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REPÚBLICA PORTUGUESA
ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º109
VII LEGISLATURA
ANO 1960 6 DE OUTUBRO
Projecto de proposta de lei n.º 517
Regime do contrato de trabalho
I
1. Ao enviar u Assembleia Nacional a proposta que veio a ser convertida na Lei n.º 1952, de 10 de Março de 1937, o Governo tinha plena consciência de que o regime jurídico do contrato de trabalho que nela se formulava era apenas um primeiro passo no caminho da construção legal do nosso direito do trabalho. Como se escreveu no relatório dessa proposta, não se pretendia fazer uma reforma completa, mas suprir as deficiências mais notadas na prática e ao mesmo tempo dar actualidade e maior amplitude a regras legais de constante aplicação, de modo a proteger mais condignamente o dever social de trabalhar.
Não obstante a modéstia com que estes objectivos foram então enunciados, a Lei n.º 1902 contribuiu poderosamente para a efectivação da política social do Governo. Nem será exagero dizer que só depois da publicação daquela lei se pôde falar no nosso país em direito do trabalho como conjunto ordenado de disposições reguladoras do contrato do trabalho. Este passou a ser objecto de uma disciplina legal, autónoma e específica. Até 1937 a prestação de serviços subordinados era objecto de insuficientes e antiquadas normas de direito comum e de direito comercial, as quais, até pelo espírito que as imbuía, não conseguiam obstar a que os mais fortes impusessem de facto a sua vontade na fixação das cláusulas contratuais.
2. A Lei n.º 1952 teve de começar por definir o conteúdo jurídico do contrato de trabalho e os conceitos básicos de uma regulamentação que se amoldasse à importância e às novas formas que as relações entre patrões e trabalhadores haviam assumido.
A lei pôde, assim, exercer relevante influência tanto na doutrina como na terminologia adoptadas nas convenções colectivas, na legislação complementar, nos despachos ministeriais, na jurisprudência, nos regulamentos internos das empresas e, de um modo geral, em todos os domínios da política do trabalho.
Além de corresponder às exigências da técnica legislativa que conduziram à regulamentação independente do contrato de trabalho, a Lei n.º 1952 veio também dar satisfação, ma medida do que então se julgou possível, aos ditames de justiça social inscritos no Estatuto do Trabalho Nacional e na Constituição Política. Dão medida do alcance daquele diploma a forma como foi acolhido por patrões e trabalhadores e o interesse e a elevação com que a proposta de lei de que derivou foi discutida na Assembleia Nacional, depois de apreciada pela Câmara Corporativa através de parecer que constitui um dos mais notáveis estudos elaborados entre nós sobre o assunto.
Deve, porém, observar-se que a Lei n.º 1952, por desbravar terreno em grande parte desconhecido, obedeceu à prudente intenção de impedir soluções precipitadas ou prematuras. Esboçou-se o regime jurídico do contrato de trabalho, mas houve o cuidado de não o sobrecarregar com inovações insuficientemente experimentadas ou de duvidosa adaptação às condições económicas e sociais da época. Atenderam-se as mais instantes aspirações dos trabalhadores, mas não se esqueceram os legítimos interesses dos patrões.
A preocupação do justo equilíbrio, a que o legislador de 1937 se manteve, fiel, merece ser salientada, pois, além do mais, é ainda precioso ensinamento que convém ter presente na altura em que se procede a novo avanço em matéria tão importante e delicada.
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3. Se se notar que são decorridos mais de dois decénios sobre a promulgação da Lei n.º 1952 e se se tomar em conta a rápida evolução que se tem operado por toda a parte nas formas de protecção ao trabalho, compreender-se-á que aquele diploma se mostre presentemente desactualizado em muitos dos seus aspectos. É certo que, entretanto, a celebração de numerosas convenções colectivas e a publicação, ao abrigo do Decreto-Lei 11.º 32 749, de 15 de Abril de 1943, de diversos despachos de regulamentação do trabalho vieram, relativamente a muitas actividades profissionais, melhorar os direitos dos trabalhadores e reforçar as garantias de carácter social que a lei outorgara. Importa reconhecer, no entanto, que o contrato colectivo ou o despacho normativo não dispensam, antes pressupõem, que os conceitos fundamentais do direito do trabalho se apresentem actualizados e que as prerrogativas e os deveres de patrões e trabalhadores estejam, no seu conjunto, devidamente enunciados em texto legislativo de aplicação geral, o qual não pode deixar de ser revisto em função do desenvolvimento económico do País e da progressiva instauração de uma mentalidade mais favorável à realização dos princípios de cooperação e de justiça social.
Atente-se, por outro lado, em que os contratos colectivos são obra de compreensão e de boa vontade. Quando estas faltem, sejam deficientes, ou só dominem no espírito de uma das partes, a celebração de acordos para a resolução de conflitos de trabalho está condenada. Acresce que tais convenções, com o decurso do tempo, são ultrapassadas e nem sempre os representantes dos empresários e dos trabalhadores conseguem chegar a entendimento sobre o conteúdo e os limites da sua revisão, ainda quando uns e outros a reputem necessária.
Com a publicação do referido Decreto-Lei n.º 32 749 foi autorizado o Subsecretário de Estado, das Corporações e Previdência Social a regular as condições de prestação de trabalho e a sua remuneração, em ordem a poder suprir-se a ausência de acordo entre as entidades patronais e os trabalhadores. A verdade, porém, é que esta faculdade foi aproveitada quase exclusivamente na fixação de ordenados e salários mínimos, por se entender que, salvo em casos especialíssimos, deviam respeitar-se, no tocante às demais condições de trabalho, os preceitos da lei fundamental, ou seja da Lei n.º 1902.
Além disto, o recurso à regulamentação normativa consentida por aquele decreto-lei foi sempre utilizado com as maiores cautelas, pois não faria sentido que o Governo, em face da doutrina que, nos termos do texto constitucional, deve pautar a sua acção, se substituísse normalmente aos organismos corporativos, e interviesse, logo às primeiras dificuldades surgidas, estatuindo os regimes de trabalho. A análise do que tem sido neste campo a actuação, primeiro, dos Subsecretários de Estado e, depois, dos Ministros das Corporações e Previdência Social revela que os poderes conferidos apenas têm sido usados a título de excepção e só na medida em que circunstâncias prementes o determinaram.
Isto evidencia a vantagem que há em promover, à luz da experiência e dos imperativos de ordem social, a remodelação da lei que em 1937 consignou os princípios essenciais sobre o contrato de trabalho. Só assim será possível assegurar posição mais estável e justa no exercício da actividade profissional à generalidade dos trabalhadores e, em especial, aos que estão abrangidos por contratos ou acordos colectivos desactualizados e àqueles que nem sequer têm qualquer convenção ou despacho a regular complementarmente as condições do seu trabalho.
4. A remodelação da Lei n.º 1952 tem sido ultimamente uma das mais salientes pretensões dos sindicatos nacionais, secundados muitas vezes pelos próprios grémios. Estas aspirações justificam-se de modo particular nos casos em que os sindicatos representam simultaneamente trabalhadores cujos direitos derivam apenas da Lei n.º 1952 ou vêm definidos em convenções colectivas já antiquadas e trabalhadores protegidos por convenções que Concedem maiores, regalias. Sucede ainda, com relativa frequência e sem que razões ponderosas o justifiquem, que, em actividades idênticas e até adentro das mesmas empresas, prestam serviço profissionais cujos regimes de trabalho acusam flagrantes contrastes. Tais disparidades poderão, porventura, admitir-se, mas dentro de certos limites e. se forem consequência de condicionalismos especiais, decorrentes da natureza da profissão, das possibilidades económicas das empresas ou dos ramos de actividade, ou ainda de acto gracioso das entidades patronais.
De resto, a revisão da Lei n.º 1952 não poderia, de forma alguma, pretender a uniformização das condições contratuais de trabalho. Para além do conteúdo legal, importa aceitar as determinações concretas da vontade das partes e reservar-lhe uma margem bastante larga em que livremente possa manifestar-se e desenvolver-se.
5. O direito do trabalho está em franca elaboração. Mais do que qualquer outro não pode ser reduzido a fórmulas que se suponham definitivas. E é de assinalar que as normas da Lei n.º 1952 em muito concorreram para que os direitos e garantias nela previstos sofressem profundas transformações através de uma evolução operada nos últimos 23 anos no mundo das relações do trabalho, a qual, sem os quadros jurídicos daquele documento e o impulso social que dele resultou, teria sido inviável.
De qualquer maneira, o direito do trabalho não está ainda numa fase em que o legislador possa defini-lo com a mesma pretensão de estabilidade de que é susceptível, por exemplo, a reforma de um código civil. Mesmo que a lei se situe na linha do justo equilíbrio entre os interesses em causa, as realidades, tais como surgem na actividade, na empresa ou na profissão, hão-de encarregar-se sempre de ir além dos esquemas prescritos. Esta feição tão peculiar do direito do trabalho e, sobretudo, a sua origem de sentido marcadamente corporativo - já que emerge ou deve emergir tanto quanto possível do encontro da vontade dos que fornecem e dos que aceitam o trabalho, ou das instituições que os representam - não podem ser ignoradas e, antes, têm de ser respeitadas pela lei. A regulamentação legal, generalizada e exaustiva, mesmo que possível, das condições de trabalho seria, pois, indesejável.
Mas há um mínimo de condições ou de garantias nas relações entre patrões e trabalhadores que é forçoso fixar, com carácter geral e abstracto, independentemente da vontade de uns e outros, na medida em que sejam essenciais para a realização da justiça e para a coordenação da política de protecção ao trabalho.
Não será ocioso chamar ainda a atenção para a tendência, que por vezes se nota, de serem tidas como limitação máxima as prerrogativas mínimas previstas na legislação do trabalho. Não faltará quem se disponha a dar só o que a lei obriga, como se, por vezes, a justiça não reclamasse mais. Tal circunstância, quando aliada à transformação do condicionalismo social e económico considerado na elaboração da lei, também impõe que esta seja revista para se não tornar prejudicial ou inútil.
6. De 1937 - data da promulgação da Lei n.º 1952 - até hoje fortaleceu-se a opinião de que se-
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ria conveniente e justo encontrar novas modalidades para as relações entre patrões e trabalhadores. Esta ideia foi acolhida com simpatia pelas organizações sindicais e obteve concretização, nem sempre feliz, nas legislações de diversos países estrangeiros.
Essas fórmulas de convívio entre patrões e trabalhadores tendem, directa ou indirectamente, a promover a reforma da empresa.
Tal questão tem sido levantada por alguns pensadores de diversa formação doutrinária e, por isso, com preocupações diferentes. Todos os cuidados são poucos ao aflorar problema tão delicado. Convém, antes de mais, ter presente que a economia corporativa não colide com a existência de empresários e trabalhadores. Esta diferenciação social não constitui prova da inevitabilidade da luta de classes. Efectivamente, o contrato de trabalho não é, em si, condenável. Asseverar o contrário seria erro sério, até pelas confusões a que poderia dar origem. Nem é possível invocar qualquer texto autorizado que repute obrigatória, do ponto de vista moral, a transformação do contrato de trabalho em contrato de sociedade.
Isto não obsta a que, em certas circunstâncias, e garantida a conveniente, preparação dos trabalhadores, se estimule ou decrete a participação destes nos lucros e mesmo nos aspectos da vida interna da empresa que tocam directamente na personalidade e nas condições de trabalho dos empregados ou assalariados. Tal orientação poderá ser mais facilmente adoptada nas grandes concentrações industriais ou nas empresas onde se hajam investido dinheiros públicos ou de origem social.
A solução terá grande interesse para patrões e trabalhadores.
Esta ideia é entre nós susceptível de aplicação, uma vez divulgadas as suas vantagens económicas e sociais e devidamente preparados os espíritos de patrões e trabalhadores. Será este ainda um processo eficaz de dignificação do trabalhador e de entendimento das classes, tanto mais que está a ganhar raízes no espírito de alguns economistas, preocupados com as perspectivas da nossa integração nas novas formas do comércio europeu, a tendência para a concentração das unidades fabris. A reorganização industrial apresenta-se, de facto, como necessidade de primeira ordem, mas convém tomar, a tempo, medidas destinadas a eliminar ou a minimizar as graves consequências que para o equilíbrio social ela pode acarretar.
A criação do serviço social do trabalho (Lei n.º 2085, de 17 de Agosto de 1956), a constituição de comissões de segurança nos locais de trabalho por despachos ministeriais e por convenções colectivas e a expansão dos centros de alegria nas empresas obedecem já ao propósito de ensaiar novas modalidades de cooperação entre as entidades patronais e os empregados e assalariados. Esta orientação terá de desenvolver-se, pois a empresa ou se converte numa comunidade, em que o trabalhador encontre protecção e ambiente sadio, receba remuneração condigna e seja tratado também como colaborador e não apenas como subordinado, ou tenderá a constituir fonte de inquietação ou de subversão.
É no pendor deste pensamento que o presente diploma insere algumas disposições sobre as formas de cooperação entre patrões e trabalhadores na empresa.
Prevê-se a constituição, neste âmbito, de órgãos de colaboração destinados a apreciar as questões directamente relacionadas com os interesses dos trabalhadores.
Por outro lado, dispõe-se também que o Governo poderá estabelecer sistemas de participação dos trabalhadores nos lucros das empresas em que estejam investidos capitais do Estado ou da previdência ou nos de outras de elevada capacidade económica.
E admite-se que os órgãos de colaboração e os regimes de participação dos trabalhadores nos lucros das empresas passem a ser fixados e regulados em convenções colectivas de trabalho. Julga-se, na verdade, que, para além dos casos em que se afigure legítima a imposição estadual, a colaboração no âmbito da empresa verá o seu mais perfeito instrumento nas convenções colectivas, que são já, em si mesmas, uma forma de encontro de patrões e trabalhadores.
Tem-se a consciência de que só por si estas providências abrem uma nova fase no nosso direito do trabalho, pois, concretizando legítimas aspirações, satisfazem naturais e indeclináveis exigências de ascensão humana e de harmonia social.
7. Foi devidamente considerado o facto de a Constituição Política enunciar, depois da revisão de 1951, o direito ao trabalho entre as garantias individuais dos cidadãos portugueses. Aliás, já o Estatuto do Trabalho Nacional prescrevia que o direito ao trabalho e ao salário humanamente suficiente é assegurado sem prejuízo da ordem económica, jurídica e moral da sociedade. Em substituição do direito à assistência que a Constituição de 1911 «ingénua e inutilmente» tinha estabelecido, «fomos os primeiros a proclamar um novo direito, inédito e revolucionário: o direito ao trabalho».
Tal direito não foi declarado na Constituição em termos absolutos, que seriam impraticáveis. A sua execução prática e integral viria criar, por agora, dificuldades invencíveis. No entanto, o texto constitucional é hoje um comando inequívoco, que terá de encontrar projecção nas leis do trabalho.
Ora cumpre reconhecer que uma das principais garantias do direito ao trabalho é precisamente a estabilidade do emprego. Por isso mesmo, na presente proposta procura-se assegurar, dentro do possível, essa estabilidade.
8. Nas suas linhas gerais, são estas as razões que convencem o Governo da necessidade da revisão da Lei n.º 1952.
Depois da lei que instituiu o Plano de Formação Social e Corporativa (Lei n.º 2085, de 17 de Agosto de 1956) e da que promulgou o Estatuto Jurídico das Corporações (Lei n.º 2086 de 22 de Agosto de 1956), as quais tornaram possível um largo movimento de educação social, a criação das primeiras corporações e a consolidação e expansão do sistema corporativo, impunha-se igualmente dar novo e vigoroso passo em frente também nos domínios da segurança do trabalhador e da legislação do trabalho. Por isso, em 28 de Maio de 1957, pôde submeter-se à apreciação da Câmara Corporativa o projecto da reforma da previdência, social, e, em 9 de Abril de 1958, eram publicadas a lei sobre a cooperação das instituições de previdência e das Casas do Povo no fomento da habitação económica (Lei n.º 2092) e a reforma dos Tribunais do Trabalho (Lei n.º 2091), que foi seguida, em 21 de Julho do mesmo ano, do estatuto destes órgãos jurisdicionais (Decreto-Lei n.º 41 745). Outras medidas de índole idêntica têm sido tomadas com o objectivo de acelerar o ritmo da acção social do Governo e em sequência, aliás, da política- do fomento económico em plena execução.
9. Neste surto renovador é altura de refundir e actualizar as normas legais sobre contrato de trabalho.
Não se pretende fazer tábua rasa dos conceitos que a Lei n.º 1952 introduziu na regulamentação jurídica do trabalho, embora se tenha julgado mister ir além de uma simples actualização do seu esquema de direitos.
A presente proposta contém, pois, algumas importantes inovações, mas nunca se inovou pelo prazer de
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inovar, pelo contrário, desistiu-se, por vezes, de inserir modificações defendidas por alguns, a fim de se impedir a consagração jurídica de soluções a respeito das quais se suscitaram dúvidas sobre a sua oportunidade ou sobre a sua adaptação às nossas realidades sociais.
Pôs-se de parte também a ideia de organizar, a exemplo do que se fez noutros países, um código do trabalho que incluísse todas as normas ligadas às relações entre patrões e trabalhadores. A materialização de tal pensamento viria retardar em muito a substituição da lei vigente sobre contrato de trabalho, e acabaria certamente por ocasionar sérios inconvenientes à progressiva evolução de um ramo de direito tão sujeito às naturais mutações dos factos que ele próprio disciplina.
Ainda se pensou em integrar, ao menos, nesta proposta as bases gerais dos regimes jurídicos dos contratos e acordos colectivos de trabalho e das comissões corporativas decorrentes dessas convenções ou de despachos normativos. Motivos de ordem prática desaconselharam, porém, esta orientação, embora não fique abandonado o propósito de se empreender a promulgação de legislação adequada sobre convenções colectivas de trabalho.
Quanto às comissões corporativas, julgou-se preferível proceder à sua remodelação desde já, o que se faz através de diploma inserto na folha oficial desta data.
II
10. É neste espírito que a proposta de lei visa estabelecer as linhas fundamentais do regime jurídico do contrato de trabalho.
Mantém-se, na base da disciplina das relações do trabalho, o conceito de contrato.
Não se ignoram as críticas que têm sido formuladas contra este conceito. Mas julga-se que ele não só representa efectivamente uma realidade, como também possui dimensões éticas que não podem nem devem ser ignoradas.
A figura jurídica do contrato de trabalho é compatível com as concepções que vêem na empresa uma comunidade de vida ou de destino. Ela garante a liberdade da entidade patronal e do trabalhador e contribui para manter a consciência da dignidade do acto de dar trabalho e do acto de o prestar.
A subsistência dos pressupostos contratualistas do regime anterior não levou, no entanto, a ignorar a empresa e a sua projecção no domínio do direito do trabalho.
A definição de contrato de trabalho agora indicada respeita os elementos essenciais do conceito consagrado na Lei n.º 1952, mas simplifica-se a definição anterior, tornando a mais concisa e clara.
Passa a considerar-se desnecessária a qualificação de profissional dada à actividade, objecto do contrato de trabalho, e regressa-se à denominação de retribuição, em vez de remuneração. Por outro lado, reduz-se à autoridade ou direcção da. pessoa a quem a actividade é prestada a expressão da subordinação jurídica, que era dada pela fórmula «ordem, direcção ou fiscalização». Julga-se conveniente referir que a pessoa a quem o trabalho é prestado pode ser singular ou colectiva. Crê-se que se obteve uma solução equilibrada e, porventura, mais perfeita do que a adoptada na legislação de outros países.
Afirma-se o princípio de que a natureza e o regime jurídico do contrato de trabalho são independentes da forma da retribuição, do local da prestação do trabalho e do facto de a entidade patronal fornecer matérias-primas ao trabalhador. Esta orientação resultava da Lei n.º 1952, que submete ao regime do contrato de trabalho certas situações em que a subordinação econó-
mica do trabalhador se apresenta menos nítida do que a de carácter jurídico.
Parece evidente, no entanto, que só pode haver contrato de trabalho na medida em que existir um mínimo de dependência jurídica. A dependência económica só por si não caracteriza as relações contratuais de trabalho.
Pelos termos amplos em que se encontravam redigidos, os preceitos da Lei n.º 1952 consentiam interpretações anómalas. A presente redacção não afecta o alcance social da doutrina que naquela lei se estabelecia, e afasta ao mesmo tempo as dúvidas a que ela se prestava.
11. Julgou-se conveniente enunciar as fontes de direito de trabalho, tomando em linha de conta a existência de despachos ou portarias de regulamentação autorizados por diplomas especiais (Decreto-Lei n.º 32 749, de 16 de Abril de 1943).
Conserva-se a referência feita na Lei n.º 1952 ao costume dá terra e dá profissão do trabalhador, atribuindo-se-lhe também uma função supletiva.
Consagra-se, por outro lado, o princípio da consensualidade do contrato de trabalho, ressalvadas as excepções expressamente previstas na lei, uma das quais surge num dos preceitos propostos.
Não se incluem, por desnecessárias, disposições especiais sobre a capacidade das partes. Exige-se apenas a carteira profissional como condição da capacidade do trabalhador, embora se tenha prescrito, a fim de impedir o locupletamento sem causa, a obrigatoriedade do pagamento da retribuição até ao termo da prestação efectiva do trabalho, sempre que o contrato, por falta daquele título, seja nulo.
Estabelece-se, em nome do princípio do melhor tratamento do trabalhador, a nulidade das cláusulas dos contratos individuais que importem para os trabalhadores regime menos favorável do que o previsto na regulamentação aplicável e prescreve-se a substituição de jure das cláusulas nulas.
12. O problema relativo aos regulamentos de empresa mereceu também particular atenção. Não se aceita que tais regulamentos sejam fonte de direito do trabalho, mas enunciam-se a seu respeito alguns princípios orientadores.
Exige-se a adesão expressa ou tácita do trabalhador às cláusulas dos contratos de trabalho que constem de regulamentos de empresa e admite-se que as empresas possam ser. obrigadas a elaborar regulamentos donde constem as regras de direcção e dê disciplina do trabalho.
Tais regulamentos, elaborados obrigatória ou facultativamente, ficam sujeitos à aprovação do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência. Assegura-se ainda a sua publicidade e faculta-se aos trabalhadores que os consultem.
Também se consagra o reconhecimento do poder disciplinar das entidades patronais, que, embora admitido como evidente exigência das relações desta» com os trabalhadores e implícito nalguns preceitos legais, não se encontrava formulado em termos suficientemente claros.
Estabelece-se o princípio de que as sanções disciplinares devem ser proporcionais à gravidade da falta e aceita-se que o seu regime conste dos regulamentos de empresa, sem prejuízo do que estiver prescrito na lei, convenções colectivas ou despachos ou portarias de regulamentação do trabalho.
Na falta de sistema especial de sanções, as entidades patronais não poderão suspender os trabalhadores ao seu serviço por tempo superior a 6 e 3 dias conse-
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cutivos, respectivamente, para empregados e assalariados, e a suspensão não poderá exceder, em cada ano civil, 30 dias para empregados e 15 dias para assalariados.
Assim se resolvem as dúvidas sobre a legalidade da suspensão do trabalhador sem embargo de se pretender eliminar os abusos que a nova orientação poderia originar, se pão fosse rodeada das necessárias cautelas.
13. É mantida a classificação dos trabalhadores em empregados e assalariados, a qual, longe de constituir entre nós pura distinção teórica, corresponde a vima realidade actual do próprio mundo do trabalho.
Sabe-se que em vários países as funções dos operários e dos empregados tendem a confundir-se, em consequência do progresso técnico. Em Portugal, esta tendência é por enquanto pouco acentuada, mas deve reconhecer-se que começa já a registar-se nas actividades tecnicamente mais desenvolvidas. Por isso mesmo, e também em ordem a fazer desaparecer as disparidades de tratamento que se afiguravam meigos razoáveis, alargam-se agora os direitos e as regalias dos assalariados.
Mas, como é de conservar, embora esbatida, nalguns aspectos, a referida diferenciação, não se elimina já a distinção entre ordenado e salário, respectivamente, como designação da retribuição dos empregados e dos assalariados.
Preceitua-se que o pagamento da remuneração deve ser efectuado ao mês ou à semana, conforme se trate de empregados ou assalariados e salvo estipulação em contrário. Assim se consagra quanto aos assalariados uma prática geralmente seguida.
Na retribuição do trabalho compreende-se, além do que for devido por força do contrato, qualquer outra remuneração entregue pela entidade patronal ao trabalhador e relativamente à qual não se prove título diverso.
Reduz-se para um ano o período a tomar em couta para a determinação do montante das retribuições variáveis, o que tem um alcance que não é necessário sublinhar.
Para garantia dos direitos dos trabalhadores, atribui-se aos créditos por ordenados e salários e por indemnizações devidas por rescisão dos contratos de trabalho um privilégio mobiliário geral.
14. O regime de férias foi objecto de maior desenvolvimento, com o fim de, na medida do possível, reduzir as incertezas e os conflitos a que tem dado lugar.
Como figura específica do direito do trabalho, as férias mereceram atenção especial. As dúvidas e os problemas que a sua disciplina legal venha levantar não podem ser resolvidos pelos tribunais à luz do direito comum. Daí a necessidade de definir um regime de férias que, ainda quando incompleto, contenha suficientes indicações para o julgador.
O sistema jurídico ora proposto difere em grande parte do que consta da Lei n.º 1952.
As férias passam a ser um direito de todos os trabalhadores ao fim de um ano de serviço. Desaparecem na presente proposta as condições que na Lei n.º 1952 limitavam a constituição do direito a férias. Este é inteiramente independente da integração do trabalhador nos quadros permanentes da empresa e do número de empregados ou assalariados ao serviço. Elimina-se também a restrição em vigor para os assalariados, que só tinham férias ao fim de três anos de trabalho.
Na verdade, e como tem sido amplamente demonstrado pela prática de convenções colectivas, já não têm razão de ser as limitações prescritas pela Lei n.º 1952 para a constituição do direito a férias.
Por isso mesmo, não se hesitou em conferir este direito a todos os trabalhadores abrangidos pela disciplina da presente proposta. Desta maneira, algumas centenas de milhares de empregados e assalariados vão passar a ter férias anuais. Não há exagero nesta afirmação, pois, em face da lei actual, não gozam de direito a férias os trabalhadores não pertencentes aos chamados quadros permanentes nem os assalariados ou empregados das empresas que tenham normalmente ao serviço menos de vinte ou seis assalariados ou empregados.
15. São insuficientes os períodos de férias prescritos na Lei n.º 1952. A realidade ultrapassou os comandos legais, já inadequados para cumprir a sua função.
Entendeu-se aconselhável esbater as diferenças existentes, em matéria de duração de férias, entre empregados e assalariados. As férias não são apenas um prémio para compensar as qualidades do trabalhador - satisfazem também uma, exigência física e moral, sem deixarem de constituir ainda um meio de aumentar ou de manter a produtividade e o rendimento do trabalho.
Não é possível, nem talvez seja desejável, tornar o direito a férias independente da conduta do trabalhador, de tal modo que ele decorra apenas da duração do contrato de trabalho. Mas esta será uma razão para procurar conciliar a concepção das férias como necessidade do homem que trabalha com a realidade concreta das relações entre a entidade patronal e o trabalhador.
Assim, a proposta vem alargar sensivelmente os períodos de férias, que passam a ser, para os empregados, de dez, quinze e vinte dias, e,, para os assalariados, de seis, dez e quinze dias, conforme uns e outros tenham mais de um, cinco e vinte anos de serviço. Prescreve-se igualmente, de acordo com o disposto na Convenção Internacional sobre Férias Remuneradas de 1936, que os menores de 16 anos de idade passem a ter um período de férias não inferior a doze dias em cada ano civil.
Na fixação dos novos períodos de férias, se houve o propósito de melhorar a presente situação dos trabalhadores, não se perdeu de vista quer a necessidade de impedir a criação de encargos insuperáveis para as empresas e, sobretudo, para as mais modestas, até agora desobrigadas da concessão de férias, quer a vantagem de deixar algum campo livre para a iniciativa dos organismos corporativos poder exercitar-se na celebração de convenções colectivas de trabalho.
Elucida-se ainda que ao estabelecer-se um período tão longo de anos como é aquele que decorre entre os cinco e os vinte anos de serviço, durante o qual o número de dias de férias se mantém inalterável, teve-se em mente facilitar às empresas a concessão simultânea de férias ao maior número possível dos seus trabalhadores.
16. Posto de parte o requisito do bom, e efectivo serviço como condição subjectiva da constituição do direito a férias, e cuja aplicação prática encontrou as maiores dificuldades, prevê-se, no entanto, que a entidade patronal possa descontar, no período de férias imediato, as faltas não justificadas do trabalhador, a não ser que estas tenham já dado lugar à aplicação de sanções disciplinares. Pretende-se, assim, obstar a que as férias possam ser consideradas como um prémio para a falta de assiduidade, mas impede-se que o trabalhador seja punido duas vezes pela mesma infracção.
Resolve-se o problema, que tem sido motivo de muita discussão, de saber como se conjuga o despedimento com as férias ainda não gozadas. A solução adoptada obedece a preocupações de certeza e de justiça. O trabalhador perde o direito às férias ainda não gozadas e relativas no ano em que se operar a rescisão do con-
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trato sempre que ele tenha dado justa causa ao despedimento ou se haja despedido sem justa causa.
17. A transferência das férias para o 1.º trimestre do ano seguinte só pode ser feita mediante autorização do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência. Os períodos de férias devem ser gozados em dias seguidos, mas prevê-se, com a mesma segurança e a titulo excepcional, o gozo interpolado de férias na parte em que excederem o mínimo de dez dias. Proíbe-se o trabalhador de desempenhar durante as férias qualquer actividade retribuída, a não ser que ele tivesse vindo a exercer cumulativamente essa actividade.
derada, mantendo-se a distinção entre a rescisão com justa e sem justa causa.
Define-se a justa causa em termos que são parcialmente novos, considerando-se como tal a violação grave ou reiterada de deveres gerais ou especiais dos contraentes e ainda qualquer facto ou situação que torne imediatamente impossível a subsistência das relações que o contrato de trabalho supõe.
A existência de justa causa será apreciada pelo prudente arbítrio do juiz, tendo em atenção o carácter das relações entre dirigentes e subordinados e as circunstâncias concretas do caso, nos mesmos termos da lei anterior.
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A prescrição de ordenados e salários e de indemnizações conta-se desde o dia seguinte àquele em que o trabalhador tiver deixado de prestar serviço.
Entende-se, no entanto, que a prescrição das retribuições relativas a trabalho suplementar não deve continuar a ser contada a partir da rescisão do contrato. Assim, dispõe-se que o pagamento de serviços prestados em horas extraordinárias ou em dias de descanso semanal prescreve no prazo de um ano, a contar do dia seguinte àquele em que o trabalhador tiver recebido da entidade patronal o ordenado ou salário correspondente ao período de tempo em que aqueles serviços tenham sido prestados.
Pretende-se, com esta norma, que os interessados se disponham a reclamar em tempo oportuno os seus direitos, de modo a facilitar a apreciação contenciosa das questões, a afastar incertezas nas relações do trabalho e ainda a contrariar abusos e represálias, neste domínio ainda frequentes, de patrões ou trabalhadores menos compenetrados dos seus deveres.
25. Aproveita-se o ensejo para integrar no texto da lei fundamental sobre o contrato de trabalho as disposições que prevêm e punem as violações das leis do trabalho, constantes do Decreto-Lei n.º 31 280, de 22 de Maio de 1940. Do mesmo modo se. afigura oportuno rever o sistema de sanções prescrito na Lei n.º 1952, que punia genericamente com multas todas as infracções às disposições da lei.
Julga-se que o regime de sanções no domínio do direito de trabalho deve consistir na obrigatoriedade do pagamento de. indemnizações complementares aos trabalhadores e, sempre que a violação dos preceitos da lei assuma o carácter de infracção penal, na aplicação de multas. A extrema raridade com que se têm verificado as transgressões punidas com pena de prisão pelo Decreto-Lei n.º 31 280 é de molde a permitir que não se inclua tal penalidade no sistema que ora se preconiza.
Prevê-se ainda que o trabalhador despedido ou castigado por pedir à entidade patronal o cumprimento das obrigações impostas pelo contrato de trabalho, ou por exercer direitos que o mesmo lhe confira, poderá exigir uma indemnização de seis meses de ordenado ou salário, além da indemnização devida pelo despedimento, se o houver. E prescreve-se que os trabalhadores castigados ou despedidos por serem dirigentes de organismos corporativos ou instituições de previdência, membros de comissões corporativas ou em resultado da acção que em qualquer dessas qualidades hajam desenvolvido terão direito a uma indemnização de dois anos de ordenado ou salário, além da indemnização correspondente no caso de despedimento.
26. O âmbito de aplicação da Lei n.º 1952 suscitou inicialmente algumas dúvidas.
O regime jurídico contido na presente proposta, a exemplo do que se dispunha naquela lei, será aplicável imediatamente aos contratos individuais vigentes, sem prejuízo dos ordenados, salários e quaisquer vantagens n.º 1952, alarga-se ao serviço doméstico tão-sòmente o regime do período de experiência. Por outro lado, encarrega-se o Ministério das Corporações e Previdência Social de fazer publicar decretos especiais destinados a estabelecer o regime jurídico nas actividades a que o presente diploma se não possa aplicar.
27. Na elaboração desta proposta tomaram-se em consideração a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e dos- tribunais do trabalho e os aperfeiçoamentos que as convenções colectivas e os despachos e portarias publicados ao abrigo do Decreto-Lei n.º 32 749 foram introduzindo no regime do contrato de trabalho.
Além disso, ponderaram-se os estudos doutrinários sobre o nosso direito do trabalho e as sugestões neles contidas, bem como o anteprojecto do novo Código Civil na parte dedicada aos contratos civis. Não se esqueceram os diplomas legislativos das províncias ultramarinas que regulam as relações do trabalho, tanto mais que o Governo está muito empenhado em harmonizar, dentro do possível, a política do trabalho, da previdência e da organização corporativa em todos os territórios nacionais.
Também foram objecto de análise a legislação e a doutrina dos países estrangeiros mais afins, embora sem o propósito de decalcar soluções que, porventura, só em cada um deles possam ter plena validade.
Quer dizer: envidaram-se os maiores esforços para se apresentar um diploma estruturado em bases sérias, susceptível de acautelar os importantes e delicados interesses em presença. Mas nunca se perdeu de vista esta verdade por alguém já enunciada com as seguintes palavras:
«O problema social não deve limitar-se à conquista de regalias materiais, decerto necessárias a uma vida decente e digna, mas, pela ordem natural das coisas, condenadas por si sós a alimentar a insatisfação dos espíritos. Parece que deveremos dar-lhe outra profundidade e muito maior alcance, transformando-o de questão que interessa apenas a uma classe no problema da própria organização social. Cada vez terá menos sentido considerar à parte o mundo operário; cada vez está menos de acordo com a realidade considerar os trabalhadores uma classe diferenciada no meio social. Nós tínhamos de partir do estudo actual das coisas e, se é justo o conceito enunciado acima, e devemos agir em obediência a esse conceito, os tópicos fundamentais da transformação a operar seriam os seguintes: a segurança e dignidade do trabalho, o acesso à propriedade, o acesso à educação e, por intermédio desta, ao exercício de todas as funções, e, finalmente, através da organização, à respectiva representação no Estado».
Esta proposta visa fundamentalmente a segurança e a dignidade do trabalho; mas o seu pensamento não deve desligar-se de tudo o que se tem feito para fomentar o acesso à propriedade, mormente à da habitação e à da terra e o acesso à educação que o Plano de Educação
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aviso prévio ou a indemnização em caso de despedimento sem justa causa quando pertencessem aos quadros permanentes das empresas comerciais e industriais e contassem mais de dois anos de bom e efectivo serviço. Afasta-se, sem hesitar, a solução da lei actual, que, além de menos justa e precisa, deu origem a erradas aplicações e a muitos abusos.
Prevê-se, contudo, que as indemnizações possam ser reduzidas a metade, se a rescisão se efectuar mediante aviso prévio com a antecipação de meio mês ou de uma semana por cada ano completo de vigência do contrato, conforme se trate de empregados ou assalariados.
O regime constante da proposta pretende ser uma solução intermédia entre o sistema de aviso prévio adoptado pela Lei n.º 1952 e um sistema puro e simples de indemnizações. Ele não exclui a rescisão do contrato de trabalho mediante aviso prévio, mas vem atenuar os seus inconvenientes na medida em que a rescisão sem justa causa dá sempre lugar ao pagamento de indemnização. Esta é também uma das inovações do maior alcance para a protecção dos trabalhadores.
Na intenção de prevenir os sérios prejuízos que o despedimento sem justa causa e sem aviso prévio por parte dos trabalhadores muitas vezes acarreta às entidades patronais, prescreve-se que o trabalhador que se despedir sem justa causa avisará a entidade patronal com a antecipação correspondente a metade do prazo que tiver a seu favor, ficando sujeito, se o não fizer, ao pagamento de uma indemnização igual à remuneração que durante esse período receberia. Procura-se (garantir o pagamento de tal indemnização, tornando solidariamente responsáveis as entidades patronais que admitam ao seu serviço trabalhadores que a não tenham satisfeito.
Estabelece-se ainda, de acordo com elementares princípios de justiça, a imputabilidade do despedimento ao contraente, que tenha forçado o outro a denunciar o contrato de trabalho por meio de conduta destinada a tornar impossível a sua continuação.
21. É sabido como tem sido fonte de problemas o disposto na Lei n.º 1952 sobre a subsistência dos contratos de trabalho em caso de transmissão da exploração ou traspasse do estabelecimento.
Parece, pois, conveniente especificar os efeitos que tem ou pode ter a transmissão da exploração ou do estabelecimento sobre os contratos de trabalho. Pensa-se que o sistema agora proposto - embora aparentemente mais complexo que o anterior - corresponda às exigências da vida e da justiça.
Em princípio, prescreve-se que nestes casos os contratos de trabalho subsistam em relação à entidade adquirente, o que só não se verificará se os trabalhadores tiverem sido despedidos nos termos legais pela entidade transmitente.
Se esta última entidade prosseguir a sua actividade noutra exploração ou estabelecimento, os contratos de trabalho poderão ser mantidos com ela, se os trabalhadores assim preferirem.
Se os contratos de trabalho continuarem com a entidade adquirente, esta será responsável pelo cumprimento de todas as obrigações emergentes desses contratos, ainda que constituídas anteriormente à transmissão, sem prejuízo dos direito de regresso contra a entidade transmitente. No caso de os trabalhadores haverem sido despedidos antes da transmissão, a entidade adquirente será subsidiariamente responsável pelo cumprimento de todas as obrigações emergentes dos contratos de trabalho, se a entidade transmitente se mostrar insolvente ou falida.
Este sistema respeita a liberdade dos trabalhadores, salvaguarda os seus direitos e visa a pôr termo às incertezas de ordem jurídica relativas às consequências da transmissão da exploração ou do estabelecimento nos contratos de trabalho.
22. Regulamenta-se em novos termos a garantia do direito ao lugar durante o tempo- de serviço militar obrigatório, estabelecida no Estatuto do Trabalho Nacional em benefício dos empregados das empresas privadas e dos operários ou assalariados dos quadros permanentes e alargada a todos os trabalhadores pela Lei n.º 2034, de 18 de Julho de 1949. Tem-se em mente suprimir os abusos que o regime actualmente em vigor tem originado, sem no entanto se cercearem as garantias legais concedidas aos trabalhadores durante a prestação do serviço militar.
Em rigor a prestação do serviço militar constitui uma causa de suspensão da prestação do trabalho. Ela é inclusivamente um dos casos em que o trabalhador tem de cumprir obrigações legais incompatíveis com a continuação do serviço, mas a que importa dar uma configuração própria.
Substitui-se a notificação à entidade patronal, prevista na Lei n.º 1952, pela apresentação do trabalhador. Este, após o cumprimento dos deveres militares obrigatórios, deverá, no prazo de quinze dias, regressar ao serviço, considerando-se, para todos os efeitos, a sua falta de comparência como um despedimento sem justa causa.
As entidades patronais que não receberem os trabalhadores, findo o serviço militar, são obrigadas a indemnização por despedimento sem justa causa, independentemente da multa em que incorram.
Admite-se também que durante a prestação do serviço militar o trabalhador possa despedir-se, avisando a entidade patronal, com a devida antecedência, de que não regressará ao trabalho.
Por último, prevê-se que o regime estabelecido para o serviço militar obrigatório seja tornado extensivo a outras situações semelhantes quando reconhecidas de interesse nacional pelo Governo.
23. A proposta inclui várias disposições sobre trabalho feminino, que constam já de despachos recentes publicados ao abrigo do Decreto-Lei n.º 32 749, de 15 de Abril de 1943.
Não se desconhecem as desvantagens do trabalho feminino fora do lar, sobretudo para a vida familiar e para a educação dos filhos. Mas se é uma realidade, não deve ser abandonado a si próprio; antes tem de ser protegido de forma eficaz em nome- de indiscutíveis princípios de ordem moral e das superiores conveniências- sociais.
Não carecem de ser justificadas a obrigatoriedade de transferência das mulheres durante o período de gravidez para trabalhos que as não prejudiquem e a dispensa de prestar horas extraordinárias e de trabalhar até dois dias em cada mês dada às mulheres com encargos de família.
Mantém-se a dispensa das empregadas ou assalariadas durante 30 dias por ocasião do parto, outorgando-se às trabalhadoras com mais de um ano de serviço o direito a receberem, durante p período de dispensa, dois terços do seu ordenado ou salário.
Estatui-se ainda que a dispensa e as faltas por parto previstas na lei não prejudicam nem as férias nem qualquer outro direito emergente do contrato de trabalho. Este regime não se aplica, por motivos óbvios, sempre que houver interrupção culposa da gravidez.
24. Altera-se sensivelmente o regime de prescrições estabelecido pela Lei n.º 1952.
Os ordenados e salários, as retribuições por horas extraordinárias e as indemnizações devidas aos trabalhadores e às entidades patronais por falta de cumprimento das obrigações emergentes do contrato de trabalho passam a prescrever no prazo de um ano.
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A prescrição de ordenados e salários e de indemnizações conta-se desde o dia seguinte àquele em que o trabalhador tiver deixado de prestar serviço.
Entende-se, no entanto, que a prescrição das retribuições relativas a trabalho suplementar não deve continuar a ser contada a partir da rescisão do contrato. Assim, dispõe-se que o pagamento de serviços prestados em horas extraordinárias ou em dias de descanso semanal prescreve no prazo de um ano, a contar do dia seguinte àquele em que o trabalhador tiver recebido da entidade patronal o ordenado ou salário correspondente ao período de tempo em que aqueles serviços tenham sido prestados.
Pretende-se, com esta norma, «que os interessados se disponham a reclamar em tempo oportuno os seus direitos, de modo a facilitar a apreciação contenciosa das questões, a afastar incertezas nas relações do trabalho e ainda a contrariar abusos e represálias, neste domínio ainda frequentes, de patrões ou trabalhadores menos compenetrados dos seus deveres.
25. Aproveita-se o ensejo para integrar no texto da lei fundamental sobre o contrato de trabalho as disposições que prevêm e punem as violações das leis do trabalho, constantes do Decreto-Lei n.º 31 280, de 22 de Maio de 1940. Do mesmo modo se afigura oportuno rever p sistema de sanções prescrito na Lei n.º 1952, que. punia genericamente com multas todas as infracções às disposições da lei.
Julga-se que o regime de sanções no domínio do direito de trabalho deve consistir na obrigatoriedade do pagamento de. indemnizações complementares aos trabalhadores e, sempre que a violação dos preceitos da lei assuma o carácter de infracção penal, na aplicação de multas. A extrema raridade com que se têm verificado as transgressões punidas com pena de prisão pelo Decreto-Lei n.º 31 280 é de molde a permitir que não se inclua tal penalidade no sistema que ora se preconiza.
Prevê-se ainda que o trabalhador despedido ou castigado por pedir à entidade patronal o cumprimento das obrigações impostas pelo contrato de trabalho, ou por exercer direitos que o mesmo lhe confira, poderá exigir uma indemnização de seis meses de ordenado ou salário, além da indemnização devida pelo despedimento, se o houver. E prescreve-se que os trabalhadores castigados ou despedidos por serem dirigentes de organismos corporativos ou instituições de previdência, membros de comissões corporativas ou em resultado da acção que em qualquer dessas qualidades hajam desenvolvido terão direito a uma indemnização de dois anos de ordenado ou salário, além da indemnização correspondente no caso de despedimento.
26. O âmbito de aplicação da Lei n.º 1952 suscitou inicialmente algumas dúvidas.
O regime jurídico contido na presente proposta, a exemplo do que se dispunha naquela lei, será aplicável imediatamente aos contratos individuais vigentes, sem prejuízo dos ordenados, salários e quaisquer vantagens ou regalias de que gozem os trabalhadores à data da sua publicação.
Em princípio, o presente diploma abrange todos os contratos, quaisquer que sejam a natureza do trabalho prestado e a actividade exercida pela entidade patronal.
No entanto, não é ainda possível submeter ao regime nele previsto o trabalho assalariado na agricultura, além de ser evidente que o serviço doméstico deve ser regulado por disposições especiais.
Nestas condições, apenas se sujeitam à disciplina jurídica do oontrato de trabalho os empregados das empresas agrícolas, e, como já se prescrevia na Lei
n.º 1952, alarga-se ao serviço doméstico tão-sòmente o regime do período de experiência.
Por outro lado, encarrega-se o Ministério das Corporações e Previdência Social de fazer publicar decretos especiais destinados a estabelecer o regime jurídico nas actividades a que o presente diploma se não possa aplicar.
27. Na elaboração desta proposta tomaram-se em consideração a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e dos tribunais do trabalho e os aperfeiçoamentos que as convenções colectivas e os despachos e portarias publicados ao abrigo do Decreto-Lei n.º 32 749 foram introduzindo no regime do contrato de trabalho.
Além disso, ponderaram-se os estudos doutrinários sobre o nosso direito do trabalho e as sugestões neles contidas, bem como o anteprojecto do novo Código Civil na parte dedicada aos contratos civis. Não se esqueceram os diplomas legislativos das províncias ultramarinas que regulam as relações do trabalho, tanto mais que o Governo está muito empenhado em harmonizar, dentro do possível, a política do trabalho, da previdência e da organização corporativa em todos os territórios nacionais.
Também foram objecto de análise a legislação e a doutrina dos países estrangeiros mais afins, embora sem o propósito de decalcar soluções que, porventura, só em cada um deles possam ter plena validade.
Quer dizer: envidaram-se os maiores esforços para se apresentar um diploma estruturado em bases sérias, susceptível de acautelar os importantes e delicados interesses em presença. Mas nunca se perdeu de vista esta verdade por alguém já enunciada com as seguintes palavras:
«O problema social não deve limitar-se à conquista de regalias materiais, decerto necessárias a uma vida decente e digna, mas, pela ordem natural das coisas, condenadas por si sós a alimentar a insatisfação dos espíritos. Parece que deveremos dar-lhe outra profundidade e muito maior alcance, transformando-o de questão que interessa apenas a uma classe no problema da própria organização social. Cada vez terá menos sentido considerar à parte o mundo operário; cada vez está menos de acordo com a realidade considerar os trabalhadores uma classe diferenciada no meio social. Nós tínhamos de partir do estado actual das coisas e, se é justo o conceito enunciado acima, e devemos agir em obediência a esse conceito, os tópicos fundamentais da transformação a operar seriam os seguintes: a segurança e dignidade do trabalho, o acesso à propriedade, o acesso à educação e, por intermédio desta, ao exercício de todas as funções, e, finalmente, através da organização, à respectiva representação no Estado».
Esta proposta visa fundamentalmente a segurança e a dignidade do trabalho; mas o seu pensamento não deve desligar-se de tudo o que se tem feito para fomentar o acesso à propriedade, mormente à da habitação e à da terra, e o acesso à educação, de que o Plano de Educação Popular, instituído pela legislação de 27 de Outubro de 1952, foi decisivo instrumento básico.
Por outro lado, ao consagrarem-se soluções mais capazes de realizarem a justiça nas relações do trabalho - da justiça que é elemento essencial da doutrina institucionalista -, quis-se ainda criar melhores condições para a consolidação e continuidade da revolução corporativa e, assim, para mais perfeita representação das pessoas e das actividades organizadas no Estado.
Daí, segundo se crê, a actualidade e o significado social e político da presente proposta de lei, que o Governo tem a honra de submeter à apreciação da Assembleia Nacional.
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BASE I
Contrato de trabalho é a convenção por força da qual uma pessoa se obriga a prestar, mediante retribuição, a sua actividade a outra pessoa, singular ou colectiva, sob a autoridade ou direcção desta.
BASE II
O contrato definido na base anterior mantém a sua natureza e regime independentemente da fornia da retribuição e ainda que o trabalho seja prestado no domicílio ou instalação do trabalhador e as matérias-primas sejam fornecidas pela entidade patronal.
BASE III
1. Os contratos de trabalho regem-se pela presente lei e legislação complementar, por convenções colectivas e por despachos ou portarias de regulamentação do trabalho autorizados em diplomas especiais.
2. Na falta de regulamentação, e naquilo em que as partes nada tiverem estipulado, entende-se que se sujeitam ao costume da terra e da profissão do trabalhador.
BASE IV
O contrato de trabalho, salvo o disposto no n.º 1 da base XXXV e em quaisquer outros casos especialmente previstos na lei, não está sujeito a formalidades externas.
BASE V
Sempre que a carteira profissional constitua título indispensável para o exercício de uma profissão, a sua falta implica a nulidade do contrato de trabalho, sem prejuízo da obrigação de pagamento da retribuição devida, até o termo da prestação efectiva do trabalho.
BASE VI
1. São nulas todas as cláusulas dos contratos individuais de trabalho que importem para os trabalhadores regime menos favorável do que o previsto na regulamentação aplicável.
2. As cláusulas dos contratos de trabalho a que se refere o número anterior são de direito substituídas pelas disposições mais favoráveis contidas na regulamentação aplicável.
BASE VII
As cláusulas dos contratos de trabalho que constem de regulamentos de empresa carecem de adesão expressa ou tácita do trabalhador.
BASE VIII
1. As empresas poderão ser obrigadas, mediante despacho do Ministro das Corporações e Previdência Social, a elaborar regulamentos de empresa, donde constarão as regras de direcção e disciplina do trabalho.
2. Os regulamentos de empresa ficam sujeitos à aprovação do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, ouvidas as comissões corporativas interessadas.
3. Os regulamentos de empresa deverão estar afixados na sede dá empresa e nos locais de trabalho, de modo a poderem ser facilmente consultados pelos trabalhadores sempre que estes o pretendam.
BASE IX
1. Durante o período de experiência, pode qualquer as partes rescindir o contrato de trabalho, independentemente da invocação de justa causa ou do pagamento de indemnização.
2. O período de experiência será de dois meses para empregados é de um mês para os assalariados, salvo se prazo diferente for estabelecido em convenção colectiva de trabalho.
3. Decorrido o período de experiência, a antiguidade do trabalhador contar-se-á desde o início daquele período.
BASE X
1. O trabalhador é colaborador da empresa; a entidade patronal deverá considerá-lo como tal e aquele deverá usar de diligência s fidelidade na prestação do seu trabalho.
2. Deverão constituir-se nas empresas órgãos de colaboração destinados a apreciar as questões directamente relacionadas com os interesses dos trabalhadores.
3. O Governo poderá estabelecer sistemas de participação dos trabalhadores nos lucros das empresas de reconhecida capacidade económica, ou nos daquelas em que estejam investidos capitais do Estado ou da previdência social.
4. Os órgãos de colaboração e os sistemas de participação dos trabalhadores nos lucros das empresas podem ser estabelecidos e regulados em convenções colectivas de trabalho.
BASE XI
1. As pessoas que prestem serviço a outrem por virtude de contrato de trabalho classificam-se em empregados e assalariados.
2. São empregados aqueles cujo trabalho se caracterize pelo predomínio do esforço intelectual e os que exerçam a sua actividade como directos colaboradores da entidade patronal.
3. São assalariados aqueles cujo serviço se reduza à simples prestação de mão-de-obra e os que não possam classificar-se como empregados.
4. As dúvidas suscitadas na aplicação desta base serão resolvidas por despacho do Ministro das Corporações e Previdência Social.
BASE XII
1. A retribuição dos empregados e assalariados denomina-se, respectivamente, ordenado e salário.
2. Salvo estipulação em contrário, o pagamento da retribuição será efectuado ao mês ou à semana, conformo se trate de empregados ou assalariados.
BASE XIII
1. Considera-se, retribuição de trabalho qualquer quantia em dinheiro, fixa ou variável, incluindo percentagens, comissões, participação nos lucros ou gratificações e prémios, fornecimento de géneros, alimentação ou habitação devidas por força do contrato de trabalho, e ainda qualquer outra remuneração entregue pela entidade patronal ao trabalhador e relativamente à qual não se prove título diverso.
2. Quando a retribuição for variável, o respectivo montante será calculado pela média dos importâncias que o trabalhador tenha recebido no último ano, não se considerando no respectivo cálculo os dias em que não teve trabalho ou não trabalhou por doença ou outros motivos justificados.
3. Antes de completado este período, a importância da retribuição será calculada pela média do que o trabalhador tiver percebido desde que tomou couta do serviço.
4. Quando a retribuição depender da aplicação de coeficientes diversos que tornem impraticável o processo de cálculo estabelecido nos números precedentes, a sua determinação será feita segundo os preceitos fixados em convenções colectivas e despachos ou portarias de regulamentação do trabalho.
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BASE XIV
1. As entidades patronais têm o direito de exercer acção disciplinar sobre os trabalhadores ao seu serviço.
2. A sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da falta.
BASE XV
1. O regime das sanções disciplinares constará dos regulamentos de empresa, sem prejuízo do que estiver estabelecido na lei, convenções colectivas e despachos ou portarias de regulamentação do trabalho.
2. Na falta de regulamento de empresa, e se as sanções disciplinares não constarem de convenção colectiva, despacho ou portaria de regulamentação do trabalho, a entidade patronal não poderá suspender os trabalhadores ao seu serviço por tempo superior a seis e três dias, respectivamente para empregados e assalariados.
3. As sanções aplicadas nos termos do número anterior não poderão exceder, em cada ano civil, 30 e 15 dias de suspensão, respectivamente para empregados e assalariados.
BASE XVI
1. Os trabalhadores, após um ano de serviço, têm direito, em cada ano civil, a um período de férias.
2. Fará os empregados, o período mínimo de férias será de dez, quinze e vinte dias, conforme tenham mais de um, cinco e vinte anos de serviço.
3. Para os assalariados, o período mínimo será de seis, dez e quinze dias, conforme tenham mais de um, cinco e vinte anos de serviço.
4. Os menores de 16 anos têm direito a um período de férias não inferior a doze dias.
5. Para o efeito do disposto nos n.ºs 2 e 3, considerar-se-á como antiguidade de serviço aquela que se complete no ano civil a que corresponde o período de férias.
BASE XVII
1. As férias deverão ser gozadas durante o ano civil a que respeitarem, mas as primeiras férias, se o ano de trabalho terminar no último trimestre do ano civil, poderão ser gozadas até ao fim do mês de Março do ano seguinte.
2. Se da concessão de férias dentro do ano civil resultar prejuízo grave para a empresa, poderão as férias ser transferidas para o 1.º trimestre do ano seguinte, mediante, autorização do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência.
BASE XVIII
1. Compete à entidade patronal fixar a ocasião em que as férias devem ser gozadas, tomando em consideração, tanto quanto possível, os interesses dos trabalhadores.
2. Aos trabalhadores do mesmo agregado familiar que estejam ao serviço da mesma empresa deverá ser concedida a faculdade de gozarem as férias simultaneamente.
BASE XIX
1. Os períodos de férias serão gozados em dias seguidos.
2. Em casos excepcionais, o Instituto Nacional do Trabalho e Previdência poderá autorizar que as ferias sejam gozados interpoladamente na parte em que excederem o período mínimo de dez dias.
BASE XX
Os trabalhadores têm direito, durante as férias, ao ordenado ou salário, como se estivessem efectivamente ao serviço.
BASE XXI
1. A entidade patronal terá a faculdade de descontar as faltas não justificadas do trabalhador no período de férias imediato, salvo se essas faltas tiverem dado lugar à aplicação de sanções disciplinares.
2. O Ministro das Corporações e Previdência Social estabelecerá, por portaria, os termos e formalidades a observar n
BASE XXII
1. É nulo o acordo que importe renúncia ao gozo de férias ou a sua substituição por retribuição suplementar ou por qualquer outra vantagem.
2. O trabalhador não poderá, durante o período de ferias, exercer qualquer actividade (retribuída que não tivesse vindo a exercer cumulativamente, sob pena de perder o direito u retribuição correspondente às férias.
BASE XXIII
O trabalhador perde o direito às férias ainda não gozadas relativas ao ano em que se operar a rescisão do contrato, sempre que tenha dado justa causa para o despedimento ou se tenha despedido sem justa causa.
BASE XXIV
As entidades patronais que não cumpram a obrigação de conceder férias, nos termos desta lei, pagarão a cada trabalhador o dobro da retribuição correspondente ao período de férias a que tiver direito, sem prejuízo da multa em que incorrerem.
BASE XXV
1. O contrato de trabalho pode ser celebrado por tempo indeterminado, por prazo determinado ou pelo tempo necessário para a execução de certo serviço.
2. Na falta de prova em contrário, presume-se que o contrato de trabalho é celebrado por tempo indeterminado.
BASE XXVI
1. Qualquer dos contraentes pode rescindir o contrato de trabalho com justa causa.
2. Considera-se justa causa de despedimento a violação grave ou reiterada de deveres gerais ou especiais dos contraentes e ainda qualquer facto ou situação que torne imediatamente impossível a subsistência das relações que o contrato de trabalho supõe.
3. A existência de justa causa será apreciada pelo juiz, segundo o seu prudente arbítrio, tendo sempre em atenção o carácter das relações entre dirigentes e subordinados, a condição social e o grau de educação de uns e outros e as demais circunstâncias do caso.
4. A justa causa deve ser invocada por forma expressa e inequívoca no momento do despedimento; de contrário, não será admitida prova de existência de justa causa.
BASE XXVII
Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento:
1) As ofensas à honra, dignidade ou interesses de qualquer das partes, considerando-se como patrões, para este efeito, aqueles que os representem na direcção da empresa;
2) A manifesta inaptidão do trabalhador para o serviço ajustado;
3) Os vícios ou mau procedimento do trabalhador, designadamente a inobservância das necessárias regras de disciplina e de segurança no trabalho;
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4) A recusa do trabalhador a prestar o serviço indicado pela entidade patronal, nos limites das suas faculdades de direcção;
5) A mudança do local de trabalho para sítio que não convenha ao trabalhador;
6) A falta de pagamento da retribuição na fornia devida.
BASE XXVIII
1. O empregado que for despedido sem justa causa terá direito a uma indemnização não inferior a meio mês de ordenado por cada ano completo de vigência do contrato de trabalho.
2. Para os assalariados, a indemnização não será inferior a uma semana de salário por cada ano completo de vigência do contrato de trabalho.
3. As indemnizações poderão ser reduzidas a metade mediante aviso prévio de despedimento com a antecipação de meio mês ou uma semana por cada ano completo de vigência do contrato de trabalho, conforme se trate de empregados ou assalariados.
4. Durante o primeiro ano de trabalho, este presumir-se-á completo para o efeito da presente base.
5. A indemnização a que se refere o n.º 1 não poderá, em qualquer caso, ser inferior a um mês de ordenado.
BASE XXIX
1. Os trabalhadores que ee despedirem sem justa causa deverão avisar a entidade patronal com- a antecipação correspondente a metade dos prazos estabelecidos no n.º 3 da base anterior.
2. Os trabalhadores que, na falta de justa causa, se despedirem sem aviso prévio ficam sujeitos ao pagamento de uma indemnização igual à remuneração correspondente aos prazos devidos nos termos do número precedente.
3. As entidades patronais que admitam ao seu serviço trabalhadores que não tenham satisfeito a indemnização a que se refere o número anterior serão solidariamente responsáveis pelo seu pagamento.
BASE XXX
Quando um dos contraentes forçar o outro a denunciar o contrato de trabalho por meio de conduta destinada a tornar impossível a continuação deste, ser-lhe-á, para todos os efeitos legais, atribuída a responsabilidade da rescisão, como se de despedimento se tratasse.
BASE XXXI
1. Constituem causa de suspensão da prestação do trabalho:
a) A doença prolongada do trabalhador que o impeça de prestar o serviço ajustado;
b) A necessidade por parte do trabalhador de cumprir quaisquer obrigações legais incompatíveis com a continuação do serviço.
2. O trabalhador deverá apresentar-se ao serviço no prazo de quinze dias, a contar da cessação da causa que tenha determinado a suspensão da prestação do trabalho.
3. O não cumprimento do disposto no número anterior equivale, para todos os efeitos, ao despedimento em justa causa.
BASE XXXII
1. O contrato de trabalho por prazo determinado ou do tempo necessário para executar certo serviço não de, sem justa causa, ser denunciado unilateralmente antes de expirar o prazo convencionado ou de estar concluído o serviço.
2. Se o contrato for interrompido por caso fortuito ou de força maior, a entidade patronal será obrigada a pagar apenas o trabalho prestado ou o serviço feito.
BASE XXXIII
1. Em caso de transmissão da exploração ou do estabelecimento, os contratos de trabalho continuarão com a entidade adquirente, a menos que os trabalhadores tenham sido despedidos pela entidade transmitente nos termos legais.
2. Os contratos de trabalho poderão manter-se com a entidade transmitente se esta prosseguir a sua actividade noutra exploração ou estabelecimento e se os trabalhadores não preferirem que os contratos continuem com a entidade adquirente.
3. Se os contratos de trabalho continuarem com a entidade adquirente, será esta responsável pelo cumprimento de todas as obrigações emergentes daqueles contratos, ainda que constituídas anteriormente à transmissão, sem prejuízo do direito de regresso contra a entidade transmitente.
4. A entidade adquirente será subsidiariamente responsável pelo cumprimento de todas as obrigações emergentes dos contratos de trabalho sempre que a entidade transmitente tenha despedido, nos termos do n.º 1, os trabalhadores ao seu serviço e se mostre falida ou insolvente.
BASE XXXIV
1. Os trabalhadores que tenham concluído o serviço militar obrigatório deverão, no prazo de quinze dias, apresentar-se ao trabalho.
2. O não cumprimento do disposto no número anterior equivale, para todos os efeitos, ao despedimento sem justa causa.
3. As entidades patronais que se recusarem a readmitir ao seu serviço os trabalhadores, finda a prestação do serviço militar obrigatório, são obrigadas a pagar a estes a indemnização por despedimento, que se presume feito no momento da recusa, independentemente da multa em que incorrerem.
4. Durante a prestação do serviço militar obrigatório o trabalhador pode despedir-se avisando a entidade patronal de que não pretende regressar ao trabalho findo o serviço militar; este aviso deverá ser feito por escrito e com a antecedência mínima correspondente ao prazo de aviso prévio de despedimento que no caso couber.
5. O tempo durante o qual é prestado o serviço militar será contado para efeito de antiguidade e reforma do trabalhador. ;
6. O regime estabelecido nos números anteriores poderá ser aplicado a outras situações semelhantes que pelo Governo sejam reconhecidas de interesse nacional.
BASE XXXV
1. A substituição de trabalhadores impedidos pelo serviço militar obrigatório, doença ou qualquer outro motivo justificado, de prestar o trabalho ajustado deve ser objecto de contrato escrito donde constem a identificação do trabalhador substituído e a causa do impedimento.
2. Os trabalhadores contratados nos termos do número antecedente podem ser despedidos loco que os trabalhadores substituídos regressem ao serviço, sem que seja devida indemnização por despedimento.
3. O não cumprimento do disposto no n.º 1 dá lugar à aplicação do regime normal de despedimento.
BASE XXXVI
Durante o período de gravidez, as mulheres que desempenharem tarefas incompatíveis com o seu estado
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1174 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 109
serão transferidas, a seu pedido ou por indicação médica, para trabalhos que não as prejudiquem, sem perda de retribuição.
BASE XXXVII
1. As entidades patronais deverão dispensar as empregadas ou assalariadas durante 30 dias por ocasião do parto.
2. As empregadas ou assalariadas com mais de um ano de serviço terão direito, durante o período de dispensa por parto, a dois terços do seu ordenado ou salário.
3. A dispensa por parto não prejudica as férias nem qualquer outro direito emergente do contrato de trabalho.
4. O regime previsto nesta base não se aplicará sempre que houver interrupção culposa da gravides.
BASE XXXVIII
Todas as mulheres trabalhadoras que tenham encargos de família devem, sempre que o solicitarem, ser dispensadas da prestação de trabalho em horas extraordinárias e podem faltar ao trabalho até dois dias em cada mês.
BASE XXXIX
Ou créditos por ordenados e salários e por indemnizações devidas aos trabalhadores por rescisão dos contratos de trabalho gozam de privilégio mobiliário geral.
BASE XL
1. Prescrevem no prazo de um ano os ordenados ou salários dos empregados ou assalariados.
2. Os prazos de prescrição de ordenados e salários são aplicáveis às retribuições de horas extraordinárias e às indemnizações que sejam devidas aos trabalhadores ou às entidades patronais por falta de cumprimento das obrigações emergentes do contrato de trabalho.
3. O prazo de prescrição de ordenados ou salários e das indemnizações a que se refere o número anterior corre desde o dia seguinte aquele em que o trabalhador tenha deixado de prestar serviço e entidade patronal.
4. A prescrição das retribuições de horas extraordinárias conta-se desde o dia seguinte àquele em que o trabalhador tenha recebido da entidade patronal o ordenado ou salário correspondente ao período de tempo em que as horas extraordinárias foram prestadas.
BASE XLI
1. Nenhum trabalhador pode ser despedido ou castigado por exigir da entidade patronal o cumprimento das obrigações impostas pelo contrato de trabalho ou
exercer direitos que o mesmo lhe confira; de contrário, terá direito a uma indemnização de seis meses de ordenado ou salário, além da indemnização correspondente no caso de despedimento.
2. Os trabalhadores castigados ou despedidos por serem dirigentes de organismos corporativos ou instituições de previdência, membros de comissões corporativas ou em resultado da acção que em qualquer dessas qualidades hajam desenvolvido terão direito a uma indemnização de dois anos de ordenado ou salário, além da indemnização correspondente no caso de despedimento.
BASE XLII
1. As entidades que não cumpram o estabelecido na base VIII serão punidas com a multa de 100$ a 500$ por cada trabalhador ao seu serviço.
2. As infracções ao disposto nos n.ºs 2 e 3 da base XV, nas bases XVI a XVIII, no n.º 1 da base XIX, no n.º 3 da base XXXIV ou nas bases XXXVI a XXXVIII serão punidas com a multa de 200$ a 1000$ por cada trabalhador em relação no qual se verificar a infracção.
3. A violação do disposto nos n.ºs 1 e 2 da base XLI são aplicáveis, respectivamente, as multas de 1000$ a 5000$ e 4000$ a 20 000$ por cada trabalhador em relação ao qual se verificar a infracção.
4. A importância das multas fixadas nos números anteriores reverte para o Fundo Nacional de Abono de Família.
BASE XLIII
Os preceitos desta lei são imediatamente aplicáveis aos contratos individuais de trabalho vigentes, sem prejuízo dos ordenados, salários e quaisquer vantagens ou regalias, de que gozem os. trabalhadores à data da sua publicação.
BASE XLIV
1. Os empregados das empresas agrícolas ficam sujeitos ao regime estabelecido nesta lei; ao serviço doméstico aplica-se a base IX.
2. O Ministro das Corporações e Previdência Social fará publicar decretos especiais destinados a estabelecer o regime jurídico do trabalho nas actividades a que a presente lei se não possa aplicar.
BASE XLV
Ficam revogados a Lei n.º 1902, de 10 de (Março de 1937, e o Decreto-Lei
n.º 31 280, de 22 de Maio de 1941.
Ministério das Corporações e Previdência Social, 23 de Setembro de 1960. - O Ministro das Corporações e Previdência Social, Henrique Veiga de Macedo.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA