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REPÚBLICA PORTUGUESA

ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 12

VIII LEGISLATURA - 1962 27 DE FEVEREIRO

PARECER N.º 3/VIII

Proposta de lei n.º 10

Organização judiciária

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 103.º da Constituição, acerca da proposta de lei n.º 10, sobre organização judiciária, emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecções de Política e administração geral e de Justiça), sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:

I

Apreciação na generalidade

1. Acerca da proposta de lei apresentada pelo Governo à Assembleia Nacional sobre organização judiciária, é chamada a dar parecer com urgência a Câmara Corporativa.
No longo relatório que precede o articulado do projectado diploma expõe o Governo as razões da oportunidade da proposta, as necessidades mais prementes da organização judiciária que a. justificam indicando a disposição constitucional que o obriga a dirigir-se à Assembleia Nacional e, depois, alarga-se no estudo de alguns dos mais importantes problemas que a proposta apresentada directamente trata ou, pelo menos, suscita.

2. A oportunidade da proposta dimana imediatamente da publicação do Código de Processo Civil, mandado entrar em vigor no dia 24 de Abril do corrente ano (Decreto-Lei n.º 44 129, de 28 de Dezembro de 1961, artigo 2.º).

Há entre as regras processuais e a organização judiciária estreitas relações e a proposta em estudo bem o ilustra.
Por força do artigo 791.º do Código de Processo Civil, o julgamento da matéria de facto nas acções com processo sumário, cujo valor exceda a alçada dos juizes de direito, deixa de competir a um juiz singular, até agora o juiz do processo, e passa a ser feito por um tribunal colectivo de três juizes, tal como já sucede nas acções com processo ordinário.
Esta alteração originou logo, como primeira consequência, a necessidade de criar o órgão colegial a quem passa a incumbir o julgamento da matéria de facto em numerosas acções, não só as de processo sumário já indicadas, como também as acções com processo especial, que a lei manda seguir os termos do processo sumário, a partir de certo momento.

3. Ao mesmo tempo, a própria forma do julgamento em tribunal colectivo é modificada nos preceitos do código que vai entrar em vigor proximamente. As respostas aos quesitos, que, nos termos do código de 1939, ainda vigente, podiam registar apenas que os factos quesitados estavam provados ou não provados, têm agora de ser fundamentadas (idem, artigo 653.º, l).
Será, certamente, trabalho delicado especificar os motivos da convicção de cada juiz, confrontá-los, discuti-los e, finalmente, exprimi-los numa fórmula que reflicta a concordância de todos.

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Pela força das coisas, a nova forma adoptada para as decisões sobre matéria de facto implicará grande aumento de serviço para os actuais tribunais colectivos, e o trabalho dos tribunais colectivos a constituir, idêntico ao daqueles na substância, revestirá as mesmas características.
Isto postula, necessariamente, uma remodelação dos círculos judiciais existentes, tendente a permitir, pelo aumento do número de julgadores, maiores possibilidades de o serviço ser despachado em razoáveis limites de tempo, sem quebra das características intrínsecas exigidas pela sua natureza.

4. Dos problemas suscitados pelos tribunais colectivos passa o relatório da proposta a tratar dos que derivam do aumento geral do volume do serviço judicial, sempre em ascensão nos tribunais. E a este propósito nota que o número das comarcas actualmente existentes no País é ainda o que resulta da remodelação operada pelo Decreto n.º 13 917, de 9 de Julho de 1927, que extinguiu 37 destas circunscrições. Ora, a situação actual exige medidas que ocorram às necessidades do presente e sejam capazes de suportar as exigências do futuro próximo, em face do aumento de litigiosidade que o simples crescimento normal da população baste para explicar.

5. Refere em seguida o relatório o motivo que levou o Governo a apresentar a proposta.
Está em preparação um novo estatuto judiciário, que se destina a remodelar o vigente diploma regulador da estrutura e da actividade dos serviços judiciais. Mas, desde a revisão operada pela Lei n.º 2048, de 11 de Junho de 1951, é princípio fundamental que constitui matéria da exclusiva competência da Assembleia Nacional a «organização dos tribunais» [Constituição Política, artigo 93.º, alínea e)], a qual abrange agora certos aspectos do estatuto próprio da magistratura judicial, especificamente aqueles sobre que versa a alínea g) deste preceito, aditado na última revisão constitucional.
Em face do citado condicionamento, o Governo trouxe à Assembleia Nacional esta proposta relativa às alterações ao sistema vigente que julga necessário adoptar, para, com base na lei que delas resultar e de harmonia com os princípios em vigor que julga deverem ser mantidos, organizar um novo estatuto judiciário.
Por este modo o Governo não propõe à Assembleia Nacional a aprovação de um novo sistema coerente e completo, regulador da organização judiciária do País. Limita-se a apresentar-lhe alguns fragmentos desse sistema, os mais salientes, que, emergindo do conjunto, entram na esfera da competência, exclusiva da Assembleia. O resto reserva-o para o exercício da sua competência legislativa própria.
Neste aspecto, porém, a proposta é mais ampla do que o seu relatório sugere.
É certo que a maior parle dos preceitos expressos nas suas bases constitui direito vigente. Mas a sequência destas num texto único obedece à necessidade de colocar as normas inovadoras nos textos que vão alterar e às da própria coordenação destes entre si.
Apesar disto, porém, não pode deixar de reconhecer-se que a Câmara está em presença de um diploma de âmbito limitado.

6. A atitude do Governo apresentando esta proposta não pode deixar de ser assinalada.
Em face do preceito contido no artigo 93.º, alínea e), da Constituição, é fora de dúvida que toda a alteração da orgânica e estrutura dos tribunais, efectuada desde 1951, devia ter sido submetida à Assembleia Nacional, mas nem sempre assim aconteceu.
Pois bem. No relatório da proposta em apreciação vislumbra-se que a atitude do Governo vai além da obrigação imposta pela norma constitucional. De facto, algumas das bases formuladas, mantendo sem alteração o statu quo, só podem explicar-se pela intenção de fazer consagrar pela Assembleia Nacional preceitos há muito tempo em vigor sobre a organização de certos tribunais, os quais em tempo oportuno deviam ter sido submetidos à Assembleia. Nesta parte, a proposta visaria, assim, obter uma espécie de ratificação política, não menos expressiva pelo facto de ser implícita.
E isto deve ser posto em realce.

7. Tais são, em resumo, as características dominantes da proposta em apreciação.
Essas características, porém, ainda sugerem algumas reflexões de mera índole formal.
Como ficou dito, o Governo apresentou uma proposta de lei na qual a maior parte das disposições se limita a reproduzir normas em vigor.
Esta situação é invulgar e certamente rara, mas, sem embargo dela, tais normas ficaram sujeitas à crítica da Câmara Corporativa, tal como se significassem proposta de direito novo.
Por outro lado, em algumas das bases apresentadas formulam-se propósitos de solução para certos problemas de organização judiciária, dos de maior relevo.
Sirvam os exemplos dos julgados municipais (base I, n.ºs 2 e 3) e da revisão dos círculos judiciais (base II, n.º 4).
Mas as soluções assim propostas consistem apenas na fixação de critérios gerais, com reserva para o Governo da faculdade de tomar as medidas concretas que julgar oportunas, e quando o julgar.
Nestas condições, torna-se improfícuo para a Câmara indagar acerca da evolução da situação de facto que gerou esses problemas. Através dos seus meios normais de informação e de pesquisa, é o Governo quem sente a pulsação das necessidades públicas no sector da administração da justiça, e por isso mesmo ele deseja guardar para si a escolha das soluções e a do momento de as pôr em prática.
E não há alternativa, pois qualquer solução concreta a propor no sentido de dar satisfação imediata a necessidades reconhecidas pelo próprio Governo iria de encontro ao preceito constitucional segundo o qual é vedado aos membros da Assembleia Nacional apresentar propostas que envolvam aumento de despesa (Constituição, artigo 97.º).
Sendo assim, formular e discutir problemas para cuja solução a iniciativa não pertence à Assembleia e que o Governo declara conhecer e querer resolver, reservando apenas para tal a escolha da oportunidade, seria debate académico ou, melhor ainda, pura inutilidade.
Isto vem para afirmar que a Câmara se dispensa de fazer qualquer estudo da generalidade acerca dos dois citados problemas tratados na proposta e de outros semelhantes.

8. Em resumo: não se suscitando nenhum obstáculo de princípio à apreciação da proposta em estudo, a Câmara Corporativa dá-lhe a sua aprovação na generalidade.

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II Exame na especialidade

9. A proposta em apreciação divide-se em dois capítulos, dos quais o primeiro versa sobre c Composição, funcionamento e competência dos tribunais». E neste capítulo a base I contém três números. O primeiro consagra a divisão do continente e dos arquipélagos dos Açores e da Madeira em distritos judiciais, estes em comarcas e as comarcas em julgados de paz.
A fonte deste número é o artigo 2.º do Estatuto Judiciário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 33 547, de 23 de Fevereiro de 1944, e a diferença entre as duas disposições consiste em ter sido suprimida a referência aos julgados municipais como circunscrições por assim dizer normais.
E bem suprimida foi, decerto, pois o § 1.º do artigo 2.º do Estatuto dispunha que só haveria julgados municipais nos concelhos onde a comodidade dos povos o exigisse, e, portanto, em condições excepcionais.
Este mesmo carácter é posto em destaque com melhor técnica no n.º 2 da base, no qual se prescreve dever haver julgados municipais nos concelhos onde o volume do serviço judicial não justifique a existência de uma comarca própria, mas a comodidade dos povos exija um órgão judiciário.
Por força do disposto no artigo 1.º do Decreto n.º 19578, de 11 de Abril de 1931, foram criados julgados municipais em todas as sedes dos concelhos que foram sedes das comarcas extintas, em aplicação do Decreto n.º 13 917, de 9 de Julho de 1927, ou sejam 37 julgados, alguns dos quais já foram suprimidos.
A modificação do actual estado de coisas prepara-a o Governo através do n.º 3 da base, uma das raras disposições inovadoras da proposta, na qual se reserva a faculdade de instituir novos tribunais de comarca para obviar ao congestionamento de serviço não transitório das comarcas existentes, sempre que razões ponderosas não imponham outra solução.
As razões deste condicionamento explicam-se facilmente. Pode haver um congestionamento de serviço judicial causado por factores eventuais, tais como a execução de um grande empreendimento de obras públicas, um aproveitamento hidroeléctrico, por exemplo, que pode fazer instaurar nos tribunais muitas centenas de processos de expropriação. E pode haver um congestionamento normal de serviço por simples aumento de litigiosidade, mas com características tais que imponham, como melhor solução para ocorrer a ele, o desdobramento- em varas ou juízos do tribunal comarcão já existente. Será o caso das grandes concentrações urbanas, em crescimento constante.
Em princípio, como solução preferível, a proposta prevê a criação de novas comarcas. E assim deve ser pelo respeito devido à comodidade dos povos, que poderão passar a ter os serviços de justiça em localidades mais próximas das suas residências do que aquelas em que agora se encontram as sedes, tantas vezes bem longínquas, das actuais comarcas.
Esta solução, porém, ainda é condicionada na proposta por certas prioridades, ao dispor-se que a instalação dos novos tribunais de comarca nas sedes de concelho que deles não disponham se faça principalmente se aí já houve tribunal municipal.
Sabendo-se que todos os julgados municipais hoje existentes correspondem a comarcas extintas, justifica-se, por si, que a categoria das circunscrições passe de menor a maior, mesmo sem tomar em couta o natural anseio das populações em verem reinstaladas nas sedes dos seus concelhos as circunscrições judiciais que sempre consideraram como honroso ornamento local e fundamento de proeminência social e política.
Mas a este justo sentimento deve poder sobrepor-se a necessidade de acompanhar os fenómenos da geografia humana.
Desenvolveram-se no País povoações que, geralmente, por motivos de surto industrial, ultrapassaram as sedes de antigas comarcas em número de população, em riqueza privada, em volume de comércio e de indústria, em potencial económico, enfim. Nestes casos parece evidente que a sede das novas comarcas deve ser colocada nas sedes de concelho mais vivas e prósperas, mesmo no caso de elas nunca terem sido sedes de antigas comarcas.
Assim, e em resumo, a base I merece aprovação.

10. A base II tem dois números, o primeiro dos quais corresponde ao artigo 2.º, § 3.º, do Estatuto Judiciário, alterado por força do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 37 047, de 7 de Setembro de 1948, que agrupou as comarcas em círculos judiciais. É uma disposição geral que consagra o statu quo.
Pelo n.º 2 permite-se a revisão e redução dos círculos judiciais cujo movimento, em face das modificações introduzidas pelo Código de Processo Civil, se mostre incomportável para um só corregedor e a criação de novos círculos a que essa revisão porventura obrigue.
A primeira parte da disposição já é do direito vigente (Decreto-Lei n.º 37 047, artigo 1.º, § 1.º) e a segunda é complemento necessário daquela.
Como ficou dito na apreciação na generalidade, a entrada em vigor do Código de Processo Civil vai entregar ao tribunal colectivo o julgamento da matéria de facto nas acções com processo sumário, O que elevará fortemente o número dos processos sujeitos à apreciação destes órgãos judiciários. Por outro lado, a nova obrigação de fundamentar as decisões em matéria de facto vai tornar mais moroso cada julgamento do tribunal colectivo, e isto quer nos processos da sua antiga competência, quer naqueles que ela passará agora a abranger.
A conjugação destas duas causas provocará necessariamente uma acumulação de serviço que em certos círculos se tornará incomportável para os magistrados e terá na administração da justiça os piores efeitos, se não for evitada.
Ora para isto só há as medidas previstas no n.º 2 da base II.
Convém, porém, esclarecer que a revisão da área dos círculos judiciais compete ao Governo. Isso obriga a remodelar a redacção deste número, o que pode ser feito dando-lhe termos mais concisos.

11. Os três números da base III assentam sobre direito em vigor, a que se propõem algumas alterações.
A antiga composição do Supremo Tribunal de Justiça em duas secções, decretada no Estatuto Judiciário (artigo 13.º), foi alterada para a de três secções, duas cíveis e uma criminal (Decreto-Lei n.º 35 044, de 20 de Outubro de 1945, artigo 1.º). O proposto n.º 1 da base in prevê agora que o Supremo seja constituído por uma ou mais secções cíveis e uma ou mais secções criminais.

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Nenhum elemento conhecido faz antever a necessidade ou sequer a conveniência de alterar a estrutura do mais alto tribunal comum. Mas a proposta redacção do n.º 1 da base envolve apenas uma autorização legislativa de princípio, que não pode conceber-se seja usada senão em face de necessidades ou grandes conveniências só sensíveis de futuro. Nestas condições, a Câmara não põe objecções ao número proposto.
Segundo o diploma que criou a secção criminal do Supremo, a escolha dos juizes que a constituem compete ao Ministro da Justiça, sob proposta do Conselho Superior Judiciário.
Este preceito podia explicar-se no momento da criação da secção nova, como forma de a pôr em funcionamento imediato, mas não tem fundamento como regra relativa apenas a uma parte do corpo do Supremo e pode até sugerir um sentido atentatório da independência do tribunal, que certamente não esteve na intenção do legislador.
Justifica-se, portanto, o regime agora proposto, que uniformiza o regime de escolha dos juizes de todas as secções, com relevante sentido de independência em relação ao Governo.
Como corolário do mesmo regime, tem inteiro cabimento a proposta faculdade de autorizar as permutas entre juizes das diferentes secções. Assim, algumas vezes se poderá satisfazer a tendência para a especialização em certos ramos de direito que, sendo predilecção individual, se converte, pelos seus efeitos, em benefício geral, no melhor nível das decisões judiciais, como o relatório da proposta afirma (n.º 6).
O n.º 3 trata da renovação trienal da distribuição dos juizes, já prevista no artigo 14.º do Estatuto Judiciário. Como consequência do novo sistema de designação, manda efectuar a renovação dentro das secções da mesma natureza. É consequência necessária do sistema.
Contudo, deve retocar-se a redacção do n.º 2 e remodelar-se a do n.º 3.

12. A base IV contém pequenas alterações ao regime vigente.
No n.º 1 reproduz-se o princípio, já expresso no artigo 16." do Estatuto Judiciário, segundo o qual em cada comarca haverá um juiz de direito por cada tribunal, juízo ou vara que nela funcionem.
Logo o n.º 2 permite, porém, que em cada tribunal, juízo ou vara haja mais de um juiz, quando, por circunstâncias de carácter transitório, o serviço esteja em atraso sensível.
Esta excepção à regra provém do Decreto-Lei n.º 41 075, de 17 de Abril de 1957 (artigo 3.º), e amplamente a justifica o relatório da proposta (n.º 7), já que o interesse social e político de estar sensivelmente em dia o serviço judicial é manifesto e para ocorrer a circunstâncias transitórias são necessárias medidas da mesma natureza.
Entende, porém, a Câmara que os juizes a quem caiba prestar este serviço devem pertencer à mesma classe daqueles a quem vão coadjuvar. Assim se evitará o efeito inconveniente de, na prática, equiparar juizes de diferentes classes.
A segunda parte do n.º 2 apenas esclarece que os juizes de direito .a quem incumbam estas missões transitórias serão destacados em comissão de serviço, como é curial.
Finalmente, o 11.º 3 regula a distribuição do serviço entre os magistrados que, simultaneamente, exerçam funções no mesmo tribunal, juízo ou vara. A lei em
vigor manda fazê-la segundo os termos especialmente fixados pelo Conselho Superior Judiciário (idem, ibidem, § 3.º).
Segundo a proposta, esses magistrados poderão acordar entre si acerca da distribuição, devendo o Conselho fixar-lhe os termos apenas supletivamente. E providência razoável.
Em toda a base só o n.º 2 deve sofrer uma pequena intercalação.

13. Nos dois números da base V reproduz-se, quase ipsis verbis, o direito em vigor no tocante à presidência dos tribunais colectivos nos círculos judiciais (Decreto-Lei n.º 37 047, artigo 2.º e § único, e Decreto-Lei n.º 38 387, de 8 de Agosto de 1951, artigo 6.º).
Nada a objectar, salvo quanto à redacção, em que é preferível manter no n.º 2.a terminologia actual.

14. A base vi, também com dois números, regula a constituição dos tribunais colectivos, salvo os de Lisboa e do Porto, em termos idênticos aos actuais (Decreto-Lei n.º 37047, artigo 3.º, § 1.º).

No proémio do n.º 1 alude-se à possibilidade de instituição de uma dupla corregedoria nos tribunais colectivos. Prevê-se assim outra modificação do sistema em vigor que o Governo pretende promover, mas só em futuro imprevisível. Em tais condições, a Câmara limita-se a registar a intenção e a afirmar que, em seu juízo, a dupla corregedoria teria, na verdade, os méritos apontados no relatório da proposta (n.º 8).
A única objecção a fazer a esta base é a de que a alteração prevista no n.º 2 deve ser feita em relação a cada tribunal colectivo.

15. Nos dois números da base VII regula-se a constituição do tribunal colectivo nas varas cíveis, só existentes em Lisboa e no Porto.
Esta matéria vem do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 37 047, cujas disposições foram substituídas pelas do Decreto-Lei n.º 41 337, de 28 de Outubro de 1957 (artigos 2.º e 4.º). Trata-se dos fundamentos da organização em vigor, que estão amplamente justificados no n.º 9 do relatório da proposta e não suscitam qualquer objecção.

16. Na base viu, n.º l, regula-se a constituição do tribunal colectivo dos juízos cíveis de Lisboa e do Porto.
E disposição inteiramente nova, tornada necessária pelas já aludidas alterações do Código de Processo Civil quanto ao julgamento de matéria de facto, nas acções com processo sumário de valor superior à alçada do tribunal da comarca. O relatório da proposta justifica com segurança a solução adoptada (n.º 10). Convém, porém, retocar a redacção no número.
No n.º 2 manda-se aplicar aos novos tribunais colectivos o disposto no n.º 2 da base VII, segundo o qual o encargo de lavrar a sentença final é distribuído, por sorteio, entre os membros do tribunal.
Este princípio é discutível. Nos colectivos das varas cíveis os corregedores adjuntos não são titulares de qualquer tribunal (base VII, n.º 1), ao passo que nos dos juízos os adjuntos são os titulares dos tribunais de outros juízos. Será por isso, certamente, anómala a situação dos juizes que, tendo procedido à preparação dos processos sumários e tendo-os orientado até ao fim dos julgamentos, deixarão de lavrar as sentenças finais por força dos resultados de um sorteio, ao mesmo tempo que irão decidir as causas preparadas pelos seus colegas

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do colectivo. Ora o natural é que cada juiz titular de um tribunal julgue os próprios processos deste, e a Câmara assim o sugere.
O n.º 2 da base deve, portanto, ser suprimido.

17. As bases IX e X regulam a competência dos juizes municipais.

Esta matéria foi regulada no artigo 26.º do Estatuto Judiciário, mas o seu actual assento está no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 37 047.
Sob diferente aspecto formal e com outra sistematização, a proposta mantém o essencial do regime em vigor; há, todavia, alterações de importância. Assim, em matéria cível, a competência para conhecer das execuções não se mantém quanto às fundadas em títulos diversos das sentenças dos próprios tribunais [Decreto-Lei n.º 37 047, artigo 20.º, n.º 2.º, e proposta base IX, n.º 1, A), 1.º]. Dispõe-se que a competência em matéria criminal se exerce sem prejuízo das atribuições do Ministério Público [base IX, n.º 1, B), 1.º e 2.º]. Determina-se que os processos de execução em que sejam reclamados créditos subirão ao tribunal da comarca findo o prazo das reclamações para aí prosseguirem (idem, n.º 2) e impõe-se a subida oficiosa ao tribunal da comarca para aí serem ultimados de todos os processos que ao tribunal municipal apenas compita preparar (idem, n.º 4).
É também particularmente significativa a manutenção do limite da competência dos tribunais municipais relativa a inventários aos de valor não superior a 6000$, quando a fixação do limite de valor para emprego do processo sumaríssimo, feita no artigo 462.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, vai entregar à competência dos juizes municipais acções de valor até 10000$, como o relatório da proposta faz notar (n.º 11).
Divisa-se na base IX um pensamento restritivo em relação ao regime em vigor, pensamento que o mesmo relatório explica pondo em relevo as deficiências da estrutura e do funcionamento desses tribunais (n.º 4). A Câmara considera fundado esse espírito, mas não acha justificadas todas as alterações propostas.
Assim, não se vê razão bastante para tirar aos juizes municipais a competência de conhecer das execuções fundadas em títulos diversos das próprias sentenças, nem para limitar ao actual valor de 6000$ a relativa aos inventários.
Quanto às primeiras, porque, seja qual for o título que baseie as execuções, os respectivos processos têm sempre o mesmo andamento, e da possibilidade, mais larga nas execuções não fundadas em sentença, de serem deduzidos embargos, não vai resultar serem submetidos aos juizes municipais processos de mais difícil instrução do que as acções declarativas. Para mais, não pode esquecer-se que, nos termos do n.º 2 da base IX, a competência para julgar as reclamações de créditos, fase mais delicada das execuções, pertence aos juizes de comarca.
E quanto aos inventários, processos de estrutura simples, em geral, por não se encontrar motivo válido para a limitação, em relação à competência geral sobre o valor.
Por outro lado, a enumeração dos processos que ficam excluídos da intervenção dos juizes municipais feita na base x, aliás de acordo com a lei vigente (Decreto-Lei n.º 37 047, artigo 20.º, § 1.º), deve ter forma mais incisiva e, quanto às suas alíneas d) e f), respeitar a terminologia legal.
Tudo isto obriga a alterar as duas bases.

18. Determina-se na base XI a competência dos juizes de paz, matéria até aqui regulada no artigo 80.º do Estatuto Judiciário.
Todas as cinco alíneas do n.º 1 da base correspondem a outros tantos preceitos daquela disposição em vigor, mas, segundo a proposta, cessam importantes poderes Legais dos juizes de paz. Além de perder a razão de ser a direcção dos processos de conciliação que o novo código suprimiu, os actos a praticar por delegação do juiz de direito deixam de ser enumerados a título exemplificativo e passam a sê-lo taxativamente em número reduzido. Tem especial relevo a perda do direito à presidência dos conselhos de família.
Mantém-se a prática dos actos delegados pelos juizes municipais com a mesma amplitude com que terão de praticar-se por delegação dos juizes de comarca (Estatuto Judiciário, artigo 80.º, § 3.º, e base XI, n.º 2).
Também nesta base se procura fazer uma diminuição de competência, sobretudo libertando os juizes de paz da prática de numerosos actos por delegação, para os quais não têm nem podem ter a preparação jurídica adequada nem a posição de independência necessária.
A base é de aplaudir inteiramente.

19. As bases XII e XIII regulam a constituição e competência dos tribunais criminais de Lisboa e do Porto, criados pelo Decreto-Lei n.º 35 044 (artigo 5.º). A primeira mantém a organização que lhes deu esse diploma (artigos 6.º e 11.º), regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 40 916, de 20 de Dezembro de 1956 (artigo 3.º). E, portanto, simples condensação de preceitos em vigor.
A Câmara nada tem a objectar à constituição peculiar dos tribunais criminais de Lisboa e do Porto, verdadeiros tribunais comuns, embora de competência especializada.
A circunstância de a sua presidência competir a juizes da Relação é anómala em relação aos outros tribunais de 1.ª instância, mas explica-se pelo melindre das 7matérias da sua competência e pela grande área da sua jurisdição, que, quanto a algumas delas, cobre todo o País.
O relatório da proposta discute a constituição destes tribunais quando funcionam em plenário, aventando que em vez de os seus dois vogais serem os dois juizes presidentes mais antigos, segundo a escala de antiguidade da classe, dos juízos criminais da respectiva comarca, sejam dois juizes dos juízos criminais da mesma comarca, sendo um deles o mais antigo na escala geral da antiguidade e o outro o do juízo criminal a que for distribuído o processo da instrução preparatória (n.º 12).
Pelo sistema sugerido, a estabilidade do tribunal seria afectada, variando a sua constituição conforme a proveniência imediata dos processos a julgar, e isso poderia ter efeitos sobre a elaboração das decisões no caso de julgamentos consecutivos de processos relativos a crimes idênticos.
Não vê, por isso, a Câmara razões bastantes para dever ser alterada a actual composição do plenário criminal.
Entende, porém, a Câmara que deve ser alterado o sistema em vigor, segundo o qual das decisões dos juizes que compõem o tribunal plenário, em matéria de liberdade provisória e do despacho de pronúncia ou equivalente, há reclamação para o próprio tribunal (Decreto-Lei n.º 30 044, artigo 16.º).
De facto, esta reclamação tem a natureza intrínseca de um verdadeiro recurso, e é contra o princípio geral

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da estrutura dos recursos que tome parte na decisão deles precisamente a entidade de quem se recorreu.
Para obviar ao inconveniente actual, propõe a Câmara o aditamento de um novo número à base XII.
Especifica-se na base XII, n.º 1, a competência deste plenário, reproduzindo-se quase ipsis verbis o artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 35 044, em vigor desde então.
Na alínea a) deste preceito indicam-se os crimes contra a segurança exterior ou interior do Estado e os crimes de responsabilidade ministerial.
Nada pode objectar-se à competência inscrita nesta alínea. Ela é, certamente, a que dá mais relevo ao tribunal e, a propósito da relativa aos crimes primeiramente indicados, não pode deixar de se recordar, como faz o relatório da proposta (n.º 12), o mérito do Decreto-Lei n.º 35 044 em, extinguindo o antigo Tribunal Militar Especial (artigo 14.º), ter restituído aos tribunais comuns a competência para conhecer e julgar alguns dos crimes de maior projecção social e política previstos na lei penal. Na verdade, nenhuma garantia de salvaguarda dos direitos individuais equivale à que resulta de estar o julgamento dos processos criminais entregue a magistrados de carreira, que, quer pela formação profissional adequada, quer pelo vinco moral da sua independência, podem serenamente arbitrar os conflitos cuja decisão lhes é entregue.
A alínea b) contém a competência para os crimes de imprensa, que o n.º 3 da base limita à área da comarca onde o tribunal tem a sua sede.
Esta restrição explica-se pelo eco social, relativamente pequeno, dos crimes de imprensa cometidos fora de Lisboa e do Porto; mas a Câmara entende que este motivo não é bastante para justificar a dualidade de regimes de processo e de recursos para crimes da mesma natureza, que o sistema proposto implica. Por isso, tomando como fundamento da competência a natureza das infracções, a mesma em todo o País, propõe a supressão do n.º 3 da base.
Finalmente, na alínea c) incluem-se os crimes de açambarcamento e especulação e contra a economia nacional e os crimes a que corresponda processo de querela quando, por virtude da sua importância ou por conveniência da justiça, a secção criminal do Supremo, sob proposta do procurador-geral da República, decida, em conferência, mandar avocar o seu julgamento a esses tribunais.
A Câmara não faz objecções ao alcance da alínea, mas nota que, na sua redacção e quanto ao primeiro grupo de crimes, devem mencionar-se apenas os crimes antieconómicos, conforme a terminologia legal (Decreto-Lei n.º 41 204, de 24 de Julho de 1957). Além disso, deve também tornar-se bem claro que as condições para o tribunal se tornar competente, mencionadas na parte final da alínea, são de exigir para os dois grupos de crimes nela abrangidos.
No n.º 2 da base mantém-se a extensão da jurisdição do plenário do tribunal criminal de Lisboa a todas as províncias do ultramar, no tocante aos crimes previstos nas alíneas a) e c) do n.º l, quando a secção criminal do Supremo assim o decidir em termos idênticos aos regulados naquela alínea c), extensão esta determinada pelo Decreto-Lei n.º 37 732, de 13 de Janeiro de 1950 (artigo 7.º).
Nada a opor a este número, mas quanto ao mais sugere a Câmara as alterações necessárias.

20. As bases XIV e XV dizem respeito ao tribunal de recurso das decisões proferidas pelos tribunais de execução das penas.
A base XIV tem dois números e no primeiro apenas se consagra o princípio da existência de um tribunal especial de recurso, criado pelo Decreto-Lei n.º 34 553, de 30 de Abril de 1945 (artigo 15.º).
A constituição deste tribunal, já originariamente estabelecida pelo artigo 16.º deste diploma, veio a ser alterada pelo Decreto-Lei n.º 38 386, de 8 de Agosto de 1951, que o compôs com o juiz presidente do plenário do Tribunal Criminal de Lisboa e os dois juizes mais antigos do próprio tribunal de execução das penas.
O relatório da proposta faz a esta estrutura uma crítica pertinente e procura justificar a fórmula expressa no n.º 2 da base, segundo a qual, mantendo-se a actual presidência, os dois vogais passarão a ser os presidentes mais modernos dos juízos criminais de Lisboa.
Como no citado número do relatório se diz, a composição agora proposta faz terminar a anomalia de fazerem parte do tribunal de recurso juizes pertencentes ao quadro do próprio tribunal de que se recorre, ou a tribunal paralelo, mas não deixa de confiar a decisão dos recursos de um tribunal de 1.ª instância a juizes também de 1.ª instância; e isto continua sendo anómalo, embora em grau menor.
A Câmara inclinasse para solução diferente.
Está fora de dúvida a bondade do princípio de que só deve haver tribunais especiais, mesmo de recurso, quando circunstâncias peculiares o imponham. No caso em estudo não se vê necessidade de especialização para um tribunal que, ao fim e ao cabo, sómente decidirá sobre matéria de um ramo de direito penal, e nem a fórmula da proposta, pelos seus próprios termos, assegura qualquer especialização ao tribunal previsto.
Tudo concorre, portanto, para conduzir os recursos desta origem ao tribunal comum de recursos - a Relação. E contra esta orientação não pode sequer argumentar-se com a actual sobrecarga do serviço das Relações.
Os tribunais de 2.a instância têm competência mista, civil e criminal, mas, por força do Código de Processo Civil que vai entrar em vigor, a primeira vai provavelmente exercer-se sobre processos em número menor e em muitos deles exigir-se-á aos juizes menos esforço e trabalho do que actualmente.
Na verdade, a intervenção do tribunal colectivo nas acções com processo sumário terá o efeito indirecto de evitar a interposição de numerosos recursos, já que o julgamento oral tornará praticamente imodificável a decisão da matéria de facto tomada em 1.ª instância. Por outro lado, a apreciação dos recursos nestes processos, sendo essencialmente limitada a matéria de direito, torna-se muito mais fácil do que nos termos actuais, em que os juizes têm de estudar em cada processo a prova feita por escrito nas audiências do julgamento, ao longo de actas frequentemente extensas e numerosas.
Por outro lado, o movimento de recursos das decisões dos tribunais de execução das penas tem sido pequeno, segundo informações do Ministério da Justiça. Nos últimos três anos - 1959, 1.960 e 1961 - foram de 27, 32 e 61 processos, respectivamente, o que não parece capaz de perturbar, o andamento do serviço nas Relações de Lisboa e do Porto.
Nestas condições, a Câmara entende que das decisões dos tribunais de execução das penas deve caber recurso para as Relações, o que obrigará a substituir a base XIV.
Sendo assim, os recursos do tribunal de execução das penas entrarão em 2.a instância no caminho normal. E como deste faz parte o preceito segundo o qual

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o Supremo Tribunal de Justiça só julga em matéria de direito (Código de Processo Penal, artigo 666.º), a base XV torna-se inútil e deve ser suprimida.

21. A base XVI tem três números e no primeiro regula-se a forma de representação do Ministério Público junto dos tribunais.
Trata-se da condensação de matéria primeiramente tratada no Estatuto Judiciário (artigos 23.º e 26.º), com a alteração tocante ao Supremo Tribunal de Justiça, dada pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 35 044, e nova sistematização resultante do Decreto-Lei n.º 35 389, de 22 de Dezembro de 1945 (artigos 3.º, n.º 2.º, e 7.º, n.º 2.º).
Segundo o n.º l, a representação do Ministério Público faz-se segundo a hierarquia própria da respectiva magistratura em correlação com a categoria dos diversos tribunais. Este princípio é o único admissível e, por isso, a Câmara nada tem a opor-lhe.
Todavia, em consequência da supressão do tribunal de recurso de execução das penas, que a Câmara sugere, não pode a alínea c) mencionar um ajudante do procurador da República para colocar nesse tribunal .

A alínea c) do n.º 1 terá, pois, de sofrer pequena alteração.

Nos n.ºs 2 e 3 da base XVI contêm-se dois preceitos inteiramente novos, ambos relativos aos ajudantes do procurador da República, criados pelo Decreto-Lei n.º 37047 (artigos 12.º a 14.º).
Segundo o n.º 2, serão extintos à medida que vagarem ,08 lugares de ajudantes nas varas cíveis e nos juízos criminais e, nos termos do n.º 3, prevê-se a substituição gradual, por delegados do procurador da República, dos ajudantes colocados na sede dos actuais círculos judiciais.

Trata-se de duas providências, uma transitória e outra de índole discricionária, ambas como soluções parcelares emergentes da problemática relativa aos ajudantes do procurador da República, que o relatório desenvolvidamente expõe (n.º 14).
A Câmara acompanha as ponderadas considerações do relatório e nada opõe à manutenção da classe especial de representantes do Ministério Público que os ajudantes do procurador da República constituem, limitada em número ao estritamente indispensável. Mas adopta as críticas que têm sido feitas à instituição, no aspecto de considerar a passagem transitória dos magistrados da judicatura para o Ministério Público inconveniente para a sua formação profissional, cuja pedra de toque é a independência, a qual, mesmo na aparência, deve ser acautelada.
Ora os discutidos inconvenientes podem atenuar-se se a nomeação dos ajudantes do procurador da República, que, segundo o regime vigente, pode recair em juizes de 2.a ou 3.a classe (Decreto n.º 37 047, artigo 27.º), só puder ter por objecto juizes de 3.a classe. Isto implica o aditamento de um novo número à base XVI.
Por outro lado, a redacção do n.º 3 da base não é suficientemente clara. Para corresponder ao seu próprio pensamento ë necessário remodelá-la.

22. Com a base XVII se inicia o capítulo II da proposta «Direitos e garantias da magistratura judicial».
Abre ela pela declaração de princípio de que a magistratura judicial é independente, irresponsável e inamovível, preceitos estes que as. suas três alíneas definem.
Esta base corresponde, salvo ínfimos pormenores de redacção, ao artigo 241.º do Estatuto Juidiciário e a sua doutrina tem assento, um pouco mais resumido, na Constituição (artigos 119.º e 120.º).
Dos três predicados enumerados - independência, irresponsabilidade e inamovibilidade -, os dois últimos são puramente instrumentais e visam garantir o respeito do primeiro.
No parecer acerca do projecto de proposta de lei n.º 522 sobre a Reforma dos Tribunais do Trabalho, afirmou esta Câmara, pela pena do mesmo relator, que «... a independência dos juizes - difícil conquista dos tempos modernos - é a trave mestra da boa aplicação da justiça; ela é o fiel da balança que pondera os elementos necessários para decidir toda a espécie de controvérsias e acaba por se fixar no ponto que, em face da lei, a consciência do julgador determine, livre de quaisquer outros condicionamentos ...» (Actas, VII Legislatura, n.º 114, p. 1176).
Não tem a Câmara de alterar a sua opinião assim expressa e, por isso à luz dela examinará as fórmulas sugeridas na proposta.
Nada encontra de criticável nas definições feitas nas alíneas b) e c), mas considera defeituosa a da alínea a), precisamente a de maior importância, e prefere para o proémio da base, que se atribua a irresponsabilidade da magistratura apenas aos julgamentos.
A definição contida na alínea a) de que a independência consiste no facto de o magistrado exercer a função de julgar sem sujeição a ordens de outros juizes ou tribunais ou de quaisquer autoridades, salvo nos casos expressamente consignados na lei, contém contradição nos termos. Na verdade, se «em casos expressamente consignados na lei» os magistrados têm de exercer a função de julgar com «sujeição a ordens de outros juizes ou tribunais ou de quaisquer autoridades», ipso facto deixam de ser independentes. E basta que as leis sejam alteradas, abrangendo sucessivamente novos casos de restrição à liberdade de julgamento, para que a independência dos magistrados deixe de ser mesmo uma aparência.
Não terá certamente este intuito restritivo a alínea a) da base XVII; pode mesmo supor-se que o seu espírito é apenas o de limitar a liberdade de julgar dos tribunais inferiores em relação aos superiores pelo respeito devido às decisões proferidas por via do recurso, único caso legal de restrição que se divisa; mas para se atingir esse objectivo é preferível fazer-lhe na lei referência directa.
Vendo o problema em perspectiva mais vasta, nota a Câmara que ainda recentemente as características da independência dos juizes foram objecto de uma providência legislativa. Trata-se da Lei n.º 2091, de 9 de Abril de 1958, que, em relação à magistratura do trabalho dispõe:
Os juizes do trabalho julgam sem sujeição a instruções prévias, mas segundo a lei e a sua consciência, inspirando-se no espírito de conciliação e de solidariedade social ... (base XII, n.º 2).

Tomando em conta a distinção entre uma magistratura especial, como a do trabalho, e a magistratura comum, a Câmara entende que, quanto a esta, o princípio da independência deve ser expresso em termos ainda mais incisivos.
E isto implica a remodelação da redacção da alínea a).

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23. Na base XVIII reproduz-se a disposição do n.º 394.º do Estatuto Judiciário, que permite a qualquer entidade, funcionário ou indivíduo participar ao Conselho Superior Judiciário factos referentes à má administração da justiça ou ao comportamento dos magistrados e funcionários judiciais.
É regra estimuladora da moralidade que só pode ser louvada.

24. A base XIX sistematiza a estrutura da fiscalização e superintendência administrativa e disciplinar entre os magistrados judiciais e funcionários da justiça.
A matéria do seu n.º 1 foi regulada no artigo 362.º do Estatuto Judiciário e depois passou a sê-lo no Decreto-Lei n.º 3õ 388, de 22 de Dezembro de 1945 (artigo 1.º e 30.º); mas recebeu a sua actual feição do Decreto-Lei n.º 43.1C8, de 20 de Setembro de 1960 (artigos 10.º e seguintes).
Omite-se, porém, na enumeração feita, a competência do presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que figura actualmente na lei (Estatuto Judiciário, artigo 52.º, n. 7.º) e é de manter.
O n.º 2 refere-se à acção disciplinar dos chefes de secretaria e de secção sobre os funcionários seus subordinados e tem por fontes o artigo 486.º do Estatuto Judiciário e o artigo 46.º, n.º l, do Decreto-Lei n.º 35 388.
Toda a base condensa os princípios em vigor sem lhes introduzir alterações. Mas a Câmara objecta-lhe a conveniência de não reunir no mesmo preceito de lei formal matéria tocante a magistrados, que é da competência exclusiva da Assembleia Nacional, e a simples funcionários judiciais, que podem ser objecto de medidas a tomar no futuro estatuto judiciário.
Por consequência, a base deve ser remodelada.

25. Através da base XX, n.º l, mantém-se para os magistrados judiciais o foro e processo especial nas causas crimes e nas acções de perdas e danos por causa do exercício das suas funções, privilégio que a natureza das mesmas funções intuitivamente justifica.
Esta garantia vem reproduzida do artigo 244.º do Estatuto Judiciário, a qual, na redacção que lhe deu o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 42 756, de 23 de Dezembro de 1959, foi tornada extensiva aos magistrados na inactividade e na situação de licença ilimitada .e aos magistrados aposentados, salvo se o tiverem sido compulsivamente.
A esta enumeração adita agora a última parte do n.º 2 da base proposta os magistrados substitutos, mas sómente quanto às acções de perdas e danos por causa do exercício das suas funções.
Nem a extensão da garantia operada em 1959 nem a actualmente proposta devem sofrer objecção. A primeira porque o principal fundamento do privilégio é o estatuto profissional dos magistrados e, nas situações consideradas, ele não se perde nas duas primeiras e mantém-se na última pelo vínculo moral. E a segunda porque sendo fundamento da garantia, quanto às acções de perdas e danos, o nexo entre o exercício das funções e o prejuízo supostamente causado, a razão do foro especial é a mesma para todos os magistrados, quer de carreira, quer substitutos.
A base XX é, portanto, de aprovar inteiramente.

26. A base XXI, n.º l, reproduz, com pequenas alterações, a regra já contida no parágrafo único do artigo 246.º do Estatuto Judiciário, segundo a qual os magistrados não podem permanecer no mesmo tribunal mais de seis anos. E o n.º 2 mantém, sob forma também ligeiramente diversa, a extensão da mesma regra aos juizes das Relações, já operada pelo parágrafo único do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 37 047.
Entende a Câmara que o princípio contido no n.º 1 deve ainda ser mais amplo, permitindo ao Conselho Superior Judiciário demorar os magistrados nos seus cargos para além do sexénio, em atenção aos merecimentos deles ou à conveniência do serviço.
Pode fazer-se isto remodelando o n.º 1 da base, o que levará à eliminação da proposta n.º 2.

27. As bases XXII e XXIII reproduzem, com ligeiras diferenças de forma, dois princípios já expressos no Estatuto Judiciário (artigos 509.º e 510.º).
Segundo a primeira, quando haja motivos excepcionais, relativos a circunstâncias peculiares da comarca ou do cargo ou referentes ao magistrado ou funcionário que neles servir, o Conselho Superior Judiciário pode propor a transferência ou o afastamento do cargo de um ou do outro, sem qualquer carácter de penalidade.
A Câmara tem muitas dúvidas sobre a vantagem de aplicar esta medida aos magistrados.
Por um lado, compreende que em certos momentos e em determinada comarca se crie, por motivos estranhos ao exercício da função judicial ou à pessoa do juiz, uma situação tal que indique a grande conveniência de afastar o magistrado do seu cargo, ao menos temporariamente.
Mas, por outro, nota ser fácil atribuir ao uso desta faculdade a natureza do pretexto, empregado com intuitos que não são os da lei, como o de afastar o juiz de intervir em qualquer questão de importância política, por exemplo. A aplicação desta, providência pode, por isso, tomar o aspecto exterior de lesão ao princípio da inamovibilidade; e isto tem efeito social deprimente.
Ponderando os prós e os contras da medida, a Câmara aceita a sua substância, mas entende que ela deve ser limitada à transferência ou à nomeação para comissão de serviço.
Por outro lado, sendo o melindre da situação previsto no sugerido preceito restrito aos magistrados, não parece razoável que a mesma regra abranja magistrados e funcionários.
Não tem a mesma índole a base XXIII.
Nesta permite-se que o Conselho Superior Judiciário proponha a transferência de magistrados e funcionários de justiça que tenham tido classificação inferior à de Regular, também sem carácter de penalidade. Há, pois, um elemento objectivo e previamente conhecido a servir de base à transferência.
A Câmara não tem nada a opor-lhe, mas sempre notará que as transferências operadas com este fundamento talvez não sirvam para melhorar o serviço dos magistrados por elas afectados. Servirão apenas para que o mal observado num lugar vá provavelmente reproduzir-se noutro, até aí isento dele. Mas estas considerações não deixarão de estar presentes quando houver lugar a decidir-se sobre o uso ou não uso desta faculdade.
Por outro lado, a Câmara considera aplicável a esta base a sua observação feita à base anterior sobre a inclusão nela de referência aos funcionários de justiça e, por isso, propõe-lhe uma ligeira alteração de redacção.
Finalmente, em vista da semelhança das matérias tratadas nas duas bases, é de boa técnica fundi-las numa só, embora com dois números.

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28. A base XXVI, última da proposta, contém três números.
No n.º l, em correspondência com o artigo 119.º da Constituição Política, fixa-se o prazo máximo de exercício das comissões de serviço público para que os magistrados possam ser requisitados. Esse prazo passa a ser de três anos, ampliando-se, portanto, o prazo de um ano, máximo autorizado pelo artigo 243.º do Estatuto Judiciário. A Câmara observa, porém, que a lei em vigor permite a requisição de magistrados em comissão de serviço permanente. Por isso entende dever ser dada à parte final do n.º 1 redacção que preveja esta eventualidade.
No n.º 2 altera-se em parte o preceito do artigo 226.º do mesmo Estatuto.
Segundo este, os magistrados investidos em cargos administrativos ou de quaisquer comissões de serviço de nomeação do Governo não podem acumular o exercício de umas com outras funções.
A proposta mantém este princípio e não reproduz a excepção permitida pelo Estatuto, a da possibilidade de continuação nos cargos judiciais, mediante autorização do Governo, quando nos serviços a desempenhar em comissão se não exerce a função de julgar em matéria cível ou criminal.
Esta excepção podia afectar a independência dos magistrados, ao menos indirectamente, ao pô-los em contacto com meios estranhos ao meio e à função judiciais; por isso, a Câmara aplaude-a.
O n.º 3 é a última das disposições novas da proposta, e nela se veda aos magistrados que tenham ocupado qualquer cargo administrativo exercer funções judiciais na circunscrição onde tenham desempenhado aquele cargo, dentro do ano seguinte à sua exoneração do mesmo.
Trata-se de mais uma disposição tendente a defender a independência dos juizes, que podia parecer afectada pelas relações de toda a ordem criadas no período de exercício da comissão administrativa. É também de louvar, mas a redacção do número deve levar um ligeiro retoque para melhor clareza.

III Conclusões

29. Em virtude do exposto, a Câmara Corporativa aprova as bases propostas, com excepção das que devem ser suprimidas e daquelas para as quais sugere as alterações indicadas a seguir:

BASE n

1. (Sem alteração).
2. Fica o Governo autorizado a rever a área dos círculos judiciais e a criar os que se tornarem necessários em consequência das alterações introduzidas pela nova lei de processo civil.

BASE III

1. (Sem alteração).
2. Incumbe ao Conselho Superior Judiciário designar a natureza da secção a que se destinam os juizes nomeados para o Supremo e autorizar a permuta entre juizes de secções diferentes quando razões ponderosas a justifiquem.
3. Haverá renovação trienal da distribuição dos juizes pelas várias secções do tribunal, limitada, porém, às secções da mesma natureza.

BASE IV

1. (Sem alteração).
2. Pode, porém, um tribunal, juízo ou vara funcionar com mais de um juiz. da mesma classe, quando, por circunstâncias de carácter transitório, o respectivo serviço se encontre em sensível atraso.
Para esse efeito serão destacados, em comissão de serviço, os juizes de direito que, além do quadro, se reportem necessários à completa normalização do serviço.
3. (Sem alteração).

BASE v

1. (Sem alteração).
2. Quando o movimento do serviço o exigir, haverá um corregedor presidente para os tribunais colectivos do cível e outro para os tribunais colectivos do crime.

BASE VI

1. (Sem alteração).
2. A composição de cada tribunal colectivo, pelo que se refere ao segundo vogal, pode ser alterada por simples decreto, sob proposta do Conselho Superior Judiciário.

BASE VIII

O tribunal colectivo dos juízos cíveis é constituído pelo juiz do juízo onde corre o processo e por dois dos titulares de outros juízos.

BASE IX

1. (Sem alteração).
A) (Sem alteração).
1.º Preparar e julgar, em 1.ª instância, as acções do processo sumaríssimo;
2.º Conhecer das execuções fundadas em sentenças do tribunal municipal e das fundadas noutros títulos quando o valor não exceder 10 000$;
3.º Intervir em todos os actos e termos dos processos de inventário quando o valor deste não seja superior a 10 000$;
4.º (O n.º 3º da base proposta);
5.º (O n.º 4." da base proposta);
6.º (O n.º 5.º da base proposta).

BASE x

Fica completamente excluída a intervenção dos juizes municipais nos seguintes processos:
a)(Sem, alteração);
b)(Sem, alteração);
c)(Sem, alteração);
d)Reforma de títulos, autos e livros;
e)(Sem alteração);
f)Cartas rogatórias.

BASE XII

1.(Sem alteração).
2. Quando o tribunal plenário tiver de julgar reclamações de decisões proferidas em matéria de liberdade provisória ou de despachos de pronúncia ou equivalentes, lavradas pelos juízes que dele façam parte, será qualquer desses juizes substituído no julgamento das reclamações pelo juiz mais antigo, segundo a escala das antiguidades, do tribunal criminal da comarca onde o tribunal plenário tiver sede.

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BASE XIII

1. (Sem alteração).
a) (Sem alteração).
b) (Sem alteração).
c) Crimes antieconómicos e crimes a que corresponda processo de querela quando, em relação a uns e a outros, por virtude da sua importância ou por conveniência da justiça, a secção criminal do Supremo, sob proposta do procurador-geral da República, decida, em conferência, mandar avocar o seu julgamento a esses tribunais.
2. (Sem alteração).

BASE XIV

Das decisões finais proferidas pelos tribunais de execução das penas cabe recurso para o tribunal da Relação.

BASE XV

(Suprimida).

BASE XVI

(Passaria a IV)

1. (Sem alteração),
a) (Sem alteração).
b) (Sem alteração).
c) Por um ajudante do procurador da República no plenário de cada tribunal criminal e no tribunal de comarca da sede dos actuais círculos judiciais;
d) (Sem alteração).
e) (Sem alteração).
2. (Sem alteração).
3. Os ajudantes colocados nas sedes dos actuais círculos judiciais poderão ser substituídos por delegados do procurador da República à medida que a sua colocação junto do respectivo procurador ou o serviço dos ajudantes dos círculos vizinhos tornem possível a substituição sem prejuízo das funções cometidas ao Ministério Público.
4. As funções de ajudante do procurador da República só poderão ser exercidas por juizes de direito de 3.a classe.

BASE XVII

(Passaria a XVI)

A magistratura judicial é independente, irresponsável nos seus julgamentos e inamovível:
a) A independência consiste no facto de o magistrado exercer a função de julgar segundo a lei, sem sujeição a ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento dos tribunais inferiores em relação às decisões dos tribunais superiores, proferidas por via de recurso.
b) (Sem alteração).
c) (Sem alteração).

BASE XIX

(Passaria a XVIII)

A fiscalização e superintendência administrativa e disciplinar sobre os magistrados judiciais pertencem exclusivamente:
a) (Sem alteração).
b) (Sem alteração).
c) Ao presidente do Supremo Tribunal de Justiça sobre os magistrados do tribunal;
d) [A alínea c) da base proposta].
e) [A alínea d) da base proposta].

BASE XXI

Os magistrados não podem permanecer no mesmo tribunal mais de seis anos, salvo se o Conselho Superior Judiciário, atendendo aos seus merecimentos ou à conveniência do serviço, autorizar u sua permanência nos cargos por mais tempo.

BASE XXII

(Passaria a XXI)

1. Quando se verifiquem circunstâncias excepcionais e peculiares a determinada comarca ou ao magistrado que nela servir, o Conselho Superior Judiciário pode propor a transferência deste ou a sua nomeação em comissão de serviço para outro cargo, sem que a transferência ou a nomeação envolvam a aplicação de qualquer sanção disciplinar.
2. O Conselho pode igualmente, sem carácter de penalidade, propor a transferência dós magistrados que tenham sido classificados com nota inferior à de Regular.

BASE XXIII

(Suprimida).

BASE XXIV

(Passaria a XXII)

1. Os magistrados judiciais podem ser requisitados para comissões de serviço público que não excedam três anos, salvo as excepções previstas na lei.
2. (Sem alteração).
3. Sempre que tenha ocupado qualquer cargo administrativo, não será permitido ao magistrado exercer funções judiciais na área da circunscrição em que lia já servido em comissão dentro do ano subsequente à sua exoneração daquele cargo.

Palácio de S. Bento, 23 de Fevereiro de 1962.

Afonso de Melo Pinto Veloso.
Afonso Rodrigues Queiró.
Armando Manuel de Almeida Marques Guedes.
Fernando Andrade Pires de I/ima.
Francisco de Paula Leite Pinto.
Joaquim, Trigo de Negreiros.
José Pires Cardoso.
João de Castro Mendes (vencido quanto às bases XII, XIII, XVII, alínea b), e XXII da proposta. Um tribunal com a competência do plenário criminal tenderá sempre a prosseguir, além do valor justiça, outros valores, designadamente a defesa da ordem social e da economia nacional. Sobretudo hoje, em que esses valores têm uma pressão particular. Ora os tribunais não devem ter outra missão que não seja a de realizar, única e exclusivamente, o valor justiça sem o procurarem sequer conciliar com outros valores, por mais prementes e respeitáveis que se afigurem. Por isso votei pela supressão dos plenários criminais e pela atribuição da sua competência aos tribunais criminais não especializados.
A manterem-se os tribunais plenários criminais, julgo inconveniente a possibilidade de deslocação para esses tribunais do julgamento dos crimes contra a economia nacional e crimes a que corresponda processo de querela, consoante está previsto na alínea c) e n.º 2 da base XIII, quando imposta ao réu sem anuência deste. A fixação objectiva, pelo mero jogo de critérios

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legais, dos juizes que julgarão a causa constitui uma garantia para os interessados nela, e marine em processo criminal para o réu. Por isso, assim como em processo civil, «nenhuma causa pode ser deslocada do tribunal competente para outro, a não ser nos casos especialmente previstos na lei» (artigo 64.º do Código de Processo Civil) e a não ser também por vontade das partes (artigo 100.º do mesmo diploma); também em processo criminal o desaforamento (preterição do que se chama em doutrina o juiz natural) só devia ser lícito mediante a anuência do réu.
Outro ponto em que devo manifestar a minha discordância é quanto à definição de irresponsabilidade contida na alínea b) da base XVII. Devia conter-se aí uma garantia especial dos juizes, tão importante que merece consagração constitucional [artigos 93.º, alínea g), e 120.º da Constituição Política]. Ora a pseudogarantia aí prevista, definida de forma tão vaga, cabe a qualquer funcionário ou particular por qualquer acto; é evidente que qualquer entidade pública ou particular é em princípio irresponsável (não sujeita a sanções) pelos seus actos, «sem prejuízo das excepções que a lei consignar e das sanções que, por abusos ou irregularidades no exercício da função, lhes possam caber à face das leis civis, criminais e disciplinares».
A irresponsabilidade dos juizes apresenta duas facetas ou aspectos: pelo conteúdo das suas decisões, deve ser absoluta; pela actividade que a essas decisões leva (julgamento), deve ser formulada como princípio, sujeito a excepções, precisa e taxativamente formuladas na lei e que, a meu ver, deviam ser apenas os casos de peita, suborno ou concussão, prevaricação, denegação dolosa de justiça e negligência muito grave no estudo e fundamentação da decisão.
Tal como está redigida a base XVII, alínea b), mais valia declarar que os juizes são responsáveis pelos seus julgamentos; assim como em face da base XXII mais valia estabelecer que os juizes são livremente amovíveis).
José Damasceno Campos.
José Gabriel Pinto Coelho.
Adelino da Palma Carlos (vencido, em parte. Quanto às base VI e VII: continuo a discordar da existência do tribunal colectivo, por razões constantes do meu voto de vencido no parecer n.º 51/VI.
Quanto às bases XII e XIII: propus a sua supressão. A necessidade de reprimir mais severamente certos tipos de criminalidade não justifica a existência de tribunais com composição especial. Todos os juizes têm de ser igualmente capazes, competentes e independentes para julgar. A repressão desses tipos de criminalidade pode fazer-se mediante o estabelecimento de penas mais graves para as infracções, mas não deve fazer-se subtraindo-as ao julgamento dos tribunais normais.
O simples facto de ser o presidente do tribunal criminal, que funciona em plenário, nomeado pelo Ministro da Justiça (artigos 6.º do Decreto-Lei n.º 35 044, de 20 de Outubro de 1945, e 3.º do Decreto-Lei n.º 40 916, de 20 de Dezembro de 1906) diminui a autoridade do tribunal para o julgamento dos crimes referidos na alínea a) do n.º 1 da base XIII; e talvez aí se encontre explicação para aquilo que o relatório da proposta, referindo-se mesmo aos advogados, chama «excessos dos limites razoáveis do direito de defesa», «alegações de pura propaganda ideológica» e «actos de desrespeito ao tribunal», esquecido de que todas estas faltas podem cometer-se em qualquer tribunal, desde que quem as cometa não possua (o que felizmente é raro) o sentido da dignidade da profissão. Mas para evitá-las ou reprimi-las não é necessário subsistir o plenário; basta a acção punitiva dos órgãos competentes, designadamente da Ordem dos Advogados, que na defesa das regras deontológicas tem sido exemplar.
Quanto à base XXIII da proposta: sustentei que os magistrados classificados com nota inferior à de Regular não .devem ser simplesmente transferidos, devem ser aposentados. A magistratura é função tão nobre, tão alta e tão importante que não compreendo que nela possam manter-se magistrados classificados de Medíocre. Só a estes me refiro, porque os classificados de Mau já hoje são imediatamente suspensos, nos termos do artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 3õ 388, de 22 de Dezembro de 1945).
José Augusto Vaz Pinto, relator [vencido quanto à segunda parte da alínea c) do n.º 1 da base XIII. Entendi que a situação ali prevista não tem a fixidez e a certeza que são características normais da definição da competência de qualquer tribunal, e por isso propus a sua eliminação].

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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