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REPÚBLICA PORTUGUESA

ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 59

VIII LEGISLATURA - 1964 15 DE ABRIL

PARECER N.º 16/VIII

Plano de arborização das dunas da Carrapateira

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos, do artigo 6 º da Lei n º 2069, de 24 de Abril de 1954, acerca do Plano de arborização das dunas da Carrapateira, emite, pelas suas secções de Lavoura (subsecção de Produtos florestais) e de Interesses de ordem administrativa (subsecção de Finanças e economia geral), às quais foi agregado o Digno Procurador João Valadares de Aragão e Moura, sob a presidência de S. Exa. o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:

I

Apreciação na generalidade

§ 1.º

Enquadramento do presente plano nos trabalhos de arborização das dunas do litoral do continente

1. O plano de arborização das dunas da Carrapateira, submetido a apreciação desta Câmara, constitui, apesar da sua reduzida importância - apenas 748,8 ha a beneficiar-, a sequência de uma tarefa de aproveitamento e de defesa de vastas áreas do litoral que muito prestigia a silvicultura portuguesa.
Na verdade, em 1962 já se encontravam arborizados, total ou parcialmente, 26 452 ha de dunas, estando submetidos ao regime florestal total 11 045 ha e ao regime
florestal parcial 15 407 há.
As superfícies beneficiadas distribuíam-se da seguinte forma (1)

Dunas submetidas ao regime florestal

Aveiro Hectares

Dunas de S. Jacinto..........................630
Gafanha......................................812

Coimbra

Lavos........................................760
Quiaios....................................7 305

Faro

Vila Real de Santo António...................476

Leiria

Peniche......................................191

Setúbal

Trafaria e Costa.............................234
Lagoa de Albufeira...........................637

Total.....................................11 045

Dunas submetidas ao regime florestal parcial

Aveiro Hectares

Silvalde................................... 19
Ovar.......................................3 061
Vagos......................................3 425

Coimbra

Cantanhede.................................2 642
Mira.......................................5 076

A transportar.............................14 223

(1) Informações fornecidas pela Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Agrícolas.

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Transporte 14 223

Leiria............................. 527
Alva de Mina de Azeche............. 125
Alva de Vitória.................... 380
Alva de Água de Madeiras........... 60

Setúbal

Cemitério e costa norte............ 92

Total..............................15 407

Total geral........................26 452

Nesta fase dos trabalhos de arborização das dunas considerava-se como praticamente resolvido o problema do litoral a norte do Tejo, encontrando-se fixadas as areias e defendidos os terrenos confinantes.
Entretanto, a sul do Tejo só a Lei n º 2069 permitiu o início dos trabalhos, passando a ficar incluídos em planos de arborização já aprovados, ou em estudo, 6191 ha, assim discriminados:

Dunas incluídas em planos da arborização já aprovados ou em estudo (Lei n.º 2069)

Propriedade particular ao sul do Tejo (península de Tróia e Comporta)

Hectares
Inculto................ 823,525
Arborizado ............ 943,250

Total.................1 766, 775

Perímetro da margem esquerda do Sado e faixa litoral confinante

Inculto .................1 449,000
Arborizado ..............1 047,875

Total....................2 496,875

Bacia hidrográfica do rio Mira e faixa litoral confinante

Inculto....................861,025
Arborizado................. 21,000

Total......................882,025

Bacia hidrográfica da ribeira do Carvalhal, barranco da Asseiceira e outros

Inculto.....................132,500
Arborizado................ 25,000

Total.......................157,500

Perímetro das dunas da Carrapateira

Inculto....................784,800
Arborizado............... 63,200

Total......................848,000

Perímetro do Arade

Inculto .................... 40,000

Total geral

Inculto....................4 090,850
Arborizado.................2 100,825
Total..................... 6 191,175

A superfície de dunas que ainda resta e que deverá ser motivo de beneficiação representa cerca de 5083 há, assim distribuídos:

Dunas não incluídas em planos de arborização (Lei n.º 2069)

Concelho de Esposende Hectares

Arborizado......................................370,000

Concelho de Aljezur

Inculto.......................................1 340,000
Arborizado...................................... 66,000

Total.........................................1 406,000

Concelho de Lagos

Inculto....................................... 79,500
Arborizado.................................... 15,000

Total......................................... 94,500

Concelho de Portimão

Inculto...................................... 32,500
Arborizado................................... 15,000

Total........................................ 47,500

Concelho de Albufeira

Inculto...................................... 85,000
Arborizado................................... 10,000

Total........................................ 95,000

Concelho de Tavira

Inculto...................................... 678,700

Concelho de Loulé

Inculto...................................... 215,400

Concelho de Olhão............................ 418,875

Concelho de Vila do Bispo

Inculto...................................... 790,000
Arborizado................................... 88,000

Total........................................ 878,000

Concelho de Faro

Inculto...................................... 628,500

Concelho de Lagoa

Inculto...................................... 250,000

Total geral

Inculto...................................... 4 518,475
Arborizado................................... 564,000

Total........................................ 5 082,475

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Nestas condições, a posição actual dos trabalhos efectuados, ou previstos, nas dunas do litoral do continente é a seguinte,
Hectares
Dunas submetidas ao regime florestal 26 452,000
Dunas incluídas em planos de arborização já aprovados ou em estudo (Lei n º2069) 6 191,175
Dunas ainda não incluídas em planos de arborização 5 082,470

Total 87 725,645

Deve notar-se que as dunas ainda não incluídas nos planos de arborização se situam quase exclusivamente no Algarve. Independentemente de outras circunstâncias, dada a importância que o litoral algarvio vai tomando no desenvolvimento do turismo, parece a esta Câmara que estaria indicado proceder ao estudo da beneficiação destas dunas, cuja área totaliza cerca de 5000 há.

2. O problema das dunas não é, portanto, um problema encerrado, especialmente a sul do Tejo, mas apresenta feição bem diferente daquela de que se revestia quando atraía a atenção e o entusiasmo dos pioneiros da nossa silvicultura.
Para o apreciar em toda a sua grandeza deverão ser meditadas as palavras de José Bonifácio de Andrada e Silva, autor da Memória sobre a Necessidade e Utilidades do Plantio de Novos Bosque» em Portugal, da Academia Real das Ciências, publicada em 1815.
Sendo encarregado em 1802 de dirigir as sementeiras, e plantações nos areaes de nossas Costas, comecei pelas do Couto de Lavos, cujas terras de Lavoura estavão em perigo eminente de ser alagadas, e subterradas pelas áreas do mar. Nomeei para Inspector da Obra a Manoel Affonso da Costa Barros, então Cabo dos Guardas do Real Pinhal de Leiria, que a desempenhou com muito actividade, zelo, e intelligência. Só pôde esta sementeira principiar no primeiro de Janeiro de 1805, mas findou apenas começada em 28 de Março de 1806. Obstáculos que recrescêrão, falta dos dinheiros consignados, a uzurpação , pérfida dos Francezes, e a guerra devastadora, que se lhe tem seguido, impedírão seus progressos, e o pouco que se fez está prezentemente em abandono. Todavia esta foi a primeira sementeira methodica, que prosperou e vingou entre nós desde o seu começo, porque as tentadas na Vieira e Aveiro forão inteiramente baldadas, e as dos povos de Ovar por ignorância tem custado muitos suores e despezas escuzadas. A pezar da falta de meios para a conducção de estacas e ramada, que se tiravão de duas e mais legoas em distancia, nos únicos seis mezes, em que interrompidamente trabalhou a Feitoria, defenderão-se, semearão-se, e cubrirão-
- se perto de cem geiras de areal marítimo, sáfio e esterílissimo. E não
obstante a falta successiva dos necessários reparos, e a destruição que fizerão os povos fugitivos na ultima invasão, arrancando e queimando toda a estacaria, cobertura, e muitos pinheirinhos, o novo Pinhal que escapou está já mui crescido e viçoso, o chão já muito em enrelvado e entrapado, e as plantas arenosas, que com o pinisco se semeárão, e o mato naturalmente nascido das sementes, que cahirão das cuberturas, estão hoje em perfeita vegetação.
Com este útil, porém mal fadado começo, já temos conseguido proventos de bastante monta parte dos férteis campos de Lavos estão amparados e defendidos, e o Esteiro tão importante ao Commercio dos Bispados de Coimbra e Leiria não poderá facilmente ser entupido pelas areas fluidas, que ameaçavão sua existência. Será porém de certo grande lastima, que tão felizes e úteis trabalhos não continuem, ou que ao menos se não reparem as sebes destruídas pela banda do Norte e Oeste, por onde já começão a entrar novas areas, e se não replante o estragado; porque então a grande extenção de areal movel, que cerca em torno a sementeira, destruirá em poucos annos o novo Pinhal, e os cabedaes empregados senão deitados ao mar.
As observações e resultados práticos que esta sementeira me subministrou, as meditações successivas, que sobre ella tenho feito, me abrirão novos caminhos para corrigir alguns defeitos, e diminuir reparos, despezas e tempo. Na prezente Memória sigo outro methodo tanto a respeito da disposição e numero das sebes, como das cuberturas e gyro das sementeiras, em parte differente do que se praticou na de Lavos.
Posso affirmar que trato esta matéria com bastante novidade, e com maior exactidão que tudo o que vi praticado na Prussia, e na Holanda, e li nas Obras Estrangeiras que della tratão. Mais de seis annos são passados despois que parou a sementeira, mas estes annos não passárão debalde para minha instrucção, e talvez (assim o permitta o Ceo) para o bem de meus naturaes. Espero com esta pequena Memória despertar a actividade adormecida, e dirigir com segurança e economia a industria pública e particular.

3. Desde que foram dados estes primeiros passos, cheios de esperança numa obra de defesa necessária, muitas desilusões se registaram, de que serve de exemplo o comentário de Henrique de Mendia no seu «Estudo sobre a Fixação e Aproveitamento d'uma parte das Areias Moveis das Costas de Portugal», de 1881, ao comentar uma portaria assinada pelo Ministro das Obras Públicas e publicada no Diário do Governo de 12 de Julho de 1879.

Mais de um anno porém é já passado e a nossa costa marítima continua a ser infelizmente o mesmo prolongado deserto, onde volumosas massas de areia anteriormente acumuladas e renovadas incessantemente, naturalmente soltas e livremente levantadas e impellidas ao sabor do rumo incerto dos ventos, numa área que varia entre os limites de l a 8 kilometros de largura, vão gradualmente invadindo e inundando os terrenos marginais com uma rapidez proporcional às influencias determinantes das condições locaes mais ou menos propícias e favoráveis à progressão do mal, como uma cheia que alimentada por novas e repetidas aguas, crescesse e caminhasse dia a dia, sem barreiras que lhe modificassem a impetuosidade e sem diques que a contivessem.
O areamento de muitos campos agricultados, o empobrecimento industrial e agrícola das povoações da beira mar, a obstrução assustadora das barras de muitos dos nossos rios e o alteamento dos seus leitos, causa commum de graves prejuízos para a navegação e para o commercio e do mesmo modo para a saúde publica, em virtude da transformação continuamente operada da riqueza e da fertilidade dos terrenos marginais em centros de exhalações mephiticas, alimentadas e desenvolvidas por numerosos paues e brejos em muitos pontos formados pelos repetidos trás-

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bordamentos das aguas fluviais são ainda os factos principaes que, mais duramente syntetisam as penosas consequências, que para o paiz provêem, da desarborisação das areias moveis do nosso litoral.

Esta descrição, burilada em estilo ao gosto da época, mostra-nos de forma bem viva a gravidade do problema, que, praticamente, só veio a ficar resolvido a norte do Tejo com o Plano de Povoamento Florestal de 1938.
Na verdade, pode ler-se no relatório do referido Plano que, depois de 1850, se assinalam;

em 1866, as sementeiras do pinhal do Pedrógão e as levadas a efeito nos pontos mais invadidos do pinhal do Urso, umas e outras de efémera duração, e, em 1876, as do Cabedelo, ao sul do Mondego.
De 1881 a 1891 iniciaram-se as de Camarido, Trafaria, Caparica, Lis, Vila Real de Santo António, S Jacinto, Gafanha, Lavos, Leirosa e Peniche.
Mas a crise de 1891 e o facto de se terem começado algumas sementeiras e plantações nas serras deram lugar a novo afrouxamento ou suspensão de trabalhos nas dunas, em virtude da carência de recursos, tendo prosseguido depois, de 1901 a 1927, na vigência do Decreto de 24 de Dezembro de 1901 e legislação complementar, Decreto de 23 de Maio de 1911 e da Lei n.º 1341, de 25 de Agosto de 1922.

ndependentemente dos ajustamentos de superfícies arborizadas, feitos em função de estudos mais pormenorizados do que hoje se dispõe, o Plano de Povoamento Florestal de 1938 apresentava a evolução dos trabalhos nas dunas desde 1950 até 1936, da seguinte forma:
Hectares
Área arborizada até 1896 2 891,24
Área arborizada de 1897 n 1927 8 045,78
Área arborizada de 1927 a 1936 12 413,31

Total 23 350,33

A área a arborizada em 1936 era avaliada em 14 491 ha e, deduzindo a extensão revestida em 1937 e 1938, restavam 9860 ha, que constituíram a tarefa incluída no referido Plano. De qualquer modo a tarefa foi cumprida mas só a Lei n º 2069 tornou possível o início do estudo e arborização de grande parte das dunas situados a sul do Tejo que não estavam consideradas no Plano de 1938.

§ 2º

Aspectos particulares do plano em estudo.

4. As dunas da Carrapateira representam um problema localizado e actual, em tudo semelhante ao problema nacional que, para outras épocas, ficou descrito.
Nu verdade, afirma-se no plano em estudo.

Nas áreas de aproveitamento agrícola confinantes com estas dunas são bem visíveis os efeitos destruidores das areias em constante movimento. Uma fina camada de areia cobre já extensas superfícies, os poços começam a atulhar-se e algumas propriedades encontram-se completamente abandonadas pelos proprietários.
É bem evidente que se não forem tomadas, com brevidade, as indispensáveis medidas nada mais restará, dentro em pouco, que extensos areais batidos pela forte ventania.

Também se pode ler no plano;

As caniçadas e os muros de piteiras, que pouco a pouco foram surgindo na vã esperança de dominar as dunas, estão completamente destruídos ou soterrados e algumas tentativas de arborização conduziram, como dissemos, aos mais catastróficos resultados.
Perante tais insucessos, a população local entrega-se a uma espécie de fatalismo pernicioso, descrendo da capacidade humana para deter o mal e chegando ao extremo de pôr em dúvida a viabilidade da própria arborização. Esta maneira de pensar filia-se, aliás, na ignorância em que se encontram as populações locais quanto às modernas técnicas florestais e vastos recursos da silvicultura actual.

Parece, portanto, bem evidente a necessidade de executar o plano de arborização das dunas da Carrapateira.

II

Exame na especialidade

5. A Câmara reconhece as dificuldades que se oferecem aos trabalhos de arborização das dunas da Carrapateira e confia na larga experiência dos serviços em tarefas semelhantes. Fixou, no entanto, a sua atenção no propósito enunciado no plano, que parece viável do ponto de visto, técnico, de conjugar a finalidade da fixação das dunas com o embelezamento desta zona do litoral que apresenta possibilidades de aproveitamento turístico. Entende, portanto, que devem os serviços florestais explorar ao máximo essa possibilidade, ensaiando as técnicas que se apresentem como mais indicadas para o efeito.
Quanto ao ordenamento preconizado, não se oferece outro reparo além do que ficou referido e que se inspirou nas próprias palavras do plano.

6. Sendo assim, não teria cabimento qualquer reparo a pormenores de estimativa orçamental. O custo da obra é superior a 5000$ por hectare beneficiado, o que o próprio plano considera avultado em virtude especialmente do custo das obras de defesa das plantações e sementeiras. Não se apresenta uma previsão de, rendimentos, mas não parece de exigir uma análise da reprodutividade deste investimento. A não execução do plano representaria, a prazo não muito longo, a perda de terrenos cultivados que a marcha das dunas ameaça, o que, decerto, tem maior valor. Sem a execução do presente plano, não parece também viável explorar as possibilidades turísticas do litoral, que representam, sem dúvida, uma reprodutividade mais vasta, capaz de se repercutir em diferentes sectores da economia.

III

Conclusões

7. A Câmara Corporativa, tendo apreciado o bom critério e competência técnica que presidiram à elaboração do plano de arborização das dunas da Carrapateira é de parecer:

1.º Que o plano seja executado com os aperfeiçoamentos que lhe possam ser introduzidos para acentuar a finalidade de valorização de uma zona do litoral que tende a desempenhar crescente função no desenvolvimento do turismo,
2 º Que se proceda ao estudo da beneficiação de cerca da 5000 ha de dunas, quase totalmente situa-

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das no litoral algarvio, em relação às quais se não elaborou ainda qualquer plano de arborização ao abrigo da Lei n º 2069,
3 º De acordo com as conclusões de outros pareceres respeitantes a planos de arborização, a Câmara recomenda com insistência que se proceda à regulamentação da Lei n º 2069, prevista, aliás, no seu artigo 32.º.

Palácio de S Bento, 14 de Abril de 1964.

António Pereira Caldas de Almeida
David Faria de Matos Viegas
João Pinto Picão Caldeira
Luís Manuel Fragoso Fernandes
João Manuel Branco
José Mercier Marques
António Trijo de Morais
Carlos Krus Abecasis
Francisco Pereira de Moura
João Faria Lapa
Luís Quartin Graça
Manuel Jacinto Nunes
Pedro Mário Soares Martinez
João Valadares de Aragão e Moura
Eugénio Queirós de Castro Caldas, relator.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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