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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 79

ANO DE 1936 14 DE FEVEREIRO

SESSÃO N.º 75 DA ASSEMBLEIA NACIONAL Em 13 de Fevereiro

Presidente o Exmo. Sr. José Alberto dos Reis

Secretários os Exmos. Srs.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira
Pedro Augusto Pinto da Fonseca Botelho Neves

SUMÁRIO.- O Sr. Presidente declarou, aberta a sessão às 16 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia.- Foi aprovado, com algumas emendas, o Diário das Sessões Leu-se o expediente.

Ordem do dia.-Discutiu-se, na especialidade, o projecto de lei n.º 81. A base I foi aprovada conforme a proposta de substituição do autor do projecto, com uma alteração proposta pelo Sr Querubim Guimarãis.
Sôbre a bate II falaram os Srs. Carlos Borges, Mário de Figueiredo Aguedo de Oliveira, Querubim Guimarãis, Almeida Garrett, Melo Machado, José António Marques e, Proença Duarte. Foi aprovada com um aditamento do Sr. Mário de Figueiredo e outros Srs Deputados.
Entrou em discussão a proposta dela n.º 67, sôbre acidentes de trabalho, que foi apreciada, na generalidade, pelos Srs. Madeira Pinto e Franco Frazão.
Aprovou-se o texto de última redacção das alterações ao regulamento da navegação aérea.
A sessão foi encerrada os 18 horas e 55 minutos.

Srs. Deputados presentes á chamada, 63.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão, 4
Srs. Deputados que faltaram à sessão, 10

Srs. Deputados que responderam à chamada.

Alberto Cruz.
Alberto Eduardo Valado Navarro
Alberto Pinheiro Torres.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alexandre Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Alfredo Delesque dos Santos Sintra.
Álvaro de Freitas Morna.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
António Alberto Bressane Leite Perry de Sousa Gomes.
António de Almeida Pinto da Mota.
António Augusto Aires.
António Augusto Correia de Aguiar.
António Carlos Borges.
António Cortas Lobão.
António Hintze Ribeiro.
António Rodrigues dos Santos Pedroso.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Leal Lobo da Costa.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancela de Abreu.
Augusto Faustino dos Santos Crespo.
Diogo Pacheco de Amorim.
Domingos Garcia Pulido.
D. Domitila Hormizinda Miranda de Carvalho.
Fernando Teixeira de Abreu.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Correia Pinto.
Francisco Manuel Henriques Pereira Cirne de Castro.
Francisco Xavier de Almeida Garrett.
Henrique Linhares de Lima.
João Antunes Guimarãis.
João Augusto das Neves.
João Garcia Pereira.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarata de Campos.
Joaquim Diniz da Fonseca.
Joaquim Moura Relvas.
Joaquim dos Prazeres Lança.
Joaquim Rodrigues de Almeida.
José Alberto dos Reis.

osé António Marques.
José Dias de Araújo Correia.
José Luiz Supico.
José Maria Braga da Cruz.
José Penalva Franco Frazão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Saudade e Silva.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz Augusto de Campos Metrass Moreira de Almeida.
Luiz da Cunha Gonçalves.

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Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Pestana dos Beis.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Cândida Parreira.
Mário de Figueiredo.
Miguel Costa Braga.
Paulino António Pereira Montês.
Pedro Augusto Pinto da Fonseca Botelho Neves.
Querubim do Vale Guimarãis.
Sebastião Garcia Ramires
Vasco Borges.

Sra. Deputados que entoaram durante a sessão:

Fernando Augusto Borges Júnior
Henrique Mesquita de Castro Cabrita
Júlio Alberto de Sousa Schiappa de Azevedo
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Ângelo César Machado.
António Pedro Pinto de Mesquita Carvalho Magalhãis.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Cândido Pedro da Silva Duarte
Eduardo Aguiar Bragança.
Francisco José Nobre Guedes.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Maria de Queiroz e Lencastre
José Nosolini Pinto Osório Silva Leão.
Manuel Fratel.

O Sr. Presidente:-Vai proceder-se à chamada.
Fez-se a chamada. Eram 16 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente:- Estão presentes 63 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados quo desejarem fazer uso da palavra para qualquer reclamação sobre o Diário podem pedi-la.

O Sr. Querubim Guimarãis:- Sr. Presidente: no Diário das Sessões, p. 501, há uma interrupção feita por mim ao Sr. Deputado José António Marques que não está bem conforme com o que eu disse.
O Diário diz: «a minha dúvida está no seguinte: a hipótese que me apresenta V. Exa. é a do um terreno inculto que se transforme num terreno culto».
Não disse isto.
O que disse foi o seguinte: «a hipótese que eu apresentei a V. Exa. é a de um terreno inculto que se transforme num terreno culto. Aplica-se ou não esta lei a essa hipótese? Era a minha duvida».

O Sr. João Augusto das Neves:- Sr. Presidente: na sessão de ontem fiz a declaração de que, se tivesse estado presente a sessão em que foi votada a base XIII da proposta sobre a reorganização do Ministério da Instrução Pública, a tona votado. Do Diana não consta esta minha declaração; por isso a renovo.

O Sr. Alexandre de Albuquerque:- Sr. Presidente: no relato do meu discurso, na sessão de ontem, o primeiro e o segundo períodos não pertencem ao meu discurso, pelo que devem ser eliminados. Deve ter havido um salto tipográfico e não um equivoco taquigráfico.
Também na mesma p. 499, col. 1.º, lin 38.ª, no período que começa: «Eu duvido muito do que o eucalipto -como disse o Sr. Dr. Jaime de Magalhãis Lima -...», onde se lê: «o Sr. Dr. Jaime de Magalhãis Lima», deve ler-se: «o Dr. José António Marques»

O Sr. José António Marques:- Sr. Presidente: a p. 495, col. 1.ª lin. 19.ª, onde se lê: «grandes extensões de terreno», deve ler-se: «pequenas extensões de terreno».
A p. 501, col. 2.ª, lin. 31.ª, a seguir a «Dr. Querubim Guimarãis» deve substituir-se a restante parte do período por a respeito de terrenos incultos que venham a ser cultivados junto de eucaliptais, o proprietário dos eucaliptos não é obrigado ao arranque».

O Sr. Presidente:- Como mais nenhum Sr. Deputado pede a palavra sobre o Diário, considera-se este aprovado com as alterações apresentadas.
Vai ser lido o

Expediente

Exposição, sôbre o novo Código Administrativo, do chefe da secretaria municipal de Alcochete, achando ilógico que a legislação vigente para as vagas de secretário de Finanças ordene que nelas sejam providos indivíduos com o 5 º ano dos liceus, quando é certo que os chefes de secretaria municipal têm de ser licenciados em direito, dando-se-lhe uma remuneração igual à daqueles, o que não se ajusta aos mais elementares princípios de justiça.

Telegramas

Nome interesses Alto Alentejo rogo a V Ex.ª seja mantida Junta Geral Portalegre pelos incalculáveis benefícios prestados distrito. - O Presidente da Conferência de S Vicente de Paulo, Laureano Sardinha, de Portalegre.

Em nome interêsses Alto Alentejo rogo V. Ex.ª seja mantida Junta Geral distrito Portalegre benefícios prestados assistência. - O Presidente da Assembleia Geral da Casa do Povo e Provedor, Francisco Rasquilho Fonseca, de Amieira.

Do mesmo teor são também os seguintes telegramas
Do provedor da Misericórdia, António Pedro, de Montalvão
Do administrador do concelho, Manuel Carpinteiro, de Portalegre
Do administrador, do concelho e presidente da Câmara, José Francisco de Moura, de Aviz.
Do presidente da Conferência de S Vicente de Paulo, Jaime Ferreira, de Nisa

Funcionários municipais concelho Barrancos saúdam V. Exa. e pedem que no projectado Código Administrativo sejam equiparados em vencimentos aos funcionários Estado iguais responsabilidades e trabalho. - O Chefe da Secretaria, Lema

Funcionários Câmara Municipal pedem seja introduzido novo Código Administrativo o mínimo dos vencimentos a atribuir a cada funcionário como princípio de boa justiça e desfazer desigualdades. - Pelos funcionários, o Chefe da Secretaria, de Odemira.

Funcionários pedem justa fixação seus vencimentos. - Madeira, de Rio Maior.

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Adventícios Alfândega Porto suas famílias situação insustentável falta pagamento vencimento Janeiro pedem respeitosamente a V. Exa. e à Exma. Câmara a que V. Exa. superiormente preside valiosa interferência estabelecimento salários sendo pagos imediatamente, saudando agradecendo- António Almeida, delegado, da Bôlsa.

Em nome numerosos assinantes desta vila enviada Exmo. Ministro Interior 1931 peço aprovação projecto arranque eucaliptos - Santos Sobrinho, de S. Pedro do Sul.

A Câmara Municipal e administrador do concelho da Barquinha muito respeitosamente cumprimentam V. Exa. no momento em que o Pais recebe mais um inolvidável beneficio da acção do Estado Novo a aprovação da reforma da educação nacional. - O Presidente da Câmara

Vivendo com alma nacional realidade seus velhos anseios nestas horas patrióticas renovações felicitamos calorosamente V. Exa. aprovação projecto governamental sobre educação futuras gerações- Joaquim Alçada, vice-presidente da Câmara, Fernandes Correia, presidente da União Nacional, Sampaio Pinho, administrador do concelho de Gouveia.

Comissão administrativa Município Abrantes reunida sessão deliberou felicitar V. Exa. pela aprovação lei Ministério Educação Nacional da feliz e patriótica iniciativa do ilustro professor e Ministro Dr. Carneiro Pacheco - O Presidente, Henriques Augusto Silva Martins

Sôbre o mesmo assunto foram recebidos mais os seguintes telegramas

Do presidente da comissão concelhia da União Nacional, Carlos de Oliveira, de Espinho
Do presidente da comissão concelhia da União Nacional, Leite da Cunha, de Alcochete
Do presidente da Junta Geral do distrito, Francisco Pereira Dias da Fonseca, de Évora
Dos professores da Póvoa de Moura, Antónia Pelicano Fernandes.
Do governador civil de Faro Rogério Ferreira
Do governador civil de Aveiro. Gaspar Ferreira.
Do presidente da remissão concelhia da União Nacional, Libério Mourão, de Tomar.
Do presidente da Câmara Municipal de Vale de Cambra, Câmara Brandão
Do administrador do concelho de Vale de Cambra, Manuel Negrais
Do governador civil de Évora, Sílvio Cerqueira
Do presidente dos bombeiros voluntários de Benavente.
Dos professores de Cercal do Alentejo
Da Junta do Freguesia de Benavente
Do administrador do concelho de Benavente.
Do administrador do concelho de Almeirim.
Do presidente da União Nacional, Joaquim Seixas, de Vale de Cambra
Do administrador do concelho de Mourão, José Escaria
Do vice-presidente da Junta Geral do distrito de Leiria, Luiz José de Oliveira
Do presidente da Junta de Freguesia do Entroncamento, José Duarte Coelho
Do presidente da Câmara Municipal de Mourão, José Escaria.
Do administrador, em nome Ao povo do concelho de S. João da Madeira, José António das Neves.
Do administrador do concelho de Vila Viçosa, João Ribeirinho.
Do presidente da Câmara de Santo Tirso, em nome do concelho.
Do administrador do concelho de Rio Maior.
Do administrador do concelho de Abrantes, Manuel Fialho França Machado
Do governador civil do Porto, Fernão Couceiro da Costa
Do administrador e do presidente da Câmara Municipal de Sinfãis
Do presidente das comissões concelhia e paroquiais da União Nacional, de Sinfãis
Da Junta de Freguesia da Praia do Ribatejo, Manuel Vieira Cruz Júnior
Do administrador do concelho, da União Nacional, Câmara, de Fozcoa.
Do delegado José Pires Antunes, em nome dos professores da Barquinha.
Do presidente da Câmara Municipal de Rio Maior, Maia
Do presidente da Câmara Municipal de Benavente
Do provedor da Misericórdia de Benavente.
Da professora da escola mixta de Rebelhos, concelho de Sabugal, Elisa.
Do presidente da Câmara e administrador do concelho de Ferreira do Zêzere
Do presidente, da Câmara de Pinhel.
Do vice-presidente da Câmara Municipal de Montemor-o-Novo, Vicente Silva
Do administrador do concelho de Montemor-o-Novo, Andrade Gomes
Dos professores de Santa Comba de Fozcoa, de Vila Nova de Fozcoa
Do presidente da Câmara, Joaquim Baptista, e do administrador do concelho, Nunes Barroso, de Espinho

o vice-presidente da Câmara de Vila Viçosa, João Ribeirinho
Do presidente da Câmara Municipal de Tomar, Jesus Ferreira, tenente-coronel
Do presidente da União Nacional, Conde da Borralha, de Águeda
Do administrador do concelho da Murtosa, José Tavares Afonso e Cunha
Do presidente da comissão concelhia e comissões paroquiais da União Nacional, de Gondomar.
Da professora de Bendada, Sabugal, Nazaré da Ressurreição, Belmonte.
Do administrador do concelho de Gondomar
Da Câmara Municipal, José Natário; da comissão da União Nacional, Júlio Lopes, e do administrador do concelho, Botelho Moniz, das Caldas da Rainha
Do presidente da Câmara, administrador do concelho e presidente da União Nacional, respectivamente Grãvino, Saraiva e Monteiro, de Manteigas
Do presidente da Câmara e administrador do concelho de Águeda, Joaquim de Melo
Do administrador do concelho de Alcochete, Leite da Cunha
Do delegado escolar, em nome dos professores do concelho de Alcochete, Leite da Cunha.
Do presidente da comissão da União Nacional, de Salvaterra de Magos
Do administrador do concelho de Salvaterra de Magos
Do presidente da comissão da União Nacional, de Moimenta da Beira
Do presidente da Câmara Municipal, do presidente da comissão da União Nacional e do administrador do concelho, de Sabugal
Do presidente e Administrador do concelho de Moimenta da Beira.

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Do presidente da Câmara Municipal de Salvaterra do Magos

O Sr. Presidente:- Se algum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra antes da ordem do dia, pode pedi-la.
Pausa.

O Sr. Presidente:- Visto que ninguém pede a palavra, vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente:-Está em discussão na especialidade a base I do projecto de lei n.º 81.
Como V. Exa. sabem, foi apresentada uma proposta do substituição a esta base. Essa proposta é a seguinte:

BASE I

Fica proibida a plantação e sementeira de eucaliptos e acácias a menos de 20 metros de quaisquer terrenos cultivados e a menos de 40 metros das nascentes e dos prédios de cultura do regadio, quando entre estes e o local da plantação ou sementeira não se interponha curso de água, estrada ou desnível superior a 4 metros.
O Deputado José António Marques

Visto que ninguém deseja fazer uso da palavra, vai proceder-se à votação.
Os Srs. Deputados que aprovam a base I, com a alteração apresentada pelo Sr. Querubim Guimarãis, ficam sentados; os que rejeitam levantam-se.
A alteração apresentada pelo Sr Querubim Guimarãis era a seguinte

Proposta de aditamento

Proponho que na base I às palavras: «de cultura de regadio» se acrescentem as palavras: «e muros e prédios urbanos».

Sala das Sessões, 12 de Fevereiro de 1936.- O Deputado Querubim Guimarãis.

Foi aprovada a base I com a alteração proposta pelo Sr. Querubim Guimarãis.

O Sr. Presidente:-Está em discussão a base II, que diz

BASE II

Salvo acordo em contrário, os proprietários lesados pelas plantações e sementeiras efectuadas com quebra, do disposto na base I e do § único do artigo 5.º do decreto n º 13.658, de 20 de Maio de 1927, poderão requerer à Direcção dos Serviços Florestais o arranque dos eucaliptos o acácias ilegalmente plantados.
O mesmo direito pertencerá aos proprietários lesados pelas plantações ou sementeiras anteriormente feitas, mediante indemnização prévia, verificado que seja o dano.
O Deputado José António Marques.

O Sr. Querubim Guimarãis:- Proponho que na primeira parto da base II só acrescentem às palavras «ilegalmente plantados» as seguintes «ou recorrer aos meios judiciais caso aquela Direcção dos Serviços Florestais não proceda ao arranque no prazo de dois meses»
Depois a base continua.
E proponho ainda uma nova base.

Proposta de nova base

BASE III

Os proprietários de terrenos incultos que resolverem arroteá-los depois da publicação deste diploma poderão reclamar o arranque dos eucaliptos nas condições referidas nas bases anteriores, mas só cinco anos depois do arroteamento.

Sala das Sessões, 12 de Fevereiro de 1936.- O Deputado Querubim Guimarãis.

O Sr. Carlos Borges:- Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Tem V. Exa. a palavra.

O Sr. Carlos Borges: - Sr Presidente e Srs Deputados nesta base há duas partes muito distintas, uma das quais se refere à plantação ilegal de eucaliptos e acácias nos terrenos de vizinhos.
Quanto ao princípio contido nesta base estou de acordo com ele, pois entendo que, de facto, feita a plantação contra os princípios consignados neste projecto, o proprietário prejudicado tem o direito de promover o arranque.
Portanto, repito, estou inteiramente de acôrdo, mas discordo da maneira como está redigida a emenda, isto é, eu entendo que, na hipótese de uma plantação ilegal, o prejudicado deve pedir à Direcção Geral dos Serviços Florestais, ou aos seus agentes das respectivas circunscrições, que, verificada a plantação para além do limite legal, se proceda ao seu arranque. Mas quero que ao proprietário do terreno fique livre o recurso ao Poder Judicial, porque a questão do arranque pode envolver uma questão de dano referente aos limites do terreno, e não devemos atribuir a uma Direcção Geral, ou aos seus agentes, engenheiros agrónomos ou simples burocratas, a faculdade de se pronunciarem sôbre direitos de propriedade era geral e, sobretudo, sôbre estremas de propriedades, que são, como V Exas. sabem, questões muito melindrosas.
Portanto, eu quero que haja sempre das, decisões da Direcção Geral dos Serviços Florestais ou dos seus agentes, recurso para o Poder Judicial, quer por parte do lesante, quer por parte do lesado, isto é eu desejo que a Direcção Geral dos Serviços Florestais, ou os seus agentes, não possam proceder ao arranque sempre que a entidade considerada lesante interponha o seu recurso e declare que quero recorrer para os tribunais.

O Sr. Mário de Figueiredo (interrompendo):- Mas o recurso é só para o quantitativo da indemnização ou para todo o resto? Não percebi bem a idea de V. Exa. Como é que uma autoridade administrativa, verificadas essas circunstâncias de facto, procede ao arranque?
Eu compreendo certa indemnização...

O Orador: - O que me parece que se põe no projecto- e V. Exa. sabe-o melhor do que eu- ó a seguinte questão, é que se trata duma plantação considerada ilegal, por exceder o limite indicado. É o que está na base...

O Sr. Águedo de Oliveira:-Suponho que não está na base II...

O Orador: - Estou a considerar as plantações ilegais. Nesta hipótese, diz a lei que a Direcção Geral dos Serviços Florestais podo procedei ao arranque no prazo de dois meses excepto se por parte do dono do arvoredo se levantar a questão do recurso para o Poder Judicial...

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O Sr. Mário de Figueiredo:- Se os limites de propriedade não hão aqueles que...

O Orador:-O caso é grave, porque os tribunais, depois do arranque das árvores, podem resolver que não deviam ser arrancadas.

O Sr. Águedo de Oliveira:- Não é preciso que V. Exa. o diga numa proposta de lei. Isso é da ordem normal.

O Orador:- Mas não é o que está na base II. Segundo essa base, o proprietário que se julgar lesado com qualquer plantação ilegal queixa-se junto da Direcção Geral dos Servidos Florestais, para que seja feito o arranque...

O Sr. Águedo de Oliveira:- Não há nada que corte o recurso aos tribunais

O Orador:- Mas se tiver um prazo de dois meses para proceder ao arranque, quando se julgar o litígio do extremo das propriedades, as arvores estão arrancadas e não vejo facilidade de indemnizar o dono dum estado anterior.

O Sr. Querubim Guimarãis:- Perdoo-me V. Exa. a interrupção. Isto apenas para esclarecer...

O Orador:-Eu gosto que mo interrompam para me esclarecer, como também, nunca interrompo senão para o mesmo fim.

O Sr. Querubim Guimarãis:- A Direcção dos Serviços Florestais é solicitada para quê? A meu ver para verificar a distancia a que fica a extrema da propriedade agrícola em relação aos eucaliptos. Se fica a distância proibida por êsse diploma, tem, sem dúvida nenhuma, de se proceder ao arranque. A questão de indemnização e cousa que se podo resolver de outra maneira. O arranque tem de fazer se, mas se porventura a Direcção dos Servidos Florestais não proceder e ficar inactiva, tem de haver algum meio do obviai a esse inconveniente, e foi por isso que apresentei a rainha proposta.

O Orador:- V. Exa. vai ouvir uma resposta. Não é nessa parte que estou em desacordo. A base é que podo prever a inacção, a falta de actividade da Direcção dos Serviços Florestais, mas para num não se põe simplesmente esta hipótese.
Imagine V. Exa. que a Direcção dos Serviços Florestais manda arrancar e declara que estão a distância de menos de 20 metros, o suponha que os donos vêm dizer que as árvores estão a muito mais de 20 metros, porque a sua propriedade não acabou ali, mas mais longe, 30 ou 30 metros. ^Como se acautelam os direitos do dono do prédio?

O Sr. Águedo de Oliveira: - É um caso normal de recurso aos tribunais.

O Orador: -Então falta nesta base uma declaração...
A Direcção Geral dos Serviços Florestais mandará proceder ao arranque no prazo de sessenta dias, salvo se o dono dos eucaliptos, levantando uma questão de propriedade, recorrer aos tribunais.

O Sr. Presidente:- O que o Sr. Dr. Carlos Borges está a dizer é que pode levantar-se uma questão de propriedade por ser duvidosa a extrema ou pôr-se a questão de saber se esses eucaliptos estão a distância legal ou não.

O Orador;- O Sr. Presidente acaba de esclarecer V. Exa. sobre o meu pensamento a respeito desta questão.
Ora é esta questão que eu não vejo acautelada na base.
Quanto à segunda parte da base já ontem mo manifestei com a energia de que sou capaz.
Não concordo com ela.
Esta lei constituo uma limitação grave ao direito de propriedade.
Parece que deviam ser respeitadas aquelas plantações de eucaliptos que foram feitas ao abrigo de leis anteriores, porque estes não foram plantados com o propósito de prejudicar ninguém, e nem com a excepção nem com a indemnização se deve levar um dono duma árvore a abatê-la. Entendo pois que nesta parte não deve vingar o princípio aqui consignado. Se há árvores plantadas com má fé para com o vizinho, a maior parte das árvores são naturalmente plantadas com mira no prazer que dão aos olhos e pelas vantagens que se tiram da plantação, e não com o intuito de agravar alguém.
Se esta lei, como limitadora do direito de propriedade, é uma lei de excepção irritante, tiremos-lhe ao menos esta parte, que pode descontentar o desagradar.
Admitamos o principio da proibição à distância marcada na base I, admitamos a manutenção de obrigatoriedade do arranque quando não cumpridas as disposições legais; mas as plantações feitas legalmente o de boa fé não se deve obrigar o dono a abatê-las, em obediência ao prédio do vizinho, que também pode por mero capricho prejudicar o dono das árvores. Se há pessoas que podem realmente ser. prejudicadas com a plantação de árvores na extrema da sua propriedade, pessoas há também que, com o pretexto de um suposto prejuízo, podem querer levar os donos das árvores a abatê-las, e isso é pior porque pode representar um simples prazer de fazer mal, sem nenhuma espécie de vantagens. Não posso, pois, votar esta parte da base...

O Sr. Almeida Garrett:-V Exa. dá-me licença? V. Exa. tem essa opinião quer se trate de prédios rústicos quer se trate de prédios urbanos?...

O Orador:- Em princípio eu sou desta opinião para toda a espécie de propriedades...

O Sr. Almeida Garrett: - Os casos são muito diferentes. Na hipótese dum prédio rústico eu estaria de acordo com V. Exa.
Mas em relação a um prédio urbano não pode ser justa a opinião do V. Exa. No primeiro caso a plantação da árvore pode ser uma simples desvalorização do prédio, mas no segundo caso pode chegar-se a uma liquidação do prédio.

O Orador:- O meu intuito, ao subir à tribuna, é o de pugnar por que uma lei seja tanto quanto possível perfeita, evitando-se os danos, tanto do carácter moral como de carácter material.
Se V. Exa. mo põe a questão de uma plantação de eucaliptos poder ameaçar um prédio urbano, dir-lhe-ei que não me repugna que esses eucaliptos sejam abatidos, porque se trata de uma questão do segurança pública.
Pela mesma razão que os regulamentos de administração pública permitem que as próprias câmaras municipais intimem os proprietários a fazer obras e a despejar os prédios que ameaçam ruína, eu tenho de admitir que os donos de árvores daninhas sejam obrigados a abatê-las quando possam ameaçar a segurança pública.
Mas repugna-me que, como está aqui estabelecido, qualquer pessoa possa fazer, a pretexto do um vago prejuízo que possa ter o seu prédio -prédio que tenha

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passado até hoje sem necessidade dessa violência - , com que sejam abatidos os eucaliptos, mesmo quando plantados dentro da área legal ato hoje estabelecida e com inteira boa fé da parte do dono dessas árvores.
Por isso voto contra a segunda parte da base, mas admito que se faça a diferenciação indicada pelo Sr. Ur. Almeida Garrett.
Tenho dito.

O Sr. Presidente:- Continua em discussão a base II.

O Sr Melo Machado: - Peço a palavra

O Sr Presidente: - Tem V. Exa. a palavra

O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente parece que o Sr. Dr. E meu caro colega e vizinho Carlos Borges não tem razão.
Justamente se divide esta base II em duas partes.
Primeira: eucaliptos plantados fora dos preceitos das leis existentes. Êsses são deitados abaixo, sem mais formalidades.
Na Segunda parte dessa base estão os eucalíptos que foram plantados anteriormente. Para êsses que, por serem mais antigos, podem estar exactamente no extremo e darem mais prejuízo.
A base, tal como esta, parece ser justa, por isso que aquelas plantações que foram feitas à sombra da lei têm indemnização, e aquelas que foram fora da lei são arrancadas sem indemnização nenhuma.
O facto de haver indemnização já é uma dificuldade grande para se requerer o arranque.
Parece-me que o assunto está assim devidamente esclarecido.
Tenho dito.

O Sr. José António Marques: - Sr. Presidente: o Sr. Deputado Carlos Borges foi o primeiro a dizer ontem desta tribuna que não era seu intento consentir abusos de direito.
Ora devo dizer que, mesmo de harmonia com o parecer da Câmara Corporativa, as fontes quo estão danificadas com os eucaliptos plantados antes das leis proibitivas continuam prejudicadas, as nascentes são prejudicadas.

O Sr. Carlos Borges:- Acaso é proibido ao proprietário explorar nos seus terrenos todas as águas que quiser, secando os poços do vizinho?
Isto não ó um abuso de direito!

O Orador: - Mas o caso é diferente.
Há fontes de utilidade pública que estão secas por eucaliptos e há muitos prédios que eram de regadio, que tinham nascentes e minas, o os proprietários de regadio secaram essas nascentes e minas.
Concordo absolutamente com V. Exas. - devemos respeitar os direitos adquiridos, mas desde que não haja danos. Uma vez que os haja, devemos repará-los.

or acaso o Estado não manda arrancar os eucaliptos junto às linhas do caminhos de ferro e estradas, quando eles são prejudiciais.
Se estiverem junto dos prédios, não são também prejudiciais?
Onde houver abusos e danos, devemos atender a tal estado de cousas.

O Sr Carlos Borges: - Na plantação feita legalmente podia haver danos, mas não abusos.

O Orador: -A Câmara resolverá como entender. No entanto, desde que reconheçamos factos positivos do dano que se podem remediar, devemos fazê-lo, sem prejudicar ninguém.
Desde que o proprietário do eucalipto ó indemnizado, que mais quero êle?
Creio que o Sr. Dr. Carlos Borges não deixará de concordar que devemos atender aqueles que pedem simplesmente justiça.
Tenho dito.

O Sr. Mário de Figueiredo:- Sr. Presidente: mando para a Mesa a seguinte proposta de alteração:

Proposta de aditamento a alínea 1ª da base II

Se o proprietário das árvores impugnar a obrigação do arranque, com o fundamento de que elas se acham fora da faixa legal, serão as partes réu etidas para os meios ordinários para se pronunciarem restritamente sobre o fundamento invocado.
Os Deputados: Mário de Figueiredo- Albino dos Reis- Artur Águedo de Oliveira-António de Sousa Madeira Pinto- Artur Proença Duarte.

O Sr. Presidente:- Está na Mesa uma proposta de alteração à base II, para atender aos reparos feitos pelo Sr Deputado Carlos Borges. É a que o Sr. Deputado Mário de Figueiredo acaba de apresentar
Isto refere-se à primeira parte da base o não prejudica o adicionamento apresentado» pelo Sr. Deputado Querubim Guimarãis, que 6 para a hipótese de a Direcção Geral dos Serviços não actuar.
Vai proceder-se à votação, a qual será desdobrada em relação à base II.
Posta à votação a primeira parte da base II, foi aprovada.

O Sr. Presidente:- Está a votação a segunda parte. Posta à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente:- Há ainda uma base nova proposta pelo Sr. Deputado Querubim Guimarãis.
Está em discussão.
Pausa.

O Sr. Presidente:-Como ninguém pede a palavra...

O Sr. Carlos Borges:-Sr. Presidente para não ter de pedir a palavra e ter de subir à tribuna, peço licença para fazer apenas esta objecção: se o terreno vizinho dos eucaliptos for uma terra a de centeio, que só é semeada de três em três anos, esta cultura dá direito a deitar abaixo os eucaliptos?

O Sr. Querubim Guimarãis:- Não é essa a hipótese. Suponha V. Exa. que junto dos eucaliptos há um outro terreno inculto, com um pinhal por exemplo, mas que de um momento para o outro o proprietário do pinhal, por má vontade ao vizinho ou por qualquer outra razão, resolve fazer uma cultura nesse seu terreno...

O Sr. Carlos Borges:- O proprietário de um terreno onde existo um pinhal e o deita abaixo para fazer uma cultura só demonstra a sua incompetência de administrador, porque ou o terreno era bom para cultura e ele nunca lá devia ter plantado um pinhal, ou não é bom para cultura e ele só cometo um erro deitando abaixo o pinhal para nesse terreno fazer uma cultura.

O Sr Pinto da Mota:- E se o fizer por malvadez!?
O Sr. Mário de Figueiredo:-Peço a palavra.
O Sr. Presidente:-Tem V. Exa. a palavra.

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O Sr. Mário de Figueiredo:-Sr. Presidente: se entendi bem os ta nova base, ela significa o que vou passar a expor, e mais nada.
Conforme a base que já foi votada, o proprietário de um terreno agricultado tem o direito de pedir, em determinadas condições, o arranque dos eucaliptos do vizinho, desde que files estejam plantados a 20 ou 40 metros, segundo os casos. Isso é que está na base já votada. Muito bem! E não se discute a legalidade da plantação dos eucaliptos , a plantação foi perfeitamente legal.
Portanto, de acordo com a base já votada, se eu, proprietário de um terreno inculto, amanha o cultivar, depois disso fico com o direito de pedir o arranque dos eucaliptos do vizinho, desde que files me prejudiquem.
O que pretende a nova base? Isto: é que, para evitar actos emulativos, se verifique que aquele novo cultivador quere realmente cultuar, quero fazer a exploração económica do seu prédio e que quere que esta intenção se verifique durante cinco anos. Quero dizer, quem deve votar esta base são aqueles que querem restrições, porque precisamente n base vem restringir aquela que já foi votada.
Parece me que é êste o intuito da nova base.
Tenho dito.

O Sr. Querubim Guimarãis:- É isso mesmo. Muito bem!

O Sr. Carlos Borges:-Sr. Presidente e Srs. Deputados V. Ex.ª vão por certo perdoar-me, mas a verdade é que, ou eu não compreendi bem o que se estava discutindo o já se votou, ou a disposição que consigna o direito de fazer abater eucaliptos plantados legalmente, mas prejudiciais ao prédio vizinho, é uma disposição de carácter transitório, que só se podo aplicar aos terrenos actuais, e não futuros.
A base agora em discussão não me parece necessária. Para o futuro temos a doutrina da base já votada; para o presente ..

O Sr. Mário de Figueiredo:- V. Ex.ª dá-me licença? Podo ser que eu não tenha razão, mas eu interpretei assim a base estamos em presença de terrenos incultos onde se podia plantar independentemente de quaisquer restrições.
Vem amanhã o proprietário vizinho, que era o proprietário do terreno inculto, e resolve cultivá-lo.
Em consequência disso, fica com o direito de arranque. Esse direito, quando vier a exercer-se nessas condições, só poderá efectivar-se daí a cinco anos ...

O Orador:-A disposição dá êsse direito aos proprietários no momento da promulgação da lei.

O Sr. Presidente:-O que está cá é:- «anteriormente feitas».

O Sr. Mário de Figueiredo (em aparte):- Entilo eu estava num raciocínio errado...

O Orador: -Como se trata dum limito do propriedade privada, entendo que o que se deseja estabelecer é excessivo, isto é, os direitos que se pretende dar aos donos dos prédios confinantes, e que a Aseemblea Nacional vai, assim, muito além do ponto até onde devia ir.
Para assegurar os interesses da agricultura, parece-me que bastará o que já está estabelecido.
Foi por esta razão que subi agora a esta tenha, abusando da paciência de V. Ex.ªs.

O Sr. Mário de Figueiredo:-Sr. Presidente, eu atinai creio que tinha razão.
Tinha falado dentro $uma orientação. Está realmente escrito (anteriormente feitas». Mas as plantações anteriormente feitas, no sentido de antes de ser cultivado o prédio.

O Sr. Carlos Borges (em aparte):-«anteriormente» é anterior à publicação da lei...

O Sr. Águedo de Oliveira:-A plantação feita à sombra da lei florestal, à sombra do decreto n.º 13:658.
Há que distinguir entre plantações que foram legalmente feitas e plantações ilegalmente feitas. Isto é, anteriormente às duas leis.

O Sr. Cancela de Abreu (interrompendo):-Para que todos nós possamos cooperar, V. Ex.ª, Sr. Dr. Mário de Figueiredo, importa-se de ler novamente a base?

O Orador:-De modo algum. Eu vou lê-la:
Leu.

O Sr. Águedo de Oliveira (interrompendo):-Anteriormente ao decreto n.º 13:658 e anteriormente à entrada em vigor da base da lei...

O Orador:-É esse o pensamento que V. Ex.ª quis dar-lhe, mas não é o meu. E eu declaro que me agrada trabalhar nestas condições, porque estamos todos animados de boa vontade. Há, de facto, uma confusão, mas estamos todos aqui para a desfazer.
Quando se diz «quaisquer plantações anteriormente feitas» queremo-nos referir às plantações feitas antes do decreto, que já não permitia que se fizesse a plantação em determinadas condições, e antes da base I.
Agora eu vou avançar mais; também pode significar qualquer plantação feita antes de o prédio ser cultivado. E eu vou dizer porquê, vou declarar porque é que interpretei nesta sentido que acabo de expor. Muito embora estas palavras tivessem o sentido que V. Ex.ª lhes quis dar ou aquele a que eu me acabo de referir, eu votaria da mesma maneira.
Eu, porém, interpreto o aditamento do Sr. Dr. Querubim Guimarãis nesta ordem de ideas: como referindo-se «às plantações feitas anteriormente ao cultivo do prédio».
Trocam-se vários apartes entre o orador e algum outros Srs. Deputados.

O Sr. Presidente:-V. Ex.ª devem consentir que o Sr. Dr. Mário de Figueiredo faça a demonstração da frase e anteriormente ao cultivo».

O Orador:-Porque pode referir-se Porque se não se referisse ao cultivo, mas ao decreto tal e tal, era doa eucaliptos noutras condições que poderia requerer-se o arranque.
Mas há ainda uma outra razão que é essencial. Que é que aqui se estabelece? Estabelece-se uma restrição ao direito de propriedade, restrição essa que é exigida por todo o pensamento deste projecto. E que restrição é essa? É aquela que é exigida pelas relações de vizinhança.
Portanto, o problema que neste momento aqui está posto é este, repito: uma restrição ao direito de propriedade, restrição essa provocada pelas relações de vizinhança.
É evidente que, se nós achamos justa a restrição ao direito de propriedade provocada pelas relações de vizinhança, ela é justa noa meamos termos hoje, como é justa, mantendo-se a doutrina do projecto, amanhã ou depois ...

O Sr. Carlos Borges (interrompendo):-V. Ex.ª esqueceu-se de que hoje sabemos que o terreno está apro-

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veitado, e que à sombra dessa situação criaram-se direitos
O que agora vai suceder é o contrário, converte se o terreno numa cultura ingrata...

O Orador:- Então eu ponho-me em presença duma hipótese de amanhã.
Suponha V. Ex.ª que um terreno inculto passa a ser cultivado. Aplica-se ou não só aplica esta lei?

O Sr. Carlos Borges:- Aplica-se, sim, senhor.

O Orador:- Parece-me, todavia, que V. Ex.ª não tocou neste ponto.
Eu digo assim -o fundamento desta disposição são as relações de vizinhança aplica-se sempre.
V. Ex.ª não concorda com o princípio Mas, ainda que me diga que o aceita, o meu ponto é que o pensamento é para sempre. O que eu pretendo significar e que o texto comporta esta interpretarão; a interpretação que eu dei ó a interpretação razoável, e o legislador, quando legisla, precisamente o que deve procurar é uma solução razoável.
Ora esta solução é a solução aceitável, como solução geral para os eucaliptos que estejam um condições de ser arrancados até à promulgação da lei e para os eucaliptos que estejam um condições de sei arrancados posteriormente a publicação da lei. Parece-me que isto e indiscutível.
Tenho dito.

O Sr. Proença Duarte: -Sr. Presidente e Srs. Deputados não posso concordar com a base nova que se pretende introduzir no projecto do Sr. Dr. José António Marques pelo seguinte o que está fazendo é já uma restrição ao direito de propriedade, e a nova base que se pretende criar vem estabelecer uma incerteza no âmbito do direito de propriedade de cada um.
Considerem V. Ex.ªs o seguinte há hoje dois terrenos confinantes que não estão amanhados, que estão abandonados pelos proprietários. Um deles pretende plantar eucaliptos no seu terreno, que está inculto, mas não tem a certeza de que o vizinho amanhã, vendo que ele faz uma exploração económica do terreno, não venha dizei eu requeiro que estes eucaliptos sejam arrancados.
Portanto não há a garantia de podei manter essa exploração económica do seu terreno, porque no dia seguinte, dentro de cinco anos, o vizinho pode fazer-lhe arrancar as árvores plantadas. Consequentemente a sua actividade económica tem de permanecer inerte, porque não tem a certeza do âmbito do direito de propriedade. São, repito, restrições demasiadamente excessivas aos direitos de propriedade de cada um.
Sr. Presidente quem quiser exercer a sua actividade económica encontra pela frente uma incerteza e um problema que não sabe como resolver. Parece-me que aqueles que procuram desenvolver a riqueza, aqueles que procuram tirar da terra aquilo que ela pode dar, não podem estar sujeitos ao puro arbitro do vizinho, que no dia seguinte ao da plantação e dentro do prazo de cinco anos lha pode fazer arrancar.

O Sr. Mário de Figueiredo (em aparte): - Não é bem assim.

O Orador: - Pior ainda, porque precisamente passados cinco anos e que a exploração dos eucaliptos pode começar a dar uma compensação económica

O Sr Querubim Guimarãis (em aparte): - Cinco anos depois de o terreno começar a ser cultivado.

O Orador:-É a mesma cousa! O que V. Ex.ª não pode deixar de concordai é que isto representa uma restrição, significa tornar incerto o direito de propriedade de cada um.

O Sr. Mário de Figueiredo (interrompendo)--V. Ex.ª tem razão e não tem.
Não tem razão desde que na lei se estabelece o principio da indemnização Portanto, como ainda não estão em condições de serem economicamente utilizados, isso conta no direito a indemnização.
Neste aspecto V. Ex.ª não tem razão.
Mas eu reconheço de boa vontade que uma pessoa que acaba de fazer uma plantação de eucaliptos, que ainda não atingiu o momento do seu desenvolvimento, não possa ser impelida a inutilizar uma boa parte dessa exploração.
Neste aspecto a observação de V. Ex.ª é razoável.

O Orador: - Reforçando o argumento de V. Ex.ª, direi que essa plantação é dispendiosa e que só no fim de dez ou quinze anos pode ser compensada.
No fim do cinco anos é que a indemnização de nenhum modo pode compensar porque há-de sei estabelecida um relação ao momento da exploração, e no fim de cinco anos pouco vale.
Não chegará por certo para cobrir as despesas da plantação e os prejuízos que ao proprietário advêm.

O Sr. Carlos Borges (interrompendo).- V. Ex.ª dá me licença? Para reforçar a sua argumentação, devo dizer que em toda esta discussão temos seguido um critério que me parece nada aceitável. É que para valorizar uma propriedade que ainda não esta valorizada vamos desvalorizar uma propriedade que está já valorizada.

O Orador:-Até como questão de princípio básico do direito de propriedade esta só devo sofrer as restrições que os interêsses e o bem público imponham e determinem.
Parece-me portanto que o assunto é melindroso e que o que está feito já é bastante. Aumentar as restrições considero o absolutamente perigoso e excessivo.
Tenho dito.

O Sr. Querubim Guimarãis: - Sr. Presidente é preciso sair-se daqui e chegar-se a uma solução. Parece-me que o que está naturalmente indicado é que o autor da proposta de aditamento esclareça o seu pensamento.
Admiro-me muito de que o Sr. Carlos Borges, defensor estrénuo do direito de propriedade.

O Sr. Águedo de Oliveira (interrompendo) - Há um equívoco fundamental, porque a questão não é propriamente sôbre o direito de propriedade. A questão jurídica é uma questão do vizinhança.

O Orador: - Sr. Presidente procura-se tom esta proposta atender, justamente, aos legítimo interêsses do proprietário dos eucaliptos, quando um vizinho, dono de um prédio inculto, resolve cultivá-la. É preciso defender o proprietário dos eucaliptos do arranque destas árvores, requerido por aquele vizinho imediatamente à transformação do seu prédio. Só passado o prazo de cinco anos é que poderá socorrer-se dêsse meio violento, só depois, portanto de se tomar patente o dano, editando-se assim que o proprietário desse terreno se sirva apenas de um expediente para prejudicar o vizinho. Esta nova base que proponho é, a meu ver, moralizadora e, ao contrário do que acontece, não devia merecer o ataque dos ilustres Deputados que têm aqui defendido os direitos do proprietários de eucaliptos.

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Esta proposta, ou outra semelhante, impõe-se, a não ser que a base II, quando permite o arranque dos eucaliptos e emprega a expressão «anteriormente feita» (a plantação), não se aplique a esse caso e apenas ao dos eucaliptos plantados anteriormente a este diploma.
Pretendo obstar a violências maiores na restrição do direito dos proprietários de eucaliptos.
Se se der a essa interpretação a extensão que eu presumo, não se evita tal violência sem esta nova base, ou semelhante. A dúvida pode dar lugar, pelo menos, a chicana nos tribunais.
Era isso que eu queria prevenir.

O Sr. Presidente: - Vejo que em volta desta base há uma certa confusão.
Sôbre o alcance da segunda parte da base II levantam-se dúvidas e é necessário que isto se esclareça aqui, em vez de dar lugar a discussões nos tribunais.

O Sr Presidente leu a segunda parte da base.

Ora esta frase «anteriormente feitas» comporta duas interpretações.
Primeira interpretação feitas anteriormente à vigência da lei.
Segunda interpretação feitas anteriormente à cultura.
É conveniente que a Assemblea fixe o sentido a atribuir a esta frase.
Primeira interpretação «feitas anteriormente à vigência da lei».
Os Srs. Deputados que entendem que é neste sentido que deve ser interpretada a base deixam-se ficar sentados.

O Sr. Pacheco de Amorim: - E se fôr anteriormente à lei e anteriormente à plantação, isto é, se fôr nos dois sentidos?

O Sr. Presidente:- V. Ex.ªs votam os dois casos.
Os Srs. Deputados que entendem que esta frase a anteriormente feita» significa «feita anteriormente à vigência da leu deixam-se ficar sentados; os Srs. Deputados que interpretam no sentido de «anteriormente feita» querer significar «anterior à cultura», e votam esta, rejeitam a outra interpretação.
Foi aprovada a primeira interpretação.

O Sr Presidente:-Portanto, está excluída a contra interpretação.

O Sr. Querubim Guimarãis:-Nestas condições, desde que a Assemblea se manifestou desta maneira, não há dúvida sobre a aplicação da lei no futuro. E, então, eu peço licença a V. Ex.ª para retirar a minha proposta.

O Sr Presidente:-Está encerrada a discussão deste assunto. Suspendo a sessão por uns momentos.
Eram 17 horas e 38 minutos.

O Sr. Presidente:-Está reaberta a sessão.
Eram 17 horas e 50 minutos.

O Sr. Presidente:-Passamos à segunda parte da ordem do dia discussão da proposta de lei n.º 67.
Tem a palavra o Sr Deputado Madeira Pinto.

O Sr. Madeira Pinto:-Sr Presidente a proposta de lei sôbre acidentes, de trabalho que agora começa a discutir-se na generalidade é dos diplomas de maior importância e de maior alcance que o Governo tem trazido à Assembleia Nacional
Estado Corporativo, dominado pelas grandes directrizes das virtudes sociais, entre as quais avulta a justiça social, o Estado Novo inscreveu na Constituição Política, como escopos a alcançar, entre outros, o de «zelar pela melhoria das classes sociais mais desfavorecidas, obstando a que elas desçam abaixo do mínimo de existência humanamente suficiente».
A justiça tonal pode chamar-se a idea cêntrica da sociedade corporativa. Por ela todo o indivíduo está obrigado a olhar, não já e só ao seu próprio interêsse, mas ao bem-estar da sociedade, conforme sua condição, hierarquia e posição.
O homem, como ser eminentemente social, tem de impregnar os teus actos desta sociabilidade, isto é, tem de dar-lhes, além da finalidade própria e imediata, outra finalidade que redunde, em maior ou menor escala, mas sempre por certa medida, em proveito da sociedade a que pertence.
Não é fácil concretizar em fórmulas os postulados da justiça social, eles variam consoante as circunstâncias da vida e as necessidades sociais, mas admite-se correntemente - e o professor Messner assim o ensina - que entre eles figuram o direito ao trabalho, o direito da melhoria económica dos trabalhadores e o direito à segurança da existência perante os riscos do trabalho.
Norteado por estes princípios, tendo presente ainda o preceito do artigo 35.º da Constituição, segundo o qual a propriedade, o capital e o trabalho desempenham uma função social em regime de cooperação económica e de solidariedade - o Governo, que já acudiu ao problema do desemprego, que já regulou os contratos colectivos de trabalho, que já criou as Casas do Povo e as Casas dos Pescadores, que já construiu habitações económicas, que ia fundou a obra da Alegria pelo Trabalho e que ainda recentemente não esqueceu os desprotegidos da sorte, na quadra do ano que vamos atravessando, estabelecendo a Campanha de Auxilio aos Pobres no Inverno -, o Governo, dizia eu, não podia deixar de encarar o problema dos acidentes de trabalho e procurar resolvê-lo por uma forma prudente, generosa e honesta.
O que estava é que não podia continuar Era uma afronta aos direitos dos trabalhadores.
Sr. Presidente a protecção dos trabalhadores contra os riscos dos acidentes de trabalho, por medidas diferenciadas da legislação comum, é relativamente recente na legislação europeia, digamos na legislação mundial, não vai além de umas quatro dezenas de anos.
Perante um desastre que lhe deminuísse a sua capacidade de trabalho, em muito ou em pouco, por curto prazo ou por toda a vida, mesmo em caso de morte, o trabalhador ou os seus herdeiros, se quisessem reclamai do patrão, do empresário, qualquer indemnização, tinham de socorrer-se dos princípios tradicionais e fundamentais da responsabilidade civil, tinham de alegar e provar a existência de um facto ou de uma omissão que, objectivamente considerados, constituíssem a violação de um direito; de um dano, resultante da violação de um direito privado, e da culpa, ou relação de conexidade moral entre o dano e o seu autor material.
Nestas circunstâncias, o patrão só podia ser responsabilizado pelos danos causados por desastres no trabalho sobrevindos por culpa sua ou de seus agentes ou propostos.
Mas sucedia que, na maior parte dos casos, os desastres resultavam de mera casualidade; fortuitamente, como consequência quási fatal das máquinas usadas, sucediam, outras vezes, por culpa, leve ou levíssima, do próprio operário

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E, quando sucediam por culpa do patrão ou de seus agentes, a prova, para o operário, a quem incumbia produzi-la, era difícil, senão impossível além do mais, elo desnível de posições económicas entre um e outro, e que se ressentia a luta no pretório.
O desenvolvimento das indústrias, o aperfeiçoamento das maquinas. a utilizarão, um larga escala, do vapor e da electricidade como forças matrizes, no decorrer do século XIX agravaram cada vez mais o problema, e cada vez, se afigurava mais iníquo que o operário em serviço de um padrão trabalhando sob as suas ordens concorrendo para lhe aumentar os lucros, fôsse vitima de um desastre de trabalho e tivesse de esmolar para se sustentar, ou sujeitar-se a morrer de fome!
E o «direito». que muita gente supõe cousa sem vida, vizinha do fossil - quando não há nada de mais vivo e de mais dinâmico - , teve de considerar esta realidade palpável, teve de buscar novo rumo, novo ritmo, e de remediar esta iniquidade.
Veio então o princípio do risco profissional.
Sr. Presidente o trabalho, mormente o trabalho industrial, dá origem a perigos, os perigos são fonte de acidentes, e em tanto maior escala quanto mais a maquina entra na execução do trabalho, quanto mais perfeitos são os processos de fabrico.
Quem tira proveito, quem lucra com o funcionamento de toda essa aparelhagem perigosa. A empresa, o patrão.
Sendo assim, é de equidade que seja ele a suportar os riscos ..., já diziam os Romanos. O risco é a contra-partida do lucro.
Como disse Josserand «O indivíduo que agrupa em volta de si outras actividades, que e rodeia de operários e maquinas, cria um organismo que não funciona sem atritos que pode causar prejuízos. Êsses prejuízos, êsses desastres inevitáveis a que é alheia a idea de culpa, que não tem outra determinante senão o desenvolvimento licito da actividade humana, são inerentes à emprêsa, devem posar sôbre ela, formam precisamente, no seu conjunto, o risco profissional»
Mas a evolução não parou. Quando se julgava ter-se alcançado a princípio jurídico que regia o caso, logo êste se transmutava, qual outro Proteu, logo novos casos, que a equidade. não podia repelir, surgiram. O princípio do risco profissional a cargo da indústria, que podia satisfazer, tratando-se de legislações do tipo alemão, com o segui o colectivo obrigatório para acidentes, integrado no plano dos segui os sociais, não satisfazia nas legislações em que tal seguro não existia.
O principio da solidariedade económica geral, em matei ia de pi adução, que além vincula todos os que exercem a mesma indústria, não pode explicar, aqui, a imputação da responsabilidade no caso de desastre em que o operário teve culpa, no caso do desastre no trabalho doméstico e em tantos outros casos que não são informados pelo principio da produção.
Buscou-se, então, outro fundamento que justificasse a aplicação dos benefícios de uma lei de desastres no trabalho a grande número de casos que deles não disfrutavam, mas que a justiça social não podia ignorar e deixar sem remédio.
Surgiu, então, o principio chamado do risco do mando ou da auto autoridade.
Explica-se assim, o operário que trabalha para um patrão realiza com êle um contrato de prestação de serviços que nem pelo facto de ser vulgarmente verbal deixa de ter existência efectiva. O elemento essencial dêste contrato é a dependência, a subordinação do trabalhador para com quem lhe utiliza os serviços, a submissão ao eu mando e autoridade.
Quem presta serviços coloca-se sob a autoridade do patrão, executa o trabalho que ele lhe prescreve, sob a sua direcção ou dos seus propostos, trabalha em certas horas, em certo lugar, com certo material, segundo regras de fabrico previamente estabelecidas pelo patrão, ou desempenha funções por ele dirigidas
O operário não dispõe assim, livremente, da sua actividade; pelo contrato de trabalho pôs essa actividade ao serviço de um patrão, que a dirige em determinado sentido Um acidente de trabalho que sobrevem em tais circunstâncias verifica-se num trabalho dirigido, pode resultar até da má organização do serviço. Deve sofrer as consequências do acidente quem dirige, quem dá as ordens, não quem é dirigido, quem as executa passivamente.
Desde que o inundo, a autoridade, a subordinação são uma fonte, de riscos, devem determinar responsabilidade.
O principio não pode pôr-se, todavia, de forma absoluta.
Pelo facto de ser dirigido, de ser comandado, o trabalhador não ficou reduzido à condição de autómato, tem a sua liberdade potencial, pode usá-la, pode desobedecei às ordens recebidas, pode executá-las mal, pode incorrer em negligência grave, pode cometer faltas voluntárias e conscientes.
Estas circunstâncias não podem deixar de considerar-se para determinar o limite do grau de responsabilidade do patrão nas consequências do acidente, porque seria iníquo estabelecê-la de outro modo.
Talvez a êste propósito se possa dizer como o Prof. Capitant «Quando se trata de interpretar as leis sociais, é preciso temperar o espirito jurídico com umas gotas de espírito social, de outro modo arriscamo-nos a sacrificar a verdade à lógica».
Sr. Presidente postas estas noções, é tempo de preguntar. Em Portugal, que se fez até hoje em matéria de desastres no trabalho? Que defeitos ou que virtudes tinha a legislação vigente? Que oportunidade tem a proposta de lei que se discute, que princípios a informam?
É que vai dizer-se!
Até à implantação da República nada se legislou em matéria de acidentes de trabalho, pelo menos na caracterização dos acidentes e sua protecção legal.
A partir de 1863 aparecem providências dispersas inerentes à segurança e higiene de certas, indústrias estabelecimentos insalubres, incómodos e perigosos (1863); pedreiras (1864, 1884, 1892), aparelhos motores (1874), pólvora e dinamite (1880, 1883), geradores e recipientes de vapor (1893, 1898), construções civis e estabelecimentos industriais (1895, 1898), substâncias explosivas (1902), e indústrias eléctricas (1903).
Mais próximo ao problema que nos ocupa, alguns regulamentos de serviços públicos Arsenal da Marinha (1908), Caminhos de Ferro do Estado (1901, 1904); assalariados das obras públicas (1903, 1908), Arsenal do Exército e pessoal jornaleiro dos correios e telégrafos (1903), serviços fabris do Ministério da Marinha (1908), concediam subsídios de hospitalização e tratamento, a reforma antecipada ou pensões em caso de acidente de trabalho.
O mesmo faziam certas grandes empresas (indústrias de fósforos, tabacos e caminhos de ferro), através de caixas de socorros e pensões, e as associações de socorros mútuos.
O risco de acidentes de trabalho estava, pois, coberto ou só pelo operário (associação de socorros mútuos), ou por operários e patrões (empresas privadas contribuindo com os trabalhadores para as caixas de socorros e pensões), ou só pelos, patrões (Estado e raras empresas privadas).
Em 1909 o médico e Deputado republicano Dr. Estêvão de Vasconcelos apresentou à Câmara um projecto.

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de lei sôbre acidentes cie trabalho, cuja iniciativa renovou em 1912, quando Ministro do Fomento.
Foi êsse projecto que deu origem à primeira lei de acidentes de trabalho que se publicou em Portugal - a lei n. º 83, de 24 de Julho de 1913.
A lei n.º 83 foi moldada na lei francesa de 3 de Abril de 1898, com alguma cousa do muito que a obra da jurisprudência já lhe tinha dado, e por certos preceitos da lei espanhola de 30 de Janeiro de 1900.
As linhas gerais do diploma eram estas consagrava o princípio do risco profissional; dispensava assistência clínica, medicamentos e indemnizações aos sinistrados, não se aplicava a todos os trabalhadores mas apenas aos operários e empregados das indústrias constantes do quadro estabelecido no artigo l.º, definia «acidente de trabalho», estabelecia regras fixas para a determinação do salário, base das indemnizações; imputara a responsabilidade dos acidentes aos patrões (como tal se considerando as pessoas singulares ou colectivas, Estado e corporações administrativas), permitia que os patrões transferissem as suas responsabilidades para sociedades mutuas ou companhias de segui os, garantia o pagamento das pensões por meio de reservas matemáticas, hipotecas ou fianças, estabelecia a fiscalização pelo Conselho de Seguros e entregava o julgamento dos litígios aos tribunais de árbitros avindores.
A lei n.º 83 foi regulamentada dispersamente, fragmentariamente, em várias das suas disposições até l918 e, neste ano, por um regulamento de conjunto, aprovado pelo decreto de 9 de Março dêsse ano. A lei n.º 801, de 3 de Setembro de 1917, tornou extensivos aos dezénios viajantes e de praça os benefícios estabelecidos para os desastres no trabalho.
Sr. Presidente à avalanche de legislação que os trinta suplementos ao Diário do Governo n.º 98, 1.ª série, de 10 de Maio de 1919, publicaram não escapou uma medida sôbre acidentes de trabalho Foi a que se traduziu no decreto n.º 3 637, daquela data, publicada no 10.º suplemento.
Clamando no relatório que tinha soado a hora emancipadora, que cumpria tornar em realidade a aliança do capital e do trabalho, fortalecida por um espírito de justiça e de equidade -e outras frases campanudas-, o decreto começa por estender os benefícios relativos aos desastres no trabalho a toda e qualquer actividade profissional, intelectual, industrial, comercial, agrícola, marítima e demais.
Tam extenso benefício foi dado à custa do patrão - que ficou obrigado a segurar contra o risco dos desastres os assalariados e empregados de todas as profissões, sem excepção, abrangendo-se no preceito iodos os indivíduos ao seu serviço recebendo salário, ordenado ou remuneração de qualquer espécie.
Simplesmente, nunca se regulamentou o seguro social obrigatório e daqui resultou que a situação ficou pior do que estava.
Elevou-se o número de pessoas disfrutando das medidas de protecção legal, sem se ter estabelecido a contra-partida do segui o obrigatório, que, a breve trecho, se reconhecia ser medida impossível de decretar; elevavam-se, assim, os encargos fios patrões; muitos destes, luzindo por mal pensada economia à transferência das responsabilidades para empresas seguradoras, verificado o acidente, viam-se a braços com a efectivação das revivas matemáticas que não raras vezes lhes absorviam os minguados capitais, os forçavam a liquidar o negócio e os arrastavam à miséria; os próprios trabalhadores, a quem tam espalhafatosamente se prometiam benefícios, foram prejudicados porque, mantendo-se-lhes, embora, nos artigos 9.º e 10.º do decreto, as indemnizações, ou subsídios da lei anterior, no artigo 23.º se determinou que, em caso de morte ou de incapacidade
permanente, o cálculo das indemnizações se fazia naquelas proporções até ao salário anual de 700$ e daí para cima, por metade.
As próprias companhias de seguros, trabalhando com números errados por fraude dos segurados ou tomando nacos em condições de técnica reprováveis, por via de regra perdiam dinheiro.
Ninguém estava contente.
Era este o quadro da nossa legislação no tocante a acidentes de trabalho, ou, melhor, tem sido este até hoje o quadro da nossa legislação relativamente a acidentes de trabalho, e posso garantir a V. Ex.ªs que as cores não estão exageradas.
E perante esta situação que o Governo traz à Assemblea Nacional a sua proposta de lei sobre acidentes de trabalho.
Que princípios a informam? Em que difere ela do que estava até agora legislado?
É o que vou dizer a V. Ex.ªs, em breve resenha, mostrando como, em meu entender, a proposta é muito superior ao que estava estabelecido e merece inteiramente a aprovação da Câmara.
Quando digo «merece inteiramente a aprovação da Câmara», eu quero dizer que nas suas linhas gerais, na sua orientação, a proposta merece ser aprovada pela Câmara, conquanto, a respeito de algumas disposições especiais, eu discorde da orientação seguida.
Na discussão na especialidade terei ocasião de apresentar a minha opinião a respeito de certos preceitos.
A Câmara Corporativa, a quem foi presente a proposta do Governo, dá-nos um parecer muito desenvolvido.
Não posso, muito a meu pesar, louvá-lo excessivamente.
O parecer da Câmara Corporativa contém duas partes.
Tem primeiro a apreciação, na generalidade, da proposta de lei e desce depois à apreciação dela na especialidade.
A respeito da generalidade a Câmara Corporativa não nos deu, sequer, uma resenha retrospectiva da legislação em matéria de acidentes de trabalho.
Entendi que ela era útil para exame e confronto, e por isso tomei a liberdade de prender a atenção de V. Ex.ªs , se é que consegui prendê-la.

Vozes:- Sem dúvida alguma!

O Orador:- ... historiando qual tinha sido essa legislação, para que por ela se possa apreciar devidamente o que existia o que existe e o que há-de existir
Em matéria de especialidade, a proposta da Câmara Corporativa limita-se, a maior parte das vezes, a discordar da redacção de certos artigos; noutras passagens formula interrogações, deixando ao cuidado e ao critério da Assemblea Nacional o tomar este ou aquele rumo, e, de um modo geral, não nos fornece grandes linhas de orientação a respeito deste problema, que eu entendo que é dos mais importantes e dos que mais merecem ser estudados e considerados.
Mais alguma cousa nos diz, a respeito dos seus intuitos, o relatório da proposta.
O princípio que informa a proposta, em matéria de desastres de trabalho, não é já o princípio do risco profissional, é aquele que o relatório da proposta chama o risco do trabalho.
Ele é, a meu ver, muito aproximadamente, aquele i isco que enunciei - a que a legislação da especialidade chegou pela evolução sucessiva - o risco da subordinação, o risco do mando ou da autoridade.

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Como já tive ocasião de dizer a V. Exa entende-se que, pelo facto de o trabalhador estar sob as ordens do patrão, de ser por ele dirigido, de estar submisso à sua autoridade, de ser para ele um elemento de lucro, se entende [...] que lhe sobrevêm, enquanto está [...] posição e dependência e de relatividade, dos meses [...] pelo patrão.
Mas [...] lá princípio geral, que retorna a proposta para entretanto das suas posições com a legislação [...] não podemos deixar de reconhecer que [...] renovações que só de aplaudir, [...] de curto [...] mas que, em todo [...] devem dos princípios de justiça [...] - digamos - do Estado Novo ao Estado Corporativo.
Ao [...] do que zelam os dois diplomas [...] a proposta não [...] incidentes de [...]. Certamente este assento era - imagino eu - [...] de debate.
Que [...] incidentes de trabalhos. Não [...]. Deixar ao [...], à [...] e meios livres e desatados para, perante cada caso concreto e objectivo [...] os princípios aos casos ocorrentes, com aquela dose de equidade que basta entrar sempre nestas decisões de direito social, com aquelas «gotas de espírito social» que hão-de temperar o espírito jurídico - na frase de [...]. É O problema que VV. Exas terão de analisar e sobre o qual se terão [...].
A Câmara Corporativa sôbre o assunto, inclina-se no sentido de una mais vale talvez não definir, talvez porque as distribuições são sempre perigosas em direito, mas opinando por outro lado que será conveniente estabelecer, mas como que balizas, directrizes, uns pontos de orientação, que guiassem os jurisperitos, os que amanhã terão de julgar os casos de desastres de trabalho na aplicação da lei.
A muitos outros propósitos a proposta é notavelmente superior ao que estava legislado.
Se V. Exa a passarem em revista, deparar-se-lhes-ão como mais importantes, as, disposições do artigo, em que se consideram as predisposições patológicas para os desastres no trabalho.
A este respeito a Câmara Corporativa discordou de uma palavra que se contem no artigo 4.º - a palavra «fundamentalmente»
Com efeito diz este artigo
Leu
A Câmara Corporativa considera de interpretação duvidosa esta palavra «fundamentalmente»
[...] V. Exa terão ocasião - visto que temos, entre nos médicos muito distintos - de ouvir dissertar sôbre êste ponto importante esclarecendo a Assemblea no sentido de ela se determinar pela forma mais correcta e mais conveniente de estabelecer a distinção.
A este propósito levanta-se a interessantíssima questão das hérnias, hérnias de força, hérnias de fraqueza, que tem sido motivo de decisões encontradas nos tribunais, sobretudo nos tribunais estrangeiros, um dos problemas mais curiosos que se podem suscitar a respeito deste assunto.
Muito é louvar também e a disposição que se refere as doenças profissionais, já constantes da lei anterior
Estabelece também a proposta, no artigo 15, a innovação do seguro corporativo onde se diz

O orador e o artigo 15.º

A Câmara Corporativa d'êste respeito, alvitra que [...] a situação dos pescadores que trabalham ou [...] agindo de retribuição das partes de paizes em que são, de certo modo, os associados de pequenos patrões, para que, porventura, os seguros, embora modestos, mas que esses patrões, pela sua precária condição económica, não possam fazer sejam feitos através Casas dos Pescadores.
Onde a melhoria da lei se acentua, de forma categórica e decidida, é no que toca às pensões ou indemnizações, quer às viúvas, quer aos filhos, quer a outras pessoas da família dos sinistrados que possam ter direito a essas compensações
O decreto n.º 5 637 estabelecia que, no caso de falecimento, em consequência de desastres no trabalho, o cônjuge, ou, por outra, a viúva, recebia uma pensão de 20 por cento do salário da vítima
Na nova lei essa pensão é elevada para 35 por cento e é extensiva, não só ao cônjuge mulher, no caso de o sinistrado ser o mando, mas também ao caso de a vítima do acidente ser a mulher, estabelecendo-se que o marido, o viúvo, também pode ter direito a igual pensão quando a mulher, vítima do sinistro, concorresse para a sustentação do casal
É uma innovação que não existia na lei anterior
Com respeito aos filhos, as pensões, que eram de 15, 20, 35 e 40 por cento, no caso de a vítima ter deixado um, dois, três, quatro ou mais filhos, passaram a ser de 15, 30 e 40 por cento, consoante ficam um, dois e três ou mais filhos
Manteve-se na proposta uma melhoria, de todo o ponto junta, que já estava prevista na lei anterior, é o caso de a vítima do desastre deixar filhos que venham a ficai órfãos de pai e mãe
Neste caso, havendo um filho, a pensão é de 25 por cento, havendo dois, de 45 por tento, e, havendo mais, pode ate chegar a 60 por cento.
As pensões, que na lei antiga estavam estabelecidas a favor dos ascendentes e outros menores até aos catorze unos, passaram a ser a favor de ascendentes e quaisquer parentes sucessíveis menores até devasseis anos.
Estabeleceu-se também no § 1.º do artigo 18.º o principio da reversão. Havendo viúvas e havendo filhos, e falecendo a viúva, a parte da mãe pode acrescer à porte dos filhos
Aumentaram-se as percentagens nos casos de incapacidade permanente e de incapacidade temporária parcial, que eram antigamente de metade das reduções que o sinistrado tivesse sofrido no seu salário, e que agora passam a ser de dois terços
Ao principio consignado no artigo 22.º, em que se determinava que as indemnizações às vitimas seriam na totalidade dos salários por eles percebidos, sempre que o acidente tivesse sido dolosamente provocado pelo patrão, acrescentou-se o caso em que o patrão tiver deixado de observar as disposições legais sobre higiene e segurança dos lugares de trabalho e profilaxia dos acidentes
Ao contrário também do que se fazia na lei anterior, em que se estabeleciam regras fixas para a determinação do salário, sem que pudesse haver nenhuma latitude de fixação, a proposta de lei, nos artigos 37.º e 38.º, estabelece ceifas regras e determina que, quando não seja possível averiguar com precisão qual era o salário da vítima, se deixa essa fixação ao arbítrio do juiz, segundo determinadas directrizes
Sr Presidente procurei mostrar a V. Exa, por uma forma objectiva e concreta, o que era a legislação sobre acidentes no trabalho, que nos tem regido até agora, e quais são as diferenças e vantagens da proposta de lei em discussão Volto a repetir que considero este problema do mais importantes e dos de maior alcance que o Estado Novo tem a resolver, e, pelas vantagens decididas que esta proposta de lei apresenta sobre a legislarão antiga, e pelo vincado fundo de justiça social que ela traduz, eu entendo que esta proposta bem merece a atenção desta Assembleia (Apoiados), todo o [...]

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seu carinho, toda a sua atenção, para que dela saia uma obra o mais perfeita possível.
Apoiados
Temos, por isso, de louvar o Governo, muito sinceramente, pela iniciativa que tomou.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Franco Frazão: - Sr. Presidente poderá parecer por ventura inútil a minha intervenção neste debate, sobretudo não sendo eu especialista em matéria tam delicada, quer sob o ponto de vista jurídico, quer sob o ponto de vista da indústria do seguros, e, portanto, considerar-se a minha vinda a esta tribuna como um facto puramente incidental, mas o que me traz aqui ó apenas o aspecto da proposta referente à parte agrícola.
O ilustre Deputado Sr. Dr. Madona Pinto facilitou bastante a missão daqueles que vierem aqui, visto que na sua ciai a o lúcida exposição nos fez a síntese do todo o passado neste assunto e dos fins que pretende alcançar esta proposta de lei.
Esta proposta de lei, aqui trazida pelo Governo, tende a modificação radical no modo do proceder no que respeita a acidentes do trabalho.
A legislação geral sôbre êste aspecto do problema um vários países tem procurado seguir critérios por vezes opostos, mas que no fundo são, todos, conducentes ao mesmo fim: organizar de maneira eficiente e justa a representação das classes, procriar a definição do que é acidente de trabalho e área que deverá abranger.
Assim, na Alemanha figura a legislação do acidentes do trabalho como um facto de própria exploração do empresa, a Franca e outros países adoptam critérios o definições através do emprego.
A legislação portuguesa que durante largo tempo seguiu as normas da legislação alemã, que definia os riscos através do risco profissional, procura hoje seguir outro caminho, radicalmente diferente não só de legislações estrangeiras como da anterior legislação portuguesa.
Procura-se fugir a esta designarão genérica que era o risco profissional.
Uma das razões que certamente levaram o Govêrno a adoptar êste critério. Foi a sua diversidade, para que, subi e cada caso especial, não aparecesse uma nova definição a entidade competente, considerando o risco do trabalho, que e, por aspira, dizer, inerente á própria função das cousas: o acidente. E, por isso, procuraram-se afastar as dificuldades do definição do que constituo o acidente do trabalho.
Parece-me que, de facto, a inovação é qualquer cousa de diferente e medito, no que respeita a seguros, o tem um carácter interessante e que merece ponderação.
Mas se, de facto, esta maneira radicalmente diferente do encarar o acidento de trabalho é de louvar, sobretudo por ter afastado aquele aspecto que existia na nossa legislação anterior, haveria também aqui qualquer dificuldade idêntica.
Nesta proposta de lei, se bem compreendo o seu teor, pretendem se abranger todas as categorias de trabalho, e no mesmo no notável relatório se mostra que, de certo todo, a actividade, agrícola não tem grande diferença da actividade industrial. As estatísticas revelam-nos que na actividade agrícola os acidentes não são menos frequentes e graves do que aqueles que se produzem na produção industrial. Acontece, assim, que a proposta abrange todos os trabalhadores, e de facto, a definição de trabalhador é qualquer cousa singularmente difícil, a ponto de que o Instituto Internacional do Trabalho não for capaz de arranjar uma definição.
Ora, se do facto se abrangem todos os trabalhadores, também deve referir ao trabalho agrícola. No entanto, em algumas disposições do projecto encontro referencias e expressões que me parecem afastar esta primeira interpretação Assim, eu encontro expressões no artigo 14.º, que poderiam levar a outra conclusão.
Diz o artigo 14.º:
Leu.
Quere dizer, parece que este artigo não abrange o trabalhador agrícola. De modo que ficamos na dúvida.
Desta forma, em certas disposições ficamos na dúvida sôbre se de facto o legislador teve a intenção do incluir a totalidade do todos os trabalhadores, ou de focar com mais precisão propriamente o trabalho industrial o comercial.
Sr. Presidente, só temos de louvar a prudência que tem orientado o Governo, o muito particularmente o Sr. Sub-Secretário de Estado das Corporações, na aplicação de toda a legislação referente a todas as modalidades comerciais e industriais, as quais se referem também ao trabalho agrícola.
Ora, precisamente, Portugal ratificou uma convenção internacional respeitante a acidentes de trabalho, exceptuando as relativas ao ramo agrícola, que está ainda pendente.
Na aplicação da legislação vigente nós temos visto o critério com que o Sub-Secretariado das Corporações tem procurado encarar as condições especiais em que se exerce o trabalho e a actividade nos campos.
Ainda recentemente, no que se refere ao trabalho nos lagares, aquele Sub-Secretariado definiu as regras a que esse trabalho deve ser subordinado
Sendo assim, parece-me que esta proposta, cujos princípios gerais são realmente interessantes, são inteiramente diferentes daqueles das normas da legislação anterior, deverá conter uma parte referente à actividade agrícola, consignando que a sua aplicação deverá obedecer a um critério talvez diferente do dos trabalhos industriais e comerciais.
No que se refere ao ponto de vista agrícola, existe dentro da proposta uma inovação interessante e que me parece de grande alcance.
Refiro-me ao seguro de natureza corporativa, ao seguro a efectuar por intermédio das Casas do Povo.
É uma modalidade nova, lógica, que até certo ponto se compreende, quando encaramos a organização do nosso sistema corporativo Na verdade, a idea do Governo é interessante, aproveitando essas organizações para efectuar aqueles seguros mais perfeitos.
Mas, se esta solução é interessante e merece os nossos aplausos, também não podemos deixar de pensar se, não existindo, por enquanto, essas organizações em toda a plenitude, se, existindo o esboço de determinadas organizações profissionais, como a dos trigos e a dos vinhos, o seguro corporativo poderá atingir todos os ramos da actividade agrícola.
O objectivo que se tem em vista é obviar aos inconvenientes da legislação anterior, pela adopção do próprio critério do risco profissional, garantindo uma reparação ao trabalhador, mas de molde a que ela não constitua, polo encargo sobre os patrões, uma funesta consequência para os outros trabalhadores.
É claro que se poderá objectar. Mas existem realmente entro o trabalho agrícola e o trabalho industrial linhas de demarcação absolutamente características. absolutamente fixas, que permitam à lei poder pôr de lado a actividade propriamente agrícola e a actividade propriamente industrial? Que se deve entender propriamente por agricultura? Qual deve ser a definição de trabalhador agrícola?
De facto, esta objecção tem peso para a definição da agricultura sobretudo neste momento que o mundo vai atravessando, em que a agricultura se industrializa, em que, por exemplo, a actividade hortícola e florestal não é englobada na actividade agrícola.

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Se na indústria se pode estabelecer tuna diferença radical entre u patrão e o operai 10, nos campos isto é muito mais subtil e difícil, u ponto de quási todas as legislações que quiseram encarar o problema de acidentes de trabalho terem de lazer inúmeras excepções no que se refere ao trabalho na agricultura.

Assim, recordo-me, por exemplo, da legislação búlgara, onde se consignam excepções para determinadas propriedades.
Na própria Alemanha existem também inúmeras excepções para o trabalhador rural que vive em determinada associação com o patrão.
Não quero alongar-me neste ponto. Quero apenas frisar que na aplicação da legislação sôbre acidentes de trabalho à agricultura detemos encontrar dificuldades grandes.
Assim, uma das dificuldades que se apresentam na aplicação da legislação sôbre acidentes de trabalho é precisamente na utilização da legislação, quer pelo trabalhador, quer pelo patrão.
Dentro da actividade industrial concebo perfeitamente que se possam impor ao industrial determinadas regras, como seja, por exemplo, a participação normal e constante das pessoas que tem ao seu serviço. Numa palavra parece-me que a actividade industrial, obedecendo a regras mais fixas, toma mais fácil obrigar o patrão industrial ao cumprimento de certas disposições deste projecto do que o proprietário rural.
Viu-se quam errada e a concepção de classes que o regime corporativo precisamente veio combater.
Na própria agricultura as relações são tam diferentes que teve de fazer-se uma diferenciação cuidada, desde o puro trabalhador rural até ao patrão que emprega numerosos operários ao seu serviço.
Não sei se o altofalante me deu uma indicação que deva seguir , alargando, porventura, esta exposição poderei correr o risco de neste final de sessão, ir cansar V. Ex.ªs e abusar da benevolência com que me têm escutado.
Não apoiados.
Com muita justiça se disse que nos deve preocupar a incidência económica das leis; quere dizer que nos deve nortear, não apenas a impressão daquilo que é justo, mas também a idea das consequências dos nossos actos, pois pode, porventura, a aplicação desta lei, de tam altos e generosa intuitos sociais, lei que não posso deixar de aplaudir, vir trazer, precisamente no campo da agricultura portuguesa, perturbações e dificuldades de aplicação, que seriam talvez evitáveis se pudesse de qualquer modo introduzir-se em certos preceitos ou na sua regulamentação disposições que tivessem por mira as condições efectivas que se verificam no trabalho agrícola.
E não esqueçamos também, ao encarar este problema, que há outro que se encontra extremamente ligado a este, que é aquele que consiste nas regras de segurança que é necessário adoptar para sé evitar o desastre, pois vale mais, qualquer que seja a perfeição da nossa legislação sobre seguros, criar as condições suficientes para se evitarem os desastres do que compensar os prejuízos
Sr. Presidente: devo confessar a V. Ex.ª que me impressionou sempre o desprezo pela vida humana que, quer pela parte do patrão, quer pela parte do operário, encontramos nas nossas actividades, desprezo que vai tam longe que em certas actividade» em que o Estado tem interferência, como por exemplo a fiscalização, ele se revela por forma a impressionar-nos citarei apenas um caso conhecido, por certo, de V. Ex.ªs todos e que já nesta Assemblea o Sr. Deputado Carlos Borges teve ocasião de referir quando se discutia um assunto que tratava de uma ponte Quero referir-me a uma ponte existente nos caminhos de ferro há muitos anos, que já se denomina «ponte da morte» pelos inúmeros desastres que tem causado, por ter uma parte muito estreita, que ainda, porventura, causará mais desastres. E sabem V. Ex.ªs a solução que se encontrou para obstar a mais desastres? Foi esta. afixar avisos aos passageiros dentro das carruagens e o empregado passar momentos antes e gritar - Cuidado com a ponte! ...
Sr Presidente: isto significa que muito se poderia fazer em Portugal para melhorar as condições de trabalho, porque me parece que é mais útil evitarem-se os desastres - como já disse - do que pagar os prejuízos ou indemnizar as vítimas ou as suas famílias.
Eram estas as considerações que desejava fazer, e perdoem-me V. Ex.ªs e não pude nem soube sintetizar um pensamento; mas, de uma forma genérica, os altos intuitos que inspiram esta proposta de lei têm a meu aplauso e decerto o da Assemblea.
Apoiados.
Nós, realmente, estamos num momento em que o «social» deve dominar o «económico», mas devemos também pensar na melhor eficiência da lei, a qual, muito especialmente na agricultura, constituo um problema bastante importante.
Tenho dito.

O Sr. Presidente:-Como a hora vai adiantada e há ainda muitos oradores inscritos, o debato continuará amanhã.
Antes porém do encerrar a sessão devo dizer a V. Ex.ªs que estava para ser submetido à apreciação desta Assemblea, na sessão de hoje, o texto aprovado pela Comissão da Última Redacção sobre a alteração do regulamento do navegação aérea, o, se nenhum de V. Ex.ªs faz qualquer reclamação contra este texto, considero-o aprovado.
Não havendo reclamação alguma, considerou-se o texto aprovado.

O Sr. Presidente:-Devo dizer a V. Ex.ªs que amanhã haverá duas sessões: uma às 10 horas, outra às 15 horas e 30 minutos. A ordem do dia é a continuação do debate sôbre a proposta de lei n.º 67-acidentes de trabalho.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 55 minutos.

O REDACTOR-Leopoldo Nunes.

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CÂMARA CORPORATIVA

Parecer sôbre a proposta de lei n.º 99

Consultada, nos termos do artigo 103.º da Constituição, sobre a proposta de lei n º 99, a Câmara Corporativa, por intermédio da sua 18.ª secção, emite o seguinte parecer.
Pela proposta em referência estabelece-se quais as entidades com direito ao uso de automóvel do Estado e regulam-se as condições da sua utilização
Os intuitos da iniciativa governamental transparecem do sucinto considerando que antecede o diploma, procure-se, certamente, prevenir alguns abusos que porventura possam dar-se a este respeito, mercê de uma tradicional brandura de costumes, mas inadmissíveis dentro dos elevados objectivos do Estado Novo.
A administração superior do Estado, pelo conhecimento que possue dos respectivos serviços, é que está em condições de regular o assunto, de harmonia com as suas necessidades e exigências e tendo em atenção a hierarquia e o decoro da representação oficial.
Permitimo-nos, no entanto, ponderar que, sendo atribuídas honras iguais às do Presidente do Conselho ao Presidente da Assemblea Nacional e ao da Câmara Corporativa, nos parece estranho que estes fiquem, pelo que diz respeito à utilização de automóvel, numa situação de injustificada inferioridade em relação aos membros do Governo e Sub-Secretários de Estado.
Se a um e outro o Estado reconhece direito a automóvel, e da l.ª categoria, não é, sem dúvida, por motivo de serviço, mas sim da representação inerente ao elevado cargo que exercem.
Por isso, sugerimos que ao artigo 6. º da proposta seja dada a seguinte redacção:

Artigo 6 º Com excepção dos atribuídos ao Presidente da República, Presidente do Conselho, Presidentes da Assemblea Nacional e da Câmara Corporativa, membros do Governo e Sub-Secretários de Estado, os automóveis do Estado só podem ser utilizados por motivo de serviço das autoridades a quem estão distribuídos e somente dentro da área de jurisdição da mesma autoridade ou, organismo
Não se trata, é evidente, de satisfazer os cómodos ou restringir as regalias de quem quer que seja, mas tam somente de adaptar providências reputadas razoáveis e oportunas, ao mesmo tempo que se tomam em consideração os propósitos do projecto de lei apresentado pelo Sr. Deputado Lôbo da Costa à Assemblea Nacional na sua sessão n. º 6, de 5 de Fevereiro de 1935, como expressamente se refere na proposta governamental que vimos apreciando.
Nestas condições, afigura-se à Câmara Corporativa dispensável uma análise minuciosa da proposta de lei n. º 99, e assim limita-se a dar-lhe a sua aprovação.

Palácio da Assemblea Nacional, Sala das Sessões da Câmara Corporativa, 13 de Fevereiro de 1936

Domingos Fezas Vital.
José Gabriel Pinto Coelho. Chutava Cordeiro Ramos (relator).

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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