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REPÚBLICA PORTUGUESA

ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 67

VII LEGISLATURA 1959

26 DE OUTUBRO

Projecto de decreto-lei n.º 506

Alterações ao funcionamento de vários desportos

1. Em princípio, dm desporto é um jogo obedecendo a regras rígidas, onde destreza e esforço físico se traduzem em gestos gratuitos com o fim de atingirem um resultado ou realizarem uma acção de valor.
Umas vezes o jogo é individual, no sentido de cada qual só se preocupar com o adversário - pessoa, animal, obstáculo material -, outras vezes é colectivo porquanto o jogador se integra, disciplinarmente, num plano de acção de uma turma. Em qualquer dos casos o desporto é fundamentalmente um lazer, isto é, uma expansão .entre dois tempos de trabalho, com o fim de mudar de preocupação, de ambiente è de ritmo de vida. Esta característica está implícita na etimologia da palavra - distracção. No desporto o corpo e o espírito estão ocupados num exercício muscular disciplinado, realizado com prazer e com o simples, desejo e marcar uma superioridade sobre um adversário ou sobre si próprio. O desporto, porque é distração, nada tem que ver com o lucro material.
O desporto tem um fim eminentemente educativo: por um lado, porque é um lazer que se preocupa com a melhoria do corpo, factor importante para a melhoria do espírito; por outro lado, porque a obediência a regras, aceites sem qualquer imposição, contribui para a vigilância do comportamento, arrasta o respeito pelos outros que agem, com equidade, lealdade e rectidão, segundo as mesmas regras e fortifica o carácter. O desporto pode assim contribuir para a educação moral e cívica. A sua orientação incumbe, desta forma, ao Ministério da Educação Nacional.
O carácter de competição, implícito no desporto,, leva o participante a desenvolver as suas capacidades físicas. A educação física deve, porém, velar por forma a só permitir um desenvolvimento progressivo e até às possibilidades do organismo. Temos a obrigação de fortalecer o corpo, suporte do espírito, que desejamos forte. É preciso, porém, evitar os excessos e o forçamento do equilíbrio orgânico. A vigilância e a orientação devem ser constantes e contrariar as proezas tão gratas à vaidade humana.

Imposta a função de vigilante - professor ou monitor de educação física e desporto -, eucontramo-nos perante a realidade da existência de indivíduos para os quais o desporto não é' uma actividade complementar, mas um trabalho.
Outros indivíduos especialmente habilidosos para as actividades físicas, ao verificarem a sua superioridade em competições desportivas e ao serem solicitados para repetir exibições e proezas manifestam o desejo de se manter em forma e de alargar o círculo dos seus admiradores, primeiro formado por praticantes menos destros, depois formado por um público anónimo, sugestionável pela virtuosidade, pela beleza ou pela agressividade do jogo.
A psicologia colectiva, desenvolvida por uma multidão concentrada ou por uma massa dispersa, hipertrofia o desejo de marcar, até ao ponto de o erigir em fim de vida. Essa psicologia colectiva pode até atingir as culminâncias do prestígio nacional e dar um significado elevado à necessidade de fabricar campeões.
Resvala-se, assim, do amadorismo que caracteriza o desporto para um profissionalismo que é inevitável quando a exibição gratuita para praticantes se transforma em espectáculo pago.
Perdida a pureza do desporto e portanto a sua essência, é lícito perguntar se a actividade decorrente de exercícios físicos apresentados como espectáculo de multidões deve continuar a ser vigiada pelo Ministério da Educação Nacional.

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Responde-se pela afirmativa, pela dificuldade de coexistência de duas fiscalizações sobre actividades regidas pelas mesmas normas e porque se julga que unificando a orientação superior das técnicas desportivas se podem atenuar os inconvenientes do profissionalismo. Aliás, as questões da disciplina do trabalho não são da competência do Ministério da Educação Nacional.

2. Mas a principal razão que leva o Governo a manter neste Ministério a fiscalização técnica das actividades desportivas é o facto inegável de elas se terem integrado nas culturas ocidentais, invadindo todos os meios sociais.
Como elementos de uma cultura, necessitam elas de ser cuidadosamente seleccionadas e depuradas por forma a delas destacar, para a transmissão aos jovens, os possíveis valores que encerram.
Daí também o cuidado que o desporto tem merecido ao Estado, no sentido de o defender, moralizar e auxiliar, procurando colocá-lo, em lugar próprio, na escala dos interesses nacionais. De resto, as virtudes, a grandeza e a força do desporto não estuo em causa, qualquer que seja a faceta por que se encare, e tanto assim é que a Administração tem de estar sempre atenta a defesa dos seus princípios, à sua orientação e até, eventualmente, às suas mutações.

3. Como já se disse, a transformação das exibições de praticantes do desporto em espectáculo pago levou a resvalarem do amadorismo porá o profissionalismo algumas modalidades desportivas. Acompanhando tal modificação, houve natural evolução de algumas regras do jogo, incluindo, especialmente, as que dizem respeito à própria participação do praticante.
Embora muitos deles se tenham mantido felizmente com as características muito dignificantes de puros amadores, a verdade é que, naquelas modalidades que maiores paixões despertam, mais público chamam a mais dinheiro movimentam, os praticantes respectivos, afinal os dadores do espectáculo, não puderam deixar de se profissionalizar, na sua generalidade, e a tal ponto que, em muitos casos, vivem e sustentam-se dessa actividade.
Assim acontece em toda a parte e, naturalmente, entre nós. As actividades desportivas profissionais, ainda que discutidas na sua designação, na sua essência ou na elevação dos seus predicados, são realidades que têm de reconhecer-se e regularizar-se.
Não será até descabido registar que a participação de profissionais nas actividades desportivas levou ao aperfeiçoamento de muitas das suas técnicas.
O reconhecimento do profissionalismo desportivo não representará, no entanto, mais do que a necessidade de uma regularização, na medida em que ao Estado, sob o ponto de vista gimnodesportivo, mais tem de interessar, por força, a prática do desponto como meio de revigoramento do corpo, do que a realização dê simples espectáculos para entretenimento dos povos. Não é que este aspecto da questão seja indiferente, mas, sem embargo da sua importância e até do seu interesse, deverão considerar-se principalmente, em nome dos princípios desportivos, aqueles que continuam, a praticar desporto por prazer e para seu bem-estar físico ou moral e, portanto, a praticá-lo na sua acepção mais pura e perfeita.

4. Verifica-se que em todo o Mundo as actividades desportivas evolucionaram no sentido de admitir a existência dos atletas amadores e dos praticantes profissionais. Desde que assim é, importa legalizar a situação e fazer da distinção entre amadorismo e profissionalismo a linha mestra da nova regulamentação.
Seguindo a orientação desenhada noutros países, não pode, ainda, deixar de se considerar, ao lado dos profissionais, uma terceira categoria: a dos não amadores. São elementos que, embora recebam algumas compensações materiais pela sua actividade desportiva, não podem ser considerados verdadeiros profissionais, pois aquelas são manifestamente insuficientes para constituírem base de sustentação da sua vida.
A realidade diz que a existência de um verdadeiro profissionalismo implica, nas respectivas modalidades, o aparecimento de praticantes que recebem pequenos subsídios materiais, com carácter de regularidade e permanência. Além disso, poderão admitir-se outras formas de compensação que levem sempre a considerar-se necessário distinguir os seus beneficiários dos praticantes amadores ou dos profissionais. Sendo assim, havia que enfrentar o problema e consagrar uma categoria própria, em vez de enquadrá-los, erradamente, nos profissionais ou nos amadores.
O reconhecimento dessa categoria, aliás internacionalmente consagrada, não briga, de qualquer modo, com a distinção que se pretende fazer entre praticantes profissionais e desportistas amadores, pois, pelo contraído, é lhe até indispensável. Na verdade, só será possível restituir, com seriedade, o amadorismo ;i sua acepção mais perfeita, dentro da natural evolução dos seus próprios conceitos, se forem devidamente qualificados, em categoria distinta, aqueles que, não sendo verdadeiros profissionais, recebem, no entanto, algumas compensações materiais pela sua actividade desportiva.
Sem prejuízo do que estiver estabelecido nas regras das várias federações internacionais, convirá, no entanto, fixar expressamente que não serão consideradas compensações materiais, não levando, por isso, os atletas a perderem a sua qualidade de amador, o simples facto de receberem equipamento para a prática da modalidade ou serem pagos da despesa de transporte e estada ou ainda serem reembolsados dos salários perdidos quando em digressão. Assim, na verdade, não podia deixar de ser, na medida em que as exigências da actividade desportiva, o desenvolvimento e expansão do desporto implicam, para os atletas amadores, uma série de obrigações a que eles não podem eximir-se, mas que também não devem suportar.

5. Outro aspecto que, também, tem de estar sempre presente é o da delimitação, tanto quanto possível, do âmbito do profissionalismo. Dentro dessa orientação, procurou-se ir ao encontro das realidades e, portanto, entendeu-se, para já, que somente certas modalidades desportivas - o futebol, o ciclismo e o pugilismo - poderiam ter praticantes profissionais ou não amadores e as outras - todas as outras - seriam rigorosamente praticadas por amadores.
De resto, procedendo-se assim, não se fez mais do. que consagrar o que a prática indicava, porquanto, declaradamente, só os praticantes desportivos daquelas modalidades têm recebido remunerações.

6. As relações dos praticantes profissionais com associações desportivas, como é o caso dos futebolistas ou ciclistas, ou mesmo com outras entidades, como é o caso dos pugilistas, serão sempre objecto de acordo escrito, o qual deverá ser registado obrigatoriamente nas respectivas federações nacionais.
E o registo dos acordos que marcará normalmente o início da condição de profissional, embora, para todos os efeitos e na sua falta, o mesmo tenha de corresponder sempre à primeira remuneração pelo exercício da actividade desportiva.

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Do mesmo modo, em relação aos não amadores e amadores, há necessidade de os qualificar e registar para efeito da sua completa distinção.

7. A dupla qualidade do praticante profissional leva a subordiná-lo à jurisdição dos respectivos e competentes departamentos do Estado.
De resto, já assim acontece com os artistas teatrais, cinematográficos, etc.
Portanto, competirá ao Ministério das Corporações e Previdência Social tudo o que disser respeito à actividade meramente profissional dos praticantes, às relações e disciplina do seu trabalho, á sua organização corporativa e ao seu enquadramento na previdência.
Na mesma ordem de ideias, competirá ao Ministério da Educação Racional, não só em relação aos desportistas amadores e não amadores, mas também aos praticantes profissionais, a superintendência em toda a sua actividade desportiva. Esta superintendência consistirá, preferentemente,- numa atitude de orientação e fiscalização disciplinar, deixando às federações respectivas a possibilidade de regulamentar, como lhes parecer de mais interesse para a sua actividade, os vários aspectos da vida desportiva dos praticantes amadores, não amadores e profissionais.
É evidente que a Administração terá de reservar para si a faculdade de determinar as normas regulamentares necessárias à execução deste diploma, mas essa actuação deverá ser subsidiária e apenas utilizada na medida em que a ordem desportiva se mostre incapaz de resolver os seus próprios problemas.
As condições de representação das associações desportivas pelos praticantes amadores, não amadores e profissionais, a sua mudança de categoria, as suas transferências, são outros tantos aspectos que devem ser objecto de imediato e adequado estudo, em vista a verificar-se eficaz disciplina e indispensável moralização no desporto nacional:
Nestes termos:
Usando da faculdade conferida pela 1.ª parte do n.º 2.º do artigo 109.º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1.º Os praticantes de desporto podem ser amadores, não amadores e profissionais.
Art. 2.º São considerados amadores os praticantes que não recebam remuneração, nem, directa ou indirectamente, qualquer outra espécie de compensação, dos organismos desportivos que representam.
§ único. Não se considera, para os efeitos deste artigo, remuneração ou compensação, sem prejuízo do estabelecido nas regras da respectiva federação internacional,, o fornecimento feito pelos organismos desportivos do equipamento indispensável à prática das diversas modalidades, o pagamento das despesas de transporte e estada e a indemnização dos ordenados ou salários perdidos pelos praticantes que se desloquem em sua representação.
Art. 3.º São considerados praticantes não amadores aqueles que, pela sua actividade desportiva, recebam apenas pequenas compensações materiais.
§ único. Quando essas compensações revestirem a forma de subsídio, com carácter de regularidade e permanência, o seu limite máximo será fixado pela Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar.
Art. 4.º São considerados profissionais os praticantes remunerados pela sua actividade desportiva.
Art. 5.º Ë admitida a prática desportiva a profissionais e não amadores nas modalidades de futebol,, ciclismo e pugilismo e nas que, ouvida a Junta Nacional da Educação, vierem a ser fixadas pelo Ministro da Educação Nacional.
§ único. Em todas as outras modalidades os praticantes serão amadores, sendo vedada a sua prática aos profissionais e não amadoras.
Art. 6.º Serão obrigatoriamente reduzidos a escrito e registados nas respectivas federações os acordos celebrados pelos praticantes profissionais, deles devendo constar os direitos e obrigações dos contratantes, início da sua execução e data do seu termo, remuneração e quaisquer outras condições que não contrariem as disposições legais em vigor e as que vierem a ser estabelecidas em convenções colectivas ou despachos e portarias de regulamentação do trabalho.
§ único. Os organismos desportivos que utilizem praticantes amadores e não amadores deverão participá-lo às respectivas federações, para efeitos de qualificação e registo.
Art. 7.º A condição de profissional ou de não amador verifica-se com o registo a que se refere o artigo anterior e, na sua falta, a partir da data em que o praticante tenha sido compensado pelo exercício da sua actividade desportiva.
Art. 8.º Sem prejuízo da competência específica do ' Ministério da Educação Nacional em toda a actividade desportiva, incumbe ao Ministério das Corporações e Previdência Social tudo o que diga respeito à organização corporativa dos praticantes profissionais, às relações e disciplina do trabalho e à previdência.
Art. 9.º Os praticantes profissionais poderão organizar-se corporativamente em sindicatos nacionais, nos termos da legislação em vigor.
Art. 10.º A representação dos organismos desportivos pelos praticantes amadores, profissionais e não amadores e as condições a que deverá obedecer serão estabelecidas em regulamentos emanados das respectivas federações e aprovados pelo Ministro da Educação Nacional, ou serão por este directamente fixadas em portaria.
Art. 11.º É da competência da Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar a aplicação das sanções que vierem a ser estabelecidas por infracção aos preceitos deste diploma, sem prejuízo da que couber às respectivas federações por força dos seus próprios regulamentos.
Art. 12.º Serão resolvidas por despacho do Ministro da Educação Nacional as dúvidas que, em matéria de natureza desportiva, se suscitarem na interpretação e aplicação do presente diploma.

O Ministro da Educação Nacional, Francisco de Paula Leite Pinto.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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