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REPÚBLICA PORTUGUESA

ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 41

VIII LEGISLATURA - 1963 4 DE JUNHO

PARECER N.º 11/VIII

Projecto de proposta de lei n.º 501

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 105.º da Constituição, acerca do projecto de proposta de lei n.º 501, elaborado pelo Governo sobre a propriedade da farmácia, emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecção de Justiça), com ou Dignos Procurado) es, agregados, Domingos Cândido Braga da Cruz, Fernando Baeta Bissaia Barreto Rosa, Fernando Carvalho Seixas, Francisco Pereira Neto de Carvalho, João José Lobato Guimarães, Joaquim Trigo de Negreiros o Manuel Alves da Silva, sob a presidência de S Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer

I

Apreciação na generalidade

§ 1.º

Introdução

1. É fora de dúvida que ainda não foram encontradas as mais adequadas soluções jurídicas para o complexo problema farmacêutico português, em termos que satisfaçam as mais prementes necessidades da maioria da população Enquanto a assistência médica vai pouco a pouco alargando o seu campo de acção, tornando cada vez maior o número dos seus beneficiários, a assistência medicamentosa, indispensável complemento daquela, longe de ser uma realidade prática, não reveste tão-pouco ainda a forma potencial de diploma ou projecto de diploma legal.
Este atraso, que só por si é merecedor de reparos, na medida em que está dessincronizado com a assistência médica, torna esta menos eficiente e menos produtivo o esforço neste campo feito

2. A produção nacional de medicamentos, organizada do modo a atingir um elevado nível técnico na sua elaboração, e a alcançar um custo de produção óptimo, a eliminação de todos os factores que, por uma deficiência de estrutura da cadeia económica «produção-venda ao público», onerem de qualquer modo os produtos farmacêuticos, são outros tantos problemas a que urge dar solução rápida e concreta
Cônscia da primordial importância de tão magnos, numerosas e prementes necessidades, estranhou a Câmara que lhes não tivesse sido dada prioridade sobre aquela que o projecto, causa do presente parecer, se propõe resolver, ou então que, em vez de uma legislação fragmentária e sem a sequência cronológica mais indicada, não fosse elaborado um projecto mais amplo, que, englobando todos os aspectos referidos e outros com eles relacionados, passaria a ser um verdadeiro estatuto da actividade farmacêutica

3. Não obstante os considerações feitas, não deixa a Câmara de reconhecer a mais flagrante oportunidade ao projecto do Governo, bastando-lhe, para tal, ter conheci-

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(...) mento do panorama que a propriedade da farmácia, sob o aspecto legal, nos apresenta. Determinando o Decreto-Lei n º 23 422, de 29 de Dezembro de 1933, diploma que entre nós regula a propriedade da farmácia, que ela só pode pertencer a farmacêuticos, 60 a 70 por cento das farmácias, actualmente existentes (1), não estão, de facto, de acordo com esta prescrição. Impõe-se, pois, para prestígio do Poder Legislativo, fazedor das leis, e do Poder Executivo, zelador da sua aplicação, que, indagadas as causas deste estado de coisas, se legisle de novo e de forma que, fazendo justiça, se garanta a efectiva e inderiogável aplicação da lei
Para além de uma necessidade de afirmação da autoridade e da imperatividade das leis, a oportunidade do projecto do Governo emana, igualmente, da necessidade de salvaguardar a saúde pública, fim que o diploma desrespeitado procura atingir, tendo como meio certo condicionamento da propriedade da farmácia. Dada a força da dependência dos nas em relação aos meios necessários, a não efectivação destes leva, forçosamente, a frustração daqueles Ora a saúde pública é um bem precioso, que ao Estado incumbe defender nos termos do n.º 4.º do artigo 6.º da Constituição Política e cuja defesa e prossecução, consequentemente, deve estai no âmbito das primaciais preocupações do Governo, para que possa correr o i isco de ser comprometida pela não realização de um meio considerado indispensável para a sua protecção e garantia
Mesmo admitindo que a coercibilidade não é um elemento essencial da definição de lei, a verdade é que as leis são feitas para serem normalmente respeitadas e aceites pela generalidade daqueles a quem se dirigem, a sua aplicação coerciva, a transformação em acto da coacção potencial que em si contém, só excepcionalmente deve ter lugar. Quando assim não acontece, é porque a lei ofende a realidade da vida que procura regulamentar, tornando-se iníqua e violadora do sentimento de justiça comum. Perante esta indesejável realidade, e como que por força de um fatalismo cosmológico de justiça, ou a lei deixa de ser aplicada em todo o seu rigor, mercê de a Administração sei dominada por humano sentimento de brandura, ou os seus destinatários descobrem engenhosa e fraudulenta foi ma de lhe mitigarem os rigores
Qualquer destas atitudes, e ambas se verificaram na aplicação do Decreto-Lei n.º 23 422, é indesejável e deve ser evitada, paia valorização do direito e prestígio dos poderes da Administração a exposto justifica, pois a oportunidade do projecto governamental

§ 2º

A actividade farmacêutica é de Interesse público

4. Começa o projecto de pi oposta de lei n.º 501, sobre o qual a Câmara é chamada a dar parecer, por considerar de interesse público, «como actividade sanitária, a função de preparar, conservar e distribuir medicamentos ao público» Da aceitação desta afirmação, que o mais empírico conhecimento da vida real toma incontestável, resultam, necessariamente, importantes consequências justificativas de medidas limitativas e propulsoras da Administração. Considerar-se a actividade farmacêutica como um meio atinente a defesa e promoção da saúde pública, permite ao Estado, através da sua função legislativa, impor restrições aos direitos individuais constitucionalmente definidos e exigir o desenvolvimento de uma actividade em certos termos e fixado sentido.
Toda a economia do projecto é dominada pelo conceito de interesse público, que podemos definir como «o interesse que, sem perder a sua qualidade de interesse superior, sem se resolver na soma dos interesses dos cidadãos, sublima estes numa unidade, da qual, todavia, os interesses particulares são coeficientes» (1)

5. O projecto governamental, embota deixando à iniciativa privada a atribuição de preparar, conservar e distribuir medicamentos sob certas normas condicionantes e disciplinadoras, dominado pelo elevado interesse público que esta função possui, prevê um certo número de medidas destinadas a suprir as deficiências e as faltas que possam surgir, principalmente na distribuição dos produtos farmacêuticos, por incapacidade ou desinteresse da referida iniciativa Assim é que o Governo poderá incentivar a actividade farmacêutica concedendo-lhe facilidades de crédito, ou por meio de quaisquer outras medidas consideradas adequadas
Onde a iniciativa privada mais dificilmente corresponde às necessidades públicas de assistência farmacêutica é na distribuição de medicamentos aos meios rui ais, onde a vida é um bem tão valioso como nas grandes e cosmopolitas metrópoles Compreende-se que assim seja em virtude das fracas perspectivas económicas que os sertanejos lugares oferecem a actividade farmacêutica.
Tendo presente esta realidade e no desejo de dotar o Pais com uma rede farmacêutica funcionalmente distribuída, o projecto prevê que as farmácias tenham na sua dependência postos farmacêuticos e ambulâncias de medicamentos Assim, onde não é possível, por lazões económicas, manter uma farmácia, já se torna viável o funcionamento de um posto farmacêutico ou fazer passar uma ambulância que porá ao dispor dos interessados pelo menos os medicamentos de mais frequente utilização Estes meios de assistência farmacêutica, embora entregues a um prático, funcionam sob o controlo e responsabilidade do gerente técnico da farmácia sede
Se em qualquer Rede de concelho não houver farmácia ou as que existam não forem em número suficiente, prevê-se, entre ou tais medidas dependentes de especial condicionalismo, a criação de partidos farmacêuticos
Não deixa o projecto do Governo de colocar ao dispor da Administração os meios suficientes para superar, se necessário foi, as faltas da actividade farmacêutica particular na distribuição de medicamentos

§ 3.º

Regime de propriedade dai farmácias

A) Formulação do problema

6. Analisemos agora, o mais objectivamente possível, o problema basilar do projecto de proposta de lei em apreciação o regime a que deve estar sujeita a propriedade dos farmácias. E este um problema delicado, de leal complexidade, quer pelos elevados valores materiais que nele estão envolvidos, quer pela emotividade com que é vivido pelas pessoas que, sob os mais diversos e por vezes antagónicos aspectos, lhe estão ligadas

(l) Percentagem indicada no relatório do projecto da proposta de lei em apreciação
(1) Amorth, «Una, Nuova Sistemática della Justizia Administrativa», in Revista di Diritto Publico, 1943, I, p 76

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Estabelecimentos universitários de ensino de farmácia, farmacêuticos, ajudantes de farmácia e proprietários de farmácias não farmacêuticos defendem apaixonadamente pontos de vista em raros aspectos coincidentes e nem sempre de acordo com o interesse público que se deve procurar salvaguardar
Com razão se diz no preâmbulo do projecto de proposta do Governo que, «na sua aparente simplicidade, o problema da propriedade da farmácia envolve delicados questões de várias ordens, desde a económica e jurídica a moral e profissional Ele toca, n bem dizer, em toda a estrutura e funcionamento da actividade farmacêutica, se a posição que se tome num sentido ou noutro, entre os vários possíveis, decorrer de uma linha geral de orientação»

7. São dois os princípios gerais que, na maior parte dos países do Ocidente e também entre nós, presidem ou presidiam à definição do regime de propriedade farmacêutica o princípio da propriedade livre e o princípio da indivisibilidade da propriedade e da gerência técnica Ou se aceita que a propriedade de farmácia é livre na sua aquisição e transmissão, como acontece com qualquer estabelecimento comercial, ou se reserva o direito de ser titular da propriedade de farmácia aos farmacêuticos que sei ao também, obrigatoriamente, seus gerentes técnicos
De um modo geral, estes princípios não se encontram transformados em direito positivo em todo o seu estado de pureza, não são aplicados em todas as suas implicações lógicas à matéria que regulam Sofre várias restrições um, e abrem-se diversas excepções ao rigor restritivo do outro
Entre a propriedade livre, ao alcance de qualquer cidadão, e a propriedade exclusiva dos farmacêuticos, há uma série do posições possíveis, escalonadas, que visam, sem prejuízo dos fins principais a atingir e com respeito pelo princípio gemi adoptado, dentro de um certo conceito ordinalista da lei, salvaguardar aqueles interesses reais e justificadamente defensáveis que, pela força cega da dedução lógica do princípio geral transformado em norma reguladora, seriam fatalmente violados Mesmo na França, que se orgulha de possuir, assim como a Espanha, o direito farmacêutico que mais perfeitamente consagra o princípio da indivisibilidade, encontramos diversas excepções a este princípio, a favor dos herdeiros ou cônjuge sobrevivo do proprietário de farmácia, dos hospitais, das associações mutualistas, etc

8. De entre os dois princípios anunciados é, sem dúvida, o princípio da propriedade livre aquele que, prima facie, merece a preferência de quem seja chamado a formular um juízo de escolha. De facto, a farmácia, tal como se nos apresenta e é vista pelo comum das pessoas, ó um estabelecimento comercial afecto à venda de certos e determinados artigos, que, infelizmente, cada vez vão sendo mais heterogéneos e menos valorizadores da actividade farmacêutica. A venda de manipulados está hoje praticamente restringida a um máximo de 5 por cento (l). Ora, se a farmácia é um lugar onde se efectuam simples, actos de compra e venda, na sua maioria sem qualquer qualificação específica, pois os farmacêuticos não exercem em regia qualquer fiscalização ou controle técnico sobre as especialidades que vendem, porque não há-de ser submetida ao regime jurídico que regula a propriedade dos restantes estabelecimentos comerciais?

(*) Boletim do Grémio Nacional das Farmácias n.º 108, ano XVIII, p. 11.
Desta imediata inferência nos dá conta o Dr Martins de Carvalho, autor, como Ministro da Saúde e Assistência, do projecto de proposta de lei em apreciação, em entro vista concedida à Revista Portuguesa de Farmácia em 25 do Novembro de 1062, onde se diz
Parto da verificação de um facto, à primeira vista, restringir a propriedade das farmácias aos farmacêuticos parece ser um acto contra a boa razão. Na verdade (e o caso foi expressamente cuidado), será preciso ser-se agrónomo ou regente agrícola para se poder ser dono de uma propriedade rural? Não é verdade que as farmácias cada vez mais se transformam em simples lojas de venda de medicamentos industrializados? E não fica a saúde pública garantida pela obrigatoriedade de um director técnico farmacêutico, desde que a presença deste seja efectiva, ao contrário do que tantas vezes acontece?
A resposta a estas perguntas afigura-se evidente. E ela constitui realmente a grande argumentação a favor da livre propriedade

Esta conclusão, que, segundo o entrevistado diz, ressalta de um estudo superficial do problema e parece não resistir a uma análise cora profundidade, feita por quem se encontre integrado nas complexas implicações da actividade farmacêutica e, de forma especial, nas suas ligações com a saúde pública, é, no entanto, aquela a que chegaram as autoridades administrativas de diversos países, europeus e americanos, ao perfilharem legalmente a livre propriedade farmacêutica. Estão neste caso a Inglaterra, a Holanda, alguns cantões da Suíça, nomeadamente o de Berna, e os listados Unidos da América, para só citar aqueles onde o nível sanitário da população e as preocupações estaduais para o defenderem e propulsionarem rivalizam com as de qualquer outro país do Mundo

9. A livre propriedade e a liberdade de escolha de profissão ou género de trabalho, indústria ou comércio são constitucional mente garantidas aos cidadãos portugueses, respectivamente pelos n.º 16.º e 7.º do artigo 8.º da Constituição Política Por força do diploma fundamental, os direitos, liberdades e garantias que acabamos de referir poderão ser sacrificados se o interesse público assim o exigir Os direitos individuais deverão ceder perante o bem comum
Pergunta-se haverá algum interesse público cuja protecção ou obtenção exija, irremediavelmente, que a propriedade das farmácias seja regulamentada por normas de excepção, violadoras dos direitos de liberdade de escolha do profissão, indústria Ou comércio e do direito de livremente adquirir propriedade e livremente a transmitir?
Aponta-se como fundamento destas restrições o interesse de proteger a saúde pública
De facto, a actividade farmacêutica está profundamente ligada a saúdo pública, pois, se a manipulação e venda de medicamentos, quando conscienciosamente feita, é fonte de saúde e vida, se praticada sem obediência rigorosa aos imperativos da ciência e às normas deontológicas, pode trazer a doença e a morte. Mas, se todos reconhecem o interesse público sanitário da actividade farmacêutica, há quem conteste que para ela poder atingir esse fim seja necessário sacrificar-lhe o princípio natural e constitucional da propriedade livre. Para estes opositores, o aspecto sanitário da actividade farmacêutica, e este é que lhe empresta o atributo de interesse público, será perfeitamente salvaguardado, em regime de propriedade livre, desde que se imponha, com carácter obrigatório, a gerência técnica, pessoal e efectivamente exercida por farma-

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cêutico. E o cumprimento desta determinação d e vi H sei rigorosamente garantido por uma fiscalização eficiente, implacavelmente actuante E por este processo que os países onde é livre a propriedade da farmácia procuram defender a saúde pública dos inconvenientes de o comercio dos medicamentos sei feito sem qualquer contrair técnico e deontológico
A legislação portuguesa, ao fixar pela primeira vez entre nós, de forma inequívoca, pelo Decreto n º 23422, de 20 de Dezembro de 1933, o princípio da «indivisibilidade», fê-lo, não na convicção de que a saúde pública só seria devidamente protegida desde que a propriedade das farmácias fosse exclusiva dos farmacêuticos, mas, sim, com a esperança de que o farmacêutico, sendo proprietário da farmácia, dana a esta uma assistência técnica mais assídua Era, pois, a assiduidade do gerente que pretendia atingir - «verifica-se, contudo, extraordinária dificuldade em vencei os recursos postos em prática para se iludir aquela obrigação imprescritível de ser assumida a gerência técnica com a mais escrupulosa assiduidade»
Á prática, infelizmente, se encarregou de demonstrar a evidência que o meio escolhido para tal fim imo foi o mais adequado, mas, ainda que o fosse, não sendo o único, devia ser recusado por demasiado violento
Mais de 60 porcento das farmácias portuguesas não são propriedade de farmacêuticos, contando-se nesta percentagem aquelas de maior projecção comercial e de mais elevado nível técnico, e, no entanto, não consta que a saúde pública tenha sido gravemente atingida por este facto
10. É verdade que a gerência técnica, para ser um sólido e vigilante garante da saúde pública, terá de estar de facto e juridicamente independente e protegida da gananciosa e interesseira ambição do proprietário da farmácia, que expiai a esta com pui o espírito comercial
Juridicamente não é difícil regulamentar as relações entre o proprietário da farmácia e o gerente técnico farmacêutico, de modo que este não seja coagido, directa ou indirectamente, na sua consciência profissional Sendo o despedimento ou a sua ameaça o meio que se antevê como o mais facilmente utilizável paia o proprietário de uma farmácia obter a conivência do gerente técnico na infracção dos princípios reguladores da actividade farmacêutica, bastará criar uma disciplina especial para este, visando torná-lo foi temente oneroso paia o patrão, quando não fundado em justa causa Aos contratos de trabalho a celebrar entre farmacêuticos e proprietários de farmácia fixar-se-lhes-ra uma duração mínima, considerada suficiente paia desencorajar o patrão de utilizar a ameaça de despedimento paia adaptar o novo gerente técnico àquilo a que eufemísticamente usa chamar-se «a minha maneira de trabalhai»
Embora reconhecendo o acerto destas medidas jurídicas, duvida a Câmara que elas possam ter segui os e insofismáveis efeitos práticos
Esta independência absoluta que se pretende obter para o exercício da actividade farmacêutica através da coincidência da propriedade da farmácia com a sua gerência técnica só será defensável, como o mais eficaz meio de defender a saúde pública, desde que partamos do princípio de que o dever profissional dos farmacêuticos proprietários de farmácias jamais cederá perante o seu interesse económico
Pode-se muito bem conjecturar que a actividade farmacêutica seria normalmente exercida com mais elevado nível deontológico desde que as qualidades do proprietário e gerente técnico incidissem sobre pessoas distintas. Tornava-se deste modo necessário, para a prática de qualquer irregularidade, o conluio de duas vontades, o compromisso das consciências de duas pessoas de formação diferente e de interesses independentes
É com certas dúvidas que se aceita que um farmacêutico não seja capaz de manter uma absoluta obediência aos princípios deontológicos que enformam a sua actividade profissional quando trabalha por conta de outrem, e já rigidamente os respeito quando é patrão de si mesmo, ainda que para tal tenha de sacrificar os mais tentadores lúcios
11. Se se disser que o regime da propriedade da farmácia deve estai dependente «da orientação geral que se deseje dai a profissão farmacêutica» e se preconizar como a mais aconselhável manter-lhe a sua antiga dignidade científica, afirmada na directa preparação laboratorial da maior parte das drogas vendidas, como o impõe a necessidade de dai um cunho de individualização à farmácia, sempre se podei á dizer que a satisfação desta reconhecida necessidade não leva foi cosam ente a uma maior actividade laboratorial das farmácias, e, ainda que leve, este facto nada decide directamente sobre o regime de propriedade, mas, tudo afirma sobre a obrigatoriedade incontrovertida de uma gerência técnica, pessoal e efectivamente exercida
Diz-se que n maior individualização da actividade farmacêutica não provocará consequentemente um proporcional aumento da actividade manipuladora da farmácia, porque os. laboratórios chamarão a si, na posse de processos técnicos mais perfeitos, e suficientemente adaptáveis as exigências de uma farmácia mais individualizada, a satisfação dessa nova necessidade A seu favor terão ainda a possibilidade de produzir a mais baixo custo
Esta previsão não é puramente conjecturai, mas assenta na experiência vivida noutros países, onde a farmácia já atingiu essa etapa individualizadora, que teve apenas como consequência o aumento extraordinário do número de especialidades fabricadas
Dentro do princípio da liberdade da propriedade da farmácia, todos os actos jurídicos com ela relacionados se processai iam normalmente e em mais perfeita concordância com as prescrições legais Admitindo que a gerência técnica obrigatória da farmácia é garantia necessária e suficiente da saúde pública, fim primordial a atingiu, verificar-se-ia uma mais justa satisfação dos interesses particulares, que sempre estão ligados às farmácias como valor económico
Não havei ia necessidade de recorrer, como a experiência de 30 anos tem demonstrado, á prática sistemática de actos simulados, com indesejável desrespeito pela lei e uma perniciosa aviltação da consciência A Administração não seria colocada, como já diversas vezes o tem sido no sistema jurídico actualmente regulador desta matéria, na desagradável alternativa de impor o cumprimento de uma lei que, num glande número de casos concretos a que se aplica, é sentida como iníqua, chocando clamorosamente ,com o sentimento de humanidade comum, ou aceitar, com passiva conivência, indesejáveis hiatos na continuidade executiva dessa lei
12. Indirectamente ligada à defesa da saúde pública e elevação do nível sanitário dos meios que a promovem, através do regime de propriedade da f ai macia, está a necessidade de valorizar real e economicamente a profissão de farmacêutico
E preciso que o em só e a licenciatura de Farmácia ofereçam perspectivas de vida na sua utilização pi ática com-

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patíveis com o nível universitário que possuem Só assim será possível garantir uma frequência cios estabelecimentos de ensino farmacêutico capaz de satisfazer as necessidades primárias da indústria de produção e do comércio distributivo de medicamentos, permitindo, concomitantemente, a formação de uma elite, por meio selectivo, destinada a elevar o nível da investigação científica farmacêutica entre nós
Dado o estado de desenvolvimento da nossa indústria farmacêutica o a inexistência de quaisquer outros organismos técnico-científicos que possam dar ocupação e remuneração condigna aos farmacêuticos, fica-lhes como normal campo de actividade o exercício da profissão farmacêutica por conta de ou ti em, ou por conta própria
Como a maioria das farmácias portuguesas não possui condições económicas paia poder pagar anã seus gerentes técnicos ou simples empregados um vencimento compatível com a sua qualidade cie licenciados ou possuidores de um curso universitário, só o exercício da profissão farmacêutica em farmácia de que sejam também proprietários os poderá compensar dos sacrifícios que lhes são exigidos para obter as condições necessárias ao exercício da sua profissão
Portanto, todas as medulas atinentes a facilitar o acesso rios farmacêuticos propriedade de farmácia são de perfilhar e reforçar, pois ó no desejo de ser farmacêutico proprietário de farmácia que a maior parte dos alunos frequentam os estabelecimentos de ensino farmacêutico, contribuindo, assim, ainda que indirectamente, paia a defesa e valorização da saúde pública
Dentro do princípio geral da livre propriedade de farmácia não é possível, como é lógico, satisfazer em termos absolutos este reconhecido interesse público. Mas nada impede que, sem quebra do princípio geral enunciado, se proteja a justa aspiração dos farmacêuticos em serem proprietários de farmácia, com um judicioso critério preferencial que poderia ser assim formulado
Teriam preferência na abertura ou aquisição da propriedade da farmácia as pessoas jurídicas singulares ou colectivas, pela ordem abaixo indicada
a) Os farmacêuticos ou sociedades em que todos os sócios fossem farmacêuticos,
b) As sociedades compostas de farmacêuticos e não farmacêuticos, preferido aquelas que tivessem maior número de sócios farmacêuticos

Permitindo estes sistema que os farmacêuticos fossem preferidos paia a aquisição da propriedade de farmácia originária ou derivada, facto que, como já vimos, é de manifesto interesse público, contribuía, ao mesmo tempo, para que em certa localidade não deixasse de haver farmácia por falta de um farmacêutico com interesse e disponibilidades económicas para a abrir, ou que por esta razão certa farmácia não deixasse de ser transaccionada quando conviesse ao seu proprietário e pelo preço considerado razoável
13. Definido o princípio da propriedade farmacêutica livre e formulados, ainda que sinteticamente, mas, como se julga, sem prejuízo da sua explicitude, os argumentos que se podem alinhar a seu favor o as correcções que seria possível fazer-lhe paia que, bem quebra tia sua essência, ficassem atenuadas ou corrigidas algumas das consequências da sua plena aplicação a esta matei ia, passemos agora a caracterização e análise do princípio da indivisibilidade da propriedade farmacêutica e da respectiva gerência técnica
B) Princípio da indivisibilidade da propriedade da farmácia e da gerência técnica
14. É este o princípio que actualmente estabelece entre nós o regime da propriedade farmacêutica, por foiça do artigo l º do Decreto n º 28 422, de 29 de Dezembro de 1938, que assim o enuncia:
Nenhuma farmácia pode estar aberta ao público sem que o farmacêutico, seu director técnico, seja seu proprietário, no todo ou em parte, por associação com outro ou outros farmacêuticos
Exige, pois, o princípio da indivisibilidade que a propriedade da farmácia seja exclusivamente reservada aos farmacêuticos, que terão obrigatoriamente a seu cargo a gerência técnica
15. Este princípio limitativo da livre aquisição da propriedade da farmácia passou a vigorar entre nós, em termos de rigor idêntico ao dos países que o perfilham com menor número de excepções, desde ]933 Anteriormente, apenas no Decreto n º 13 470, de J 2 de Abril de 1927, no artigo 4 º, expressamente se regulou esta matéria, paru permitir aos não farmacêuticos poderem adquirir a propriedade da farmácia desde que estivessem associados com farmacêutico que fosse seu gerente técnico. Os não farmacêuticos passaram, deste modo, a só poderem ser titulares de compropriedade farmacêutica Esta disposição não aparece no Decreto n º 17 686, de 19 de Novembro de 1929, que adopta em termos amplos o princípio da liberdade de propriedade de farmácia, que já em diploma de 1924 se encontrava expressamente consagrado
Artigo l º Todas as farmácias abertas ao público ou privativas de estabelecimentos de assistência e associações de mutualidade ou outros serão dirigidas permanentemente por um farmacêutico legalmente habilitado, seu proprietário ou gerente técnico, que podem assistir-se de ajudantes técnicos de farmácia, sob sua imediata responsabilidade. (Decreto n º 9431, de 18 de Fevereiro de 1924)
Àquilo em que desde sempre os nossos legisladores tiveram o maior cuidado foi em reservar rigorosa e zelosamente às pessoas para tal habilitadas a manipulação e venda de drogas Já no Regimento do Hospital de Todos-os-Santos, em Lisboa, nos começos do século xvi, se prescrevia
O dito boticário deve sempre ser homem, que saiba mui do ofício, e tenha a prática dele; assim como, para o manêo de tal casa, convém, que seja mui presto e despachado nas cousas do dito ofício, e tal encomendamos muito e. mandamos, que paia a botica- do dito hospital sempre se busque
Neste mesmo sentido, de reservai só aos boticários o exercício da actividade farmacêutica, dispõem todos os diplomas emitidos até 1882 A partir desta data, por Carta de Lei de 18 de Julho, pode o farmacêutico, em caso de legítimo impedimento, ser substituído no exercício das suas funções por «aspirante de farmácia»
13 duvidoso poder-se afirmar que a obrigatoriedade de gerência técnica por pessoa com as habilitações exigidas, que a nossa mais antiga legislação farmacêutica sempre perfilhou, inclui implicitamente a exclusividade da propriedade da farmácia a favor do boticário, pois de diversos documentos regulamentadores desta actividade se pode inferir que só a gerência técnica se procurava garantir e

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defender Assim, numa portaria datada de 24 de Abril de
1869 diz-se
sobre o facto da existência de uma botica em Castro Daire, servida por uma mulher que não possui habilitação alguma cientifica, facto que tem sido tolerado pelas autoridades locais do distrito
Demais disso a tolerância havida com essa botina sem que ao marcasse um prazo de tampo dentro do qual a proprietária dela procurasse pessoa habilitada para a administrar (1)
Preocupação dominante e permanente dos nossos monarcas, testemunhada por numerosos diplomas, o primeiro dos quais é a cai ta de privilégios de D Afonso V emitida a favor de «mestre Ananias e de alguns Boticários aptos que com ele vieram para este Reyno», foi sempre impedir, rigorosamente, paia defesa da saúde pública, «que qualquer boticário ou pessoa outra em todos nossos Reynos e Senhorios possa assentai botica ou usar do ofício de boticário sem que primeiro seja examinado pelo nosso físico moor»
16. Se não se pode afirmar, sem receio de controverso, que o princípio da indivisibilidade da propriedade da farmácia e da gerência técnica tenha uma posição predominante na história da nossa legislação farmacêutica, outros países há onde ele tem uma ti adição secular Em França, por exemplo, afirmado um pouco equivocamente durante alguns séculos, é formulado aberta e explicitamente no artigo 2 º da Declaração do Bei de 25 de Abril de 1777, para só deixar de vigorar, transitoriamente, após a revolução de 1789, por foiça do espírito que a dominou Todos os cidadãos podiam preparar e vender remédios, assumindo apenas as responsabilidades que dessa actividade lhes adviessem Desta experiência, que durou apenas seis semanas, diz Poplawsky no sou Tratado dc Direito Farmacêutico
Este regime revelou-se tão prejudicial e fez nascer tais abusos, transformando-se rapidamente na idade de ouro dos charlatães, que fez nascei prontamente o desejo de voltar a uma regulamentação que se impusesse
Deve dizer-se que os perniciosos efeitos deste liberalismo no comércio dos medicamentos, instituído pela lei de 2-17 de Março de 1791, só em pequena medida devem ter resultado da liberalização do regime da propriedade da farmácia, mas, principalmente, da liberdade de exercício da actividade farmacêutica Compreende-se facilmente que uma disposição desta natureza tivesse provocado o pânico e espalhado um clima de insegurança entre os possíveis necessitados de medicação
Restaurado o regime anterior pela lei de 14-17 de Abril de 1791, passou desde então a ser uma constante na legislação francesa o princípio da indivisibilidade, ultimamente reafirmado no artigo 575 do Código da Saúde Pública
A Espanha, a Áustria, a Alemanha Ocidental, a Itália, o Brasil, a Argentina e mais alguns países adoptaram o princípio da indivisibilidade, com mais ou menos excepções, como princípio geral regulador da propriedade de farmácia
17. Se os legisladores em tão variados países e em tão diversas épocas incluíram nos diplomas que têm regulamentado a preparação e venda de medicamentos o princípio da indivisibilidade da propriedade de farmácia e da gerência técnica, é porque razões poderosas o impõem como o mais eficiente meio de defesa da saúde pública, principal fim que leva o legislador a intervir neste domínio da actividade técnico-comercial

(1) Telo da Fonseca, História da Farmácia Portuguesa, vol. i, p 489

Entendem os defensores deste princípio que a saúde pública só está devidamente salvaguardada desde que a gerência dos farmacêuticos seja pessoal, livre e inteiramente independente, e acrescentam que esta independência apenas existe de foi ma real e insofismável desde que o farmacêutico seja simultaneamente proprietário e gerente da mesma farmácia.
Documentemos esta afirmação
a independência do farmacêutico, primeira condição da sua vocação liberal, só é real quando se respeite a sua autonomia comercial (1)
Não testam dúvidas de que não se podem dar aos doentes todas as garantias que eles têm direito de exigir daquele que lhes prepara os medicamentos que lhes são presentes se o farmacêutico endossa efectivamente toda a responsabilidade, podendo afastá-la da sua farmácia
Esta responsabilidade integral do farmacêutico só sei á totalmente realizada desde que ele seja senhor da sua casa, desde que seja efectivamente proprietário da farmácia que gere, senão encontrar-se-á sempre sob a dependência daquele que tem a propriedade da farmácia e perderá assim a plena e inteira independência que a lei quer que ele possua (2)
O fundamento racional da regra é a necessidade da gestão pessoal, livre e inteiramente independente do técnico, contrapartida indispensável das suas responsabilidades penal e civil (3)
O exercício da farmácia exige uma grande prudência, e o sentimento da sua responsabilidade deve sempre dominar a atenção do farmacêutico, ora este sentimento não será forte no farmacêutico assalariado, pois falta-lhe o estímulo e o desejo de conservar e aumentar a clientela Se o gerente de uma farmácia aberta ao público não é ao mesmo tempo proprietário da farmácia, ele deixou de ter a liberdade necessária para prevenir os abusos que pode comportar o exercício da actividade farmacêutica, enquanto que o verdadeiro proprietário sem título legal seria levado pelo interesse a favorecer estes abusos, especulando, por exemplo, sobre os produtos de má qualidade (4)
Vincular o farmacêutico à propriedade da farmácia é um tema que desperta sempre a atenção da colectividade Muito se tem dito e escrito sobre a matéria, principalmente pelas pessoas mais directamente interessadas Que seja o farmacêutico o único a poder ser o proprietário de uma farmácia tem muita importância social e para a classe farmacêutica (5)
Da mesma forma se argumenta entre nós a favor de igual tese
Só os farmacêuticos que sejam únicos proprietários das suas oficinas podei ao libertar-se de pressões que

(1) Frank Arnal, Bulletin de L'Ordre des Pharmaciciis de Franca
(2) Gérard Deleroix, Proprioté et Gérance d'uno Officine de Pharmacie, p 15
(3) Poplawsky,Trarté de Droit Pharmaceuligue, p 285
(4) Dubrac, Traite de Jurisprudence Mcdicals et Pharmaceutique, p 3S9
(5) Nazario Diaz Lopez, Analists Elemcntal y Comparada de la Legislacion Farmacêutica Nacional y Estrangera

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podem influenciar as suas isenção e integridade profissional Mesmo que a solidez da sua formação moral lhe permitisse resistir a pressões desonestas, o simples facto de estar sujeito a sofrê-las constituiria um ultraje à sua dignidade Se entre um farmacêutico e o seu «patrão» não farmacêutico surgisse uma dissidência por questões de ética profissional, o farmacêutico consciente do seu dever e da sua dignidade teria um caminho: o abandono do cargo Mas quem acautelaria a saúde pública contra a substituição por outro de ânimo mais leve ou economicamente mais débil que acabasse por ceder á influência do «patrão» (')?
Desnecessário só torna referir outros autores, pois todos eles, paia fundamentar a tese de que a coexistência da propriedade e da gerência técnica de uma farmácia na mesma pessoa, sendo ela farmacêutico, é a única garantia séria da saúde pública, apenas glosam o argumento ]á ilustrado com fragmentos da literatura farmacêutica francesa, espanhola e portuguesa
Paralelamente, mas como argumento subsidiário, por só indirectamente interessar à defesa da saúde pública, afirma-se que reservar a classe farmacêutica o exclusivo da propriedade e do exercício da farmácia, dado o elevado interesse público que à actividade farmacêutica está confiado, traz a profissão de farmacêutico grande prestígio social e razoáveis perspectivas económicas
Estes dois factos, valorizando o curso de Farmácia, garantem a frequência dos estabelecimentos de ensino que o ministram o asseguram & actividade farmacêutica o concurso técnico necessário e indispensável para que a saúde pública, interesse primordial da farmácia, se considere, neste campo, devidamente protegida
Esta posição privilegiada interessando grandemente aos farmacêuticos, porque os liberta da contingência, principalmente entre nós, de se verem profissional e socialmente reduzidos à condição de simples empregados de balcão, interessa também a saúde pública, que muito beneficiará desde que a preparação e a venda de medicamentos estejam exclusivamente confiadas a pessoas técnica e cientificamente bem preparadas, oferecendo boas garantias de moralidade, pois à farmácia interessa essencialmente a saúde e a vida dos homens
18. A Câmara ponderou, serena e objectivamente, todos os argumentos expostos a favor dos dois princípios gerais que na maior parte do mundo ocidental presidem à definição do regime da propriedade farmacêutica o princípio da propriedade livre e o principio da indivisibilidade da propriedade e da gerência técnica
Cônscia da necessidade existente de dar à saúde pública a mais eficiente e segura protecção, a Câmara, por maioria, decide-se a favor do princípio da indivisibilidade da propriedade e da gerência, por ser sua convicção que assim se consegue, no aspecto prático, que a gestão do farmacêutico seja, no mais alto grau, pessoal, livre e inteiramente independente - condição necessária para uma melhor salvaguarda da saúde pública
Reconhece a Câmara que a independência do gerente técnico em relação ao titular da propriedade da farmácia se pode juridicamente obter com certa garantia e eficiência, mas, conhecedora da falência dos mais perfeitos ordenamentos jurídicos perante os interesses dos homens, servidos por espíritos sagazes e consciências fraudulentas, opta pela criação de uma situação de não dependência
Aceita, d os to modo, a Câmara o princípio base adoptado pelo projecto de proposta de lei em apreciação, que no preâmbulo é assim justificado
Contudo, a realidade mostra que um não farmacêutico tende por vezes a facilitar a prática de certos actos, cujo motivo de proibição ou restrição pode não compreender muitas vezes inteiramente, em confronto com a atitude normal assumida nas mesmas condições pelos profissionais
Para a formação da opinião da Câmara teve também valor não despiciendo a necessidade de criar um clima de interesse à profissão de farmacêutico para que a farmácia tenha sempre quem a sirva em quantidade e qualidade que satisfaçam as exigências da saúde pública
§4º
Excepções ao princípio da indivisibilidade
A) Excepção a favor dos herdeiros, dos legatários o dos cônjuges
19. A rígida aplicação do princípio da indivisibilidade ao regime da propriedade de farmácia provocaria, na vida real, as mais injustas situações
Assim é que, se um farmacêutico, proprietário de farmácia, casasse em regime de comunhão de bens com mulher, não farmacêutica, a farmácia passaria a não ser propriedade exclusiva do farmacêutico e, por conseguinte, não poderia estar aberta ao público
É claro que ninguém aceita uma solução desta natureza
É igualmente rejeitado por todas as legislações que adoptam a regra da indivisibilidade que após a morte do proprietário de uma farmácia, se não houver sucessor farmacêutico, esta tenha de fechar imediatamente Semelhante imposição, prejudicando legítimos interesses particulares, podia ser atentatória dos interesses da saúde pública no caso de não haver outra farmácia na localidade
Com razão diz Gérard Delcroix que
.o princípio da indivisibilidade não pode ser tomado como uma regra inflexível Ele exige uma interpretação branda e elástica
Sc convém manter nas suas aplicações racionais, não é de aplicar à letra até aceitar os suas consequências praticamente inadmissíveis Um sistema jurídico não pode ser uma simples ossatura, despida daquilo que faz a vida, deve ser elaborado á luz do meio prático que lhe condiciona o funcionamento, nunca esquecendo a sua razão de ser (l)
Pegar na regra da indivisibilidade, que elegemos como princípio geral do regime de propriedade farmacêutica, por ser aquele que melhor protege a saúde pública, conclusão a que chegámos não por juízos de razão, mas por juízos de facto, e, por dedução lógica, dela fazer derivar a regulamentação jurídica de todas as questões que a propriedade da farmácia levanta, é assentarmos viciosamente a elaboração da lei, no irreal mundo das abstracções, com injustificado menosprezo pelos interesses que a realidade nos impõe O que deve preocupar o legislador é estatuir para cada conflito de interesses a norma que mais justamente os resolva
(1) Albano Pereira, conferência proferida no IH Reunião doe Farmacêuticos Portugueses (Coimbra, Julho da 1960).
(1) Propriété et Génance d'une Officine de Pharmaeie, p 127

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Se a violação do princípio da indivisibilidade representasse um perigo sério e inevitável para a saúde pública, nada mais haveria a fazer do que evitar, por todos os meios, o aparecimento de situações que de qualquer modo dele se desviassem A saúde pública é um bem too precioso que a ele se devem sacrificai todos os demais interesses
Porém, o simples conhecimento do processo de distribuição dos medicamentos e a experiência que a situação da nossa propriedade de foi macia nos oferece, levam-nos a concluir que, embora o princípio da indivisibilidade seja o meio mais eficaz de proteger a saúde pública, não tem sido esta seriamente ameaçada pelo seu desrespeito
Quando em 1933 a propriedade de farmácia passou a ser exclusivo dos farmacêuticos, permitiu-se que as farmácias existentes àquela data fora daquela condição (mais de 600) assim pudessem continuar Com a violação, pelas mais diversas razões, do princípio da indivisibilidade,' o número das farmácias não pertencentes a farmacêuticos elevou-se a bastante mais de um milhar, sem que conste que, por esta razão, n saúde pública tenha sofrido sérios prejuízos
Assente que o princípio da indivisibilidade pode sei afastado quando razões poderosas assim o exijam, procuremos averiguar qual o máximo de cedência que é razoável admitir paia justamente resolver os problemas levantados pela noite do proprietário de uma farmácia
20. Todas as legislações que perfilham o princípio da indivisibilidade estabelecem um prazo, que varia de para as outras, dentro do qual a farmácia, após a noite do seu proprietário, pode continuai aberta ao público foi a da titularidade de um farmacêutico
O Código da Saúde Pública francês, no artigo 580, permite que o cônjuge sobrevivo e os herdeiros possam manter a farmácia aberta apenas durante um ano após a morte do farmacêutico, desde que tenha gerência técnica especializada assegurada
O artigo l º do Decreto u " 23 422, que entre nós regula actualmente o regime da aquisição e transmissão da propriedade da farmácia, permite que as viúvas não farmacêuticas retenham a propriedade das farmácias durante um ano, a contai da morte do mando, dando já aos filhos um prazo que pode n até seis anos
A lei italiana fixa o pi azo de dois anos paia ser transmitida n farmacêutico a farmácia adquirida por herança, enquanto a lei brasileira e a austríaca permitem que a farmácia continue indefinidamente na propriedade dos herdeiros, desde que esteja sob a gerência de um farmacêutico
21. Reconhece-se, pois, a absoluta necessidade de manter a propriedade da farmácia, durante certo espaço de tempo, fora do princípio da indivisibilidade, paia salvaguardar os mais elementares interesses dos que, por sucessão, são chamados á titularidade da farmácia do de cujus. É necessário evitar que a farmácia seja precipitadamente transaccionada, para que os interessados possam obter por ela o justo preço, além de que só com uma dilação temporal a partir da morte do cujus se pode evitar o encerramento imediato da farmácia, com os prejuízos daí resultantes
Amanhã, quando os novos proprietários pretendessem transaccioná-la, já tinha perdido muito do seu valor, se não o seu valor fundamental o aviamento
Aliás, como já foi dito, esta derrogação, temporalmente limitada, ao princípio da indivisibilidade, é imposta pelo mesmo interesse público em que ele se fundamenta a saúde pública Privar certa localidade do fácil acesso aos
medicamentos é mais atenta tono da saúde pública do que permitir que os medicamentos sejam vendidos em farmácia que não seja propriedade de farmacêutico.
Apurado que há razões mais que justificativas para que o princípio da indivisibilidade abra uma excepção em benefício daqueles que adquirem a propriedade da farmácia por morte do seu proprietário, vejamos como é que esta excepção deve sei aplicada nos diferentes casos concretos que podem surgir
1) Herdeiros não descendentes a legatários
22. As razões gerais apresentadas para justificar a derrogação ao princípio da indivisibilidade a favor dos herdeiros da propriedade da farmácia impõem que se estabeleça um prazo dentro do qual os componentes deste grupo de interessados possam ser proprietários de uma farmácia. O prazo de um ano é, ora princípio, o suficiente para que a alienação da farmácia a favor de pessoa que por lei a pode adquirir seja realizada em condições normais Porém, entender a Câmara, tendo presente o comportamento comum dos intervenientes em qualquer transacção, que não deve deixar-se o vendedor forçado de uma farmácia entregue a especulação dos farmacêuticos, únicos possíveis compradores, ou na contingência de ver reduzido o bem herdado a um conjunto amorfo de medicamentos, balcão e balança, por ter decorrido o prazo de um ano sem aparecer legítimo interessado na sua aquisição. Seria injusto que a exclusividade da propriedade da farmácia, concedida aos farmacêuticos por meias razões sanitárias, redundasse em indesejável espoliação daqueles que, não sendo farmacêuticos, herdaram uma farmácia, e não se compreende que, sem culpa sua, só por que não apareceu comprador, vejam a farmácia fechada, por caducidade do alvará, aguardando, se for considerado necessário pela Direcçao-Geral de Saúde, lhe seja expropriada nas condições gravosas do n º 3 da base vi do projecto do Governo, se a iniciativa pinada não propuser qualquer outra solução
Como meio de impedir o aparecimento de tão chocantes situações, tão pouco consentâneas com as mais elementares garantias que devem ser dadas ao património privado, quando razões imperantes de manifesto interesse público não impõem o seu total sacrifício, entende a Câmara que se deve estipular que o alvará destas farmácias só caducará, se não for transaccionada no prazo de um ano, aparecendo quem a compre pelo preço fixado por uma comissão nomeada pela Direcção-Geral de Saúde Desta forma evita-se que a farmácia seja vendida por preço aviltante, mercê de especulação do comprador condicionado, que seja expropriada e que deixe de ser transaccionada em virtude do preço exagerado pedido pelo proprietário
Quer dizer se não aparecei farmacêutico ou sociedade constituída nos termos legais interessados em adquirir a farmácia pelo preço fixado pela comissão de arbitramento, o seu proprietário pode continuar a explorá-la até que surja comprador.
Esta solução, além de sei a que melhor defende os legítimos interesses dos herdeiros não farmacêuticos, é também a que melhor satisfaz os interesses dos farmacêuticos de boa fé que pretendam adquirir as farmácias daqueles
Permite-lhes adquirir por justo preço, quando quiserem ou puderem, uma farmácia em plena actividade técnica e comercial
Pode acontecer que decorra o prazo de ano sem que a farmácia seja transaccionada e que, entretanto, o

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seu valor seja alterado para mais ou para menos, mercê de circunstâncias vária
For esta razão a farmácia poderá, na hipótese de aparecer outro comprador, ser novamente avaliada a pedido de qualquer dos interessados Este novo preço será o preço máximo exigível pelo vendedor, nada o impedindo de a vender por menos ou de receber mais do comprador
Exemplifiquemos, para melhor compreensão da maneira como se desenvolverá na prática este ordenamento legal a pessoa interessada na aquisição destas farmácias requererá à Direcção-Geral de Saúde a sua avaliação, se não conseguir ou não quiser acordar com o proprietário os termos da transacção. Feita a avaliação, o proprietário, ou vende a farmácia a quem muito bem entender, ou deixa caducar o alvará, ou a vende à pessoa que requerer a avaliação. Não aparecendo nenhum interessado a requerer a avaliação da farmácia, o proprietário continua na sua titularidade ato que tal aconteça
23. Porém, como na hipótese de nunca se verificar o condicionalismo descrito no número anterior a farmácia poder ia continuar indefinidamente na propriedade de um não farmacêutico, excedendo-se, assim, o fim que se pretende atingir, a Câmara entende que deve ser fixado o prazo máximo de dez anos para a validade do alvará das farmácias nestas condições
Os fundamentos desta excepção ao princípio da indivisibilidade (já referidos), visando salvaguardar os interesses económicos dos herdeiros e legatários da propriedade da farmácia, não justificam a suspensão sem limites temporais do regime da propriedade da farmácia considerado, em tese geral, como o mais adequado à realização do interesse público. O interesse particular a proteger, dentro de uma equilibrada ponderação dos interesses em jogo, não deve obter mais ampla satisfação
Mas como pode acontecer que razões de interesse público aconselhem que, decorrido o prazo de dez anos, a farmácia continue aberta ao público, dá-se ao director-geral da Saúde Pública a faculdade de, por despacho, autorizar a sua prorrogação
Figuramos como principal razão atendível para esta prorrogação o facto de com o encerramento da farmácia ficar privada ou deficientemente servida de assistência farmacêutica a zona onde a farmácia está instalada. Neste caso é o interesse público que impõe a continuação da excepção ao princípio da indivisibilidade, e não a defesa dos interesses dos particulares.
24. Parece á Câmara que este regime legal permite uma justa defesa dos interesses particulares e contribui também para o benefício público, pois a farmácia só não transitará para propriedade ou compropriedade de farmacêutico, no prazo de um ano, se não aparecer nenhum interessado. Se assim acontecer, há mais interesse público, no comum dos casos, em que a farmácia esteja aberta ao público do que fechada, pelo menos durante algum tempo
25. A. comissão de arbitramento procurou a Câmara dar uma constituição equitativa, determinando que dela façam parte um representante de cada uma das partes e um elemento neutral indicado pela Direcção-Geral de Saúde
Será assim possível fixar às farmácias nas condições referidas um justo valor que permitirá respeitar o princípio da indivisibilidade sem o injusto sacrifício dos legítimos interesses
Tratando-se, porém, por vezes, de interesses elevados e de- difícil avaliação, dada a multiplicidade de incontroláveis factores que entram na sua determinação, permite-se que da decisão da comissão arbitrai se recorra para o juiz de direito da comarca onde a farmácia estiver localizada. Com esta garantia judicial ficam as partes a salvo de admissíveis erros da comissão.
26. A Câmara entende que é abrir uma excepção especial ao princípio da indivisibilidade em benefício dos alunos dos, cursos de Farmácia, facilitando-se assim, de acordo com o princípio geral definido, o acesso dos farmacêuticos a propriedade da farmácia Estando entre nós condicionada a abertura de novas farmácias., desde que se imponha a um aluno da Escola ou Faculdade de Farmácia a obrigatoriedade de vender, para não caducar o alvará, a farmácia de que, por sucessão, se tenha tornado proprietário, pode-se-lhe desta maneira impedir que jamais venha a ser farmacêutico em farmácia própria.
Não é razoável que se obrigue uma pessoa a vender hoje, por não poder ser seu proprietário, aquilo que já poderá adquirir amanhã.
Como tempo máximo de duração desta excepção ao princípio da indivisibilidade convém seja estipulado o prazo de seis anos, a contar da primeira matrícula E este o prazo fixado na alínea c) do § único do artigo 7 • do Decreto-Lei n º 23 422 e que está devidamente proporcionado ao número de anos que constituem o curso de Farmácia
Expirado este prazo, podem os interessados ainda contar com o regime da base v, como meio de protecção e defesa dos seus bens
2) Herdeiros legitimários descendentes
27. Entende a Camará que a este grupo de herdeiros, a quem já a lei civil protege de forma especial, se deve permitir nos termos mais amplos possíveis o acesso à propriedade da farmácia por via sucessória.
Restringe-se a amplitude desta excepção ao princípio da indivisibilidade só aos herdeiros legitimários descendentes, excluindo portanto os ascendentes, porque as razões que servem de fundamento a este regime de excepção não procedem com igual força a favor destes últimos.
E que, enquanto os herdeiros legitimários ascendentes têm, de um modo geral, economia e vida independente da do de cujus, tendo apenas uma mera expectativa, jurídica ou não, de virem a incorporar no seu património todos os alguns dos seus bens, os legitimarias descendentes vivem, na maioria dos casos, na total dependência do património familiar Neste facto se baseia a seguinte justificação da sucessão legitimaria
 sucessão forçada não representa mais do que a concretização à morte do de cujus da compropriedade já realmente existente entre os próximos parentes durante a vida, e a expectativa dos filhos.
Com todo o seu carácter de atribuição forçada é a expressão jurídica, para além da morte dos pais, da sua posição real de contitulares do património doméstico (1)

(1) Gonçalves de Proença, Natureza Jurídica da Legitima, p 800.

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Assim tem sido sentido e compreendido o direito dos filhos aos bens dos para, em todas as civilizações Platão, nas Leis, ]á deixa expressa esta ideia
Eu, vosso legislador, não vos considero, nem aos vossos bens, como pertença vossa, mas como pertença de toda a família
A protecção da família impôs ao legislador do direito comum que, contra a própria vontade do de cujus, mas em obediência àquilo que é normal na natureza humana, uma certa parte dos bens deste entre forçadamente no património dos seus descendentes. É que ao pai assiste o dever moral e social de manter a família mesmo para além da morte Os herdeiros legitimários não têm só uma simples possibilidade jurídica de suceder aos bens do seu progenitor, mas possuem já um direito a esses bens, direito que lhes provém do contributo directo ou indirecto dado a criação do património familiar
Se os membros da família não concorrem materialmente para produção do património do seu chefe, concorrem em espirito, moralmente, porque os filhos são a maior parte das vezes o mais poderoso estimulo do trabalho dos país (1)
A aplicação do principio da indivisibilidade da propriedade da farmácia e da gerência técnica à sucessão legitimaria levará sempre a uma injusta negação dos fins deste instituto, que a protecção da família, «instituição fundamental da sociedade e condição essencial da vida humana», impôs ao legislador do direito comum
28. Se pela morte do proprietário de uma farmácia os seus descendentes directos, pelo facto de não serem farmacêuticos, são coagidos a vendê-la, se este era o único bem da família, como é frequente acontecer, graves e por vezes invencíveis problemas passam a dominar a sua vida económica A realidade mostra-nos que, normalmente, se não obtém por uma empresa o valor correspondente à capitalização do seu rendimento Mas, ainda que aos herdeiros legitimários descendentes de um farmacêutico fosse possível transaccionar a farmácia herdada pelo preço correspondente ao rendimento capitalizado, não menos sério problema para eles seria o investimento daquele capital em empresa que soubessem dirigir e de que pudessem viver. E bem diferente, para a tranquilidade económica dos descendentes, ficarem; após a morte do chefe da família, com uns centos de contos ou com uma farmácia de cujo rendimento a família vive e os filhos se educam e dentro da gestão da qual normalmente se encontram por acompanharem em comum o dia a dia da sua administração
29. A par das razões de ordem económica aduzidas, enfileiram as razões de ordem moral. O que de sofrimento não representaria para um pai, proprietário de uma farmácia, quantas vezes o produto de uma vida de trabalho e esgotante economias, o saber que os seus filhos não poderão contar após a sua morte com a empresa que ele montou e foi o sustentáculo da família. Em que condições conseguirão transaccioná-la? Que emprego darão ao preço recebido?
Por ter desprezado estes trágicos quadros, que a vida quotidiana nos oferece, é que o legislador de 1983 viu as normas estabelecidas como regulamentação desta matéria serem frequentemente violadas, com tácita aceitação das autoridades administrativas encarregadas de velarem pelo seu cumprimento.
O estado actual da propriedade da farmácia deve-se não propriamente à brandura da nossa Administração, mas porque surgiam perante ela situações impregnadas dá tão profunda humanidade, tão protegidas e acarinhadas pelo sentimento de justiça comum, que só uma administração draconiana seria capaz de lhes impor os rigores da dura lex
30. Embora reconhecendo a força dos argumentos expostos como justificação do regime da sucessão legitimaria e que nesta matéria levariam à livre transmissão da propriedade da farmácia a favor dos herdeiros legitimários descendentes nos termos gerais da lei civil, a Câmara não pode esquecer que elegeu o princípio da indivisibilidade como princípio geral regulador da propriedade da f ai macia, por o considerar o mais eficiente meio de protecção a saúde pública Por isso é de opinião que ele só deve deixar de vigorar transitoriamente por imperiosa necessidade de contemporizar com justos e atendíveis interesses da família.
Para a protecção dos interesses dos herdeiros legitimários descendentes parece à Câmara que bastará permitir que a propriedade da farmácia possa ser transmitida, quando a não farmacêuticos, apenas num grau, isto é, uma só vez Na maioria dos casos esta amplitude da excepção ao princípio da indivisibilidade permitirá aos interessados ordenarem as coisas de modo que entre os herdeiros legitimários descendentes apareça algum ou alguns habilitados com o curso de Farmácia
Se assim não acontecer, o desinteresse manifestado na família pela profissão farmacêutica justifica que lhe seja negada a possibilidade de obter os proveitos do comércio da farmácia Embora esta limitação represente nalguns casos considerável prejuízo para os descendentes directos da segunda geração, a verdade é que os seus interesses fundamentais se encontram devidamente protegidos pelo prescrito nas bases V e VI.
31. Como em virtude de ausência qualificada do proprietário de uma farmácia se cria uma situação idêntica, no aspecto sucessório, ao seu falecimento, têm para esta hipótese pleno cabimento as considerações atrás expostas
3) Cônjuges
32. A Câmara é de opinião que o cônjuge sobrevivo de proprietário de uma farmácia, ainda que não seja farmacêutico, deve ter livre acesso à propriedade da mesma, quer ela já lhe pertencesse em regime de propriedade colectiva, quer lhe venha a caber por qualquer forma de sucessão
Todas as razões de ordem económica e moral expostas a favor do direito de livre sucessão dos herdeiros legitimários descendentes à propriedade da farmácia têm aqui pleno cabimento, revestido em alguns dos casos aspectos aceutuadamente mais graves. Foi para evitar difíceis condições de vida a viúvas de farmacêuticos que o Decreto n º 23 422 começou a ter as primeiras falhas na sua aplicação
33. O casamento pode também ser dissolvido por divórcio e a sociedade conjugal interrompida em virtude de separação de pessoas, separação de pessoas e bens, ou de ausência prevista nos três últimos números do artigo 78 º do Código Civil
(1) José Tavares, Sucessões, p 50

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Em qualquer destes ,casos, havendo uma farmácia nos bens comuns, pode por partilha, por força da lei civil, vir a caber a qualquer dos cônjuges (ou ex-cônjuges) Parece á Câmara que em todas estas hipóteses é de permitir que qualquer deles, ainda que não farmacêuticos, pousa adquirir e manter a propriedade da farmácia
B) Excepção a favor da locação
34. O fim principal que se pretende atingir com o princípio da indivisibilidade da propriedade da farmácia e da gerente técnica é a plena independência do gerente técnico no exercício da sua actividade profissional. Entende-se que só assim será possível evitar que a pressão do proprietário de farmácia não farmacêutico, exercida das mais variadas maneiras sobre o farmacêutico responsável, leve esta a sacrificar as razões da ciência e os deveres deontológicos á obtenção do maiores lucros
Parece á Câmara que em nada este fim será prejudicado permitindo-se ás pessoas que por sucessão adquiriram uma farmácia, ou a quem esta coube por dissolução do casamento ou interrupção da sociedade conjugal, locá-la a farmacêutico ou sociedade pai u tal legalmente habilitados
Se esta excepção ao princípio da indivisibilidade não encena quaisquer inconvenientes de ordem pública, traz, de um modo geral, as maiores vantagens aos possíveis contratantes An proprietário da farmácia permite-lhe fugir aos inconvenientes de uma venda forçada, paia evitar a caducidade do alvará, e obter livremente o rendimento do capital na farmácia representado, que normalmente corresponderá, capitalizado, a maior soma do que o preço a obter pela venda Aos farmacêuticos e sociedades locatárias facilita-se-lhes, por este meio, o exercício da sua actividade profissional em condições iguais às dos farmacêuticos proprietários de farmácia A muitos deles, dado que não possuem recursos económicos para adquirir a propriedade de uma farmácia, é este o único meio que se l lies oferece para exercei em a profissão por conta própria
Como os fins da indivisibilidade são pela locação devidamente garantidos, nada há que justifique uma limitação temporal para a titularidade da propriedade da farmácia enquanto cia se encontrar naquela situação jurídica.
É, pelo contrário, aconselhável tornar possível a conservação da propriedade desde que a farmácia vá sendo objecto de sucessivos contratos de locação que não medeiem uns dos outros mais que um ano.
Com este ordenamento legal torna-se possível satisfazer todas as necessidades que levaram á citação de figuras jurídicas da locação, permitindo que os não farmacêuticos, na situação já referida, sejam proprietários de uma farmácia, sem com isso se ofenderem os interesses defendidos pelo regime geral da propriedade
35. Entende a Câmara que se deve facultar expressamente aos farmacêuticos e sociedades legalmente proprietários de farmácias a possibilidade de as locarem as pessoas em condições legais de adquirirem a sua propriedade, porque os argumentos expostos têm validade a favor destas pessoas, por maioria de razão
G) Excepção imposta por razões financeiras
36. Na constituição de uma farmácia, como empresa comercial que é, entra o elemento capital, que terá de ser tanto maior quanto maiores forem as dimensões comerciais dessa empresa. Com o desenvolvimento da indústria farmacêutica, com a evolução da tendência individualizadora da farmácia, cada vez se torna mais necessário dispor
de capitais consideráveis paia montar uma farmácia e manter actualizada e completa a sua existência
A farmácia não pode hoje ter somente como atock uns tantos elementos simples que, combinados pela técnica manipuladora do farmacêutico, aviem todo o receituário médico Necessita de possuir inúmeras e caríssimas especialidades para corresponder as necessidades do comércio de medicamentos
Não pode o legislador sacrificar esta real necessidade á força lógica do princípio da indivisibilidade, tendo antes de, por meio de ajustada excepção, adaptá-lo as exigências da vida
Assim aconteceu, com pequenas diferenças de qualidade, em todos os países onde a propriedade da farmácia está condicionada De facto, para o princípio da indivisibilidade ser totalmente respeitado, seria necessário que a farmácia só pudesse sor individualmente explorada por farmacêutico, pois a criação de uma pessoa colectiva para tal fim, ainda que só constituída por farmacêuticos, dado que é uma pessoa jurídica com personalidade distinta da dos seus componentes, leva conceitualmente a violação dessa regra
Outro tanto acontece analisada a questão sob o aspecto da sociedade e da respectiva gerência. Se não forem todos os sócios da sociedade exploradora de uma farmácia igualmente seus gerentes, já se não dá a coincidência da qualidade de proprietário (neste caso co-proprietário) de uma farmácia e de gerente da mesma
37. Tendo presente este antagonismo entre as exigências da vida e o imperativo dos conceitos, mais uma vez a Câmara se pronuncia a favor da predominância daquelas, aceitando que a propriedade da farmácia possa pertencer livremente a qualquer dos tipos de sociedades admitidas pelas nossas leis comerciais, desde que a maioria dos sócios, nas sociedades em nome colectivo, sejam farmacêuticos e a maioria do capital, nas restantes sociedades, seja propriedade de farmacêuticos.
Não resultam desta excepção ao princípio geral regulador da propriedade da farmácia sérios prejuízos aos fins que através dele se pretendem atingir. A actividade farmacêutica continua a ser orientada e dirigida por pessoas com formação profissional especializada, que, por sua vez, exercem a respectiva gerência técnica. No aspecto prático tudo se passa como se a sociedade fosse exclusivamente propriedade de farmacêuticos, porque são estes que a administram e assistem tecnicamente. Salvaguardando-se assim os interesses que o princípio da indivisibilidade visa proteger, torna-se também mais fácil aos próprios farmacêuticos a montagem ou aquisição de farmácias cora grandes dimensões, de acordo com as exigências actuais do comercio de medicamentos.
O interesse público existente em facilitar o acesso dos farmacêuticos a propriedade de farmácia encontra aqui alguma ajuda á sua realização, ao tornar possível ao indivíduo habilitado com o curso de Farmácia associar-se com outra pessoa.
38. Quanto às sociedades anónimas e em comandita por acções, necessário se torna que mantenham sempre o seu capital social representado em acções nominativas para, deste modo, poderem ser eficientes, na aplicação a estas pessoas jurídicas, as normas condicionantes da transmissão da propriedade da farmácia fixadas no projecto de proposta de lei em apreciação
39. Sem prejudicar, na prática, os fins que o princípio da indivisibilidade pretende alcançar e sem cuidar do desrespeito teórico, pois este sempre teria lugar em qualquer

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tipo de sociedade, a Câmara entende não se justificar a limitação imposta pelo projecto do Governo DO n º 2 da base II Se o que impõe e justifica a derrogação a regra é o desejo de facilitar aos farmacêuticos a obtenção de capitais para o comércio de medicamentos, há que tomar esta facilidade o mais ampla possível
D) Excepção a favor das Misericórdias e de outras instituições de assistência e de providencia social
40. A existência de farmácias privativas de instituições com fins de assistência médica tem entre nós longa e prestigiosa tradição Já em 1502 D Manuel I nomeava para o Hospital de Todos-os-Santos de Lisboa o primeiro boticário.
A quantos esta nossa curta virem fazemos sabei que confiando nos d'Alvaro Rodrigues, nosso boticário, que é tal bom oficial do seu oficio, que poderá e saberá mui bem servir a botica do nosso esprital de Todo les Santos desta nossa cidade de Lisboa, e querendo-lhe fazer graça e mercê, temos por bem e damol-o por boticário do dito esprital, para ter a botica delle e a servir enquanto elle bem fizer e for nossa mercê. (1)
Quando na segunda metade do século passado surgiu o movimento mutualista, como meio encontrado pelas classes média e operária de suprirem no campo da assistência e previdência o abandono a que a monarquia liberal as tinha lançado, apareceram, como complemento da assistência médica, as farmácias propriedade das associações de socorros mútuos.
Dado o fim altruístico e de utilidade social que estas farmácias desempenham, mesmo quando foi publicado o Decreto nº 23422, de 29 de Dezembro de 1933, que instituiu como princípio geral que as farmácias só podiam ser propriedade dos farmacêuticos, abriu-se uma excepção a seu favor
Aceita a Câmara que as instituições de assistência e as associações de socorros mútuos possam usufruir o proveito de possuírem uma farmácia privativa
41. Entende, porém, que esta justificada prerrogativa deve ser extensiva as instituições de previdência social, dentro das quais se encontram actualmente incluídas as associações de socorros mútuos. Estes organismos do sistema corporativo já hoje possuem diversas farmácias para servir os seus beneficiários, cuadas ao abrigo da alínea a) do artigo 12 º do Decreto n º 37 762, de 24 de Fevereiro de 1950 Seria de todo inconveniente determinar o encerramento destas farmácias e impedir a instalação de outras, sendo estes os únicos meios de que estas instituições dispõem para se defenderam das exigências das farmácias abertas ao público e dos laboratórios de especialidades farmacêuticas.
Pelas mesmas razões se julga aconselhável permitir às instituições de previdência a montagem de serviços farmacêuticos paia satisfazerem as necessidades do respectivo funcionamento
42. Esta excepção ao princípio da indivisibilidade é justificada pela função complementar que estas farmácias e serviços representam na realização dos fins de assistência médica que estuo confiados os instituições a que pertencem. De facto, mais facilmente poder ao alcançar os fins que se propõem se dispuserem de uma farmácia privativa dirigida por farmacêutico diplomado onde obtenham os medicamentos de que precisem
Aqui serão aviadas as receitas formuladas pelos respectivos serviços, médicos, nas melhores condições de segurança técnica e com maior comodidade e economia
43. Para as instituições de assistência e de previdência que possuam farmácias abertas no público, como acontece com muitas das Misericórdias, dá-se-lhes a possibilidade de continuarem com elas no mesmo regime A instalação destas farmácias, dada a natureza jurídica destas instituições, for sempre originada pela necessidade de dar satisfação ao interesse público e, no comum dos casos, ainda hoje se encontram a desempenhai a mesma função
II
Exame na especialidade
Base I do projecto
44. A Câmara é de opinião que deve sei suprimido o n º 3 desta base, uma vez que para a fixação do regime da propriedade farmacêutica não interessa decidir se a profissão de farmacêutico é de natureza comercial ou liberal, principalmente quando, como no projecto governamental, ela se classifica como liberal apenas «pelo que respeita à preparação de produtos manipulados e a verificação da qualidade e dose tóxica dos produtos fornecidos, manipulados ou não»
A opção por qualquer destas duas classificações interessa, sim, para a determinação das pessoas que podem ser autorizadas a exercer a actividade farmacêutica no que ela contém de técnico e científico.
Quando o Governo publicar, como anuncia, o diploma legal regulamentador da gerência técnica das farmácias, aí indicará, se assim o entender, por ser de toda a pertinência, a natureza da profissão farmacêutica
Base II do projecto
45. Pelas razões expostas na apreciação na generalidade a Câmara entende que é de alterar profundamente o n º 2 desta base
Para uma melhor sistematização da matéria nela contida, a Câmara é de parecer que as normas que fixam o regime da concessão dos alvarás devem ser transferidas para a base IX segundo a redacção proposta nas conclusões deste parecer Ficará nesta base somente regulamentada a aquisição e transferência da propriedade da
Farmácia, o que lhe dá maior clareza e empresta á lei um mais lógico ordenamento
O n º 4 da base do projecto do Governo é de manter nesta base porque, tratando a mesma da propriedade da farmácia, é de toda a pertinência nela se dizer quais os elementos que, para efeitos legais, integram o conceito da mesma.
46. O Decreto-Lei n º 23 422, de 29 de Dezembro de 1933, no seu artigo 3 º, actualmente em vigor, determina que nenhum farmacêutico pode ser proprietário de mais de uma farmácia aberta ao público.
A Câmara não encontra qualquer razão de interesse público justificativa desta restrição à livre aquisição da propriedade, constitucionalmente protegida, e, por isso, decide propor a criação de uma nova base, que será a base III, na qual se concede às pessoas legalmente autori-

(1)Tello da Fonseca, História da, Farmácia. Portuguesa, vol. I, p. (1)

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zadas a serem proprietárias de farmácia n possibilidade de as adquirirem sem qualquer limite de número. Mas como toda a economia deste projecto de proposta de lei é dominada pela preocupação de defender a saúde pública, entende a Câmara que é de toda a conveniência fixar como condição para a livre aquisição de mais de uma farmácia a obrigatoriedade de colocar na gerência técnica de cada uma delas um farmacêutico. Do outro modo, o multiproprietário farmacêutico, assumindo a gerência das farmácias que possuísse, acabava por não dirigir tecnicamente, pessoal o efectivamente, nenhuma delas. Daqui resultaria, sem dúvida, uma diminuição nas garantias sanitárias da actividade farmacêutica, que na maioria dos casos passaria a estar entregue aos práticos de farmácia.
Bases III e IV do projecto
47. A medida regulada nestas bases é dada nova forma, pelas razões expostas na apreciação na generalidade, estando agora incluída nas basca IV, V o VI segundo a redacção proposta pela Câmara.
Base V do projecto
48. Esta base é de manter com uma pequena alteração para a adaptar á nova redacção do n.º 2 da base II, patinando, porém, a ter o n.º VII
Base VI do projecto
49. Aceita-se como está, apenas se sugerindo que se corte a última linha do n.º l e se altere o número, que deve passar a ser o n.º IX
Base VII do projecto
50. Propõe-se a eliminação da primeira parte desta base por se considerar inútil, dado que o que aí se prescreve ]á consta da alínea i) do artigo 88º do Código do Notariado, o que obriga a dar nova redacção a parte aproveitada
Em virtude do que se disse no exame na especialidade da base II do projecto, a base VII deve conter mais três números. As alterações sofridas pelos n.º 3 e 5 da base n do projecto ficam justificadas na apreciação na generalidade
Esta base deve passar a ter agora o n.º VII
Base VIII do projecto
51. Acrescenta-se ao n.º l a cominação de uma pena mais pesada no caso de reincidência e propõe-se que a base tenha o n.º X
E de grande interesso a sanção penal como meio de luta contra a propriedade da farmácia ilegal. Impondo prisão e pesada multa ao infractor, penas que implicam sofrimento físico e prejuízo material, exerce-se uma proveitosa acção preventiva especial e geral em relação aos crimes desta natureza
Pode parecer demasiado severa a punição proposta pelo projecto do Governo e por nós aceite, mas como se trata de defender a saúde pública e de impor a ordem legal numa actividade que tão-pouco respeito por ela tem tido, convém dar a Administração meios bastantes para devidamente castigar as faltas cometidas e prevenir as faltas que outros possam ser tentados a cometer.
52. Entende a Câmara que, a exemplo do que se passa na repressão e castigo de muitas infracções, convém fixar uma pena bastante mais gravo para aplicar aos reincidentes. Aquele que já foi castigado por cometer certa infracção e volta novamente a violar a mesma norma proibitiva é merecedor de mais pesado castigo, porque maior é a sua culpa, uma vez que, tendo tido conhecimento em concreto da lei e da respectiva sanção, nem mesmo assim procurou não a infringir.
Base IX do projecto
53. Hasta olhai o caótico panorama que a propriedade da farmácia apresenta para avaliar da necessidade existente de criar um sistema de fiscalização, o mais eficiente possível, e instituir cominações suficientemente intimidativos que levem os interessados na violação do regime fixado a desistirem dos seus propósitos, ainda que pretendam efectivá-los pelos mais subtis e ardilosos processos. Inútil será estar-se, com a publicação do novo diploma, a procurar uma melhor adaptação do regime da propriedade farmacêutica às exigências da vida real, a fim de dar protecção a interesses considerados justos e que só a margem da lei podem ser satisfeitos, fazendo surgir o condicionalismo necessário para que o cumprimento da norma legal não seja contrariado e sustido por sentimentos de humanidade ou imperativos de justiça, inconsequentes as forçadas transigências que terão de ser feitas às situações ilegais existentes para as integrar no ordenamento jurídico a estabelecer, se o legislador não colocar ao dispor da Administração meios que, por esta efectivamente aplicados, possam impedir que a lei seja de novo fácil e impunemente desrespeitada Parece à Câmara que o projecto do Governo entrega à Administração meios capazes de enfrentarem as mais ousadas e bem urdidas tentativas daqueles que sem justa razão pretendam tornar-se proprietários de farmácia
Meios capazes, considerados na sua formulação teórica, mas sempre falíveis, num ou noutro caso, na sua aplicação prática.
54. A primeira sanção a que os infractores ao regime da propriedade da farmácia estão sujeitos é veiem judicialmente declarados nulos os actos e contratos que celebrarem. Sendo as normas que regem a propriedade da farmácia de interesse público, as nulidades resultantes da sua infracção são absolutas. Como pelo regime das nulidades absolutas estas podem ser invocadas por qualquer pessoa que tenha interesse em que se não produzam, em relação a si, os efeitos dos actos e contratos a que dizem respeito, podem ser invocadas a todo o tempo, declaradas ex oficio pelo juiz e insanáveis por confirmação Esta sanção de natureza civil pode dar os melhores resultados na salvaguarda do princípio enformador do regime da propriedade da farmácia.
55. O projecto prevê expressamente que o Ministério Público proponha em juízo acções tendentes a evitar que os actos e contratos nulos, por infracção ou fraude ao regime da propriedade da farmácia legalmente fixado, produzam efeitos práticos.
A par desta sanção civil estabelecem-se, com os mesmos propósitos, sanções penais e sanções disciplinares, com o que a Câmara concorda plenamente
56. Nesta base dá-se a Direcção-Geral de Saúde competência disciplinar sobre os farmacêuticos em matéria de saúde pública e manda-se-lhe aplicar as penas previstas no Estatuto da Ordem dos Médicos, com o fundamento de que os farmacêuticos não possuem ainda uma organização de classe com atribuições desta natureza.

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Não concorda a Câmara com esta orientação porque as sanções disciplinares previstas no Estatuto da Ordem dos Médicos dificilmente se adaptam á natureza das infracções possíveis na actividade profissional dos farmacêuticos e porque existe um organismo de classe de natureza corporativa - o Sindicato Nacional dos Farmacêuticos - ao qual podem ser confiados poderes disciplinares para aplicar aos membros da classe as penas a instituir em diploma que a Administração, pelo departamento respectivo, deverá publicar no mais, curto prazo possível
Este organismo corporativo de classe pode perfeitamente assumir perante os profissionais de farmácia funções paralelas às que as Ordens exercem junto dos membros que as constituem. Estas, dentro da nossa organização corporativa, são também sindicatos, embora qualificados.
Com a solução pela Câmara preconizada, deixa-se de poder contar desde ]á como meio de luta contra a propriedade ilegal da farmácia com a acção disciplinar, em virtude de não existir ainda um código deontológico dos profissionais de farmácia. Mas é preferível esperar algum tempo por uma disciplina aplicada pelo órgão indicado dispondo de sanções adequadas, a ter desde o início um sistema disciplinar deficientemente estruturado.
57. Apreciáveis resultados se podem obter através da acção disciplinar na defesa do regime da propriedade da farmácia.
E sabido que o comum das infracções que ao princípio da indivisibilidade têm sido feitas só foram possíveis com a conivência de farmacêuticos.
Deste modo, todas as medidas que contribuam, para uma maior responsabilização do farmacêutico pelas obrigações que a profissão lhe impõe levam, sem dúvida, á valorização da actividade farmacêutica e ao aperfeiçoamento do sistema de defesa da saúde pública.
A base IX deve passar a ter agora o n º XI
Base X do projecto
58. Esta base procura solucionar o problema de maior melindre que o projecto de proposta de lei em apreciação apresenta
Problema delicado, não por levantar quaisquer dificuldades de ordem jurídica, mas por obrigar o legislador a decidir da sorte de valiosos interesses distribuídos por diversas famílias, onde são o sustentáculo fundamental, se não único, da sua economia.
Não se pode esquecer, ao procurar tomar posição neste assunto, que mais de 60 por cento das farmácias existentes só simuladamente são propriedade de farmacêutico, sendo, portanto, afectadas pelo ordenamento jurídico que para esta matéria for instituído
Como em todos os problemas seriamente controvertidos, é possível aqui tomar três posições duas extremas, e por conseguinte antagónicas, e uma ecléctica, que poderá ser formulada das mais variadas maneiras, conforme o critério valorizador dos elementos em jogo que se utilizar
Por uma das posições extremistas declarar-se-iam caducos os alvarás das farmácias abertas ao público, uma vez provado que não há coincidência entre o seu proprietário de direito e o proprietário de facto Quando muito, conceder-se-ia um curto prazo para estas farmácias serem transmitidas a farmacêuticos, que passariam a ser proprietários de direito e de facto. É inegável o fundo jurídico em que assenta esta tese. As leis são feitas para se cumprirem, a imperatividade é a característica mais individualizado das normas jurídicas, distinguindo-as das normas éticas e das normas de simples convívio social Sempre que a ordem jurídica é ofendida deve o Estado, por intermédio dos órgãos constitucionalmente competentes, impor coactivamente a sua reintegração.
59. Os mais directos contraditores deste ponto de vista fundamentam a sua posição em seu as e aceitáveis razões de facto.
Aproveitando uma deficiente regulamentação da aquisição e transferência da propriedade da farmácia e a tácita concordância da Administração, inspirada em louváveis sentimentos de humanidade, for surgindo, a par da propriedade de farmácia legal, a propriedade de farmácia ilegal.
Algumas destas situações de fraude têm mais de um quarto de século de existência, vivido com perfeito respeito pelas leis e princípios reguladores da actividade farmacêutica
Por esta razão, nasceu no espírito dos infractores a ideia de que a lei vigente, reconhecida pela Administração como injusta e alheada do processar dos actos da vida, não existe para ter aplicação efectiva, mas somente para dar satisfação teórica às reivindicações da classe farmacêutica.
Assim se criou um clima de legalidade na ilegalidade, gerador de um sentimento subjectivado! de direitos que n lei não confere, mas que o legislador não pode de ânimo leve desprezar, como a Administração até hoje os não desprezou.
A atitude dos serviços da Administração, de compreensiva condescendência, só pode ter como fundamento, ou o reconhecimento da injustiça da lei em vigor quando aplicada aos diferentes casos concretos, ou a impossibilidade de reagir eficaz e juridicamente contra situações simuladamente criadas. Se for a primeira razão que inspirou esta atitude de contemporização, nada impressiona que o legislador, numa nova regulamentação da matéria, sacrifique a imperatividade da lei ao valor de justiça que ela deve realizar, se for a impossibilidade de
reagir pelos meios legalmente possíveis contra a aparente legalidade, com que meios novos e infalíveis conta agora a Administração para fazer o saneamento jurídico da propriedade da farmácia?
Como obter prova, judicialmente relevante, para separar a propriedade legal da farmácia da propriedade ilegal?
60. Aplicai duramente a lei às situações individuais existentes, obrigando mais de um milhar de indivíduos a procurar outra actividade para obter o seu sustento e o dos seus, quantas vezes já na fase de declínio da vida, em que não são possíveis, ou pelo menos esperançosas, as novas iniciativas, é desprezar perigosamente a vida na sua fenomenólogia quotidiana e negar a função do direito na sua forma positiva regular justamente as situações concretas da vida.
Porque não cobrir com um perdão a posterior tudo quanto neste campo haja sido feito contra a lei? O poder legislativo é soberano ao criar as «normas que em determinado momento histórico enformam e regulam efectivamente a vida de um povo», podendo até legislar com desrespeito do ideal da justiça, se as situações concretas a que as normas se destinam assim o impuserem ao seu racional critério de valorização. Entendendo-se que neste momento esta será a mais justa e aconselhável das soluções para o problema em apreciação, dê-se-lhe, pois, forma legal e lastime-se que a Administração não tenha oportunamente imposto, coactivamente, o cumprimento da lei violada. Assistir-se passivamente, durante 30 anos, ao não cumprimento de uma norma jurídica, quando

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seria fácil impedi-lo nos casos isolados que iam surgindo, e pretender-se agora, bruscamente, reparar todos os pretéritos actos de condescendência da Administração não é sensato, por demasiado chocante com as realidades da vida
É verdade que com esta solução se permite que o princípio da indivisibilidade continue a ser desrespeitado por prazo ilimitado, mas como este facto não representa ameaça séria e iminente para a saúde pública, não se impõe que se lhe sacrifique a sobrevivência económica de tantos famílias. Aguarde-se que a vida, na sua evolução natural, obedecendo às normas estatuídas, vá pouco a pouco colocando a propriedade da farmácia sob esse regime jurídico, legalmente considerado ideal.
Por imposição das realidades da vida, há que abrir diversas excepções ao princípio geral regulador da propriedade da farmácia, pelo que esta será apenas mais uma e não menos justificada do que as demais.
61. A Câmara não adere a nenhuma das posições enunciadas, e porque numa e noutra vê razões atendíveis, embora «sem desconhecer os inconvenientes das meias soluções», perfilha uma posição ecléctica, que em muito difere da enunciada no projecto governamental. Procura deste modo conciliai as situações de facto criadas á margem da lei com as exigências da nova lei, sugerindo a criação de um sistema de transição que a prazo mais ou menos longo coloque aquelas dentro do que nesta 6 estabelecido.
Na aplicação do regime transitório que a Câmara propõe faz-se distinção entre a propriedade da farmácia em situação ilegal em virtude de sucessão e aquela cuja ilegalidade proveio de qualquer outra causa simulação na pessoa do comprador, simulação na pessoa do requerente do alvará de abertura, etc, para tratar privilegiadamente a propriedade nas condições primeiro referidas Assenta esta dualidade de regimes de transição a aplicar à propriedade da farmácia ilegal na maior ou menor responsabilidade que os seus titulares têm nessa ilegalidade Sem dúvida que é muito mais censurável a atitude dos que dolosamente e por um acto inicial de vontade se colocaram na posição de falsos proprietários do que a daqueles que, vendo enriquecido o seu património por sucessão com um estabelecimento farmacêutico, recorreram a simulação para não perderem esse bem
Procedendo-se assim atingir-se-á o fim que se pretende colocar a propriedade da farmácia na titularidade dos farmacêuticos ou no seu controle, sem «mutilar a vida que a própria lei, a Administração e os interessados deixaram desenvolver em sentido inconveniente» (').
62. A disposição que regulamente a legalização da propriedade de farmácia ilegal em nome individual terá também de reger a respectiva legislação quando da farmácia sejam titulares sociedades comerciais. É da mais elementar justiça aplicar a situações iguais soluções paralelas.
63. A aplicação das disposições legalizadoras devei á ficar dependente da verificação de algumas condições.
Os proprietários de facto de farmácias em nome individual terão de requerer que no prazo de um ano o alvará seja passado em seu nome, os proprietários de postos e ambulâncias de medicamentos não integrados em farmácias terão também de no prazo de um ano requerer o seu averbamento no alvará da farmácia a que efectivamente pertencem, as acções ao portador das sociedades anónimas e das sociedades em comandita por acções terão de ser convertidas em acções nominativas. Assim se ficarão a conhecer os proprietários e comproprietários das empresas farmacêuticas, único meio de se fiscalizar, como a lei exige, a transferência total ou parcial da propriedade das farmácias.
64. Os direitos adquiridos pelo disposto no artigo 2 º do Decreto-Lei n.º 23 422, de 29 de Dezembro de 1938, são, evidentemente, de salvaguardar
65. Paia evitar que alguém, levado por censurável espírito de oportunismo, tendo conhecimento do projecto de proposta de lei e do teor das normas a aplicar à propriedade de farmácia simulada, se tenha entretanto colocado na posição de falso proprietário, convém determinar que as normas de legalização da falsa propriedade só são aplicáveis às situações anteriores a 31 de Dezembro de 1962 e após inquérito efectuado por uma comissão especialmente nomeada para este fim
A base X do projecto, com as alternações propostas, deve passar a ter o n.º XII
Justificação de uma nova base proposta pela Camará.
66. A interdependência existente entre as chamadas «artes de curar» e a actividade farmacêutica aconselham que os interesses ligados a prática de cada uma delas andem dissociados, para maior garantia da eficiência da medicação, da honestidade no aviamento das receitas e da moralidade profissional
67. Desde muito cedo se fez sentir a necessidade de por via legislativa declarar incompatíveis estas actividades. Por alvará de 7 de Julho de 1561 já só determinava «físico algum não dá, nem venda, mezinhas nem compostas de sua casa para os enfermos que curar, nem receite com boticário que seja seu parente dentro do segundo grau ou com quem tiver parceria sobre as mezinhas posto que não seja parente» (1), porque desta acumulação «se seguem muitos inconvenientes e se não pode saber a qualidade e bondade das ditas mezinhas e se são bem aplicadas às enfermidades que curam, nem se levam por elas mais do que valem e merecem» (1)
É uma constante na nossa legislação farmacêutica a interdição desta actividade aos que possuem profissões da «arte de curar» Mesmo durante a vigência do Decreto n º 9481, de 16 de Fevereiro de 1924, que tornou livre a aquisição da propriedade da farmácia, se manteve em vigor esta proibição, por força do Decreto n º 17 636, de 19 de Novembro de 1929, que ainda hoje vigora
Não poderá associar-se com farmacêutico para a exploração de farmácia ou laboratório de produtos farmacêuticos nenhum profissional que exerça qualquer das outras profissões da arte de curar, nem fazer qualquer contrato do qual lhe resultem proventos ou participações de lucros na venda dos medicamentos
Parece à Câmara conveniente, no seguimento desta tradição legislativa, comum à maioria dos países, e porque
(1) Relatório do projecto de proposta de lei em apreciação
(1) Tello da Fonseca. História da Farmácia Portuguesa, vol. I,
P 17

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continuam actuais as razões que a criaram, inserir nesta lei uma disposição que expressamente exclua os profissionais da medicina e os que exercem profissões afins, da propriedade ou co-propriedade da farmácia, embora não em termos absolutos.
68. Os argumentos expostos, se justificam que aos que exercem a «arte de curar» seja negada a livre aquisição da propriedade da farmácia ou o direito de a manter na sua titularidade e directa exploração por longo prazo, nada depõem contra a aplicação a este grupo de pessoas do disposto na base VI segundo a redacção proposta pela Câmara.
69. As razões apresentadas como fundamento da base V têm aqui também pleno cabimento, tornando aconselhável que o seu regime seja extensivo à propriedade da farmácia adquirida pelos médicos, e profissionais afins, nos termos aí fixados.
Com uma nova base (base XII), que a Câmara sugere, é possível dai forma legal ao acima exposto.
III
Conclusões
70. A Camará Corporativa, pelas razões gerais e especiais expressas neste parecer, sugere que o projecto de proposta de lei sobre a propriedade de farmácia tenha a seguinte redacção
BASE I
1 E considerada de interesse público, como actividade sanitária, a função de preparar, conservar e distribuir medicamentos ao público
2 Compete aos farmacêuticos assegurar a função referida no número anterior, sem prejuízo do regime próprio das fábricas ou laboratórios de produtos farmacêuticos e dos serviços especializados do Estado.
3 Sempre que a prossecução de uma política nacional de saúde o aconselhe, poderá o Governo incentivar a actividade farmacêutica, mediante facilidades de crédito ou outras medidas adequadas
BASE II
1 Só podem ser proprietários de farmácia, salvas as excepções previstas na lei, os farmacêuticos ou as sociedades, desde que
a) Nas sociedades em nome colectivo a maioria dos sócios sejam farmacêuticos,
b) Nas sociedades em comandita os sócios em nome colectivo sejam, na sua maioria, farmacêuticos,
c) Nas sociedades por quotas e nas sociedades anónimas a maioria do capital pertença a farmacêuticos
As acções nas sociedades em comandita por acções e nas sociedades anónimas terão de permanecer sempre nominativas
2 Para- cumprimento dos seus fins estatutários, as Misericórdias e outras instituições de assistência e previdência poderão ser proprietárias de farmácia desde que estas se destinem aos seus serviços privativos. As farmácias que estas instituições actualmente possuam abertas ao público podem continuar no mesmo regime
3 A farmácia compreende a sede, os postos e as ambulâncias de medicamentos dela dependentes.
BASE III
As pessoas mencionadas no n.º l da base II podem ser proprietárias do número de farmácias que desejarem, desde que em cada uma delas tenham um farmacêutico como gerente técnico.
BASE IV
1 A propriedade da farmácia transmite-se livremente ainda que os adquirentes não sejam farmacêuticos
a) No caso de falecimento do proprietário ou de em relação a ele se verificar alguma das hipóteses previstas nos três últimos números do artigo 78 º do Código Civil, a favor dos seus herdeiros legitimários descendentes, a favor do cônjuge que nela seja meeiro ou seja seu sucessor e a favor do herdeiro ou legatário que seja aluno do curso de Farmácia e venha a concluí-lo no prazo de seis anos, a contar da primeira inscrição,
b) Nos casos de divórcio ou de simples interrupção da sociedade conjugal, a favor de qualquer dos cônjuges interessados na partilha.
2 Aos herdeiros legitimários descendentes não farmacêuticos, a propriedade da farmácia transmite-se apenas num grau.
3 Decorrido o prazo estabelecido a favor do herdeiro ou legatário que seja aluno do curso de Farmácia sem que ele tenha concluído o curso, aplica-se-lhe o regime que se estabelece na base seguinte.
BASE V
1 As farmácias adquiridas em condições diversas das constantes da base anterior diversas, no prazo de um ano, ser transmitidas a qualquer das pessoas referidas no n.º l da base II, desde que, na falta de acordo, se disponham a adquiri-las pelo preço fixado por uma comissão arbitral nomeada pela Direcção-Geral de Saúde.
Das decisões da comissão cabe recurso para o juiz de direito da comarca.
2 A avaliação referida no número anterior poderá ser actualizada, anualmente, a requerimento de qualquer dos interessados na transacção
3 Se houver pretendente á compra pelo preço fixado e esta se não efectivar no prazo do n.º l, o alvará caduca imediatamente. Se não houver interessado na compra pelo preço fixado, o alvará só caducará passados dez anos, podendo ainda este prazo ser prorrogado por despacho do director-geral de Saúde.
BASE VI
1 As farmácias adquiridas nos termos das duas bases anteriores podem ser locadas a quaisquer das pessoas mencionadas no n.º l da base II
2 Enquanto a farmácia se encontrar locada o alvará não caduca, mantendo-se igualmente válido se entre um contrato de locação e o seguinte não mediar mais que um ano.
3 As farmácias que sejam propriedade das pessoas indicadas no n.º l da base II podem ser locadas a quaisquer das pessoas referidas no n º l
BASE VII
O preceituado nas bases anteriores aplicar-se-á, com as devidas adaptações, nos casos em que se trate de parte social em sociedade farmacêutica
BASE VIII
l As farmácias só poderão funcionar mediante alvará passado pela Direcção-Geral de Saúde. O alvará é pessoal, só pode ser concedido às pessoas a quem é permitido se-

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rem proprietárias do farmácia e caduca em todos os casos de transmissão, salvo nas hipóteses previstas na lei
2 Os actos e contratos relativos à transferência das farmácias ou sua exploração só produzem efeito depois da passagem do competente alvura pela Direcção-Geral de Saúde.
3 Para efeitos desta base não são considerados farmácias os serviços farmacêuticos de estabelecimentos militares ou hospitalares e das instituições de previdência social, quando destinados tão-sòmente a suprir as respectivas necessidades funcionais
BASE IX
1 Sempre que em qualquer concelho não exista farmácia ou o número das existentes seja manifestamente insuficiente para ocorrer ás necessidades do publico, poderá ser adoptada alguma das seguintes providências
a) A criação de partidos farmacêuticos,
b) A abertura ao público das farmácias e serviços farmacêuticos referidos no n º 2 da base II e no n º 3 da base VIII, nos termos que forem especificados no respectivo alvará,
c) A expropriação por utilidade pública, a favor do instituição de assistência, de farmácia local cujo alvará tenha caducado ou esteja a menos de 30 dias de caducar, nos termos da presente lei
2 O recurso a estas providências depende, no entanto, de que a Direcção-Geral de Saúde previamente anuncie, no Diário do Governo e em dois jornais locais, o facto de a cias a recorrer e de haver consultado sobre o assunto os organismos corporativos da actividade farmacêutica, aguardando por 120 dias as soluções propostas pela iniciativa privada
3 Tratando-se de expropriação, o arbitramento abrangerá o montante da indemnização e a forma do seu pagamento, consideradas também, quanto a esta última, as disponibilidades da instituição a favor de quem ó feita a expropriação
BASE X
1 A infracção ao regime de propriedade das farmácias estabelecido nesta lei é punível com prisão até três meses e multa do 1000$ a 10 000$, subindo para o dobro no caso de reincidência.
2 O Ministério Público proporá em juízo as acções tendentes a evitar que produzam efeitos práticos os actos e contratos celebrados com infracção ou em fraude ao regime estabelecido na presente lei.
BASE XI
l Compota a Direcção-Geral de Saúde.
a) Conceder os alvarás das farmácias e averbar neles os postos e as ambulâncias de medicamentos dependentes da cada uma,
b) Fiscalizar a propriedade das farmácias, apreendendo os alvarás que hajam caducado e encerrando os respectivos estabelecimentos.
c) Participar ao Ministério Público os factos necessários para que este exerça a sua competência cível e criminal.
2. Á acção disciplinar sobre os farmacêuticos é exercida pelos organismos corporativos da actividade farmacêutica, que aplicarão as penas a instituir em diploma a publicar.
3 Às entidades policiais compete prestar o seu conselho à Direcção-Geral de Saúde e aos organismos corporativos da actividade farmacêutica para bom desempenho das funções referidas nos números anteriores.
BASE XII
l As farmácias que só aparentemente sejam propriedade de farmacêuticos, desde que os verdadeiros proprietários requeiram, no prazo de um ano, que o alvará seja passado em seu nome, ficam legalizadas e sujeitas aos seguintes regimes.
a) Ao fixado no n º l da base IV, as farmácias que aos actuais proprietários couberam por sucessão,
b) Ao fixado na base V, com a alteração do prazo de um ano para dez anos, as farmácias cuja actual propriedade for adquirida por qualquer outro meio
2 Os postos e ambulâncias que não estejam patrimónialmente integrados em farmácias ficam legalizados desde que, no prazo de um ano, sejam averbados no alvará da farmácia a que efectivamente pertencem.
3 O disposto no n.º l aplica-se, com as devidas adaptações, às sociedades comercias, actualmente existentes, proprietários de farmácias, que não satisfaçam as condições da presente lei. As sociedades em comandita por acções e as sociedades anónimas com capital representado em acções ao portador terão de, no prazo de um uno, convertê-lo em acções nominativas.
4 Só beneficiam do regime fixado nos números anteriores as situações irregulares anteriores a 31 de Dezembro de 1962 e após inquérito realizado por uma comissão para tal efeito nomeada pela Direcção-Geral de Saúde
5 Continuam sujeitas ao disposto no artigo 2º do Decreto-Lei n.º 23 422, de 29 de Dezembro de 1933, naquilo que lhes seja favorável, as farmácias que, á data da publicação desse diploma, não fossem propriedade de farmacêuticos.
BASE XIII
Aqueles que exercem a profissão médica ou outras afins só beneficiam das excepções ao princípio da indivisibilidade previstas nas bases V e VI
Palácio de S Bento, 16 de Maio de 1963
João do Castro Mendes
Jota Alberto da Veiga Leite Pinto Coelho
José Augusto Vás Pinto
José Gabriel Pinto Coelho
Adelino da Palma Cariou
Domingos Cândido Braga da Cruz
Fernando Bacla Bissara Barreto Rosa
Peruando Carvalho Seixas
Francisco Pereira Neto de Carvalho
Joaquim Trigo de Negreiros
João José Lobato Guimarães
José Damasceno Campos, relator

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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