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REPÚBLICA PORTUGUESA

ACTAS DA CAMARA CORPORATIVA N.º 130

VII LEGISLATURA

ANO 1961 17 DE ABRIL

PARECER N.º 41/VII

Projecto de proposta de lei n.º 507

Arrendamento da propriedade rústica

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 105.º da Constituição, acerca do projecto de proposta de lei n.º 507, elaborado pelo Governo sobre o arrendamento da propriedade rústica, emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecções de Política e administração geral, Justiça e Finanças e economia geral), à qual foram agregados os Dignos Procuradores Aníbal Barata Amaral de Morais, António Martins da Cunha Melo, António Pereira Caldas de Almeida, António Teixeira de Melo, António Trigo de Morais, Eduardo José Fins Pinto Bartilotti, Fausto Silvestre, João Valadares de Aragão e Moura, João Rafael Mendes Cortes, Joaquim Soares de Sousa Baptista, José Bulas Cruz, José Infante da Câmara, José de Mira Nunes Mexia, Manuel Cardoso e Rafael da Silva Neves Duque, sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:

SUMÁRIO

Arrendamento da propriedade rústica
I
Apreciação na generalidade
1. Economia do projecto.
2. Vantagens e inconvenientes do arrendamento rústico.
3. Expansão do contrato no estrangeiro e em Portugal.
4. Necessidade de rever o seu regime jurídico.
5. O problema no momento actual. A autonomia do direito agrário.
6. Arrendamento de coisas produtivas e não produtivas.
7. Aluguer de coisas móveis produtivas.
8. Arrendamento e parceria. Âmbito do projecto.

Exame na especialidade
§ l.º
Arrendamentos sujeitos à nova lei
9. Conceito de arrendamento agrícola.
10. Contratos de caça e pesca.
11. Presunção do fim agrícola. Arrendamentos do Estado.
12. Contratos mistos de arrendamento e parceria.

§2.º
Forma
13. Soluções contraditórias nas bases I e II do projecto.
14. A regra da consensualidade.
15. Arrendamentos sujeitos a registo.

§3.º
Prazo
16. As soluções da base III do projecto.
17. Regime do Código Civil, do Decreto n.º 5411 e do ante projecto do futuro código, quanto a praxes mínimos.
18. Soluções das leis estrangeiras.
19. Vantagens e inconvenientes da fixação de um prazo mínimo.
20. Solução preferível nas explorações de índole patronal.
21. Intervenção do Secretário de Estado da Agricultura na redução dos prazos.
22. Renovação dos contratos.
23. Limite máximo do prazo.

§ 4.º
Caducidade
24. Razão de ordem.
25. Arrendamentos feitos pelo usufrutuário, pelo fiduciário e, de uma maneira geral, pelos administradores de bens alheios.

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26. Arrendamentos de bens de menores.
27. Momento em que deve caducar o arrendamento.
28. Morte do senhorio ou do arrendatário e transmissão da propriedade.
29. Expropriação do prédio.

§5.º
Rendas
30. Razão do ordem.
31. Fixação e forma do pagamento da renda.
32. Redução da renda.
33. Revisão da renda.

§ 6.º
Partes integrantes, coisas acessórias e locação de móveis
34. Partes integrantes e coisas acessórias.
35. Locação de coisas móveis.

§ 7.º
Cláusulas proibidas
30. Proibições da base VIII e do n.º 4 da base TV do projecto.
87. Direitos banais.
38. Pagamento das contribuições e dos prémios de seguro.
39. Despesas de grandes reparações.
40. Renúncia ao direito de pedir a rescisão do contrato.
41. Consequências da nulidade.

§ 8.º
Benfeitorias
42. Economia do projecto.
43. Benfeitorias feitas pelo senhorio.
44. Benfeitorias feitas pelo arrendatário.
45. Levantamento de benfeitorias.
41. Empréstimos do Estado.

§ 9.º
Despesas de cultura
47. Avanço à cultura.
48. Desposas de cultura de que não beneficia o arrendatário.

§ 10.º
Subarrendamento e cessão do direito ao arrendamento
49. Alterações propostas.
50. Subarrendamento total.
51. Subarrendamento parcial.
52. Cessão do direito ao arrendamento.

§ 11.º
Crime de especulação
53. A doutrina da base XX do projecto.
54. Inadmissibilidade da doutrina.

§ 12.º
Rescisão do contrato
55. Condição resolutiva tácita.
56. Exploração inconveniente do prédio.

§ 13.º
Comissões arbitrais
57. Doutrina da base XXII e sua crítica.
58. Solução aconselhável.

§ 14.º
Arrendamentos familiares
59. Arrendamentos a cultivadores directos na Itália, na Espanha e no anteprojecto do Prof. Galvão Teles.
60. Termos em que podem ser admitidos os arrendamentos familiares.
61. Conceito de arrendamento familiar.
62. Duração do contrato e caducidade por morte do arrendatário.
63. Não produção ou perda casual dos frutos.
64. Benfeitorias.
65. Direito de preferência.

§ 15.º
Disposições transitórias
66. As bases XIX e XXIII do projecto e solução adoptada.

III

Conclusões
67. Contraprojecto da Câmara Corporativa.

I
Apreciação na generalidade
1. Economia do projecto - O projecto de proposta de lei n.º 507, sobre o regime do contrato de arrendamento da propriedade rústica, integra-se num conjunto de medidas de reorganização agrária, relacionadas em certa medida com o II Plano de Fomento, do qual fazem parte, entre outros, o projecto de proposta de lei n.º 508, de revisão do regime jurídico da colonização interna, e o projecto de decreto-lei n.º 509, sobre emparcelamento da propriedade rústica, já com pareceres desta Câmara, além do Decreto-Lei n.º 42 665, de 20 de Novembro de 1959, que promulgou o novo regime das obras de fomento hidroagrícola.
Trata-se, na verdade, de aspectos capitais de uma reforma que atingirá institutos de direito público e de direito privado, pertinentes ou ligados à vida rural, com o objectivo expressamente manifestado de proporcionar uma maior rendabilidade do trabalho e do capital, de criar condições vantajosas para uma intensificação, em larga escala, do aproveitamento das terras, e de proporcionar aos trabalhadores do campo um nível de vida mais elevado e uma maior independência económica.

2. Vantagens e inconvenientes ao arrendamento rústico. - O problema da admissibilidade do contrato de arrendamento de prédios rústicos destinados à produção não está posto em causa, nem parece que seja oportuno trazê-lo à discussão.
Não ficam, em todo o caso, deslocadas algumas breves palavras sobre o assunto.
Crê a Câmara Corporativa que nem juridicamente, nem socialmente, se poderá prescindir de um instrumento de direito que permita a constituição de empresas agrícolas em terrenos alheios, tornando possível a uma única entidade, singular ou colectiva, coordenar os factores da produção, dirigir as actividades agrárias e, em princípio, suportar os riscos da exploração 1.
Esse instrumento, pondo de lado a parceria, nem sempre adaptável a certas culturas e incapaz, por isso mesmo, de satisfazer integralmente as necessidades do comércio jurídico, há-de ser o arrendamento.
É por seu intermédio que todos os proprietários que não possuem capital suficiente, ou não têm capacidade técnica ou jurídica para a direcção de uma empresa agrícola, ou que são obrigados a dedicar-se a outras actividades, podem continuar com o domínio das propriedades que herdaram ou que adquiriram. É por meio do arrendamento, por outro lado, que se torna possível o acesso à vida dos campos dos que não podem adquirir a terra e se lhes dá aquela independência económica e jurídica que não podem ter os simples assalariados de uma exploração, alheia.
É por seu intermédio, ainda, que se podem corrigir defeitos da estrutura agrária, criando-se unidades económicamente mais convenientes, quer pela exploração unitária de parcelas pertencentes a vários proprietários, quer pela divisão da grande propriedade em diversas explorações 2.

1 Vide Garrara, I Contratti Agrari, 3,ª ed., 1954, p. 170.
2 Vide Prof. Castro Caldas, Formas de Exploração da Propriedade Rústica, pp. 180 e segs., Prof. Henrique de Barros, Economia Agrária, III, pp. 605 e segs., e Eng.º António Poppe Lopes Cardoso, Subsídios para a Regulamentação do Arrendamento Rústico.

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Tem inconvenientes essa forma de exploração?

Sem dúvida.

O arrendamento, escreveu-se entre nós, «facilita, provoca até, o absentismo dos proprietários, com todos os conhecidos inconvenientes deste fenómeno social» 1.

Importa não pôr, porém, o problema em termos demasiadamente pessimistas.

O locador não é necessariamente um absentista. Na sua pureza, o absentismo supõe o absoluto desinteresse pela terra, o que é raro verificar-se 2.

Por outro lado, como disse recentemente esta Câmara, «o proprietário absentista, instalado no País ou no estrangeiro, acalenta frequentemente o sonho de poder passar os últimos dias da vida no seu torrão natal. A sua pequena propriedade representa, assim, um vínculo que ele não veria sem desgosto ou mesmo revolta ser destruído.

Esse proprietário (modesto operário, pequeno comerciante ou funcionário que se viu forçado a abandonar a sua terra.) não é, muitas vezes, um desinteressado da pequena propriedade que teimou em conservar, por vezes com sacrifício, através da vida — como o revela a circunstância de ter renunciado a aliená-la, não obstante o magro rendimento que normalmente dela aufere. Ora a necessidade de rodear a legislação sobre a reorganização agrária de um adequado ambiente de compreensão e simpatia aconselha que se tomem em conta e respeitem os sentimentos legítimos daqueles que dela podem ser vítimas» 3.

De uma maneira geral é de reconhecer que as críticas que são dirigidas ao arrendamento ou dizem respeito ao absentismo, e não atingem o contrato senão em limitadas proporções, ou encobrem objectivos mais profundos: os vícios do capitalismo e os abusos da propriedade privada.

Afirmar-se, na verdade, que deve desaparecer a figura do senhorio só porque este recebe as rendas sem cultivar a terra é afirmar, no fundo, que devem desaparecer todas as formas de propriedade privada. O que colhe os dividendos de uma empresa que não administra, o que corta os cupões dos títulos de crédito, é, usando de uma expressão corrente, o mais contemplativo dos capitalistas, «que muchas veces ni sabe las finalidades de las acciones que tiene depositadas, ni mucho menos las características más essenciales de las empresas que ré-preseutan y se limita a cortar o cobrar el cupón, sin preocuparse de los obreros y empleados que trabajan y llevam la gestiou y administración de los respectivos negócios» .

Outras são, porém, ainda as razões invocadas contra o contrato de arrendamento rústico. Enumeremos algumas, as mais importantes:

a) Torna instável a «população rural, obrigada a mudar de local de trabalho e até de moradia pelos acasos da renovação ou da não renovação dos contratos»;

1 Prof. Henrique de Barros, ob. eit., p. 602: «Na prática todavia — diz-se mais adiante —, e para a grande maioria dos arrendamentos ... é inteiramente justo dizer que os proprietários de torras arrendadas são, ou acabam por tornar-se, absen-tistas integrais».

2 «Devemos dizer —escreve a Federação dos Grémios da Lavoura da Beira Alta em exposição enviada a esta Câmara — ser da nossa observação directa aqui e sem recurso a estatísticas talvez até não existentes que essa espécie de proprietário é muito menos generalizada do que frequentemente se afirma . . .».

3 Parecer n.° 82/VII, sobre emparcelamento da propriedade rústica, n.° 78.

4 V. Ascaya, Arrendamienlos Rústicos, p. 7, e Luís Martin-Ballestero y Costea, Del concepto legal de arrendamiento rústico al pago de Ia renta en espécie, em Temis, i, p. 82.

b) É factor de «relações de dependência que restringem a liberdade de iniciativa, e porventura até a liberdade pessoal, de muitos cidadãos prestimosos»;
c) Dificulta a realização e conservação de benfeitorias;
d) Dificulta a obtenção de capital conveniente à exploração;
e) Contribui para o aumento do custo da produção.

Nenhum destes inconvenientes, procedentes em maior ou menor escala, mas sempre em escala diminuta, pode considerar-se decisivo no sentido da condenação do contrato, e podem todos eles atenuar-se mediante uma regulamentação apropriada. E depois, sempre é certo que todos esses inconvenientes aparecem com m\uito maior acuidade em relação ao pessoal assalariado, do qual se não poderá facilmente prescindir em regime de conta própria.

Num dos mais recentes relatórios publicados pela Junta de Colonização Interna (1959), relativo à reforma agrária na Bélgica1, enquanto se nota que a forma de exploração por conta própria mostra tendência para diminuir naquele país, escreve-se:

Nos países de agricultura evoluída e com predomínio da empresa familiar parece hoje tomar corpo e generalizar-se cada vez mais o conceito de que o arrendamento, quando devidamente organizado, deve ser encarado como uma estrutura com apreciáveis vantagens económicas sobre a conta própria, por permitir maior elasticidade à exploração.

De facto, acrescenta-se:

a) Pode constituir obstáculo à excessiva. divisão das explorações, uma vez que, pelo falecimento do empresário, não há que partilhar a terra entre herdeiros . . .
b) Permite vencer mais facilmente o período crítico que coincide com a transmissão das funções de gerência para um herdeiro ...
De resto, com as suas vantagens e os seus inconvenientes, é de reconhecer que sem um cataclismo social que permitisse tirar as terras aos seus. actuais proprietários para us entregar, gratuitamente, em domínio pleno, aos rendeiros, a figura jurídica do arrendamento não poderá acabar. E diz-se gratuitamente, porque, tratando-se de transmissões onerosas, sempre as amortizações dariam à exploração uma fisionomia paralela, se não perfeitamente igual à dos actuais arrendamentos, condenados os locatários a desviar dos resultados da exploração, para pagamento do preço da aquisição, importantes verbas, normalmente até superiores às actuais rendas.

E, que se considere como sistema teoricamente ideal o de exploração da terra por empresas familiares em couta própria, sempre nos encontraríamos em face de uma situação que não podia manter-se sem uma reforma profunda de variadas instituições de direito privado, impedindo-se as partilhas mortas causa, proibindo-se as vendas ou quaisquer alienações que. conduzissem ao parcelamento ou à concentração da propriedade, etc. E não

1 Aspectos da Agricultura Belga — Principais Medidas de Intervenção no Campo da Estrutura Agrária, pelo Eng.° António José Cortês Lobão, p. 46. Cita-se em abono desta tese Denis R. Bergmann, «Lês unités economiquement viables en agriculture», in Revista Fatis, v, n.°s 5 e 6.

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seria muito fácil, ao legislador dominar «o feroz individualismo do homem do campo» 1.

3. Expansão do contrato no estrangeiro e em Portugal. - Não admira, pois, que o arrendamento seja, em toda a parte onde é admitida a propriedade privada das terras, uma forma comum da sua exploração.
Em 1950, em Inglaterra 60,4 por cento da área cultivada era explorada em regime de arrendamento. Em Espanha, em 1953, cerca de 20 por cento das empresas agrárias existentes revestiam essa forma e 10. por cento a de parceria 2. Na Alemanha Federal também 20 por cento da área cultivada estava arrendada. Na Bélgica, na Holanda e no Luxemburgo as área(r) eram, respectivamente, em 1950, de 66,7 por cento, 57,2 por cento e 26,9 por cento. Na Áustria, no mesmo ano, era de 4,88 por cento (25,3 por cento, incluindo formas mistas de conta própria e arrendamento). Na Suíça, em 1937, 20 por cento. Na Itália, no mesmo ano, 28,5 por cento, em arrendamento, e igual percentagem em parceria. Na França, em 1946, 33,5 por. cento, em arrendamento, e 10,5 por cento em parceria 3.
Trata-se, pois, de um sistema generalizado em todo o mundo capitalista, excepção feita, segundo cremos, para a Noruega 4.
Em Portugal, não obstante não se encontrar concluído o cadastro geométrico do País, para se poder avaliar em dados estatísticos precisos a importância do arrendamento, é possível apresentar alguns números esclarecedores.
O engenheiro Lopes Cardoso 5, com base no «Inquérito às Explorações Agrícolas do Continente (I. N. E.)», chegou às seguintes conclusões: 22,4 por cento das explorações agrícolas de Portugal continental estão totalmente arrendadas ou nelas predomina o arrendamento, sendo na Estremadura e no Douro Litoral que se atingem os números mais elevados (34 por cento e 35 por cento, respectivamente) 5 e 6. Em regime de parceria são exploradas 4,8 por cento das empresas.
Não se conhecem dados completos quanto às áreas sujeitas a arrendamento, parceria 7.
Os números referidos permitem já avaliar a importância entre nós destes contratos, e especialmente a do arrendamento rústico. Trata-se, pois, de uma realidade indiscutível. Pode pensar-se numa nova regulamentação; não pode levantar-se, porém, o problema da sua abolição, por que isso importaria não apenas uma reforma da nossa estrutura agrária - essa é desejável -, mas também uma profunda remodelação da mossa estrutura social, que poderia atingir mortalmente a propriedade privada.

4. Necessidade de rever o seu regime jurídico. - A necessidade de revisão entre nós do regime deste contrato é facto também indiscutível.
Não se desconhece que os problemas jurídicos da terra estão sendo objecto em todo o mundo de uma especial atenção por parte dos legisladores. Os conceitos clássicos, individualistas, do direito de propriedade e da autonomia da vontade no domínio contratual, nascidos da filosofia do século XVIII e inspiradores do regime vigente em Portugal do arrendamento rústico, não podem resistir às grandes modificações económicas e sociais dos tempos modernos.
Por toda a parte se anseia pela revisão dessas velhas ideias mestras do direito privado, e entre nós são disso reflexo os trabalhos preparatórios de um novo Código Civil. «O que ontem constituía justo motivo de exaltação do diploma (Código de 1867), escreve o Prof. Antunes Varela, - o espírito profundamente liberal e individualista de que vinha imbuído - converteu-se nos dias dê hoje, em face das renovadoras aspirações da comunidade, numa razão de decrepitude dos textos legislativos que nos regem. Ao direito de cunho individualista e igualitário que Seabra ofereceu ao Governo em 1867 tem hoje de substituir-se um direito de feição eminentemente social de profunda expressão comunitária» 1.
E, por um lado, o direito de propriedade como direito, absoluto, tal como o definiu o Code Napoléon 2, inspirador de todos os códigos latinos do século XIX (vide em especial o artigo 2167.º do nosso Código Civil, embora distanciado daquele mais de 60 anos), que dá lugar, com a criação de restrições ao seu exercício, das mais variadas índoles, às novas concepções da propriedade como função social 3. É por outro lado, a liberdade contratual, expressa no artigo 672.º do nosso Código Civil, que cede terreno dia a dia, com o incremento das disposições imperativas, de interesse e ordem pública, em todos os campos jurídicos.
Dado este movimento de ideias, não pode deixar de se encarar como oportuna a revisão do regime do arrendamento, ainda hoje sujeito, praticamente, às disposições do Decreto n.º 5411, de 17 de Abril de 1919, e do Código de 1867, facto que poderá ter assinaláveis reflexos na vida social e económica do País.

5. O problema no momento actual. Autonomia do direito agrário. - Estranha-se, porém, que no projecto enviado pela Secretaria de Estado da Agricultura a esta Câmara não tenham sido tomados em consideração os trabalhos já publicados de elaboração do projecto do nosso Código Civil, não só respeitantes especialmente ao arrendamento agrícola, mas, de uma maneira geral,, ao contrato de locação 4.

1 Pode ler-se a sugestiva critica do Prof. Castro Caldas, 06. cit., pp. 160 e seg.
2 Em 1927 o arrendamento em Espanha incidia sobre 32,9 por cento da área cultivada.
3 Números extraídos do estudo citado do Eng.º Lopes Cardoso, a pp. 18 e seguintes. Nele se encontram ainda referências aos Estados Unidos, à Guatemala, ao Canadá, ao Brasil, à Venezuela, ao Japão, à Dinamarca e à Suécia.
4 O artigo 48.º da Lei Agrária, de 18 de Março de 1955, dispõe: «O proprietário é obrigado a habitar a sua propriedade e a valorizá-la, ele mesmo, convenientemente, como exploração agrícola; a título excepcional, o Conselho Agrícola Provincial pode, temporariamente, isentar o proprietário da obrigação de habitar a propriedade ou permitir que durante um certo tempo a exploração seja confiada a outro». (Tradução do Eng.º Lopes .Cardoso, ob. cit., p. 55).
5 Ob. cit., pp. 30 e segs.
6 No Algarve a percentagem, dado o predomínio da parceria, firma-se em 7,4 por cento.
7 São citados alguns elementos pelo Prof. Henrique de Barros, ob: cit., pp. 599 e 600. Também no relatório que precede o projecto em apreciação se indicam as seguintes percentagens: 26,7 por cento no distrito de Santarém, 30 por cento no de Setúbal, 35,9 por cento no de Évora e 39,3 por cento no de Portalegre. E reconhece-se que as percentagens são ainda mais elevadas nas .regiões de pequena propriedade, ao norte do Tejo, excedendo, por vezes, 60 por cento, como sucede na Cova da Beira.

1 Discurso proferido na sessão do encerramento nos trabalhos da comissão revisora do anteprojecto do direito das sucessões, no Boletim ao Ministério da Justiça n.º 63.
2 Art. 544: La propriété est le droit de jouir et disposer des choses de la manière la plus absolue, pourvu qu'on n'en fasse pas un usage prohibé par les lois ou par les règlements.
3 Cf. artigo 31.º, alínea a), da Constituição Política e artigos 11.º, 12.º e 13.º do Estatuto do Trabalho Nacional, este último segundo a redacção do Decreto-Lei n.º 24 424, de 27 de Agosto de 1934.
4 Prof. Galvão Teles, Dos- Contratos em Especial, I e II - «Compra e venda e locação» (anteprojecto de dois capítulos do futuro Código Civil português), 1948, e «Contratos civis» (projecto completo de um título do futuro Código Civil português) e respectiva exposição de motivos, 1954.

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Discute-se um instituto que, embora tenha dentro do direito privado um assento próprio, como contrato em particular, não pode deixar de ficar dominado, na sua regulamentação específica, pelos princípios- jurídicos que vierem a inspirar o futuro Código Civil, designadamente em matéria de direito de propriedade e de liberdade negocial.
Nos problemas postos não predominam simplesmente aspectos agrários. É um erro supô-lo, e um erro que pode ter consequências graves. Se se encarar apenas o aspecto agrário dos problemas, descurando a satisfação de outros interesses de ordem social que o direito privado procura acautelar, pode isso conduzir - é-se levado a dizer que conduz necessariamente - a soluções indesejáveis.

O direito, disse o Prof. Galvão Teles, teve de intervir e limitar a liberdade jurídica para restituir aos fracos a sua perdida liberdade de facto, defendendo-os na luta desigual, impondo maior justiça nas relações entre as partes, transformando numa palavra o contrato, de instrumento de predomínio, em equilibrada conciliação de interesses, ao serviço individual dos contraentes e ao serviço geral da colectividade.
A ideia de Bem-comum penetra o contrato; o espírito institucional perpassa-o; modela-o, hoje, uma ânsia maior e mais pura de justiça.
O trilho assim aberto tem também os- seus perigos. É um pendor por onde se pode resvalar facilmente e já se tem resvalado, caindo na asfixia completa ou quase completa da liberdade contratual e no consequente definhamento do contrato, como corpo mirrado a que falta o sopro vital do fecundante estímulo da iniciativa e interesses privados. Se ao contrato se tira a substância volitiva que o tonifica e rejuvenesce, ele morre, esmagado pelo peso do intervencionalismo das leis, da administração pública, dos, tribunais, e nós cidadãos perdemos um dos mais seguros baluartes e defesas da nossa individualidade, e connosco, perde a economia nacional e internacional o motor mais potente da sua propulsão.
Por isso na feitura do meu projecto procurei estabelecer um ajustado doseamento das disposições imperativas, que excluem a liberdade contratual, e das supletivas, que a facultam.
Foi meu lema o seguinte: cumpre salvaguardar, quanto possível, a liberdade contratual, que só deve ser limitada até onde o impuserem as exigências supremas do bem comum e da justiça 1.

É este o parecer ponderado e eloquente do. relator deste capítulo do projecto do futuro. Código Civil; mas não é essa, como se verá, a orientação do projecto em discussão, nem sempre isenta do risco de transformar a boa harmonia entre senhorios e arrendatários, quase membros da mesma família, da velha família patriarcal, como é comum nas regiões do Norte, numa luta inglória pela defesa de interesses materiais, ou os caseiros em novos servos da gleba, perpetuamente ligados u terra que uma vez cultivaram como rendeiros.
O individualismo puro, a plena liberdade contratual, outrora considerados factores indiscutíveis da justiça social, deram de si fracas provas, e pode agora um socialismo exagerado, produto de uma análise unilateral e puramente agrária dos problemas, conduzir ainda a piores resultados, sem se conseguirem sequer os fins pretendidos, hoje latentes em todas as reformas e a que se fez já referência: uma maior justiça distributiva dos rendimentos da empresa para elevar o nível de vida dos que trabalham a terra e um mais fácil acesso à propriedade.
Não ignora a Câmara Corporativa que em certos sectores se revela alguma tendência para a autonomia, dentro do direito privado, de tudo o que respeita à vida agrícola, o que poderia justificar, mesmo num momento em que se prepara um novo Código Civil, a publicação de um diploma legislativo- sobre arrendamento. Permitir-se-ia, porventura, um estudo mais apropriado dos problemas e talvez um passo mais largo contra o individualismo jurídico do século XVIII.
Já se escreveu em Espanha:

La tarea (autonomia do direito agrário) se impone como una necesidad, pues ahora las varias leyes referentes a Ia tierra y a la agricultura son frecuentemente reformadas, provienen de distintos critérios, de diferentes épocas, a menudo se con-tradicen o crean problemas de interpretación casi insolubles o se interfieren en sus fines. La legislación agraria aparece así confusa, en ocasiones caótica, falta de consistência, carente de doctrina unitária y por ello resiste a los mejores intentos de perfeecionamentó 1.

A questão é da maior complexidade.
Não são hoje apenas as matérias relacionadas com a estrutura económico-agrária que pretendem a sua independência. Numa época que se aponta como de crise do direito privado, muitas outras matérias tradicionalmente integradas na codificação global do direito civil aspiram a uma codificação autónoma, tais como o casamento, o contrato de trabalho, o arrendamento urbano, o contrato de seguro e, de uma maneira geral, a propriedade.
Importa, porém, ser cauteloso. Pode justificar-se em períodos de grandes remodelações legislativas, em momentos de grandes mutações ideológicas, o domínio da lei extravagante, para melhor se abrir o caminho à experiência. Mas. quando se não discutam já os princípios-base, quando se assentou numa certa estrutura social e económica, as leis deslocadas dos grandes corpos legislativos são, em princípio, inconvenientes, por conterem, ou poderem conter, orientações contraditórias com as daqueles.
Repete-se, pois: É um erro supor que pela circunstância de ter o arrendamento de prédios rústicos reflexos na vida agrícola, na produtividade das terras e no nível de vida dos que nela trabalham, deve a sua regulamentação ser obra exclusiva de técnicos rurais e de economistas e obra separada das grandes compilações do direito privado. Como é óbvio, não pode deixar de ser predominantemente obra de juristas. Só assim sé não cairá em perigosas concepções unilaterais, longe quantas vezes dos mais elementares princípios em que assenta a nossa organização social e que são sustentáculo da nossa própria civilização.
É preciso não esquecer que a ciência do direito não é simplesmente uma ciência de conceitos e de abstracções - a doutrina jurídica - nem simplesmente uma arte de interpretar as leis. O direito é também um ramo da sociologia que estuda, qualifica e aprecia os fenómenos jurídicos e suas repercussões sociais em qualquer domínio, seja ele o económico, o político ou o moral.

1 «Revisão do Código Civil Português», conferência pronunciada na Universidade de Múrcia, 1955, parte final.
1 F. Cerrilho Quilez, «La codificación del derecho agrário español», na Revista de Derecho Privado, 36, p. 914.

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Trata-se, portanto, de um estudo em que não podem deixar de intervir os juristas, porque estão em causa precisamente problemas políticos e morais, e não simplesmente económicos. Há que chegar, pois, ao ponto de equilíbrio e de justiça social, fixar a meta conveniente na evolução natural dos institutos que, como o da propriedade privada, marcam uma civilização que se não pretende abolir.

El sistema de reformas parciales - escreve Ortega Pardo - no puede ser recomendado sino para necesidades urgentes, que no puedan esperar a ser satisfechas el largo período que una reforma general requiere. Con este método, ai no mudar los principies generales y fundamentales de los Códigos, se destrave Ia sistemática dei Derecho privado in-troduciendo en él la mayor desarmonia. Siguen tenieiido actualidad las palabras que en el ano 33 escribió el gran civilista espanol Castan: «Cada reforma ocasional, a trueque de introducir un cierto progreso, presenta el peligro de desorganizar el Derecho y produeir nuevas antinomias. Solo una reforma orgânica y unitária puede sentar Ias bases de um Derecho Civil acomodado a Ias exigências de nuestra época 1.

Todas estas considerações conduzem a Câmara Corporativa à convicção de que o projecto de alteração do regime do contrato de arrendamento rústico, instituto puramente de direito privado, deveria ser estudado e preparado para ser integrado no futuro Código Civil no ambiente calmo das Faculdades de Direito, encarregadas da sua elaboração, e não numa secretaria de Estado.
Mas será esta razão bastante para que se negue o acordo à discussão do projecto?
Parece que não.
Dá-se a circunstância, em primeiro lugar, de estarem convocados para a sua apreciação vários membros da Comissão do Código; dá-se também a circunstância de já estar publicado um anteprojecto sobre o arrendamento rústico que pode ser aproveitado e confrontado com a actual proposta; dá-se ainda a circunstância de não ficar o Governo, com a publicação de uma lei especial, inibido de integrar e regular no futuro código o mesmo contrato, aproveitando algumas lições da experiência, e, por último, parece de toda a conveniência, em face de um projecto de técnica legislativa e de soluções tão discutíveis, que a Câmara Corporativa preste desde já a sua informação ao Governo.

6. Arrendamento de coisas produtivas e não produtivas. - Dentro da generalidade que a esta Câmara cabe em primeiro lugar apreciar, importa dizer ainda alguma coisa acerca do campo de aplicação do regime proposto.
Que ele se refere aos contratos de arrendamento de prédios rústicos, di-lo expressamente a base I e a epígrafe do título I. Na base XXIV exceptuam-se, porém:

a) Os arrendamentos de propriedade rústica que, pelos rendeiros, seja destinada a fins não agrícolas;
b) Os arrendamentos de jardins e pastagens, salvo, quanto a estas, se representarem a forma normal de exploração da propriedade;
c) Os contratos de caça e pesca;
d) Os arrendamentos em que o Estado intervenha como arrendatário;
e) Os que digam respeito à realização fortuita de culturas, continuando o senhorio a fruir as terras nos períodos em que não estão ocupadas por estas culturas, quando as parcelas arrendadas no mesmo prédio não abranjam mais de um quinto da respectiva superfície.

Mostra-se o intuito de subtrair ao regime do projecto todos os arrendamentos que não tenham rigorosamente a natureza agrária, os quais ficarão sujeitos a um regime geral - o do contrato de locação - ou a um outro regime especial, tal como acontece com os arrendamentos do Estado (senhorio ou inquilino), por força do artigo 12.º do Decreto n.º 5411, de 17 de Abril de 1919 1.
Corresponde, fundamentalmente, assim, o contrato visado, ao denominado no anteprojecto do futuro Código Civil, locação de coisas produtivas, que tem a sua regulamentação especial nos artigos 69.º a 85.º
Esta distinção entre locação de coisas produtivas e não produtivas é tradicional no direito germânico 2, foi discutida na Itália, durante a preparação do Código Civil de 1942 3, e foi a solução consagrada neste código 4 e nas legislações mais modernas 5.
Independentemente da análise das cinco alíneas da base XXIV, o que se fará no estudo da especialidade, parece desde já à Câmara Corporativa de apoiar a distinção, e a consequente especialização do contrato rural.
Embora mostrem certas disposições do Decreto n.º 5411 que estava no pensamento dó legislador, ao fixar, nos artigos 61.º e seguintes desse diploma, o regime especial dos arrendamentos de prédios rústicos, a ideia de que o contrato teria sempre como objecto prédios destinados à cultura 6, o certo é que no § 1.º do seu artigo 1.º se dá um conceito de prédio rústico puramente formal e jurídico - o maior valor da parte rústica, quando o contrato abranja também uma parte urbana. Fixou-se, portanto, o legislador na doutrina consagrada no Código Civil (artigo 374.º), de que

1 «La revisión del Código Civil Português, aportación para la reforma española», no Boletim da Faculdade de Direito, vol. XXIV. Veja-se. no mesmo sentido, Prof. Vaz Serra, «A Revisão Geral do Código Civil - Alguns Factos e Comentários», no mesmo Boletim, vol. XXII.

1 Cf. artigo 1604.º do Código Civil e artigos 8.º e 11.º do Decreto-Lei n.º 25 547, de 27 de Junho de 1935.
2 §§ 535.º e 581.º do Código Alemão e artigos 253.º e 275.º do Código Suíço das Obrigações.
3 Vide Garrara, ob. cit., pp. 170. e segs.
4 Artigo 1615.º: «Quando la locazione ha per oggetto il godimento di una cosa produttiva, mobile o immobile, l'affittuario deve...».
5 Vide, por todos, o Código Civil Grego de 1941, artigos 619.º e seguintes, e o artigo 1.º, n.º 2, do regulamento espanhol para a aplicação da legislação sobre arrendamentos, rústicos, aprovado pelo Decreto de 29 de Abril de 1959, que preceitua: «A los efectos de la legislación especial de arrendamientos rústicos, tendrán Ia consideración de arrendamientos todos los actos y contratos, cualquiera que sea su denominación, por los que voluntária y temporalmente una parte ceda a otra el disfrute de una finca rústica o de alguno de sus aprovechamientos, mediante precio, canon o renta, ya sea en metálico, ya en espécie o en ambos casos a la vez, y con el fin de dedicaria a la explotación agrícola o ganadera». Adiante se citarão as leis de outros países (França, Holanda, Bélgica, etc.) que seguiram a mesma orientação.
6 Vide o artigo 62.º («o arrendatário de prédios rústicos é obrigado a cultivá-los ...»), o § único deste mesmo artigo («esta disposição é aplicável ao arrendamento de prédios urbanos quando tenham parte rústica que à data do arrendamento esteja cultivada ou que o arrendatário se tenha obrigado a cultivar»), o artigo 63.º («... nunca se presumirá que fosse feito por menos tempo que o necessário para uma sementeira e colheita, conforme a cultura a que tenha sido aplicado»), o artigo 64.º («o arrendatário não pode exigir diminuição de renda com o fundamento de esterilidade extraordinária, ou de perda considerável dos frutos pendentes ...») e o artigo 65.º («... a haver do senhorio o valor das benfeitorias agrícolas ...»).

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prédio rústico é sempre, mesmo para efeitos de arrendamento, qualquer porção delimitada do solo ou do terreno.
Os inconvenientes deste sistema, quer na ordem económica, quer na jurídica, são evidentes.
Na ordem económica, porque não há razões para estabelecer um regime especial para os contratos que tenham por objecto coisas não produtivas, embora de natureza rústica. É que esse regime especial justifica-se pelo destino da coisa, e não pela sua natureza intrínseca. É o seu destino - a cultura - que permite a fixação da renda em géneros, que determina regras particulares quanto à sublocação, quanto à forma do contrato, quanto ao tempo de duração, quanto à diminuição de rendas, ao reembolso das benfeitorias, à caducidade, à renovação, etc.
Juridicamente, o sistema vigente só tem trazido dificuldades. Servirá de exemplo o caso do arrendamento de campos para fins desportivos. Arrendamento de prédio urbano? Arrendamento de prédio rústico? Parece, em rigor, que não se trata nem de um nem de outro; mas como tem de se lhe aplicar um dos regimes - o regime geral sobro contrato de locação não é suficiente - as opiniões divergem 1.
Por isto parece à Câmara Corporativa que deve manter-se a orientação do projecto - especialização do contrato de arrendamento para fins agrícolas.
Claro: que não se discutem os casos especiais que já têm regulamentação própria na nossa lei, como os arrendamentos de bens do Estado, ou o arrendamento de terrenos beneficiados por obras de fomento hidroagrícola ou sujeitos à acção da Junta de (Colonização Interna. Esses estão evidentemente de parte.
Pode e deve, porém, discutir-se o problema dos arrendamentos familiares, como tipo especial de arrendamento agrícola, admitido com autonomia em .algumas legislações estrangeiras e a que o projecto se refere no título II (bases XXV e seguintes).
O Código Civil Italiano distingue entre arrendamento a cultivador não directo (artigos 1628.º e seguintes) e a cultivador directo (artigos 1647.º e seguintes), considerando como arrendamento a cultivador directo aquele que tem por objecto um prédio que o arrendatário cultiva predominantemente com trabalho próprio ou de pessoas de sua família. No primeiro caso, o arrendatário é um empresário capitalista; no segundo, um empresário trabalhador.
Em Espanha, também o artigo 83.º do Regulamento de 29 de Abril de 1959, sobre arrendamentos rústicos, prevê, como já previa o artigo 4.º da Lei de 23 de Julho de 1942, um regime, proteccionista para o arrendamento cuja renda anual não exceda 40 q métricos e a exploração, se faça por modo directo e pessoal pelo arrendatário, isto é, «cuando las operaciones agrícolas se realicen materialmente por éste... o por los familiares, en su más amplio sentido, que con el convivan bajo su dependência económica, no utilizando asalariados más que circunstancialmente por exigências estacionales del cultivo, y sin que en ningún caso el número de obrados de estos asalariados exceda del veinticinco por ciento del total que sea necesario para el adecuado laboreo de la finca».
Desde já pode a Câmara Corporativa afirmar que, dadas as vantagens sociais da empresa familiar, secom-preende e se justifica para ela um regime jurídico próprio. «A pequena empresa privada simples, do tipo familiar, escreveu o Prof. Castro Caldas, é a mais perfeita organização, a mais lógica, de entre todas as formas de aplicação do trabalho na agricultura» 1.
Os termos, porém, da distinção e o regime particular da empresa familiar só se poderão apreciar no estudo da especialidade 2.

7. Aluguer de coisas móveis produtivas. - O projecto não sé pronuncia sobre o contrato de aluguer de coisas móveis produtivas, salvo quando estas constituam partes integrantes ou acessórias do prédio arrendado.
Efectivamente, o n.º 2 da base VII, que adiante será considerado, manda aplicar à locação de coisas móveis, não havendo expressa declaração em contrário, «as condições a que estiver sujeito o arrendamento do respectivo prédio», o que mostra querer referir-se - como, de resto, se deduz também do número anterior - apenas ao aluguer outorgado pelo proprietário da terra.
Nada se diz, pois, quanto ao aluguer por parte de terceiro, ao qual não pode ser aplicado, evidentemente, o regime de um arrendamento a que é inteiramente estranho.
Quer no Código Italiano de 1942 (artigo 1615.º), quer no anteprojecto do Prof. Galvão Teles (artigo 69.º), os princípios, sobre locação de coisas produtivas aplicam-se genericamente às coisas móveis. E no Código Grego, os artigos 638.º e seguintes não só prevêem a aplicação das mesmas disposições ao aluguer, como estabelecem princípios particulares para a locação de animais.
Não estaria fora das possibilidades da Câmara Corporativa sugerir uma solução paralela. É, porém, tecnicamente muito difícil apresentar um contraprojecto, orientado nesse sentido, sem se fixar previamente o regime geral do contrato de locação. E, quanto a este, não pode a Câmara pronunciar-se, pois se afastaria- dos objectivos e da economia, do projecto do Governo.
Ficará, assim, em branco esta matéria, embora se reconheça que o aluguer de coisas móveis produtivas e até, em certos casos, o aluguer de utensílios ou alfaias agrícolas, podem e devem aproximar-se, sob certos aspectos, do arrendamento rural.

8. Arrendamento e parceria. Âmbito do projecto. - Quanto à amplitude do projecto em discussão, um problema tem ainda de ser apreciado- por esta Câmara, embora pareça que ele não resulta necessariamente do texto apresentado.
Trata-se do problema do contrato misto de arrendamento e parceria.
Todos os artigos do projecto visam, directa 011 indirectamente- o arrendamento. Seria, portanto, lógico que, havendo simultaneamente arrendamento e parceria, se aplicasse àquele o novo regime e a este o seu regime próprio. Havendo conflito entre os dois regimes, como no que respeita à forma, ao prazo de duração, etc., não seria possível outra solução que não fosse a da subordinação da parceria ao arrendamento, para assim se respeitar o novo diploma.
Todavia, a Secretaria de Estado da Agricultura, afirmou em publicação oficial 3 que «o caseiro, tão generalizado no Norte do País, não é juridicamente considerado um rendeiro propriamente dito, pois trabalha ou em regime de parceria ou misto de arrendamento e par-

1 Pode ver-se sobre a quentão que apresentamos, a título de exemplo, a Revista, de Legislação e de Jurisprudência, ano 84, p. 20, a Revista dos Tribunais, ano 72, p. 162, e o Acórdão da Relação de Coimbra de 15 de Janeiro de 1957, nesta Revista, ano 75, p. 122.

1 Ob. cit., p. 89.. Pode ler-se nessa e páginas seguintes a defesa da empresa de tipo familiar. Veja-se ainda Prof. Henrique de Barros, ob. cit., III, p. 612.
2 Nos artigos 75.º, § 4.º, e 82.º do anteprojecto do Prof. Galvão Teles também se prevêem regimes particulares para os arrendamentos a cultivadores directos em matéria de não produção ou perda casual de frutos e de benfeitorias não autorizadas.
3 «A importância dos problemas agrícolas para o País - Os projectos de lei sobre a reorganização agrária».

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ceria - arrendamento quanto às culturas arvenses e de parceria quanto à vinha e arvoredos, por exemplo. Portanto, o diploma, que se destina ao arrendamento propriamente dito, não visa esta modalidade de exploração da terra».
Sérias objecções sugere imediatamente os te passo da referida publicação.
Em primeiro lugar, passaria a haver no País, e com carácter geral, dois regimes distintos para o contrato de arrendamento rural: um para o de simples arrendamento e outro para o caso de este ser acompanhado de parceria, a que se juntariam outras formas mistas, de exploração da terra, como as que aliam a conta própria ao arrendamento. Quer dizer: teríamos uma solução juridicamente inaceitável e logicamente contraditória, pois se deixaria, afinal, inteiramente desprotegido um dos tipos, bem generalizado no nosso país, de contrato rural.
Em segundo lugar, todos os objectivos económico-sociais pretendidos estariam praticamente condenados ao insucesso, pois ficariam em absoluto dependentes da vontade das partes. E fácil, na verdade, acrescentar ao contrato um regime de parceria para algum dos produtos da terra. Seria, é certo, o que na terminologia do direito se chama uma fraude à lei, mas seria uma fraude juridicamente inatacável, o que quer dizer que se manteria para futuro o regime actual do arrendamento, sempre que os interessados o quisessem, ou os senhorios o impusessem.
Julga a Câmara Corporativa interpretar o pensamento daquela Secretaria de Estado, implícito na passagem transcrita, no sentido de que se visa com o projecto, especialmente ou mesmo exclusivamente, o caso particular do Alentejo ou da grande propriedade. Reatar-se-ia uma antiga tradição do nosso direito, expressa nos alvarás de 21 de Maio de 1764, de 20 de Junho de 1774 e de 27 de Novembro de 1804, a que adiante se fará de novo referência. Não poderia, porém, evitar-se, neste caso, uma contradição manifesta entre esse pensamento e o relatório do projecto, que refere especialmente, para certos efeitos (cf. n.º 4), «o arrendamento nas zonas de pequena propriedade, ou, melhor, o arrendamento de pequenas e pequeníssimas propriedades».
É de notar ainda que a afirmação feita na mesma publicação de que é no Norte do País que está generalizado o sistema misto de arrendamento e parceria não traduz fielmente a realidade. O sistema, assim como o misto de arrendamento, conta própria e parceria, está generalizado a todo o continente, como pode ver-se dos seguintes dados, referentes ao número de empresas agrícolas 1.

[Ver Quadro na Imagem]

Excluídas, portanto, as explorações em conta própria e em regime puro de parceria, a percentagem dos contratos mistos em que intervém a parceria acentuar-se, sobretudo, nas províncias do Sul - Baixo Alentejo, Alto Alentejo e Algarve -, e não nas províncias do Norte, feita excepção para Trás-os-Montes e Alto Douro.
Por último, se é exacto, como é notado pelos economistas, que a injustiça da renda é tanto maior quanto menor for a propriedade e mais intensiva a produção, na orientação da Secretaria de Estado da Agricultura prescindir-se-ia dos benefícios da nova legislação precisamente onde esses benefícios mais seriam necessários.
Crê, por tudo, a Câmara Corporativa que, a publicar-se desde já um diploma legislativo sobre o arrendamento da propriedade rural, se lhe deve atribuir a generalidade que parece ter o projecto trazido à sua apreciação. Todos os contratos de arrendamento ficarão sujeitos à mesma disciplina, sejam ou não acompanhados, em relação a certos produtos da terra, do regime de parceria.

II

Exame na especialidade

§ 1.º

Arrendamentos sujeitos à nova lei

9. Conceito de arrendamento agrícola. - Parece ser tecnicamente mais aconselhável começar o exame ma especialidade pela base XXIV, a última do título I, por ser aquela que fixa o campo de aplicação do regime proposto e a que fornece, consequentemente, os elementos necessários para se definir o arrendamento agrícola.
O problema de saber se devem integrar-se conceitos nos diplomas legislativos é um problema que a Câmara Corporativa entende não merecer discussão neste caso. Basta a circunstância de se pretender regular com autonomia no nosso direito uma figura nova - como já se salientou, o regime actual dos arrendamentos de prédios rústicos diz respeito à locação não só de coisas produtivas como não produtivas - para convir defini-la, tanto mais que será possível, com uma simples noção, evitar a enumeração casuística da base XXIV, pouco própria de uma lei, que deve limitar-se às bases, gerais dos institutos jurídicos.
A base que se propõe em substituição da XXIV do projecto j e que deve figurar como base I, é a seguinte:

BASE I

1. O arrendamento de prédios rústicos para fins agrícolas, pecuários ou florestais consiste na transferência para o locatário, por certo tempo e mediante determinada retribuição, do uso e fruição da coisa, nas condições de uma exploração regular.
2. Se o arrendamento recair sobre prédio rústico e do contrato e respectivas circunstâncias não resulta o destino atribuído ao prédio, presume-se tratar-se de arrendamento agrícola. Exceptuam-se os arrendamentos em que o Estado intervém como arrendatário, os quais se entendem sempre celebrados para fins de interesse público.
3. Os contratos mistos de arrendamento e parceria ficam sujeitos às disposições desta lei sempre que não seja possível a aplicação conjunta dos respectivos regimes.

Quanto ao n.º 1 desta base, inspira-se a Câmara Corporativa no conceito dos artigos 1.º do Decreto n.º 5411, de 17 de Abril de 1919, e 1595.º do Código Civil, com

1 Colhidos em Eng.º Lopes Cardoso, ob. cit., p. 33.

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uma limitação: visam-se agora apenas os contratos que se destinam a fias agrícolas, pecuários ou florestais, pois é esse o objectivo do projecto do Governo, claramente expresso na base XXIV.
Ficam desta maneira excluídos, sem necessidade de um preceito especial, os arrendamentos previstos na alínea c) desta base - os destinados a fins não agrícolas - relativamente aos quais se não justifica um regime particular, como o do projecto, todo ele inspirado na protecção devida à agricultura e à defesa daqueles que a ela dedicam a sua actividade profissional.
Estão também excluídos, e pelas mesmas razões, os arrendamentos de jardins e pastagens, salvo, quanto a estas, se representam a forma regular de exploração do prédio, como se diz na alínea b) da mesma base. Para tanto se referem expressamente na base proposta os fins pecuários.
E estão, por último, excluídos os arrendamentos que têm por objecto a realização fortuita de culturas, desde que sé suponha, como se supõe no texto ora sugerido, uma exploração regular do prédio. Este requisito encontra-se formulado no artigo 619.º do Código Grego de 1941 e é, de per si, bastante para afastar aquelas cedências fortuitas a que a alínea e) da base XXIV do projecto do Governo deve querer referir-se.
É de salientar, de resto, que esta última alínea se encontra redigida em termos equívocos e de difícil compreensão. A área arrendada, diz-se, não deverá abranger «mais de um quinto da respectiva superfície». Mas superfície de quê? Do prédio, tal como se encontra inscrito na matriz predial? Tal como se encontra registado na Conservatória do Registo Predial? Com a unidade de facto que apresenta no momento do arrendamento?
Eliminada esta alínea, eliminado fica o n.º 2 da mesma base, que é seu complemento.
Note-se que, independentemente da eliminação da alínea, a doutrina do n.º 2 encontrar-se-ia sempre deslocada numa lei sobre arrendamentos. O seu fim é essencialmente de ordem fiscal, e, portanto, deverá constar, de preferência, de um diploma de índole fiscal da iniciativa, do Ministério das Finanças, não se reincidindo nos erros das nossas leis do inquilinato, erros só justificáveis, e em certa medida, em atenção às condições e à época em que foram publicados 1.

10. Contratos de caça e pesca. - A alínea c) da base XXIV refere-se, para efeitos do regime novo, aos contratos de caça e pesca.
O Governo deve querer referir-se aos contratos de cedência temporária, e mediante certa retribuição, do direito de caçar e pescar em terrenos coutados, já que nos terrenos livres não existem direitos exclusivos transmissíveis por contrato, ao contrário do que sucede na generalidade das legislações estrangeiras.
Parece de toda a evidência que a concessão de tais direitos não importa o arrendamento, do prédio, sobre tudo se se aceita o conceito de arrendamento agrícola expresso na primeira base proposta por esta Câmara.
Os contratos de caça são, mais rigorosamente, contratos inominados, sui generis, a que se aplicam, por analogia, as disposições do arrendamento ou da compra e venda. Mas que sejam havidos como contratos de arrendamento, eles não têm por objecto o prédio rústico em si, mas um direito sobre o prédio, e, portanto, não se podem confundir com os arrendamentos agrícolas 1.
Questão discutida pelos juristas tem sido a de saber se o arrendamento agrícola de terrenos coutados importa a cedência da caça 2. Mas não é esse o problema que se resolveria com a base XXIV, nem parece à Câmara Corporativa que ele deva ter na lei uma solução expressa 3. Trata-se sempre de uma questão de interpretação da vontade, e que deve ser resolvida ou pelo contrato ou pelos usos da terra, nos termos gerais do artigo 704.º do Código Civil, não se esquecendo que o arrendatário é obrigado a servir-se do prédio «tão-sòmente para uso convencionado ou conforme com a sua natureza» (Decreto n.º 5411, artigo 22.º, n.º 3.º).

11. Presunção do fim agrícola Arrendamentos do Estado. - Desde que se fixa um regime especial para os arrendamentos agrícolas, torna-se forçoso, estabelecer na lei uma presunção quanto à natureza do arrendamento. Há que resolver os casos omissos, pois pode não constar do título o destino atribuído ao prédio, e há que evitar fugas voluntárias ao regime do arrendamento agrícola, precisamente com a omissão desse destino.
No anteprojecto do Prof. Galvão Teles estabelece-se, no artigo 73.º, que «se o arrendamento recair sobre prédio rústico, e do contrato e respectivas circunstâncias não resultar a sua finalidade, o arrendatário só poderá aplicar o prédio a fins agrícolas». Isto importa a sujeição do contrato ao regime especial do arrendamento de coisas, produtivas.
Aproveita-se quase textualmente este princípio no n.º 2 da base I sugerida por esta Câmara, e apenas se exceptuam os arrendamentos em que o Estado intervém como arrendatário, os quais se entendem sempre 1 celebrados para fins de interesse público.
Admite-se, assim, a solução da alínea d] do projecto do Governo. Porque se considera essencial dizê-lo? É possível que não. Mas não deixa de ser conveniente afastar quaisquer dúvidas que possam surgir em relação aos contratos celebrados pelo Estado para fins de cultura, embora se vise a organização de serviços de natureza pública. Mesmo presumindo-se que o Estado, quando arrenda um prédio rústico, não tem em mira um lucro, embora o destine à instalação de viveiros, de campos experimentais ou postos agrários, trata-se de uma disposição que se aceita como interpretativa do n.º 1 desta base.

O Código Civil, no artigo 1604.º, sujeitava, quanto à forma, os arrendamentos dos bens do Estado, à legislação administrativa. Esta disposição foi substituída pela do artigo 12.º do Decreto n.º 5411. Não só quanto à forma, mas também quanto ao fundo, se mandou apli-

1 Em França, na Holanda e na Alemanha fazem as leis distinção entre arrendamentos de exploração agrícola e arrendamentos de pequenas parcelas de terreno, ora para subtrair inteiramente estes últimos do regime daqueles, ora para os subtrair parcialmente, designadamente quanto a prazos mínimos de duração dos contratos.
No decorrer deste parecer se verificará que tal distinção assenta numa base justa, não se impondo sempre o regime particular do arrendamento agrícola aos arrendamentos de terras isoladas. Mas o problema .apresenta, no seu aspecto jurídico, as maiores dificuldades de solução, e delas são reflexo as dúvidas assinaladas na doutrina daqueles países. (Vide, em França, Ourliac e Juglart, Fermage et Métayage, pp. 7 e 17). Parece, por isso, preferível à Câmara Corporativa não aceitar a distinção, que seria fatalmente fonte de constantes incertezas e conflitos, e deixar todos os arrendamentos agrícolas sujeitos ao mesmo regime. Servirá de justificação o facto de se não adoptarem medidas tão violentas como as que vigoram naqueles países.

1 Vide Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, Noções Fundamentais de Direito Civil, 5.ª edição, I, p. 524, nota 1, e p. 526, nota 4, e autores citados.
2 Vide a longa indicação de autores e de decisões jurisprudenciais em Carrara, I contratti agrari, p. 218.
3 Dada pela lei espanhola de 15 de Março de 1935, e pelo Regulamento de 29 de Abril de 1959, no sentido da exclusão da caça.

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car a lei administrativa, e ampliou-se o campo de incidência do artigo aos arrendamentos em que o Estado figurasse como arrendatário 1.
Trata-se, pois, de um preceito - o da base XXIV do projecto e o da base I da proposta desta Câmara - que tem as suas raízes na nossa lei.
O seu alcance não é, porém, o mesmo.
Segundo o regime vigente, a aplicação da legislação administrativa não impede a aplicação das leis do inquilinato e do arrendamento rústico. Estas vigoram em tudo o que não contrarie o direito público, ao passo que no projecto do Governo se afasta inteiramente o regime do contrato agrícola, devendo aplicar-se aos arrendamentos do Estado o regime geral do contrato de locação, em tudo o que não estiver previsto no direito administrativo.
É assim que a Câmara interpreta o pensamento do Governo, que integra, por tudo o que se disse, a solução mais aceitável.

12. Contratos mistos de arrendamento e parceria. - O n.º 3 da base que a Câmara Corporativa sugere refere-se aos contratos mistos de arrendamento e parceria.
Já se indicaram, na apreciação da generalidade do projecto, as razões por que não deve aceitar-se a solução proposta pela Secretaria de Estado da Agricultura:
Crê esta Câmara que o preceito sugerido é suficientemente claro. As disposições próprias da parceria, como as que dizem respeito à partilha dos frutos ou às indemnizações (cf. artigos 1301.º e 1302.º do Código Civil), são sempre aplicáveis. Serão, pelo contrário, inaplicáveis as respeitantes à forma do contrato, ao tempo de duração, etc., por não ser possível a aplicação conjunta de dois regimes diferentes.
Reconhece-se que não ficam resolvidas todas as dúvidas. Assim, por exemplo, o artigo 1303.º do Código Civil manda aplicar como direito subsidiário, na parceria rural, as disposições dos artigos relativos aos direitos e obrigações dos locadores e arrendatários. Quais as disposições a aplicar desde que se cria um regime especial para o arrendamento agrícola? O regime geral? Este regime especial?
Não pode esta Câmara pronunciar-se sobre um assunto estranho ao projecto, como é o da parceria, que não constitui para a nossa lei sequer uma forma de locação.
É de presumir que, pela equiparação dos dois contratos no futuro Código Civil, estas e outras questões fiquem resolvidas. Por agora, a Câmara Corporativa limita-se a apontar a omissão.

§ 2.º

Forma

13. Soluções contraditórias nas bases I e II do projecto. - Referem-se à forma do contrato de arrendamento rural as duas primeiras bases do projecto.

em de reconhecer a Câmara Corporativa, depois de feitos todos os esforços para apreender o significado exacto dessas bases, que elas são entre si contraditórias.
À primeira vista parece que se quis consagrar a seguinte doutrina: os arrendamentos por seis anos não
carecem de ser reduzidos a escrito. E dizemos por seis anos, e não por prazo inferior a seis anos, porque a base III estabelece como prazo mínimo normal de vigência do contrato precisamente seis anos 1. Se o prazo for superior a seis anos, os arrendamentos terão de ser lavrados em documento autêntico, pois tais arrendamentos estão sujeitos a registo (n.º 2 da base II), e os arrendamentos sujeitos a registo devem constar de escritura pública (n.º 1 da mesma base).
Ora, entre estas duas hipóteses - seis anos, mais de seis anos - não é possível uma situação intermédia, a que caberia o escrito particular, e, todavia, essa terceira situação está clara e inequivocamente prevista nos dois primeiros números da base I. No primeiro afirmasse, na verdade, que carece de ser reduzido a escrito - não a escritura pública - o contrato, «se o referido prazo for superior a seis anos». Logo, há contratos de prazo superior a seis anos que podem ser feitos por escrito particular. Quais?
Por seu turno o n.º 2 supõe também, a contrario sensu, que, havendo título escrito 2, pode o prédio ser arrendado por prazo superior ao indicado na alínea anterior.
No relatório que precede o projecto do Governo não se encontram elementos que permitam esclarecer o texto.
Julga a Câmara Corporativa que não há razão para uma terceira categoria intermédia de arrendamentos a que caiba a forma escrita (documento particular) por razões que adiante se indicarão, e isso importa uma modificação completa da redacção dada à base I, como se proporá.

14. A regra da consensualidade. - Como princípio geral aplicável aos arrendamentos por seis anos, ou por prazos inferiores quando autorizados pelo Secretário de Estado da Agricultura, estabelece o projecto a regra da consensualidade.
É esse o regime actual.
Segundo o princípio-regra do artigo 686.º do Código Civil, aplicável aos arrendamentos de prédios rústicos, a validade dos contratos não depende de formalidade alguma externa. A este princípio só fazem excepção os arrendamentos para comércio, indústria ou profissão liberal e os sujeitos a registo, relativamente aos quais a alínea h) do artigo 88.º do Código do Notariado exige escritura pública 3. Estão sujeitos a registo, nos termos da alínea k) do artigo 2.º do Código do Registo Predial, os arrendamentos por mais de quatro anos, bem como as respectivas transmissões e sublocações.
Pondo de parte, portanto, os arrendamentos para comércio ou indústria, que não interessam, e os arrendamentos ad longum tempus, a que adiante fie fará referência, vê-se que, no nosso direito, a regra é a da consensualidade. E trata-se de uma regra tradicional, pouco ou quase nada discutida, ao contrário do que sucede com o arrendamento urbano, sujeito desde o Código Civil a muitas e variadas soluções legais quanto à forma 4.

1 Esta disposição dou lugar a sérias dúvidas que não interessa aqui apreciar. Pronunciou-se sobre elas a Procuradoria-Geral da República, em 27, de Agosto de 1920, e várias vezes os nossos tribunais foram chamados a intervir, sem que se tivesse chegado a uma jurisprudência uniforme. Também muitos diplomas especiais têm regulado não só os arrendamentos de bens do Estado, como os arrendamentos do Estado na posição de locatário, sobretudo em relação a prédios urbanos.

1 Exceptuou-se nessa base o caso certamente raro, o que não interessa agora considerar, de haver autorização do Secretário de Estado da Agricultura.
2 A referência à falta de título deve evidentemente entender-se como feita à falta de titulo escrito ou titulo bastante, nos termos do número anterior.
3 Cf. artigos 37.º, 79.º e 86.º da Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948.
4 Código Civil, Decreto de 12 de Novembro de 1910, artigo 2.º, Decreto n.º 4499, de 27 de Junho de 1918, Decreto n.º 5411, de 17 de Abril de 1919, artigo 44.º, e Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948, artigo 36.º

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Nem todos os países a têm, porém, admitido, e, nos tempos presentes, nem todos os autores nacionais, podendo mesmo assinalar-se uma certa tendência para transformar o arrendamento num contrato formal 1.
Não vê a Câmara Corporativa que existam motivos ponderosos para afastar a solução vigente.
No relatório do projecto (n.º 5) invoca-se, no sentido da consensualidade, o respeito pelos usos tradicionais. É uma razão de relevo, pois não é de prever que uma nova orientação venha modificar esses usos, já que não é fácil estabelecer sanções que não recaiam, afinal e injustificadamente, sobre os próprios arrendatários.
O exemplo da Espanha é para nós eloquente. Pelo artigo 5.º da Lei de 15 de Março de 1935, todo o arrendamento de prédio rústico, qualquer que fosse o seu valor, devia ser reduzido a escrito que contivesse os onze requisitos referidos na mesma disposição. Pois, porque se continuaram a celebrar verbalmente os contratos, sem se respeitar a lei 2, o diploma de 23 de Julho de 1942 veio considerar, com eficácia retroactiva, válidos todos os arrendamentos, qualquer que fosse a forma de celebração, atribuindo-se embora a cada contraente o direito de exigir da outra parte a outorga em documento público ou particular 3.
É de recordar também a razão invocada por esta Câmara em relação aos arrendamentos de prédios urbanos, e que se resume na facilidade de prova da existência do contrato, desde que se não saia para fora das disposições supletivas da lei ou dos usos e costumes locais 4.
Pelo exposto, sugere a Câmara para a base I, que figurará como base II, a seguinte redacção:

BASE II

1. O arrendamento a que se refere a base anterior, e que se denomina rural, não necessita de ser reduzido a escrito.
2. Só podem, porém, provar-se por escrito as estipulações que importem alteração do regime supletivo do contrato ou dos usos e costumes locais.
3. Os arrendamentos reduzidos a escrito só podem ser alterados por documento de igual força.

O n.º 2 desta base corresponde ao n.º 3 da base I do projecto, que teve a sua fonte no n.º 3 do artigo 36.º da Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948.
O n.º 3 tem por fonte o artigo 38.º da mesma lei e constitui natural, complemento da disposição do número anterior.
Estes dois artigos da Lei n.º 2030 foram propostos por esta Câmara no parecer acima citado 5, e deles se fez uma justificação em termos que, mutatis mu-tandis, cabem perfeitamente ao arrendamento rústico: «Como se disse, é fácil, em regra, a prova do contrato porque há factos que inequivocamente revelam a sua existência. Já não pode, porém, dizer-se o mesmo em relação às cláusulas acima referidas. Não há nada de exterior que as revele e há algumas de importância decisiva para a vida jurídica do contrato, como as que autorizam a sublocação, as que fixam uma duração ao arrendamento superior à dos usos locais, as que fixam domicílio especial para o pagamento das rendas, etc. A Câmara Corporativa. é de parecer que, nestas condições, deve impor-se sempre o regime supletivo legal aos contratos verbais, com o que não só se evitam as contingências da prova testemunhal, como se obrigam os interessados a reduzir a escrito o contrato sempre que pretendam modificar aquele regime. As mesmas considerações levam à doutrina de que para os próprios contratos escritos deve exigir-se a forma escrita para quaisquer alterações ou aditamentos ao regime supletivo legalmente estabelecido».

15. Arrendamentos sujeitos a registo. - Como se viu, os arrendamentos sujeitos a registo já hoje carecem de ser reduzidos a escritura pública. É a doutrina da alínea h) do artigo 88.º do Código do Notariado.
Não traz, assim, o projecto, na primeira parte do n.º 1 da sua base II, qualquer alteração ao regime vigente.
Na segunda parte deste número fixa-se como sanção para a falta de escritura a mesma que se encontra estabelecida para os arrendamentos urbanos no n.º 2 do artigo 37.º da Lei n.º 2030. A disposição deste número foi sugerida por esta Câmara no parecer citado e nele se encontram expostas com desenvolvimento as razões que a levaram a aceitar a redução imperativa do prazo convencionado.
Dessa exposição, um pouco longa, reproduz-se o seguinte:

Desde que se admite o contrato verbal e desde que a prova do arrendamento passa a poder fazer-se quase só através do recebimento das rendas e do facto de habitação, não há motivo para destruir toda a juridicidade do acto apenas porque oralmente se convencionou que o contrato duraria por quatro ou mais anos.
É precisamente a propósito de hipóteses como esta que o comum da doutrina alude à figura da redução dos negócios jurídicos, atribuindo-lhe este alcance: se o negócio a que os contraentes dão vida só parcialmente infringe a lei, importa aproveitar dele o que não vai de encontro à mesma lei. Quer dizer: o negócio passará a valer menos, reduz-se nos seus efeitos, até se acomodar dentro dos limites que lhe são permitidos. Mantém-se, é claro, o mesmo tipo de figura negociai. E nisto se distingue precisamente a redução da conversão dos negócios jurídicos.
Em termos mais ou menos explícitos acordam os autores, todavia, em não admitir a redução do negócio se este resultado chocar com a vontade presumível de uma ou de ambas as partes. O contrato deverá ser totalmente nulo, afirma-se, se, não podendo valer em toda a linha, puder razoavelmente presumir-se que as partes teriam preferido não celebrar negócio algum a ter de contentar-se com uma simples validade parcial. É, porém, um ponto em que os autores e as legislações enveredam por duas posições antagónicas: Uns afirmam, em princípio, a invalidade de todo o acto e só permitem a redução se puder presumir-se que

1 A obrigatoriedade de forma escrita existe nos seguintes países : Alemanha Federal, Itália, Suécia, Suíça, Uruguai, Malásia, Peru, Dinamarca, Japão e Ceilão, além de alguns Estados da América do Norte. Em França, os arrendamentos rústicos devem, em princípio, ser reduzidos a escrito (Ordonnance de 4 de Dezembro de 1944, artigo 20.º). Não se trata, porém, de um requisito - a forma - essencial à validade do contrato. A sua falta importa considerar-se o arrendamento celebrado por nove anos, o que representa, de resto, a aplicação do direito comum (v. Planiol et Bipert, Traité, x, 2.ª edição, p. 424). É semelhante a solução da Argentina: os contratos não reduzidos a escrito consideram-se celebrados «según los precettos legales».
2 V. Zulueta, Derecho Agrário, p. 68.
3 Doutrina mantida pelo Regulamento de 29 de Abril de 1959 (artigo 5.º).
4 Parecer n.º 15, de 5 de Fevereiro de 1943, n.º 2 (Diário das Sessões, suplemento n.º 83).
5 Cf., quanto ao n.º 3, o § 4.º do artigo 1.º do projecto Sá Carneiro.

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os interessados não teriam deixado de celebrar o contrato reduzido. É a posição do Código Civil Alemão (§ 139.º) e a de quase todos os tratadistas tudescos.
A doutrina tradicional considera, porém, como regra a validade da parte no negócio não afectada (utile per inutile non vitiatur), com ressalva dos casos em que se demonstre que as partes teriam preferido a nulidade total. É esta a posição do Código Austríaco (§ 878.º) e a do Código Suíço das Obrigações (artigo 20.º). E é esta também a solução que foi dada a este problema no projecto de Pinto Loureiro.
Parece, no entanto, à Câmara Corporativa que não deve, nesta matéria de arrendamentos sujeitos a registo, aceitar-se qualquer destes dois pontos de vista, e antes impor júris et de jure a redução do negócio, como o fazia o Código Civil, no § único do artigo 1601.º, no caso de o usufrutuário ter arrendado por tempo que exceda o seu usufruto. É que há fortíssima presunção, não obstante a eficácia do contrato ficar limitada quanto ao tempo, de que os contraentes não deixariam ide o celebrar; e permitir a prova do contrário seria admitir uma fonte de dúvidas e de conflitos. De resto, mesmo supondo-se falta de vontade de manter o arrendamento no caso de redução, o que só muito excepcionalmente acontecerá, os inconvenientes nunca serão grandes porque o inquilino tem sempre a faculdade, dentro de um prazo curto, de pôr termo ao contrato.
Mas há ainda razões especiais para, dentro do sistema sugerido pela Câmara Corporativa, aceitar sempre a redução.
A estipulação de um prazo longo funciona como uma daquelas cláusulas do negócio que não devem poder ser provadas senão por escrito. Ora, a lógica desta solução leva a considerar como inexistente a própria cláusula, e não o contrato, se este não consta do documento exigido por lei. É preciso também não deixar aberta uma porta a fraudes destinadas a afastar o regime legal do arrendamento e a protecção, devida aos arrendatários. Na solução, pelo menos aparente, do projecto, bastaria celebrar o contrato por escrito particular (para se evitarem dificuldades futuras de prova) e atribuir-lhe a duração de cinco anos, para que, considerado inexistente, o acto, o senhorio pudesse a todo o momento obter o despejo do prédio por meio de uma acção de reivindicação.

Esta tese da redução do negócio jurídico não tem sido admitida em Itália, nem pela doutrina nem pela jurisprudência. «As cláusulas do contrato - escreve-se - estão intimamente ligadas umas às outras, de modo a formarem um todo incindível, não podendo mudar-se uma sem se mudar a vontade contratual». E exemplifica-se com a renda. Esta pode ter sido fixada em razão da duração do contrato, e não deve, portanto, subsistir o contrato com a mesma renda se for alterada a cláusula do prazo 1.
A resposta a esta razão está dada no passo transcrito do parecer desta Câmara. E aos argumentos apresentados acresce, agora, um outro: não é conveniente estabelecer para o arrendamento rústico uma solução diferente da estabelecida para o arrendamento urbano. O problema é o mesmo, e onde existe a mesma razão de ser deve existir a mesma disposição.
O n.º 2 da base II da proposta contém doutrina nova, ampliando para seis anos o prazo de quatro da lei vigente. A alínea k), do artigo 2.º do Código de Registo Predial, como se viu já, considera, na verdade, sujeitos a registo os arrendamentos por mais de quatro anos, bem como as respectivas transmissões e sublocações 1.
A Câmara Corporativa nada tem a opor à modificação proposta, e julga que duas considerações a podem justificar.
Em primeiro lugar, desde que se reconheça haver - adiante se ventilará o assunto - certas vantagens de ordem técnica e de ordem social nos arrendamentos a prazo longo, não convém estabelecer uma disciplina apertada e onerosa para os arrendamentos que ultrapassem prazos demasiadamente curtos. O preço e os incómodos de uma escritura e de um registo podem pesar decisivamente na economia dos contraentes, sobretudo tratando-se de pequenos arrendamentos familiares. Mantendo-se o prazo de quatro anos do Código de Registo Predial, seria certo que, salvo casos raros, não se constituiriam voluntariamente arrendamentos por prazos superiores.
Em segundo lugar, desde que venham a estabelecer-se prazos mínimos de duração do contrato, prazos que não poderão ser reduzidos por vontade dos contraentes, atenuasse sensivelmente o perigo da falta de publicidade dos arrendamentos. A situação do longo prazo, que agora é excepcional, torna-se normal, e não deixarão, por isso, os terceiros adquirentes dos prédios - a esses se refere especialmente o registo de se informar acerca das condições dos arrendamentos, para não serem surpreendidos na sua boa fé ou nas suas expectativas.
Aceitando-se, pois, a doutrina do projecto, sugere-se uma base, que figurará como V na contraproposta desta Câmara, com a seguinte redacção:

BASE V

1. Estão sujeitos a registo os arrendamentos cujo prazo de duração é superior ao referido no n.º 1 da base III.
2. Os arrendamentos sujeitos a registo devem constar de escritura pública; mas a falta desta não impede que o contrato subsista pelo prazo de seis anos.

§ 3.º

Prazo

16. As soluções da base III do projecto. - Estabelecem-se nesta base os seguintes princípios: o prazo para a duração do arrendamento não será, em regra, inferior a seis anos, sem prejuízo do disposto no artigo 1601.º do Código Civil; este prazo poderá ser reduzido por despacho do Secretário de Estado da Agricultura, sob proposta da Junta de Colonização Interna.
A disposição do artigo 1601.º do Código Civil está mal citada, pois foi substituída pela disposição do artigo 9.º do Decreto n.º 5411, de 17 de Abril de 1919, já também modificada, quanto aos arrendamentos urbanos, pelos artigos 41.º e 42.º da Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948.
No parágrafo seguinte (4.º) se ventilará o problema da caducidade dos arrendamentos feitos por administradores de bens dotais, usufrutuários ou fiduciários.

1 Garrara, ob. cit., p. 274.

1 É este o regime tradicional no nosso direito. Alterou-se apenas, em 1959, quanto aos arrendamentos com antecipação de renda, que estavam sujeitos a registo, pela legislação anterior (Código Civil, artigo 1662.º, Decreto n.º 5411 e Código de Registo Predial de 1931), desde que fossem estipulados por mais de um ano.

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Por agora vão-se- apreciar simplesmente as questões do prazo mínimo do contrato, da sua renovação tácita ou convencional, da conveniência da intervenção do Secretário de Estado da Agricultura e do prazo, máximo de duração dos arrendamentos.

17. Regime do Código Civil, do Decreto n.º 5411 e do anteprojecto do futuro código, quanto a prazos mínimos. - O Código Civil estabelecia, genericamente, para o contrato de locação, o princípio de que tal contrato pode fazer-se pelo tempo que aprouver aos estipulantes, salvas as disposições relativas aos administradores de bens dotais, usufrutuários vitalícios ou fiduciários 1, ou relativas aos arrendamentos de bens de menores (artigos 1600.º a 1602.º). Especialmente para o arrendamento de prédios rústicos, estabelecia supletivamente o artigo 1628.º que «não tendo sido declarado o prazo do arrendamento, entender-se-á que este se fizera pelo tempo costumado na terra, e, em caso de dúvida acerca de qual é o costume, por não ser uniforme, nunca se presumirá que fosse feito por menos tempo que o necessário para uma sementeira e colheita, conforme a cultura a que tenha sido aplicado».
O Decreto n.º 5411 substituiu estes artigos, mas não prescreve doutrina nova. Nas disposições dos artigos 9.º e 11.º confirma as excepções previstas nos artigos 1600.º a 1602.º, e na do artigo 63.º reproduz textualmente o artigo 1628.º do Código Civil.
O anteprojecto do Prof. Galvão Teles limita-se a prever, no artigo 70.º, que leis especiais venham a fixar períodos mínimos de duração do contrato; e o autor, depois de na exposição de motivos, declarar que «foi neste espírito de prudente conciliação de interesses, com os olhos postos nas exigências da produção mas também no respeito dos direitos individuais, que se gizou a rede de preceitos da secção viu do projecto», diz: «no entanto previu-se no artigo 70.º que leis especiais, limitando a liberdade de convenção, fixem um período mínimo de duração do contrato, a fim de que o rendeiro, gozando de maior estabilidade, se sinta estimulado a explorar a terra mais racionalmente e a benfeitorizá-la: pois saberá ter tempo para colher ele próprio os benefícios desse dispêndio de dinheiro ou trabalho. Deixou-se a matéria para leis especiais porque depende de estudos técnicos e porque não se pode fixar para todo o País um só limite de duração, antes se tem de estabelecer vários, em harmonia com as condições mesológicas» 2.
Supletivamente estabelece-se no mesmo anteprojecto a seguinte disposição:

Art. 72.º Quando o contrato de arrendamento agrícola, seja omisso sobre a sua duração ou estabeleça como tal um lapso de tempo indeterminado, observar-se-ão os usos e, no silêncio destes, as regras seguintes:

1.ª Se o prédio está sujeito a rotação de culturas, o contrato reputa-se celebrado pelo tempo necessário para que o rendeiro possa iniciar e concluir o ciclo normal das mesmas culturas;
2.ª Na hipótese inversa, o arrendamento considera-se feito pelo tempo necessário para a colheita de frutos.

Reproduz-se quase textualmente, nesta disposição, o artigo 1630.º do Código Italiano de 1942, artigo que não tem merecido críticas no seu país e que apenas tem levantado ligeiras dúvidas de interpretação 1.

18. Solução das leis estrangeiras. - Contra a orientação do nosso direito positivo, em quase todos os países que ultimamente têm legislado sobre a matéria, manifesta-se a tendência marcada no sentido da fixação de um prazo mínimo de duração do arrendamento agrícola, prazo que varia entre os três e os doze anos, e que vai excepcionalmente até aos dezanove.
Tem especial importância para nós p conhecimento da legislação espanhola, por ser aquela que, seguramente, mais influência exerceu na elaboração do projecto em apreciação.
Pelo artigo 9.º do Regulamento espanhol de 29 de Abril de 1959, a duração mínima dos contratos de arrendamento de prédios destinados à agricultura, cuja renda anual, em dinheiro, em espécie, ou em ambas as coisas, seja igual ou superior a 5000 pesetas, é fixada em seis anos, conferindo-se ainda ao arrendatário o direito de prorrogar o contrato, por sua exclusiva vontade, por um período de outros seis anos. Quando a renda não atinja 5000 pesetas, o prazo mínimo é fixado em três anos, tendo o arrendatário direito a prorrogações sucessivas até quinze anos. É também de três anos, segundo o mesmo artigo, o prazo mínimo nos arrendamentos de prédios cuja principal exploração seja pecuária, não havendo, neste caso, direito a prorrogações 2. Exceptuam-se, nos termos do artigo 84.º, n.º l, daquele diploma, os prédios cuja renda não exceda 40 q de trigo, cultivados pelo arrendatário por modo pessoal e directo (arrendamentos familiares protegidos). Neste caso, o rendeiro pode prorrogar o contrato por períodos de três anos até um máximo de quatro períodos 3.
A legislação espanhola caracteriza-se, pois, pelo seguinte: prazos mínimos variáveis de três a seis anos; direito dos rendeiros a uma ou mais prorrogações e protecção especial dos pequenos arrendamentos e dos arrendamentos familiares.

Na Bélgica, o artigo 6.º da Lei de 7 de Março de 1929 estabelece para os arrendamentos agrícolas o prazo mínimo de nove anos, podendo haver renovações por prazos inferiores. Prevêem-se várias excepções, entre as quais a de se permitir que no contrato se atribua ao arrendatário a faculdade de pôr termo ao arrendamento antes do fim do prazo, e ao senhorio a mesma faculdade quando queira explorar directamente o prédio, ou ceder a exploração aos seus descendentes.

O Código Grego de 1941 contém os seguintes princípios: o arrendamento não pode ser feito por prazo inferior a quatro anos; se lhe é fixado um prazo mais curto, será válido por aquele tempo (artigo 634.º). Senão se fixar prazo, o contrato termina em qualquer altura, desde que expire aquele prazo por denúncia de qualquer das partes, feita pelo menos nos seis meses an-

1 Por manifesto lapso do legislador, os fiduciários são designados neste artigo por fideicomissários, o mesmo acontecendo no artigo 9.º do Decreto n.º 5411.
2 Pp. 53 e 54.. «A. preocupação principal do legislador - escreve ainda - deve ser a de estimular á boa gestão económica da coisa e o seu melhoramento, para que ela se valorize e produza mais, com proveito de ambas as partes, e da economia nacional. Mas é claro que os preceitos orientados nesse sentido devem procurar o justo equilíbrio entre os interesses do locatário e os do locador, dando a ambos os necessários meios de acção, protegendo e compensando as suas iniciativas. Não se pode por exemplo, a pretexto de que o rendeiro está em contacto com II terra e em melhores condições de benfeitorizá-la, outorgar-lhe prerrogativas excepcionais, anómalas, que vão ferir gravemente o direito de propriedade».

1 V. Garrara, ob. cit., p. 254.
2 Cf. artigo 6.º da Lei de 1 de Agosto de 1943.
3 Caduca o direito à prorrogação de todos os arrendamentos para fins agrícolas quando, o proprietário se proponha cultivar o prédio directamente, por si ou por seu cônjuge, ascendentes, descendentes ou irmãos (artigo 11.º do mesmo diploma).

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teriores ao termo do período agrícola do prédio arrendado (artigo 635.º).
É de salientar, neste código, o período mais curto e IV ausência de prorrogações legais.

Em França, o artigo 21 da Ordonnance de 4 de Dezembro de 1944 não admite arrendamentos por prazo inferior a nove anos, excepto se se tratar de arrendamentos de pequenas parcelas de terreno, e não propriamente de explorações agrícolas, podendo, todavia, atribuir-se ao locador o direito de rescindir o contrato no expirar cada período de três anos, para instalar um filho no prédio. Ao fim dos nove anos é conferido ao arrendatário o direito de renovar o arrendamento por outros nove anos.
A doutrina não tem recebido com, aplauso esta orientação, considerada demasiadamente socializante. «Tem o inconveniente, diz-se, de não distinguir entre os bons rendeiros e os medíocres, dando-se-lhes uma posição privilegiada, em prejuízo, muitas vezes, dos mais jovens, que encontrarão dificuldades em encontrar terras para explorar, o que pode acentuar a fuga dos campos» 1.

Na Holanda, a Lei de 12 de Novembro de 1941 estabelece os seguintes períodos mínimos: doze anos para as fazendas agrárias (edifícios e terrenos de cultura) e seis anos para as terras isoladas.
(Também a lei alemã de 25 de Junho de 1952 fixa para os mesmos dois casos dezoito e nove anos 2.

Na Itália não se fixaram prazos mínimos. O artigo 1628.º do Código Civil de 1942 limitou-se a preceituar que, ase as normas corporativas estabelecerem um período mínimo de duração dos contratos, os arrendamentos dos prédios rústicos estipulados por um prazo inferior consideram-se celebrados por aquele período». Remete, assim, a lei para os acordos económicos e contratos colectivos.
Tem para nós este regime o seguinte interesse: num país em que as condições particulares de cada região variam consideràvelmente, procurou evitar-se uma lei geral, que conduziria necessariamente, em alguns casos, a soluções injustas e economicamente inconvenientes.
É esta a orientação, como se disse acima, do anteprojecto do futuro Código Civil,

19. Vantagens e inconvenientes da fixação de um prazo mínimo. - O movimento legislativo que se assinalou no número anterior, no sentido da fixação de um prazo mínimo, corresponde na doutrina a uma linha de pensamento que no relatório que precede o projecto trazido a esta Câmara se traduziu nos seguintes termos:

Este (o arrendatário), por sua- vez, não tendo garantias de estabilidade na exploração das terras arrendadas, tem a preocupação dominante de reduzir ao mínimo o montante dos capitais a investir na cultura, de modo a tirar delas, no mais curto período, o máximo rendimento, sem se preocupar com o futuro. For isso, do arrendamento a prazos curtos e curtíssimos resulta uma completa paralisação, se não mesmo um retrocesso, na natural e indispensável valorização da terra.
São, na verdade, frequentes os casos em que o arrendatário conduz a exploração em termos de deixar as terras empobrecidas e exigindo apreciável dispêndio de tempo e dinheiro para regressarem ao anterior nível de produtividade.
Com outras palavras, numa exposição adicional enviada a esta Câmara pelo Secretário de Estado da Agricultura, consideram-se também «evidentes as vantagens do prazo mínimo para o proprietário e para o rendeiro, porque a estabilidade é preferível à insegurança, para a produção agrícola, porque a continuidade é mais eficaz do que a aventura, e para os direitos e obrigações dos contratantes, que terão assim possibilidade de melhor serem conhecidos e respeitados».
Em resumo: o arrendatário, com a garantia do prazo mínimo, empregará com mais facilidade capitais e esforços na empresa agrícola e usará métodos de cultura mais eficientes, sem o receio de ser privado do produto do seu trabalho ou do seu dinheiro e sem a preocupação de tirar apressadamente das terras, esgotando-as, o máximo da sua produtividade. Com os prazos longos desenvolve-se a mecanização e introduzem-se benfeitorias, arroteando-se terras incultas, plantando-se árvores, pesquisando-se águas, fazendo-se vedações e drenagens, etc.
Estas vantagens são, em si, crê esta Câmara, indiscutíveis. Não podem, verdadeiramente, ser negadas.
Mas serão inteiramente concludentes? Não representarão mais a observação unilateral do problema sem se apreciarem outras razões de ordem social susceptíveis de transformar aquelas pretensas vantagens em inconvenientes graves, ou então não se observará o problema apenas em relação ao que se passa em certas regiões do País, descurando a situação de outras ?
Já se conhecem as cautelas tomadas pelo legislador italiano e pelo autor do nosso anteprojecto do futuro Código Civil.
Também na publicação da Secretaria de Estado da Agricultura a que acima se fez referência 1 se manifestou claramente o propósito de não aplicar o novo regime nas províncias do Norte, ou seja hás províncias de propriedade muito dividida e das pequenas explorações familiares, onde é vulgar o regime misto de arrendamento e parceria, onde o rendeiro é substituído pelo caseiro de terras.
Em sentido paralelo se pronuncia também a Federação dos Grémios da Lavoura da Beira Alta 2 ao propor que o prazo mínimo seja apenas aplicado aos contratos anuais de renda superior a 6000$.
E era também esta a orientação do nosso direito anterior ao período liberal. Não se admitiam regimes especiais em utilidade da agricultura senão em favor da numerosa classe dos colonos do Alentejo 3.
Estes, em face dos alvarás de 21 de Maio de 1764, de 20 de Junho de 1774 e de 27 de Novembro de 1804, gozavam, quanto a prazos e quanto à sua estabilidade, de regalias maiores dos que as constantes do projecto.
Eram elas:

I) Os colonos não podem ser despedidos a arbítrio do senhorio; excepto:
1.º Por não pagarem as rendas;
2.º Por deixarem arruinar os edifícios ou destruir os arvoredos;
3.º Por deixarem as herdades de cavalaria (alvarás de 21 de Maio de 1764 e 20 de Junho de 1774);

1 Planiol et Bipert, Traitê, 2.ª ed., vol. x, p. 465.
2 Podem ainda citar-se os seguintes países que fixaram prazos para os arrendamentos agrícolas: Dinamarca, oito anos; Uruguai, Argentina, Suécia e Haiti, cinco anos; Egipto e Suíça, três anos.

1 «A importância do problema agrícola para o País».
2 Exposição enviada no relator deste parecer.
3 Vide Coelho da Rocha, Direito Civil, § 847.º

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4.º Por não terem feito as benfeitorias que a herdade admite (alvará de 27 de Novembro de 1804, §2.º);
5.º Se o senhorio quer ir viver nelas e cultivá-las por sua conta (idem, § 4.º).
II) Têm direito a ser restituídos se o senhorio, tendo-os despedido com o fundamento de a cultivar por sua conta, depois as deixa de. cavalaria- ou arrenda a outro (alvarás de 29 de Junho, § 2.º, e de 27 de Novembro, § 4.º);
III) O colono que arrenda mais tetras do que pode cultivar para as sublocar ou deixar incultas pode ser despedido e castigado com prisão (alvará citado, § 6.º);
IV) Se a renda for pequena, pode aumentar-se por arbítrio de louvados, mas só de nove em nove anos(citado alvará de 28 de Novembro, § 3.º 1.

Em circunstâncias normais, portanto, os colonos do Alentejo tinham assegurada a sua estabilidade nas terras, e só podiam ser delas despedidos se o senhorio as quisesse cultivar por couta própria, e só de nove em nove anos podia ser aumentada a renda por decisão de louvados.
Nunca esta legislação excepcional foi aplicada nas regiões de pequena propriedade.
Contra, porem, a tese que parece a esta Câmara ter sido seguida pela Secretaria de Estado da Agricultura na citada publicação, agora a mesma. Secretaria de Estado, na exposição enviada em resposta à exposição da Federação dos Grémios da Lavoura da Beira Alta, escreve:

Mas afinal não serão os pequenos arrendatários os que mais precisam de continuidade? Ou será que se pretende chegar a essa continuidade pela benevolência dos proprietários?
Decididamente, não se compreende que os pequenos rendeiros sejam subtraídos aos direitos e às garantias de uma legislação do arrendamento rústico.

Sem menosprezar o valor indiscutível das razões que, em princípio, justificam o prazo longo dos arrendamentos, julga a Câmara Corporativa que há nesta passagem não decididamente um erro, mas uma visão bastante deformada das realidades.
Em utilidade da agricultura, como diziam os antigos textos, e em utilidade do próprio agricultor, dirá esta Câmara, não deve confundir-se o pequeno com o grande arrendatário, pela mesma razão por que não deve confundir-se o empresário familiar com o empresário patronal ou capitalista.
Naquilo que verdadeiramente interessa - obter vantagens de ordem económica pelo emprego de métodos mais eficientes de exploração da terra -, nem o pequeno arrendatário nem a economia colherão benefícios apreciáveis. For longo que fosse o prazo de arrendamento - e o de seis anos é um gota de água -, os pequenos rendeiros não arrotearão terras incultas, não plantarão árvores que não lhes sejam fornecidas pelos senhorios, não pesquisarão águas, não farão vedações ou drenagens, não mecanizarão a agricultura, pela simples razão de que os pequenos arrendatários não têm capitais para isso, nem recorrerão facilmente ao crédito por melhores que sejam as condições oferecidas. O seu instinto, produto de uma cultura multissecular, ensina-lhes que as terras não são suas ...
Mas estes factos não se limitam a restringir as vantagens para a agricultura resultantes dos longos prazos. Há que atender cautelosamente, também, para a posição do proprietário, preso a um contrato ad longum tempus. Que incentivo terá para beneficiar ele o prédio? A sim, pies expectativa de um aumento proporcional da renda (cf. base XI do projecto), obtido por acordo ou pelo recurso à Comissão Arbitrai de Arrendamentos Rústicos, crê a Câmara Corporativa que não será suficiente para o lançar no empreendimento. As terras constituem tradicionalmente um mau emprego de capital. O que é preciso, portanto, é chamar o .dono à terra, e não afastá-lo. O absentismo puro quase não existe na pequena propriedade. É conveniente que se não fomente com medida» aparentemente justas, mas que podem ser, no fundo e em muitos casos, profundamente inconvenientes.
Isto no que respeita aos interesses da agricultura. Há, porém, uma palavra a dizer ainda, como se anunciou, pelo que respeita aos interesses do arrendatário neste caso particular da pequena propriedade, ou, melhor, em relação às empresas familiares.
Segundo o projecto, o prazo mínimo de seis anos não é uma faculdade concedida ao rendeiro; é uma obrigação imposta a ambos os contraentes. E nada há a dizer da solução quando se trate de empresas patronais. O proprietário também deve ter o direito de, por longo prazo, não curar de escolher um novo arrendatário e de não suportar os inevitáveis prejuízos e incómodos das mudanças. A situação é paralela à da colocação de capitais a juros, e nunca se duvidou de que os prazos convencionados o são tanto em benefício do devedor como do credor 1.
Atenda-se para o caso particular das empresas familiares.
Nestas é com os braços da família que o caseiro conta para o amanho das terras. Mas a família modifica-se. Há a mulher -braço imprescindível de uma empresa familiar agrícola- que morre, há filhos que nascem, filhos que se casam e querem fazer terras por sua conta, genros ou noras que vêm juntar-se ao agregado familiar, etc. Tudo são circunstâncias que obrigam, quantas vezes, o rendeiro a abandonar a terra que já não pode cultivar ou a procurar novas explorações, maiores ou mais pequenas, roas que se adaptem às suas possibilidades.
Estabelecido imperativamente um prazo de seis anos para o arrendamento, os pequenos agricultores, sem capitais para pagarem aos senhorios as indemnizações pela falta de cumprimento do montra/to, ver-se-ão obrigatoriamente vinculados a uma terra que já não podem cultivar em boas condições.
Esperar, com sacrifício, pelo termo do prazo?
Mas como todos os rendeiros estão na mesma situação, só por mera coincidência encontrarão, findo o prazo j explorações convenientes e disponíveis. E o sacrifício, na maioria dos casos, terá de continua. Não se ficará desta forma muito longe da velha servidão da gleba da época feudal 2!
No n.º 2 da base III do projecto estabelece-se que o prazo de duração dos contratos poderá ser reduzido por despacho do Secretário de Estado da Agricultura, sob proposta da Junta de Colonização Interna.
É-se tentado, ao ler esta disposição, a supor que foram estes ou outros casos, igualmente atendíveis, os que se pretenderam visar.

1 Coelho da Rocha, loc. cit.

1 Cf. artigo 1641.º do Código Civil.
2 Em França, a Ordonnance de 4 de Dezembro do 1944 prevê (artigo 24.º), em certa medida, estes casos. O arrendatário podo pedir a resolução do contrato no caso de morte de uma pessoa de família indispensável à exploração, equiparando-se a morte qualquer incapacidade grave e permanente; esta pode dizer respeito ao arrendatário. O direito de resolução é atribuído ainda se o Arrendatário adquire um prédio que quer explorar directamente.

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Parece, porém, que não é, verdadeiramente, esse o objectivo do preceito, pois se diz no relatório enviado pela Secretaria de Estado, a que se tem feito referência, «que a duração de seis anos não é uma regra rígida, pois se admite a possibilidade de os contratos vigorarem por um prazo menor se os. condicionalismos regionais aconselharem semelhante providência».
E mais adiante acrescenta-se:- «E as criticas resultam, afinal, do receio da Federação na acção dos órgãos estaduais, tanto na- resolução dos pedidos de redução dos contratos (em que labora num, erro ao supor que são da iniciativa dos particulares) ...».
Trata-se, portanto, de uma intervenção de carácter objectivo, por meio de normas gerais e abstractas (embora fixadas em despacho !), e não de uma intervenção destinada a resolver casos concretos, que continuarão, pelo visto, sem solução 1.
Daquelas observações ao regime dos arrendamentos familiares pode aproximar-se a crítica da doutrina francesa, a que atrás aludimos. A estabilidade dos arrendamentos pode afastar, por um lado, novas candidaturas às actividades agrícolas, fomentando a fuga para as cidades; por outro lado, é injusta a concessão do privilégio da continuidade enquanto se não puder distinguir entre o bom rendeiro e o medíocre 2.
Dir-se-á:
Nos termos da base XXI do projecto, o senhorio poderá promover a rescisão do contrato se «a exploração agrícola tiver sido conduzida em termos de prejudicar a produtividade das terras arrendadas», ou «se o arrendatário não tiver velado pela conservação do solo e dos bens cuja exploração lhe foi confiada».
Parece, assim, que cessa a protecção do prazo em relação aos rendeiros inconvenientes. Todavia, não é verdadeiramente assim. Entre os maus agricultores, aos quais se podia aplicar a doutrina daquela base, e os bons há a longa teoria dos medíocres, cujos actos de insuficiente administração rural escapam, pela sua própria natureza, à observação dos tribunais e ao seu julgamento. Parece claro que os meios facultados pela base XXI só terão viabilidade em casos flagrantes e clamorosos.

Ao lado das críticas a que se vem iludindo, e que mais especialmente atingem os arrendamentos familiares, outras- têm sido apresentadas pelos autores ou chegado a esta Câmara, ou ao relator deste parecer, através de inúmeras representações.
Importa fazer às mais importantes a devida referência.
Diz-se, por exemplo: os benefícios de ordem económica apresentados ficarão necessariamente limitados

1 Adiante se apreciará o preceito nos seus dois sentidos possíveis.
2 São dignas de nota estas palavras de Ourliac e Juglart dirigidas a toda a lei que vise estabilizar exageradamente os arrendamentos :
«Enfin, une autre critique peut être faite; la loi veut stabiliser lês situations acquises, perpétuer les fermiers sur les fonds qu'ils cultivent; elle concede un privilège à ceux qui sont en place, aux beati possidentes. Mais ce privilëge peut oller à la routine et à la vieillesso; ce faisant, on écarte délibérément les jeunes ménages qui voudraient s'établir et qui, trouvant toutes les terres occupées, n'auront de recours que d'aller à la ville. On prefere la stabilité au mouvement, le conservantisme à l'esprit d'entreprise. Le symptôme, a-t-on dit, est grave, car il a la marque d´une économie vieillie, d'une société qui se sclérose et vá vers sa décadence. On ressuscite le jus perpetuam et le regime de socialismo d'état du Bas-Empire romain; ce faisant, on va même contre le désir des fermiers. Les fermiers d'aujour-d'hui désirent être les propriétaires de demain. Ils seront décus s'ils ne trouvent au termo de leurs efforts «gu'une propriété mutilées, amputée de beacoup de ses avantages, amputée même de ses droits essentiels». Ici encore l'avenir jugera» (ob. cit., p. 70).

aos primeiros anos de vigência do contrato ou da sua renovação. Aproximando-se o fim. do prazo; volta-se à situação actual, à tendência para esgotar a terra, tirar dela todos os benefícios imediatos, em prejuízo da sua produtividade futura. Já não interessam as benfeitorias e os melhoramentos.
É uma consideração procedente. Não se negam os benefícios ao prazo mínimo; mas limitam-se acentuadamente esses benefícios, sobretudo se não se tomarem medidas quanto à renovação dos contratos.

Diz-se ainda: as rendas, com o decurso do tempo, e consequente variação do valor, quer dos géneros, quer do dinheiro, tornam-se instáveis e podem resultar daí prejuízos para qualquer dos contratantes, senhorios ou arrendatários.
No projecto procura-se garantir a estabilidade da renda, fixando-a obrigatoriamente em géneros. Com este ou outro sistema de maior liberdade contratual, não se vê que dentro do prazo relativamente curto de seis anos possam resultar prejuízos apreciáveis para qualquer das partes.

Diz-se mais: os prazos longos interessam quando voluntariamente aceites, e não quando impostos. De resto, é vulgar o rendeiro manter-se nas terras durante muitos- anos e até durante gerações.
Não parece bem visto o problema. Não é somente o facto da continuidade que interessa. Interessa sobretudo estar assegurada essa continuidade, para que o rendeiro possa com confiança dedicar-se à exploração da terra.

Também não pode atribuir-se grande importância à razão de que o proprietário, em face de prazos longos, exigirá rendas mais elevadas. O facto pode não ser exacto. Não há, pelo menos, motivos para o considerar exacto, a não ser que se suponha, desde, logo, que os prazos mais longos vão influir favoravelmente na produção. Mas, se é este o fundamento real, nada há que objectar. Beneficia-se a economia em geral, beneficia-se o senhorio e beneficia-se o arrendatário. Não pode desejar-se outra coisa.

20. Solução preferível nas explorações de índole patronal. -Expostas as principais razões com que se têm defendido os prazos mínimos e exposta a crítica a que podem estar sujeitos, delas poderá extrair-se uma lição: a de que não deve, em princípio, recear-se a fixação de um prazo obrigatório para ambas as partes nas explorações de carácter patronal ou capitalista. As objecções,- as grandes objecções- apresentadas, visam apenas as explorações de índole familiar.
Quanto a estas, efectivamente, o problema é mais grave, e as críticas expostas são muito sérias; mas não é esta a altura de a Câmara Corporativa se pronunciar sobre elas.
Porquê?
Os arrendamentos familiares devem constituir, como constituem em Itália e em Espanha, aqui a título transitório x, um tipo especial de arrendamento agrícola, sujeito a medidas especiais de protecção para os famílias empresárias.
No projecto, com o nome infelicíssimo de arrendamentos familiares protegidos, importado de Espanha, cria-se, à sombra aparente das leis daqueles dois países, uma figura nova, juridicamente incompreensível, socialmente inconveniente e constitucionalmente

1 Vide o preâmbulo da lei de 15 de Julho do 1954.

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impossível - um direito real de gozo subtraído ao proprietário, em benefício do rendeiro -, a que a Câmara Corporativa não pode dar o seu apoio.
Mas a Câmara aplaude, como adiante se dirá, a criação de um regime especial proteccionista de todos os arrendamentos familiares, tal como se fez em Itália e transitoriamente em Espanha, e não apenas daqueles que sejam, considerados dignos de especial protecção por portaria do Secretário de Estado da Agricultura.
Será, pois, ao fixar-se esse regime que a Câmara se pronunciará acerca dos prazos respectivos, aceitando apenas, por agora, o princípio geral, aplicável aos arrendamentos não familiares, do prazo mínimo de seis anos proposto pelo Governo.
Há um certo sentimento de que o prazo é curto em relação à grande propriedade, e talvez o prazo de nave anos previsto nas leis do século XVIII para as alterações da renda fosse preferível. Mas como se trata de uma lei nova, a promulgar depois de mais de um século de liberalismo económico, é prudente uma certa reserva.

21. Intervenção do Secretário de Estado- da Agricultura na redução dos prazos. - Já se disse que esta intervenção podia ser interpretada em dois sentidos: intervenção, como julgador em face de um conflito entre o proprietário é o arrendatário, ou intervenção como legislador, fixando regras especiais para determinadas regiões ou regras especiais para casos abstractamente designados.
A Câmara Corporativa uno concorda com nenhuma destas soluções, sendo, de resto, de reconhecer que, sobretudo a primeira, deve considerar-se constitucionalmente inviável. A actividade judicial pertence exclusivamente aos tribunais, e não ao Governo. O artigo 116.º da Constituição dispõe, na verdade, que a função judicial é exercida pelos tribunais ordinários e especiais. E não há dúvida de que se estaria em face de um acto de natureza jurisdicional, em que o Secretário de Estado, como juiz, interviria para dirimir conflitos de interesses entre senhorios e arrendatários, depois de a Junta de Colonização Interna, como tribunal, ter organizado o respectivo processo, ouvido as testemunhas oferecidas por ambas as partes e providenciado acerca dos- demais termos. Quanto à segunda, é de salientar também que a fixação por via de regulamentos delegados de normas de carácter substancialmente legislativo não é de constitucionalidade incontroversa.
A questão não tem, porém, o interesse que poderia ter no sistema projectado na proposta governamental. Desde que se crie para o arrendamento familiar uni regime próprio, com princípios gerais e abstractos, a intervenção do Secretário de Estado da Agricultura torna-se dispensável em qualquer caso.
Mais equilibrada do que a solução do projecto seria a sugerida pela Federação dos Grémios da Lavoura da Beira Alta: entregar a resolução dos casos particulares às comissões arbitrais a criar pelo mesmo diploma.
Esta solução teria, no entanto, um outro gravíssimo inconveniente: o de, na falta de normas gerais que indicassem rigorosamente os casos em que era possível reduzir o prazo do arrendamento, se cair no puro arbítrio, variável de terra para terra, de comissão para comissão, e na perigosíssima incerteza do direito. Antes normas injustas, mas certas, do que a incerteza quanto à lei em que se vive.

22. Renovação dos contratos. - Não são suficientemente explícitas as disposições do projecto quanto à renovação do contrato. Apenas se lhe referem, incidentalmente, a base XVIII e o n.º 2 da base XXI. No relatório fala-se em prorrogação, admitindo-se (n.º 6) que os contraentes estipulem prazo inferior a seis anos, o que, aliás, se não encontra expresso no texto.
De uma maneira geral, os problemas que devem ser explicitamente resolvidos são estes:

a) Findos os seis anos, poderá voluntariamente prorrogar-se o arrendamento por qualquer prazo, ou só por outros seis anos?
b) Qual o prazo de renovação tácita?

É apenas seguro, embora também o texto o não diga, que não é obrigatória a renovação. Nesta parte afastou-se o projecto de alguns dos seus modelos estrangeiros. E parece que bem. Só como medida dê carácter transitório, em épocas de crise, ou também com limitação de prazos, para não se cair na perpetuidade do contrato, se compreenderia, de alguma maneira, a renovação obrigatória.
Mas quanto aos outros dois problemas?
No n.º 6 citado do relatório admite-se claramente uma prorrogação por prazo inferior a seis amos, ao dizer-se: «a duração do contrato e a sua prorrogação podem ser reguladas pelos contraentes desde que não estipulem, para o período inicial, duração inferior a seis anos» 1.
Não considera a Câmara Corporativa conveniente a solução sugerida, e parece-lhe que ela está em contradição com os princípios informadores da reforma, embora esteja em harmonia com as soluções do direito actual. E que, decorridos os primeiros seis anos, voltar-se-ia, pura e simplesmente, ao regime anterior, o que significaria que todos os benefícios da estabilidade desapareceriam em curto espaço de tempo. Não se pretenderá, certamente, assegurar esses benefícios apenas aos rendeiros que entram de novo e se descurem os interesses dos que há mais de seis anos exploram a terra. Nas regiões do País onde há, de facto, uma grande estabilidade de caseiros, como no Norte, os benefícios para a economia nacional praticamente desapareceriam.
Somente parece de admitir, numa solução, em alguma medida paralela à actual e a algumas leis estrangeiras, que a prorrogação tenha um prazo inferior ao inicial. Propõe-se o de três anos como prazo mínimo de renovação expressa e como prazo de renovação tácita 2.

As leis têm também resolvido diferentemente um outro problema: qual a maneira de evitar a renovação tácita? Hoje essa matéria está regulada no Código de Processo Civil, ao qual se deverá fazer referência.

Em harmonia com o exposto, é de parecer a Câmara Corporativa que deve incluir-se no projecto uma base - a III - redigida nos seguintes termos:

BASE III

1. Os arrendamentos rurais não podem ser celebrados por menos de seis anos. Se for estabelecido prazo mais curto, valerão por aquele prazo.

1 É possível que haja influência do direito vigente em Portugal, expresso no artigo 30.º do Decreto n.º 5411. Qualquer que seja o prazo do arrendamento, a renovação será nos prédios rústicos por um ano. Cf. artigo 1618.º do Código Civil.
2 No Código Grego, embora se prescreva o prazo mínimo de quatro anos para os arrendamentos de bens produtivos, entendem-se os contratos renovados apenas por um ano (artigo 683.º). Também a lei belga de 7 de Marco de 1929 admite prorrogações por prazos inferiores ao inicial (nove anos), ao posso que na França a renovação é imperativa e sempre por nove anos. Em

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2. Findo o prazo referido no número anterior, ou o convencionado, se for superior, presume-se renovado o contrato por mais três anos, e assim sucessivamente, se o arrendatário se não tiver despedido ou o senhorio o não despedir, no tempo e pela forma designados no Código de Processo Civil.
3. A renovação contratual nunca poderá ser feita por prazo inferior a três anos.

23. Limite máximo do prazo. - O anteprojecto do futuro Código Civil veio suprir uma lacuna grave do nosso direito, estabelecendo prazos máximos para o contrato de arrendamento. A lacuna é grave porque, sem limites máximos, suo possíveis fraudes juridicamente inatacáveis. Não pode, por exemplo, um pai vender bens a filhos sem consentimento dos outros filhos. Como impedir, porém, que se faça um arrendamento, por prazo tão longo que se dissimule uma efectiva venda P
Num inquérito recente feito pela Direcção-Geral dos Registos e do Notariado, para servir de base ao estudo da regulamentação dos direitos reais no novo Código Civil, verificou-se que no concelho de Alpiarça tinham sido celebrados em 1945, um arrendamento por 452 anos, em 1950, um por 500 anos, em 1952, um por 450 anos, e em 1954, um por 1000 anos 1 !
As soluções do anteprojecto (artigos 7.º e 71.º) são as constantes da seguinte base, que se sugere:

BASE IV

1. Os arrendamentos não podem celebrar-se por mais de 30 anos; quando estipulados por tempo superior, ou como contratos perpétuos, são reduzidos àquele prazo.
2. Exceptuam-se os arrendamentos para fins silvícolas, os quais podem ser celebrados pelo prazo máximo de 99 anos. Se forem convencionados prazos superiores, serão reduzidos àquele limite.

Estas soluções são também as do Código Italiano de 1942 (artigos 1573.º e 1629.º). Em França invocando-se o decreto de 18-29 de Setembro de 1790, a doutrina e a jurisprudência admitem o limite máximo de 99 anos. Também pelas nossas Ordenações (liv. 3, tít. 47, pr., e tít. 48, § 8.º), os arrendamentos de bens de raiz feitos por mais de 10 anos importavam alienação do domínio útil 2.
Ultimamente tem sido discutida a questão de saber quais as consequências que devem resultar da estipulação de um prazo superior ao fixado na lei. Poderia defender-se a sanção da nulidade como juridicamente n mais lógica 3. Seria, porém, uma pena demasiadamente grave e em desarmonia com o que se estabelece para a violação dos prazos mínimos, e, aí, inevitavelmente, para não fazer recair a sanção sobre o arrendatário. Melhor parece, pois, a solução de reduzir o prazo ao seu limite máximo.

Espanha tem-se admitido renovações por prazos inferiores aos iniciais.
No anteprojecto do Prof. Galvão Teles entendem-se prorrogados os contratos pelo prazo por que tenham sido celebrados, mas a prorrogação será apenas por um ano se esse prazo for mais longo (artigo 56.º, § 3.º).

1 Boletim do Ministério da Justiça n.º 59, p. 273.
2 O alvará de 8 de Novembro de 1757 veio, posteriormente, atribuir a esses contratos a natureza de arrendamentos revogáveis ao fim do prazo estipulado (vide Coelho da Rocha, ob. cit., § 839.º).
3 É a solução dominante na jurisprudência francesa. Baseiam-se as decisões dos tribunais no facto de se tratar da violação de uma norma de interesse e ordem pública. (Cf. o artigo 10.º do Código Civil Português).

A excepção relativa aos terrenos destinados a fins silvícolas justifica-se por si. Trata-se de uma cultura a longo prazo 1.

§4.º

Caducidade

24. Razão de ordem. - A matéria da caducidade do arrendamento referem-se as bases III, ma sua alusão ao artigo 1601.º do Código Civil, IX e X do projecto. A primeira diz respeito aos arrendamentos feitos pelo administrador de bens dotais, usufrutuários e fiduciários; os outros prevêem os casos de expropriação, de morte do senhorio ou do arrendatário e de arrendamento de bens dos menores. São estes os problemas que seguidamente vão ser versados.

25. Arrendamentos feitos pelo usufrutuário, pelo fiduciário e, de uma maneira geral, pelos administradores de bens alheios. - A referência feita na base III ao artigo 1601.º do Código Civil é, como já se disse, incorrecta. Este artigo foi substituído, quer quanto aos arrendamentos urbanos, quer quanto aos rústicos, pelo artigo 9.º do Decreto n.º 5411, de 17 de Abril de 1919.
Este deveria ser, portanto, o artigo citado, e não um artigo revogado do Código Civil.
O problema da caducidade foi largamente estudado nesta Câmara a propósito dos arrendamentos urbanos. Em consequência desse estudo 2 foram sugeridas duas bases, que constituem hoje, com ligeiras alterações de forma, os artigos 41.º da Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948. Convirá, portanto, antes de tudo, verificar se se justificam para os arrendamentos agrícolas as mesmas soluções, e, se tal acontece, são aqueles, e não já o artigo 9.º do Decreto n.º 5411, que devem citar-se.
Preceituam os dois artigos:

Artigo 41.º

1. O proprietário de prédio dado de arrendamento pelo usufrutuário pode, findo o usufruto, obter o despejo com fundamento na resolução do contrato.
2. A extinção do usufruto, por motivo de renúncia do usufrutuário ou por confusão do usufruto com a propriedade, não produz a resolução do contracto.

Artigo 42.º

1. O disposto no artigo anterior é aplicável a todos os casos em que o prédio tenha sido dado de arrendamento por administradores legais de bens alheios ou pelo fiduciário.
2. Exceptua-se os arrendamentos feitos pelo cônjuge, administrador dos bens do casal, salvo tratando-se de bens dotais. Neste caso, a dissolução do casamento ou a separação de pessoas é bens importa sempre resolução do arrendamento, mesmo que a mulher tenha outorgado no contrato ou dado o seu consentimento.

O primeiro caso previsto é o do usufruto. Em todas as disposições citadas (Código Civil, Decreto n.º 5411 e Lei n.º 2030) se admite, em princípio, a caducidade

1 No Código Italiano de 1865, que teve por fonte o Código Sardo (artigos 1718.º e 1720.º), a excepção dizia respeito a todas as terras incultas quando se impusesse ao arrendatário a obrigação de os cultivar. Procurava-se (no Código Sardo) criar uma figura que substituísse a enfiteuse, então abolida. O problema não se põe, pois, entre nós.
2 Parecer citado.

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do arrendamento pela extinção daquele direito. Apenas na Lei n.º 2030, por sugestão desta Câmara, se exceptuam os casos de renúncia e de confusão do usufruto com a propriedade.
Nem a regra nem as excepções parecem dever afastar-se nos arrendamentos rústicos.
Quanto à regra, escreveu-se no citado parecer:

É esta, num ponto de vista jurídico e lógico, a melhor doutrina. A figura do usufruto é ainda, no nosso direito, não obstante se afastar já muito da sua tradição romanista de mera pensão alimentar, a de um jus in ré aliena. O usufrutuário não goza senão temporariamente do uso e da fruição da coisa. Pode, nestas condições, arrendar o prédio, percebendo os respectivos frutos civis; mas o que não se concebe é que possa, sem lhe atribuir também o abusus, que modificaria estruturalmente tal figura jurídica, constituir sobre a coisa encargos, ónus ou simples direitos que ultrapassem no tempo os limites daquelas faculdades. Não está, neste caso, preponderantemente em causa o regime do arrendamento, mas o próprio usufruto, que é preciso guardar na sua pureza para que possa continuar a desempenhar a função social a que se destina 1.

Quanto às excepções, elas também foram justificadas nos seguintes termos, inteiramente aplicáveis aos arrendamentos rústicos:

Outra dúvida diz respeito à caducidade ou não caducidade do arrendamento se o usufruto se extinguir por confusão entre as posições de usufrutuário e de proprietário. A circunstância de ser neste caso feito o arrendamento pela pessoa que vem a ser investida na propriedade do prédio e a analogia com o que se dispõe no § único do artigo 1555.º do Código Civil podem conduzir a uma solução que tem sido já sancionada pela jurisprudência: a de não considerar caduco o arrendamento pela verificação do facto que deveria extinguir o usufruto se não estivesse já extinto por confusão. Quer dizer: o titular do usufruto e senhorio, por passar, em certo momento, a ser também proprietário, ficaria sujeito para sempre à renovação imposta pelo arrendatário. Não parece ser esta a solução mais aceitável. Tem, ou pode ter, todos os inconvenientes que normalmente resultam da aplicação retroactiva de uma lei. O contrato é feito pelo usufrutuário (que ainda não é proprietário) com um certo ânimo, com. a ideia em certo regime - neste caso com a convicção da caducidade do arrendamento pelo termo do usufruto -, e essa convicção, muitas vezes determinante do contrato, deve respeitar-se. Também o problema da renúncia tem sido levado aos tribunais. Agora a questão põe-se inversamente. Enquanto o usufruto só se extingue normalmente pelo termo do prazo ou pela morte do usufrutuário, a renúncia deste pode atingir a justa expectativa do arrendatário e, mais do que isso, pode transformar-se essa renúncia num processo fraudulento de obter o despejo antes do termo normal do usufruto. For isso, parece de aceitar a doutrina do § único do artigo 9.º do projecto Pinto Loureiro, que preceitua: «A extinção do usufruto ou do fideicomisso em consequência da renúncia do respectivo titular não produz resolução do contrato».

O segundo caso previsto é o do fiduciário, também referido em todos os textos citados. Deste não pode também duvidar-se. Escreve-se no citado parecer:

Há, mais uma vez, que procurar soluções que não contrariem a estrutura de outros institutos; deixar-se-ia de respeitar a vontade testamentária se ao fiduciário fosse permitido criar encargos futuros sobre os bens. É que não se transmitiriam afinal ao fideicomissário os bens recebidos, mas alguma coisa diferente; em vez de um prédio, ele receberia uma renda, alterando-se a vontade do próprio testador.

Temos, por último, os arrendamentos feitos por administradores legais de bens alheios. A estes, na sua generalidade, não se refere o artigo 1601.º do Código Civil, nem o artigo 9.º do Decreto n.º 5411. Hás já se refere a eles o artigo 42.º da Lei n.º 2030, proposto por esta Câmara e sugerido pelo autor do referido projecto 1.
A justificação foi feita nos seguintes termos, que tanto podem dizer respeito aos arrendamentos urbanos como rústicos:

A posição de um administrador não difere, no aspecto que interessa, da do usufrutuário. E certo que o administrador não percebe os rendimentos em proveito próprio, pois age em nome e por conta do proprietário, o que não acontece com o usufrutuário, que age em seu nome próprio e por conta própria. É, porém, de atender à natureza à muito especial que o arrendamento reveste desde 1919. Só formalmente se pode continuar a afirmar que se trata de um acto de mera administração, atribuindo-se-lhe a plenitude dos seus. efeitos actuais, porque a realidade; dada a renovação imposta ao senhorio, é muito diferente, e é sobre a realidade que o legislador, tem de assentar as suas soluções, se não quiser, perigosamente, desvirtuar o sentido de outros institutos.

A referência à legislação de 1919 deve substituir-se, neste caso dos arrendamentos rústicos, pela referência às novas exigências quanto a prazos.
O n.º 2 do artigo 42.º da Lei n.º 2030 exceptua os arrendamentos feitos pelos cônjuges administradores dos. bens do casal, salvo tratando-se de bens dotais. Na sua primeira parte aceitou aquela lei e ampliou a doutrina ao artigo 10.º do Decrete n.º 5411 2; quanto à excepção, consagrou a solução admitida desde o Código Civil.
Um e outro princípio estão justificados no mesmo parecer, nos seguintes termos:

Entende a Câmara Corporativa que essa natureza (muito especial da administração do património dos cônjuges) justifica um desvio à doutrina do § 2.º, mantendo-se o estado jurídico actual e reconhecendo-se, por consequência, os arrendamentos mesmo para além do termo definitivo da

1 Em Espanha o artigo 9.º, n.º 4, do Regulamento de 29 de Abril de 1959 também determina expressamente, como já o fazia o artigo 9.º da Lei de 15 de Março de 19S5, a caducidade do arrendamento, subsistindo apenas durante o ano agrícola.

1 Projecto apresentado pelo Deputado Si Carneiro, artigo 3.º, § 2.º, no Diário das Sessões n.º 68, de 24 de Dezembro de 1946.

2 «Artigo 10.º O cônjuge administrador dos bem do casal pode, sem outorga do outro cônjuge, dar ou tomar bens de arrendamento quando este não seja sujeito a registo».

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administração de um dos cônjuges, pela dissolução do casamento ou separação. O arrendamento eito, pois, pelo cônjuge administrador deve corresponder, para todos- os efeitos legais, ao arrendamento feito pelo próprio proprietário. Assim o impõe a necessária unidade familiar.

Quanto aos arrendamentos de bens dotais, escreve-se no mesmo parecer:

O facto de o prédio arrendado ser dotal traz aspectos novos à questão. É que, mesmo quando feito o arrendamento pelo marido com outorga da mulher, ou até pela mulher com consentimento do marido, ou só, quando administradora, pode duvidar-se, dado o regime particular deste contrato
e a disposição do artigo 1156.º do Código Civil 1,, se o arrendamento deve ou não caducar. Não é, portanto, a circunstância de ser feito o arrendamento pelo marido sem outorga da mulher que interessa a este caso; é o facto de os bens serem dotais e impor aquele artigo que, dissolvido o matrimónio ou havendo separação, seja o dote restituído livre de quaisquer encargos ou ónus reais. Julga a Câmara Corporativa que é preferível neste caso manter a doutrina vigente, ou seja a da caducidade. Este artigo 1156, pela sua letra, apenas se reportará aos arrendamentos sujeitos a registo, únicos considerados ónus reais 3, mas está já no espírito do artigo 9.º do Decreto n.º 5411 a ideia da caducidade do vínculo contratual em qualquer hipótese. As razões em que a Câmara Corporativa se funda são ainda as já invocadas na análise de outros problemas. É que não deve o regime do contrato de arrendamento afectar a índole e o fundamento de outros institutos ou de outros negócios jurídicos, e afectar-se-iam, sem dúvida, a razão de ser do regime dotal e os suas finalidades se fosse dado ao marido onerar, passe o termo, com arrendamentos perpétuos os bens dotais da mulher.

A razão não é tão forte se se encarar apenas o aspecto dos prazos mínimos nos arrendamentos- rústicos. Mas não deixarão de existir, na essência, os mesmos fundamentos.
As transcrições que se fizeram mostram, pois, que, em vez do artigo 1601.º do Código Civil, ou do artigo 9.º do Decreto n.º 5411, que o veio substituir, se devem citar no novo diploma os artigos 41.º e 42.º da Lei n.º 2030.

26. Arrendamentos de bens de menores. - No n.º 3 da base X do projecto admite-se uma excepção aos princípios da caducidade dos arrendamentos feitos por administradores legais de bens alheios. Quanto a bens de menores, diz o referido número, os contratos só caducarão se, atingida a maioridade, os senhorios desejarem explorar os prédios por conta própria.
Segundo o regime actual (artigo 11.º do Decreto n.º 5411), é aplicável a esses arrendamentos o disposto nos artigos 243.º, n.º 6.º, 263.º, 264.º, 265.º e 266.º do Código Civil. Isto quer dizer que os tutores dos menores (ou interditos) só podem arrendar por tempo que não exceda três anos e que os arrendamentos por tempo superior terão de ser feitos em hasta pública 1, com autorização do conselho de família, contanto que o prazo não exceda as épocas da maioridade. A este prazo estão também sujeitos os pais quando exerçam o poder paternal.
A regra é sempre, portanto, a da caducidade dos arrendamentos logo que os menores perfaçam 21 anos de idade.
Justificar-se-á a nova doutrina proposta?
No relatório que precede o projecto não se justifica a inovação. Nas exposições que foram enviadas a esta Câmara há quem discorde, com o fundamento dê que os menores se podem encontrar perante situações «de gritante injustiça» 2, e há quem apenas pretenda uma redacção mais clara, «para não dar a ideia do arrendamento perpétuo 3».
Parece à Câmara Corporativa, pelas razões expostas acerca de outros administradores de bens alheios, que não se justifica uma excepção que deixe os menores inteiramente desprotegidos nas mãos dos seus representantes legais. Resultarão daí alguns inconvenientes? É natural. Mas já se mostrou que os interesses económicos não podem ser sempre atendidos; é preciso cuidar de todos os aspectos idos fenómenos jurídicos e das SUAS repercussões sociais noutros campos 4.

27. Momento em que, deve caducar o arrendamento. - No n.º 2 da base X apenas foi considerada a hipótese da morte do arrendatário, preceituando-se que o «arrendamento caducará no fim do ano cultural que estiver em curso, ou imediatamente, se o senhorio indemnizar os herdeiros do arrendatário nas perdas e danos causadas pela imediata resolução do contrato». O problema deve, porém, ser (tratado com outra generalidade, pois diz respeito a todos os casos de caducidade. Depois se verá se se impõem quaisquer desvios no caso particular da morte do arrendatário.
Em relação aos arrendamentos urbanos a Lei n.º 2030 estabeleceu, no n.º 4 do artigo 43.º, o prazo de um ano, dentro do qual, se não se convencionar voluntariamente a prorrogação, o senhorio pode intentar a acção de despejo fundada na resolução do contrato. No projecto, e quanto à hipótese da morte do arrendatário, considera-se caduco o arrendamento no fim do ano cultural que estiver em curso, ou imediatamente, se o senhorio indemnizar os herdeiros do arrendatário das perdas e danos causados pela imediata resolução do contrato.

A solução da Lei n.º 2030 não se adapta aos arrendamentos rústicos. O despedimento não deve, evidentemente, fazer-se, em regra, no meio de um ano agrícola. Isso não pode convir nem ao proprietário nem ao arrendatário. Parece, assim, justificar-se a primeira parte

1 «Artigo 1156.º Dissolvido o matrimónio, ou havendo separação, será o dote restituído à mulher, ou a seus herdeiros, com quaisquer outros bens que direitamente lhes pertencerem, livres de quaisquer hipotecas ou ónus reais que neles ou nos seus rendimentos tenham sido impostos durante o matrimónio, ficando os bens livres do respectivo ónus dotal só por falecimento de qualquer dos cônjuge».

2 Pelo novo Código do Registo Predial desapareceu a categoria genérica de ónus reais; mas isso não modifica o sentido do argumento.

1 Alterado pelo artigo -1438.º do Código de Processo Civil, que admite, ao lado do arrendamento feito em hasta pública, o arrendamento por negocio particular ou por proposta em carta fechada.
2 Digno Procurador Aníbal Barata Amaral de Morais.
3 Conselho Regional de Agricultura da X Região Agrícola (Santarém).
4 Em Espanha, segundo o artigo 9.º, n.º 5, do Regulamento de 29 de Abril de 1959 (cf. artigo 9.º da Lei de 15 de Marco de 1935), não podem os pais ou tutores arrendar os prédios de seus filhos ou pupilos por prazo que exceda o que lhes falta para chegar, à maioridade, salvo, quanto aos primeiros, se estiverem judicialmente autorizados e, quanto aos segundos, se estiverem autorizados pelo conselho de família.

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da proposta do Governo: caducidade, em princípio, no fim do ano cultural 1.
Mas justificar-se-á a segunda?
O Conselho Regional de Agricultura da X Região Agrícola (Santarém) entende dever limitar-se a faculdade conferida aos senhorios de rescindirem imediatamente o contrato ao caso de os arrendatários não deixarem «descendentes directos». É possível que estivesse no pensamento deste Conselho o coso particular dos arrendamentos familiares, e quanto a esses entende, sem hesitação, a Câmara Corporativa que não deve facultar-se ao senhorio a revogação antes do termo do ano agrícola. Julga mesmo, como adiante se dirá, que a caducidade- pode protelar-se para momento posterior. Quanto às empresas de natureza patronal justifica-se também mal a referida faculdade, que aparece com o aspecto de represália, sem sentido económico ou moral. Acresce que a necessidade da fixação da indemnização, tal como se prescreve no projecto, importa difíceis averiguações, que devem, sempre que possível, evitar-se.
Entende, nestes (termos, a Câmara Corporativa que, por agora, isto é, como princípio aplicável aos casos de caducidade já referidos, deve admitir-se, sem excepção, o da caducidade no fim do ano agrícola. Deixa-se Sara diante á apreciação dos casos particulares da morte o arrendatário e dos arrendamentos familiares. A fixação do momento da caducidade relacionado com o ano agrícola também foi objecto de crítica: «Em grande parte do País, escreve-se, é da maior importância a sementeira de forragens e ervagens, quase sempre praticada bastante antes do fim do ano cultural, e, se é de aceitar, obrigatoriamente, a resolução do contrato antes do seu termo,- nunca o poderá ser em termos tais que provoque uma solução de continuidade à normal exploração agrícola» 2.
Está-se, parece, a pôr em relevo um aspecto que não é especial da caducidade, mas comum a todos os casos em que se verifique a substituição do arrendatário. A atender-se à razão exposta, só deviam admitir-se arrendamentos perpétuos, e mesmo nestes não deixariam de surgir dificuldades ou inconvenientes. Adiante se fará a devida referência aos denominados avanços às culturas.
Em face do exposto, entende a Câmara Corporativa que deve substituir-se a referência ao artigo 1601.º do Código Civil pela seguinte base:

BASE VI

1. São aplicáveis aos arrendamentos rurais os artigos 41.º e 42.º da Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948.
2. Os arrendamentos só se consideram, porém, resolvidos, em qualquer caso, no fim do ano agrícola em curso.
28. Morte do senhorio ou do arrendatário e transmissão da propriedade. -Segundo o disposto no artigo 1619..º do Código Civil e no artigo 34.º do Decreto n.º 5411, que substituiu aquele, «o contrato de arrendamento cuja data for declarada em documento autêntico ou autenticado não se rescinde por morte do senhorio ou do arrendatário, nem por transmissão da propriedade, quer por título universal, quer por título singular», salvo o disposto nos artigos subsequentes (expropriação por utilidade pública ou execução).
Por argumento a contrario parece poder entender-se que os arrendamentos cuja data não conste de documento autêntico ou autenticado se extinguem pela morte de qualquer dos contraentes ou pela transmissão do prédio. Trata-se, todavia, de uma interpretação da lei muito discutível.
Nos códigos mais modernos distinguem-se, em regra, os casos de morte do senhorio ou transmissão da propriedade e de morte do arrendatário.
A morte do senhorio e a transmissão do prédio não importam caducidade na generalidade das legislações 1.
Em caso de morte do rendeiro, diz já o (Código Grego (artigo 632.º), os seus herdeiros têm o direito de denunciar o contrato. O senhorio goza de igual direito «se os herdeiros (do arrendatário) não oferecem garantias de uma exploração conveniente do prédio».
No Código Italiano de 1942 (artigo 1627.º), no caso ainda da morte do arrendatário, atribui-se o direito a qualquer das partes de denunciar o contrato no prazo de três meses, porá terminar no fim do ano agrícola. Em especial quanto aos arrendamentos familiares, o locador pode substituir-se imediatamente aos herdeiros na exploração do prédio (artigo 1650.º).
No direito espanhol distingue-se também entre arrendamentos ordinários e familiares protegidos. Quanto aos primeiros, extingue-se o contrato por morte do arrendatário, salvo no caso de os herdeiros serem o cônjuge, parentes em qualquer grau da linha recta ou até ao segundo grau da linha colateral, os quais podem optar pela rescisão do contrato ou sua continuação (Regulamento de 29 de Abril de 1909, artigo 18.º). Quanto aos segundos, não se extingue o vínculo pela morte do cultivador, considerando-se transmitido ao familiar cooperador indicado pelo de cujus no seu testamento ; na falta de indicação, os familiares cooperadores, no prazo de dois: meses, a contar do falecimento do arrendatário, elegerão por maioria entre eles o que haja de continuar como titular do arrendamento; quando não se faça a eleição naquele prazo, indicará o proprietário entre os familiares cooperadores o sucessor no arrendamento (citado Regulamento, artigo 86.º).
Em França a Ordonnance de 4 de Dezembro de 1944 (artigo 24.º) atribui aos herdeiros do arrendatário, no caso de morte deste, o direito de pedir, nos seis meses seguintes, a rescisão do contrato. O senhorio: só a poderá pedir se o rendeiro não deixar cônjuge, ascendentes ou descendentes com mais de 16 anos que habitem ou cultivem o prédio arrendado 2.
Uma coisa parece razoável à Câmara Corporativa. É que em relação aos arrendamentos familiares podem admitir-se efectivamente desvios à regra da caducidade, atendendo-se a que a entidade arrendatária é, de facto, mais uma entidade colectiva -a família - do que a pessoa do arrendatário.
Quanto aos arrendamentos comuns, os que têm agora de ser apreciados, parece à Câmara Corporativa que, _ de todas as soluções referidas, a preferível é a italiana. É tecnicamente mais perfeito atribuir o direito de renunciar do que considerar ipso jure rescindido o contrato, o que pode não convir a ninguém. A solução

1 Cf. artigos 1627.º, § 2.º, do Código Italiano de 1942, 632.º do Código Grego, 9.º do Regulamento espanhol de 29 de Abril de 1959, e 24.º da Ordornnance francesa de 4 de Dezembro de 1944.

2 Digno Procurador Aníbal de Morais.

1 Vide Código Italiano, artigo 1599.º, e, na Espanha, a Lei de 23 de Julho de 1942 e o Regulamento de 29 de Abril de 1959, artigo 24.a
2 Uma lei de 30 de Agosto de 1947 restringe ainda mais os direitos do senhorio se o arrendatário morreu pela França. Nestes exageros da lei francesa tem a doutrina visto um verdadeiro direito dinástico. Vide Savatier, la nature juridique ... du droit à un bail rural, p. 45, cit. por Ourliac, ob. cit., p. 101.

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grega tem o inconveniente de dar relevância a um facto difícil de observar - estarem ou não os herdeiros do arrendatário em condições de explorar convenientemente o prédio.
Sugere-se, pois, a seguinte base em substituição da base x do projecto:

BASE VII

1. Os arrendamentos não caducam por morte do senhorio nem pela transmissão do prédio, seja qual for a natureza dessa transmissão.
2. Falecendo o arrendatário, o senhorio ou os herdeiros daquele podem, dentro dos três meses seguintes, denunciar o contrato, por meio de notificação judicial. A denúncia só produz os seus efeitos no fim do ano agrícola que estiver em curso no termo do prazo referido.

29. Expropriação do prédio. O princípio de que, expropriado o prédio por utilidade pública, o arrendamento caduca e que o arrendatário tem direito a ser indemnizado encontra-se estabelecido no artigo 1620.º do Código Civil. Esta disposição passou, sem qualquer alteração, para o artigo 35.º do Decreto n.º 5411. A Lei n.º 2030, por seu turno, considera os arrendamentos comerciais, industriais ou destinados ao exercício de profissões liberais como encargos autónomos para o efeito de o arrendatário ser indemnizado pelo expropriante. Quer dizer: ao lado da indemnização global para o proprietário, correspondente ao valor real do prédio (propriedade perfeita), atribui a lei ao inquilino, como direito próprio, uma indemnização que não poderá exceder 40 por cento, 30 por cento ou 20 porcento do valor do prédio ou apenas o valor das obras feitas, conforme os casos (artigo 10.º, n.º 2). Não há, portanto, qualquer espécie de responsabilidade por parte do senhorio. Toda ela fica a cargo da entidade expropriante 1.
É este o sistema que o projecto pretende aplicar aos arrendamentos agrícolas.
Não é a solução adoptada nos. países estrangeiros.
Em Itália o arrendatário não tem, em princípio, direito a qualquer indemnização do senhorio, porque ele não pode responder por actos de que não foi parte, nem do expropriante, porque o interesse público exige que se pague apenas o valor do prédio. Apenas se confere ao arrendatário o direito de obter o recebido pelo senhorio a título de indemnização pelo valor dos frutos pendentes ou das colheitas inutilizadas (artigo 1638.º).
Em Espanha a indemnização fica a cargo do senhorio (artigo 30.º, n.º 2, do Regulamento de 29 de Abril de 1959). Essa indemnização é fixada num terço da indemnização abonada ao proprietário sempre que o arrendatário esteja, por si ou ascendentes, há mais de dez anos no prédio.
O sistema proposto pelo Governo é justo. Não se diminuem os direitos do proprietário, que recebe sempre o valor integral do seu prédio; não se prejudica o arrendatário, que recebe uma compensação cor todos os prejuízos sofridos.- Parece apenas que a indemnização «calculada em função do rendimento líquido auferido pelo arrendatário da superfície a expropriar e do tempo máximo por que o contrato ainda deva vigorar obrigatoriamente», ou seja uma indemnização com base nos lucros futuros, é excessiva e destoa dentro do sistema da nossa lei, expresso em todos os campos em que há lugar à fixação de perdas e danos. Se o arrendamento tem a duração de 30 anos, deverá a indemnização calcular-se multiplicando o rendimento líquido anual por 30? E se se tratar de um arrendamento para fins silvícolas celebrado por 99 anos?
Parece à Câmara Corporativa que se exagerou a medida de protecção devida ao arrendatário. Nunca a indemnização deve ultrapassar os prejuízos efectivamente sofridos, ou seja o montante exigível nos termos da base XV (do projecto), acrescido do valor dos frutos pendentes ou das colheitas inutilizadas, como razoavelmente se estabelece no Código Italiano.
O n.º 3 do base IX, referindo-se à expropriação parcial do prédio, reproduz a doutrina do artigo 30.º, n.º 1, do Regulamento espanhol de 1959, com algumas alterações,, que não parece à Câmara Corporativa deverem aceitar-se. O «acentuado desequilíbrio na estrutura da exploração» é fórmula imprecisa, susceptível de dúvidas, além de traduzir uma solução pouco justa.
Desde que, em consequência da expropriação, haja diminuição do rendimento por diminuição da área cultivável, deve poder diminuir-se a renda. Não importa que haja e desequilíbrio na estrutura», o que juridicamente não se sabe bem o que é. A lei espanhola fala, com muito mais rigor, em e perda de parte do domínio do prédio».
E parece neste caso, quer o arrendatário opte pela rescisão, quer pela diminuição da renda, que não deve perder o direito à indemnização que lhe é facultada em caso de expropriação total, embora relativa .neste caso apenas à área expropriada.
À base IX deve, pois, dar-se a seguinte redacção:

BASE VIII

1. A expropriação por utilidade pública do prédio importa a caducidade do arrendamento.
2. Sendo a expropriação total, o arrendamento é considerado como encargo autónomo para o efeito de o arrendatário ser indemnizado pelo expropriante. Esta indemnização não pode exceder o valor dos frutos pendentes ou das colheitas inutilizadas, acrescido das importâncias a que se refere a base XVI.
3. Havendo expropriação parcial do prédio, o arrendatário, independentemente dos direitos facultados no número anterior em relação à parte expropriada, pode optar pela resolução do contrato ou pela diminuição proporcional da renda.

§ 5.º

Renda

30. Razão de ordem. - Referem-se à renda as bases IV, V, VI, XI e XII do projecto. Na primeira determina-se a forma da sua fixação e do seu pagamento; na segunda atribui-se ao arrendatário o direito de redução quando haja perda de mais de metade das colheitas por circunstâncias imprevisíveis e de força maior e regula-se o seu exercício; na terceira faculta-se o direito à revisão da renda quando o prédio for onerado pelo Estado, autoridades administrativas ou empresas concessionárias de serviço público, por forma a atingir a sua capacidade produtiva; nas restantes confere-se ao senhorio o direito de aumentar a renda quando executar na propriedade obras destinadas a com

1 Não foi, porém, a Lei n.º 2030, como se deduz do relatório, que criou o sistema. Já a Lei de 26 de Julho de 1912 (artigo 17.º), o Decreto de 15 de Fevereiro de 1913 (artigo 2.º, § 3.»), a Lei n.º 488, de 15 de Setembro de 1915 (artigo 1.º), o Decreto n.º 5411, de 17 de Abril de 1919 (artigo 54.º), e a Lei n.º 1662, de 4 de Setembro de 1924 (artigo 1.º, § 2.º), previam essa indemnização em beneficio dos estabelecimentos comerciais e industriais instalados no prédio, por conta do expropriante.

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servar ou aumentar a capacidade produtiva da terra ou a facilitar a sua exploração 1.
Logicamente devem apenas ser apreciados neste parágrafo os quatro primeiros problemas -fixação, forma de pagamento, redução e revisão das rendas -, deixando-se o último para o momento em que se versar a questão das benfeitorias.
Também não se fará agora a análise do n.º 4 da base IV, que proíbe a inclusão na renda de qualquer serviço que não deva ser prestado na ou em benefício directo da propriedade arrendada. E matéria a relacionar com. outras, proibições, inspiradas igualmente em motivos dê interesse e ordem pública e que constam da base VIII do projecto. Adiante se lhe fará, pois, referência.

31. Fixação e forma de pagamento da renda. - Preceitua a base IV do projecto, no seu n.º 1, que a renda anual será fixada em géneros das principais produções dos prédios arrendados, mas o pagamento efectuar-se-á normalmente em dinheiro". Este advérbio normalmente está relacionado com a possibilidade, conferida no n.º 3 da mesma base, de o senhorio poder exigir em espécie o pagamento da renda até um quarto do seu montante.
Afasta-se profundamente o projecto da nossa tradição jurídica no que respeita à fixação imperativa da renda em géneros.
O artigo 1603.º do Código Civil admite, em termos gerais 2, que o preço da locação ou renda consista "em certa soma de dinheiro ou em qualquer outra coisa que o valha, contanto que seja certa e determinada".
Esta regra foi alterada, em relação aos prédios urbanos, pelo Decreto de 12 de Novembro de 1910 (artigo 6.º) e, posteriormente, pelo Decreto n.º 5411 (artigo 37.º); exigindo ambos que a renda seja sempre satisfeita em dinheiro. Ainda o Decreto n.º 9496, de 14 de Março de 1924 (artigos 1.º e 2.º), veio acrescentar que as rendas dos prédios urbanos seriam sempre fixadas em dinheiro e moeda portuguesa correntes à data do pagamento.
Quanto aos prédios rústicos, o Decreto n.º 5411 manteve o princípio geral do Código Civil, estabelecendo, porém, de novo, que, "consistindo a renda em frutos", e não tendo sido paga no devido prazo, será satisfeita em dinheiro pelo preço corrente no tempo do vencimento, com juros desde a mora 3.
Posteriormente a 1919, e em consequência da grande desvalorização da moeda e desactualizarão das rendas em dinheiro, foram publicados vários diplomas legislativos que, com o objectivo de uma actualização, modificaram sensivelmente a forma de pagamento das rendas dos prédios rústicos. Fixaram-se, imperativamente, percentagens em géneros e em dinheiro a pagar pelo arrendatário. Nesta orientação, podem citar-se a Lei n.º 1368, de 21 de Setembro de 1922, a Lei n.º 1645, de 4 de Agosto de 1924, a Lei n.º 1883, de 22 de Julho de 1924, o Decreto n.º 12 339, de 18 de Setembro de 1926, e, finalmente, o Decreto, ainda teoricamente em vigor, n.º 20 188, de 8 de Agosto de 1931, que fixou regras diferentes para os arrendamentos anteriores, a 1930, conforme a renda tivesse sido fixada exclusiva ou principalmente em trigo (artigo 1.º) ou em dinheiro (artigo 3.º) 1.
A porte, portanto, certos regimes transitórios, mantém-se em vigor o Código Civil. A renda pode ser fixada em dinheiro ou em géneros e, salvo o disposto no artigo 66.º do Decreto n.º 5411, de sentido muito duvidoso, deve ser paga na forma convencionada.
Não diferem estruturalmente deste critério as soluções das leis estrangeiras. A legalidade da fixação livre da renda em géneros ou dinheiro, com uma ou outra possibilidade conferida ao arrendatário ou ao senhorio de substituir os géneros por dinheiro ou vice-versa, com ou sem a limitação da renda aos produtos do prédio arrendado, com ou sem a possibilidade de só integrarem nela coisas não fungíveis ou serviços pessoais, é admitida na generalidade dos países estrangeiros.
Excepção há uma: a do artigo 3.º da lei espanhola de 23 de Julho de 1942 e a do artigo 7.º do Regulamento de 29 de Abril de 1959, que impõem, qualquer que seja a cultura do prédio, a fixação da renda em determinada quantidade de trigo, para se efectuar o pagamento em dinheiro ou em quantia correspondente ao preço daquele cereal no dia em que a renda deva ser satisfeita 2.
Foi nestas disposições que se inspirou seguramente o Governo.
Não parece à Câmara Corporativa que o regime daquelas leis espanholas seja aconselhável. Nem mesmo em Espanha ele tem sido acolhido com louvores unânimes, e lá verificavam-se, em 1942, circunstâncias excepcionais, que não se verificam hoje em Portugal, e que o poderiam então justificar.
A fixação do padrão-trigo para o pagamento das rendas obedeceu a duas causas: uma foi a desvalorização da peseta, que já se acentuava naquela data (1942).
Mas o escudo em Portugal é das moedas menos desvalorizadas do mundo, e não deve ver-se no projecto do Governo um prognóstico sombrio.
Outra causa, e esta mais importante, era a de ter acabado a Espanha de conceder, em 1942, largais prorrogações dos contratos 3 e de impor, consequentemente,

1 O caso especial de expropriação parcial do prédio (base IX, n.º 3) já ficou atrás estudado.
Já era assim no nosso antigo direito. Vide Coelho da Rocha, ob. cit., § 833.
3 Esta inovação tem dado lugar a dúvidas, pois parece incompreensível que ao arrendatário seja lícito, com a simples mora de um dia, substituir os géneros por dinheiro, e não tenha essa faculdade, dado o regime do artigo 702.º do Código Civil, quando se prontifique a efectuar o pagamento dentro do prazo convencionado. Não interessa aqui o estudo da questão.

1 Quanto às rendas estipuladas em trigo, têm sido publicadas disposições especiais no nosso direito. O decreto-Lei n.º 30 579, de 10 de Julho de 1940, estabeleceu que "serão liquidadas e pagas pelo seu equivalente em escudos ao preço da tabela oficial".
Este regime foi reafirmado em varias campanhas cerealíferas, entre outros, pelos decretos-leis n.ºs 32 189, de 11 de Agosto de 1942 (artigo 35.º), 32 398, de 9 de Julho de 1948 (artigo 17.º), 34 787, de 6 de Julho de 1945 (artigo 15.º), 36 469, de 16 de Agosto de 1947 (artigo 15.º), 36993, de 31 de Julho de 1948 (artigo 15.º), 38 850, de 7 de Agosto de 1952 (artigo 1.º), e 89 742, de 31 de Julho de 1954 (artigo único).
2 O Código Italiano de 1942 permite a fixação da renda em géneros produzidos pelo prédio (artigo 1639.º), devendo, neste caso, o pagamento ser efectuado aos termos- convencionados. Nos acordos económicos colectivos e nos contratos colectivos têm-se introduzido em Itália alguns desvios a regra daquele artigo: a renda deve ser estabelecida em géneros e, se se convencionar dinheiro, não deve a quantia ser fixa, mas designada com referência a determinada- quantidade de produtos, como, por exemplo, o valor de 100 quintais de trigo.
Nos arrendamentos a cultivadores dilectos (familiares) a regra é a de que a renda deve ser fixada em géneros, com a obrigação para o arrendatário de entregar os géneros ou o seu valor em dinheiro. É esta a solução que méis se aproxima da lei espanhola de 1942.
Em França, o artigo 22.º do Ordonnance, de 4 de Dezembro de 1944, atribui ao arrendatário a faculdade de escolher, no momento da conclusão do contrato, o pagamento em dinheiro ou em géneros.
3 Cf. as 1.ª e 2.ª disposições adicionais e transitórias da Lei de 23 de Julho de 1942 e, posteriormente, os Leis de 4 de Maio de 1948 e de 15 de Julho de 1954. Cf. ainda os ortigas 10.º e 91.º do Regulamento de 1959.

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graves prejuízos aos proprietários 1. E foi-se buscar o padrão-trigo porque se tratava de um género com preço oficial, e, portanto, insusceptível de acentuadas oscilações.
Pois em Portugal sugere o Governo o prazo mínimo de seis anos, o que pouco ou nada representa em confronto com os prazos de vigência dos arrendamentos em Espanha e das sucessivas (prorrogações impostas.
Não há, portanto, entre nós, razões que possam justificar o sistema da lei espanhola de 1942. A moeda pode, é certo, desvalorizar-se no decurso dos seis anos de vigência do contrato; anãs também podem desvalorizar-se ou valorizar-se os géneros. E para evitar o inconveniente pouco sensível (assim se espera) das oscilações do valor da moeda, cair-se-ia num inconveniente muito mais grave - o da incerteza do montante da renda, fomentando-se com isso conflitos e desinteligências entre senhorios e arrendatários.
As vantagens da certeza das prestações fez vigorar entre nós durante séculos q. princípio, consagrado hoje no artigo 727.º do Código Civil, de que, consistindo a obrigação em moeda corrente, satisfaz o devedor pagando a mesma soma numérica, ainda que o valor da moeda tenha sido alterado depois do contrato. Só a guerra de 1914 e a grande desvalorização que se lhe seguiu levou o legislador a admitir, a título muito excepcional, casos de actualização das prestações pecuniárias. Mas o princípio do Código Civil manteve-se, e dificilmente se poderá compreender que se procurem conservar actualizadas as rendas em dinheiro, através de um expediente legislativo, e não se adopte igual critério para os empréstimos, para os seguros de vida e para todas as demais prestações em moeda corrente.
Não deixa de ter o seu valor o confronto com o que se passa com os arrendamentos de prédios urbanos. As rendas, uma vez fixadas, só podem ser alteradas por vontade unilateral, de cinco em cinco anos (Lei n.º 2030, artigos 50.º e 52.º). Pois aqui o prazo normal dos contratos passará a ser. quase o mesmo. Para quê actualizações?
Há ainda outros aspectos da questão que devem ser considerados.
As estivas camarárias, a que se refere o n.º 2 da base IV, podem não existir, em efectivamente, não existem em muitos concelhos, o que, de resto, se prevê no próprio projecto. Podem estar mal feitas e desactualizadas, o que é vulgar, e podem os preços dos géneros, a que subsidiariamente se atenderá, oscilar de momento para momento, de mercado para mercado, muito mais sensivelmente do que o próprio escudo.
Por outro lado, a obrigatoriedade para o arrendatário, e parece que é essa a solução proposta, de pagar a renda em dinheiro, embora fixada em géneros, pode apresentar reais inconvenientes. Os rendeiros, sobretudo os pequenos, os familiares, não têm correntemente disponibilidades em dinheiro. Só o podem obter com a alienação dos frutos. Como as rendas são pagas ordinariamente no fim das colheitas, a oferta maciça de géneros nesse momento tenderia a provocar perturbações de ordem económica e rebaixamento de preços, sem vantagens paxá nenhum dos contraentes. Não se percebe, por exemplo, como poderiam todos os caseiros do Minho alienar, pelo S. Miguel,, o milho necessário à satisfação das rendas em dinheiro.
Por último, entende a Câmara Corporativa que deve chamar a atenção do Governo para o seguinte:
Quando após a grande queda do escudo em 1919 se generalizou a prática dos arrendamentos de prédios urbanos em moeda ouro ou em moeda estrangeira, o Governo, na defesa do prestígio da moeda portuguesa, promulgou o Decreto n.º 9496, de 14 de Março de 1924, impondo a fixação das rendas em escudos. Revelasse agora, precisamente, a tendência oposta ao criar-se, parece que por falta de confiança na moeda nacional, a moeda-género. Quer dizer: em 1924 lutava-se contra essa desconfiança, que podia ser «motivo de agravamento cambial», como se diz no relatório do decreto dessa data; agora parece querer levar-se ao País a descrença na estabilidade do escudo.
Entende, pois, a Câmara Corporativa que são de rejeitar, por contrários aos interesses nacionais, os três primeiros números da base IV do projecto.
Não deixa, porém, a Câmara de considerar oportuno esclarecer a doutrina do artigo 1603.º do Código Civil, limitando os termos demasiadamente latos do texto vigente.
Na doutrina, as opiniões divergem profundamente nesta matéria 1. Há, no entanto, uma tendência compreensível pana afastar, ao lodo dos serviços pessoais, a que adiante se fará referência, as coisas não fungíveis ou os géneros não produzidos normalmente no próprio prédio. Quanto a estes últimos, é preciso, porém, atender a que não deve ficar vinculado o arrendatário a uma mesma cultura, o que aconteceria se os frutos ficassem adjudicados ao cumprimento da obrigação. A renda deve ser fixada, quando em géneros, tendo-se em vista somente os normalmente produzidos pelo prédio.
Nestas condições, sugere a Câmara Corporativa a seguinte base, em substituição da base IV do projecto:

BABE IX

A Tenda pode ser fixada em dinheiro ou em géneros, desde que estes sejam normalmente produzidos pelo prédio.

32. Redução da renda. - A base v do projecto admite a redução da renda quando circunstâncias imprevisíveis e de força maior provoquem a perda de mais de metade das colheitas e regula a forma processual de a obter.
Não é esta a solução do direito vigente. Pelo artigo 64.º do Decreto n.º 5411, «o arrendatário não pode exigir diminuição da renda com o fundamento de esterilidade extraordinária, ou de perda considerável dos frutos pendentes, por qualquer caso fortuito, salvo se outra coisa tiver sido estipulada». Com ligeira alteração na forma, este artigo reproduz a doutrina do artigo 1630.º do Código Civil.
Em pura lógica jurídica a solução vigente está certa. Como regra em todo o contrato de locação, o proprietário apenas se obriga a entregar a coisa em estado de prestar o uso para que foi destinada e a conservá-la no mesmo estado durante o contracto (Decreto n.º 5411, artigo 15.º, n.ºs 1.º e 2.º, e Código Civil, artigo 1606.º, n.ºs 1.º e 2.º). Não é, pois, obrigado, em princípio, a
garantir a sua frutificação ou uma frutificação normal. Os riscos devem correr, pois, por conta do empresário, que é, na hipótese, o locatário do prédio.
Todavia, há muito que se nota na doutrina uma certa reacção contra a aplicação severa de tais princípios e de tais conclusões em matéria de arrendamentos agrícolas e até, em menor escala, em matéria de arrendamentos urbanos.

1 Vide Luís Martin-Ballestero y Costea, Del concepto legal de arrendamiento rústico al pago de la renta en espécie, em Temis, I, pp. 67 e seguintes.

1 Vide Carrara, ob. cit., pp. 222 e seguintes.

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Pothier, há mais de dois séculos, no seu Traité du contrat de louage desenvolveu largamente a tese, que com a crise do liberalismo as legislações mais modernas vieram a adoptar, de que «lorsque le conducteur n'a pas été privé absolument de la jouissance de la chose, mais que, par un accident imprévu, sa jouissance a souffert une altération et une diminution trés cousidérable, il peut demander une diminution proportionnée dans le loyer, depuis le temps que sa jouissance a souffert cette diminution» 1.
Para a aplicação do seu princípio Pothier considerava indispensáveis três condições:

1.ª Que a causa da perda fosse de força maior e imprevisível;
2.ª Que a perda atingisse os frutos ainda pendentes;
3.ª Que o dano fosse considerável.
Dadas estas condições, não é difícil justificar a doutrina. Do ponto de vista jurídico, não deve poder transformar-se, um contrato comutativo, em que há equivalência de interesses, num contrato aleatório, assegurando-se sempre a um dos contratantes, ao senhorio, a satisfação dos seus direitos, embora com o sacrifício integral dos interesses do outro. Por outro lado, uma solução rígida pode conduzir à redução do potencial económico do arrendatário, obrigado a satisfazer, sem compensações nos réditos, os seus compromissos contratuais, com possível lesão dos interesses da economia nacional. Claro que não se justifica o benefício do Cultivador se tiver havido culpa da sua parte, ou se os frutos já estavam colhidos quando pereceram. Não deve, neste último caso, o senhorio suportar as consequências da demora na alienação ou no pagamento da renda. A causa do prejuízo deixa de ser inteiramente fortuita ou de força maior para ser, pelo menos em alguma medida, imputável ao arrendatário 2.
Nas legislações mais modernas, como já se disse, aceita-se a doutrina de Pothier. Podem citar-se, como exemplos, a espanhola, a grega e a italiana.
Na primeira (Regulamento de 29 de Abril de 1959, artigo 8.º)3, limita-se a possibilidade de redução da renda ao caso da perda dos frutos provir de causa insusceptível de seguro 4. Poderá então haver redução ou remissão integral das obrigações do arrendatário se se verificar um caso fortuito extraordinário. Na hipótese de caso fortuito ordinário, só poderá haver redução até 50 por cento se houver perda total das colheitas de um ano. Em ambas as hipóteses é preciso- que a perda atinja os frutos ainda pendentes, ou, quando colhidos, se verifiquem estas duas condições: não terem saído do prédio e não terem decorrido mais de quinze dias sobre á colheita.
No Código Grego (artigo 627.º) admite-se a redução proporcional das rendas, se os frutos, antes ou depois da colheita, sofrerem uma diminuição substancial por caso de força maior, salvo se os riscos estiverem cobertos pelo seguro.
No Código Italiano de 1942 (artigos 1635.º, 1636.º, 1637.º e 1648.º) estabelece-se, fundamentalmente, quanto aos arrendamentos ordinários, o regime sugerido por Pothier. Se o prazo do arrendamento é plurianual e se se perder, por caso fortuito, pelo menos, metade da produção ainda pendente, o arrendatário pode pedir a redução da renda, salvo se a perda tiver compensação nas colheitas seguintes. A redução é fixada, para este efeito, no fim do prazo do arrendamento. Se o arrendamento é anual e a perda for superior a metade, pode o arrendatário pedir uma redução não superior a 50 por cento. Quanto aos arrendamentos a cultivadores directos (familiares) os tribunais podem, mesmo que o arrendatário tenha assumido a responsabilidade pelo risco (caso fortuito), em atenção às suas condições económicas, permitir o pagamento das rendas em prestações.
As soluções do Código Italiano inspiraram o artigo 75.º do projecto do Prof. Galvão Teles, que a Câmara Corporativa, atentas as razões que a seguir expõe, entende dever substituir a base v do projecto do Governo.
O n.º 1 desta base torna dependente o direito de reduzir a renda da verificação de «circunstâncias imprevisíveis e de força maior, como inundações, ciclones, e outros acidentes meteorológicos ou geológicos e pragas de natureza excepcional». Não está redigido este número em harmonia com a terminologia corrente. As inundações, os ciclones e outros acidentes meteorológicos ou geológicos não são, em rigor, casos de força maior, mas casos fortuitos, por se tratar do desenvolvimento de forças naturais a que é estranha a acção do homem. Do ponto de vista legal o que interessa, porém, é a ausência de culpa por parte de qualquer dos contraentes, a não imputabilidade do facto ao senhorio ou ao arrendatário, e não, ser o caso previsível ou imprevisível, fortuito ou de força maior.
O n.º 2 da mesma base parece ser inútil. A sua doutrina está contida no número anterior, pois não é praticamente viável a determinação antecipada das perdas
sofridas. Só teria utilidade a disposição se os casos fortuitos previstos no n.º 1 se tivessem de verificar no ano em que houve perda dos frutos; mas não é isso o que se lê neste, número, nem é isso o que convém.
O que pode justificar-se é a atribuição ao arrendatário do direito de pedir a rescisão do contrato na hipótese de o acidente afectar de maneira duradoira a capacidade produtiva do prédio, pois seria para ele uma .situação muito onerosa ver-se constrangido, enquanto não terminasse o arrendamento, a pedir todos os anos uma redução da renda. A situação não deixa também de ter uma certa semelhança com a da expropriação parcial do prédio, e neste caso permite-se a rescisão (n.º 3 da base IX do projecto do Governo e n.º 3 da base viu do contraprojecto desta Câmara).
O n.º 3 não está em plena harmonia com os princípios correntes de técnica jurídica. Se houver incúria dó arrendatário, não há caso fortuito ou de força maior.
Por outro lado, mostraria ingenuidade do legislador a pretensão de resolver, com dois ou três exemplos e uma vaga afirmação de princípio, alguns dos mais graves é complexos problemas do direito privado - o problema da imputabilidade e o do nexo da causalidade 1. Note-se que a simples graduação da culpa fora dos moldes tradicionais, em razão da «influência da eventual incúria do arrendatário», constitui, de per enigma insolúvel.

1 N.º 148.
2 Não deixa, porém, a Câmara Corporativa de chamar a atenção paca a solução espanhola adiante referida.
3 Cf. o artigo 8.º da Lei do 15 de Março do 1985.
4 Trata-se, como dizem os autores, de uma medida destinada a fomentar o seguro, mas que, entre nós, e dados os disposições doe artigos 447.º e 448.º do Código Comercial, poderia conduzir, praticamente, à inutilização do benefício.

1 Vide, entre outros autores, Manuel de Andrade, Teoria, Geral das Obrigações, pp. 868 e seguintes; Prof. Voz Serra, Nexo Causal, no Boletim do Ministério da Justiça n.º 84; Prof. Galvão Teles, Manual de Direito das Obrigações, I, pp. 189 e seguintes; Prof. Gomes da Silva, O Dever de Prestar e o Dover de Indemnizar, pp. 142 e seguintes, e Dr. Pereira Coelho, O nexo de causalidade na responsabilidade civil, no Boletim da Faculdade de Direito, suplemento n.º 9, pp. 65 e seguintes, e O problema da causa virtual na responsabilidade civil.

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O n.º 4 estabelece um prazo de caducidade de difícil justificação, tanto mais que os prejuízos podem só verificar-se muito tempo depois de ter cessado a causa que lhes deu origem.
O n.º 5 é inaceitável. Ver-se-á adiante se a criação de comissões arbitrais de arrendamento rústico se justifica. For agora bastaria notar que as questões cuja apreciação se atribui em última instância a essas comissões são, como já se disse, dos mais graves, das mais difíceis, das mais discutidas, no direito. As afirmações feitas pela Secretaria de Estado da Agricultura no comentário ao parecer da Federação dos Grémios da Lavoura da Beira Alta, de que a quanto à composição das comissões arbitrais (base XXII) não se deve perder de vista que só decidem sobre questões, de factos e que aã competência dos tribunais comuns continua intangível quanto a questões de direito», são, pelo menos nesta parte, inexactas.
É, por um lado, o prestígio do próprio direito e, por outro, a necessária confiança dos interessados na justiça do Estado, problema de política judiciária do maior relevo, que exigem a intervenção de um juiz togado.
For último, o caso previsto no n.º 6 deve ficar sujeito aos princípios gerais, para evitar até que, por fraude, o arrendatário protele sistematicamente o pagamento de metade da renda.
Entende, pelo exposto, a Câmara Corporativa que deve substituir-se a base v por outra que contenha a doutrina do artigo 75.º do projecto do Prof. Galvão Teles, com excepção do § 4.º, por tratar de matéria a incluir na regulamentação dos arrendamentos familiares, e com inclusão, no n.º 1, da solução que acima ficou justificada quanto à possibilidade, em certos casos, de rescisão do contrato.
A base proposta terá a seguinte redacção:

BASE X

1. Se, por causa não imputável a qualquer das partes, o prédio não produzir frutos ou os frutos pendentes se perderem em quantidade não inferior, no todo, a metade dos frutos que normalmente produz, ou que produziu, o arrendatário pode pedir uma redução equitativa da renda, que não exceda metade do seu quantitativo, e ainda a rescisão do contrato, se tiver ficado afectada de maneira duradoura a capacidade produtiva do prédio.
2. A falta de produção ou perda dos frutos não é, todavia, de atender se ou na medida em que for compensada pelo valor da produção do ano ou dos anos anteriores, no caso de contrato plurianual, ou por indemnização recebida ou a receber pelo arrendatário em razão da mesma falta ou perda.
3. As cláusulas derrogadoras do disposto no n.º 1 são nulas enquanto fizerem recair sobre o arrendatário os prejuízos resultantes de facto que aã partes, dadas as circunstâncias, não possam razoavelmente ter como provável.

33. Revisão da renda. - A base VI do projecto faculta a revisão das rendas «quando o prédio for onerado com encargos resultantes da intervenção do Estado, das autoridades administrativas ou de empresas concessionárias de serviço público por forma a atingir a sua capacidade produtiva ou o seu valor como unidade económica».
Falando a base em ónus e referindo-se à hipótese de ser atingida a capacidade produtiva do prédio, parece ter querido prever o caso de diminuição da sua rendabilidade, para conferir ao arrendatário, nesse, caso, o
direito de pedia- a redução da renda. Todavia, o relatório que precede o projecto supõe precisamente a hipótese inversa, ao dizer: «Por outro lado, a renda pode ser aumentada quando o prédio for onerado com encargos resultantes da intervenção de entidades de direito público ...».
Crê a Câmara Corporativa que estavam sobretudo no pensamento do Governo as benfeitorias introduzidas pela Junta de Colonização Interna, e especialmente as obras de rega e de beneficiação sujeitas ao pagamento de taxas anuais designadas legalmente por ónus 1.
Não deixa, porém, de existir uma certa antinomia, pelo menos aparente, entre o relatório e o texto, como parece também não haver razões para não admitir as duos situações, isto é, quer o aumento a, pedido do senhorio, quer a redução a pedido do arrendatário, à semelhança do que se estabelece no artigo 1623 do Código Italiano.
Mas não se deve ir mau longe, como, de resto, não vai o projecto, neste domínio da revisão das rendas. É muito duvidoso que, em relação aos arrendamentos rurais, se justifiquem medidas diferentes das que se encontram na lei ou das que venham a ser admitidas no futuro Código Civil quanto ao princípio rebus sic stantibus (teoria da imprevisão) ou quanto à excessiva onerosidade da prestação 2.
A não adopção de medidas gerais em matéria de arrendamentos rústicos não importa, porém, necessariamente, a não adopção de medidas especiais. Elas têm

1 Vide Decreto-Lei n.º 42 665, de 20 de Novembro de 1959, artigos 45.º e 51.º
2 Vide Prof. Voz Serra, Caso fortuito e içaria da imprevisão no Boletim da Faculdade de Direito, x, pp. 197 e seguintes, e Resolução ou modificação do contraio por alteração das circunstâncias no Boletim do Ministério da, Justiça n.º 68, e Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, pp. 40 e seguintes.
O artigo 7.º, n.º 6, do Regulamento espanhol de 29 de Abril de 1959 faculta ao senhorio e ao arrendatário, decorrido um ano de vigência do contrato, o direito de pedir ao tribunal a revisão da renda convencionada e a sua fixação de futuro. Tem-se duvidado se o exercício deste direito em Espanha, já atribuído pelo artigo 7.º da Lei de 1935, depende da superveniência de circunstâncias extraordinárias que importem um aumento ou diminuição da produtividade da terra. Vide, sobre a questão, Cerillo Quilez, La revision de rentas de fincas rústicas, na Revista de Derecho Privado, XXXIX, p. 533.
Embora também muito discutido o fundamento jurídico da revisão (vide a larga exposição de doutrinas em Martin Blanco, El derecho do revision de renta en los arrendamientos rústicos, pp. 51, e seguintes), todos, no fundo, aceitam como base o princípio rebus sic stantibus, acompanhado da conveniência de manter a reciprocidade de direitos ou equivalência de prestações, no decorrer do contrato.
Em França a doutrina considera, a revisão como uma aplicação da teoria da imprevisão (cf. o Regulamento de 9 de Junho de 1927 s a Lei de 13 de Abril de 1946).
Em Itália só é permitida a revisão, pelo Código Civil, no caso especial do artigo 1623.º, a que se fará no texto referência. Noutros casos, entende-se aplicável o principio geral do artigo 1467.0, que admite, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, que esta peça a. resolução do contrato. Porém, em aplicação desta regra, tem sido publicada neste ais legislação especial, de carácter transitório, a partir do D. L. C. P. S. de 1 de Abril de 1947, prevendo não só modificações na expressão quantitativa nominal da prestação pecuniária, em atenção a variação do valor da moeda (adeguamento), mas ainda modificações intrínsecas da» renda», por razões de equidade (perequazione).
Na Alemanha, pela Lei de 25 de Junho de 1952, a conclusão de um contrato de arrendamento rústico deve ser comunicada à autoridade agrária competente, que poderá modificar a renda, se entender que ela não está em proporção com os rendimentos que se podem obter. É permitida a alteração posterior quando se verifiquem alterações substanciais noa circunstâncias que determinaram o contrato.
Na Argentina, a Lei de 8 de Setembro de 1948 permite ao Governo, como medida de carácter geral, proceder à revisão das rendas quando haja desequilíbrio entre o custo da produção e o valor dos produtos.

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sido admitidas em todos os Estados sempre que se verifiquem circunstâncias excepcionais, e entre nós pode citar-se, como exemplo, o Decreto n.º 20 188, de 8 de Agosto de 1931, acima referido, relativo aos arrendamentos anteriores a 1930. E os casos previstos na base VI do projecto são indiscutivelmente de atender, quer quanto à posição do senhorio, quer quanto à posição do arrendatário.
A redacção é que carece de ser alterada.
Em primeiro lugar, não se trata, em rigor, de intervenção do Estado, mas de intervenção do Governo. Em segundo lugar, é de referir, à semelhança do artigo 1623.º do Código Italiano de 1942, a publicação de disposições legais que afectem a cultura das terras e a sua rendabilidade, como a proibição de produzir os géneros que estavam na base da exploração agrária. Em terceiro lugar, é necessário prever expressamente tanto o aumento como a diminuição dos réditos, como parece estar, e bem, nos objectivos do Governo.
Na última parte do n.º 1 da base proposta atribui-se ainda à comissão arbitral do arrendamento rústico a fixação em última instância da nova renda.
O problema da criação destas comissões será versado adiante. Por agora, assinala-se que na generalidade dos países em que é admitida a revisão se atribui sempre a competência para julgar aos tribunais comuns, embora por vezes assistidos pelos técnicos especializados em questões agrárias.
Assim, pelo Regulamento espanhol de 1959 (artigo 51.º) a jurisdição para conhecer de todas as questões que surjam em matéria de arrendamentos rústicos, incluindo as de revisão (n.º 5 do mesmo artigo), pertence, quando o valor não seja superior a 5000 pesetas, aos Juzgados Municipales y Comarcales, com apelação, em certos casos, para os Juzgados de Primara Instancia, que resolvem definitivamente. Nos demais casos conhecerão das questões os Juzgados de Primera Instancia, com recurso para a Audiência Territorial correspondente.
Na França, pela Ordonnance de 4 de Dezembro de 1944, há em cada cantão um tribunal paritaire, presidido pelo juiz de paz, e em cada arrondissement um tribunal presidido por um juiz de direito.
Na Alemanha, pela Lei de 25 de Julho de 1952, também a revisão das rendas é obtida por via judicial.
Na Itália foram criadas, em 1948, para a fixação das rendas (Lei n.º 1140, de 18 de Agosto, artigo 4.º) secções especializadas, constituídas pelo presidente do tribunal, por dois juizes togados e por oito peritos nomeados pelo presidente. Estas secções especializadas visam substituir as antigas comissões arbitrais, criadas pelo artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 277, de l de Abril de 1947.
Em Portugal foram criadas comissões arbitrais para resolver os dúvidas e divergências entre senhorios e arrendatários, em 1931 (artigo 4.º do Decreto n.º 20188, de 8 de Agosto). Essas comissões são constituídas por três vogais, sendo um, o presidente, nomeado pelo governador civil nas sedes de distrito e pelo administrador do concelho nesta circunscrição e os outros escolhidos um por cada parte, devendo o engenheiro agrónomo da região ser escolhido para presidente, sempre que possível.
Este decreto, como se viu já, respeita apenas aos arrendamentos de prédios rústicos anteriores a 1930, e caiu complemente em desuso, deixando de si tristes recordações 1.
Parece que o bom senso aconselha a que se não reincida no erro. Tanto aqui como no caso acima analisado da perda dos frutos se podem suscitar problemas de direito que os técnicos ou os representantes dos senhorios e rendeiros, não estão habilitados a resolver, nem, e isso é muitíssimo importante, as suas decisões oferecem confiança aos interessados.
A Câmara Corporativa, por estas razões, entende que a base VI deve ser substituída por outra, assim redigida:

BASE XI

Se, em consequência de nova lei, ou de providências tomadas pela Administração, ou por empresas concessionários de serviço público, for alterada a rendabilidade do prédio, qualquer dos contraentes pode pedir, conforme os casos, o aumento ou a redução equitativa da renda.

§ 6.º

Partes integrantes, coisas acessórias e locação dê móveis

34. Partes integrantes e coisas acessórias.- A base VII do projecto contém a mesma doutrina que, com carácter geral, se propõe no artigo 9.º do anteprojecto sobre coisas do futuro Código Civil, assim redigido:

1. São coisas acessórias, ou pertenças, as coisas móveis que, não constituindo parte integrante, estão afectadas por forma duradoira ao serviço ou ornamentação de uma outra coisa.
2. Os actos ou contratos que têm por objecto a coisa principal não abrangem, salvo convenção em contrário, os coisas acessórias 1.

O objectivo especial que se teve em vista com a redacção deste artigo foi o de eliminar a distinção pouco clara entre pertenças e coisas acessórias, largamente admitida por autores nacionais e estrangeiros 2, e que tem reflexos ma nossa lei (artigo 15.º, n.º 1.º, do Decreto n.º 5411). Desde que a coisa móvel não esteja materialmente ligada à coisa principal, mas apenas com ela relacionada pelo seu destino económico, deixa de ser uma parte integrante e não a acompanha, em principio, na sua vida jurídica (venda, doação, arrendamento, etc.). Estão neste caso as máquinas, quando não fixadas no prédio, as alfaias agrícolas, o gado, etc., tímidos já como pertenças, num sentido lato da palavra, ou como coisas acessórias 3.
Em face da referência às pertenças mo artigo 15.º, n.º 1.º, do Decreto n.º 5411 (cf. artigo 1606, n.º 1.º, do Código Civil), expressão equívoca que, em rigor, não deve designar, neste caso, senão as partes integrantes, um dos sentidos que a palavra comporta, tem a sua utilidade a inclusão no novo diploma do n.º 1.º da base VII 4.

1 Quanto à forma por que foi recebido o diploma, são esclarecedoras as considerações de Júlio Augusto Martins in O Decreto n.º 20 188, na Gazeta de Relação de Lisboa, ano 46. p. 209.

1 Pires de Lima, Das coisa», no Boletim do Ministério da Justiça n.º 91.
2 Vide Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica., I, pp. 265 e seguintes.
3 Farte integrante, diz Manuel de Andrade, «são coisas móveis por natureza que foram unidas ou afixadas com caracter de permanência a um prédio rústico ou urbano para lhe aumentar as utilidades, conservando, no entanto, uma individualidade própria e distinta do prédio» (ob. cit., p. 236).
4 As pertenças refere-se também o artigo 17.º do anteprojecto do Prol. Galvão Teles, assim redigido: «A coisa deve ser entregue com suas pertenças, se a convenção ou os usos não estabelecerem o contrário». Este artigo foi redigido sem ainda a comissão ter tomado deliberações sobre os concertos de parte integrante, pertença e cotia acessória.

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A Câmara Corporativa limita-se a sugerir duas alterações.
Por um lado, não devem figurar exemplos nos preceitos legislativos. São sempre perigosos e, em boa técnica, dispensáveis. Note-se, a propósito, que a citação das máquinas como coisas acessórias pode não ser correcta. Os motores eléctricos, ligados ao prédio, soo partes integrantes,, e não coisas acessórias.
Não é conveniente, por outro lado, afastar inteiramente os usos e costumes locais. A Câmara não está habilitada a (prestar esclarecimentos acerca do direito costumeiro vigente em todo o País; mas está certa de que em algumas- regiões, designadamente onde predominam as empresas familiares, o fornecimento de certas, alfaias agrícolas pelos proprietários é de uso corrente, e não se põe de parte a hipótese de, para certos- fins, ser mesmo de uso a entrega de animais.
Ora a abolição desses costumes pode conduzir a confusões e incertezas. Por isso mesmo, em Itália, onde o problema tem sido estudado, a doutrina inclina-se para esta solução: se existir um uso, respeita-se esse uso como reflexo da vontade dos partes, mas só no caso de as coisas acessórias existirem no prédio no momento da celebração do contrato 1.
Também, como se viu, mo anteprojecto do Prof. Galvão Teles se referem os usos em contrário.

35. Locação de coisas móveis. - O n.º 2 da base VII refere-se à locação de coisas móveis; mas não tem o preceito, como já se acentuou (n.º 7), a amplitude que podia e devia ter num diploma mais geral sobre o contrato de locação. Só pode referir-se aqui às coisas móveis que acompanham o prédio arrendado e pertencentes no dono do mesmo prédio.
Embora assim limitadas, as consequências da disposição não deixam de ser importantes. Aplicar-se-ão, por exemplo, quanto ao aluguer das alfaias os prazos mínimos fixados para o- arrendamento, se nada se tiver estipulado em contrário por documento escrito.
A Câmara Corporativa aceita esta doutrina, apenas com uma objecção: devem igualmente respeitar-se, neste caso, os usos e costumes locais quando contrários ao estabelecido supletivamente na lei.
Deve, nestes termos, a base ficar assim redigida:

BASE XII

1. O prédio ou prédios presumem-se sempre arrendados com todas as suas partes integrantes; mas, salvo usos e costumes em contrário, as coisas acessórias só se consideram compreendidas no arrendamento se tiverem sido expressamente mencionadas em documento escrito.
2. A locação das coisas acessórias é aplicável, salvo estipulação ou uso e costume em contrário, o regime do respectivo arrendamento.

§ 7.º

Cláusulas proibidas

36. Proibições da base VIII e do n.º 4 da base IV do projecto. - As proibições das três alíneas da base viu do projecto deve acrescentar-se, como se notou já, a proibição do n.º 4 da base IV. São sempre, em qualquer caso, motivos de interesse e ordem pública que justificam essas proibições, e o declarar-se ou não, na lei ou no contrato, que as respectivas obrigações são assumidas por conta da renda, se poderia interessar para definir as consequências do seu não cumprimento, não interessa para, em princípio, se declarar a sua validade ou nulidade. E se se conclui pela nulidade, deixa praticamente de interessar a sua integração, que seria puramente teórica, na renda. Não há, na verdade, que definir, consequências do não cumprimento de obrigações nulas. Por isso se vão apreciar e estudar, em conjunto, as duas bases.
Os problemas, previstos são os seguintes:
a) Obrigação de vender as colheitas a entidades certas e determinadas;
b) Obrigação de prestação de serviços que não devam ser prestados no prédio ou em benefício directo dele;
c) Obrigação de pagar prémios de seguros de imóveis ou a contribuição predial;
d) Obrigação de fazer despesas de grande reparação respeitantes aos imóveis ou às benfeitorias;
e) Renúncia ao direito de pedir a rescisão imediata nos casos de violação das obrigações legais ou contratuais.

37. Direitos banais. - A Câmara Corporativa nada tem a opor à doutrina da alínea a) da base VIII. Somente lhe parece estranho que o projecto se refira apenas a um de entre muitos direitos banais, em que o nosso antigo direito era fértil, e que desapareceram com a publicação do Código Civil, na defesa da liberdade das pessoas e das coisas.
Direitos banais são todas aquelas restrições impostas em benefício pessoal do senhorio, vestígios do antigo poder feudal, que revelam no contrato a desigualdade de posições dos sujeitos, tais como o não poder o caseiro ter engenhos para moer azeite, nem forno para coser pão ao povo, nem poder vender os géneros a certas pessoas, ou enquanto não se acharem vendidos os do senhorio, etc. 1
Em matéria de enfiteuse todas' estas limitações se consideraram abolidas pelo artigo 1657.º do Código Civil, que proíbe a estipulação de encargos extraordinários ou casuais ca título de lutuosa, laudémio ou qualquer outro» 2.
A estabelecer na futura lei qualquer princípio a este respeito - não faltará quem o considere inútil em face dos princípios gerais do Código -, convém, pois, que ele seja genérico, e não diga respeito apenas a um certo direito, o que poderia ocasionar dúvidas de interpretação.
Nesse princípio se devem abranger os serviços ou servidões pessoais; como o dar ao senhorio certos dias de trabalho, fazer-lhes carretos, etc., como se preceitua no n.º 4 da base IV do projecto ao proibir a inclusão na renda de qualquer serviço que não deva ser prestado na ou em benefício directo da propriedade arrendada.
Estas proibições carecem, no entanto, como outras a que adiante se fará referência, de um certo entendimento.
É evidente que o arrendatário, pelo facto de ser arrendatário, não está inibido de contratar com o senhorio e ide se obrigar perante ele, como qualquer outra pessoa, à prestação ide serviços pessoais. A sua situação e rendeiro não cria incapacidades, e, portanto, as obrigações de prestação de facto que, pelo contrato de mandato ou procuradoria, podem ser assumidas por qualquer

1 Vide Carrara, ob. cit., pp. 283 e seguintes.

1 Vide Pires de Lima e Antunes Varela, Noções Fundamentais de Direito Civil, 4.ª ed., II, p. 79.
2 Cf. p n.º 2.º do artigo 10.º do anteprojecto do futuro Código Civil, sobre enfiteuse, de Pires de Lima, no Boletim do Ministério da Justiça n.º 66.

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pessoa também podem ser assumidas pelo arrendatário. Não há dúvida, assim, que é legal a obrigação de fazer carretos, como é legal a obrigação, assumida pelo caseiro, de vender ou de não vender os géneros a certo indivíduo.
O que não deve ser legal é o arrendatário poder assumir tais obrigações na qualidade de arrendatário, isto é, por força de uma cláusula que integre o próprio contrato de arrendamento.
Esta diferença tem uma grande importância no ponto de vista jurídico. E que, tratando-se de um acto jurídico autónomo, independente do arrendamento, nunca a falta de cumprimento da obrigação assumida- pode reflectir-se neste contrato - tudo se passa nos domínios exclusivos do contrato de mandato -, ao passo que, se se tratasse de uma cláusula da locação, poderia, e deveria, o não cumprimento importar a possibilidade de rescisão deste negócio jurídico.
Ora o que se pretende evitar é esta consequência e não criar limitações injustificáveis.

38. Pagamento, das contribuições e dos prémios de seguros. - Refere-se a estas obrigações a alínea b) da base VIII. O encargo do pagamento dos prémios de seguros de imóveis e da contribuição predial dos prédios compreendidos no arrendamento não poderá ser atribuído, sob pena de nulidade das respectivas cláusulas, aos arrendatários.
Quanto às contribuições dispõe hoje o artigo 24.º do Decreto n.º 5411 que «o arrendatário só é obrigado a satisfazer os encargos do prédio nos casos em que a lei expressamente o determine, e ainda nesta hipótese serão pagos esses encargos por couta da renda, salvo se outra coisa tiver sido estipulada». Reproduz este texto, com algumas alterações de forma, o artigo 1609.º do Código Civil, revogado expressamente pelo artigo 120.º daquele diploma.
O sentido exacto desta disposição é muito duvidoso. Se, por um lado, parece poder deduzir-se que só em casos expressamente previstos pode o senhorio transferir para o arrendatário o encargo do pagamento da contribuição, que é indiscutivelmente um encargo do prédio, o Código da Contribuição Predial, de 5 de Junho de 1913, em duas disposições admite inequivocamente, e com carácter geral, a legalidade da cláusula de transferência da obrigação. São elas as dos artigos 30.º, § 3.º, e 173.º, n.º 2.º, que não podem considerar-se revogadas pelo artigo 24.º citado, pois este limita-se a reproduzir a doutrina do Código Civil, que é muito anterior ao Código da Contribuição Predial 1.
E, além disso, a disposição do artigo 30.º citado foi mandada aplicar aos arrendamentos rústicos pelo artigo 10.º do Decreto n.º 9040, de 9 de Agosto de 1923. Em face daquele artigo, o proprietário, em princípio, deveria ser tributado pela importância da renda e o arrendatário pela diferença entre esse imposto e o rendimento colectável. O § 3.º admite, porém, que o arrendatário, por convenção, fique com o encargo de pagar a contribuição correspondente do prédio 2.
Num outro aspecto do problema, ainda a considerar em face da lei actual, parece dever distinguir-se entre a contribuição fixada à data do contrato e quaisquer novos impostos ou novas taxas resultantes de leis posteriores. A certeza da renda, exigida pelo artigo 1.º do Decreto n.º 5411, não obsta à legalidade do pagamento da primeira - ela já está fixada -, mas não se adapta à obrigação do pagamento de impostos ou de taxas não conhecidas à data do arrendamento.
Estas dúvidas, que a doutrina e a jurisprudência não conseguiram afastar, são por si uma lição. Se não existem razões fortes ou vantagens apreciáveis para o comércio jurídico em se. admitir, como cláusula do contrato de arrendamento, a obrigação para o arrendatário de pagar as contribuições -e efectivamente elas não existem -, é preferível deixar essa matéria ao domínio do contrato de mandato é ao seu regime especial, sem ingerência ou reflexos na vida do arrendamento.
É neste sentido que a Câmara Corporativa se. pronuncia, em harmonia com a proposta do Governo.
A Federação dos Grémios da Lavoura da província do Baixo Alentejo entende que há vantagens efectivas na admissibilidade da cláusula, escrevendo: «Acontece em muitos casos o senhorio residir longe do concelho a que pertence a propriedade e o rendeiro que lá reside, ou vai frequentemente, pouco lhe custa prestar esse serviço ao senhorio ... Não se vê que inconvenientes possa ter uma disposição que, sem prejudicar o rendeiro, pode facilitar as relações deste com o senhorios.
Como se salientou já, ao versar-se o problema dos serviços pessoais, uma coisa é a obrigação resultante de uma cláusula do contrato de arrendamento, outra a obrigação emergente de um contrato dê mandato ou procuradoria. Por ser aquela nula, não fica inibido o senhorio de encarregar o rendeiro, por mandato, do pagamento da contribuição. Simplesmente trata-se de um novo contrato, completamente autónomo e diferente do primeiro, sobre o qual não exerce qualquer influência.
A questão dos prémios de seguros não difere estruturalmente desta e deve, por isso, ter a mesma solução.

39. Despesas de grandes reparações. - Nos termos ainda da alínea b), são nulas as cláusulas que imponham ao arrendatário o pagamento das despesas de grandes reparações respeitantes aos imóveis ou às benfeitorias, salvo se forem consequência de acto ou facto do próprio arrendatário.
Algumas objecções podem ser feitas a esta disposição.
Ela levantará perante os tribunais um problema sério, como seja o de distinguir as grandes reparações das pequenas. Para o direito, as reparações são todas iguais, desde que não se lhes fixem previamente as dimensões ou o custo 1.
Por outro lado, não se vê bem por que razão não deve poder o arrendatário tomar sobre si, em termos gerais, o encargo das reparações dos imóveis e das benfeitorias.
E possível quê o Governo tenha relacionado esta proibição com o preceito da base V e tenha tido em vista somente as reparações extraordinárias resultantes de factos acidentais que tenham afectado a produtividade das terras, e não as reparações naturais, ordinárias embora de grande volume. Sugere esta interpretação até a circunstância de se ter previsto o caso de

1 Sobre o problema podem ver-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Dezembro de 1959, na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 93.º, p. 174, a anotação de Pires de Lima, a. p. 188 do mesmo volume, esta Revista, ano 72.º, p. 842, e Dr. Pinto Loureiro, Tratado da Locação, vol. I, pp. 120 e seguintes.
2 Cf. artigo 28.º da Lei n.º 1868, de 21 de Dezembro de 1922.
1 O caso não seria, todavia, inédito. O artigo 3.º do Decreto n.º 23 925, de 29 de Maio de 1934, manda aplicar às correntes de água navegáveis ou flutuáveis o regime de aproveitamento das correntes não navegáveis nem flutuáveis quando se trato de pequenos aproveitamentos. Também o Código Italiano se refere em algumas disposições a pequenas reparações (artigos 1576.º e 1609.º). Porém, em matéria de arrendamentos rústicos, adoptou já a distinção, muito mais rigorosa, entre reparações ordinárias e extraordinárias. As primeiras estão a cargo do senhorio; as segundas a cargo do lavrador (cf. artigo 1621.º).

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culpa do arrendatário, o que se relaciona com a doutrina do n.º 3 da mesma base.
Tratar-se-á, portanto, de um caso excepcional, de um risco que se pretende que corra sempre por conta do proprietário, como dono da coisa, e em caso nenhum por conta do arrendatário, que é titular de um contrato comutativo, e não aleatório.
É neste sentido que a Câmara Corporativa dá o seu apoio ao princípio proposto.

40. Renúncia ao direito de pedir a rescisão do contrato. - E considerada ainda nula, nos termos da alínea c) da mesma base, a cláusula pela qual algum dos contraentes renuncie ao direito de pedir a rescisão do contrato nos casos de violação das obrigações legais Ou contratuais.
Trata-se de uma doutrina evidente, já que a norma que faculta o direito de pedir a rescisão é de interesse e ordem pública (cf. artigo 3.º do Decreto n.º 5411) 1.

41. Consequências da nulidade. - No n.º 2 da base VIII consagra-se como regra o princípio de que a nulidade das cláusulas não afecta a validade do contrato. Aplica-se a conhecida doutrina da redução dos negócios jurídicos, a que já se fez referência a propósito da falta de requisitos formais (n.º 15), e que se consagra, neste domínio das cláusulas acessórias, no artigo 11.º do anteprojecto do Prof. Galvão Teles.
Porém, quanto às cláusulas previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1.º, não aceita o Governo a doutrina nos mesmos termos, pois admite a nulidade de todo o negócio quando tais cláusulas, introduzidas de boa fé, tenham funcionado como motivo decisivo do acordo das partes. É a lição, em tese geral, dos Códigos Austríaco e Suíço, já citados.
É muito duvidoso que deva aceitar-se a excepção.
Desde que a cláusula, sobre reparações diga respeito exclusivamente as circunstâncias fortuitas que tenham afectado a capacidade produtiva das terras, crê a Câmara Corporativa que só muito raramente ela se poderá considerar determinante da vontade. E os casos muito excepcionais não justificam medidas especiais de protecção, sobretudo quando a boa fé tem necessariamente por base, como neste caso, um erro de direito - o da nulidade da cláusula.
Os estados psicológicos ou éticos são difíceis de provar perante os tribunais, pois não se revelam exteriormente. É por essa razão que a sua relevância tende a ser afastada e que o direito se mostra acentuadamente formalista.
Entre os outros casos previstos, há apenas dois que merecem alguma atenção: o pagamento das contribuições e o pagamento do seguro. Mas esses casos só merecem atenção na medida em que a nulidade das respectivas cláusulas pode conduzir a uma diminuição efectiva da renda. Crê, por isso, a Câmara Corporativa que a solução, em homenagem ainda ao princípio utile per inutile non vitiatur, deve ser outra. O contrato continuará válido e à renda estipulada acrescerá a importância das contribuições e dos prémios de seguro que ficaram irregularmente a cargo do arrendatário. Não se poderá já razoavelmente dizer, nestas condições, que deixaria o contrato de ser realizado se se conhecesse o direito ou que o mandato teria funcionado com motivo decisivo do acordo das partes.
É de notar ainda que, em geral, têm muito maior relevo para o senhorio os serviços pessoais proibidos no n.º 4 da base IV do projecto, e quanto a esses não se fazem as mesmas reservas.

Em harmonia com o exposto, a Câmara Corporativa sugere em substituição da base VIII a seguinte:

BASE XIII

1. Consideram-se não escritas as cláusulas em virtude das quais:
a) O arrendatário se obrigue, por qualquer título, ao cumprimento de serviços que não devam ser prestados em benefício directo do prédio ou se sujeite a encargos extraordinários ou casuais não compreendidos- na renda;
b) O arrendatário se obrigue, a pagar prémios de seguros de imóveis, contribuições prediais ou à reparação dos prejuízos a que se refere a base x;
c) Qualquer dos contraentes renuncie ao direito de pedir a rescisão do contrato nos casos de violação das obrigações legais ou contratuais.
2. Se os prémios de seguro ou as contribuições acresciam à renda estipulada, será esta aumentada das respectivas importâncias.

§ 8.º

Benfeitorias

42. Economia do projecto. - A matéria de benfeitorias mereceu do Governo especial atenção. A ela, se referem, no projecto apresentado à apreciação desfia Câmara, sete bases: duas, as XI e XII, às benfeitorias feitas pelo proprietário e cinco, as XIII, XIV, XV, XVI e XVII, às feitas pelo arrendatário.
Não é de estranhar esse interesse. É que das benfeitorias úteis resulta, conceitualmente, um aumento da produtividade. Ao lado, portanto, do interesse das partes, senhorio e rendeiro, o problema assume aspectos de interesse nacional 1.
Há, pois, que fomentar os melhoramentos, quer permitindo-se ao senhorio o aumento da renda, quer atribuindo-se ao arrendatário o direito a indemnizações, quer concedendo-se empréstimos do Estado. É esta a orientação e a economia do projecto.
A Câmara Corporativa analisará separadamente os dois aspectos referidos: benfeitorias feitas pelo senhorio e benfeitorias feitas pelo arrendatário.

43. Benfeitorias feitas pelo senhorio. - Não há na nossa legislação actual qualquer disposição que directa ou indirectamente atribua ao senhorio o direito de realizar no prédio arrendado obras destinadas a aumentar a sua capacidade produtiva. Apenas resulta dos n.ºs 2.º e 3.º do artigo 15.º e do artigo 17.º, ambos do Decreto n.º 5411 (cf. n.ºs 1.º e 2.º do artigo 1606.º do Código Civil), que ele é obrigado a conservar o prédio arrendado em condições de permitir o uso para que foi destinado e A fazer os reparos urgentes e indispensáveis. Quanto ao anais (benfeitorias úteis ou voluptuárias) nem é obrigado, nem goza do direito de as fazer.
A solução do projecto é diferente: o senhorio passa a gozar do direito de executar na propriedade arrendada não só as obras que sejam necessárias à conservação do prédio (benfeitorias necessárias) como as que aumentem a sua rendabilidade ou facilitem a sua exploração, com a possibilidade de exigir do arrendatário um acréscimo da renda proporcional ao benefício que dessas obras resultar.

1 Vide Dr. Pinto Loureiro, ob cit., I, p. 134, e Júlio Martins, Direito de despedir o rendeiro por falta de pagamento de renda, na Revista dos Tribunais, ano 42.º, p. 161.

1 Prof. Henrique de Barros, ob. cit., III, pp. 659 e seguintes.

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Não se trata, porém, de uma faculdade que possa ser exercida discricionàriamente pelo senhorio, pois que a base XXII atribui competência à comissão arbitrou do arrendamento rústico para «decidir, quando necessário, sobre as benfeitorias a efectuar pelo senhorio ou pelo arrendatário». Isto quer dizer que, não se conformando o arrendatário com as obras projectadas- pelo senhorio, deve a questão ser levada à referida comissão, que resolverá em única e última instância 1.
O sistema sugerido, salvo pelo que respeita à substituição dos juizes togados por técnicos agrários e representantes dos senhorios e arrendatários, é o que vigora na Itália e em Espanha e o que é proposto pelo Prof. Galvão Teles no seu anteprojecto.
Pelo Código Italiano (artigo 1632.º), se qualquer dos contraentes, senhorio ou arrendatário, quiser fazer melhoramentos que transformem profundamente a produção e o outro se opuser, pode recorrer aos tribunais. Estes, se entenderem que tais melhoramentos são úteis, poderão autorizá-los. A renda poderá, neste caso, ser aumentada em proporção do aumento de rendimento (artigo 1633.º), tendo-se em atenção os eventuais benefícios recebidos do Estado ou de outras entidades públicas. Estes princípios não podem ser afastados pelos contraentes (artigo 1634.º).
Em Espanha o sistema é semelhante. O artigo 22.º do Regulamento de 29 de Abril de 1959 preceitua que nenhum dos contraentes pode realizar, por si, melhoramentos no prédio; eles poderão, todavia, ser feitos por acordo ou, na falta de acordo, por decisão do juiz ou do tribunal competente. Quando os melhoramentos tenham sido da iniciativa do senhorio e tenham aumentado a produtividade do prédio, este terá direito a um aumento proporcional da renda, podendo, todavia, o arrendatário rescindir o contrato se este aumento for superior a 10 por cento ou se as obras importarem transformação total ou parcial da cultura.
Pelo anteprojecto do Prof. Galvão Teles o senhorio que se proponha fazer benfeitorias tem de obter o consentimento escrito do arrendatário (artigo 78.º). Feitas as benfeitorias, o locador tem direito a um aumento proporcional da renda (artigo 80.º).
Todas estas soluções se aproximam, e a Câmara Corporativa nada tem a opor à doutrina do n.º 1 da base XI do projecto, conjugada com a do n.º 2 da base XXII, alínea b). Procuram satisfazer-se os interesses da economia do País, e não se descuram os interesses do arrendatário, facultando-se-lhe a possibilidade de rescindir o contrato sempre que não se conforme com o aumento da renda ou com as alterações do regime de exploração.
É mesmo oportuno lembrar, a propósito, a disposição de sentido paralelo que, por sugestão desta Câmara, foi introduzida no artigo 69.º, alínea c), da Lei n.º 2030, relativamente a prédios urbanos. Na contraproposta da Câmara Corporativa inclui-se como fundamento de despejo «propor-se o senhorio efectuar obras de ampliação do prédio das quais resulte poder ser aumentado o número de inquilinos». Não se duvida hoje da importância que esta disposição teve para o aumento do número de habitações e para a resolução do problema arquitectural da cidade de Lisboa.
É possível que alguns benefícios se colham também com a solução agora proposta. Não tão grandes como no inquilinato urbano, pois a terra e os escassos réditos que dela se colhem não atraem tanto os capitais, nem se vive, nos arrendamentos rústicos, na dependência de uma legislação limitativa das rendas a impulsionar as obras, como acontecia em 1947 em matéria de arrendamentos urbanos. Mas, pelo menos, não devem criar-se embaraços irremovíveis ao senhorio que voluntariamente queira beneficiar as suas terras. O pouco que se consiga sempre se converterá em benefício nacional. Nada tem também a Câmara a opor à disposição do n.º 2 da mesma base, cuja doutrina já se encontra na segunda parte do n.º 3.º do artigo 15.º do Decreto n.º 5411, nem à do n.º 1 da base XII. A forma razoável de evitar que as obras acarretem, pelo aumento da renda, encargos insuportáveis para o arrendatário, ou o obriguem a fazer explorações incompatíveis com as suas possibilidades, é permitir, na verdade, a rescisão do contrato. A doutrina do n.º 2 da base XII está, por seu turno, em harmonia com o que se disse já em matéria de caducidade (n.º 27).
Não concorda, porém, esta Câmara, por razões já apresentadas (n.º 32 e 33), que às comissões arbitrais de arrendamento rústico sejam atribuídas funções de decisão nesta matéria, e muito menos em última instância. O problema da criação e das funções de tais comissões será adiante ventilado.

Pelo exposto, propõe a Camará Corporativa em substituição das bases XI e XII as seguintes:

BASE XIV

1. O senhorio só pode fazer no prédio benfeitorias úteis ou voluptuárias com consentimento do arrendatário ou autorização judicial.
2. O senhorio indemnizará o arrendatário pelos prejuízos que lhe causar a execução das obras.
3. Se, em consequência das benfeitorias, aumentar a produtividade do prédio, o senhorio pode exigir um acréscimo proporcional da renda.

BASE XV

1. Quando os melhoramentos importarem alteração sensível do regime da exploração do prédio, ou o arrendatário se não conformar com o acréscimo da renda, este poderá pedir a rescisão do contrato.
2. A rescisão só produzirá os seus efeitos no fim do ano agrícola em que se iniciarem as obras ou o arrendatário tiver conhecimento da aumento da renda.

44. Benfeitorias feitas pelo arrendatário. - Em matéria de arrendamentos rústicos, estabelece o artigo 65.º do Decreto n.º 5411 que «nos arrendamentos por menos de vinte anos o arrendatário tem direito, depois do despejo, a haver do senhorio o valor das benfeitorias agrícolas, tanto necessárias como úteis, ainda que não fossem expressamente consentidas, salvo havendo estipulação em contrário». Reproduz-se neste artigo a disposição do artigo 1615.º do Código Civil, com omissão do seu § único, que preceituava: «Neste caso, porém, o valor das benfeitorias e os juros dele serão pagos pelo aumento do rendimento anual que delas resultou no prédio em que foram feitas 1.

1 Pareço não ser bem isto o que se diz no n.º 10 do relatório que precede o projecto. Mas á seguramente isto o que resulta do texto. Há, pois, uma certa divergência entre o relatório e o texto, cuja causa não é perceptível.

1 Parece que o legislador pretendeu com este princípio não onerar o proprietário, em qualquer caso, com encargos superiores ao aumento efectivo do rendimento. Quer dizer: só através desse aumento se pagariam ao arrendatário os benfeitorias e os juros a que tivesse direito.

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Desta disposição e de outras do mesmo diploma se poderão deduzir os seguintes princípios, hoje vigentes:

a) O arrendatário pode fazer benfeitorias no prédio, quer estas sejam necessárias ou úteis, desde que não altere a sua natureza ou o fim a que se destinam (cf. artigos 17.º e 22.º, n.º 3.º, do Decreto n.º 5411);

b) Se o arrendamento for superior a vinte anos, o arrendatária não tem direito a qualquer indemnização, não tendo sido as benfeitorias expressamente consentidas. Esta doutrina resulta, a contrario, do artigo 65.º citado. Deve ter partido o legislador do pressuposto de que, pelo decurso do tempo, o arrendatário se pôde ressarcir do custo das benfeitorias 1;
c) Se o arrendamento for inferior a vinte anos, o arrendatário tem • direito a- uma indemnização pelas benfeitorias, tanto necessárias como úteis, mesmo que estas não tenham sido expressamente consentidas, salvo havendo estipulação em contrário (artigos 65.º e 17.º do citado decreto);
d) Tratando-se de benfeitorias voluptuárias, não há em nenhum caso direito a indemnização (a estas se não se refere o artigo 65.º), podendo, todavia, o arrendatário levantá-las se não houver detrimento para o prédio (cf. artigo 500.º do Código Civil) ;
e) O montante da indemnização corresponderá ao custo das benfeitorias, se este não exceder o valor do beneficio ao tempo da entrega do prédio. Caso contrário, será este o valor considerado (cf. artigo 499.º, § 4.º, do Código Civil).

As bases XIII, XIV e XV do projecto governamental, aceitando, embora, a orientação geral da nossa legislação, afastam-se dela em alguns pormenores.
Resulta daquela primeira base, embora não explicitamente formulado, o princípio de que o arrendatário pode, mesmo sem consentimento do proprietário, realizar melhoramentos no prédio. O consentimento por escrito apenas condiciona o direito à indemnização. Havendo recusa do proprietário, poderá recorrer-se para a comissão arbitrai, se os melhoramentos visarem a rega, o enxugo ou a defesa contra a erosão. O suprimento corresponde, nestes casos, e nos termos da base imediata, ao consentimento, para o efeito de se poder pedir a respectiva indemnização.
Fixou-se o Governo numa posição modesta em confronto com a das leis italiana e espanhola, salvo pelo que respeita à possibilidade de introduzir melhoramentos sem autorização judicial, e, em certa medida, ficou mesmo aquém do disposto no artigo 65.º do Decreto n.º 5411, relativamente aos arrendamentos por menos de vinte anos.
Na verdade, o artigo 1632.º do Código Italiano permite o recurso aos tribunais em qualquer caso em que, o arrendatário pretenda fazer benfeitorias no prédio. Somente se exige a prova de certas condições, designadamente capacidade técnica e económica para o. empreendimento e possibilidade, pela duração do contrato, de se aproveitar ainda o arrendatário dos respectivos benefícios. O proprietário tem a possibilidade, uma vez autorizada a obra, de se substituir ao arrendatário, fazendo-a por sua conta. O arrendatário, por seu turno, feitas as obras à sua custa, item direito a uma indemnização findo o arrendamento (artigo 1633.º).
Também pelo regulamento espanhol de 1959 o arrendatário está inibido de fazer obras destinadas ao aumento da produtividade da terra sem obter previamente autorização do proprietário ou do juiz ou tribunal competente (artigo 22.º, n.º 1). Uma vez feitas, porém, as obras, fica o arrendatário com direito de pedir a respectiva indemnização quando entregar o prédio.
Nos três sistemas referidos há de comum o seguinte: as benfeitorias úteis feitas pelo arrendatário não podem impor-se ao proprietário para efeitos de indemnização se não foram autorizadas, por este ou pelo tribunal (no projecto pela comissão arbitral) 1.
Mas diferem sob vários outros aspectos, que interessa analisar.
Deverá, em primeiro lugar, permitir-se ao arrendatário fazer os melhoramentos (benfeitorias úteis) sem autorização do proprietário ou do tribunal, sujeitando-se a não receber qualquer indemnização?
Como vimos, por argumento a contrario, pode deduzir-se do artigo 65.º do Decreto n.º 5411 que o arrendatário goza dessa faculdade, pois só se fez depender do consentimento o direito de exigir uma indemnização nos arrendamentos por menos de vinte anos. Esta doutrina, embora em contraste com a de algumas legislações estrangeiras 2, tem sido recebida com aplauso em obras de economia agrária 3, o que é compreensível, pela importância que as benfeitorias podem ter para a economia nacional.
Embora juridicamente discutível tal tese pois o prédio é do proprietário, e não do rendeiro, a aceitação da solução italiana e espanhola pode entre nós ter o aspecto de um retrocesso, que a Câmara Corporativa entende não dever sustentar 4. O que se impõe é apenas um limite às alterações facultadas ao arrendatário, não sé lhe dando em. caso nenhum poderes superiores aos que tem um usufrutuário. Ele deve respeitar a substância e o destino económico do prédio 5. Embora o valorize, não deve poder, por exemplo, transformar um campo de cultura num campo de jogos ou num jardim: Para justificar esta solução basta lembrar que o usufrutuário tem o direito de arrendar o prédio, e não deve poder atribuir pelo arrendamento mais direitos dos que ele próprio tem.
Uma segunda questão é esta:
Nas legislações estrangeiras que citámos, o recurso aos tribunais é sempre permitido, ao passo que no projecto só se admite esse recurso, para o efeito, claro, de se poder pedir a indemnização, se os melhoramentos visarem a rega, o enxugo ou a defesa contra a erosão (n.os 1 e 2 das bases XIII e XIV).

1 Vide Dr. Pinto Loureiro, ob. cit., III, p. 60, e Alexandre de Seabra, Das benfeitorias nos prédios arrendados, no Direito, ano 11.º, p. 2.

1 A Ordonnance de 17 de Outubro de 1045 afasta-se, em França, desta orientação. Qualquer que seja a causa por que cessou o contrato, o arrendatário que, pelo seu trabalho, valorizou o prédio, tem direito a uma indemnização (artigos 35.º e seguintes). Este aspecto do problema tem de ser considerado adiante, em relação aos arrendamentos familiares.
2 Ao contrário, a lei belga de 6 de Março de 1929 autoriza o rendeiro a construir e a plantar, desde que as obras sejam úteis e conformes ao destino dos bens. Em França, a Ordonnance, citada, de 17 de Outubro de 1945, também não estabelece qualquer limitação no direito de o arrendatário introduzir benefícios no prédio (artigos 85.º e seguintes).
3 Vido Prof. Henriques de Barros, ob. cit., III, p. 659.
4 É por isso que lhe parece não dever aceitar-se a doutrina do anteprojecto do Prof. Galvão Teles, que colocou também o arrendatário, quanto a benfeitorias, na dependência de autorização do senhorio ou do tribunal.
5 Cf. artigos 1.º e 8.º do anteprojecto do futuro Código Civil. Vide Pires de Lima, Do ususfruto, uso e habitação, no Boletim ao Ministério da Justiça n.º 70.

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Parece à Câmara Corporativa que não há razão para limitar a estes três casos as possibilidades do recurso aos- tribunais (ou às comissões arbitrais). Porquê só obras de rega, de enxugo ou de defesa contra a erosão, e não quaisquer outras, como as que transformem terrenos de cavalaria em terrenos de cultura, ou quaisquer das referidas ,no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 43 355, de 24 de Novembro de 1960?
No relatório que precede o projecto não se faz referência à questão, e a Câmara Corporativa não encontra motivos que possam justificar a restrição proposta; embora suponha que o Governo tivesse tido em consideração a importância excepcional daqueles .melhoramentos para u economia do País.

Quanto à indemnização, crê esta Câmara, salvo ainda pelo que respeita à intervenção das comissões arbitrais, que as* soluções das bases XIV e XV são, de uma maneira geral, de aceitar.
A indemnização só se justifica se o proprietário, não o senhorio, como se diz na base XIII 1, consentir ou esse consentimento for suprido por via judicial, por se reconhecer que os melhoramentos são de utilidade manifesta para o prédio e para a produção, como se preceitua no artigo 1632.º do Código Italiano. Convém, porém, para evitar encargos insuportáveis, que, sendo as benfeitorias autorizadas pelo tribunal, possam os proprietários pagar em prestações a respectiva indemnização, se ela ultrapassar três vezes o valor da renda anual. A fixação do número de prestações é que terá de deixar-se ao arbítrio do tribunal.

Nos termos expostos, devem as bases XIII, XIV e XV do projecto ser substituídas pela seguinte base:

BASE XVI

1. As benfeitorias úteis ou voluptuárias podem ser feitas pelo arrendatário independentemente do consentimento do proprietário, salvo se afectarem a substancia do prédio ou o seu destino económico.
2. Havendo consentimento por escrito do proprietário, ou tendo este sido judicialmente suprido, o arrendatário, findo o contrato, tem direito a exigir daquele o valor das benfeitorias úteis.
3. O suprimento judicial só pode ser concedido se o tribunal reconhecer que os melhoramentos são de utilidade manifesta para o prédio e para a produção.
4. O valor das benfeitorias, para efeitos do n.º 2, é calculado pelo custo delas, se não exceder o valor do benefício à data da cessação do arrendamento. No coso contrário, não poderá o arrendatário haver mais do que esse valor.
5. Se a importância da indemnização ultrapassar três vezes o valor da renda anual, o senhorio pode requerer ao tribunal o pagamento em prestações.
6. O arrendatário não goza do direito de retenção.

Nega-se ao arrendatário o direito de retenção para que não possa protelar-se, findo o contrato, a sua posse.
A doutrina do n.º 4 também se encontra consagrada no § 1.º do artigo 39.º do anteprojecto do Prof. Galvão Teles.

45. Levantamento de benfeitorias. - Os dois números da base XVII compreendem-se mal.
As maquinas e acessórios que tenham sido montados no prédio, como se diz no n.º 1, passam juridicamente à categoria de partes integrantes, conforme o consenso geral dos autores e deixam, por isso, de ser coisas acessórias. Por outro lado, essas máquinas e acessórios são verdadeiras benfeitorias, quando montados no prédio, e caem consequentemente sob a alçada do n.º 2 da mesma base. Ora as duas regras são contraditórias. Enquanto que pela primeira essas benfeitorias podem, ser retiradas se o arrendatário não tiver direito à indemnização referida nas bases anteriores, pela segunda este não as pode levantar, mesmo que tenham sido realizadas sem autorize ao do senhorio.
É difícil apreender o pensamento do Governo, que só será formalmente lógico se se atribuir a cada um dos números campos distintos de aplicação. Mas quais?
E certo que na base VII do projecto há também unia referência a máquinas e demais coisas acessórias; mas aí, sem dúvida, em oposição às partes integrantes previstas na primeira parte do n.º 1 da mesma base, ao passo que aqui o sentido daquelas palavras parece ser diferente, desde que se supõe que essas coisas estuo montadas no prédio e, portanto, ligadas a ele.
Não vê a Câmara Corporativa melhor solução quanto ao levantamento de benfeitorias do que a consagrada no Código Civil em matéria de posse (artigos 499.º e 500.º) 1. Embora o arrendatário não seja um possuidor em nome próprio, a sua situação é análoga, e não podem razoavelmente justificar-se soluções diferentes para um e outro caso. É nessa orientação, que é também a do anteprojecto do Prof. Galvão Teles-(artigo 39.º, § 3.º), que a Câmara Corporativa entende dever substituir-se a base XVII do projecto por estoutra:

BASE XVII

O arrendatário pode levantar, abe ao termo do contrato, as benfeitorias úteis ou voluptuárias que haja feito no prédio, podendo fazê-lo sem detrimento. Cessa, neste caso, em relação às benfeitorias úteis levantadas, o direito que o n.º 2 da base anterior lhe confere.

A doutrina desta base afasta-se sensivelmente da solução do projecto, que é justificada no relatório no j seguintes termos: «Em caso algum, é permitido o levantamento dos benfeitorias no termo do contrato de arrendamento, mito que assim, o exige a interesse da propriedade».
A fórmula em caso algum não é inteiramente exacta, porque o n.º 1 da base admite o levantamento quando o proprietário não seja obrigado a1 indemnizar o rendeiro.
Por outro lado, desde que não haja detrimento, não se vê que seja afectado o interesse do proprietário. Se houver lugar a indemnização, deixa o senhorio de a pagar, podendo aplicar as importâncias respectivas no melhoramento, do prédio e podendo o arrendatário transferir os benefícios para outras terras; se não há lugar a indemnização, não deve, podendo a benfeitoria ser retirada sem detrimento, aceitar-se um tão nítido caso de locupletamento à custa alheia. É por isso mesmo que parece não dever atender-se à falta de autorização do senhorio para a feitura das benfeitorias.
É de recear, por último, que o regime apertado do projecto e a perspectiva de um prejuízo certo por

1 Se o arrendamento tiver sido outorgado, por exemplo, por um usufrutuário, é evidente que não devo poder pedir-se a este, que pode não ter qualquer interesse nas obras, a indemnização, nem ao proprietário da raiz, só não deu o seu assentimento.

1 Cf. artigos 42.º o 45.º do anteprojecto do futuro Código Civil, do Prof. Luís Finto Coelho, sobre a Posse, no Boletim do Ministério da Justiça n.º 88.

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parte do arrendatário o desanimem e o convençam, em muitos casos, a não fazer os melhoramentos. Os prejuízos para a propriedade serão então maiores.

46. Empréstimos do Estado. - A base XVI do projecto permite ao Estado conceder empréstimos, nas condições da base v da Lei n.º 2017, de 25 de Junho de 1946, aos Senhorios para indemnizarem os arrendatários pelas benfeitorias por estes realizadas, bem como aos arrendatários para executarem os melhoramentos ou benfeitorias referidos na base XIII.
Com a publicação do Decreto-Lei n.º 43 355, de 24 de Novembro de 1960, tornou-se dispensável esta base.
Segundo a alínea u) do artigo 2.º deste diploma, são possíveis os empréstimos para aquisições, pelo senhorio, das benfeitorias realizadas pelos rendeiros e, segundo o artigo 11.º do mesmo decreto-lei, é facultado o pedido para melhoramentos «aos rendeiros que demonstrem, por documento autêntico, estarem autorizados por quem de direito a realizar as benfeitorias paru que solicitam assistência financeira».
A base XVI do projecto, embora deslocada num diploma sobre arrendamento, ainda se podia justificai-se houvesse conveniência em alterar a legislação sobre melhoramentos agrícolas. Para confirmar simplesmente o que já está legislado não se justifica.
Entende, por isso, a Câmara Corporativa que ela deve ser eliminada.

§ 9.

Despesas de cultura

47. Avanço, à cultura. -Segundo a base XVIII do projecto, no caso de não renovação do contrato, o arrendatário é obrigado a executar as práticas normais que visam o contínuo cultivo da propriedade, sendo por elas indemnizado pelo senhorio, ou a permitir que este as execute.
Esta doutrina, nos termos em que está formulada, é um tanto enigmática, e não se duvida de que poderá suscitar dificuldades de aplicação.
Parece, pelo menos em parte, não obstante a redacção equívoca, que se quer visar o chamado avanço â cultura, ou seja, na definição do Prof. Henrique de Barros, a atracção do capital circulante que se mantém «cativo» quando cessa o arrendamento» 1.
Assim, e para citar um exemplo, a estrumação. A fertilização da terra não visa exclusivamente os f m-1 tos que se pretendem imediatamente obter, Repercute-se para diante, beneficiando também nos anos seguintes as respectivas colheitas.
Torna-se, pois, necessário regular, numa base de justiça e no interesse geral da agricultura, a sucessão das gestões agrárias, destrinçando os proveitos obtidos pelos anteriores e pelos posteriores agricultores.
Acontece, porém, que são tantas as hipóteses, tantas as diferenças assinaladas de terra para terra, de região para região, de cultura paro cultura e até de época para época, que a destrinça não pode assentar numa base segura. São os próprios economistas rurais que reconhecem a delicadeza do problema e a impossibilidade de se lhe dar uma solução uniforme que seja justa e equitativa para todos os casos.
Há a considerar, na verdade, e procurando já focar o problema em síntese, para o simplificar, pelo menos, os seguintes casos:

a) Actos que se destinam directa e imediatamente às colheitas do próprio ano, como as sachas, as mondas e as regas, mas com alguma influência nas colheitas futuras;
b) Actos que visam não só a produção do próprio ano, essa mesmo especialmente, mas também as posteriores, como a estrumação e a adubação;
c) Actos que interessam apenas às produções futuras, como à substituição da vinha morta, a enxertia, o corte de matos, a sementeira de erva para o inverno, o algueire, etc.

Em todos estes casos há uma sequência de proveitos, uma cadeia de interesses, que não podem subordinar-se às datas precisas em que começa e em que acaba um contrato cie arrendamento.
Quanto aos actos previstos nas duas primeiras alíneas, parece evidente à Câmara Corporativa que não devem prescrever-se medidas especiais e, sobretudo, que não devem impor-se indemnizações a pagar pelo proprietário no rendeiro.
Por princípio, o locatário deve conduzir a exploração em termos de não prejudicar a produtividade das terras e velar pela boa conservação do solo e dos bens cuja exploração lhe foi confiada. É a solução das alíneas b) e c) da base XXI do projecto, inspirada, sem dúvida, no preceito do artigo 62.º do Decreto n.º 5411, que obriga o arrendatário a cultivar o prédio por forma a não o prejudicar 1.
Se o arrendatário cumpre, portanto, uma obrigação legal, fertilizando a terra e conservando-a em condições de assegurar uma boa produtividade futura, não pode arrogar-se - isso seria juridicamente ilógico - o direito a uma indemnização. Não há que considerar o benefício para o proprietário ou para os rendeiros seguintes se o rendeiro cessante efectivamente, se limita a cumprir uma obrigação que lhe é imposta por lei.
Não deve esquecer-se, por outro lado, que, nas condições normais da exploração, quando o arrendatário recebe- as terras para as cultivar beneficia dos avanço* à cultura dos anteriores arrendatários, e só quando as terras andam mal feitas é que pode haver algum prejuízo, que, em geral, é compensado com diminuição de renda no primeiro ou primeiros anos de arrendamento.
Compensação paralela e sugestiva era admitida, no nosso antigo direito, por inspiração do artigo 1778.º do Código Civil Francês e está hoje consagrada pêlos costumes em várias regiões do nosso país em relação às palhas e estrumes. Escreve Coelho da Rocha que e na saída, ainda que não haja ajuste, deve (o arrendatário) deixar as palhas e os estrumes em compensação dos que tinha recebido na entrada; ou por estimação, não os tendo recebido, se o senhorio os quer» 2.
As razões expostas justificam, pois, que o arrendatário, sendo obrigado a assegurar a produtividade futura do prédio, de forma a entregá-lo tal como o recebeu, não deva ter direito a qualquer indemnização. O contrário até pareceria uma lembrança ao rendeiro da possibilidade de descurar as suas obrigações, atribuindo-se-lhe, se as cumprisse, um direito adicional. Legalizar-se-ia a incúria contra a letra e o espírito do outras disposições legais.

48. Despesa de cultura de que não beneficia o arrendatário. - Em relação à terceira categoria de casos - os previstos na alínea c) no número anterior -, todas as razões apresentadas levam igualmente à con-

1 Ob. cit., III, p. 659.

1 Cf. artigo 627.º do Código Civil.
2 Ob. cit., § 843.

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clusão, embora, evidentemente, sem o mesmo relevo, de que não deve haver lugar a qualquer indemnização. Esta deve ficar limitada às benfeitorias úteis, e não às destinadas à conservação e frutificação normal do prédio, nos termos expostos no parágrafo anterior.
Mas, em compensação, também parece ser de justiça que a rendeiro não fique obrigado à prática desses netos, devendo ser substituído .pelo proprietário ou pelo novo arrendatário em sua representação, como é de uso, pelo menos, no Norte do Pais.
Já se apontaram casos nítidos de benefícios de cultura de que nenhum proveito tira o rendeiro prestes a sair. É, por exemplo, a enxertia, é o corte de matos no Verão, é a sementeira de erva para o gado, etc.
Entende, porém, a Câmara Corporativa que uns regiões onde existem usos locais, esses lisos devem ser respeitados, porque são em geral, inspirados em razões seguras de justiça na destrinça dos direitos e das obrigações dos sucessivos rendeiros.

Nestes termos, deve a base XVIII ser substituída por outra, com a seguinte redacção:

BASE XVIII

1. A não renovação do contrato não dispensa o arrendatário dó cumprimento da obrigação de assegurar para futuro a produtividade normal do prédio.
2. Exceptua-se do disposto no número anterior a prática de actos que já não podem trazer qualquer proveito ao arrendatário, cessante, salvo uso ou costume local em contrário.

§10.º

Subarrendamento e cessão do direito ao arrendamento

49. Alterações propostas. - Dos cinco, números da base XIX do projecto do Governo, só três merecem neste momento a atenção da Câmara Corporativa - o 1, o 3 e o 5. Os outros dois estão deslocados. Estabelecendo o regime dos subarrendamentos de pretérito, contêm princípios de direito transitório a integrar ou a aproximar da base XXII. Não convém juntar matéria condenada, por sua natureza, a uma próxima caducidade, com princípios definitivos da lei.
Segundo a base XIX, não são permitidos para futuro os subarrendamentos totais (n.º 1); os subarrendamentos parciais só são permitidos havendo autorização escrita do senhorio, não podendo a parte subarrendada ultrapassar um quarto da área do prédio (n.º 3); a cessão do direito ao arrendamento é equiparada à sublocação (n.º 5).
Este regime difere profundamente do regime vigente.
O Código Civil (artigo 1605.º) admitia livremente a sublocação, salvo se houvesse cláusula em contrário no respectivo contrato. Somente se responsabilizava o locatário para com o senhorio pelo pagamento da renda e mais obrigações derivadas da locação.
O Decreto n.º 5411 reproduziu no artigo 31.º esta disposição, com ligeiras alterações de forma, acrescentando-lhe, porém, um parágrafo a equiparar, para todos os efeitos legais, à sublocação a cessão do direito ao arrendamento. Em artigo novo - o 33.º - fixou-se o regime da sublocação, atribuindo-se ao arrendatário ou sublocatário que sublocar todo ou parte do prédio arrendado o exercício de todos os direitos concedidos ao senhorio, no mesmo tempo que se considera adstrito a todas as obrigações que a este são impostas.
Em matéria de arrendamentos rústicos é este o regime que ainda hoje se encontra em vigor 1.

50. Subarrendamento total. - A solução da liberdade da sublocação do nosso direito não é pacificamente aceite nem pelos autores nem pelas leis, e é curioso notar que, segundo o artigo 1865.º do projecto primitivo do nosso código, não era permitido o subarrendamento sem consentimento, do senhorio. Foi a comissão revisora que entendeu dever substituir essa disposição por outra que conferisse maior Liberdade ao arrendatário 2.
A solução do projecto do nosso Código Civil foi a adoptada no Código Italiano de 1942 (artigo 1624.º)2. Quanto aos arrendamentos a cultivadores directos (familiares), o subarrendamento consentido era considerado como locação directa entre senhorio e subarrendatário (artigo 1649.º); em rigor, pois, como uma cessão de direito ao arrendamento. Estas duas disposições do Código Italiano foram revogadas pela Lei de 5 de Abril de 1945 (n.º 156), que proibiu para futuro todos os contratos de cessão do arrendamento, de subarrendamento ou de subconcessão (artigo 1.º).
A evolução legislativa em França é paralela a esta. Enquanto que o Estatuto de 1943 (artigo 10.º) exigia apenas o consentimento do senhorio e a Ordonnance de 17 de Outubro de 1945 admitia igualmente a sublocação (artigo 25.º), a Lei de 13 de Abril de 1946 (artigo 25.º) veio proibir os contratos, de subarrendamento ou de cessão do direito ao arrendamento. De salientar apenas o facto de esta medida não ter sido acolhida sem reservas pela crítica 4.
A proibição do subarrendamento é também a solução espanhola. O Regulamento de 29 de Abril de 1959 (artigo 4.º), embora admita, quando consentida pelo senhorio, a cessão, total ou parcial, e mesmo o subarrendamento quando diga respeito a aproveitamentos secundários ou por prazos inferiores a um ano e se destine a plantações complementares de rotações de culturas, proíbe efectivamente o subarrendamento total do prédio.
Entre nós o Prof. Henrique de Barros 5 é francamente favorável à proibição do subarrendamento. Considera esse contrato como um «processo de criar uma classe de intermediários puramente parasitária, vivendo à custa do senhorio e do inquilino, e sem nenhum benefício social».
Numa das exposições enviadas a esta Câmara pela Secretaria de Estado da Agricultura também se salienta, no sentido da proibição, que não deve ser considerada «a exploração da terra como actividade ocasional susceptível de ser negociada, mas como profissão que tem de ser exercida, exclusivamente, pelos que para ela têm vocação e se dedicam inteiramente à terra que exploram».
Em relação aos prédios urbanos, também o problema foi discutido nesta Câmara a propósito do projecto que se transformou na Lei n.º 2030. Reconheceu-se que a sublocação tem sido «fonte de conflitos e flagrantes injustiças, tendo o sistema actual, cheio de imperfeições técnicas e jurídica, permitido criarem-se à sua sombra situações socialmente parasitárias, em que indiví-

1 Quanto aos arrendamentos urbanos tem havido profundas alterações legislativas. Referem-se especialmente à sublocação de prédios urbanos o artigo 32.º do Decreto n.º 5411, que revogou o artigo 32.º do Decreto n.º 4499, de 27 de Julho de 1918, o artigo 7.º da Lei n.º 1662, de 4 de Setembro de 1924, e os artigos 59.º e seguintes da Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948.
2 Sessão de 26 de Março de 1862. Actas, p. 245.
3 Inutilmente fui adoptada pelo Código Grego (artigo 621.º).
4 Vide Ourliac, ob. cit., p. 58.
5 Ob. cit., vol. III, p. 572.

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duos sem outra espécie de trabalho que não seja o pagamento da renda ao senhorio auferem lucros por rezes consideráveis, negociando com objecto que lhes não pertence». Apesar de tais razões, esta Câmara não votou u proibição por dois motivos: por um lado, considerou a solução lesiva da liberdade contratual; por outro lado, atendeu a que há casos em que ao senhorio convém delegar no arrendatário a possibilidade de sublocação.
A questão é, sem dúvida, melindrosa, sobretudo no campo do arrendamento rústico, e são disso reflexo não só as reservas da doutrina francesa ao ver atribuída, sem uma razão decisiva, a natureza pessoal ao contrato, como as inúmeras excepções consagradas pela legislação espanhola, e até a admissibilidade do subarrendamento parcial no projecto do Governo.
Valerá a pena tentar a nova solução? Valerá a pena sacrificar um ou outro caso em que, sem qualquer prejuízo para a economia e até com proveito para todos, os prédios poderiam ser subarrendados, só para eliminar uma classe havida como parasitária?
A Câmara Corporativa não tem objecções sérias a apresentar e, por isso, aceita a proposta do Governo. Mas prevê que o tempo revelará a necessidade, se não de se revogar o princípio, pelo menos de se criarem excepções, que esta Câmara não está neste momento habilitada a sugerir.

Os termos em que se encontra redigida a base parecem excluir da proibição aqueles casos em que não há juridicamente um subarrendamento. Não se deve impedir, na verdade, que o arrendatário chame alguém, por qualquer título, a comparticipar nos lucros ou nas perdas da exploração. Neste sentido se têm pronunciado a doutrina e a jurisprudência italianos 1, não obstante a forma imperativa da Lei de 5 de Abril de 1945. Não há efectivamente razões para aplicar, neste caso, o mesmo regime proibitivo, já que os arrendatários continuam ligados à exploração da terra, e não surge, portanto, a figura indesejável que se pretende afastar.

51. Subarrendamento parcial. - A única excepção expressamente prevista na base XIX à proibição do subarrendamento contém-se no seu n.º 4. E admitido o subarrendamento parcial, quando autorizado pelo senhorio, se a parte subarrendada não ultrapassar um quarto da área do prédio.
Parece à Câmara Corporativa que as razões por que se proíbem os subarrendamentos totais conduzem, logicamente, à proibição dos subarrendamentos parciais, qualquer que seja a área do prédio. Por isso em Itália eles foram igualmente proibidos pela lei de 1945.
Circunstâncias especiais podem, todavia, justificar a solução do projecto. Designadamente nas regiões da grande propriedade é difícil, a não ser em regime de subarrendamento, obter a pequena courela ou o pequeno quintal, onde o rendeiro possa cultivar as novidades que satisfaçam as suas necessidades pessoais.
Aceita-se, portanto, a proposta do Governo.

52. Cessão do direito ao arrendamento. - O n.º 5 da base XIX considera como sublocação a cessão do arrendamento Ao falar a proposta em cessão do arrendamento usa de uma expressão corrente no nosso direito e consagra formalmente a doutrina que se contém no § único do artigo 31.º do Decreto n.º 5411. Diz-se formalmente, porque o seu conteúdo é diferente, dado que, nos termos desse artigo, a sublocação é permitida, ao passo que agora se pretende proibir a cessão do direito ao arrendamento.
Pondo de lado a redacção deste n.º 5, juridicamente pouco correcta, porque a cessão não pode ser considerada como sublocação- é coisa diferente -, importa precisar a natureza especial de cada uma destas figuras, para saber se a ambas se deve aplicar o mesmo regime proibitivo.
Esta distinção não tem tradições romanistas. Parece que foi apresentada pela primeira vez no projecto do Código de Napoleão, quando se atribuíram ao arrendatário as faculdades de sublocar e de ceder o seu direito ao arrendamento. Mas embora sem tradições, não há dúvida de que reflecte duas situações inconfundíveis.
Na cessão há uma transferência de direitos; o arrendatário deixa de figurar na relação jurídica, desaparece, sendo substituído pelo cessionário, que entra na posição jurídica do primitivo locatário. Na sublocação, pelo contrário, o arrendatário mantém-se; não cede o seu direito; não se deixa substituir; continua a ser, perante o senhorio, o único contraente. Na sublocação subsistem, pois, dois contratos de arrendamento, sendo o primeiro arrendatário senhorio em relação ao segundo, não se criando quaisquer laços jurídicos entre o verdadeiro senhorio e o segundo arrendatário.
Em face desta diversidade de situações é legítima a questão de saber se devem ser equiparados os dois actos para o efeito - único que agora interessa- da proibição.
Logo que se referiram os dois casos no projecto do Código Civil Francês, surgiram críticas fundadas u sua equiparação. A sublocação deveria ser permitida mesmo sem consentimento do senhorio, visto continuar o arrendatário a ser para o locador o verdadeiro e único locatário. Quanto à cessão, essa deveria ser proibida, porque não é normalmente indiferente para o senhorio a pessoa do arrendatário, como não são indiferentes as suas qualidades pessoais, a sua aptidão para a lavoura e o seu crédito. No contrato de arrendamento deverá sempre considerar-se implícito o intuitus personae, inibitório de uma transmissão sem o consentimento do senhorio 1.
Foram estas considerações que mais tarde inspiraram a solução do artigo 1594 do Código Italiano de 1942. Enquanto, por este artigo, o arrendatário tem a faculdade de sublocar, desde que não haja estipulação em contrário, não pode ceder sem consentimento do senhorio. Em matéria de arrendamentos rústicos, o artigo 1624.º, como já se disse, exigiu igualmente o consentimento, mas manteve a distinção entre as duas figuras estabelecendo que a faculdade de ceder importa a de sublocar, enquanto a de sublocar não importa a de ceder. A razão da diferença é ainda a mesma.
Em face de um regime de proibição de sublocar, que é o regime em causa, a questão da equiparação das duas situações põe-se em termos diferentes, mas põe-se igualmente a questão.
Em Espanha, por exemplo, enquanto se proibiu a sublocação de prédios rústicos, somente se proíbe a cessão, total ou parcial, do aproveitamento ou dos aproveitamentos principais, se o não consente expressamente o senhorio (artigo 4.º do regulamento citado).
Em França, por seu turno, não obstante se proibir a cessão, salvo, com consentimento do senhorio, em benefício de filhos ou netos do arrendatário (artigo 25.º da Ordonnance de 17 de Outubro de 1945) - o que

1 Vide Carrara, ob. cit., p. 203, nota 2.

1 Todavia, o artigo 1717.º do Código Francês sancionou a doutrina do projecto, que passou deste código para o Código italiano de 1866.

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já assinala uma certa diferença -, tem-se entendido que essa proibição não abrange a cessão gratuita, por ela não manifestar o efeito de especulação contra a qual se pretende lutar 1.
E esta mesma doutrina já tem sido sancionada por tribunais portugueses, na interpretação do § único do artigo 31.º do Decreto n.º 5411 2.
Crê a Câmara Corporativa que, quer no ponto de vista económico, quer no jurídico, se continua a impor, dentro da base da proibição do subarrendamento, a distinção entre as duas figuras jurídicas.
A sublocação dá lugar a uma classe parasitária, mas não a cessão do direito ao arrendamento, visto, neste caso, o arrendatário demitir de si todos os seus direitos contratuais, que são transmitidos ao novo arrendatário. Pode haver, em certos casos, especulação, tratando-se de uma cedência onerosa. Mas essa especulação não é, de per si, razão bastante para se proibir o negócio. A doutrina francesa, muito sensatamente, e reagindo contra a sua própria lei, aparentemente clara, tende a aproximar esta cessão do traspasse de um estabelecimento comercial. Em ambos os casos se considera de justiça que o arrendatário beneficie da mais-valia que resulta da sua própria actividade. Não importa que seja um estabelecimento ou seja uma exploração agrícola. Se, findo o contrato, neste último caso, há direito a uma indemnização por benfeitorias, deve poder o arrendatário traspassar os seus direitos onerosamente.
Claro que deve exigir-se sempre o consentimento dó senhorio. Não se lhe pode impor um arrendatário que lhe não agrade, um cultivador indesejável.
A Câmara Corporativa, em face do exposto, entende que a base XIX do projecto deve passar a ter a seguinte redacção:

BASE XIX

1. É proibido o subarrendamento total.
2. O subarrendamento parcial é permitido, quando autorizado, paira cada caso, pelo senhorio, desde que a área subarrendada não ultrapasse, no seu todo, uma quarta parte da área do prédio ou prédios que constituem objecto do arrendamento.
3. A cessão do direito ao arrendamento é também permitida quando autorizada pelo senhorio.

§ 11.º Crime de especulação

53. A doutrina da base XX do projecto. - A base proposta, pelo Governo tem como fonte inspiradora o artigo 1,10.º do Decreto n.º 5411, de 17 de Abril de 1919, cuja doutrina foi reafirmada pelo artigo 85.º, n.º 1.º, alínea b), da Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948. Alterou-se apenas, nesta data, a classificação do respectivo crime, que passou a ser havido como. crime de especulação.
O n.º 1 da base corresponde ao corpo do artigo, com uma simples alteração: reduziu-se a pena para três meses de prisão: O n.º 2 corresponde ao § único; mas agora fizeram-se alterações substanciais que dificultam a compreensão do preceito.
Na verdade, pelo § único do artigo 110.º consideram-se compreendidas na proibição do corpo do artigo a indemnização a título de contribuição, as despesas de porteiro, iluminação e limpeza de escadas, e tudo quanto é considerado como renda pelo n.º 21.º do artigo 173.º do Código ida Contribuição Predial. Segundo este número, é considerado como renda para fins fiscais «tudo quanto o senhorio receite do arrendatário, ou este satisfaz em vez dele, por efeito directo ou indirecto da cedência dos seus prédios e dos serviços que porventura o senhorio nele tenha estabelecido, quer estes serviços sejam especiais para o arrendatário, quer comuns a outros arrendatários do mesmo ou diversos prédios e ainda que aproveitem também ao próprio senhorio». Significa, portanto, o § único, que se o senhorio receber, além do que é civilmente a renda, o que for considerado cosmo tal para efeitos fiscais. comete o crime previsto nesse artigo.
Ora o n.º 2 da base XX, tal como se encontra redigido, diz precisamente o contrário, pois considera compreendido na disposição do número anterior o pagamento de quaisquer despesas que não sejam, consideradas como renda pelo n.º 21.º Como neste número é considerado como renda tudo o que o senhorio recebe do arrendatário ou este satisfaz em nome dele, não há possibilidade de aplicar em qualquer caso a sanção do n.º 1 da base. Tudo está compreendido no n.º 21.º
Há, sem dúvida, aqui um manifesto lapso. Deve ter-se pretendido referir as despesas que sejam consideradas como renda, e não as que não sejam consideradas como renda.

54. Inadmissibilidade da doutrina. - Interpretada, porém, a base nestes termos, não parece à Câmara Corporativa que ela deva aceitar-se.
A doutrina do artigo 110.º do Decreto 21.º 54.11. no período de crise que se seguiu à primeira grande guerra, teve em vista impedir a elevação fraudulenta das rendas. Aplicou-se e aplica-se sòmente aos arrendamentos para habitação, cujos aumentos eram, e ainda são hoje, em alguma medida, proibidos. Os arrendamentos para comércio ou indústria ou para o exercício de profissões liberais não ficaram sujeitos, à mesma disciplina. Trata-se, portanto, por um lado, de uma medida especial de protecção do direito à habitação, e, por outro lado, destina-se a- evitar que se aumentem por fraude as Tendas quando a lei impõe a renovação dos arrendamentos nas mesmas condições contratuais.
A Câmara Corporativa não encontra razões que justifiquem a generalização do princípio e a sua aplicação ao arrendamento agrícola. A renda tem de ser paga em géneros ou dinheiro (base IX da contraproposta da Câmara); consideram-se, além disso, não- escritas as cláusulas que obriguem o arrendatário ao cumprimento de serviços que não devam ser prestados, em benefício directo do prédio, ou o sujeitem a encargos extraordinários ou casuais não compreendidos na renda, ou o obriguem a pagar prémios de seguro de imóveis ou contribuições (base XIII). Parece, pois, que está previsto tudo o que deverá prever-se, e estabelecidas as respectivas sanções.
Mas a tudo acresce que a fixação da renda é, neste caso, inteiramente livre, o que não acontecia em 1919 com os prédios urbanos; e se é livre, é absurdo que o senhorio não possa receber indirectamente aquilo que pode fixar directamente. Parece claro que só num regime de renda fixa se justificam medidas de natureza das do artigo 110.º citado, destinadas a evitar fraudes à lei em prejuízo do arrendatário.
Se as novas exigências do senhorio aparecessem com carácter obrigatório, ainda se compreenderia qualquer providência legislativa para as evitar; mas não só não há obrigatoriedade, como não se vê, aia vida jurídica corrente, que o arrendatário possa ser compelido indirecta ou moralmente a satisfazer obrigações a que não

1 Vide Ourliac, ob. Cit., p. 58.
2 Vide Revista de legislação e de Jurisprudência, ano 72, p. 309.

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se sujeitou no contrato. É preciso atender a que, findo o prazo do arrendamento, a fixação da renda e o despedimento do arrendatário são inteiramente livres, pelo que se não descobrem elementos coactivos.
Pelo exposto, é de parecer a Câmara Corporativa que deve ser eliminada esta base, pelo que não se pronuncia sobre algum outros lapsos que nela se contêm 1.

§ 12.º

Rescisão do contrato

55. Condição resolutiva tácita. - A possibilidade da rescisão do arrendamento por qualquer das causas previstas nas três alíneas da base XXI do projecto assenta em. princípios tradicionais do nosso direito.
A primeira. - ter o arrendatário faltado ao cumprimento de alguma das cláusulas contratuais - é uma das causas de rescisão de todo o contrato bilateral, prevista, no artigo 709.º do Código Civil e designada correntemente por Condição resolutiva tácita. Nos termos deste artigo, se algum dos contraentes deixar de cumprir, pela sua parte, poderá o outro contraente ter-se igualmente por desobrigado.
A legislação especial que desde 1918 regulamentou o arrendamento urbano, levada pela necessidade de assegurar, contra possíveis fraudes, o direito à habitação sem aumento de encargos, veio, neste domínio, afastar, na sua aplicação, a condição resolutiva tácita, substituindo-a pela enumeração taxativa dos fundamentos do despejo, isto é, por referências especiais às obrigações legais ou contratuais cuja falta de cumprimento importa a possibilidade para o senhorio de rescindir o contrato 2.
Não há razão, porém, para seguir orientação paralela em matéria de arrendamentos agrícolas. Desde que se trate de obrigações legitimamente assumidas pelo arrendatário, e já se estabeleceram fortes limitações neste domínio, deve permitir-se a rescisão do contrato se tais obrigações forem violadas. Parece ser esta a orientação geral das legislações, que, especialmente no caso da falta de pagamento da renda, admitem sempre e expressamente a imediata rescisão do contrato 3.

56. Exploração inconveniente do prédio. - As alíneas b) e c), embora, digam respeito, a primeira, à exploração agrícola, em si e a segunda, à conservação dos bens arrendados ou quê se encontrem no prédio, não diferem nos seus objectivos e nos seus fundamentos. Ambas procuram obviar a que o rendeiro possa, sem uma pronta sanção, prejudicando os interesses do senhorio, prejudicar os interesses gerais da economia.
É já tradição do nosso direito admitir em tais casos o despejo imediato. Permitia-o o artigo 1627.º do Código Civil, em. disposição que passou para o artigo 62.º do Decreto n.º 5411, assim redigido:

O arrendatário de prédios rústicos é obrigado a cultivá-los de modo que não sejam deteriorados, aliás pode sor despedido e responde por perdas e danos.

Este artigo, em boa interpretação, parece abranger todos os princípios contidos nas alíneas b) e c) da base XXI.
No estrangeiro também é esta a doutrina que se encontra sancionada nas mais modernas legislações. Em Espanha, por exemplo, o artigo 28.º do Regulamento de 23 de Abril de 1959 permite a rescisão se o arrendatário causar danos ao prédio, ou abandonar total ou parcialmente a cultura, ou tiver deficiências na exploração que sejam exigíveis a todo o bom cultivador. Em Itália, o artigo 1618.º do Código de 1942 permite a rescisão do contrato se o arrendatário não destinar ao serviço do prédio os meios necessários à sua gestão, ou se não observar as regras da boa técnica. Na Inglaterra, pelo artigo 57.º do
Agricultural Holding Act, de 1948, «o proprietário tem direito a receber do rendeiro, ao terminar o contrato, nana compensação por motivo de delapidação, deterioração ou estragos ocorridos na propriedade em consequência do não cumprimento por parte do rendeiro do seu dever de cultivar em obediência às normas do bom agricultor» 1.
Porque a considera, pois, na boa orientação, não tem a Câmara Corporativa qualquer oposição a fazer à doutrina da base XXI do projecto, limitando-se a sugerir algumas alterações de forma e a omissão da referência do Código de Processo Civil.
A base deverá ter a seguinte redacção:

BASE XX

O senhorio pode obter o despejo imediato do prédio arrendado, sem prejuízo do direito à reparação por perdas e danos, nos seguintes casos:
a) Se o arrendatário tiver faltado ao cumprimento de alguma obrigação contratual ou legal;
b) Se o arrendatário prejudicar a produtividade do prédio;
c) Se o arrendatário não tiver velado pela boa conservação dos bens, ou causar prejuízos graves nos que, não sendo objecto do contrato, existam nos prédio arrendados.

As alterações de forma sugeridas são de justificação evidente. Poder-se-ia ir mais longe, eliminando a alínea b), cuja doutrina, em bom rigor, se contém na primeira parte da alínea c). A lei não deixará, porém, de ficar, assim, mais acessível.
Não é, todavia, necessário dizer (n.º 1) e repetir (n.º 2) que o direito de rescisão se pode exercer durante o período de vigência do arrendamento. Basta falar em despejo imediato, que tudo fica esclarecido.
A referência ao Código de Processo Civil é inútil, e, nos termos em que é feita, equívoca. O processo não é o do artigo 970.º (cessação do arrendamento no fim do prazo estipulado), mas o do artigo 977.º (despejo imediato). Mas, como se disse, não é necessário neste caso fazer qualquer referência, porque tal processo, o do artigo 977.º, é directamente aplicável.

§ 13.º

Comissões arbitrais

57. Doutrina da base XXII e sua crítica. - Segundo a base XXII do projecto do Governo, todas as divergências que surgirem entre o senhorio e o arrendatário serão

1 são de salientar a subordinação do regime proposto a uma lei fiscal, vício que já vem de 1919, mas que é intolerável, e a referência a quantias, quando se deveria aplicar, evidentemente, a toda e qualquer prestação, mesmo que não fosse pecuniária. A referência a quantias no artigo 110.º do decreto n.º 5411 compreende-se por a renda, no arrendamento urbano, ser sempre fixada em dinheiro.
2 Vejam-se, hoje, os §§ 1.º, 3.º, 6.º, 7.º e 9.º do artigo 5.º da lei n.º 1662, de 4 de Setembro de 1924, os artigos 979.º e 990.º do Código de processo civil e o artigo 67.º da Lei n.º 2030.
3 É de salientar, em sentido diferente, o artigo 28 da Ordonnance francesa, de 17 de Outubro de 1945, aplicável por força do artigo 23.º Só se admite a rescisão se houver reiterados retardamentos do pagamento da renda, não devidos a casos de força maior.

1 Citado pelo prof. Henrique de Barros, ob. Cit., p. 654.

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decididas por uma comissão arbitral constituída, em cada concelho, por um representante da Junta de Colonização Interna, que presidirá, e por dois proprietários e dois arrendatários designados pelo Conselho Regional da Agricultura.
Esta comissão, nos termos da mesma base, resolverá apenas as questões de facto. Já se mostrou, porém, ao fazer-se a análise de algumas bases do projecto, que também poderá e terá de resolver, e em última instância, o que é gravíssima, questões de direito.
Parece que estas divergências resultam de senão ter apercebido o relator do projecto das dificuldades do problema, julgando possível a uma comissão de técnicos rurais pronunciar-se, sem recurso, acerca da sua própria competência em matéria de facto. Não há hoje questão mais discutida perante os tribunais. Ela surge sempre que se organiza o questionário, limitado à matéria de facto, e sempre que se aprecia a competência do Supremo Tribunal de Justiça, limitada às questões de direito.
Quem poderá informar as comissões do que é a matéria de facto, da sua competência, e do que é a matéria de direito, da competência dos tribunais comuns, quando os próprios juristas lutam com as maiores dificuldades?
E quem as poderá informar de que se trata, efectivamente, a e um contrato de arrendamento, pressuposto da sua competência?
A Câmara Corporativa, ao pronunciar-se sobre alguns dos problemas referidos no n.º 2 desta base, teve já oportunidade de mostrar, por esta e outras razões, a sua completa, discordância com a solução proposta (n.ºs 32, 33, 43 e 44).
Há, por um lado, que prestigiar o direito, não deixando a sua aplicação nas mãos de quem não tem cultura jurídica, e há, por outro lado, que ter confiança na justiça. Este, como já se disse, é um problema de política judiciária do maior interesse. Importa fazer intervir juizes togados, e não técnicos rurais, que serão úteis como peritos, mas que não são certamente desejáveis como julgadores.
Seria inexplicável que as nossas leis de processo exigissem, em regra, a intervenção, no julgamento da matéria de facto, de Ires juizes de carreira, e prescindissem da intervenção de juristas nas questões suscitadas em matéria de arrendamentos agrícolas!
Já se fez alusão também ao que se passa nos países estrangeiros e ao fracasso, entre nós, da tentativa de criação de tribunais arbitrais pelo Decreto n.º 20 188, de 8 de Agosto de 1931.
Na Espanha, como já se viu, todas as questões entre senhorios e arrendatários são decididas pelos Juzgados Municipales y Comarcales ou pelos Juzgados de Primera Instancia, com recurso, respectivamente, para estes tribunais ou para a Audiência Territorial (artigo 51.º do Regulamento de 29 de Abril de 1959).
Na França, os tribunais paritaires, juntos de cada cantão ou de cada arrondissement, são presididos, respectivamente, pelo juiz de paz ou pelo presidente do tribunal civil ou por um dos juizes designados por ele (artigos 2.º e 3.º da Ordonnance, de 4 de Dezembro de 1944).
Na Itália, foram criadas secções especializadas junto dos tribunais comuns, constituídas pelo presidente do tribunal, por dois juizes togados e por oito peritos nomeados pelo presidente (artigo 4.º da Lei n.º 1140, de 18 de Agosto de 1948). Estas secções vieram substituir as comissões arbitrais agrárias, que eram já presididas pelo presidente do tribunal ou por um juiz seu delegado (cf. artigo 9.º da D. L. T. n.º 277, de 1 de Abril de 1947). Esta lei de 1947 também criou as chamadas comissões técnicas provinciais, destinadas a fornecer,
primeiro às comissões arbitrais, depois as secções especializadas 1, elementos objectivos destinados à fixação justa das rendas (artigo 2.º) 2. Segundo, porém, a jurisprudência da Corte di Cassazione, os critérios normativos estabelecidos pelas comissões técnicas provinciais não são vinculativos para as secções especializadas agrárias.
A criação de comissões técnicas em Portugal, em 1931, constituiu, como se mostrou, um erro, e é preciso não o cometer de novo. É esta a opinião da Câmara Corporativa.

58. Solução aconselhável. - O que se disse não impede que se pense em qualquer outra solução que permita levar aos tribunais um conhecimento mais exacto dos problemas agrários.
Mas qual?
Criação de tribunais especiais presididos por juizes togados?
Criação de comissões destinadas à prestação de informações técnicas?
Obrigatoriedade de escolha de peritos especializados?
Crê a Câmara Corporativa que, das três soluções possíveis, a que melhor se justifica é a última.
A criação de tribunais especiais não se impõe, dado, por um lado, o reduzido movimento judicial neste campo e, por outro, a natural simplicidade das questões que normalmente são levadas à apreciação dos órgãos jurisdicionais do Estado. Mais razão haveria para a criação de tribunais especiais para o julgamento das questões de águas, muito mais complexas do que as relativas aos arrendamentos agrícolas.
A criação de comissões técnicas especializadas também se não justifica, não só pelas mesmas razões, mas ainda porque a sua intervenção iria demorar e complicar os julgamentos, quer na forma sumária, quer ordinária, dos respectivos processos.
A terceira solução é a que se harmoniza com a doutrina do artigo 595.º do Código de Processo Civil, segundo o qual, havendo exames ou vistorias que exijam conhecimentos técnicos, o perito do tribunal deverá ser nomeado de entre os funcionários dos respectivos serviços. Bastará, portanto, à semelhança do que se faz em matéria de águas, impor a escolha entre técnicos especializados.
Embora prejudicada assim a questão, dir-se-á, todavia, que nunca faria sentido, a admitirem-se comissões arbitrais, que os representantes dos proprietários a dos arrendatários fossem designados oficialmente pelo Conselho Regional de Agricultura. Para que fosse efectiva a representação, e não puramente simbólica, importava que fossem os organismos corporativos da lavoura e do trabalho a eleger aqueles representantes 3.
Pelo exposto, entende a Câmara Corporativa, que a base XXII do projecto deve ser substituída por outra, com a seguinte redacção:

BASE XXI

Nas questões entre senhorios e arrendatários, em que haja de proceder-se a exame ou vistoria, o juiz nomeará sempre para perito um engenheiro agrónomo ou silvicultor, conforme a natureza do arrendamento.

1 Obrigatoriamente desde a Lei n.º 321, de 3 de Junho de 1949.

Mantidas pela Lei n.º 1140, de 18 de Agosto de 1948, e pela Lei n.º 321, de 3 de Junho de 1949.
3 A eleição deveria caber no Conselho Geral da Federação dos Grémios da Lavoura e ao Conselho da Federação das Casas do Povo.

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§ 14.º

Arrendamentos familiares

59. Arrendamentos a cultivador directo na Itália, na Espanha e no anteprojecto do Prof. Galvão Teles. - Os arrendamentos a cultivador directo, designados em Espanha por arrendamentos familiares protegidos, tiveram neste país o seu regime especial a partir da Lei de 23 de Julho de 1942 1 e em Itália com a publicação do Código Civil, aprovado pelo Decreto de 16 de Março do mesmo ano. Em Portugal, no anteprojecto do Prof. Galvão Teles também se propõem normas especiais para os arrendamentos a cultivadores directos, em matéria de não produção ou perda casual de frutos (artigo 75.º, § 4.º) e de benfeitorias não autorizadas (artigo 82.º).
No relatório que precede o projecto do Governo anuncia-se com entusiasmo a nova instituição, cujos resultados na vizinha Espanha - escreve-se - são de tal forma vantajosos, sob os aspectos económico, social e agrário, que é lícito formular as mais optimistas previsões".
A Câmara Corporativa não acompanha o Governo no seu optimismo. A Espanha parece estar há muito cansada dos exageros a que a guerra civil a levou em matéria de arrendamentos agrícolas, e são as próprias leis que anunciam a alteração próxima das medidas excepcionais que foram tomadas desde 1935.
O carácter transitório da lei de 1942 que criou os arrendamentos familiares protegidos está expresso no seu próprio preâmbulo:

En tanto el normal desenvolvimiento de la economia nacional no permite acometer, con garantias de acierto, el problema agrário, acude a regular las situaciones jurídicas actualmente planteadas.

O objectivo dessa lei é

adaptarse a las circunstancias del momento tendiendo a evitar que un simultâneo desenlace de las relaciones arrendaticias produzca un desiquilibrio en la contratación con el conseguiente perjuicio para nuestra economia agrícola.

Em 1948, a Lei de 4 de Maio, ao conceder novas prorrogações dos contratos, realçou o carácter transitório dos novos regimes, ao dizer, igualmente, no seu preâmbulo:

Persistiendo en la actualidad las causas que aconsejan demorar la finalización de aquellas situaciones arrendaticias hasta el momento que la contratacion deje de estar afectada por las mismas y por la coyuntura económica derivada de la última guerra mundial, parece conveniente mantener el referido aplazamiento por el tiempo que prodencialmente se estima suficiente para que remitan aquellas circunstancias y se restablezea la normalidad.

Por último, o preâmbulo da Lei de 15 de Julho de 1954, depois de referir a situação excepcional que jusficou o aparecimento dós arrendamentos familiares protegidos, pôs, com toda a clareza, a posição do Governo Espanhol nessa matéria:

La necesidad de corrigir los errores provocados por la subversión política que padeció el campo durante los anos de mil novecientos treinta y uno a mil novecientos treinta y seis; los danos materiales producidos durante la guerra de Liberación, y las dificultados de todo orden que se oporían a la recuperación de nuestra agricultura, unidas al espiritu de justicia social inspirador de nuestro Movimiento, han venido a consolidar, durante cerca de quince anos, una posición jurídica de excepción, que ha tipificado, através de una serie de leyes, el llamado arrendamiento protegido.
Superadas las circunstancias desfavorables, y próximo el vencimiento de la última prorroga concedida por la Ley de cuatro de mayo de mil novecientos cuarenta y ocho, ha llegado el momento de poner fin a esta situación provisional, orientando su resolución definitiva de modo que se evite el planteamiento de problemas económicosociales que perturban la explotación de las fincas, al mismo tiempo que se cumplen, conforme a su propio espiritu, los preceptos establecidos por nuestras leyes fundamentales como normas rectoras de la política agraria del Movimiento.

Quer dizer: "Superadas las circunstancias desfavorables... ha llegado el momento de poner fin a esta situación provisional". É esta a posição actual do Governo Espanhol expressa em textos legislativos e produto de uma experiência de quase vinte anos.
Não se encontra também nos juristas espanhóis nenhuma espécie de apoio ao regime vigente. Antes se nota um certo desprezo pelo estudo daquilo que é havido como transitório 1.
O Regulamento de 29 de Abril de 1959 mantém, como se disse, o regime transitório dos arrendamentos familiares. É preciso notar, porém, que, como se diz no preâmbulo daquele diploma, "no ha llegado el momento de promulgar una nueva Ley que regule el disfrute y cultivo de la tierra ajena de forma más acorde con la tendência económica y social del momento presente, pero dada la gran conveniência de eliminar las dificultades aludidas, resulta procedente arbitrar un médio para que el derecho vigente resulte de más fácil y compreensible aplicación, lo que se puede conseguir elaborando un texto único convenientemente sistematizado". Trata-se, pois, e por enquanto, de uma espécie de consolidação do direito vigente, e não de uma nova lei sobre o arrendamento rústico.

60. Termos em que podem ser admitidos os arrendamentos familiares. - Reduzido às suas legítimas proporções o problema dos arrendamentos familiares, a Câmara Corporativa reconhece, como já teve ocasião de o dizer (n.º 6), certas vantagens e uma certa justiça na criação de um regime especial para esses arrendamentos.
São duas as razões em que se funda: em primeiro lugar, a empresa agrícola de tipo familiar é, em muitos casos, a forma mais perfeita de exploração da terra; em segundo lugar, é devida, naturalmente, especial pro-

1 Pelo Regulamento de 29 dr Abril do 1959, ao lado dos arrendamentos protegidos em geral (artigos 83.º a 90.º) foram considerados também os arrendamentos especialmente protegidos (artigos 91.º a 109.º). São especialmente protegidos os arrendamentos contraídos anteriormente a 1 do Agosto de 1942 que, por aplicação de preceitos legais, ainda subsistiam em 1959. As disposições que lhes respeitam não têm para nós qualquer interesse.

1 A título de exemplo, podem ver-se estas sugestivas palavras do catedrático, de Direito Civil Luis Martin-Ballestero y Costea:

Nada hay que se deprecie tanto como lo que se sabe pasajero y circunstancial. Recordad la vieja confesión del gitano que disculpaba su ignorância sobre los mandamientos de la

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tecção ao pequeno agricultor, que é precisamente aquele que cultiva a terra apenas com o auxílio do seu agregado familiar. Na Itália assim se tem considerado o problema, não tendo os artigos 1647.º a 1654.º do Código Civil mereci ti o críticas à doutrina:
Mas da admissão de um regime especial para os arrendamentos a cultivadores directos à admissão do sistema proposto pelo Governo, vai uma grande distância. O que se sugere no projecto, nas bases XXVI e seguintes, não é o estabelecimento de um novo regime para certos contratos, mas a atribuição ao Secretário de Estado da Agricultura da faculdade, praticamente discricionária, de conceder a requerimento dos interessados, e mediante parecer fundamentado da Junta de Colonização Interna, o título de arrendamento familiar protegido a alguns arrendatários.
Se não fosse já de si inadmissível a ingerência do Governo na vida jurídica privada, criando, por seu arbítrio, situações particulares, individuais, bastaria tratar-se, na interpretação mais plausível dos textos propostos, da atribuição ao rendeiro de um direito real de gozo, parcela do direito de propriedade, para que tal acto, por inconstitucional, se não devesse admitir. Rigorosamente, tratar-se-ia de um confisco, proibido pela Constituição.
É certo que não pode com segurança dizer-se, em face de textos de técnica jurídica tão defeituosa, que assim é ou que assim não é. Se, por um lado, as bases XXV, XXVI, e XXXI aparentam ter-se pretendido instituir, em princípio, um direito perpétuo, e, portanto, uma forma de propriedade imperfeita, na terminologia do nosso código, a base XXX, por outro lado, pelo menos aparentemente, sugere a rescisão automática do contrato por morte do arrendatário, pois em relação aos seus herdeiros não se verifica a condição da alínea d) do n.º l da base XXV gerência exercida num período não inferior a cinco anos.
Estaria naturalmente indicado à Câmara Corporativa o seguinte caminho: tentar uma interpretação lógica que conduzisse a uma solução constitucionalmente possível. Em face, porém, de disposições como a do n.º 3 da base XXV, essa claríssima, que faculta ao Secretário de Estado da Agricultura, por meio de portaria, contra todas as regras, a possibilidade de inutilizar decisões jurisprudenciais, não há; verdadeiramente, que procurar lógica ou constitucionalidade nos princípios. Há que reconhecer que o Governo, num momento infeliz, pretendeu consagrar, em matéria de arrendamentos familiares, uma doutrina inaceitável.
E a questão assume aspectos de excepcional gravidade, sabendo-se que está pendente do Supremo Tribunal de Justiça a apreciação da constitucionalidade ou inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.º 39 917, de 20 de Novembro de 1954, que pretendeu resolver, por via administrativa, o caso dos arrendamentos da Quinta da Torre e Foros de Fernão Ferro. Estes arrendamentos, nos termos dos n.ºs 2 e 3 da base XXV, conjugados com a base XXIII, a que adiante se fará referência, ficariam na situação criada por esse decreto, mesmo que tal diplomo viesse a ser considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal de Justiça!
Ley de Dios: «Mire, Padre - decia -, como me he oído que los van a cambiá ...». No nos detengamos por ollo demasiado en la letra de algunas decisiones legnles y jurisprudenciales de estos inestables años pasados.
La nueva y vigente Ley do Arrendamientos rústicos liquida en sus artículos primero y segundo aquela etapa calificada de provisional y que comenzó al terminar nuestra guerra: y para ello sefiala un término definitivo de los con-tratos vigentes, variable según las fineas ... («Del concepto legal de arrendamiento rústico al pago de la renta en espicia», in Temis, I, 1957, pp. 67 e seguintes).
A Câmara Corporativa sente-se impedida, dadas tais circunstâncias, de discutir o problema, entendendo que, sem mais considerações, devem ser eliminadas as bases propostas. Lembra apenas que, nos termos do artigo 8.º do Código Civil, até as leis com eficácia retroactiva devem respeitar os direitos declarados por sentença.
Certos objectivos de ordem social que estão latentes no projecto do Governo ficam certamente prejudicados. Mas isso é fatal, porque não é através do contrato da arrendamento, instituto de direito privado que se limita a fixar o regime das relações entre senhorios e arrendatários, moldadas em cânones irrevogáveis do direito civil, que poderão conseguir-se todas as vantagens económicas ou suciais a que o Governo legitimamente aspira. Outras medidas, no campo do direito público, deverão ser tomadas, e, para exemplo, temos já o Decreto-Lei n.º 43 355, de 24 de Novembro de 1960, a que se fez alusão acima (n.º 46).

61. Conceito de arrendamento familiar. - O que deverá entender-se por arrendamento familiar, ou a cultivador directo, para o efeito de o sujeitar, agora sem intervenção do Governo, a um regime particular?
O artigo 1647.º do Código Italiano considera como tal o arrendamento quando o arrendatário cultiva o prédio com trabalho predominantemente próprio ou de pessoas de sua família.
É esse também o critério aceite no anteprojecto do Prof. Galvão Teles.
As leis espanholas vão um pouco mais longe. Consideram como protegidos os arrendamentos em que a renda anual não é superior a 40 q de trigo, e, além disso, quando a exploração se faz por modo pessoal e directo. Entende-se por exploração pessoal e directa aquela em que as operações agrícolas se realizam materialmente pelo arrendatário ou pelos seus familiares, no sentido amplo desta expressão, não se utilizando assalariados senão em circunstâncias ocasionais, e nunca em número superior a 25 por cento do total necessário à exploração dos . prédios (Regulamento de 1953, artigo 83.º).
Embora com mais alguns pormenores, o critério da legislação espanhola não difere estruturalmente do do Código Italiano. Simplesmente se entendeu que a renda superior a 40 q não pode sei paga por terras exploradas em regime familiar.
Como em Portugal não se fixam as rendas com referência a certos culturas, impõe-se a .adopção do sistema italiano e do projecto do Prof. Galvão Teles, redigindo-se uma base nos termos seguintes:

BASE XXII

Quando o arrendamento tiver por objecto um ou mais prédios que o arrendatário explore, exclusiva ou predominantemente, com o seu próprio trabalho ou de pessoas do seu agregado familiar, são aplicáveis imperativamente as disposições das bases seguintes.

Os problemas a discutir, e que já foram na sua quase totalidade referidos, são estes:

1.º Duração do contrato;
2.º Caducidade por morte ao arrendatário;
3.º Não produção ou perda casual dos frutos;
4.º Indemnização por benfeitorias não autorizadas;
5.º Direito de preferência.

62. Duração do contrato e caducidade por morte do arrendatário. - O prazo mínimo de seis anos proposto

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pelo Governo para os arrendamentos agrícolas, e com o qual a Câmara Corporativa concordou em relação aos arrendamentos de índole capitalista ou patronal (n.º 20), justifica-se mal, como houve ocasião de o dizer, em matéria de arrendamentos de índole familiar. Há a considerar, neste caso, o interesse dos rendeiros, que não devem ficar vinculados a prazos longos, e há a considerar o interesse dos proprietários, quando, por se tratar, mm regra, de pequenas explorações agrícolas, o interesse geral da economia não justifica a longa duração dos contratos.
Julga por isso a Câmara Corporativa que a solução que melhor se adapta aos arrendamentos a cultivadores directos será a de se fixar, como limite mínimo de duração do contrato, o prazo de um ano.

Quanto à caducidades por morte do arrendatário, já se viu que as soluções variam muito nas leis estrangeiras. No n.º 2 da base VII do contraprojecto desta Câmara adoptou-se, como regra, a solução italiana, e que é a seguinte: dentro dos três meses seguintes à morte do arrendatário pode o senhorio, e podem os herdeiros daquele, denunciar o contrato.
Tratando-se de arrendamentos a cultivadores directos, as soluções variam ainda mais. O Código Italiano apenas faculta no senhorio, neste caso, o direito de se substituir imediatamente aos herdeiros do arrendatário na exploração do prédio (artigo 1650.º). No direito espanhol estabelece-se imperativamente a transmissão do direito ao arrendamento para a pessoa designada pelo de cujus no seu testamento ou para a pessoa eleita pelos familiares cooperadores, na falta de designação testamentária, ou para as pessoas indicadas pelo proprietário, na falta de eleição (Regulamento de .1959, artigo 86.º).
Parece a Câmara Corporativa que, tendo sido tomadas providências para evitar que se mantenham arrendamentos em condições inconvenientes para o senhorio (n.º 56), não se justifica a solução do Código Italiano. também não lhe parece conveniente o regime complexo da legislação espanhola. Em matéria de arrendamentos familiares, e atendendo-se à razão, já referida, de que a entidade arrendatária é, de facto, mais uma entidade colectiva a família- de que a pessoa do arrendatário (n.º 28), a única solução que se justifica é a da cessação do direito do senhorio de denunciar o contrato, se a família quiser continuar a cultivar as terras, até ao fim do prazo do arrendamento.
Deve, nestas condições, integrar-se no projecto uma base com a redacção seguinte:

BASE XXIII

1. É de um ano o prazo mínimo de duração dos arrendamentos a que se refere a base anterior.
2. O prazo de renovação legal é igualmente de um ano, mesmo que tenha. sido estipulado prazo superior para o arrendamento.
3. O senhorio não goza nestes arrendamentos do direito conferido no n.º 2 da base VII.

63. 'Não produção ou, perda casual dos frutos. - Já acima (n.º 32) se fez referência à doutrina do § 4.º do artigo 75.º do anteprojecto do Prof. Galvão Teles, que consagra, fundamentalmente, a solução do artigo .1648.º do Código Italiano. Estabelece-se nesse parágrafo que se o locatário explorar a coisa, exclusiva ou predominantemente, com o seu próprio trabalho ou de pessoas de sua família, e se tiver assumido o risco da falta de produção ou perda de frutos, o tribunal, quando se verifique essa falta ou perda e embora se tenha convencionado o contrário, pode autorizá-lo a pagar a renda em prestações.
Trata-se de uma medida de equidade, que não merece discussão, e que poderá integrar-se na base seguinte:

BASE XXIV.

Se o arrendatário tiver assumido o risco da falta de produção ou perda de frutos referida no n.º 1 da base X, o tribunal, quando se verifique essa falta ou perda, e embora se tenha convencionado o contrário, pode autorizá-lo a pagar a renda em prestações.

64. Benfeitorias. - Segundo o artigo 82.º do anteprojecto do Prof. Galvão Teles, o direito à indemnização por benfeitorias necessárias ou úteis, feitas pelo arrendatário, existe sempre, mesmo que tais benfeitorias não tenham sido autorizadas pelo senhorio, tratando-se de arrendamentos familiares. O princípio inspira-se no artigo 1651.º do .Código Italiano e justifica-se pela protecção especial que é devida aos cultivadores directos.
Deve, pois, introduzir-se no projecto uma base com a seguinte redacção:

BASE XXV

O direito conferido pelo n.º 2 da base XVI não depende, nesta espécie de arrendamentos, do consentimento do proprietário.

65. Direito de preferência.- A base XXXI do projecto do Governo confere ao titular do «arrendamento familiar protegido» o direito de opção na compra dos prédios arrendados, «salvo se a venda tiver por fim pôr termo a uma indivisão».
Desde que seja abolido o arrendamento familiar como tipo de direito real, ou, na terminologia do nosso Código Civil, como tipo de propriedades imperfeita, para o considerar como figura corrente de direito pessoal, embora sujeito a um regime particular, o problema da admissibilidade do direito de opção, em certa medida, fica prejudicado, já que esse direito é , no sistema da nossa lei, conferido, em principio, como meio de pôr fim a formas de propriedade parcelada, consideradas inconvenientes no ponto de vista económico e social.
Mas não fica inteiramente afastado o problema.
No direito francês, por exemplo, e não obstante certa reacção da doutrina 1, a Ordennance de 17 de Outubro de 1945 (artigos 1.º e seguintes) e a Lei de 13 de Abril de 1946 admitem, em qualquer caso, o direito de opção.
Também está consagrada a mesma solução no artigo 16.º do Regulamento espanhol de 29 de Abril de 1959.
Em Portugal, o direito de preferência é conferido nos arrendamentos para comércio, indústria ou profissão liberal, no artigo 66.º da Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948. E no projecto de Sá Carneiro, que se transformou nessa lei, procurou atribuir-se, com forte oposição desta Câmara, o mesmo direito aos arrendatários de prédios urbanos para habitação.
São do respectivo parecer estas passagens, que, mutatis mutandis, cabem perfeitamente aos arrendamentos agrícolas:

É de parecer a Câmara Corporativa que esta inovação não deve ser aprovada. O direito de preferência, quando direito real de aquisição, implica uma série restrição ao direito de propriedade e, além disso, embaraça gravemente o comércio jurídico. Por isso, esse direito tem carácter muito excepcional em todos os sistemas legislativos, sendo admitido apenas naqueles

1 Vide Ourilac, ob. Cit, p 105.

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casos em que, acima de um interesse privado a satisfazer, há o interesse público em pôr termo a uma situação inconveniente sob o ponto de vista económico ou social. É deste meio que, em geral, as legislações se servem para reagir contra os condomínios- e as- figuras chamadas entoe nós propriedades imperfeitas ou contra certos ónus ou restrições que prejudicam o livre ou melhor aproveitamento fins coisas.
A nossa lei, em confronto com as legislações estrangeiras, é já bastante fértil neste domínio dos direitos de preferência. Haverá razões para ir mais longe ainda? Pensa a Câmara Corporativa que não.
Anteriormente no Código Civil, e à parte o exercício dos direitos de avoenga, de carácter puramente familiar, apenas se admitia um caso de direito de preferência ou de opção: o conferido aos senhorios directos em relação às alienações do domínio útil (Ordenações, liv. IV, tít. 38). O Código criou vários: no artigo 1566.º, em matéria de alienação de quotas de coisas indivisíveis; nos artigos 1678.º e 1703.º, em relação às alienações de quinhões. Em leis posteriores, tanto públicas como privadas, têm sido criados a todo o propósito direitos reais de preferência, dos quais alguns se encontram hoje regulados no Código Civil, onde foram introduzidos pela reforma de 1930.
A linha geral do pensamento do legislador tem-se mantido, no entanto, fiel ao princípio acima enunciado, de que só interesses económicos ou sociais, e portanto a inconveniência de certas situações jurídicas, justificam a atribuição de direitos de preferência como meio de lhes pôr termo.

A doutrina nova do artigo 16.º é realmente inconveniente sob variou aspectos. Em primeiro lugar, e ao contrário do que acontece nos casos de preferência admitidos pelo Código Civil, não há nos arrendamentos uma situação anómada que à lei caiba permitir, mas não proteger. O arrendamento importa uma situação normal, porque todos carecem de uma habitação e nem todos possuem ou podem possuir uma casa. É, pois, uma situação que o legislador não tem de contrariar, porque não é socialmente inconveniente, e o direito de preferência conferido somente para proteger interesses privados não tem justificação. Não se esqueça de que ele constitui uma grave restrição no direito de propriedade e de que todas as restrições ou são impostas pelo interesse público ou pelas relações de vizinhança. Não há outras no nosso direito.
Mas os inconvenientes sobressairiam ainda sob outros aspectos: o proprietário teria de obter, para que pudesse alienar o prédio sem o perigo de uma acção de preferência, uma renúncia por escrito do arrendatário. Não renunciando o arrendatário, seria preciso notificá-lo judicialmente. Ora tudo isto demoraria, e às vezes há urgência em efectuar uma transacção; as notificações custam dinheiro, e só um prédio pode ter dez ou vinte inquilinos; as preferências diminuem o valor da propriedade e os capitais destinados a construções precisam de ser protegidos e não afugentados.

A razão quê se vê invocada em França, no sentido da opção, é esta: deve preferir-se na alienação aquele que tem cultivado a terra, e não o comprador eventual, que não pretende senão colocar os seus capitais.
Há muito de forçado, nesta argumentação. Aquele que pretende adquirir a terra não é, necessariamente, um absentista a colocar capitais; pode ser também um
cultivador. Por outro lado, o rendeiro que se propõe comprar o prédio pode pretender, afinal; transformar-se num capitalista e abandonar a sua exploração. Casos destes são correntes em todas as formas de empresas agrárias.
O direito de opção só poderia justificar-se na medida limitada em que se proporcionasse o acesso a propriedade dos que se dedicam à vida agrícola. Ora esse acesso não depende da aquisição de certas e determinadas terras, mas de quaisquer terras; e há-as sempre em condições de serem adquiridas.
Assente em que a figura do arrendamento agrícola não é uma figura inconveniente, mas necessária, não se justifica, pois, o direito de opção para lhe pôr termo.

§ 15.º

Disposições transitórias

66. As bases XIX e XXIII do projecto do Governo e soluções a adoptar. -Começar-se-á, no campo das disposições transitórias a análise do n.º 2 da base XIX e da base XXIII.
A solução dada aos subarrendamentos totais de pretérito é, formalmente, a melhor. Mas é melhor nos casos em que, por haver renovação dos contratos, se imponha a aplicação do novo regime. Quer dizer: o princípio do n.º 2 da base XIX está certo; mas não está certa, como se vai ver, a doutrina da base XXIII, a que ele se reporta. A substituição do arrendatário pelo subarrendatário deve ter lugar quando haja prorrogação do contrato (renovação), e não passados os doze meses referidos no n.º 1 da base XXIII .
Esta base XXIII é, sob vários aspectos, das mais infelizes do projecto.
Há, quanto aos arrendamentos escritos, manifesta discordância entre os seus dois números. Pelo primeiro, e salvo pelo que respeita à base XV, aplicar-se-á o novo regime passados doze meses 1, a contar da data da publicação da nova lei. Porém, nos termos do segundo, já não se aplicará o novo regime passados os doze meses, salvo quanto ao que se contém na base VIII, mas só no termo do prazo por que tiverem sido estipulados.
Não vê a Câmara possibilidade de conciliar os dois preceitos, com os quais, de resto, não pode concordar, em tudo o que neles pode conduzir a aplicação retroactiva da nova lei.
No n.º l há duas afirmações de retroactividade: por um lado, manda aplicar-se o novo regime decorridos doze meses, mesmo que o contrato não tenha entretanto caducado; em segundo lugar, manda aplicar-se imediatamente a doutrina da base XV. O primeiro princípio não tem uma excepcional gravidade, embora seja juridicamente inconveniente. E não tem excepcional gravidade porque só se aplicaria aos arrendamentos celebrados por prazos superiores a um ano, visto os outros ficarem naturalmente sujeitos a nova lei, quando se verificasse a renovação antes de decorridos os doze meses.
A aplicação imediata da base XV pode já ter uma certa gravidade. Refere-se essa base ao montante da indemnização devida pelo senhorio quando o arrendatário realizar, com o consentimento deste, melhoramentos na propriedade arrendada. Esta base, de per si, não tem interesse prático na medida em que se limita a fixar o montante da indemnização, quando devida; mas já tem. o maior interesse se se relacionar com à base

1 O Governo, ao fixar o prazo de doze meses, não deve ter notado que esse prazo não corresponde no de um ano. Sendo os meses sempre computados em 30 dias, 12 meses são 360 dias, e não um ano.

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anterior, e dela se poder depreender, contra o estabelecido a contrario sensu no artigo 65.º do Decreto n.º 5411, que há lugar a indemnização nos. arrenda- mentos por prazos superiores a vinte anos.
Já acima se disse que pelo facto de o Governo ter tomado num caso particular medidas de excepção, está pendente no Supremo Tribunal de Justiça a apreciação de constitucionalidade ou inconstitucionalidade dessas medidas, constantes do Decreto-Lei n.º 39 917, de 20 de Novembro de 1954.
Ora, entende a Câmara Corporativa que nem deve neste caso pronunciar-se sobre um problema em discussão nos tribunais, nem pode dar o seu acordo a que se reincida numa doutrina tão discutível como é a da constitucionalidade do referido decreto-lei, ou, o que é o mesmo, a da constitucionalidade do n.º l da base XXIII.
Respeitam-se mais os princípios da não retroactividade das leis no n.º 2. Apenas se manda aplicar retroactivamente o regime previsto na base VIII, e mesmo esse somente quando tiver decorrido o prazo de doze meses referido no número anterior. A base VIII do projecto do Governo corresponde à base XIII do contraprojecto desta Câmara. Dizem respeito essas bases aos direitos banais, às servidões pessoais, ao pagamento dos prémios de seguro e das contribuições, ao encargo de reparação de prejuízos, a que se refere a base X e à renúncia ao direito de pedir a rescisão do contrato nos casos de violação das obrigações legais ou contratuais.
Quase todas as cláusulas proibidas, são já irrelevantes em face do direito actual. E quanto às permitidas não se vê que haja motivo de tal forma grave que justifique a aplicação retroactiva da nova lei decorridos os doze meses. Se houvesse motivos efectivamente graves, então justificar-se-ia a aplicação imediata do novo regime, e não apenas decorrido aquele prazo.

Quanto aos subarrendamentos parciais, o n.º 4 da base XIX do projecto do Governo estabelece a seguinte doutrina: se o senhorio não tiver dado o seu consentimento, esses subarrendamentos caducarão se o consentimento não for dado dentro do prazo de doze meses.
Não parece ser razoável a solução. Em face de situações consumadas, legais à data em que foram constituídas, é preferível mante-las a atribuir eficácia retroactiva à nova lei.
Os subarrendamentos de pretérito devem ficar, pois, em princípio, sujeitos ao regime dos próprios arrendamentos, o que quer dizer, por outras palavras, que só a partir da renovação destes contratos se lhes deve aplicar a nova lei, com as suas exigências quanto a , consentimento e áreas. Diz-se que devem ficar, em princípio, sujeitos àquele regime, porque pode ter sido estipulado, contratualmente, um regime de caducidade diferente para o subarrendamento. Neste caso, para a aplicação da nova lei, não é necessária a renovação do arrendamento: basta que haja lugar à renovação do subarrendamento.
Pelo exposto, entende a Câmara Corporativa que deve substituir-se a base XXIII por outra com a seguinte redacção:

BASE XXVI

1. Aos arrendamentos ou subarrendamentos de pretérito só se aplicam os disposições desta lei só houver, depois da sua publicação, renovação dos contratos.
2. Os subarrendamentos totais serão havidos, para todos os efeitos, havendo renovação, como contratos- de cessão do direito ao arrendamento, assu
indo o subarrendatário, em relação ao senhorio, a posição de arrendatário, directo.

III

Conclusões

67. Contraprojecto da Câmara Corporativa. - Em harmonia com as razões expostas, é de parecer a Câmara Corporativa que o projecto de proposta de lei n.º 507 deve ser substituído por outro com a seguinte redacção:

TITULO I

Do arrendamento rural

BASE I

1. O arrendamento de prédios rústicos para fins agrícolas, pecuniários ou florestais consiste na transferência para o locatário, por certo tempo e mediante determinada retribuição, do uso e fruição da coisa, nas condições de uma exploração regular.
2. Sé o arrendamento recair sobre prédio rústico e do contrato e respectivas circunstâncias não resulta o destino atribuído ao prédio, presume-se tratar-se do arrendamento agrícola. Exceptuam-se os arrendamentos em que o Estado intervém como arrendatário, os quais se entendem sempre celebrados para fins de interesse público.
3. Os contratos mistos de arrendamento e parceria ficam sujeitos às disposições desta lei sempre que não seja possível a aplica cão conjunta dos respectivos regimes.

BASE II

1. O arrendamento a que se refere a base anterior, e que se denomina rural, não necessita de ser reduzido a escrito.
2. Só podem, porém, provar-se por escrito as estipulações que importam alteração do regime supletivo do contrato ou dos usos e costumes locais.
3. Os arrendamentos reduzidos a escrito só podem ser alterados por documento de igual força.

BASE III

1. Os arrendamentos rurais não podem ser celebrados por menos de seis anos. Se for estabelecido prazo mais curto, valerão por aquele prazo.
2. Findo o prazo referido no numero anterior, ou o convencionado, se for superior, presume-se renovado o contrato por mais três. anos, e assim sucessivamente, se o arrendatário se não tiver despedido ou o senhorio o não despedir, no tempo e pela forma designados no Código de Processo Civil.
3. A renovação contratual nunca poderá ser feita por prazo inferior a três anos.

BASE IV

1. Os arrendamentos não podam celebrar-se por mais de 30 anos; quando estipulados por tempo superior, ou como contraltos perpétuos, são reduzidos àquele prazo.
2. Exceptuam-se os arrendamentos para fins silvícolas, os quais podem ser celebrados pelo prazo máximo de 99 anos. Se forem convencionados prazos superiores, serão reduzidos àquele limite.

BASE V

1. Estão sujeitos a registo os arrendamentos cujo prazo de duração é superior ao referido no n.º l da base III.

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2. Os arrendamentos sujeitos a registo devem constar de escritura pública; mas a falta desta não impede que o contrato subsista pelo prazo de seis anos.

BASE VI

1. São aplicáveis aos arrendamentos rurais os artigos 41.º e 42.º da Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948.
2. Os arrendamentos só se consideram, porém, resolvidos, em qualquer caso, no fim do ano agrícola em curso.

BASE VII

1. Os arrendamentos não caducam por morte do senhorio nem pela transmissão do prédio, seja qual for a natureza dessa transmissão.
2. Falecendo o arrendatário, o senhorio ou os herdeiros daquele podem, dentro dos três meses seguintes, denunciar o contrato, por meio de notificação judicial. A denúncia só produz os seus efeitos no fim do ano agrícola que estiver em curso no termo do prazo referido.

BASE VIII

1. A expropriação por utilidade pública do prédio importa a caducidade do arrendamento.
2. Sendo a expropriação total, o arrendamento é considerado como encargo autónomo para o efeito de o arrendatário, ser indemnizado pelo expropriante. Esta indemnização não pode exceder o valor dos frutos pendentes ou das colheitas inutilizadas, acrescido das importâncias a que se refere a, base XVI.
3. Havendo expropriação parcial do prédio, o arrendatário, independentemente dos direitos facultados no número anterior em relação à parte expropriada, pode optar pela resolução do contrato ou pela diminuição proporcional da renda.

BASE IX

A renda pode ser fixada em dinheiro ou em géneros, desde que estes sejam normalmente produzidos pelo prédio.

BASE X

1. Se, por causa não imputável a qualquer das partes, o prédio não produzir frutos ou os frutos pendentes se perderem em quantidade não inferior, no todo, a metade dos frutos que normalmente produz ou produziu, o arrendatário pode pedir uma redução equitativa da renda, que não exceda metade do seu quantitativo, e ainda a rescisão do contrato, se tiver ficado afectada de maneira duradoura a capacidade produtiva do prédio.
2. A falta de produção ou perda dos frutos não é, todavia, de atender se ou na medida em que for compensada pelo valor da produção do ano ou dos anos anteriores, no caso de contrato plurianual, ou por indemnização recebida ou a receber pelo arrendatário em razão da mesma falta ou perda.
3. As cláusulas derrogadoras do disposto no n.º l são nulas enquanto fizerem recair sobre o arrendatário os prejuízos resultantes de facto que as partes, dadas as circunstâncias, não possam razoavelmente ter como provável.

BASE XI

Se, em consequência de nova lei, ou de providências tomadas pela Administração, ou por empresas concessionárias de serviço público, for alterada a rendabilidade do prédio, qualquer dos contraentes pode pedir, conforme os casos, o aumento ou a redução equitativa da renda.

BASE XII

1. O prédio ou prédios presumem-se sempre arrendados com todas as suas partes integrantes; mas, salvo usos e costumes em contrário, as coisas acessórias só se consideram compreendidas no arrendamento se tiveram sido expressamente mencionados em documento escrito.
2. A locação das coisas acessórias é aplicável, salvo estipulação ou uso e costume em contrário, o regime do respectivo arrendamento.

BASE XIII

1. Consideram-se não escritas as cláusulas em virtude das quais:
a) O arrendatário se obrigue, por qualquer título, ao cumprimento de serviços que não devam ser prestados em benefício directo do prédio ou se sujeite a encargos extraordinários ou casuais não compreendidos na renda;
b) O arrendatário se obrigue a pagar prémios de seguros de imóveis, contribuições prediais ou à reparação dos prejuízos a que se refere a base X;
c) Qualquer dos contraentes renuncie ao direito de pedir a rescisão do contrato nos casos de violação das obrigações legais ou contratuais.
2. Se os prémios de seguro ou as contribuições acresciam à renda estipulada, será esta aumentada das respectivas importâncias.

BASE XIV

1. O senhorio só pode fazer no prédio benfeitorias úteis ou voluptuárias com consentimento do arrendatário ou autorização judicial.
2. O senhorio indemnizará o arrendatário pelos prejuízos que lhe causar a execução das obras.
3. Se, em consequência das benfeitorias, alimentar a produtividade do prédio, o senhorio pode exigir um acréscimo proporcional da renda.

BASE XV

1. Quando os melhoramentos importarem alteração sensível do regime da exploração do prédio, ou o arrendatário se não conformar com o acréscimo da renda, este poderá pedir a rescisão do contrato.
2. A rescisão só produzirá os seus efeitos no fim do ano agrícola em que se iniciarem as obras ou o arrendatário tiver conhecimento do aumento da renda.

BASE XVI

1. As benfeitorias úteis ou voluptuárias podem ser feitas pelo arrendatário independentemente do consentimento do proprietário, salvo se afectarem a substância do prédio ou o seu destino económico.
2. Havendo consentimento por escrito do proprietário, ou tendo este sido- judicialmente suprido, o arrendatário, findo o contrato, tem direito a exigir daquele o valor das benfeitorias úteis.
3. O suprimento judicial só pode ser concedido se o tribunal reconhecer que os melhoramentos são de utilidade manifesta para o prédio e para a produção.
4. O valor das benfeitorias é calculado pelo custo delas, se não exceder o valor do benefício à data da cessação do arrendamento. No caso contrário, não poderá o arrendatário haver mais do que esse valor.
5. Se a importância da indemnização ultrapassar três vezes o valor da renda anual, o senhorio pode requerer ao tribunal o pagamento em prestações.
6. O arrendatário não goza do direito de retenção.

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BASE XVII

O arrendatário pode levantar, até ao termo do contrato, as benfeitorias úteis ou voluptuárias que haja feito no prédio, podendo fazê-lo sem detrimento. Cessa neste caso, em relação às benfeitorias úteis levantadas, o direito que o n.º 2 da base anterior lhe confere.

BASE XVIII

1. A não renovação da contrato não dispensa o arrendatário do cumprimento da obrigação de assegurar para futuro a produtividade normal do prédio.
2. Exceptua-se do disposto no número anterior a prática de actos que já não podem trazer, qualquer proveito ao arrendatário cessante salto uso ou costumo local em contrário.

Base XIX

1. É proibido o subarrendamento total.
2. O subarrendamento parcial é permitido quando autorizado,- para cada caso. pelo senhorio, desde que a área subarrendada não ultrapasse, no seu todo, uma quarta parte da área do prédio ou prédios que constituem objecto do arrendamento.
3. A cessão do direito ao arrendamento é também permitida quando autorizada pelo senhorio.

BASE. XX

O senhorio pode obter o despejo imediato do prédio arrendado, sem prejuízo do direito à reparação por perdas e danos, nos seguintes casos:
a) Se o arrendatário tiver faltado ao cumprimento de alguma obrigação contratual ou legal;
b) Se o arrendatário prejudicar a produtividade do prédio;
c) Se o arrendatário não tiver velado pela boa conservação dos bens, ou causar prejuízos graves nos que, não sendo objecto do contrato, existam nos prédios arrendados.

BASE XXI

Nas questões entre senhorios o arrendatários, em que haja de proceder-se a exame ou vistoria, o juiz nomeará sempre para perito um engenheiro agrónomo ou silvicultor, conforme a natureza do arrendamento.

TITULO II

Do arrendamento familiar

Base XXII

Quando o arrendamento tiver por objecto um ou mais prédios que o arrendatário explore, exclusiva ou predominantemente, com o seu próprio trabalho ou de pessoas do seu agregado familiar, são aplicáveis imperativamente as disposições das bases seguintes.

BASE XXIII
1. É de um ano o prazo mínimo de duração dos arrendamentos a que se refere a base anterior.
2. O prazo de renovação legal é igualmente de um ano, mesmo que tenha sido estipulado prazo superior para o arrendamento.
3. O senhorio não goza nestes arrendamentos do direito conferido no n.º 2 da base VII.

BASE XXIV

Se o arrendatário tiver assumido o risco da. falta de produção ou perda de frutos referida no n.º l da base X, o tribunal, quando se verifique essa falta ou perda, e embora se tenha convencionado o contrário, pode autorizá-lo a pagar a renda em prestações.

BASE XXV

O direito conferido pelo n.º 2 da base XVI não depende, nesta espécie de arrendamentos, do consentimento do proprietário.

TITULO III

Disposição transitória

Base XXVI

1.. Aos arrendamentos ou subarrendamentos de pretérito só se aplicam as disposições desta lei se houver, depois da sua publicação, renovação dos contratos.
2. Os subarrendamentos totais serão havidos, para todos os efeitos, havendo renovação, como contratos de cessão do direito ao arrendamento, assumindo o subarrendatário, em relação ao senhorio, a posição de arrendatário directo.

Palácio de S. Bento, 6 de Abril de 1961.

Afonso de Melo Pinto Veloso.
Afonso Rodrigues Queiró.
Guilherme Braga da Cruz.
Joaquim Trigo de Negreiros.
José Pires Cardoso.
João Mota Pereira de Campos.
José Augusto Vaz Pinto.
José Gabriel Pinto Coelho.
Adelino da Palma Carlos.
António Jorge Martins da Motta Veiga.
Eugénio Queirós de Castro Caldas (assino vencido quanto à matéria, referente ao título II «Dos arrendamentos familiares protegidos» do projecto do Governo, pelo que subscrevo a seguinte declaração de voto:
1) Procurei mostrar que existem fortes motivos de carácter social e económico para estabelecer eficaz defesa da família rural e da exploração agrícola entregue à empresa familiar, garantindo direitos e obrigações de proprietários e de empresários nas suas relações jurídico-agrárias, na protecção a certos «arrendamentos familiares» Por isso julgo insuficientes as soluções propostas pela Câmara, que retiram, ao Governo a possibilidade de intervir em matéria essencial para comandar indirectamente as transformações necessárias a modernização da agricultura portuguesa.
2) Um dos pontos em que insisti foi a necessidade de defender empresas familiares economicamente viáveis e bem geridas, garantindo estabilidade nos empresários e o direito de opção, em certas condições, na compra dos prédios- arrendados. Embora reconheça que a proposta do Governo não satisfaz ao consignar na base XXVI o sistema de atribuição do título de arrendamento familiar protegido, o certo é que a Câmara Corporativa se desinteressou de estudar outro sistema, acabando por sugerir uma solução que neutraliza a proposta do Governo.
3) Na verdade, o direito do arrendatário de exigir no termo do contrato o valor das benfeitorias não cura os feridas que resultam da liberdade reservada ao proprietário de promover, no fim do contrato, o despedimento. Há problemas

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humanos que o dinheiro não resolve, e um deles é o das famílias rurais que fizeram uma exploração agrícola sobre terras' incultas que desbravaram,
e que aspiram a viver na «sua» terra do mesmo modo como um comerciante pode manter-se ao balcão do «seu» comércio. O problema da vinculação dos agricultores à terra por eles e seus antepassados cultivada e benfeitorizada é uma das mais fortes características do povo português e apresenta raízes de carácter não somente material, mas afectivo ou sentimental, que deram já seguras provas em todos os continentes.
4) Afirmei conhecer 242 casos, que interessam a 6613 rendeiros, que reclamaram ao Governo que estude o seu problema. São semelhantes aos 2 casos que deram origem à promulgação do Decreto n.º 39 917, de Novembro de 1954 (arrendamentos de Cabanas e Fernão Ferro). A Junta de Colonização Interna resolveu 45 desses casos comprando as propriedades para as vender, com espera de pagamento e juro módico, aos rendeiros que pretendam tornar-se proprietários. Parece evidente que a base XXV, n.º 2, da proposta do Governo se destina a contemplar os 200 casos não resolvidos e outros que possivelmente existem sem que os conheça.
Todavia, ao contrário do Decreto n.º 39 917, segundo o qual foi imposta a expropriação, a proposta garante, com muitas reservas, a continuidade do contrato e o direito do opção na compra em certas condições, se a propriedade vier a ser vendida.
Talvez a proposta do Governo fosse bastante para convencer os proprietários interessados nos 200 ou mais casos a seguirem o exemplo dos 45 que aceitaram a aspiração dos rendeiros, mas a Câmara Corporativa rejeitou a solução.
5) Chamei a atenção para a impossibilidade de manter na situação actual os arrendamentos a longo prazo feitos para colonização de incultos e que já caducaram. Tudo se encontra em condições apropriadas para o desenvolvimento de especulações altamente lucrativas quando se pretende que a Junta de Colonização compre propriedades por valores anormais, locupletando-se alguns à custa do sacrifício de todos e dos rendeiros. É exemplo evidente desta situação o caso da expropriação dos chamados «foros de Cabanas», referido no parecer, em que a sentença da l. ª instância, anulada por acórdão da Relação de Lisboa, está pendente de decisão do Supremo Tribunal de Justiça. Conforme se lê no referido acórdão, «os actuais proprietários compraram a Quinta da Torre (1870 ha) por 8000 contos, venderam 1440 ha por 8500 contos e algumas courelas por 600 contos. A sentença recorrida fixou em 11 000 contos a indemnização a conceder pela área de 360 ha - inferior à quinta parte da propriedade».
A executar-se a sentença, os proprietários actuais lucrariam em pouco tempo (a compra foi recente e já vinha de muito longe o conflito com os rendeiros) nada menos do que 12 100 contos. A Junta de Colonização Interna oferece pelos 360 ha em litígio a importância de 1563 contos, o que lhes permite o lucro de 2663 contos, que já representa seguramente muito mais do que teriam obtido se fossem agricultores).
Francisco Pereira de Moura (vencido quanto à matéria dos «arrendamentos familiares protegidos», bases XXV e seguintes do projecto do
Governo, sendo o que segue o sentido e os fundamentos do meu voto:
Ao regime geral e único do arrendamento rústico que se continha no texto apresentado a discussão, contrapôs a Câmara um regime também geral, mas em que se atende à diversidade manifesta das situações estruturais com que se depara no País: e assim, às disposições dirigidas a regular o arrendamento de índole predominantemente patronal ou capitalista, vieram somar-se as bases XXII e seguintes no contraprojecto da Câmara, as quais visam a atenuar certa dureza, aceitável no caso anterior, mas que não teria cabimento quando aplicada às pequenas explorações e courelas predominantemente familiares, ou até meramente complementares da actividade económica, da família. E funda-se esta destrinça em tais razões de justiça social e de defesa da economia familiar, em geral bem débil, que , tem de considerar-se um progresso, relativamente ao texto inicial.
Apenas acontece que a designação adoptada pela Câmara para o seu título II - «Arrendamentos familiares»- se presta a evidente confusão com a do projecto do Governo, também para o título II- «Dos arrendamentos familiares protegidos»; e não só as designações, como também, alguma parcela dos argumentos e citações do § 1.4.º da discussão na especialidade do parecer, reforçam o perigo dessa confusão. Ora, entendo que se trata de matérias substancialmente diversas, que nem sequer colidem e não se substituem, portanto. Pois o regime dos arrendamentos familiares protegidos, visionado pelo Governo, tem como suporte a exploração familiar, sem dúvida, mas com a condição adicional de ser economicamente viável, e mais, oferecendo razoáveis garantias de progresso; é o
Que concluo do n.º 1 da base XXV do projecto e do § 17.º do respectivo relatório, cumprindo destacar em especial a alínea d), onde se impunha a condição de a possuir o empresário instrução e preparação profissional suficientes para bem gerir a exploração agrícola ...». E sendo assim, não me parece possível procurar qualquer fórmula de compromisso que abranja estes casos e também os de todas as restantes explorações familiares, na sua maioria reconhecidas como de insuficiência ou complementaridade económica e correspondendo a atrasos estruturais e a vícios graves da nossa agricultura.
A ter sido aceite esta visão do problema, levantar-se-iam ainda dificuldades sérias na elaboração do parecer. Deveria, efectivamente, esta matéria ser encarada no mesmo texto legal que o contrato de arrendamento, essa essencialmente de direito privado, e agora posta pela Câmara em termos de correcta conjugação com os textos do novo Código Civil ? Ou haveria de concluir-se que se tratava de matérias cindíveis por o «arrendamento protegido» assentar em preocupações que ultrapassam os interesses privados e ter de comportar garantias e privilégios para certos arrendatários (renovação dos contratos, direito de opção, etc.), certamente envolvendo também sacrifícios para alguns proprietários -, deixando-se portanto para tratamento à luz do direito público?
Inclino-me para a última das hipóteses definidas: Mas entendo que a Câmara não deveria apresentar o seu parecer como que ignorando a autenticidade do problema que o Governo lhe

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trouxe. Neste sentido, além da eliminação de alguns comentários que parece atingirem a concepção básica em causa (e é o caso do estudo sobre a experiência espanhola), a própria Câmara teria de explicar claramente que deixou em suspenso um capítulo do projecto, e que esse capítulo é muito importante. Sem dúvida que não lhe cumpre substituir-se aos departamentos oficiais no estudo técnico de uma proposta suficientemente documentada para merecer discussão; mas, em meu entender, incumbia-lhe o dever de convidar o Governo a remeter, em breve prazo, novo texto em que se abordasse amplamente essa política de saneamento social e fomento económico mediante os arrendamentos familiares protegidos, e a desenvolver sobretudo nas zonas de colonização do Sul do País, e quando estão face a face, de um lado, grandes proprietários ou empresas capitalistas, de outro famílias de rendeiros cultivadores directos - pois esse será um dos elementos importantes da até agora malograda reorganização ou reforma de que a agricultura portuguesa, bem precisa).
João Faria Lapa.
Aníbal Barata Amaral de Morais (votei vencido as bases XVI e XXV, por entender que o proprietário só deve ser obrigado ao pagamento de benfeitorias que expressamente tenha consentido.
Penso que são de evitar, quando possível, motivos de dissenção entre proprietários e rendeiros, e não será o recurso aos tribunais, com certeza, a melhor forma de o conseguir.
Por outro lado, a posição que se cria ao proprietário, para além do atropelo de ura direito, que constitucionalmente e graças a Deus ainda se lhe reconhece, pode trazer-lhe situações extremamente difíceis, como as de o compelir, violentamente, à alienação de bens. Com efeito, o pagamento coercivo de benfeitorias, sem a contrapartida de garantia de um crédito para as realizar, é susceptível de conduzir à venda forçada da propriedade e sua consequente desvalorização ou a um encargo superior às suas possibilidades económicas. Lamentavelmente, serão os pequenos proprietários, com poucos recursos e, por isso, limitado crédito, os principais vítimas do sistema, e não são eles, em Portugal, os que têm menos amor ao seu património.
Vejo, ainda, com apreensão que um rendeiro, autorizado, por sentença judicial, à realização de certas benfeitorias, consideradas, em dado momento, economicamente desejáveis, pode encontrar-se, no termo do arrendamento, perante a situação de só receber uma parte, ou mesmo nada, do montante dos investimentos feitos, quer porque o resultado destes não correspondeu à expectativa - pouco valorizando o prédio arrendado -, quer mesmo porque não originaram qualquer maior valia do objecto do arrendamento).
António Martins da Cunha Melo (perfilho a declaração de voto do Digno Procurador Aníbal Barata Amaral de Morais).
António Pereira Caldas de Almeida (perfilho a declaração de voto do Digno Procurador Aníbal Barata Amaral de Morais).
António Teixeira de Melo (perfilho a declaração de voto do Digno Procurador Aníbal Barata Amaral de Morais).
Fausto Silvestre.
João Valadares de Aragão e Moura (perfilho a declaração de voto do Digno Procurador Aníbal Barata Amaral de Morais):
Joaquim Soares de Sousa Baptista.
José Bulas Cruz.
José de Mira Nunes Mexia (perfilho a declaração de voto do Digno Procurador Aníbal Barata Amaral de Morais).
Manuel Cardoso (perfilho a declaração de voto do Digno Procurador Aníbal Barata Amaral de Morais).
Fernando Andrade Pires de Lima, relator.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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