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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA
ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA
N.º 81 X LEGISLATURA - 1971 17 DE NOVEMBRO
PARECER N.° 30/X
Projecto de proposta de lei n.° 7/X
Defesa da concorrência
A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 105.° da Constituição, acerca do projecto de proposta de lei n.° 7/X, sobre a defesa da concorrência, emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecção de Finanças e economia geral), à qual foram agregados os Dignos Procuradores Adelino da Palma Carlos, Augusto de Sá Viana Rebello, Diogo Freitas do Amaral, Eduardo Augusto Anala Chaves, Fernando Carvalho Seixas, Jacob Perianes Palma, João Ubach Chaves, Joaquim Trigo de Negreiros, Jorge Augusto Caetano da Silva José de Mello, José Alfredo Soares Manso Preto, José Manuel da Silva José de Mello, Manoel Alberto Andrade e Sousa, Manuel de Almeida de Azevedo e Vasconcelos e Manuel Alves da Silva, sob a presidência de S. Exa. o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:
I
Apreciação na generalidade
CAPITULO I
Oportunidade do projecto
§ 1.º
Introdução
1. O projecto de proposta de lei ora submetido à apreciação da Câmara Corporativa tem por finalidade genérica, segundo os próprios termos do respectivo preâmbulo assegurar "a prevenção e repressão de situações que atingem frontalmente o comportamento e a estrutura concorrencial dos mercados", de modo a "contribuir para atenuar elementos de rigidez, para promover uma maior racionalidade das condutas, em suma, para incentivar o progresso económico" 1.
Por outras palavras, dir-se-á que o projecto visa, em síntese, obviar aos inconvenientes do abuso do poder económico por parte de empresas isoladas ou de agrupamentos de empresas que adoptem determinadas práticas restritivas da concorrência em detrimento do interesse geral.
Pode acrescentar-se que, afinal, se trata de dar execução ao princípio actualmente consagrado na Constituição Política, de harmonia com a lei da última revisão (Lei n.° 3/71, de 16 de Agosto), segundo o qual compete ao Estado "estimular a iniciativa privada e a concorrência efectiva, sempre que esta contribua para a racionalização das actividades produtivas" (Constituição, artigo 31.°, n.º 6.°).
Tanto bastaria para justificar a oportunidade do projecto, se outros motivos não houvesse - e há - para considerar desejável e tempestiva a sua apresentação.
À exposição desses motivos visa este primeiro capítulo do presente parecer.
1 Actas da Câmara Corporativa, n.° 53, de 6 de Novembro de 1970, p. 439.
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2. Não é esta a primeira vez que a Câmara é consultada sobre diplomas de finalidade análoga à do projecto em análise.
Há cerca de quatro décadas - em 1935 - emitiu esta Câmara dois pareceres acerca de matéria muito próxima da que neste momento reclama a sua atenção. Tratava-se dos trabalhos preparatórios da Lei n.º 1936, sobre as coligações económicas 2, que veio a ser publicada em 18 de Março de 1936 3. Adiante haverá ensejo de fazer mais detida referência àqueles trabalhos e a este diploma.
Em 1964, de novo foi presente à Câmara um projecto governamental sobre a defesa da concorrência 4. Chegou a ser designado o respectivo relator 5, mas, tendo o projecto sido entretanto retirado pelo Governo, não pôde o mesmo ser apreciado pela Câmara nem pela Assembleia Nacional. Em todo o caso, ao historiar os antecedentes do projecto em apreço, não deixará de ser feita àquele documento a devida referência.
3. Nos sistemas de economia predominantemente de mercado, como o português, a concorrência entre as empresas representa corolário lógico dos princípios da iniciativa privada e do direito de propriedade, em que assenta aquele sistema, e constitui, por isso, condição essencial do seu funcionamento.
Saber quais as formas que a concorrência reveste nas circunstâncias presentes da vida económica é questão que, neste momento, não interessa abordar. Importa sim, por agora, reter que, no mundo actual, a concorrência não se projecta apenas nos mercados internos, mas, cada vez mais, no plano externo, dada a crescente interdependência das economias nacionais, a expansão contínua do comércio internacional e o movimento irreversível para a integração de cada país em espaços económicos mais vastos.
Por isso, ao analisar a oportunidade de uma lei de defesa da concorrência, cumpre ter presentes, além dos condicionalismos próprios da economia nacional, que hão-de constituir os alicerces da regulamentação em causa, as realidades e experiências alheias sobre o assunto, bem como as obrigações eventualmente resultantes de compromissos internacionais, a fim de que a solução proposta, embora ajustada, como deve ser, às circunstâncias de ordem interna, não deixe de corresponder às exigências da vida internacional em que se integra.
Nesta perspectiva, examinar-se-á, sucessivamente: o panorama das principais legislações estrangeiras, as regulamentações internacionais aplicáveis e, por último, a experiência portuguesa na matéria.
§ 2.º
A defesa da concorrência nas legislações estrangeiras
4. As leis sobre "defesa da concorrência" - entendendo-se por esta expressão toda a gama de providências legislativas destinadas a prevenir e reprimir as várias formas de concentração do poder económico e os diversos tipos de
práticas comerciais restritivas - existem, hoje em dia, na generalidade dos países de economia de mercado 5.
Considera-se como nação precursora deste movimento legislativo, na época contemporânea, os Estados Unidos da América, com a Lei Sherman (Sherman Act), de 2 de Julho de 1890, seguida pela Lei da "Federal Trade Comission" e pela Lei Clayton, ambas de 1914, bem como pela Lei Webb-Pomerene, de 1918.
Na Europa, a publicação de leis contra as práticas anti-concorrenciais data, sobretudo, do período posterior à 2.ª Guerra Mundial. Podem, no entanto, encontrar-se antecedentes remotos de normas protectoras da concorrência segundo o conceito da época, nos antigos estatutos corporativos de alguns países, antes do advento do liberalismo;
Na Inglaterra, datam da Idade Média disposições regulamentares contra certas actividades restritivas da concorrência. No século XVII, os tribunais ingleses condenavam a outorga de privilégios monopolísticos pela Coroa. O "British Statute of Monopolies" foi publicado em 1624. E, no século seguinte, uma regra da common law estabelecia o princípio de que os acordos entre comerciantes para limitar produções, repartir mercados ou impor preços eram considerados "conspirações para restringir o comércio" (conspiracies in restraint of trade) e podiam motivar o pagamento de indemnizações aos lesados 8.
Em França, a lei de 1791, que suprimiu as corporações, proclamou a liberdade de comércio e indústria. Mas, no mesmo ano, outra lei proibiu aos que exerciam o mesma comércio ou profissão concertarem-se para defesa dos seus "pretensos interesses comuns". E o código penal francês de 1810 reprimia, no artigo 49, a especulação ilícita e a procura de benefícios que não resultassem da livre concorrência 9.
No mesmo sentido, e também já no século XIX, a legislação comercial e os códigos penais dos principais estados europeus continham, em regra, normas destinadas a combater os monopólios e a concorrência desleal.
5. Foi, no entanto, a partir de 1945, como acima se disse, que na Europa ocidental e noutros países se desenvolveu um rápido movimento legislativo com vista à publicação de diplomas específicos contra os abusos do poder económico, movimento a que não foi estranho o ambiente de renovada fé na liberdade de comércio e na livre concorrência gerado pela guerra, a par de certos factores de ordem social, e, do mesmo passo, a influência do exemplo americano na matéria.
O primeiro país a promulgar disposições actualizadas sobre a defesa da concorrência foi a França, embora apenas
2 Diário das Sessões, n.° 44, de 8 de Abril de 1935, pp. 931 e segs., e suplemento do n.° 66, de 20 de Janeiro de 1936.
3 Diário do Governo, 1.ª série, n.° 64, de 18 de Março de 1936.
4 Projecto de proposta de lei n.° 508/VIII, subscrito pelo Ministro da Economia, Prof. Doutor Luís Teixeira Pinto (Actas da Câmara Corporativa, n.° 90, de 7 de Janeiro de 1965).
5 O Digno Procurador Dr. Mário Malheiro Reymão Nogueira.
6 Uma excelente compilação das leis sobre defesa da concorrência em vigor nos principais países é a publicação da O. C. D. E., Guide de la législation sur les pratiques commerciales restrictives, 4 volumes, Paris, s/d. Veja-se também: O. C. D. E. Résumé comparatif de législations sur les pratiques commerciales restrictives, doc. DAF/RBP/70.68, Paris, 16 de Dezembro de 1970, e ainda O. C. D. E., La puissance économique et la loi, Paris, 1970.
7 Os estatutos ou regimentos das antigas corporações de artes, e ofícios, em vigor nos principais países europeus entre o século XI e os fins do século XVIII, continham frequentemente normas reguladoras do exercício das profissões, bem como da produção e do comércio, fixando preços, garantindo a qualidade dos produtos, proibindo a acumulação de oficinas e locais de venda, reprimindo a concorrência desleal, etc., no interesse não apenas dos profissionais, mas também dos consumidores. Veja-se, a este respeito, Prof. Doutor Pires Cardoso, Corporativismo, Lisboa, 1950, vol. I, p. 77 e segs.; Prof. Doutor Soares Martinez,
Manual de Direito Corporativo, 2.ª edição, Lisboa, 1967, P. 25.
8 O. C. D. E., Guide de la législation, cit., vol. IV; La puissance économique et la loi, cit., p. 13.
9 O. C. D. E., Guide, cit., vol. II.
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no quadro da regulamentação geral dos preços. Datam de 1945 dois decretos visando reprimir a fixação abusiva de preços e as condições discriminatórias de venda. Só em 1953, porém, se publica um diploma para regular de modo sistemático as práticas restritivas da concorrência. Este decreto foi posteriormente modificado por diplomas de 1958, 1959, 1963, 1967 e 1968.
Na Inglaterra, a lei de 1948 sobre os monopólios e as práticas restritivas da concorrência regulamenta pormenorizadamente a matéria, tendo sido completada por diplomas de 1955, 1964, 1965 e 1968 10.
No Canadá, a lei sobre coligações económicas data de 1962.
Em 1953, publicam-se na Irlanda, na Suécia e na Noruega diplomas sobre práticas comerciais restritivas.
Dois anos depois é a Dinamarca que põe em vigor legislação análoga, e nos Estados Unidos a lei de 7 de Julho de 1955 vem agravar as penalidades previstas na velha Lei Sherman, de 1890.
Segue-se, na Holanda, a lei sobre a concorrência económica, de 28 de Junho de 1956, e, na República Federal da Alemanha, a lei sobre as restrições à concorrência, de 27 de Julho de 1957.
O Governo Austríaco publica em 1959 a lei sobre os cartéis (modificada em 1968), e no ano imediato é a Bélgica que se integra no movimento, com a lei de 27 de Maio de 1960 sobre a protecção contra os abusos do poder económico. Em 24 de Fevereiro desse ano, o Governo Italiano apresentara ao Parlamento um projecto de lei para a salvaguarda da liberdade de concorrência", até agora ainda não convertido em lei.
A Suíça promulga em 1962 a lei federal sobre cartéis e organizações análogas.
Data de 20 de Julho de 1963 a lei espanhola contra as restrições à concorrência, a que se seguiu ,o decreto de 17 de Novembro de 1966.
Na Finlândia, a lei de 3 de Janeiro de 1964 regula a promoção da concorrência económica 11.
Por último, no Luxemburgo é promulgada a lei de 17 de Junho de 1970 sobre práticas comerciais restritivas 12.
6. A análise, embora sumária, das legislações nacionais cujo elenco acaba de fazer-se, dada a extrema variabilidade das respectivas disposições, terá de basear-se, essencialmente, no agrupamento dos diversos sistemas legislativos segundo determinados critérios, que elucidem a respeito dos princípios gerais orientadores da regulamentação.
Deve-se a um ilustre professor italiano, que se ocupou exaustivamente dos problemas de direito comparado em matéria de concorrência e monopólio, uma classificação das legislações dos países mais representativos de acordo com o sistema básico de tutela da concorrência nelas estabelecido 13.
Segundo esta classificação, as legislações distribuem-se por três grupos.
Ao primeiro grupo pertencem os países cujas leis cominam uma proibição genérica relativamente a todos os acordos, concentrações e práticas restritivas da concorrência ou tendentes à obtenção de posições monopolísticas.
A legislação anti-trust dos Estados Unidos, atrás citada, é a mais representativa deste agrupamento, no qual pode também incluir-se o Canadá 14.
No segundo grupo integram-se os países que limitam a sanção de ilicitude aos acordos restritivos da concorrência, mas não condenam, em princípio, as concentrações ou os monopólios enquanto tais, e sim apenas o abuso do respectivo poder económico. Estão neste caso as leis da República Federal da Alemanha, França, Inglaterra e Espanha e o projecto italiano de 1960 15.
O terceiro grupo é formado pelos restantes países - a maioria - para os quais os acordos, concentrações, monopólios e outras posições dominantes não são, em princípio, considerados inconvenientes. Os poderes públicos sòmente estão autorizados a intervir quando a actividade dessas organizações se revele nociva para a economia nacional. São exemplos representativos as legislações já mencio-
10 O. C. D. E., Guide, vol. II.
11 O. C. D. E., Guide, vols. I a IV.
12 Extrait du Memorial A, n.º 36, Juillet 1970, p. 892.
13 Prof. Giorgio Bernini, La Tutela della libera concorrenza e i monopoli (Studio di diritto comparato), Milano, Dott. A.
Giuffrè, Editore, 1963, 2 volumes.
14 O artigo 1.° da Lei Sherman declara ilegal "todo o contrato, associação ou acordo susceptível de restringir as trocas ou o comércio entre os diversos Estados da União ou com os países estrangeiros". E o artigo 2.° considera igualmente ilegais "a monopolização ou tentativa de monopolização e os acordos visando monopolizar o comércio entre os Estados e o estrangeiro". Por seu turno, o artigo 2.° da Lei Clayton visa a eliminar as tendências monopolísticas e enumera as práticas e medidas restritivas que podem dar lugar à repressão judicial.
A jurisprudência dos tribunais americanos desde cedo procurou temperar a rigidez da lei, mediante a aplicação da rule of reason, segundo a qual deveria distinguir-se entre restrições graves da concorrência, restrições acessórias ligadas a um objectivo lícito e restrições secundárias, de incidência sem importância. No entanto, certas práticas, nomeadamente os acordos de fixação de preços, foram sempre considerados pelos tribunais como intrìnsecamente nocivos e, portanto, ilegais em si mesmos, independentemente das circunstâncias de cada caso. (Veja-se O. C. D. E., Guide de la législation, cit., vol. IV, "États-Unis", p. 6.)
Relativamente ao Canadá, segundo a interpretação dos tribunais ao artigo 32.° da lei de 1952 sobre coligações e monopólios, os acordos de duas ou mais empresas com vista a fixar preços ou outras cláusulas restritivas da concorrência, bem como a participação em "fusões" ou "monopólios", são considerados crimes, passíveis de sanções penais. (O. C. D. E., ob. cit., I, Canadá, pp. 1-2.)
15 A título exemplificativo, citam-se as disposições pertinentes das leis alemã e espanhola.
A lei alemã de 1957, em matéria de acordos, dispõe no artigo 1.° que se consideram ineficazes os acordos entre empresas ou associações de empresas, "na medida em que são susceptíveis de influir, pelas restrições à concorrência, sobre a produção ou as condições do mercado". De outro lado, no artigo 22.°, a mesma lei prevê que as práticas abusivas das empresas que detenham uma posição dominante possam ser objecto de intervenção por parte da autoridade competente, devendo esta prèviamente levar as mesmas empresas a pôr termo aos abusos verificados e podendo, no caso negativo, proibir as referidas práticas e declarar nulos certos contratos.
A lei espanhola, de 20 de Julho de 1963, declara no seu artigo 1.°:
1. São proibidas as práticas resultantes de convenções, decisões ou actividades conscientemente paralelas tendo por objecto ou por efeito impedir, falsear ou limitar a concorrência no mercado nacional ou em parte deste.
2. Consideram-se nulas, por contrárias à lei e à ordem pública, as convenções entre empresas, assim como quaisquer acordos e decisões de uniões, associações ou agrupamentos de empresas que tenham motivado as práticas proibidas pelo parágrafo anterior.
Relativamente às empresas em posição dominante (monopólios, concentrações), a mesma lei, no artigo 2.°, limita-se a proibir "as práticas abusivas" susceptíveis de afectar "a economia nacional", os "interesses dos consumidores" e os dos "demais concorrentes". (O. C. D. E., Guide, vol. II.)
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nadas da Áustria, Bélgica, Dinamarca, Holanda, Irlanda, Luxemburgo, Noruega, Suécia e Suíça 16.
7. Depreende-se desta classificação que os métodos ou sistemas fundamentais a que obedece a disciplina das situações lesivas da concorrência podem resumir-se essencialmente a dois: a) o método da condenação a priori dos acordos e posições dominantes, seja qual for a sua forma e independentemente da averiguação dos resultados da sua actividade, ou método preventivo, fundado sobre a estrutura do mercado 17; e b) o método da licitude, em em princípio, das diversas modalidades de organização das empresas, intervindo as autoridades competentes apenas para reprimir as práticas restritivas da concorrência que lesem o interesse geral. É o método a que pode chamar-se correctivo, baseado sobre o comportamento dos agentes económicos 18.
Nesta ordenação bipartida dos sistemas legislativos, dir-se-á que os países do 2.° grupo adoptam um critério misto, aplicando a fórmula "preventiva" a certas estruturas empresariais (acordos, concentrações, monopólios) e a "correctiva" a determinados comportamentos abusivos.
A estes dois critérios básicos se reporta, aliás, o preâmbulo do projecto, ao mencionar os sistemas do "dano potencial" e do "dano efectivo" 19 ou, para usar terminologia da jurisprudência norte-americana, os sistemas de per se condemnation e da rule of reason 20.
8. Após este rápido esboço de direito comparado, convirá tentar fazer um juízo muito genérico acerca das legislações percorridas, tendo em vista os critérios em que se baseou a respectiva classificação.
O sistema do dano potencial ou da intervenção preventiva, fundado sobre a estrutura do mercado, tem, como se viu, as suas raízes na legislação anti-trust americana e explica-se perante o condicionalismo próprio da época e do país em que surgiu. Viviam-se então, muito intensamente ainda, os ideais do liberalismo económico, da concorrência pura e da livre empresa. Nesse ambiente processava-se o desenvolvimento espectacular da economia americana, a expansão industrial e dos transportes, a abertura de mercados de dimensão continental.
A formação de grandes coligações monopolísticas, dominando a produção e o comércio de muitos bens e serviços essenciais, por vezes com manifesto abuso do poder económico, provocou intensa e generalizada reprovação pública e levou o Governo Federal a procurar reprimir enèrgicamente tais abusos.
A Lei Sherman, de 1890, reflectiu semelhante estado de espírito. Isso explica a sua condenação apriorística de todas as formas de concentração do poder capitalista ou tomadas de posição dominantes na actividade económica.
Os restantes países que aplicaram o sistema do dano potencial, embora limitado, em regra, aos acordos, coligações ou "ententes" - França, Inglaterra, Alemanha - são igualmente países de grande desenvolvimento industrial, pouco dependentes do comércio externo e nos quais o movimento de concentração industrial tivera influência preponderante na respectiva estrutura económica. Daí a tendência para seguirem na esteira da legislação americana 22.
9. O sistema do "dano potencial" ou sistema preventivo assenta numa concepção acerca dos benefícios da concorrência pura que já não corresponde às condições em que na generalidade dos países desenvolvidos ou em vias de desenvolvimento, se processa em nossos dias a actividade económica.
Efectivamente, o progresso tecnológico e as suas exigências em matéria de custo dos equipamentos, de volume de capitais, de qualificação dos quadros e, paralelamente de produção em série e de extensão dos mercados, conduz irresistìvelmente ao aumento da dimensão das explorações, a fim de se obterem as convenientes "economias de escala" e a correlativa redução de custos - numa palavra o aproveitamento racional dos meios humanos, técnicos e financeiros disponíveis.
Tudo isto alterou profundamente a noção clássica da concorrência, baseada sobre o modelo teórico da presença no mercado de uma multiplicidade de vendedores e compradores, em perfeita paridade de poder contratual (atomicidade e fluidez do mercado).
A concorrência no mundo dos nossos dias tende cada vez mais a ser uma competição entre unidades de dimensão técnica e econòmicamente viável, o que, frequentemente, confere ao mercado uma estrutura oligopolística e até, em certos casos, monopolística 23.
Neste contexto, não são, pois, as formas de organização empresarial ou de centralização do poder económico que em princípio, devem considerar-se lesivas da concorrência, mas sim os seus eventuais excessos abusos, isto é, as práticas que se revelem inconvenientes para o crescimento equilibrado da economia nacional e para
16 É típica deste agrupamento a lei belga, de 27 de Maio de 1960, "relativa à protecção contra o abuso do poder económico". Depois de definir, no artigo 1.°, o que entende por "poder económico", aquela lei estabelece, no artigo seguinte, que "há abuso, para os efeitos da presente lei, todas as vezes que uma ou mais pessoas, detentoras de poder económico, atentem contra o interesse geral mediante práticas que falseiem ou restrinjam o jogo normal da concorrência ou que entravem a liberdade económica dos produtores, distribuidores ou consumidores, assim como o desenvolvimento da produção e das trocas".
17 O. C. D. E., La puissance économique et la loi, cit., p. 209.
18 O. C. D. E., ob. cit, ibidem.
19 Estas designações são as utilizadas pelo Dr. Alberto Pinheiro Xavier no seu excelente estudo "Subsídios para uma lei de defesa da concorrência", Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.° 95, Lisboa, 1970.
Da limitada bibliografia portuguesa sobre a matéria é justo salientar, no aspecto económico, o bem elaborado trabalho do Dr. António Labisa "Política da concorrência - Algumas notas sobre objectivos e instrumentos", Gabinete de Investigações Económicas do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, Lisboa, 1969; e, sob o ponto de vista jurídico, a dissertação sobre "Concorrência desleal" apresentada pelo Dr. Jorge Fernando de Castro Patrício Paul no Curso Complementar de Ciências Jurídicas da Faculdade de Direito de Lisboa, no ano lectivo de 1962-1963 (Coimbra Editora, 1965).
20 Bernini, ob. cit., I, pp. 2-3.
21 Eugene M. Singer, Antitrust Economics, Prentice-Hall Me., New Jersey,1968, pp. 3 e segs.: "Antitrust policy", escreve Singer, "has a heritage which in includes a distate for concentrated economic power groups, a respect for equality of opportunity and a hope for a strong productive economy." Veja-se também Perspectives on Antitrust Policy, editado por Almarin Phillips, Princeton University Press, 1965, e Richard. E. Low, Modern Economic Organization, editado por Richard D. Irwin, Inc., Illinois, 1970.
22 Não deve, em todo o caso, perder-se de vista que as próprias leis antitrust dos Estados Unidos admitem certas excepções à per se condemnation, em casos especiais. No mesmo sentido, a rule of reason utilizada pela jurisprudência americana tem moderado, como se disse, o rigor da lei.
As legislações europeias acima referidas também frequentemente inserem cláusulas de salvaguarda e excepções àquela regra geral. Cf., entre outras: lei alemã, artigos 2.° a 11.° e 16.º; lei espanhola, de 1963, artigos 4.° e 5.°; decreto francês de 1945, artigos 37.°, n.° 4, 59.° ter. e 62.°
23 Bernini, ob. cit., I, pp. 14 e segs.
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interesses dos consumidores. Numa palavra, não é tanto a estrutura do mercado que deve ser objecto de regulamentação, mas sobretudo a conduta dos agentes económicos, seja qual for aquela estrutura quando tal conduta se torne nociva para uma sã e efectiva concorrência, em prejuízo do interesse geral.
Como ensina o Prof. André Marchal, a concorrência não é fim em si mesma, mas apenas um dos meios de realizar objectivo mais complexo: o emprego óptimo dos recursos, em ordem a produzir bens e serviços cada vez melhores pelos menores custos. Daí que a concorrência, contràriamente aos ensinamentos dos clássicos, não possa já definir-se nem pela estrutura do mercado, nem pelo maior ou menor número de firmas, nem pela forma dos agrupamentos ou acordos entre estas. É, antes, "o tipo de comportamento" das empresas que define a verdadeira concorrência 24.
A esta noção de concorrência, própria das condições presentes da vida económica, se referem alguns economistas contemporâneos, ao falar de "concorrência imperfeita" (Joan Robinson), "concorrência monopolística" (E. Chamberlin) 25 ou, ainda, "concorrência efectiva" (John Maurice Clark) 26.
10. Do exposto cumpre concluir que o chamado sistema do "dano potencial" ou sistema "preventivo" foi utilizado sobretudo em países de elevado potencial económico, em que o extraordinário desenvolvimento industrial favoreceu a proliferação de grandes concentrações e monopólios, em detrimento do interesse geral.
Mesmo nesses países, porém, desde cedo aquela fórmula foi completada pelo sistema do "dano efectivo" ou da correcção dos abusos, o qual se afigura, na verdade, mais adequado às condições da economia contemporânea, nomeadamente nos países em vias de desenvolvimento.
§ 3.º
A defesa da concorrência na regulamentação internacional
11. Ao lado do movimento legislativo sobre tutela da concorrência nos principais países, diversos instrumentos internacionais vieram igualmente definir, na época posterior a 2.ª Guerra Mundial, certo número de princípios gerais, tendo em vista disciplinar, nesse domínio, as relações comerciais entre os Estados.
O primeiro dos referidos instrumentos foi a chamada Carta de Havana, na qual se previu a criação de uma organização internacional do comércio (International Trade Organization).
Tal organização não chegou a funcionar, por insuficiência de países aderentes, mas as normas insertas na Carta tiveram marcada influência na legislação sobre a concorrência que veio ser publicada em diversos países, bem como nos acordos e tratados internacionais posteriormente celebrados na matéria.
O capítulo V da Carta de Havana consagra fundamentalmente o princípio de que os Estados Membros devem adoptar medidas para evitar as práticas que restrinjam a concorrência, limitem o acesso aos mercados ou favoreçam o contrôle monopolístico da produção e da venda, tanto por empresas privadas como por empresas públicas. A Carta não proíbe determinadas formas ou tipos de práticas comerciais, embora faça um elenco das que considera restritivas (artigo 46.°, § 3.°). Mas a ilicitude destas devia ser ùnicamente avaliada pelos efeitos danosos (harmful effects) que produzissem no comércio internacional.
Para determinar, em cada caso concreto, os efeitos das aludidas práticas, a Carta inseria certo número de mecanismos processuais adequados 27.
12. A Carta de Havana e a organização internacional do comércio que ela se destinava a criar não chegaram, como se referiu, a ter efectiva realização. Mas os princípios do capítulo V da Carta sobre práticas restritivas vieram a ser consagrados no Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (G. A. T. T.), aprovado por vinte e três países em Outubro de 1947.
Efectivamente, o artigo XXIX do G. A. T. T. estabelece que "As partes contratantes obrigam-se a observar [...] os princípios gerais enunciados nos capítulos I a VI da Carta de Havana, enquanto não ratificarem esta mesma Carta, de harmonia com as respectivas normas constitucionais" 28.
13. Em 1951, o Conselho Económico e Social das Nações Unidas constituiu uma comissão para elaborar um projecto de instrumento internacional sobre práticas restritivas (Ad Hoc Committee on Restrictive Business Practices).
Após longo e exaustivo estudo, a Comissão apresentou uma proposta de criação de um organismo internacional destinado a coordenar a acção dos países membros na prevenção e repressão das práticas restritivas da concorrência. Mas a parte dispositiva da proposta aproximava-se muito das normas da Carta de Havana.
Embora o relatório do Ad Hoc Committee não tivesse tido seguimento no âmbito das Nações Unidas, não há dúvida de que as respectivas sugestões estiveram na base das normas sobre defesa da concorrência insertas nos Tratados da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (C.E.C.A.), da Comunidade Económica Europeia (C.E.E.) e da Associação Europeia de Comércio Livre (E.F.T.A) 29.
14. O tratado que instituiu a C.E.C.A. entrou em vigor em 23 de Julho de 1952 entre a República Federal da Alemanha, Bélgica, França, Itália, Luxemburgo e Holanda.
24 André Marchal, "Progrès technique et concurrence dans la Communauté Économique Européenne", Revue Économique, Novembro de 1961, pp. 860 e seguintes. Ver também Jean Parent, La concentration industrielle, PUF, Paris, 1970; e Dr. António Labisa, "Defesa da concorrência", in Colóquio de Política Industrial, Associação Industrial Portuguesa, Lisboa, Fevereiro do 1970, pp. 7 e segs.
25 Jean Robinson, The Economics of Imperfect Competition, Londres, 1933; Prof. E. Chamberlin, The Theory of Monopolistic Competition, Cambridge, 1933. A este respeito, veja-se: A.J. Motta Veiga, A Economia Corporativa e o Problema dos Preços, Lisboa, 1941, pp. 101-106; Bernini, La Tutela delia libera concorrenza, cit., pp. 35-37.
26 J. M. Clark, "Toward a concept of workable competition", in American Economic Review, 1940, p. 242, citado por Bernini, La Tutela, cit., pp. 37-38. O economista americano J. K. Galbraith completou esta análise com o seu conceito dos "poderes compensadores" (countervailing powers), segundo o qual as modernas formações monopolísticas e oligopolísticas deparam, no mercado, com poderes contrários que tendem a anular e a compensar a influência daqueles: as organizações de fornecedores e de consumidores, os sindicatos operários e o próprio Estado.
Ver J. W. Galbraith, The American Capitalism: The Concept of Counternailing Power, New York, 1952, referido pelo Dr. Alberto Xavier, ob. cit., p. 152. Acerca deste problema, pode consultar-se também François Perroux, "La théorie des macrodécisions" em L'Économie du Xxéme Siècle, Paris, P.U.F., 1961.
27 Bernini, ob. cit., vol. II pp. 4 e segs.; Dr. Alberto Xavier, ob. cit., p. 56; G. A. T. T., Les pratiques commerciales restrictives, Genève, 1959, pp. 71 e segs.
28 Bernini, ob. cit., II, p. 11; Dr. Alberto Xavier, idem, p. 55.
29 Bernini, ob. cit., II, pp. 12 e segs.; Dr. Alberto Xavier, idem, p. 57; G. A. T. .T., ob. cit., pp. 78-82.
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O artigo 65.° do Tratado estabelece:
1. São proibidos todos os acordos entre empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas que tendam, no mercado comum, directa ou indirectamente, a impedir, restringir ou falsear o jogo normal da concorrência e, em particular:
a)A fixar ou determinar os preços;
b)A restringir ou a controlar a produção, o desenvolvimento técnico ou os investimentos;
c)A repartir os mercados, produtos, clientes ou fontes de abastecimento.
No n.º 2 do mesmo artigo 65.°, o Tratado confere à Alta Autoridade competência para autorizar acordos de especialização, de compra ou de venda em casos determinados. E no artigo 66.° faz depender de consentimento prévio daquela Autoridade as concentrações de empresas no interior dos Países Membros.
Diversos outros preceitos do Tratado regulam o processo e as sanções respeitantes à inobservância das regras sobre defesa da concorrência 30.
15. O Tratado de Roma, de 25 de Março de 1957, que instituiu a Comunidade Económica Europeia entre os mesmos países signatários do Tratado da C.E.C.A., segue de perto as normas deste último instrumento no tocante às práticas comerciais restritivas.
Assim, o artigo 85.°, n.º 1, declara "incompatíveis com o mercado comum, e proibidos todos os acordos entre empresas, decisões de associações de empresas e práticas concertadas que sejam susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados Membros e que tenham por objecto ou por efeito impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência no interior do mercado comum".
Os acordos ou decisões a que se refere este preceito são nulos de pleno direito (artigo 85.°, n.° 2).
Por seu turno, o artigo 86.° declara igualmente proibida, por incompatível com a C.E.E., na medida em que é susceptível de afectar o comércio entre Estados Membros, "a exploração abusiva, por uma ou mais empresas, de uma posição dominante no mercado comum".
Prevêem-se determinadas excepções ou desvios a estes princípios gerais, designadamente no que respeita às empresas que exploram serviços de interesse geral ou monopólios fiscais (artigo 90.°, n.° 2), bem como à produção e comércio de produtos agrícolas (artigo 42.°) 31.
16. A Convenção de Estocolmo, que instituiu a Associação Europeia de Comércio Livre (E.F.T.A.)e a que Portugal aderiu, estabelece no artigo 15 o princípio segundo o qual os Estados Membros reconhecem, que são incompatíveis com a Convenção, na medida em que vão frustrar benefícios esperados da eliminação ou ausência de direitos aduaneiros e restrições quantitativas do comércio entre os Estados Membros, as práticas seguintes:
a) Acordos entre empresas, decisões de associações de empresas e práticas concertadas entre empresas que tenham por objecto ou efeito impedir restringir ou distorcer a concorrência na área da Associação;
b) Acções mediante as quais uma ou mais empresas aufiram vantagem indevida de uma posição dominante na área da Associação ou em parte substancial desta.
Ao contrário, porém, dos tratados da C. E. C. A. e da C.E.E., a Convenção de Estocolmo não proibiu expressamente as práticas acima enunciadas, nem declarou a sua nulidade. Limitou-se a reconhecer a sua incompatibilidade com os princípios fundamentais em que se inspira.
Em Outubro de 1965, na sua reunião de Copenhaga, o Conselho da E. F. T. A. aprovou uma deliberação sobre o processo a seguir pelos Estados Membros para dar execução ao disposto no citado artigo 15.
Trata-se essencialmente de recomendações no sentido de aqueles países adoptarem as providências legais e administrativas apropriadas em ordem a averiguar e, sendo caso disso, fazer cessar as práticas restritivas que lhe hajam sido comunicadas por outro país membro e caiam sob a alçada do artigo 15 da Convenção.
Posteriormente, na sua reunião de Setembro de 1989 o Conselho da E. F. T. A. chamou de novo a atenção dos Governos para a conveniência de disporem de meios legais adequados (adequate national legal powers) oontra as infracções ao mesmo artigo 15, isto é, relativamente às práticas restritivas cujos efeitos se projectem nas relações económicas entre os países membros, embora deixando a estes plena liberdade na adopção dos competente regimes jurídicos internos 32
17. As disposições da Carta de Havana e, sobretudo as dos tratados da C. E. CA. e da C. E. E., acima transcritos, aproximam-se mais da legislação anti-trust americana e, portanto, do método preventivo ou sistema do "dano potencial", do que das leis europeias, que adoptaram o método "correctivo" ou sistema da repressão dos abusos.
Apenas, relativamente às "posições dominantes", o Tratado de Roma não as submete ao regime de interdição ou autorização prévia, limitando-se a proibir a sua "exploração abusiva" (artigo 86).
Talvez por isso aqueles instrumentos internacionais têm sido, nesta matéria, objecto de apreciações desfavoráveis por parte de economistas e juristas de diversos países.
No artigo já citado sobre "Progresso Técnico e Concorrência na Comunidade Económica Europeia" (supra, n.° 9), o Prof. André Marchal faz notar que os acordos e concentrações no âmbito desta Comunidade, dada a nova dimensão do mercado, sòmente poderiam tornar-se inconvenientes em dois casos: se se realizassem em proveito exclusivo de um dos países membros, ou se conduzissem a um monopólio absoluto que eliminasse completamente a concorrência internacional quanto a um determinado sector de produção. Mesmo neste caso haveria que ter em conta a concorrência potencial ou latente entre os próprios membros do grupo, e a concorrência intersectorial dos
30 O. C. D. E., Guide de la législation, cit., vol. IV; Bernini, ob. cit., II pp. 43 e segs.; Dr. Alberto Xavier, ob. cit., pp. 86-90; G. A. T. T., ob cit., pp. 89 e segs.; Nicola Catalano, Manuel de droit des Comunautés européennes, Paris, Dalloz et Sirey, 1962, pp. 205 e segs.; Centro de Estudos de Estatística Económica do Instituto de Alta Cultura, Tratado de Roma, Benelux, C. E. C. A., Lisboa, s/d, pp. 250 e segs.
31 O. C. D. E., Guide de la législation, cit., vol. IV; G. A. T. T. ob. cit., pp. 89 e segs.; Bernini, ob. cit., II, pp. 155 e segs.; Dr. A. Xavier, idem, pp. 86-90; N. Catalano, ob. cit., pp. 320 e segs.; Centro de Estudos de Estatística Económica, ob. cit., pp. 49 e segs.
32 Dr. Alberto Xavier, ob. cit., pp. 60 e segs.
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produtos de substituição que, em virtude do progresso técnico, constitui ameaça permanente.
Por outro lado, os autores do Tratado de Roma parece terem permanecido fiéis à noção tradicional de concorrência, partindo do pressuposto de que no mercado europeu ainda continuam em presença uma pluralidade de empresas que oferecem o mesmo produto, com poder económico semelhante. Ora, tais pressupostos não correspondem já às realidades presentes e muito menos ao horizonte económico que se depara à Comunidade.
E conclui:
Toda a regulamentação rígida e abstracta à base de proibições está destinada ao fracasso, ou a servir de entrave à evolução das estruturas das empresas, determinada pelas necessidades económicas e técnicas 33.
No mesmo sentido, outro economista francês, o Prof. Jacques Austruy, observa não ser possível avaliar a priori os efeitos, favoráveis ou nefastos, de uma concentração ou acordo entre empresas. E é precisamente este equívoco acerca da natureza das ententes e dos seus efeitos que explica "o carácter sibilino das disposições do Tratado de Roma" 34.
Esta ambiguidade resulta do facto de o Tratado representar, no fundo, um compromisso entre duas concepções opostas: a dos que consideram que a Comunidade europeia deve formar-se pela via dos "mecanismos do mercado" e a dos que pensam dever ela, pelo contrário, ser construída mediante a criação das condições necessárias à sua integração 35. Ora, tal integração não pode deixar de ser "voluntarista" e esta pressupõe acordos entre empregas privadas, entre estas e os Estados, e entre organismos públicos 36.
18. A Convenção de Estocolmo adoptou, como se viu, fórmulas mais flexíveis e coerentes do que as dos tratados da C.E.C.A. e do Mercado Comum, em matéria de defesa da concorrência. Não perfilhou o sistema da proibição per se, antes se orientou no sentido de fazer depender as providências repressivas da verificação de prejuízos para o comércio entre os Estados membros e, apenas, na medida em que este venha a ser afectado com práticas ocorridas num desses Estados 37.
§ 3.°
A defesa da concorrência em Portugal
19. Do preâmbulo do projecto em apreciação poderia talvez deduzir-se não ter a regulamentação projectada antecedentes na ordem jurídica portuguesa, dado nenhuma referência lhes ser feita. Apenas, na parte dispositiva, se alude a legislação sobre delitos antieconómicos (base VI) e se revoga expressamente a Lei n.° 1936 (base XV).
Na realidade, já muito antes do advento do liberalismo, os regimentos das antigas corporações de artes e ofícios, tal como em outros países da Europa (ver supra, n.° 4), continham normas sobre o exercício das profissões, com vista a disciplinar a concorrência, entre os seus membros e a defender os consumidores ("para proveito do povo", como se dizia nalguns estatutos), em matéria de preços e de qualidade dos produtos 38.
20. Abolidas as corporações em 1834, e instaurado em Portugal o liberalismo económico, a tutela da livre concorrência foi relegada para a lei criminal. Efectivamente, o Código Penal de 1852 e, depois, o de 1886, consideravam delitos puníveis com multa certas práticas restritivas da concorrência. Assim, o Código de 1886, ainda em vigor, punia como crime de monopólio a recusa desvenda de "géneros necessários ao sustento diário" (artigo 275.°), bem como a alteração dos preços "que resultariam da natural e livre concorrência nas mercadorias, géneros, fundos ou quaisquer outras coisas que forem objecto de comércio" (artigo 276.°). E se o meio fraudulento usado para a alteração dos preços fosse "a coligação com outros indivíduos", o delito seria punível logo que houvesse começo de execução (§ único do citado artigo 276.°).
21. A Constituição de 1933 e o Estatuto da Trabalho Nacional, de harmonia com os princípios do sistema corporativo, estabeleceram normas gerais nesta matéria.
No artigo 8.°, n.°7.°, a Constituição inclui entre os direitos e liberdades individuais a de "escolha de profissão ou género de trabalho, indústria ou comércio", consagrando assim, implìcitamente, o princípio da livre concorrência entre indivíduos ou empresas. E o Estatuto do Trabalho Nacional, no seu artigo 4.°, expressamente declara que "o Estado reconhece na iniciativa privada o mais fecundo instrumento do progresso e da economia da Nação".
Além disso, ao enunciar os poderes económicos do Estado, o artigo 31.° da nossa lei fundamental, na redacção vigente, insere, entre eles, o de "defender a economia nacional das explorações agrícolas, industriais e comerciais de carácter parasitário" (n.° 2.°), bem como o de "conseguir o menor preço e o maior salário compatíveis com a justa remuneração dos outros factores da produção" (n.° 3.°), "impedir os lucros exagerados do capital" (n.° 4.°), e "estimular a iniciativa privada e a concorrência efectiva"(n.° 6.°).
E no artigo 34.° acrescenta que "o Estado promoverá a formação e desenvolvimento da economia nacional corporativa, visando a que os seus elementos não tendam a estabelecer entre si concorrência desregrada e contrária aos justos objectivos da sociedade e deles próprios..."
Dos citados preceitos constitucionais pode extrair-se, como princípio fundamental do sistema corporativo português nesta matéria, o de que o Estado reconhece a iniciativa privada e a concorrência efectiva como instrumentos básicos de progresso do País, desde que não conduzam a explorações parasitárias, a formas desregradas de competição ou a níveis de preços e lucros incompatíveis com os interesses superiores da economia e da justiça social.
A Constituição e o Estatuto do Trabalho Nacional deixaram, assim, para o legislador ordinário o estabelecimento das normas destinadas a dar execução àquele princípio fundamental.
33 A. Marchal, art. cit., pp. 855-874.
34 J. Austruy, "La réglementation des ententes et les pouvoirs compensateurs dans le Marché Commun", Revue Économique, Setembro de 1960, pp. 770 e segs.
35 A. Marchal, "Marché Commun et zone de libre échange", Revue Économique, Março, 1958, pp. 255 e segs.
36 J. Austruy, art. cit., ibidem, p. 790. Acerca da apreciação dos preceitos do Tratado de Roma em matéria de concorrência, pode ver-se também: "La C. E. E. face à la concentration des entreprises", Bulletin Économique de la Société Générale de Banque, Junho 1966, pp. 2 e segs.; "La loi antitrust européenne sur la sellete", in Communauté Européenne, n.° 128,Março 1969.
37 Dr. Alberto Xavier, ob. Cit., pp. 60-61.
38 Cf.: Prof. Doutor Marcelo Caetano, Lições de Direito Corporativo, 1935, pp. 34 e segs.; Prof. Doutor Pires Cardoso, Corporativismo, cit., pp. 89 e segs.; Prof. Doutor Soares Martinez, Manual, cit., pp. 35 e segs.
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22. Nesse sentido, logo em 12 de Fevereiro de 1935 foi apresentado à Assembleia Nacional, por iniciativa do Deputado Dr. João Garcia Pereira, um projecto de lei (n.° 31)acerca das "concentrações económicas" 39.
O projecto autorizava o Governo a "dissolver as concentrações económicas de qualquer espécie ou ramo de actividade quando lhes reconheça uma acção contrária aos objectivos da mesma actividade" (artigo 1.°).
No parecer desta Câmara sobre o mesmo projecto, de que foi relator o Prof. Doutor Fezas Vital. 40, considerou-se que os abusos deviam ser reprimidos, mas não se condenou, em si mesmo, o fenómeno da concentração.
Lê-se no citado parecer:
A Câmara Corporativa não condena, em princípio, as coligações, generalizadas na economia actual e impostas tanta vez pela necessidade de corrigir os inconvenientes de uma concorrência desregrada, etc., e antes se convence de que a colaboração, em certos domínios económicos, e a formação de grandes empresas, noutros, representam um progresso da economia capitalista...
E mais adiante:
Supomos não errar escrevendo que é na tendência de certos complexos económicos, particularmente dos cartéis, para o monopólio, que se encontra a mais perigosa das suas actuações e que deve ser, portanto, contra os seus abusos de índole monopolista que o Estado, intérprete e supremo defensor do interesse geral, deve sobretudo precaver-se 41.
Na conclusão do parecer, a Câmara deu a sua aprovação ao artigo 1.° do projecto, com nova redacção, tendo, nomeadamente, substituído a expressão "concentrações económicas" por "coligações económicas", de modo a abranger todos os agrupamentos (trusts, grupos, cartéis) que "não destruindo a individualidade económica ou, pelo menos, a individualidade jurídica das empresas coligadas... podem por isso ser dissolvidos sem a concomitante dissolução destas" 42.
Da discussão do projecto e do parecer na Assembleia Nacional resultou a apresentação de uma "proposta de substituição" pelo Deputado Dr. Garcia Pereira, e de um "contraprojecto" pelo Deputado Doutor Artur Águedo de Oliveira.
A proposta de substituição acrescentava à faculdade de o Estado dissolver as coligações ainda a de "estabelecer uma fiscalização temporária ou permanente sobre as actividades económicas particulares -- cartéis, sociedades anónimas, trusts, etc. - com o fim de evitar os abusos do seu poder económico".
Por seu turno, o contraprojecto não falava em dissolução de coligações, mas considerava "ilegais todos os acordos, combinações e coligações de empresas que tenham por finalidade restringir abusivamente, sob a forma de monopólio, açambarcamento ou especulação fraudulenta, a produção, o transporte e o comércio dos bens de consumo". Noutra disposição sujeitava "ao mesmo regime e sanções os industriais, agricultores e comerciantes que, por meio de acordo, combinação ou coligação, provoquem um aumento exagerado nos preços dos bens de consumo essenciais à vida humana ou uma diminuição fraudulenta na qualidade dos mesmos bens".
Em novo parecer 43 com o mesmo relator, esta Câmara deu a sua aprovação, com emendas, à proposta e ao contraprojecto, os quais, depois de nova apreciação pela Assembleia Nacional, vieram a converter-se na Lei n.° 1936, de 18 de Março de 1936 44.
23. Em matéria de defesa da concorrência, a Lei n.° 1936 define os seguintes meios de intervenção:
Organização do regime de publicidade e fiscalização da actividade das coligações (base II);
Dissolução das coligações que actuem por forma contrária aos objectivos da economia corporativa (base III);
Ilegalidade dos acordos, combinações e coligações que tenham por fim restringir abusivamente a produção, o transporte ou o comércio dos bens de consumo, elevar ou baixar exageradamente os preços ou diminuir fraudulentamente a qualidade dos mesmos bens, sendo os promotores e contraentes punidos com multa e, em certos casos, também com prisão correccional (bases IV e V).
Destas bases depreende-se que o diploma se inclinou para um sistema de proibição ou de "dano potencial", embora mitigado pela referência expressa a determinados tipos de condutas ilegais.
Seguidamente, a base VI declara que "os crimes punidos nas bases III e IV serão julgados por tribunais especiais ou por tribunais ordinários determinados, conforme em decreto-lei for estabelecido, mas sempre, no segundo caso, com a intervenção de peritos competentes".
E acrescenta:
As disposições das bases acima referidas só entrarão em vigor após a publicação do mencionado decreto-lei.
É manifesto o lapso da referência à base III, pois nesta não se prevê nem pune nenhum crime. A remissão devia ser para as bases IV e V, e, consequentemente, só a vigência destas deveria ter ficado dependente da publicação do decreto-lei ali referido, que viria definir quais os tribunas competentes para o julgamento desses crimes 45.
Cumpre, assim, concluir que as bases II e III da Lei n.° 1936 devem considerar-se como estando em pleno vigor independentemente da publicação de diploma regulamentar, embora se reconheçam as dificuldades que, sem este diploma, teria a efectiva aplicação daqueles, preceitos. E também é certo que nunca chegou a ser publicado o decreto-lei previsto na base VI.
24. A Lei n.° 2005, de 14 de Março de 1945, ao promulgar as bases a que deveria obedecer o fomento e a reorganização industrial do País, definiu como objectivo fundamental o de se obterem dimensões das empresas que assegurassem a respectiva viabilidade técnica e económica. Para tanto, consignou como modalidades de reorganização, entre outras, a da "concentração de fábricas e oficinas em unidades fabris de maior rendimento económico e per-
39 Diário das Sessões, n.° 14, de 13 de Fevereiro de 1935, p. 263.
40 Diário das Sessões, n.° 44, de 8 de Abril de 1935, pp. 931 e segs.
41 Diário das Sessões, n.° 44, cit., p. 935.
42 Diário das Sessões, cit., pp. 934-935.
43 Diário das Sessões, suplemento ao n.° 66, de 20 de Janeiro de 1936.
44 Diário do Governo, 1.ª série, n.° 64, de 18 de Março de 1936.
45 Sobre esta questão, veja-se o bem elaborado estudo do Dr. Pedro Geraldes Cardoso, "Da actualidade da lei sobre coligações económicas", em Estudos Sociais e Corporativos, ano IV, Dezembro de 1965. n.° 16, pp. 65 e segs.
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feição técnica" [base VII, alínea a)], bem como a da "ampliação de instalações para realizar os ciclos fabris
mais vantajosos e integração de indústrias nos casos de reconhecida conveniência" [base cit., alínea c)].
A base IX previa que a concentração industrial fosse realizada por acordo entre os industriais interessados ou, na falta de acordo, por decisão do Governo, em Conselho de Ministros.
Acrescentava-se, no entanto, que "o Governo só deve impor a concentração quando reconhecer a insuficiência
das restantes formas de reorganização para realizar os objectivos da lei, e salvaguardando, nos limites do possível,
a concorrência".
Como justamente se observa em estudo recente, "a Lei n.º 2005, adoptada no termo da 2.ª Guerra Mundial, foi naturalmente influenciada pelo condicionalismo económico da época, visando entre outros objectivos a reconversão e reorganização da nova indústria em termos de poder resistir à expansão das trocas que a prevista liberalização do comércio europeu iria provocar. A verdade, porém, é que algumas das suas directrizes fundamentais mantêm plena actualidade, por se reportarem a um fenómeno estrutural de insuficiente dimensão média da nossa empresa industrial" 46.
25. A política de defesa de um mercado nacional competitivo, no que especialmente respeita aos desvios da concorrência em matéria de preços e qualidade dos produtos, constituiu igualmente um dos objectivos do regime de condicionamento industrial, estabelecido pela Lei n.° 2052, de 11 de Março de 1952.
Para esse efeito, o diploma sujeitou àquele regime, nomeadamente, as indústrias que dispusessem de capacidade excessiva de produção, sofressem de grande atraso técnico, comportassem número reduzido de empresas em boas condições de produção ou tivessem sido objecto de reorganização nos termos da Lei n.° 2005 e, ainda, as de importância económica e custo de instalação excepcionais (bases III, IV e VII).
Na base VIII declara-se:
O Governo procurará impedir que o condicionamento seja desviado dos seus fins, transformando-se em obstáculo ao progresso técnico das indústrias ou conduzindo a um exclusivismo anormalmente lucrativo das empresas existentes. Para esse efeito, autorizará a criação de novas unidades e o desenvolvimento das que laborarem com maior eficiência, podendo também regular as características de qualidade ou o preço das mercadorias das indústrias condicionadas.
As realidades, no tocante à defesa do espírito competitivo, nem sempre corresponderam aos objectivos do legislador. Com efeito, o regime do condicionamento industrial tem-se revelado, na prática, limitativo da iniciativa privada e da sã concorrência entre as empresas. Como se acentua no relatório do Decreto-Lei n.° 46 666, de 24 de Novembro de 1965, o condicionamento tem sido factor de "refreamento da concorrência" e tem "consentido limitações de progressos traduzidos em perdas de capital que podem representar prejuízo nacional muitas vezes superior ao dos dispêndios improdutivos ou desgastes de capital que são uma contrapartida da luta, em concorrência pelo progresso...".
Já anteriormente o problema tinha suscitado as atenções do Governo, que no projecto de proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1957 incluíra uma disposição nos seguinte termos:
Fica o Governo autorizado a condicionar, mediante um regime de fiscalização de preços, a protecção pautal concedida a mercadorias cujas condições de produção conduzam a situações de monopólio ou que afectem o funcionamento da concorrência efectiva.
A Câmara Corporativa, na análise que fez do projecto, considerou que ele devia ser relacionado com o disposto na base VIII da Lei n.° 2052, acima referida 47.
A citada disposição foi acolhida pela Assembleia) Nacional e transformou-se no artigo 9.° da Lei n.° 2087, de 21 de Dezembro de 1956, tendo-lhe sido aditado o seguinte período:
Para o efeito, tomar-se-ão em consideração, quanto aos preços de produtos estrangeiros, os praticados nos seus mercados nacionais.
26. Ao lado das providências legais sobre práticas restritivas da concorrência e abusos do poder empresarial, existem, na maior parte dos países, leis destinadas a reprimir os chamados "delitos-antieconómicos" - designadamente em matéria de regulamentação dos preços de bens de consumo essencial e outras condições de comercialização legalmente fixadas.
Entre nós, o Decreto-Lei n.° 41 204, de 24 de Julho de 1957 48, prevê e pune os crimes de açambarcamento (recusa de venda, exigência de preços manifestamente superiores aos do mercado) e de especulação (venda por preço superior ao legal ou com margem de lucro excessiva, alteração artificial dos preços, etc.). É o que resulta do disposto nos artigos 20.° e 24.° daquele diploma.
E no artigo 47.° considera-se "infracção disciplinar" no domínio da actividade económica "a concorrência ilícita ou desleal".
27. O Decreto-Lei n.° 44 016, de 8 de Novembro de 1961, promulgou disposições com vista a promover a integração económica do espaço português e a liberalização progressiva do comércio entre os diversos territórios nacionais. No seu artigo 35.° previu que a lei penal qualificasse como crime público "as práticas económicas restritivas das empresas que, isoladas ou coligadas entre si, exerçam domínio sobre a produção, o comércio ou o transporte de uma ou mais mercadorias entre os diversos territórios nacionais, desde que tais práticas tenham por finalidade prejudicar as condições normais de concorrência ou o abastecimento público".
Enunciavam-se seguidamente algumas das práticas restritivas a reprimir:
a) Repartição geográfica entre empresas para venda dos produtos ou aquisição de factores produtivos;
b) Aplicação de preços ou outras condições variáveis conforme as entidades com quem se realizem as transacções;
46 Dr. Alberto Xavier, ob. cit., p. 46.
47 Parecer n.° 44/VI, sobre o projecto de proposta de lei n.° 519, de que foi relator o Prof. Doutor Fernando Maria Alberto de Seabra (Actas da Câmara Corporativa, n.° 98, de 5 de Dezembro de 1956).
Dois anos depois, o problema, nos seus aspectos gerais, foi ,de novo objecto de detida análise pela Câmara no parecer subsidiário sobre as indústrias transformadoras para o II Plano de Fomento. Foi relator o Prof. Doutor Francisco José Cruz Pereira de Moura {Actas da Câmara Corporativa, n.° 27, de 25 de Setembro de 1958, pp. 320-329).
48 Com a redacção que foi dada a alguns dos seus preceitos pelo Decreto-Lei n.° 43 860, de 16 de Agosto de 1961.
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c) Ameaça de eliminação da concorrência de outras empresas mediante o recurso a preços de venda anormalmente baixos ou o emprego de processos semelhantes (artigo 36.°).
E o artigo 37.° determinava que o Governo publicasse até 30 de Dezembro de 1963 a legislação penal prevista nos dois preceitos acima referidos.
Não tendo sido dado cumprimento a esta disposição, as práticas restritivas da concorrência entre as várias parcelas do espaço português continuam sem regulamentação específica, sendo certo que o projecto em apreço também as não contempla.
28. Em fins de 1964, o Governo consultou a Câmara Corporativa acerca de um projecto de diploma sobre defesa da concorrência (projecto de proposta de lei n.° 508/VIII), a que já se aludiu no n.° 2 deste parecer 49.
No seu preâmbulo, aquele projecto, depois de reafirmar o princípio constitucional do respeito pela iniciativa privada, considerava que "a orientação a seguir na política económica... consistirá em aceitar (ou promover até) a formação de unidades e agrupamentos relevantes, sujeitando-os, porém, a esquemas de vigilância e fiscalização suficientes para corrigir ou atenuar as consequências, na hipótese de se manifestarem abusos de poder ou injustificadas práticas restritivas..."
Sustentava-se depois a necessidade de manter a política de dimensionamento e de concentração industrial em curso, como condição de "crescimento da economia portuguesa" e de resistência ao "embate aberto no espaço europeu".
Enfim, concluía-se pela oportunidade e conveniência de uma lei nacional destinada a prevenir eventuais abusos de poder económico, "em benefício dos consumidores, para defesa das pequenas e médias empresas e como salvaguarda das condições de eficácia e de estímulo ao progresso".
Na parte dispositiva, o projecto qualificava como puníveis "os actos que possam intencionalmente impedir ou limitar o exercício da concorrência" (base II); considerava que "uma restrição à concorrência, derivada de acordo ou posição de poder, produz efeitos prejudiciais quando influi indevidamente na fixação dos preços e outras condições de comercialização, quando limita a produtividade, ou quando, por recurso a práticas irregulares, torna impossível a normal actividade económica de outrem" (base III); assimilava às situações contempladas na base anterior "os sistemas de imposição vertical de preços mínimos, a recusa de fornecimento ante uma procura normal, a exclusão do seio de uma associação profissional e o acordo antecedente à apresentação de propostas não comuns a um concurso" (base IV).
Na base VI feria-se de nulidade absoluta "quaisquer acordos entre empresas que ofendam o determinado por esta lei".
Previa-se a criação de uma "comissão de defesa da concorrência", sob a dependência directa do Ministro da Economia, à qual competiam, além da organização e conservação de um registo público dos acordos e regulamentos do exercício da actividade económica, e de outras funções de vigilância e inquérito, a de "propor ao Ministro da Economia... as medidas convenientes para sanar as situações irregulares encontradas... e ainda a aplicação de sanções penais e disciplinares que sejam justificadas e resultarem da regulamentação a publicar" [base VIII, alínea d)].
Ao Ministro da Economia caberia "não só determinar as medidas de natureza económica que se mostrem adequadas como aplicar as penas que venham a ser estabelecidas"(base X).
De acordo com estas bases, pode dizer-se que o projecto perfilhava um sistema de dano efectivo, fundado, sobre o comportamento das empresas e não sobre a estrutura do mercado, embora confiando à apreciação discricionária do Ministro a qualificação das condutas anticoncorrenciais.
Como já se referiu, o projecto foi posteriormente retirado pelo Governo, não tendo chegado a ser objecto de apreciação por esta Câmara nem pela Assembleia Nacional 50.
29. O Decreto-Lei n.° 46 666, de 24 de Novembro de 1965, veio modificar e completar a Lei n.° 2052, acima mencionada, instituindo o regime de condicionamento industrial no espaço português, em execução de directrizes preconizadas no citado Decreto-Lei n.° 44 016, tendo em vista a realização progressiva da integração económica, nacional.
No seu notável relatório, acima citado, este diploma aponta já a orientação que, em futuro próximo, se antevia como a mais conforme às exigências da integração europeia e da concorrência internacional, cujos efeitos a indústria portuguesa deveria estar preparada para enfrentar. Aí se escreveu:
As alterações ao sistema do condicionamento industrial devem, necessàriamente, dirigir-se no sentido da restrição progressiva, mas tão rápida quanto possível, do âmbito desse condicionamento, substituindo uma decisão e uma responsabilidade do Estado em matéria que dominantemente importa à iniciativa privada e ao seu interesse pela própria decisão e pela própria responsabilidade dessa mesma iniciativa...
E ainda:
O que fundamentalmente interessa do ponto de vista das obrigações do Estado é que nos estabelecimentos industriais se respeitem as normas estabelecidas em matéria de segurança, de higiene e de condições de trabalho e que os estabelecimentos lancem no mercado produtos que obedeçam a normas de qualidade mínima. Respeitados estes requisitos a responsabilidade de definir as condições de dimensão, de viabilidade económica e de capacidade técnica terá de pertencer, num país em economia de mercado, como o nosso, aos empresários privados que se propõem realizar os empreendimentos. A concorrência leal que surja por parte de qualquer nova unidade difìcilmente será condenável, pois que se traduzirá, normalmente, em factor de progresso económico e de redução de preços, desde que nos fabricos se obedeça, como acima se referiu, a normas mínimas de qualidade que, aliás, deverão fazer parte de um esquema justo e eficiente de defesa da concorrência...
30. O III Plano de Fomento para 1968-1973 contém no capítulo sobre as indústrias extractivas e transformadoras (1.ª parte, tít. II, cap. III "Programas sectoriais"), algumas directivas em matéria de política da concorrência que importa recordar aqui.
49 Actas da Câmara Corporativa, n.° 58, cit.
50 Entre as apreciações deste projecto que vieram a público veja-se, por exemplo, o artigo sobre "Defesa da concorrência em Estudos Sociais e Corporativos, ano IV, n.° 13, Março de 1965 pp. 191 e segs.
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A propósito da projectada revisão do condicionamento industrial e em seguimento das directrizes apontadas no citado Decreto-Lei n.° 46 666, lê-se no Plano:
Regularização da concorrência. Os argumentos sobre a regularização da concorrência em que o condicionamento industrial se tem apoiado estão também hoje substancialmente enfraquecidos pelo condicionalismo que os esquemas de integração económica europeia impõem ao nosso país [...] No entanto, os riscos de desorganização da concorrência através da deterioração da qualidade dos produtos vendidos, ou através do desrespeito pelas normas sobre as condições de trabalho, têm de ser cuidadosamente evitados. O condicionamento industrial terá dado alguma contribuição nesse sentido, mas não há dúvida de que os meios mais adequados são a generalização da imposição de normas de qualidade [...] e a rigorosa fiscalização do cumprimento dessas normas e das que se referem às condições de trabalho [...]
As disposições agora referidas, complementadas pelas providências a contemplar por uma lei de defesa da concorrência, constituirão factor básico do desenvolvimento industrial 51.
O projecto em apreço insere-se precisamente nas orientações a que alude este passo do III Plano.
31. Já depois de enviado à Câmara o projecto em análise, foi apresentada pelo Governo a proposta de lei n.° 14/X sobre alterações à Constituição Política, que veio a converter-se na Lei n.° 3/71, de 16 de Agosto.
Em matéria de disciplina da concorrência, interessa salientar o princípio introduzido pelo novo n.° 6.° do artigo 31.°, ao qual já noutro lugar se fez alusão 52.
Por virtude desse preceito, passou a figurar entre os objectivos da intervenção do Estado na vida económica e social o de "estimular a iniciativa privada e a concorrência efectiva, sempre que esta contribua para a racionalização das actividades produtivas".
Esta disposição não constava do texto governamental. Foi introduzida pela Assembleia Nacional mediante proposta apresentada por um grupo de deputados.
O novo preceito tem, sobretudo, interesse na parte referente à "concorrência efectiva", sendo certo que no tocante à "iniciativa privada" já o princípio resultava claramente de outras normas constitucionais, para não falar no citado artigo 4.° do Estatuto do Trabalho Nacional.
A alusão à "concorrência efectiva" reveste indiscutível oportunidade, não apenas por se reportar a um conceito moderno de concorrência, a que já houve ensejo de fazer referência noutro passo do presente parecer 53, mas ainda pela ideia, também actual, de que a concorrência não é um fim em si mesma, antes instrumento destinado a racionalizar a produção, isto é, a conseguir o menor custo e o mais baixo preço, compatíveis com a justa remuneração dos factores produtivos e, portanto, em benefício da economia geral.
Não é outro o pensamento inspirador do projecto que neste momento ocupa a alteração da Câmara.
32. Para concluir o relato acerca, da evolução do problema da defesa, da concorrência em Portugal, resta fazer referência ao projecto de proposta de lei n.º 8/X, sobre o fomento industrial, presentemente também submetido à apreciação da Câmara Corporativa 54.
Visa esse documento definir em novas bases as coordenadas da política de desenvolvimento industrial do País, substituindo os regimes estabelecidos nas Leis n.ºs 2005 e 2052, cuja revogação se propõe.
Na base IV, o projecto inclui, entre os objectivos fundamentais da política industrial, o de "concorrer para a necessária dinamização do conjunto dos sectores industriais, pela melhoria das condições de acesso das empresas aos mercados respectivos e defesa das condições adequadas de concorrência".
Para a consecução daqueles objectivos, prevê-se, entre os meios a utilizar, "a atribuição de incentivos à instalação de unidades industriais, sua ampliação, reorganização ou reconversão..." [base V, alínea b)].
Define-se, depois, a "reorganização de indústrias" como compreendendo "os actos de concentração e os acordos de cooperação de empresas" (base XXV, n.° 4).
A concentração inclui, entre outros actos, segundo o projecto, "a fusão ou a incorporação de sociedades, seja qual for a sua forma", bem como "a constituição de sociedades... mediante a integração de empresas" [idem, n.° 5, alíneas a) e b)]. Os "acordos de cooperação abrangem, além do mais, "a constituição de agrupamentos de empresas... sem afectar a personalidade jurídica das empresas intervenientes..." [idem, n.° 6, alínea a)].
§ 4.º
Conclusão sobre a oportunidade do projecto
33. A exposição que antecede, necessàriamente longa dada a extensão da matéria, vem confirmar a oportunidade do projecto, já admitida, em princípio, nas primeiras linhas deste parecer.
Com efeito, quer à luz do movimento legislativo sobre defesa da concorrência registado em certo número de países, quer perante a regulamentação internacional do assunto e os compromissos daí decorrentes para Portugal, quer à face da própria evolução do problema entre nós e das normas legais em vigor, designadamente das consagradas a tal respeito na Constituição Política - tudo concorre para que o documento em análise invista indiscutível actualidade e, até, urgência.
Definido assim o ponto de vista da Câmara quanto a este primeiro aspecto da apreciação na generalidade, interessa agora, para concluir aquela apreciação, passar em revista alguns princípios gerais informadores da regulamentação constante do projecto.
A esse objectivo visa o capítulo seguinte.
Capitulo II
Princípios informadores do projecto
§ 1.°
Sistema geral de tutela da concorrência
34. Como se refere no preâmbulo do projecto(n.ºs 3 e 4) e resulta designadamente do disposto nas suas bases IV e V, o Governo perfilhou, como sistema básico de tutela de concorrência, o sistema do abuso ou do dano efectivo.
Ao formular o seu juízo acerca deste problema, no capítulo I do presente parecer 53, já a Câmara teve oportuni-
51 Presidência do Conselho, III Plano de Fomento para 1968-1973, Imprensa Nacional, 1968, vol. II, p.35. O sublinhado não consta do texto transcrito.
52 Ver supra, n.º 1.
53 Ver supra, n.º 9, in fine.
54 Actas da Câmara Corporativa, n.º 66, 15 de Março de 1971.
55 Ver supra, n.º 9.
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dade de considerar, em princípio, inadequado às condições da economia moderna, o sistema da condenação a priori de toda e qualquer forma de concentração económica, destinado a impedir preventivamente as coligações e monopólios prejudiciais à concorrência (sistema do dano potencial ou sistema preventivo).
Como então se frisou, o aumento da dimensão das empresas, mediante a concentração ou por outros processos semelhantes, representa condição indispensável à obtenção das chamadas "economias de escala" e vantagens análogas, com vista a reduzir custos e preços e a conseguir o mais racional aproveitamento dos recursos disponíveis.
O mercado passa a revestir, assim, em muitos sectores, uma estrutura oligopolística, e a concorrência tende a exercer-se entre empresas de dimensão adequada às exigências técnicas e económicas de cada ramo da produção.
Nesta concepção, a tutela, da concorrência deixa de atender à estrutura do mercado, para considerar fundamentalmente o comportamento dos sujeitos económicos, e reprimir as condutas lesivas da sã e efectiva competição, em detrimento dos consumidores e dos interesses gerais.
Numa palavra - não é o poder económico, em si mesmo, mas o modo como ele se exerce que passa a ser objecto da atenção do legislador.
35. As características actuais da economia portuguesa concorrem, no parecer da Câmara, para perfilhar o sistema de tutela da concorrência proposto no projecto.
A estrutura de vários sectores da produção nacional revela efectivamente, hoje ainda, a necessidade de intensificar, por meios eficazes, a política de reorganização e concentração industrial que constituiu objectivo dominante da Lei n.° 2005.
Na verdade, os métodos utilizados por este diploma não surtiram os efeitos que se ambicionavam, pois nenhuma reorganização industrial se realizou após a sua publicação.
A partir de 1959 publicaram-se diversos diplomas regulamentares tendentes a promover a concentração fabril em alguns ramos industriais 56. Mas os resultados obtidos por esta via também não se revelaram satisfatórios 57.
Segundo estudo recente, as empresas com efectivos até 300 trabalhadores representaram, em Portugal continental, no ano de 1964, nada menos de 99,4 por cento das explorações industriais e davam emprego a 72 por cento da mão-de-obra ocupada na indústria, originando 63 por cento do produto líquido do sector 58.
Este panorama é, por si só, suficientemente elucidativo das deficiências estruturais da nossa economia industrial e da urgência em promover e apoiar em escala crescente o adequado dimensionamento de grande número de sectores.
Isto não significa que, em diversas actividades, não deva, concomitantemente, executar-se uma política de auxílio e estímulo às pequenas e médias empresas, sempre que fundados motivos de ordem económica e social o justifiquem, a fim de assegurar o conveniente equilíbrio entre os vários sectores 59. Mas a obtenção de dimensões técnica e econòmicamente viáveis na maior parte dos ramos industriais revela-se como objectivo prioritário do desenvolvimento e progresso do País.
O projecto de proposta de lei sobre o fomento industrial, a que já se aludiu, constitui, sob este aspecto, documento do maior alcance.
No mesmo sentido, incluiu o Governo, nas últimas leis de meios, disposições importantes para o fomento da concentração, mediante incentivos fiscais adequados 60.
36. Não é, porém, apenas em razão das condições próprias do mercado interno que a apontada política de dimensionamento e racionalização das estruturas empresariais se revela imperiosa entre nós, no momento actual. Acima de tudo, ela torna-se inadiável por efeito da competição internacional, nomeadamente no quadro da integração económica da Europa.
Como justamente se acentua no preâmbulo do projecto (n.° 3), "com um mercado interno ainda reduzido, estando nós largamente dependentes do comércio internacional e, para mais, envolvidos num movimento de liberalização das trocas à escala mundial e europeia - a primeira das atenções do Governo não poderia deixar de se dirigir para a concorrência internacional".
E acrescenta-se: "Não podendo, pois, definir-se uma política, de defesa da concorrência sem os olhos postos nas condições em que se desenvolve o comércio internacional, natural se torna que tal política nunca pudesse prejudicar a dimensão óptima das empresas nos vários sectores da economia."
Esta Câmara exprime o seu aplauso às orientações assim definidas pelo Governo e formula votos no sentido de que elas sejam rápida e fielmente executadas.
37. No tocante ao sistema de protecção da concorrência, deverá ele, òbviamente, reflectir as apontadas directrizes em matéria de dimensionamento e racionalização das estruturas económicas.
Nesse sentido, considera a Câmara adequada às condições presentes da economia portuguesa a preferência atribuída pelo projecto ao sistema fundado no comportamento concorrencial das empresas - sistema do "dano efectivo" ou da repressão dos abusos - como método da regulamentação 61.
Pode, no entanto, suscitar-se a questão de saber se, em casos excepcionais, quando, por exemplo, em determinado sector da economia, a concentração tenha conduzido, a longo prazo, a uma estrutura excessivamente monopolística, o sistema dirigido apenas à repressão de práticas
56 Refrigerantes (Portaria n.° 17 264, de 11 de Junho de 1959), panificação (Diário do Governo, n.° 42 477, de 29 de Agosto de 1959), acumuladores eléctricos de chumbo (Decreto n.° 43 726, de 8 de Junho de 1961), moagem de trigo (Decretos n.ºs 43 023, de 21 de Junho de 1960, e 43 834, de 29 de Julho de 1961), massas alimentícias (Decreto-Lei n.° 45 589, de 3 de Março de 1964), tipografia (Decreto n.° 46 138, de 31 de Dezembro de 1964), serração de madeiras (Decreto n.° 46 318, de 29 de Abril de 1965), cerâmica de barro vermelho (Decreto n.° 46 581, de 6 de Outubro de 1965), litografia e rotogravura (Decreto n.° 46 591, de 13 de Outubro de 1965).
57 Veja-se Drs. Fernando Cruz, Pedroso Rodrigues e Ferreira do Amaral, "Política de concentração e agrupamentos", in Colóquio de Política Industrial, organizado pela Associação Industrial Portuguesa, relatório n.° 8, Lisboa, Fevereiro de 1970, p. 4.
58 Engenheiro António da Silva Teixeira, "As pequenas e médias empresas", in Colóquio de Política Industrial, cit., relatório n.° 6, pp. 20-21 e 45. As Estatísticas Industriais, publicadas pelo I. N. E. (a última das quais respeita ao ano de 1969), não fornecem dados por onde possam actualizar-se os apuramentos feitos neste estudo.
59 Ver a tal propósito o citado estudo do engenheiro António da Silva Teixeira.
60 Cf. Lei n.° 2145, de 24 de Dezembro de 1969, artigos 13.º, n.° 2, e 21.°, alínea d); Lei n.° 10/70, de 28 de Dezembro - artigos 13.°, n.° 2, alíneas a) e c), e 20.°, n.° 1.
61 Acerca das razões de preferência por este sistema no caso português, veja-se o citado estudo do Dr. Alberto Xavier, "Subsídios para uma lei de defesa da concorrência", capítulo V, pp. 121 e segs.
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restritivas será suficiente para salvaguardar o mínimo de concorrência aceitável, e se não será necessário, em tais
casos, recorrer a uma acção correctora das próprias estruturas.
A hipótese, posta em recente estudo da O. C. D. E. 62, não parece deva reter-se num esquema de tutela da concorrência como o previsto no projecto em apreço.
Em primeiro lugar, as intervenções dirigidas às estruturas das empresas - quer preventivas, quer, sobretudo, repressivas - envolvem sempre o uso de faculdades discricionárias por parte da Administração que, nas circunstâncias presentes da economia portuguesa e na matéria em causa, se afiguram inoportunas e inconvenientes pela insegurança que provocam, sendo certo que, ao invés, se torna indispensável criar um clima de confiança e de certeza do direito na política de concentração e dimensionamento industrial em curso, pelas razões já explanadas. Além disso, tem-se a convicção de que o contrôle eficaz e expedito dos abusos do poder económico, mediante o sistema delineado no projecto, poderá obviar, na generalidade dos casos, aos inconvenientes da excessiva monopolização.
Enfim, dir-se-á ainda que, para ocorrer a circunstâncias excepcionais, que eventualmente reclamem providências também excepcionais, sempre o Estado poderá intervir mediante a publicação de diploma especial para esse fim 63.
§ 2.º
Tipicidade das condutas anticoncorrenciais
38. Um regime de tutela da concorrência baseado no sistema do dano efectivo ou da repressão dos abusos, como o do projecto, deve lògicamente ser completado com a definição legal dos comportamentos anticoncorrenciais.
Sob este aspecto, as legislações estrangeiras seguem uma de duas soluções:
a)Enunciação de fórmulas mais ou menos vagas no sentido de qualificar como lesivo da concorrência, por exemplo, todo o procedimento que "prejudique o interesse geral, restrinja o jogo normal da concorrência ou entrave a liberdade económica" (lei belga de 1960, artigo 2.°), ou "cujas consequências sejam contrárias ao interesse público" (lei holandesa de 1956, artigo 16.°);
b)Enumeração, normalmente exemplificativa, de certo número de condutas típicas consideradas anticoncorrenciais. Estão neste segundo caso, entre outras, a lei espanhola de 1963 (artigo 3.°), a lei irlandesa de 1953 (anexo II) e o projecto italiano de 1960 (artigo 1.°) 64.
O Tratado de Roma, nas disposições já mencionadas (artigos 85.° e 86.°), segue o segundo sistema, inserindo uma lista enunciativa de certas práticas comerciais restritivas 65.
Por sua vez, a Convenção de Estocolmo limita-se a declarar incompatíveis com as suas cláusulas os acordos, decisões, práticas concertadas ou abusos de posições dominantes que tenham por efeito "a eliminação, restrição ou distorção da concorrência no âmbito da Associação" (artigo 15.°).
39. O primeiro dos dois sistemas descritos tem o inconveniente, a que alude o preâmbulo do projecto, de permitir uma aplicação discricionária pela Administração e uma liberdade de interpretação pelo intérprete que podem converter-se em "quebra de segurança jurídica e económica", sendo certo que "nesta segurança, tal como na concorrência, residem, alicerces fundamentais de uma livre economia de mercado" (preâmbulo citado, n.° 4).
Mas este risco da discricionaridade na qualificação das condutas anticoncorrenciais verifica-se por igual, embora porventura de forma menos aparente, no sistema da lista exemplificativa daquelas condutas, como sucede nas legislações acima citadas.
Sòmente uma tipificação dessas condutas, com carácter taxativo, poderá ocorrer a tais inconvenientes e tentar
62 O. C. D. E., La puiassance économique et la loi, cit., PP. 222-223.
63 Foi, por exemplo, o caso do Decreto-Lei n.° 1/71, de 6 de Janeiro, que estabeleceu normas destinadas, segundo o respectivo preâmbulo, a evitar "o domínio de empresas por elementos estranhos a elas", exigindo o consentimento, por maioria de dois terços, dos órgãos dirigentes da sociedade, e, em certos casos (comércio bancário, seguros), também a confirmação ministerial, para a validade ou eficácia de contratos que tenham por objecto transferências de lotes de acções de valor superior a certas percentagens do capital social (decreto-lei cit., artigos 1.°, 3.º e 7.º).
De outro lado, a recente Lei de Imprensa (Lei n.° 5/71, de 5 de Novembro) manda que o Governo providencie no sentido de "impedir a concentração de empresas editoriais ou jornalísticas" [base XI, n.° 1, alínea a)] e de "obviar à excessiva concentração da imprensa mediante a fixação de um número máximo de publicações periódicas da mesma natureza para cada empresa jornalística" [base cit., n.° 1, .alínea d)].
64 A lei espanhola dispõe no seu artigo 3.°:
São proibidas, nomeadamente, as práticas concertadas ou abusivas que, estando abrangidas pelos artigos anteriores, consistam em:
a) Fixar, de modo directo ou indirecto, preços de compra ou venda, ou outras condições de transacção;
b) Limitar a produção, a distribuição, o desenvolvimento técnico ou os investimentos em prejuízo da economia nacional;
c) Repartir os mercados, as zonas territoriais, os sectores de fornecimento ou as fontes de abastecimento;
d) Praticar uma política comercial tendente, por meio de concorrência desleal, a eliminar os concorrentes;
e) Aplicar nas relações comerciais com terceiros condições diferentes para prestações similares ou equivalentes, colocando-os, assim, numa posição desigual;
f) Subordinar a conclusão de contratos à aceitação de prestações ou de operações comerciais suplementares que, por sua natureza ou segundo os usos comerciais, não tenham relação nenhuma com o objecto dos ditos contratos.
A lei irlandesa de 1953 inclui um anexo II com onze tipos de "práticas comerciais desleais", mas a lista não tem natureza limitativa.
65 O artigo 85.° do Tratado proíbe todos os acordos, decisões ou práticas concertadas que impeçam, restrinjam ou falseiem a concorrência no interior do Mercado Comum e, "nomeadamente, os que consistam em:
a) Fixar de modo directo ou indirecto os preços de compra ou de venda ou outras condições de transacção;
b) Limitar ou controlar a produção, os mercados, o desenvolvimento técnico ou os investimentos;
c) Repartir os mercados ou as fontes de abastecimento;
d) Aplicar, em relação a outras partes contratantes de transacções comerciais, condições desiguais para prestações equivalentes, colocando-as assim em desvantagem na concorrência;
e) Subordinar a conclusão de contratos à aceitação, pelas outras partes contratantes, de prestações suplementares que, pela sua natureza ou segundo os usos comerciais, não tenham ligação com o objecto desses contratos".
O artigo 86.° contém uma lista análoga para os casos de abuso de "posições dominantes".
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obter, quanto possível, em domínio tão importante, a desejável certeza do direito.
Afigura-se ser esta, efectivamente, a fórmula adoptada no projecto, dados os termos em que está redigida a base IV, e o que consta do seguinte passo do preâmbulo (n.° 4): "Optou-se, pois, por uma descrição legal das condutas típicas que a experiência tem revelado revestirem gravidade suficiente para justificarem uma intervenção das autoridades públicas."
Pode acrescentar-se que o sistema do elenco limitativo das práticas restritivas não é factor de rigidez na aplicação da lei. O intérprete fica com campo de acção suficiente para, na qualificação jurídica dos eventos, dar à aplicação das normas a conveniente flexibilidade.
E, além disso, se a lista das condutas danosas for tanto quanto possível completa, à face da experiência - como parece ter sido preocupação do projecto - tal sistema possibilitará uma actuação correctora mais eficaz e acertada do que os sistemas da enunciação genérica ou vaga da ilicitude nesta matéria 66.
Pelo exposto, a Câmara dá a sua concordância ao princípio da tipificação das condutas anticoncorrenciais que informa o projecto em apreço.
§ 3.°
Meios de acção contra as práticas anticoncorrenciais
40. Nos países em que a disciplina da concorrência se dirige às estruturas do mercado, isto é, à própria formação do poder económico (fusões e monopolizações), os meios legais de acção são utilizados por uma de duas vias:
a)A via preventiva, subordinando a concentração das empresas ou a monopolização à autorização dos poderes públicos;
b)A via repressiva, ordenando a dissolução das concentrações julgadas inconvenientes.
Dois sistemas legislativos, o do Tratado da C. E. C. A. e o da Inglaterra (no caso de empresas jornalísticas), subordinam a fusão de empresas a autorização prévia 67.
Relativamente às monopolizações, os Estados Unidos, o Canadá e o Japão sujeitam à lei criminal a mera tentativa de constituição ou a existência de um monopólio, aplicando pesadas multas e, em certos casos, penas de prisão aos responsáveis 68.
No sistema legislativo português, a Lei n.° 1936, ainda em vigor, adoptou fundamentalmente fórmulas semelhantes, como houve ensejo de verificar no capítulo I deste parecer (supra, n.° 23).
E os casos excepcionais, também já aludidos, da regulamentação de transferências de lotes de acções (Decreto-Lei n.° 1/71, de 6 de Janeiro) e da concentração de empresas jornalísticas (Lei de Imprensa, base XI) orientam-se, igualmente, no sentido de prevenir e reprimir certas modalidades de centralização do poder económico 69.
41. Quando os sistemas de tutela da concorrência se propõem corrigir, não a estrutura mais ou menos concentrada das empresas, mas o seu comportamento no mercado - como sucede no projecto em apreço -, os dois métodos principalmente utilizados são os seguintes: ou a conduta anticoncorrencial cai directamente sob a alçada da lei e integra um delito, um quase-delito ou uma transgressão, a que correspondem penalidades adequadas; ou a lei admite que, antes de aplicar qualquer sanção, a autoridade competente convide ou notifique a empresa a pôr termo às práticas indevidas, ou adopte outras providências de análoga natureza.
Na primeira fórmula, a conduta incriminada é ipso facto ilegal e determina a aplicação das penas (em regra, multas) cominadas na lei, embora se admita, normalmente, uma diligência prévia no sentido de fazer cessar a ilegalidade. Seguem este sistema as legislações da Espanha, França, Suíça e C. E. E.
No segundo sistema, as práticas não se consideram desde logo puníveis, dando antes lugar a que o órgão encarregado da aplicação da lei intervenha para declarar a irregularidade do procedimento, e as providências então tomadas revestem essencialmente natureza administrativa. Sòmente na hipótese do não cumprimento dessas providências a lei prevê a aplicação de sanções. É a solução perfilhada pela Alemanha, Bélgica, Holanda e Inglaterra 70.
O projecto em análise consagra esta segunda orientação, salvo nos casos em que as práticas restritivas da concorrência integrem delito antieconómico, nos termos da legislação em vigor, pois nessa hipótese a conduta indevida fica sujeita a incriminação imediata: É o que resulta das bases VI, IX e XII daquele documento.
À Câmara afigura-se fundada esta orientação, pela maior flexibilidade que confere na aplicação da lei, sem prejuízo da eficácia da acção repressiva 71.
42. Ao lado das penalidades e das providências correctoras dirigidas aos agentes das práticas irregulares, os sistemas legislativos costumam, paralelamente, ferir com determinadas sanções os próprios actos anticoncorrenciais.
Essas sanções consistem, de modo geral, na nulidade, anulabilidade ou simples ineficácia das deliberações, acordos ou contratos em que se exprimam as ditas práticas.
Assim, a lei espanhola de 1963 considera "nulos" os acordos ou decisões que tenham dado lugar às condutas restritivas da concorrência (artigo 1.°, n.° 2).
A lei dinamarquesa de 1955 prevê que a autoridade competente possa "anular, no todo ou em parte, os acordos, decisões ou práticas" (artigo 12.°).
Em França, a ordonnance de 1945 comina com a "nulidade de pleno direito" as acções concertadas e outras práticas restritivas (artigo 59.°).
A ineficácia dos acordos anticoncorrenciais é a sanção estabelecida na lei holandesa de 1956.
Na Áustria, o tribunal dos cartéis pode declarar a "nulidade" de certos contratos(lei de 1959, artigo 36.°).
Enfim, a lei alemã de 1957 determina nuns casos a "nulidade" e noutros a "ineficácia" dos actos anticoncorrenciais (artigos 1.°, 12.°, 15.° e 20.°) 72.
O projecto do Governo não estabelece explìcitamente qualquer sanção dirigida às práticas restritivas da con-
66 Acerca do princípio da tipicidade das práticas restritivas, veja-se Dr. Alberto Xavier, ob. cit., pp. 168-171.
67 O. C. D. E., La puissance économique et la loi, cit., pp. 153-163.
68 O. C. D. E., ob. cit., pp. 163-165.
69 Ver supra, nota 63.
70 O. C. D. E., La puissance économique, cit., p. 166.
71 Neste sentido, Dr. Alberto Xavier, ob. cit., pp. 165-166
72 O. C. D. E., Guide de la législation, cit., n.°s I, II e III.
Além destas sanções de ordem geral, as leis estrangeiras contêm outras, de variada natureza, como, por exemplo, a interdição do exercício de funções de administração ou gerência, no caso da reincidência (lei belga de 1960, artigo 15.°), a proibição de adquirir partes de capital pertencentes a outrem, ou a obrigação de vender parte do activo de uma sociedade (lei inglesa de 1965 artigo 3.°, n.ºs 5 e 6), o confisco das receitas em excesso resultantes de aumentos ilegais de preços (lei austríaca, artigo 36.°), a obrigação de entregar mercadorias ou serviços aos preços e mais condições usuais (lei holandesa, artigo 24.°), etc.
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corrência, embora da base IX pareça depreender-se que perfilha, a terceira das soluções acima expostas. Considera a Câmara conveniente preencher tal omissão e, para esse efeito, também reputa preferível a sanção da "ineficácia", sugerindo que o órgão encarregado da aplicação da sanção penal tenha a faculdade de declará-la ex nunc, relativamente aos actos e contratos que se integrem em qualquer dos tipos contemplados no n.° 1 da base IV 73.
O assunto será retomado aquando do exame na especialidade.
43. Resta aludir a uma modalidade complementar dos meios de disciplina do poder económico, adoptada em certo número de regulamentações.
Trata-se da obrigatoriedade de declaração e registo dos acordos, fusões ou práticas concertadas, ou da simples "posição dominante", por parte das empresas respectivas. A Áustria, Dinamarca, Noruega, Alemanha e Inglaterra instituíram sistemas com essa finalidade, embora as fórmulas variem sensívelmente de um país para outro 74.
A nossa Lei n.° 1936 também previa, como ficou dito, um regime análogo de publicidade e fiscalização (base II).
O projecto em causa não insere qualquer dispositivo dessa natureza.
Na realidade, tal dispositivo mostra-se especialmente adequado aos sistemas de "dano potencial", servindo o registo de meio de verificação prévia da regularidade dos acordes, decisões e práticas concertadas. Num sistema de tutela da concorrência dirigido não às estruturas mas aos actos anticoncorrenciais, a declaração e o registo daquelas situações apresenta limitado interesse, pois o mesmo facto, não obstante haver sido objecto de registo, pode posteriormente revelar-se lesivo da concorrência.
Além disso, tais mecanismos sòmente podem funcionar nos casos em que os acordos ou outros factos tenham revestido forma escrita. Ora, frequentemente esses acordos e práticas concertadas resultam de meros comportamentos paralelos ou gentlemen's agreements verbais, insusceptíveis de conhecimento por parte do órgão encarregado do registo 75.
Por tais razões, dá a Câmara a sua anuência à orientação adoptada, neste particular, pelo projecto governamental.
CAPITULO III
Conclusão sobre a apreciação na generalidade
44. Quedam assim analisados os principais aspectos de ordem geral do projecto do Governo.
Do estudo feito cumpre extrair, neste momento, a conclusão que lògicamente se impõe, antes de passar ao exame na especialidade.
Essa conclusão é a de que o projecto em apreço merece ser aprovado na generalidade.
II
Exame na especialidade
CAPITULO I
Disposições fundamentais
Base I
45. Esta base e as duas seguintes formam o capítulo I do projecto, intitulado "Disposições fundamentais".
Em face da natureza dos respectivos preceitos, parece mais adequado dar ao capítulo a designação de "Disposições gerais".
Contém a base uma declaração preliminar acerca dos órgãos encarregados de assegurar a realização da política de defesa da concorrência, dos objectivos visados por esta política e das circunstâncias a ter em conta na sua execução.
Em primeiro lugar, a referência a "institutos públicos" deve entender-se de harmonia com o sentido que a doutrina administrativa atribui a esta designação no direito português.
Segundo aquela doutrina, os institutos públicos abrangem, nomeadamente, os serviços personalizadas do Estado, os organismos de coordenação económica, as fundações públicas e as empresas públicas 76. Não há dúvida de que a qualquer destas categorias de institutos públicos cabe, na respectiva esfera de atribuições, "assegurar as condições de uma justa e efectiva concorrência", na medida em que todos eles prosseguem finalidades de interesse público ou desempenham funções que pertencem ao Estado.
No tocante às empresas públicas que produzem bens ou prestam serviços em regime de exclusivo (CTT, T.L.P., Administração-Geral do Álcool, etc.), já poderá parecer estranho que se lhes estenda o objectivo de assegurar uma efectiva concorrência... Mas outras empresas públicas exercem a sua actividade paralelamente à de empresas privadas no mesmo sector e, nesse caso, a referência é justificada.
O conceito de "organismo corporativo" tem, no nosso direito, um sentido amplo e um sentido restrito.
Em sentido amplo, a expressão abrange as corporações e as pessoas colectivas nelas integradas, seja qual for a natureza- destas.
Em sentido restrito, porém, organismo corporativo será apenas "a associação, simples ou complexa, com carácter representativo, de uma profissão, de uma categoria económica ou de uma actividade social, quer seja corporação, quer elemento dela" 77.
Assim, nos sectores económicos, tanto as corporações como os organismos primários ou secundários nelas abrangidos têm carácter representativo e, portanto, a expressão "organismos corporativos" cobre-os a todos. Nas corporações morais ou culturais, as associações ou instituições que as compõem não são por si representativas e, assim, não podem incluir-se sob o rótulo de organismos corporativos.
É, pois, em sentido restrito, compreendendo as corporações económicas e os organismos nelas incorporados, que deve entender-se a expressão usada nesta base do projecto.
46. Na parte final da base I fala-se em ter em conta "as circunstâncias da estrutura, da concorrência internacional, do progresso técnico e de cada sector da economia".
O termo "estrutura" parece dever tornar-se mais explícito e ser referido, como é natural, à estrutura do mercado".
Cabe aqui chamar a atenção para o facto de que não são apenas os fenómenos de estrutura que condicionam o funcionamento da concorrência efectiva. Igualmente, as implicações decorrentes da conjuntura devem ser pon-
73 Cf. Dr. Alberto Xavier, ob. cit., p. 164.
74 Veja-se, a tal respeito, O. C. D. E., La puissance économique, cit. pp. 182 e segs.
75 No mesmo sentido, Dr. Alberto Xavier, ob. cit., p. 162.
76 Prof. Doutor Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, 9.ª ed., tomo I, pp. 360 e segs.
77 Prof. Doutor Marcelo Caetano, obra o tomo cits., pp. 371-372.
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deradas ao definir e executar uma política concorrencial, sendo certo, por exemplo, que, numa fase depressiva, um maior grau de concentração da produção e do comércio em determinados sectores pode auxiliar a resistência dos preços.
Parece, pois, de aditar a referência à "situação conjuntural" na base em discussão.
47. Resulta de vários passos da apreciação na generalidade que o progresso técnico reveste, na economia contemporânea, influência decisiva sobre as condições em que se processa a concorrência.
Mas essa influência manifesta-se, como se viu, através da estrutura, do mercado e do dimensionamento das empresas e não pròpriamente por via imediata.
Além disso, também se observou como o progresso técnico está na base da política de reorganização e concentração empresarial, a que se refere a base II e cujas directrizes têm o seu lugar próprio em outros diplomas.
Afigura-se, pois, deslocada, a referência ao "progresso técnico" nesta base.
48. Em face do exposto, sugere a Câmara que a base I do projecto passe a ter a redacção seguinte:
Base I
Cabe ao Estado, institutos públicos, autarquias locais e organismos corporativos assegurar as condições de uma justa e efectiva concorrência, com vista ao desenvolvimento económico e social do País, tendo em conta a estrutura do mercado, a situação conjuntural, a concorrência externa e as demais circunstâncias de cada sector da economia.
Base II
49. A racionalização das estruturas produtivas, mediante a concessão de incentivos fiscais ou por outra forma adequada, com o fim de favorecer a sua eficiência técnica e económica - de que trata esta base -, constitui, sem dúvida, como também se explanou na primeira parte deste parecer, objectivo do mais largo alcance na salvaguarda das condições de uma concorrência efectiva.
Este objectivo e as normas que o enquadram têm, aliás, a sua sede própria nas leis sobre política industrial. Por isso mesmo, tal matéria ocupa, como se referiu, lugar saliente no projecto de proposta de lei acerca do fomento industrial do País, presentemente sob consulta desta Câmara (supra, n.º 32).
Feita esta observação, não se opõe a Câmara à inclusão do preceito em análise na lei de defesa da concorrência, mas entende dever fazer alguns reparos à sua redacção.
Em primeiro lugar, a referência a "uma situação concorrencial excessiva" parece incompleta, pois também a concorrência "insuficiente" deve ser corrigida.
Além disso, "o alargamento da dimensão das empresas" é apenas uma das vias a utilizar pela política de racionalização, pelo que se afigura preferível suprimir essa menção isolada.
Propõe-se, em suma, o texto que segue:
Base II
O Governo estimulará a racionalização das estruturas produtivas, mediante a concessão de benefícios fiscais ou por qualquer outra forma adequada, quando em determinado sector da economia se verifique uma situação concorrencial excessiva ou insuficiente.
Base III
50. Prevê-se no n.° 1 a possibilidade de o Governo ordenar inquéritos quando, em dado sector da economia, as condições de produção e comercialização e a situação de preponderância das empresas levem a presumir que a concorrência se encontra aí "sèriamente afectada".
Para tanto, o Governo poderá exigir às empresas do sector os elementos indispensáveis para apreciar a situação, nomeadamente "acordos, decisões e práticas concertadas".
Depreende-se claramente da redacção deste preceito que as faculdades nele atribuídas ao Governo se situam no plano meramente informativo e não envolvem, em si mesmas, qualquer poder de intervenção no tocante à formação ou subsistência de posições dominantes no mercado.
Assim, sòmente na medida em que a conduta das "empresas preponderantes" a que a disposição alude, possa integrar qualquer das práticas restritivas da concorrência contempladas na base seguinte, semelhante conduta será susceptível de correcção.
O preceito mostra-se coerente com os princípios informadores do projecto, examinados na primeira parte deste parecer - designadamente com o sistema do dano efectivo ou da repressão dos comportamentos lesivos da concorrência -,a que a Câmara deu o seu acordo.
A questão de saber se, não obstante a observância desse princípio geral, seria caso de prever situações excepcionais, em que determinados mercados assumissem estruturas extremamente monopolísticas e justificassem intervenções dirigidas a essas mesmas estruturas, já se deixou também aflorada quando da apreciação na generalidade (supra, n.° 37).
Resta observar que os "inquéritos gerais" a que se refere este n.° 1 da base em apreço têm efectivamente a natureza de inquéritos sectoriais, isto é, visando a generalidade das empresas de um sector, e não uma ou mais empresas individualizadas. Daí a expressão "gerais" utilizada no preceito. Parece, no entanto, mais apropriada a fórmula "inquéritos sectoriais", que por isso se propõe.
51. Efectuados outros ligeiros retoques de redacção, a Câmara propõe para o n.° 1 desta base o texto que segue:
1. Sempre que em um ou mais sectores de actividade a evolução da produção e das trocas, as flutuações anormais ou a rigidez dos preços e a situação de preponderância das empresas levem a presumir que a concorrência se encontra sèriamente afectada, cumpre ao Governo ordenar inquéritos setoriais, podendo para tanto exigir às empresas do sector em causa os elementos indispensáveis para a apreciação da estrutura e comportamento do mercado, nomeadamente os acordos, decisões ou práticas concertadas.
52. No n.º 2 desta base III comina-se a pena de multa de 100 000$ a 1 000 000$, para a recusa de informações a inexactidão das informações prestadas, a ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação de documentos.
Afigura-se de recomendar o abaixamento do limite mínimo da multa para 50 000$, a fim de permitir mais adequada individualização da pena nos casos em que a conduta não assuma especial gravidade ou a empresa tenha reduzida capacidade económica.
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Como os factos previstos neste n.° 2 podem integrar crimes punidos pela lei penal geral (cf. artigos 216.°, 219.° e 124.º, n.º 4, do Código Penal), julga-se de fazer um aditamento na parte final do preceito que salvaguarde a aplicação de penas mais graves cominadas na lei geral, sem prejuízo das regras sobre o concurso de infracções. Além disso, convém prevenir o caso de mera negligência, a que caberão penas mais leves.
A redacção ficaria assim:
2. A recusa de informações, a inexactidão das informações prestadas, a ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação de documentos serão punidas pelos tribunais ordinários com multa de 50 000$ a 1 000 000$, salvo se, pela lei penal comum, lhe corresponder pena mais grave, que será a aplicável. No caso de mera negligência, a pena será a de multa de 5000$ a 50 000$.
Atendendo ao princípio da individualização da responsabilidade criminal, consagrado no artigo 28.° do Código Penal, segundo o qual só as pessoas físicas são passíveis de sanções criminais, afigura-se conveniente adoptar aqui a orientação definida, no domínio das infracções antieconómicas, pelo artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 41 204, de 24 de Julho de 1957, dada a sua afinidade com a matéria do projecto.
Para tanto, aditar-se-ia um n.° 3 a esta base, com o seguinte teor:
3. As sociedades respondem solidàriamente pelas multas, nos termos do artigo 3.º do Decreto-Lei n° 41 204, de 24 de Julho de 1957.
CAPITULO II
Das práticas restritivas da concorrência
Base IV
53. Constitui esta base o preceito central do projecto em análise. Nela se consubstanciam dois dos princípios fundamentais que informam o diploma - o da tutela da concorrência mediante a correcção dos comportamentos inconvenientes e o da tipificação destes comportamentos.
Examine-se, em primeiro lugar, o corpo do n.° 1 da presente base.
Contém-se aí uma definição de "práticas restritivas", para efeito da lei, como sendo "as condutas isoladas ou concertadas, seja qual for a forma que revistam, de uma ou mais empresas, individuais ou colectivas, que impeçam, falseiem ou restrinjam, directa ou indirectamente, a concorrência efectiva [...]".
Vem depois a referência ao âmbito territorial de aplicação do diploma - o continente e as ilhas adjacentes.
Convém encarar separadamente cada um destes pontos.
54. A expressão "práticas restritivas da concorrência", adoptada na designação deste capítulo II do projecto e no n.º 1 da base em apreço, está, hoje em dia, como houve ensejo de observar, consagrada na generalidade das legislações e tratados internacionais sobre o assunto.
Embora o adjectivo "restritivas" tenha o inconveniente de se referir apenas a um dos resultados dessas práticas,
e talvez por isso fosse preferível falar em práticas lesivas, a circunstância de se tratar de fórmula de uso corrente e
de sentido bem definido aconselha a mantê-la no diploma em análise.
Nenhum reparo suscita igualmente à Câmara o conceito genérico de práticas restritivas inserto na disposição em causa. Afigura-se suficientemente compreensivo para, antes do mais, nele caberem as várias modalidades que podem assumir os agentes ou autores dessas práticas, desde a empresa isolada (seja qual for a sua dimensão ou posição no mercado) aos agrupamentos ou associações de empresas - trust, concern, holding, etc. -, aos acordos, expressos ou tácitos, entre empresas - cartel, entente, consórcio, "empresa comum" (joint venture), etc. -, às "práticas concertadas" e aos "comportamentos paralelos" 78.
O preceito refere, além disso, os resultados lògicamente possíveis das ditas práticas - impedir, falsear ou restringir, directa ou indirectamente, a concorrência efectiva.
As legislações falam, por vezes, também em "eliminar", "distorcer" ou "limitar" a concorrência. Mas tais expressões correspondem, no fundo, às utilizadas nesta disposição.
55. O segundo ponto a examinar neste n.° 1 da base IV diz respeito ao âmbito geográfico de aplicação do preceito. Para que as práticas restritivas sejam passíveis das sanções previstas torna-se necessário que elas produzam seus resultados "no território do continente e ilhas adjacentes". É o princípio da territorialidade.
Quer dizer: a eliminação, falseamento ou restrição da concorrência deve produzir-se no território metropolitano, embora a conduta possa ter-se verificado no ultramar ou no estrangeiro 79.
Mas é evidente que, nesta hipótese, designadamente no caso de acordos celebrados ou decisões tomadas fora do território metropolitano, a sua repressão interna dependerá muitas vezes da existência de instrumento interterritorial ou internacional que faculte a aplicação, no território de origem, dos meios necessários para fazer cessar as condutas indevidas.
Num país como o nosso, disperso por vários continentes e, além disso, largamente tributário do comércio exterior, a possibilidade de recorrer a tais instrumentos afigura-se da maior relevância.
No tocante ao estrangeiro, o nosso país está abrangido, como se sabe, pelas disposições do G. A. T. T. e da Convenção de Estocolmo, já mencionadas. Existem, além disso, acordos e tratados de comércio, normalmente bilaterais, entre Portugal e diversos países, onde a matéria pode ser regulada.
Relativamente, porém, às trocas entre as diversas parcelas do território nacional, nenhuma regulamentação da concorrência existe, por enquanto, que permita ocorrer às situações acima expostas.
Sob este aspecto, afigura-se urgente dar execução ao disposto nos artigos 35.º e 36.º do Decreto-Lei n.° 44 016, já referidos, quanto à extensão ao ultramar, com as necessárias adaptações, das normas que vierem a figurar na futura lei de defesa da concorrência.
56. As oito alíneas do n.º 1 da base IV inserem a enumeração das diversas condutas anticoncorrenciais visadas pela regulamentação.
Consoante ficou esclarecido na primeira parte deste parecer (n.ºs 38 a 39), tal enumeração reveste natureza ta-
78 Acerca da definição destes vários tipos estruturais do mercado, veja-se: 0. C. D. E , Glossaire de termes relatifs aux pratiques commerciales restrictives, Paris, 1965, pp. 12-40.
79 Cf. Dr. Alberto Xavier, ob. cit., pp. 175-176.
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xativa, e não exemplificativa. Cabe, neste momento, examinar apenas se o referido elenco de práticas restritivas é suficientemente completo para corresponder aos objectivos em vista.
Antes, porém, cumpre ter sempre presente uma regra basilar nesta matéria: as condutas tipificadas nas alíneas da base em apreço não constituem, em si mesmas, condutas ilícitas. Só assumem essa natureza se produzirem algum ou alguns dos resultados expressamente referidos no corpo deste n.° 1 - impedir, falsear ou restringir, directa ou indirectamente, a concorrência efectiva.
57. As alíneas a) e b) respeitam à fixação de limites, mínimos e máximos, para os preços, margens de lucro e outras condições de transacção.
A fixação de preços pressupõe, em regra, um acordo ou acção concertada entre várias empresas, a fim de limitar, de modo directo ou indirecto, a liberdade de decisão nesse domínio.
Tem-se em vista as relações bilaterais entre compradores e vendedores, e não a determinação de condições de compra e venda nos contratos realizados com terceiros. Estes últimos casos estão contemplados na alínea c).
A fixação de limites mínimos dos preços e outras condições traduz, normalmente, uma posição dominante no mercado e visa a obter margens de lucro elevadas para os vendedores.
Por seu turno, a fixação de limites máximos tem, em geral, por objectivo a eliminação de concorrentes, sobretudo dos produtores marginais, para os quais o nível de preços estabelecido se situe abaixo dos respectivos custos.
A fixação abusiva de preços mínimos pode mesmo revestir a forma extrema da "venda com prejuízo" (loss leader selling), isto é, abaixo do custo, a fim de atrair a clientela ou arruinar um concorrente.
As práticas destes tipos são as mais frequentes no sentido de restringir, impedir ou distorcer a concorrência, alterando os valores a que conduziria o funcionamento normal do mercado.
Quando o preço mínimo ajustado se aplica a artigos não perfeitamente homogéneos, o valor de base obrigatório respeita, em regra, à variedade mais corrente, utilizando-se percentagens de acréscimo ou redução daquele preço para as outras variedades.
As empresas podem, além disso, concertar-se para não adquirir, acima de certo preço, determinados factores de produção. Este caso está igualmente abrangido pelas alíneas em causa, na referência à fixação de limite máximo aos preços de compra.
O estabelecimento de limites aos preços e mais cláusulas das transacções pode também resultar, não já de acordo entre firmas, mas de decisões independentes de empresas ou grupos de empresas em posição dominante.
O caso mais frequente é o de oligopólio, isto é, de número relativamente limitado de empresas, cada uma das quais dispõe de poder de domínio em certa fracção do mercado.
Nesta hipótese, as condições de compra ou de venda são fixadas por cada empresa com base na reacção que se espera das empresas rivais. Semelhante reacção é tanto mais de considerar quanto mais inelástica for a procura dos artigos em causa e mais homogéneas as suas características.
Pode ainda suceder que, na hipótese de desníveis apreciáveis no poder económico dos vários oligopolistas, os menos fortes ou de menor dimensão sejam conduzidos a pautar a sua conduta pelos mais poderosos. É o que se chama o price leadership 80.
As várias modalidades de fixação de preços podem verificar-se na mesma fase do processo de produção ou distribuição dos produtos (fixação horizontal dos preços) ou em diferentes estádios daquele processo (fixação vertical dos preços) 81.
Todas estas fórmulas estão compreendidas nas alíneas em apreço.
58. A alínea c) aplica-se, como ficou dito, não já às relações bilaterais entre vendedor e comprador, mas às transacções efectuadas entre vendedor e comprador, mas às transacções efectuadas entre este e terceiros, impondo limites à respectiva liberdade contratual.
Tais restrições podem ser estabelecidas unilateralmente ou resultar de acordos entre os interessados; ser
fixadas por via directa ou indirecta (preços "sugeridos" ou "recomendados")ou, ainda, traduzir-se na imposição de preços fixos ou de limites máximos e mínimos.
Em princípio, semelhantes práticas revestem carácter abusivo e devem ser reprimidas. Sòmente na hipótese de respeitarem à protecção de uma marca, cujas características justifiquem a defesa das respectivas condições de comercialização, se admite que o titular da marca possa impor o preço dos seus artigos.
Esta salvaguarda afigura-se efectivamente necessária e consta da parte final da alínea em apreço. Mas será conveniente acrescentar a exigência de que se trate de marca "legalmente registada", nos termos da legislação sobre o assunto.
Além disso, a expressão "acordos" parece dever ser substituída por "contratos", dado ter significado técnico-jurídico mais preciso.
Propõe-se, assim, a redacção seguinte para esta alínea c):
Restringir, por qualquer forma, a liberdade de outrem estabelecer os preços ou as condições comerciais nos contratos que celebre com terceiros, desde que essa restrição não tenha por fim a protecção de uma marca legalmente registada.
59. A alínea d) contempla a prática, também muito frequente nas restrições à concorrência, da "recusa discriminatória de venda ou de compra".
Este tipo legal de comportamento inclui a figura de "boicotagem", isto é, o acordo ou acção concertada por via da qual determinadas empresas se comprometem a não ter relações comerciais com outra ou outras, nomeadamente recusando-se a vender-lhes ou a comprar-lhes quaisquer bens ou serviços.
Diz-se que a boicotagem é "directa" quando tem por objecto exercer pressão ou influência económica sobre certa empresa. Será "indirecta" no caso de visar não pròpriamente o comprador ou vendedor, mas terceiros com quem estes transaccionem 32.
Todas estas condutas devem considerar-se lesivas da concorrência, desde que se verifique o elemento essencial do carácter injustificadamente discriminatório da recusa a que se refere o preceito examinado 83.
80 Veja-se G. A. T. T., Les pratiques commerciales restrictives, cit., pp. 17-18; O. C. D. E., Glossaire de Termes, cit., pp. 56 e 74.
81 Dr. Alberto Xavier, ob. cit, p. 177.
82 O. C. D. E., Glossaire de termes, cit., pp. 48-50.
83 Veja-se sobre a matéria desta alínea, o estudo da O. C. D. E., Refus de vendre, Paris, 1969, e Dr. Alberto Xavier, cit., pp. 178-179.
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A alínea em causa menciona apenas a "recusa da venda ou da compra de produtos". Mas tal atitude pode respeitar também a "serviços" ou "processos técnicos". Assim, parece preferível dizer quaisquer bens ou serviços.
60. A alínea e) trata igualmente de práticas discriminatórias em razão das pessoas, no domínio dos preços e outras condições comerciais.
Consideram-se "preços discriminatórios", para os efeitos desta alínea, os que se fundam, não na qualidade dos produtos ou nas características da transacção, mas em motivos de ordem subjectiva, "quer resultem da nacionalidade, do local de residência, da sede ou de outras condições inerentes à pessoa do sujeito" 84.
Desde que a diferenciação dos preços tenha fundamento objectivo - despesas de transporte, seguro, comercialização, etc. - já não poderá falar-se em "discriminação" e, portanto, não haverá a conduta típica prevista nesta alínea.
Os preços diferenciais são normalmente utilizados por empresas em posição dominante, como meio de pressão para exigir das entidades com quem transaccionam contraprestações mais favoráveis. Outras vezes trata-se de obrigar os compradores a abastecer-se por determinadas vias de distribuição. Enfim, a diferenciação de preços pode servir de instrumento de eliminação da concorrência externa 85.
A única observação que suscita esta alínea é relativa às expressões "sistemática" ou "ocasionalmente", pois não se tem por viável qualquer intervenção dirigida a práticas "ocasionais". Julga-se, pois, de suprimir aqueles termos.
61. A alínea f) encara certas formas de condicionamento abusivo das transacções.
Trata-se dos chamados "acordos ligados" (tying arrangements) ou "acordos de venda condicionada" (conditional sales agreements) 87.
Para que possa considerar-se como prática restritiva da concorrência é, porém, "necessário que a subordinação, ligação ou condicionamento sejam arbitrários, isto é, que não tenham conexões directas com a operação, já pela sua própria natureza, já pelos usos do comércio" 88.
Cabe aqui o mesmo reparo formulado a propósito da alínea anterior. O condicionamento da venda pode não dizer respeito a um "produto", mas a um serviço, licença de fabrico ou processo tecnológico. A expressão bens ou serviços abrange-os a todos.
62. A limitação ou contrôle da produção, do desenvolvimento técnico e do investimento, de que trata a alínea g), é uma das mais significativas e características formas de actuação das empresas em posição preponderante com o fim de dominar a concorrência.
Dado que, em economia de mercado, o preço sofre a influência das quantidades oferecidas, as práticas tendentes a limitar a produção servem de complemento ou de sucedâneo à fixação dos preços de venda.
A limitação pode também ser qualitativa, mediante, a redução das variedades de um determinado produto 89.
Nada a objectar à redacção do preceito.
63. A última alínea deste n.° 1 da base IV reporta-se à prática de "repartir os mercados, produtos, clientes ou fontes de abastecimento".
Em primeiro lugar, repartir os mercados. Tem-se em vista, neste caso, uma distribuição territorial. Tal distribuição significa que várias empresas acordaram entre si ficar cada uma delas com o direito, preferenciai ou exclusivo, de produzir, vender, prestar serviços ou realizar outras operações numa zona determinada.
A repartição dos produtos implica igualmente um entendimento entre empresas que produzem, vendem ou compram produtos similares, as quais, para regular a concorrência entre si, acordam em atribuir a cada uma o direito exclusivo ou preferencial de produzir, comprar ou vender determinados produtos ou certa quantidade deles.
A repartição dos clientes e das fontes de abastecimento diz receito a condutas análogas, seja relativamente à faculdade de tratar com determinados clientes, seja ao direito de se abastecer em certos fornecedores.
Nesta categoria de práticas pode incluir-se a do profits pool, isto é, "o acordo pelo qual as empresas produtoras ou distribuidoras põem em comum os lucros imputáveis às suas vendas, rateando-os segundo proporções determinadas, em geral, pela produção anterior dos participantes 90.
A redacção da alínea não suscita qualquer observação.
64. Concluído o exame das diversas alíneas deste n.° 1 da base em apreço, importa fazer um juízo acerca da conveniência de, porventura, lhe acrescentar outras modalidades de práticas restritivas que devessem ser igualmente objecto de tipificação legal.
Percorrendo os elencos semelhantes que constam de regulamentações estrangeiras, encontra-se, por exemplo, na lei espanhola de 1963 a referência ao facto de "praticar uma política comercial tendente, por meio de concorrência desleal, a eliminar os concorrentes" [lei citada, artigo 3.°, alínea d)].
Não se considera, porém, que semelhante referência possa coadunar-se com os princípios informadores do diploma em apreciação.
Efectivamente, o conceito de "concorrência desleal" - como se lê em publicação da O. C. D. E, - tem alcance muito amplo e não se enquadra em tipos precisos de comportamento. Engloba todas as atitudes ou condutas que podem ser reputadas desleais ou desonestas pelos tribunais ou outros órgãos competentes para apreciar actos dessa natureza.
Por isso, a repressão da concorrência desleal, na generalidade dos países, é confiada às leis comerciais ou a leis especìficamente destinadas a esse fim.
A concorrência desleal e as práticas comerciais restritivas são, pois, noções distintas, embora tenham relações entre si. Em geral, as leis que reprimem as práticas restritivas têm em vista a concorrência "leal", sem embargo de tais práticas revestirem natureza "ilícita" quando produzem determinadas consequências em detrimento dos interesses dos consumidores ou da economia geral 91.
Em suma, não considera a Câmara de aditar qualquer alusão à "concorrência desleal" entre os tipos de condutas previstos nesta base IV.
Também a experiência não parece ter revelado outras práticas que, pelos seus efeitos sèriamente danosos, se
84 Dr. Alberto Xavier, ob. cit, p. 180.
85 Ver G. A. T. T., Les pratiques commerciales restrictives, cit., pp. 18-19.
86 Neste sentido, Dr. Alberto Xavier, ob. cit., p. 180, nota 157.
87 Ver O C. D. E., Glossaire, cit., pp. 54-57
88 Dr. Alberto Xavier, ob. cit., p. 181.
89 G. A T. T., ob, cit., p. 20.
90 O. C. D. E., Glossaire, cit., pp. 36 e 44; Dr. Alberto Xavier, ob. cit., pp. 182-183.
91 O. C. D. E., Glossaire, cit., p. 80. Veja-se também sobre esta matéria Émile Bert, Traité théorique et pratique de la concurrence-déloyale, Paris, s/d.
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devam incluir na tipificação legal. Aliás, os resultados da execução do diploma em perspectiva e a conveniência de ir adaptando as suas normas à evolução das condições económicas irão eventualmente apontando novas formas de actuação anticoncorrencial a abranger nas malhas da lei.
65. O n.° 2 da base IV classifica igualmente como práticas restritivas da concorrência "as que como tal forem consideradas pelas convenções ou acordos internacionais de que Portugal faça parte".
Este preceito, cuja inclusão no projecto se impunha a todas as luzes, é, no entanto, susceptível de introduzir algum elemento discricionário na qualificação das condutas lesivas da concorrência - em oposição ao princípio da tipicidade em que assenta o diploma.
Na verdade, os instrumentos internacionais nesta matéria não seguem, como ficou dito, o sistema de enumeração taxativa das práticas anticoncorrenciais, embora, por vezes, como sucede no tratado da C. E. E., contenham uma lista exemplificativa dessas práticas. Assim, pode suceder que uma conduta considerada restritiva da concorrência segundo a interpretação consagrada do texto internacional aplicável não se enquadre em nenhuma das alíneas do n.° 1 desta base IV.
Porque se tratará certamente de hipótese excepcional, não se afigura que daí advenha inconveniente apreciável, sendo certo, aliás, que as autoridades portuguesas teriam, em todo o caso, de dar exacto cumprimento às normas internacionais na matéria.
Feitas estas observações, o único reparo que suscita o preceito em análise é de ordem puramente formal e diz respeito à repetição do termo "consideradas". Alvitra-se a seguinte redacção:
2. Consideram-se igualmente práticas restritivas da concorrência as que como tal forem, qualificadas pelas convenções ou acordos internacionais de que Portugal faça parte.
Base V
66. Destina-se esta base a completar a tipificação positiva das práticas anticoncorrenciais efectuada na base anterior, com a enunciação negativa dos casos em que certas condutas similares das "restritivas" não devem sor consideradas ilícitas.
Revela bem este preceito o cuidado que mereceu ao Governo a elaboração do projecto em apreço, a fim de evitar que, em assunto de tamanho melindre, a lei pudesse ser interpretada e aplicada de modo a causar perturbações às actividades económicas, qualificando de indevidos certos procedimentos correntes da vida comercial.
Também sob este aspecto se procurou dar contorno preciso às situações excluídas, descrevendo com o necessário pormenor os tipos de práticas não susceptíveis de sanção.
A orientação assim definida recolhe, em princípio, o aplauso da Câmara. Apenas se sugere que, em lugar da expressão "sem prejuízo da aplicação da base IV...".
67. A alínea a) desta base V começa por ressalvar os casos de integração vertical, em que se reúnem, na mesma empresa ou agrupamento de empresas, diversas unidades ou estabelecimentos correspondentes a estádios complementares de um determinado processo de produção ou comercialização.
Esta forma de concentração empresarial é, em si mesma, desejável e constitui, nas circunstâncias presentes da economia portuguesa, um dos desideratos das políticas económica e fiscal do Governo, conforme já houve ensejo de referir (supra n.°s 24 e seguintes).
68. Na alínea b) excluem-se da qualificação de prática restritiva os contratos ou acordos de concessão de exclusivos (exclusive dealing agreements), hoje em dia correntes na vida comercial.
Não há dúvida de que tais acordos restringem a concorrência e implicam mesmo, em certos casos, a recusa de venda. Observa-se em estudo sobre o assunto que "a maior parte das legislações de defesa da concorrência renunciaram a tomar uma posição frontalmente condenatória quanto à referida prática [...] Com as reservas introduzidas pelos efeitos negativos de uma duração excessiva dos aludidos contratos [...] parece de aceitar em geral uma prática que pode ter motivos bem legítimos, como os da confiança, de assegurar uma maior disciplina, na localização das actividades [...] e garantir mesmo o prestígio e a qualidade de um produto de marca. Sobretudo em economias em que o desenvolvimento é extremamente concentrado por pólos, conduzindo a amplos desníveis regionais, não se afigura prudente contrariar uma prática que, pela própria concorrência que se estabelece na conquista de "áreas de monopólio relativo", possa conduzir a uma maior disseminação territorial dos efeitos do progresso económico" 92.
A Câmara, embora reconheça inconvenientes na consagração legal de semelhante prática, não deixa de considerar dignas de ponderação as reflexões que acabam de transcrever-se.
Além disso, cumpre ter em conta que as hipóteses previstas nesta base V devem entender-se, conforme consta do corpo da mesma base, "sem prejuízo do disposto na base IV".
Quer dizer: se da execução de um contrato de exclusivo resultarem determinadas situações de abuso, designadamente não conformes aos usos comerciais que a alínea em causa manda respeitar, e passe a ser nítida a sua qualificação entre as práticas restritivas contempladas na base IV, em especial as das alíneas d) e h), parece irrecusável que, nesses casos, não é de manter o benefício da exclusão, e tais situações derem cessar.
Com esta ressalva, a Câmara não se opõe à manutenção da alínea em apreço, apenas sugerindo, quanto à forma, a substituição da expressão "contratos de concessão exclusiva" por "contratos ou acordos de exclusivo", de harmonia com a nomenclatura internacional, e a de "zona afectada" pela de "zona atribuida".
69. As alíneas c), d) e e) dizem respeito a várias modalidades de acordos de cooperação entre empresas, nos domínios da aplicação de normas e tipos, da investigação tecnológica, e da compra e venda em comum para aperfeiçoamento dos métodos de produção e distribuição.
Nada tem a Câmara a objectar quanto ao fundo ou quanto à forma, relativamente a estas disposições. Considera, no entanto, conveniente acrescentar, a estes tipos de acordos, um outro que, hoje em dia, tem igualmente muito interesse para a racionalização da produção. Trata-se dos chamados "acordos de especialização", segundo os quais as empresas participantes decidem que cada uma delas se dedique especialmente à produção de certas mercadorias ou serviços. Daí o designarem-se também por
92 Dr. Alberto Xavier, ob. cit., pp. 187-188. O resumo das disposições das leis estrangeiras e internacionais sobre este problema pode ver-se na citada publicação da O. C. D. E., Résume comparatif de législations sur les pratiques commerciales restritives, tableau XIII (Contrat d' Exçlusivité),. pp. 101-108.
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"acordos de racionalização". Como já se referiu (supra, n.º 14), o Tratado da C. E. C. A. prevê expressamente
esta modalidade de acordos no seu artigo 65.°, n.° 2. Propõe-se, assim, a inclusão de nova alínea, que será a f), do seguinte teor:
f) Os acordos de especialização, com vista a racionalizar a produção de certos bens ou serviços.
70. Os acordos entre exportadores, ou associações de exportadores, para defesa da qualidade ou do preço dos produtos - objecto da alínea f), que passa a g) - revestem-se de manifesto interesse, sobretudo nas condições presentes da economia nacional.
A Câmara dá, pois, o seu acordo à inclusão desta alínea.
71. Por último, considera-se inteiramente fundada a exclusão das práticas restritivas a que se refere a alínea g) - que passa a h)-, ou seja, os casos em que qualquer das condutas enunciadas na base IV "sejam impostas ou autorizadas por lei ou regulamento do Governo".
Trata-se de hipótese contemplada na maior parte das legislações estrangeiras e que não carece de justificação especial.
Apenas se afigura preferível dizer "por disposição legal ou regulamentar", em vez da fórmula usada no final do preceito.
Base VI
72. Consagra-se nesta base o princípio de que o delito antieconómico constitui uma infracção autónoma, cuja punição é independente do processo de repressão das práticas restritivas estabelecido na lei de defesa da concorrência.
A fim de vincar melhor aquele princípio, a Câmara sugere apenas que a expressão "sem prejuízo do que se dispõe na presente lei" seja transposta para o início do preceito.
CAPITULO III
Dos órgãos e do processo
Base VII
73. As bases VII a XIII constituem o capítulo III do projecto sob a epígrafe "Dos órgãos e do processo".
A primeira destas disposições confia ao Conselho Superior de Economia a investigação dos factos que integram as práticas referidas na base IV.
Para tanto, prevê-se no mesmo preceito que aquele Conselho seja reorganizado.
O Conselho Superior de Economia foi criado pelo Decreto-Lei n.° 49 122, de 15 de Julho de 1969, na dependência directa do Ministro da Economia, que a ele preside (decreto-lei citado, artigo 1.°).
De harmonia com o mesmo diploma, o Conselho "tem funções puramente consultivas", funcionando com três secções - Agricultura, Comércio e Indústria -, cada uma presidida pelo respectivo Secretário de Estado (artigos 2.° e 3.°).
Compete ao Conselho auxiliar o Ministro e os Secretários de Estado no estudo dos "problemas fundamentais da economia nacional" e, nomeadamente, dar pareceres sobre "política agrícola, comercial e industrial, estratégia sectorial, organização de circuitos de distribuição, expansão económica, implantação regional e integração em grandes espaços económicos" (artigo 2.°). Esta súmula da actual orgânica e competência do Conselho confirma, de forma bem evidente, a necessidade da sua reorganização, a que alude o n.° 2 da base em apreço, se vier a desempenhar as funções previstas no projecto.
O direito comparado oferece-nos, a respeito dos órgãos encarregados de aplicar as leis de defesa de concorrência baseadas no sistema do dano efectivo, duas soluções fundamentais:
a) Órgão administrativo, com recurso, em certos casos, para os tribunais;
b) Órgão jurisdicional, ordinário ou especial.
A maior parte dos países adopta a primeira solução. As autoridades administrativas dos sectores económicos são as competentes na Bélgica (Ministro dos Assuntos Económicos), Inglaterra (Ministro do Comércio); Holanda (Ministro dos Assuntos Económicos); C. E. E. (Comissão da Comunidade) e C E. C. A. (Alta Autoridade).
Noutros países existem organismos especiais para esse efeito: Dinamarca (Serviço de Contrôle dos Monopólios), Alemanha (Repartição Federal das Coligações), Noruega (Conselho dos Preços) e Suécia (Conselho da Liberdade Económica).
Nos países que consagram a solução jurisdicional, a aplicação da lei é confiada, na França e na Suíça, aos tribunais ordinários e, na Espanha, a um tribunal especial (Tribunal de Defesa da Concorrência).
Das decisões dos órgãos, administrativos há normalmente recurso para os tribunais, excepto na Inglaterra, Noruega e Suécia, em que tais decisões são definitivas. Das decisões judiciais, em França e Espanha, há recurso para as instâncias competentes. Na Suíça, os acórdãos do Tribunal Federal são insusceptíveis de apelo.
A competência dos tribunais de recurso abrange tanto a matéria de facto como a de direito na maioria das legislações. Sòmente na Bélgica, na Holanda e na C. E.C. A. tal competência é limitada a certos pontos de direito 93.
As questões relatavas à aplicação de uma lei de defesa da concorrência, como a formulada no projecto, revestem, simultâneamente, aspectos técnico-económicos e aspectos jurídico-penais.
Para os primeiros mostra-se em princípio mais apropriada a intervenção de um órgão de natureza administrativa, particularmente apto, pela sua composição e pelo recurso a serviços especializados, a conhecer e apreciar os factos que integram as práticas restritivas e a indicar as providências destinadas a fazê-las cessar.
Em relação à segunda ordem de problemas, isto é, quando se trata já de aplicar sanções penais ou outras, o nosso sistema jurídico reclama a intervenção de um órgão jurisdicional, que, neste caso, devem ser os tribunais ordinários (Constituição Política, artigos 116.° e 117.°).
Considera a Câmara que o projecto encara de forma equilibrada esta matéria, pois confia a um órgão superior da Administração o conhecimento e apreciação dos factos a que respeitam as condutas anticoncorrenciais e a decisão sobre as medidas necessárias para reprimi-las (bases VII a XI). E comete aos tribunais criminais a aplicação das penas previstas no diploma (bases III, n.° 2, XII e XIII).
A solução de entregar ao Conselho Superior de Economia, convenientemente reestruturado, as funções técnico-económicas acima referidas, parece de aceitar, evitando-se assim a criação de um novo organismo para esse efeito.
Também se considera de acolher o princípio, a que se refere o n.° 1 da base em discussão, de que a investigação é secreta e de que nela colabora a Inspecção-Geral das Actividades Económicas.
93 O. C. D. E., La puissance économique et la loi, cit., pp. 179-181.
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Anote-se que, na reorganização desta Inspecção-Geral, efectuada recentemente pelo Decreto-Lei n.° 452/71, de 27 de Outubro, já se prevê, entre as suas atribuições, a de "colaborar com o Conselho Superior de Economia, designadamente no referente à investigação dos factos que se traduzem em práticas restritivas da concorrência" [decreto-lei citado, artigo 2.°, n.° 1, alínea h), e artigo 5.°, n.° 1. alínea e)].
74. No n.° 3 desta base VII estabelece-se que "as reuniões do Conselho serão presididas por vogal designado pelo Ministro da Economia e nelas participarão os presidentes das corporações e os delegados dos serviços dos Ministérios ou institutos públicos que superintendam nos sectores a que o processo respeita".
A Câmara dá o seu aplauso à participação prevista dos presidentes das corporações, bem como às dos delegados da Administração a que o preceito alude.
Relativamente aos presidentes das corporações, deverá prever-se que eles podem fazer-se substituir pelos vice-presidentes ou por delegados especialmente designados para o efeito. E também convirá salvaguardar o equilíbrio da participação dos vários sectores, de modo que o número de representantes das corporações não seja inferior nem superior aos dos delegados da Administração. Não parece, no entanto, apropriado falar-se em "reuniões do Conselho presididas por um vogal". Julga-se, que na futura orgânica, do Conselho seria de prever uma nova secção - Defesa da concorrência - presidida por individualidade de prestígio designada pelo Ministro da Economia, tal como às secções já existentes presidem os Secretários de Estado.
Além disso, dado que, ao lado dos aspectos técnico-económicos, o Conselho terá de resolver questões de natureza jurídica, nomeadamente as relativas à qualificação dos factos como práticas restritivas da concorrência, a Câmara considera muito conveniente que a nova secção seja assistida por um assessor jurídico, embora sem voto.
Propõe-se, em suma, que o teor deste n.° 3 da base VII passe a ser o seguinte:
3. Para os efeitos a que se referem os n.ºs 1 e 2 desta base, será criada uma nova secção no Conselho, presidida por individualidade designada pelo Ministro da Economia, e na qual participarão os presidentes das corporações e os delegados dos serviços dos Ministérios ou institutos públicos que superintendem nos sectores a que os processos respeitem. Os presidentes das corporações poderão fazer-se substituir pelos vice-presidentes ou por representantes especialmente designados. A secção será assistida por um assessor jurídico, sem voto, designado pelo Ministro de entre doutores ou licenciados em Direito.
75. O n.° 4 da base em discussão regula a composição do Conselho para apreciar os casos que lhe sejam submetidos.
A ressalva a que alude o início do preceito deve ser suprimida pelas razões adiante expostas a propósito da base X. Assim, e em face do que se sugeriu a propósito do n.° 3, a redacção será a que seguidamente se indica:
4. A secção do Conselho prevista no número precedente não reunirá com número inferior três nem superior a sete membros, cabendo ao presidente determinar a sua composição para cada caso, de modo a assegurar, tanto quanto possível, participação paritária aos representantes das corporações e aos restantes vogais, e designar o relator.
Base VIII
76. Prevê-se no n.° 1 desta base que o Conselho possa promover a instrução dos processos "por sua iniciativa".
A Câmara está de acordo com o princípio, mas alvitra que, em lugar daquelas palavras, se use a expressão oficiosamente, por mais adequada do ponto de vista jurídico.
77. Na alínea c) fala-se em "titular de interesse directo". De harmonia com a doutrina e a jurisprudência administrativas, é mais apropriado dizer titular de interesse directo, pessoal e legitimo, esclarecendo-se que a palavra "pessoal" tanto diz respeito a pessoas singulares como colectivas.
78. Em face do exposto, propõe-se para o n.° 1 da base VIII o texto que segue:
1. O Conselho, pela secção a que se refere o n.º 3 da base VII, promoverá a instrução oficiosamente ou quando tal lhe seja requerido:
a) (Sem alteração);
b) (Sem alteração);
c) Por quem seja titular de interesse directo, pessoal e legitimo.
Os n.°s 2 e 4 desta base não suscitam qualquer observação. Quanto ao n.° 3, devem as referências ser agora reportadas aos artigos 11.°, 12.°, 17.°, 18.° e 19.° do citado Decreto-Lei n.° 452/71, de 27 de Outubro.
Base IX
79. Ao examinarem-se, na primeira parte deste parecer, os princípios informadores do projecto, no tocante aos meios de acção contra as práticas lesivas da concorrência (supra, n.ºs 41 e 42), já houve ensejo de tecer considerações acerca do significado e alcance deste preceito.
Como então se fez notar, não basta que o órgão encarregado da execução da lei recomende aos infractores que cessem as práticas indevidas ou os seus efeitos. É necessário que, na falta de cumprimento de tal recomendação, possa ser declarada, por esse mesmo órgão ou, de preferência, pelos tribunais que vão aplicar as penas; a ineficácia dos actos em que se traduzem as condutas objecto de repressão.
De outro modo, os responsáveis pagariam as multas que lhes fossem impostas, mas as práticas, cujos efeitos se pretendia fazer cessar, continuariam a produzi-los.
Trata-se, porém, de aditamento a inserir na base XIII.
A expressão "recomendar", que se lê no preceito em análise, não parece coadunar-se com os efeitos penais do incumprimento da "recomendação". Parece, assim, mais harmónico com a gravidade desses efeitos que se empregue a expressão "notificar", aliás própria do direito processual.
Também se considera preferível o termo "providências" em lugar de "medidas".
Por último, afigura-se conveniente referir o prazo mínimo para cumprimento da deliberação do Conselho. Dada a natureza e melindre dos problemas em causa, julga-se que ele não deverá ser inferior a trinta dias.
Nestes termos, a redacção desta base IX passaria a ser a seguinte:
Base IX
Se da instrução resultar a existência de qualquer das práticas restritivas a que se refere a base IV, o Conselho fará notificar aquele ou aqueles a quem sejam imputáveis para adoptarem as providências in-
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dispensáveis à sua cessação ou à cessação dos seus efeitos, fixando um prazo não inferior a trinta dias para cumprimento da notificação.
Base X
80. Os n.ºs 1 e 2 desta base admitem reclamação para o plenário do Conselho Superior de Economia das deliberações do mesmo Conselho ou, mais pròpriamente, da secção prevista aquando do exame da base VII. E no n.° 3 preceitua-se que não cabe recurso da deliberação que julgar, a reclamação.
Em primeiro lugar, entende a Câmara não ser indicado o recurso para o Conselho funcionando em sessão plena, dada a composição das restantes secções, estranhas, como é óbvio, à apreciação de questões desta, natureza. Poderia, talvez, encarar-se a reclamação para o plenário da própria secção, mas, dada a limitação do número de vogais estabelecida na base VII, só excepcionalmente esse plenário teria uma maioria de membros que não tivessem já intervindo no julgamento perante a secção.
De outro lado, a proibição de recurso estatuída no n.° 3 da base em apreço mostra-se inconstitucional, em face do disposto no n.° 21 do artigo 8.° da Constituição Política, na redacção vigente, segundo a qual constitui garantia individual dos cidadãos portugueses "haver recurso contencioso dos actos administrativos e executórios que sejam arguidos de ilegalidade".
Tudo ponderado, julga a Câmara que a solução mais correcta do ponto de vista jurídico é a de admitir recurso contencioso directo para o Supremo Tribunal Administrativo das deliberações do Conselho, pela secção de Defesa da concorrência, que sejam arguidas de ilegalidade.
A base X passaria a rezar assim:
Das deliberações do Conselho Superior de Economia, pela secção a que se refere o n.° 3 da base VII, quando arguidas de ilegalidade, haverá recurso, nos termos gerais de direito, para o Supremo Tribunal Administrativo.
Base XI
81. Nada a observar quanto ao fundo.
A Câmara entende, todavia, que a matéria dos n.°s 1 e 2 desta base deverá, na ordem lógica, figurar imediatamente após a base VIII, passando a constituir a base IX. E o n.º 3 será integrado como n.° 2 da base X, que passa a XI.
Base XII
82. Relativamente ao n.° 1, e pelas mesmas razões já expendidas a propósito do n.° 2 da base III, afigura-se
à Câmara que o limite mínimo da multa deverá ser reduzido para 100 000$.
Quanto ao n.° 2, afigura-se inadequado acrescer à multa as penas estabelecidas para o crime de desobediência qualificada (prisão e multa), sendo certo que as sanções, no contexto do projecto, se dirigem em primeira linha a pessoas colectivas.
Mas convém estender aqui a regra já introduzida na base III acerca da responsabilidade solidária das sociedades pelas multas aplicadas. Com mais alguns retoques de forma, alvitra-se a redacção seguinte:
Base XII
1. A falta de cumprimento das providências fixadas pelo Conselho Superior de Economia, no prazo que for designado, é punida com multa de 100 000$ a 10 000 000$.
2. No caso de reicindência, os limites mínimo e máximo da multa são elevados ao dobro.
3. Ao pagamento das multas cominadas nesta base é aplicável o disposto no n.° 3 da base III.
Base XIII
83. Regula-se nesta disposição a fase jurisdicional do processo, confiando-se aos tribunais ordinários, de harmonia com os princípios constitucionais já referidos, a aplicação das penas de multa cominadas na base precedente.
Todavia, e certamente com o intuito de rodear de determinadas cautelas o julgamento destas infracções, atenta a sua gravidade e natureza especial, contém a disposição em apreço vários desvios às regras normais do processo penal, que importa ponderar devidamente para ver se se justificam.
Antes de mais, o n.° 1 restringe ao foro criminal de Lisboa a competência para o julgamento dos processos e aplicação das respectivas penas, o que contraria a regra geral de que "é competente para conhecer de uma infracção o tribunal em cuja área ela se consumou" (Código de Processo Penal, artigo 45.°).
Este princípio assenta, fundamentalmente, na consideração da comodidade dos povos e do mais fácil acesso aos meios de prova, exigências que poderão ser afectadas pelo desaforamento previsto na disposição em causa.
Por isso, só em casos excepcionais tal princípio não ó observado, como sucede nos crimes contra a segurança interior e exterior do Estado (tribunais criminais de Lisboa e Porto), bem como nos delitos contra a saúde pública (Tribunal Colectivo dos Géneros Alimentícios, com sede em Lisboa).
Relativamente às infracções de que trata o projecto em apreço, não julga a Câmara haver razões de peso a justificar o desaforamento, sendo certo que tais infracções se resolvem, afinal, na qualificação de crimes de desobediência-"falta de cumprimento das providências fixadas pelo Conselho".
Sòmente, dada a especial natureza dos factos objecto de incriminação, considera-se conveniente a intervenção
dos tribunais colectivos, e não apenas do juiz singular.
Assim, o n.° 1 da base em apreço teria esta redacção:
1. A aplicação das penas previstas na base anterior compete aos tribunais colectivos.
84. No n.° 2 desta base XIII limita-se o poder de cognição do tribunal ao não cumprimento das medidas fixadas pelo Conselho.
Pretende-se, assim, evitar que o tribunal ordinário entre na apreciação da legalidade da deliberação do Conselho, que é certamente controlável, mas sòmente no foro administrativo, como acima ficou referido a propósito da base X.
A competência do tribunal ordinário, não abrangendo, pois, o aludido domínio da legalidade da deliberação, envolve certamente os vários aspectos relacionados com o incumprimento das providências fixadas pelo Conselho, tais como a conduta adoptada em face delas, a existência de dolo, ou de negligência ou mera culpa, a não exigibilidade, etc., e, depois, as circunstâncias que influem na medida da pena.
85. O n.° 3 da base em apreciação preceitua que a forma de processo a seguir é a de querela - a mais solene admitida pelo nosso direito - o que constitui novo desvio às regras gerais, pois que, atenta a natureza da sanção - multa - o processo aplicável seria o correccional (Código de Processo Penal, artigo 64.°).
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Compreende-se, no entanto, a preferência pela querela, considerando a intervenção do tribunal colectivo e a circunstância de aquela forma processual permitir mais ponderada apreciação, dos factos.
A Câmara aceita, pois, que se adopte essa forma, com as necessárias adaptações.
86. É este o lugar próprio para inserir o aditamento alvitrado a propósito, da base IX, isto é, a declaração da ineficácia dos actos, contratos ou acordos que integrem as práticas restritivas objecto da repressão.
Para esse efeito, inclui-se um novo preceito na base em apreço, que tomará o n.° 4, com o teor adiante mencionado.
87. O n.° 4 da base XIII - que passaria a n.° 5 - contém outro desvio, que consiste num recurso per saltum, isto é, interposto directamente para o Supremo Tribunal de Justiça sem passar primeiro pela instância imediatamente inferior: o Tribunal da Relação.
Acolhe-se esta solução em virtude de o recurso ser restrito à matéria de direito e atenta a natureza, das infracções em causa.
88. Em face das considerações precedentes, a Câmara propõe a seguinte redacção para a base XIII:
1. A aplicação das penas previstas na base anterior compete aos tribunais colectivos.
2. O tribunal não poderá apreciar a legalidade da deliberação do Conselho Superior de Economia que fixe as providências a adoptar pelos infractores, mas sòmente os aspectos relacionados com o incumprimento dessas providências.
3. (Sem alteração).
4. Conjuntamente com a aplicação das penas que ao caso couberem, o tribunal declarará a ineficácia dos actos, contratos ou acordos que integrem as práticas restritivas imputadas aos arguidos.
5. (O actual n.° 4, sem alteração).
CAPITULO IV
Disposições finais
Base XIV
89. O n.° 1 exclui o Estado, os serviços personalizados e as fundações públicas da aplicação do diploma.
Compreende-se tal exclusão enquanto o Estado e as demais entidades referidas no preceito agem na qualidade de sujeitos de direito público. Mas já suscita dúvidas essa providência quando aquelas entidades actuam na qualidade de sujeitos de direito privado, exercendo actividades de natureza comercial ou industrial, como sucede em diversos casos.
Nestas hipóteses, parece que tanto o Estado como as demais pessoas colectivas de direito público devem ficar abrangidos pela lei de defesa da concorrência.
Semelhante orientação é, aliás, consagrada expressamente em algumas legislações estrangeiras.
Julga-se ser esta, igualmente, a solução mais conforme aos princípios gerais do direito português.
Assim, propõe-se que ao n.° 1 se dê a seguinte redacção:
1. A presente lei não se aplica ao Estado e demais pessoas colectivas de direito público, salvo na medida em que exerçam actividades de natureza comercial ou industrial reguladas pelo direito privado.
90. As providências a que alude o n.° 2 desta base revelam-se inteiramente fundadas, a fim de evitar que a defesa da concorrência vá perturbar, em vez de auxiliar, determinados sectores económicos, como entre nós com o sector agrícola.
Do mesmo modo, podem as exigências da conjuntura aconselhar, em dado momento e para certos ramos de actividade, a suspensão temporária das disposições da lei.
Convém apenas acrescentar que tal suspensão poderá incidir sobre todos os preceitos legais ou apenas sobre alguns deles, conforme as circunstâncias.
Para tanto, bastará, que à expressão "temporàriamente aplicáveis" se adite estoutra - no todo ou em parte.
Base XV
91. Nada a observar ao n.° 1.
Quanto ao n.° 2, dir-se-á apenas que a revisão decenal, estabelecida entre nós para a Constituição, parece menos apropriada relativamente a uma lei que, por natureza, deve ajustar-se às mutações da vida económica, em nossos dias muito rápidas e, por vezes, profundas.
Talvez seja, por isso, preferível não inserir semelhante regra, a fim de não ser desrespeitada se houver conveniência em alterar o diploma antes de decorrida a década respectiva...
Sugere-se, pois, a eliminação desse passo do preceito em causa.
III
Conclusões
92. A Câmara Corporativa, em conclusão, reafirma a concordância na generalidade com o projecto de proposta de lei n.° 7/X e, pelas razões aduzidas na especialidade, sugere nova redacção do projecto nos termos seguintes, pondo em itálico as alterações introduzidas:
CAPITULO I
Disposições gerais
BASE I
Cabe ao Estado, institutos públicos, autarquias locais e organismos corporativos assegurar as condições de uma justa e efectiva concorrência, com vista ao desenvolvimento económico e social do País, tendo em conta a estrutura do mercado, a situação conjuntural, a concorrência externa e as demais circunstâncias de cada sector da economia.
BASE II
O Governo estimulará a racionalização das estruturas produtivas, mediante a concessão de benefícios fiscais ou por qualquer outra forma adequada, quando em determinado sector da economia se verifique uma situação concorrencial excessiva ou insuficiente.
BASE III
1. Sempre que em um ou mais sectores de actividade a evolução da produção e das trocas, as flutuações anormais ou a rigidez dos preços e a situação de preponderância das empresas levem a presumir que a concorrência se encontra sèriamente afectada, cumpre ao Governo ordenar inquéritos sectoriais, podendo para tanto exigir às empresas do sector em causa os elementos indispensáveis para a apreciação
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da estrutura e comportamento do mercado, nomeadamente os acordos, decisões ou práticas concertadas.
2. A recusa de informações, a inexactidão das informações prestadas, a ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação de documentos serão punidas pelos tribunais ordinários com multa de 50 000$ a 1 000 000$, salvo se, pela lei penal comum, lhe corresponder pena mais grave, que será a aplicável. No caso de mera negligência, a pena será a de multa de 5000$ a 50 000$.
3. As sociedades respondem solidàriamente pelas multas, nos termos do artigo 3° do Decreto-Lei n.º 41 204, de 24 de Julho de 1957.
CAPITULO II
Das práticas restritivas da concorrência
BASE IV
1. (Sem alteração.)
a) (Sem alteração.)
b) (Sem alteração.)
c) Restringir, por qualquer forma, a liberdade de outrem estabelecer os preços ou as condições comerciais nos contratos que celebre com terceiros, desde que essa restrição não tenha por fim a protecção de uma marca legalmente registada;
d) Recusar a venda ou a compra de quaisquer bens ou serviços, desde que a recusa tenha carácter discriminatório, por depender exclusivamente da pessoa do comprador ou do vendedor;
e) Aplicar, nas vendas ou nas compras, preços ou condições subsidiárias que, em igualdade de outras circunstâncias e independentemente das despesas de transporte, seguro e comercialização, variem conforme as pessoas com quem se realizam as transacções;
f) Subordinar a venda ou a compra de quaisquer bens ou serviços a uma dada quantidade, ou à compra ou venda de outro ou outros bens ou serviços, desde que essa subordinação, pela sua natureza ou pelos usos comerciais, não tenha ligação directa com a referida operação;
g) (Sem alteração.)
h) (Sem alteração.)
2. Consideram-se igualmente práticas restritivas da concorrência as que como tal forem qualificadas pelas convenções ou acordos internacionais de que Portugal faça parte.
BASE V
1. Sem prejuízo do disposto na base IV, não são consideradas, em si mesmas, práticas restritivas, para efeito da presente lei:
a) (Sem alteração.)
b) Os contratos ou acordos de exclusivo, de duração conforme aos usos comerciais, em que o concedente se obriga a não aceitar outro distribuidor na zona atribuída ao seu concessionário... (sem alteração);
c) (Sem alteração.)
d) (Sem alteração.)
e) (Sem alteração.)
f) Os acordos de especialização, com vista a racionalizar a produção de certos bens ou serviços;
g) [A actual alínea f), sem alteração];
h) Os casos em que as condutas referidas na base IV sejam impostas ou autorizadas por disposição legal ou regulamentar.
BASE VI
Sem prejuízo do disposto na presente lei, se os factos mencionados na base IV tiverem a natureza de delitos antieconómicos, nos termos do Decreto-Lei n.º 41 204, de 24 de Julho de 1957, deverá seguir-se o procedimento aí estabelecido.
CAPITULO III
Dos órgãos e do processo
BASE VII
1. (Sem alteração.)
2. (Sem alteração.)
3. Para os efeitos a que se referem os n.ºs 1 e 2 desta base, será criada uma nova secção no Conselho, presidida por individualidade designada pelo Ministro da Economia, e na qual participarão os presidentes das corporações e os delegados dos serviços dos Ministérios ou institutos públicos que superintendem nos sectores a que os processos respeitem. Os presidentes das corporações poderão fazer-se substituir pelos vice-presidentes ou por representantes especialmente designados. A secção será assistida por um assessor jurídico, sem voto, designado pelo Ministro de entre doutores ou licenciados em Direito.
4. A secção do Conselho prevista no número precedente não reunirá com número inferior a três nem superior a sete membros, cabendo ao presidente determinar a sua composição para cada caso, de modo a assegurar, tanto quanto possível, participação paritária aos representantes das corporações e aos restantes vogais, e designar o relator.
BASE VIII
1. O Conselho, pela secção a que se refere o n.º 3 da base VII, promoverá a instrução oficiosamente ou quando tal lhe seja requerido:
a) (Sem alteração.)
b) (Sem alteração.)
c) Por quem seja titular de interesse directo, pessoal e legitimo.
2. (Sem alteração.)
3. Ao exercício das funções de investigação nos processos de que trata esta lei são aplicáveis os artigos 11.º, 12.°, 17.°, 18.º e 19.° do Decreto-Lei n.° 452\ 71, de 27 de Outubro.
4. (Sem alteração.)
BASE IX
1. O Conselho Superior de Economia não deliberará sem que àqueles a quem sejam imputadas as práticas restritivas seja dada a oportunidade de se defenderem por escrito, salvo se o presidente entender necessária a sua audiência oral.
2. Para o efeito previsto no número anterior, poderão as pessoas nele indicadas fazer-se representar por advogado e assistir por perito da sua escolha.
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1054 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 81
BASE X
Se da instrução resultar a existência de qualquer das práticas restritivas a que se refere a base IV, o Conselho fará notificar aquele ou aqueles a quem sejam imputáveis para adoptarem as providências indispensáveis à sua cessação ou à cessação dos seus efeitos, fixando um prazo não inferior a trinta dias para cumprimento da notificação.
BASE XI
1. Das deliberações do Conselho Superior de Economia, pela secção a que se refere o n.º 3 da base VII, quando arguidas de ilegalidade, haverá recurso, nos termos gerais de direito, para o Supremo Tribunal Administrativo.
2. As deliberações do Conselho deverão ser sempre fundamentadas, constar de acta, ser notificadas aos interessados e oficiosamente comunicadas ao Ministro da Economia.
BASE XII
1. A falta de cumprimento das providências fixadas pelo Conselho Superior de Economia é punida
com multa de 100 000$ a 10 000 000$.
2. No caso de reincidência, os limites mínimo e máximo da multa, são elevados ao dobro.
3. Ao pagamento das multas cominadas nesta base é aplicável o disposto no n.º 3 da base III.
BASE XIII
1. A aplicação das penas previstas na base anterior compete aos tribunais colectivos.
2. O tribunal não poderá apreciar a legalidade da deliberação do Conselho Superior de Economia que fixe as providencias a adoptar pelos infractores, mas somente os aspectos relacionados com o incumprimento dessas providências.
3. (Sem alteração.)
4. Conjuntamente com a aplicação das penas que ao caso couberem, o tribunal declarará a ineficácia dos actos, contratos ou acordos que integrem as práticas restritivas imputadas aos arguidos.
5. (O actual n.° 4, sem alteração.)
CAPITULO IV
Disposições finais
BASE XIV
1. A presente lei não se aplica ao Estado e demais pessoas colectivas de direito público, salvo na medida em que exerçam actividades de natureza o ciai ou industrial reguladas pelo direito privado.
2. O Conselho de Ministros, sob parecer do conselho Superior de Economia, pode, por decreto fundamentado, declarar as disposições da presente lei temporàriamente inaplicáveis, no todo ou em parte:
a) (Sem alteração.)
b) (Sem alteração.)
BASE XV
1. (Sem alteração.)
2. Esta lei entra em vigor com o decreto que regulamentar.
Palácio de S. Bento, 16 de Novembro de 1971.
Eugénio Queiroz de Castro Caldas.
Hermes Augusto dos Santos.
José Fernando Nunes Barata.
Manuel Jacinto Nunes.
Adelino da Palma Carlos.
Augusto de Sá Viana Rebello.
Diogo Freitas do Amaral.
Eduardo Augusto Arala Chaves. (Vencido quanto às bases VI e XIII. Sem a primeira, o concurso de infracções ou de leis resolver-se-ia nos termos da lei geral, colhidos nos artigos 38.º e 102.° do Código Penal, e com a base VI pode erradamente supor-se que alguma coisa se quis alterar; assim, a base vi ou è inútil, por repetitiva, ou é prejudicial, por sugerir o que não foi desejado.
Quanto à base XIII, votei contra o desaforamento que estabelece e contra a alteração consequente das regras comuns de competência e de processo. Na estrutura do diploma, os tribunais conhecem apenas da desobediência às determinações do Conselho Superior de Economia, e portanto conhecem da legalidade e da legitimidade da ordem e do seu incumprimento. Não se justifica para tanto nem desaforamento, nem a forma mais solene do processo criminal.)
Fernando Carvalho Seixas.
Jacob Perianes Palma.
João Ubach Chaves.
Joaquim Trigo de Negreiros.
Jorge Augusto Caetano da Silva José de Mello.
José Alfredo Soares Manso Preto.
José Manuel da Silva José de Mello.
Manoel Alberto Andrade e Sousa.
Manuel de Almeida de Azevedo e Vasconcellos.
Manuel Alves da Silva.
António Jorge Martins da Motta Veiga (relator).
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