberto ao trabalho da geração presente, para tornar possível, num futuro distante, recuperar o que tão leviana e rapidamente foi perdido» - não é já unicamente um problema florestal. As forças sociais e económicas que destruíram, a floresta poderão agora, sem desvio de sentido e ponto de aplicação, reconstituí-la?
E esta a dúvida mais angustiosa, que obriga a lembrar a oportunidade de medidas de equipamento material e intelectual, de reorganização agrária e de estruturação de todo o quadro económico, que permitam abrir terreno à aceitação dos princípios consignados na Lei n.º 2069. E não se poderia esperar que estas medidas estivessem contidas num plano de arborização. Por isso não se vê que no plano agora em estudo falte alguma coisa do muito que, de certeza, vai faltar para vencer os obstáculos que o meio oferece. Não há, portanto, neste aspecto, crítica a estabelecer. Apenas se deve, porém, solicitar o auxílio de outros recursos da técnica, as leis, do ensino e da educação das populações rurais, auxílio que só poderá ser esquematizado de acordo com as novas técnicas do planeamento regional.

§ 2.º

As condições técnicas de êxito do empreendimento

16. Não pode deixar de causar sérias apreensões o facto de se prever no quadro x do plano o estabelecimento de 34 180 ha de montado de azinho, que, junto com os 25 284 ha existentes, totalizam 59 464 ha, num total arborizado de 103 623 ha.
Não pode duvidar-se de que a azinheira terá de instalar-se em muitas áreas como fatalidade irremovível e consequência inevitável dos erros antigos resultantes do uso inadequado do solo. Noutros casos ainda poderá ser vista como espécie pioneira, juntamente com o pinheiro manso, a que se entrega um solo a reconstituir a quê será dado oportunamente destino mais rendoso. Mas o certo é que o montado de azinho vai entrando em rápido descrédito na opinião generalizada dos agricultores e não são já seguramente convincentes os argumentos que a p. 46 do plano se reúnem em seu favor. Não se pode deixar de aceitar que a sua presença é uma triste fatalidade ecológica e nunca mais do que isso.
Quanto ao montado de sobro o lugar que lhe é. dado é importante e acrescentam-se 30 012 ha aos 5865 ha existentes, o que conduzirá a 35 877 ha. Existem ainda razões de peso para continuar a confiar no montado de sobro como forma económica de exploração de recursos. E, embora se justifique o receio de que o futuro possa vir a alterar as coisas, não seria prudente entravar desde já as possibilidades de acréscimo da produção de uma matéria-prima -a cortiça- que bem pode, pelas suas qualidades incomparáveis e o baixo preço de custo a que é obtida, tentar as oportunidades da luta de sucedâneos já desencadeada.
A superfície entregue a pinhal manso, de 5967 ha, criada praticamente de novo, entende-se por se considerar a necessidade de recurso a espécies pioneiras.
O eucaliptal apresenta, no entanto, uma presença modesta de 1812 ha apenas.

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Acontece que as condições técnicas de êxito do empreendimento que neste parágrafo se pretende analisar se encontrariam seriamente comprometidas se fosse esta sòmente a promessa feita aos proprietários e agricultores: a de alargarem ainda mais um sistema de aproveitamento do solo que já não querem manter e que seria bom substituir, se os recursos da técnica o consentissem.
Mau grado todas as fraquezas que infelizmente existem em matéria de investigação e experimentação, noutro lugar assinaladas, o êxito ficaria mais assegurado junto dos interessados desde que fosse desde já apontado claramente, traduzido em números, o verdadeiro programa da empresa em que vão colaborar.
E essa esperança encontra-se a p. 54-b do plano, onde se escreve:

Ainda há a considerar o facto de não ser possível, por ser pouco prático e fastidioso (o itálico é nosso), indicarem-se todas as espécies que se conhecem e que poderão interessar na arborização desta zona.
Deste modo, pode-se rodear todos estes inconvenientes apenas indicando as espécies que, por serem próprias da região ou por estarem mais largamente difundidas, melhor poderão definir os vários ambientes ecológicos existentes neste perímetro.
Assim, quando se indica a azinheira não se pretende revestir todos esses terrenos com esta espécie florestal (o itálico continua a ser nosso), mas que nesse ambiente edafo-climático sòmente esta espécie indígena - com excepção do pinheiro manso - poderá vegetar em boas condições. Isto não quer disser que várias espécies exóticas, algumas já introduzidas com bons resultados e com as mesmas exigências ecológicas, não poderão ser utilizadas com vantagem - é o caso de várias espécies de Eucalyptus, que estão a ser largamente fomentadas em toda a região mediterrânea, nas zonas semiáridas e em solos degradados.
Equacionado o problema desta maneira, as espécies que iremos preconizar apenas poderão ser aceites simbolicamente, indicando unicamente, com maior rigor, as condições mais ou menos adversas do meio ambiente para o fomento florestal.

Esta maneira de dizer esconde, no entanto, na essência do Plano, os horizontes que à moderna silvicultura se abrem de um modo prometedor e aliciante. Para além de tudo o que constitui a revelação da existência de condições adversas, outras possibilidades se encontram no âmbito da «cultura de árvores», a que já se fez referência e que tanta vez se descortinam nas valiosas considerações que acompanham o Plano.
Parece ter havido o receio de romper de forma decidida com as técnicas tradicionalmente usadas na bacia hidrográfica do Terges e Cobres, que afinal conduziram a uma trágica situação. Quando o momento exige a abertura de novos caminhos não seria talvez audácia desmedida planear um pouco mais no aspecto fundamental que a transcrição feita deixa entrever. A menos que o problema técnico seja mais difícil do que parece à Câmara Corporativa. Mas então melhor seria não ter escrito a p. 54-b.
Na já referida 6.ª sessão da Subcomissão de Coordenação das Questões Florestais Mediterrânicas, da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, recomenda-se que conviria:

a) Conservar a floresta natural onde a sua função de protecção for reconhecida e conduzir esta função no máximo, assegurando a esta floresta uma produtividade económica. Em virtude do carácter de protecção desta floresta a intervenção do Estado nas operações de reconstituição é absolutamente indispensável;
b) Melhorar as outras florestas existentes pelos métodos da silvicultura intensiva, utilizando as essências de maior valor económico ou procedendo a conversões parciais ou totais das florestas;
c) Desenvolver os povoamentos e as plantações que tenham o carácter de uma silvicultura intensiva baseada no emprego de essências de crescimento rápido, quer seja em povoamentos propriamente ditos, quer seja em associação com as culturas agrícolas;
d) Regular o comportamento das formas de transição da floresta para a agricultura (se elas existem), tendo em conta o merca do dos produtos especiais, e tomar todas as medidas úteis para assegurar a manutenção da fertilidade dos solos segundo certos princípios biológicos.

Mas estará assegurada a coordenação com os programas de desenvolvimento agrícola e regional?

§ 3.º

A aplicação possível e a aplicação impossível do esquema proposto

17. Um facto essencial sobressai de qualquer tentativa do estudo económico do povoamento florestal no Terges e no Cobres: o carácter necessariamente lento da transformação prevista. Assim, o acréscimo de rendimento obtido pela exploração florestal, tomado em relação ao nível actual de proveito económico extraído de uma ruinosa exploração agrícola, encontra-se reportado ao fim de trinta a quarenta anos nos casos mais desfavoráveis e a dez ou quinze nos mais favoráveis.
Antes de obter esses rendimentos é necessário suspender nas áreas a florestar certo montante de rendimentos imediatos habituais, sendo certo que alguns têm de ser admitidos, por circunstâncias sociais, seja qual for o seu grau de liquidez ou de duração, mesmo quando apresentam evidente tendência decrescente.
Simultaneamente, haverá que promover investimentos necessários para proceder à reconstituição ou estabelecimento das matas, e talvez aqui venha a ser encontrada a contrapartida para o abalo económico resultante da suspensão de rendimentos agrícolas, tendo de aceitar-se como imprescindível, em muitos casos, o auxílio do Estado.
Ninguém poderá contestar que a transformação é conveniente ou necessária, não só para salvaguarda de interesses privados malbaratados, como também no que se refere a vantagens nacionais. Mas o que pode é averiguar-se até que ponto é possível essa transformação e onde existem os impossíveis, ligados, como sempre, às situações estruturais.
Uma análise sumária da estrutura demográfica dos concelhos abrangidos, em parte, pelo plano agora apresentado pode ajudar a esclarecer o assunto. Não se dispõe de dados demográficos respeitantes às áreas compreendidas no plano e os elementos necessários não figuram no recenseamento de 1950 discriminados por freguesias, pelo que se torna necessário recorrer ao concelho. Observa-se o que se passa em relação à população masculina, para evitar as dificuldades de classificação da população feminina que se sabe terem existido na realização do censo referido.

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Nestas condições, as percentagens da «população activa com profissão agrícola» em relação à «activa total com profissão» são as seguintes:

Percentagens
Almodôvar ......................................... 83,1
Beja .............................................. 66,1
Castro Verde. ..................................... 73,3
Mértola ........................................... 56,5

Quer dizer, tudo o que respeita à agricultura afecta fortemente a população presente, devendo considerar-se que influi também nos grupos demográficos ligados ao comércio e outros serviços, que constituem praticamente o restante nos três primeiros concelhos e menos no de Mértola, onde pesam as actividades ligadas à exploração de minas. Analisando a estrutura segundo as «situações na profissão agrícola», teremos três estratos:

[Ver quadro na imagem]

A fortíssima percentagem de assalariados e empregados nos quatro concelhos, acentuada de forma muito dominante em Beja e Castro Verde, mostra que a posição económico-social do conjunto da população activa agrícola só não será afectada, ou será porventura melhorada, se a conversão considerada no plano promover melhor repartição do salário ao longo do ano ou maior estabilidade no emprego.
De forma geral, é de aceitar que o trabalho assalariado venha a encontrar nas tarefas ligadas à reconstitui cão e estabelecimento dos povoamentos florestais perspectivas de emprego que hoje não tem na cultura cerealífera de sequeiro, praticada em solos que somente comportam rotações de longo ciclo. As contas de cultura elaboradas mostram que, nestas circunstâncias, as exigências de mão-de-obra na exploração florestal são maiores e a produtividade do trabalho, uma vez especializado, acusa índices que podem vir a permitir um nível mais conveniente de remuneração. Por este lado, e nesta camada da população, os reflexos do plano são desejáveis e a transformação prevista é possível.
Mostram ainda os dados da estrutura demográfica que existem, especialmente nos concelhos de Almodôvar e de Mértola, núcleos de população activa agrícola ligada à empresa eventualmente próxima do tipo familiar. Tomadas em conta as características da agricultura regional, e tendo sido observados no local os aspectos da forma de aproveitamento que este núcleo populacional vai dando à reduzida área que lhe está entregue, entende-se que a conversão da utilização agrícola em utilização florestal nestes núcleos é impossível sem que se proceda a empreendimentos adequados de reorganização agrária.
A economia deste grupo demográfico encontra-se fortemente vinculada a um propósito de auto-suficiência alimentar, estando impedida, a especulação comercial pela reduzida extensão das explorações agrícolas ditas familiares. Não é possível, portanto, supor que a área destas explorações venha a permitir a instalação de povoamentos florestais, que fatalmente reduziriam a superfície entregue a culturas alimentares. Qualquer imposição de florestamento feita nos casos, mais do que frequentes, em que se torna essencial defender o solo obriga a recorrer a disposições da Lei n.º 2069 contidas no artigo 31.º, caso que o plano não prevê. E, no entanto, o referido artigo diz o seguinte:

Quando se reconheça que a execução dos planos de arborização coloca algum ou alguns dos proprietários em condições de insuficiência de meios para suprir as necessidades do seu agregado familiar, a aplicação do disposto neste diploma aos terrenos pertencentes a esses proprietários ficará dependente da possibilidade de lhes ser facultado um casal agrícola nos núcleos de colonização da Junta de Colonização Interna.

Mas a análise da estrutura agrária, a que se procede mais adiante, ajudará a compreender bem a gravidade deste problema.
Quanto ao grupo dos patrões que figura na estrutura demográfica, o seu número mostra que bem podem ser os fiéis depositários da conversão que se prevê no que respeita à utilização do solo na bacia hidrográfica do Terges e do Cobres.
Embora constituam o escol dos «activos» ligados à agricultura, dos quais alguns são simples rendeiros, não representam a totalidade dos interessados, onde figuram proprietários não agricultores. Mas os dados da estrutura agrária facultam informações mais claras quanto a posição do grupo em face do problema em estudo:

18. As informações facultadas pelo plano a respeito da estrutura agrária na bacia hidrográfica do Terges e Cobres apenas mostram a repartição predial, dando-se aos prédios rústicos constantes do cadastro a designação inadequada de «propriedades».
O quadro resumo da distribuição predial é o seguinte:

[Ver quadro na imagem]

Atendendo a que a distribuição predial nada informa a respeito do repartição da propriedade e que é esta que traduz a posição dos proprietários em face dos objectivos do plano, solicitou-se à Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas que procedesse ao apuramento das propriedades e áreas respectivas, agrupando os prédios inscritos no cadastro no mesmo nome.
Independentemente das dificuldades que resultam para o integral esclarecimento do assunto, em resultado da existência cie alguns prédios sobre os quais mais do que um proprietário mantém o direito e acção e tomados

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estes como constituindo uma só propriedade, foi possível organizar o quadro seguinte:

[Ver quadro na imagem]

Este quadro mostra a verdadeira situação dos proprietários interessados no problema da arborização dentro da bacia hidrográfica. Deve considerar-se que apenas se teve em conta o que se passa nesse limite. Alguns dos proprietários que figuram nos escalões de menor extensão podem, eventualmente, ser proprietários na zona confinante, ingressando noutro escalão superior se o estudo respeitasse a uma superfície mais vasta.
Mesmo assim, verifica-se que os 2706 prédios se reduziram a 1407 propriedades e a redução é mais acentuada nos escalões de menor área, o que mostra que os prédios mais pequenos nem sempre são propriedade dos mais pequenos proprietários. Estes, que representam mais de metade dos proprietários (57,2 por cento), apenas dispõem dê 2,7 por cento da superfície nos escalões que vão de O a 20 ha.
Conforme se referiu no número anterior, estes proprietários constituem o problema mais delicado em face dos propósitos de povoamento florestal. Especialmente os 538 do escalão de 0 a 5 ha, proprietários a que corresponde a área média de pouco mais de 1 ha, não se poderá pensar em submeter seus microfúndios ao "regime florestal", mesmo que se conclua que lhes é dado uso depredador, o que é provável, visto que ficaram excluídas as propriedades que assentam em terrenos de capacidade de uso agrícola das povoações de Cabeça Gorda e Santa Clara de Louredo.
O problema é mais vasto e consistirá em dispor as coisas no sentido de contrariar a existência ou impedir a formação de unidades de exploração inviáveis nos pontos de vista técnico, económico e humano. Embora o seu significado, para satisfatória execução do plano, seja nulo (2,7 por cento da área), a realidade social que traduzem é imensamente significativa e explica o enorme obstáculo que o agricultor microfundiário vai erguendo sem culpa perante os mais insistentes e abnegados esforços dos serviços de vulgarização técnica e económica.
Os escalões médios, de 20 a 200 ha, contêm apreciável número de proprietários (31,9 por cento), mas dominam apenas 26 por cento da superfície.
As propriedades de mais de 200 ha pertencem a 11,2 por cento dos proprietários e englobam 71,3 por cento da superfície. Note-se que o escalão de mais de 1000 ha representa 1,5 por cento dos proprietários e 28,1 por cento da superfície total, o que é importante.
Nestas condições, se for possível resolver o problema dós microfúndios, integrando-os numa reorganização agrária que dê lugar a unidades económicas de produção agrícola ou agro-florestal, dentro ou fora da bacia hidrográfica, como a lei prevê, o restante oferece uma estrutura inteiramente adaptada à montagem, só com vantagens para os proprietários e trabalhadores rurais, de empresas florestais e agro-florestais dotadas de conveniente viabilidade técnica e económica. O problema que permanece é o do grau de concentração da propriedade florestal e consequente proletarização da população activa agrícola, problema que não vem para o caso comentar.
Outro aspecto que convém verificar é o da fragmentação da propriedade, que muita vez impede a constituição de empresas dotadas de boas condições de gestão. Os números apurados são os seguintes:

[Ver quadro na imagem]

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Verifica-se a existência de fragmentação da propriedade, o que, em regra, nos escalões de menor extensão, determina maiores inconvenientes técnicos e económicos. Em princípio, parece aconselhável verificar se do emparcelamento podem resultar, em face dos casos concretos, melhores condições de instalação e funcionamento das empresas.

§4.º

A regulamentação da Lei n.º 2009

19. A falta de regulamentação cia Lei n.º 3069 não permitiu certamente que o plano do Terges e Cobres esclarecesse problemas ligados aos métodos de execução do programa de arborização delineado.
Já se mostrou que o pedido de assistência técnica que virá a ser feito pelos proprietários interessados tem forte probabilidade de esbarrar com as dimensões actuais e com a estrutura da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, impondo inconveniente morosidade à realização de um programa que se apresenta vasto e urgente.
O artigo 30.º da Lei n.º 2069 teve já o mérito de permitir a montagem de viveiros, nos quais alguns milhões de árvores estão prontos a demandarem local definitivo. Não se sabe, porém, qual o regulamento da sua entrega, pormenor que talvez não tenha interesse para aqueles que as recebem, mas que é ponto importante para os que eventualmente as não receberem.
Pode afirmar-se que em qualquer caso não fica entravada a acção de fomento que o referido artigo visou. Mas todo o fomento deve ser orientado, e é esse o ponto que se discute agora. E para tanto não bastaria ainda o regulamento, que não existe, e o plano que passa a existir agora. É essencial o projecto, e esse não se entende bem como possa vir a ser sempre realizado para cada um dos proprietários interessados.
O que se encontra na área a que respeita o plano soo empresas agrícolas de diversas dimensões, dominando as de arrendamento cerca de metade da área total, pelo menos. Quanto às empresas de arrendamento não se pode esperar que os rendeiros colaborem de boa vontade e com interesse na benfeitoria que a arborização representa. Eles serão, com certeza, vigorosos opositores da tarefa que se pretende empreender, interessados como estão no resultado económico imediato obtido da cultura cerealífera e da exploração pecuária, que tanto têm contribuído para a destruição sistemática do coberto florestal. Bem se poderia dizer que o rendeiro tem sido o grande culpado de tudo o que se fez de errado na exploração dos recursos do meio, levando a seara a toda a parte enquanto existe. um palmo de terra, criando técnicas regionais de exploração das árvores dos montados, a que foi dada a designação significativa de «arreias»; o rendeiro
seria, em boa verdade, o réu, se outro culpado maior não existisse, com maiores responsabilidades no tribunal da história da agricultura alentejana, que é o proprietário absentista, que lhe arrendou as herdades, gastando a renda assim obtida sem ver que empobrecia e arrastava nesse empobrecimento uma das parcelas do território nacional.
No ponto em que se encontram as coisas não parece possível esperar que os proprietários absentistas tomem individualmente o comando da transformação técnica que se impõe para melhor utilização das suas propriedades. A profissão de agricultor não se improvisa, embora no conceito geral se entenda erradamente que a gestão da empresa agrícola está no fim da escala das aptidões profissionais. E, porque, assim tem sido entendido, o resultado está muita vez à vista.
A Lei n.º 2069 previu com invulgar acerto que poderia falhar a capacidade dos proprietários e, por isso, concebeu uma modalidade consignada na alínea c) do artigo 13.º s que consiste, na «execução total dos trabalhos a cargo dos serviços florestais, com ocupação dos terrenos pelo tempo necessário para a sua conclusão». Mas não pode considerar-se desejável, nem a lei o considera, que a escolha feita pelos proprietários incida sistematicamente nesta modalidade. Se assim for, mantém-se o absentismo e o Estado passa a ser o rendeiro (§ 1.º do artigo 19.º), o que é mau.
Nestas condições, e tendo ainda em conta que existem circunstâncias especiais, de carácter acidental ou duradouro, que obrigam o proprietário rústico a alhear-se da gestão dos seus bens, e sabido que o rendeiro tradicional se não pode adaptar aos objectivos da lei, entende-se que um hábil regulamento pode resolver muitos dos graves problemas que se apresentam.
Noutros casos ainda, mesmo para os proprietários que não abdicaram da administração dos seus bens, as dimensões da propriedade e a fragmentação e dispersão predial podem constituir obstáculo à instalação de empresas florestais bem equipadas, que necessitam de estrutura diversa da necessária para a empresa agrícola.
As iniciativas simultâneas de reorganização agrária que ficaram noutro lugar sugeridas nem sempre encontrarão a possibilidade de aumentar as dimensões de patrimónios insuficientes ou de conseguir resultados satisfatórios em matéria de emparcelamento.
Por isso, e sempre que o emparcelamento não encontre ambiente favorável, se poderá recorrer a medidas semelhantes às que estão sendo ensaiadas e discutidas, por exemplo, em França, no sector florestal.

20. Queremos referir-nos ao Fonds Forestier National, que apresenta aspectos com os quais, a Lei n.º 2069 tem larga analogia. No que se refere à execução tem-se procurado, em França, interessar agrupamentos de proprietários numa obra de finalidade geral, em que certas vias de comunicação, sistemas de defesa contra incêndios e equipamento mecânico para instalação e exploração das matas apresentam objectivos comuns.
O que se discute é a escolha da modalidade de associação. Esta tanto pode ser a sociedade florestal de âmbito familiar ou mais vasto, que envolve, no entanto, problemas complexos de carácter civil e fiscal que têm de ser vistos em face da legislação aplicável, ou sociedades cooperativas que logo beneficiam de protecção fiscal e que parece adaptarem-se vantajosamente à finalidade que se tem em vista, carecendo, no entanto, de um estudo atento dos estatutos que nem sempre correspondem ao tipo corrente das cooperativas agrícolas.
O que parece essencial é desenvolver todos os esforços para que na aplicação da Lei n.º 2069 a submissão ao regime florestal, feita de acordo com um projecto de arborização e exploração, não fique sem cumprimento por parte dos proprietários, nem, pelo contrário, a Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas venha a tomar muitas propriedades de «arrendamento», como dispõe o artigo 19.º
E para tanto julga-se que será útil dispor as coisas no sentido de proporcionar as condições para a criação de sociedades civis ou, de preferência, cooperativas florestais, sempre que a iniciativa individual depare com obstáculos difíceis de remover, ou não disponha de propriedades com as dimensões necessárias para montar a unidade económica florestal.

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§ 5.º

Considerações complementares

21. Merecem a concordância da Câmara Corporativa os conceitos técnicos em que se baseia a previsão de obras complementares, devendo, mo entanto, destacar-se que, mais uma vez, se encontra estreita interdependência entre estas obras e outras necessárias para assegurar a exploração agrícola em todos os casos em que a capacidade de uso o consente e aconselha. A mesma ligação se encontra no que respeita aos aproveitamentos hidroagrícolas que podem ser realizados com maior garantia, uma vez que lhes esteja dada a necessária protecção pelo povoamento florestal que assegura a conservação do solo e da água.
Deve, no entanto, ter-se era conta que a previsão de despesas está apoiada num plano de arborização que parece susceptível de vir a beneficiar de alterações, sobretudo no caso do montado de azinho, conforme se viu noutro parágrafo. Sendo assim, os encargos de arborização com outras espécies poderá ser diferente, devendo suceder o mesmo quanto aos rendimentos.
Julga-se ainda que as produções atribuídas ao montado de sobro parecem exageradas, pelo que fie aconselha a sua revisão.
De qualquer modo, a previsão dos benefícios futuros, que transcendem as conclusões da análise económica sempre falível quando feita a longo prazo, justifica o empreendimento.
O ritmo de povoamento florestal parece ter sido avaliado com prudência e compreende-se que uma transformação radical no uso do solo terá de ser feita de forma necessariamente lenta para que a população rural se adapte às novas circunstâncias.

22. Não se procede no plano a qualquer tentativa de análise do mercado interno e externo de produtos florestais, de forma a avaliar-se a capacidade de absorção da produção que se vai obter. Dispõe-se, no entanto, de referências de diversa ordem feitas às perspectivas de certas culturas florestais incluídas no esquema proposto e o estudo económico baseia-se naturalmente na possibilidade de colocação dos produtos ao preço que se julga estável.
Compreende-se que a análise dos mercados oferece dificuldades específicas e o facto de se não apontarem riscos especiais neste aspecto confirma que as conclusões contidas no relatório final preparatório do II Plano de Fomento, II) "Agricultura, Silvicultura e Pecuária", no que se refere à "análise de conjunto da procura provável", se mantêm na mesma posição quando se afirma que as possibilidades de exportação o "material lenhoso" são muito boas e de cortiça, tanantes e resinosos continuam a ser boas.
Na impossibilidade de construir para a referida análise uma expressão quantitativa, a Câmara Corporativa não vê motivos para formular qualquer receio quanto à colocação dos produtos, desde que se tomem medidas complementares de instalação de industrias capazes de prepararem os produtos de exportação ou necessários ao consumo interno e se organize o mercado impedindo a criação de condições de aquisição que, por vezes, se reflectem no nível dos preços.
Se é certo que toda a indústria carece de segurança quanto ao volume, qualidade e preço da matéria-prima, não deixa de ser menos conveniente que a produção encontre na sua frente uma procura capaz de formular os estímulos necessários à expansão de uma política de fomento, que tanto se podem criar no apoio industrial interno, como, por vezes, no hábil recurso a exportações manobradas, quando possível, por meio de acordos comerciais com o estrangeiro. Como factor de equilíbrio na formação dos preços é fundamental que se oponha à indústria, onde parece ser fácil o entendimento quanto ao abastecimento em matérias-primas, uma agricultura disposta também a montar as coisas comerciais em moldes que lhe permitam fazer valer seus direitos.

23. A Câmara Corporativa, ao ter oportunidade de estudar o problema posto pelo primeiro plano de arborização elaborado ao abrigo da Lei n.º 2069, sentiu a grandeza da tarefa que vai iniciar-se e cresta homenagem aos técnicos portugueses que na silvicultura encontram um campo de actividade que, por sua natureza, nem sempre deixa compreender o valor e o significado dê uma deontologia profissional, plena de abnegação e generosidade, votada ao culto de realizações que se não espera ainda ver criar num dia.
E o interesse do serviço que prestam fica bem interpretado nas seguintes palavras do Prof. Engenheiro Silvicultor M. Gomes Guerreiro 1:

Sem floresta não há água útil; não há poços, nem fontes, nem albufeiras. Sem água utilizável não há indústrias, nem regadio, nem vida sobre a Terra. O homem moderno continua inelutàvelmente ligado e subordinado à floresta por mais que se queira emancipar da sua influência - orgulhoso do poder que a ciência e a técnica depuseram nas suas mãos.
Apesar disso, a sua presença tem-se manifestado sempre, quer pela exploração incontrolada de povoamentos arbóreos e arbustivos, quer pela destruição e pelo incêndio de matas e de associações climaces, quer ainda pelo derrube abusivo de florestas, fazendo crer que é seu intuito substituir o manto vegetal pelo deserto, a plenitude do arvoredo pela angústia do ermo e da aridez.
Para defesa da humanidade cabe ns gerações presentes, com uma política esclarecida em face do problema do ordenamento e da utilização do solo, enveredar por novos caminhos, provar que o homem e a floresta podem e devem coexistir no mundo de hoje.

III

Conclusões

A Câmara Corporativa, tendo apreciado o bom critério e competência técnica que presidiram à elaboração do plano de arborização das bacias hidrográficas das ribeiras Terges e Cobres, é de parecer:

1.º Que o plano seja executado, com os aperfeiçoamentos que lhe possam ser introduzidos, como resultado das conclusões obtidas da experimentação em curso e como consequência do estudo mais amplo dos problemas económicos e sociais da região que porventura possa ser empreendido;
2.º Conclui-se assim porque, na verdade, se considera que o problema florestal, em qualquer região e como outros problemas similares, não pode ser encarado isoladamente, porque depende das técnicas que forem preconizadas no aproveitamento equilibrado dos recursos naturais, não só no sector agrícola, como no industrial e dos serviços, e parece boa política económica e social fazer acompanhar a sua execução de estudos e, se possível, de em-

1 Op. cit.

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preendimentos que atendam ao conjunto dos aspectos do desenvolvimento regional, de forma que se crie um clima, de confiança necessário para alargar cada vez mais os indispensáveis programas de política florestal;
3.º Julga-se também que, de futuro, o disposto na Lei n.º 2069 deverá vir a ser também enquadrado em disposições mais vastas adaptadas especialmente às tarefas impostas pelo II Plano de Fomento no que se refere à conservação do solo e da água nas bacias hidrográficas onde se realizem obras hidroagrícolas e hidroeléctricas, ou nas áreas onde se vai proceder a iniciativas de reorganização agrária, coordenando também outros estudos segundo as técnicas do planeamento regional;
4.º Conforme por várias vexes se acentuou neste parecer, afigura-se urgente proceder à reforma da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, cuja estrutura e equipamento não parecem adequados às finalidades da Lei n.º 2069, não só no que se refere à imperiosa necessidade de intensificar a investigação e experimentação florestais, como também de expandir a assistência técnica ou vulgarização na propriedade particular;
5.º Deverá ainda proceder-se, com a maior urgência possível, à regulamentação da Lei n.º 2069, prevista, aliás, no seu artigo 32.º

Palácio de. S. Bento, 3 de Fevereiro de 1959.

António Pereira Caldas de Almeida.
José Infante da Câmara.
Luís Gonzaga Fernandes Piçarra Cabral.
João Custódio Isabel.
José de Mira Nunes Mexia.
António Jorge Martins da Motta Veiga.
João Faria Lapa.
José Martins de Mira Galvão.
Luís de Castro Saraiva.
Eugênio Queirós, de Castro Caldas, relator.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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