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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 111
ANO DE 1937 28 DE JANEIRO
SESSÃO N.º 109 DA ASSEMBLEA NACIONAL
Em 27 de Janeiro
Presidente o Exmo. Sr. José Alberto dos Reis
Secretários os Exmos. Srs.Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Pedro Augusto Pinto da Fonseca Botelho Neves.
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 2 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado, com emendas, o último número do Diário das Sessões.
Leu-se o expediente.
O Sr. Deputado Diniz da Fonseca usou da palavra acerca de um aviso prévio que há dias mandara para a Mesa. O Sr. Deputado Pinto de Mesquita enviou para a Mesa um aviso prévio sobre as obras do porto de Leixões.
Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão da proposta de lei sobre o regime jurídico dos contratos de prestação de serviços, tendo usado da palavra os Srs. Deputados Querubim Guimarãis, Lopes da Fonseca e Alberto Navarro.
A sessão foi encerrada às 18 horas e 10 minutos.
Última redacção. - Texto, aprovado pela Comissão de Ultima Redacção, da proposta de lei referente à importação e destilação de petróleos brutos e seus derivados.
Deputados presentes à chamada, 52.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão, 10.
Srs. Deputados que faltaram à sessão, 13.
Srs. Deputados que responderam à chamada:
Abílio Augusto Valdez de Passos e Sousa.
Alberto Cruz.
Alberto Pinheiro Torres.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Alfredo Delesque dos Santos Sintra.
Álvaro Freitas Morna.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
António Augusto Aires.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Hintze Ribeiro.
António Pedro Pinto de Mesquita Carvalho Magalhãis.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancela de Abreu.
Augusto Faustino dos Santos Crespo.
Diogo Pacheco de Amorim.
Domingos Garcia Pulido.
D. Domitila Hormizinda Miranda de Carvalho.
Eduardo Aguiar Bragança.
Fernando Augusto Borges Júnior.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Correia Pinto.
Francisco José Nobre Guedes.
Francisco Manuel Henriques Pereira Cirne de Castro.
Francisco Xavier de Almeida Garrett.
João Antunes Guimarãis.
João Augusto das Neves.
João Garcia Pereira.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Diniz da Fonseca.
Joaquim dos Prazeres Lança.
José Alberto dos Beis.
José António Marques.
José Dias de Araújo Correia.
José Luiz Supico.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Queiroz e Lencastre.
José Penalva Franco Frazão.
Júlio Alberto de Sousa Schiappa de Azevedo.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Pestana dos Reis.
D. Maria Cândida Parreira.
Mário de Figueiredo.
Miguel Costa Braga.
Pedro Augusto Pinto da Fonseca Botelho Neves.
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Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Eduardo Valado Navarro.
António Augusto Correia de Aguiar.
António Rodrigues dos Santos Pedroso.
Artur Leal Lobo da Costa.
Henrique Mesquita de Castro Cabrita.José Pereira dos Santos Cabral.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Querubim do Vale Guimarãis.
Sebastião Garcia Ramires.
Vasco Borges.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Ângelo César Machado.
António de Almeida Pinto da Mota.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Fernando Teixeira de Abreu.
Henrique Linhares de Lima.
Joaquim Moura Relvas.
Joaquim Rodrigues de Almeida.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Saudade e Silva.
Luiz Augusto de Campos Metrass Moreira de Almeida.
Manuel Fratel.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas. Fez-se a chamada.
O Sr. Presidente: - Responderam à chamada 52 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 2 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que desejem fazer uso da palavra sôbre o Diário podem pedi-la.
O Sr. Braga da Cruz: - Pedi a palavra para mandar para a Mesa a seguinte nota de rectificações ao Diário das Sessões n.º 110: a p. 328, col. 1.ª, lin. 17.ª, deve ler-se «assunto de que se trata»; lin. 25.ª, deve ler-se «que ela bem merece»; col. 2.ª, lin. 50.ª, deve ler-se «repugna admitir».
O Sr. Presidente: - ¿Mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra sôbre o Diário?
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado pede a palavra, considero aprovado o Diário com as alterações apresentadas.
Vai ler-se o
Expediente
Telegramas
Da União Nacional de Fozcoa, pedindo a criação da província com sede na Guarda.
(Despacho: Noticie-se. 27 de Janeiro de 1937. - Favila Vieira).
Dos professores do concelho de Mêda, sôbre o mesmo assunto.
(Despacho: Noticie-se. 27 de Janeiro de 1937. - Favila Vieira).
Em nome da classe ferroviária, apresentamos a V. Ex.ª a nossa indignação contra os atentados bombistas perpetrados contra a nossa querida Pátria.
Viva Portugal livre! - Sindicato Nacional Ferroviários - Serviços Centrais.
(Despacho: Publique-se. 27 de Janeiro do 1937. - Favila Vieira).
Uma carta do Sr. Dr. Alberto Xavier, dirigida a S. Ex.ª o Presidente da Assemblea Nacional, a propósito de declarações insertas no Diário das Sessões n.º 106, cuja súmula é o seguinte:
«Segundo leio no Diário das Sessões n.º 106, de 20 do corrente, um ilustre Deputado teria afirmado que eu percebo as seguintes remunerações mensais pelos cargos públicos que exerço: como juiz do Tribunal de Contas, 4.500$, como comissário adjunto na Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses. 5.300$, concluindo por dizer que eu recebo por mês 10.000$.
Há equívocos nestas afirmações. É certo que o vencimento dos juízes do Tribunal de Contas é de 4.500$, mas na realidade o que me é abonado mensalmente, feitos os descontos legais, é a importância de 4.137$45. Quanto ao cargo que exerço de comissário adjunto na Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses, cumpre-me informar que a sua remuneração é de 1.200$ por mês, sem direito a qualquer percentagem adicional, o que de facto, feitos os descontos, me é paga a quantia de 1.176$».
(Despacho: Publique-se a súmula. 27 de Janeiro de 1937. - Favila Vieira).
O Sr. Presidente: - Posso informar a Assemblea de que na parte a que se refere a passagem da carta em que o Sr. Dr. Alberto Xavier declara que os seus vencimentos como comissário do Govêrno junto da Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses não são 5.000$, como aqui se disse, mas sim 1.200$, esta informação é inteiramente exacta, e é profundamente lamentável que em documentos oficiais, como aquele em que se baseou o discurso do Sr. Deputado Lobo da Costa sôbre êsse assunto, se cometam inexactidões desta ordem.
Os Srs. Deputados que desejem fazer uso da palavra para tratar, de qualquer assunto antes da ordem do dia podem pedi-la.
O Sr. Diniz da Fonseca: - Sr. Presidente: recorda-se V. Ex.ª de que, quando há dias mandei para a Mesa um aviso prévio sôbre a situação criada ao distrito da Guarda, eu pedi a urgência para a sua realização e sobretudo preferência sôbre outros dois avisos prévios que havia na Mesa. Tive conhecimento de que para tratar desse mesmo assunto uma comissão das forças vivas da Guarda se avistou esta manhã com o Sr. Ministro do Interior, e, em vista disso, desisto da preferência que tinha podido para êsse aviso prévio, embora ainda o mantenha.
O Sr. Pinto de Mesquita: - Pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte
Aviso prévio
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instantemente a conclusão desta obra. O afundamento do Orania, ocorrido há cerca de dois anos, veio embaraçar a entrada de Leixões e comprometer, na sua continuidade, o aproveitamento, aliás reduzido, que era permitido na sequência do trabalhos que nos olhos de muitos se afiguram demasiado demorados.
Por seu lado as condições de acesso da barra do Douro - em que também se deu um sinistro marítimo - estão-se tornando dia a dia mais desfavoráveis, com grave risco da paralisação do tráfego comercial que por ali se realiza e em especial da exportação de vinho do Porto.
Desnecessário se torna levar mais longe a justificação dêste pedido de aviso prévio, cuja urgência será, sem dúvida, devidamente considerada.
Lisboa e Sala das Sessões, em 27 de Janeiro de 1937. - O Deputado António Pedro Pinto de Mesquita Carvalho Magalhãis.
(Despacho: Publique-se. Comunique-se a S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho. 21 de Janeiro de 1937. - Favila Vieira).
O Sr. Presidente: - Visto que ninguém mais deseja fazer uso da palavra antes da ordem do dia, vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Querubim Guimarãis.
O Sr. Querubim Guimarãis: - Sr. Presidente: estamos em face de um problema de alto interêsse social. Vemos, pelo decorrer dos trabalhos desta Assemblea, que, na verdade, está em marcha uma revolução; se assim não fora, positivamente não seria chamada a nossa atenção para problemas de tanta gravidade e importância como aqueles que, por várias vezes, nos têm levado a intervir em discussões nesta Casa, de magnitude tam grande e tam imperiosa necessidade social como êste que hoje é sujeito à nossa apreciação.
Ainda, recentemente, ao discutir-se a proposta de lei sôbre hidráulica agrícola, êsse problema de aspecto social evidente, foi aqui apresentado à nossa consideração, e se, na verdade, a posição jurídica dos interessados, o valor económico da proposta tinha sem dúvida importância e justificava o nosso interêsse e a nossa atenção, o aspecto social do problema, se não prevaleceu, teve na verdade um lugar proeminente na economia dessa proposta.
Sr. Presidente: quando discutimos aqui também a proposta sôbre acidentes de trabalho, proposta com a qual está intimamente relacionada a agora em discussão, o problema já então se nos apresentou de interêsse social proeminente.
Sr. Presidente: sem dúvida que as conquistas que a revolução de 28 de Maio vai operando no campo da legislação social são de molde a prender a atenção de todos os portugueses e a contar com o esforço e boa vontade do Estado Novo, no sentido de uma melhor distribuição de justiça para que as classes inferiores, as classes desprotegidas, consigam assim elevar-se num nível de direitos que, não atingindo, porque é impossível atingir, o mito da igualdade, lhes dê, no entanto, garantias, não só para a sua vida e dos seus, mas ao mesmo tempo, à sociedade, garantias de ordem e tranquilidade necessárias à actividade do Estado e à actividade dos cidadãos.
A proposta que hoje se oferece à nossa consideração é uma proposta que, indubitavelmente, está compreendida nesse ramo, nesse sector do interêsse social, e vem dar à classe dos empregados e dos assalariados uma posição de garantias o do direitos que até aqui estavam muito deminuídos, senão mesmo esquecidos.
Relativamente a empregados, o nosso legislador já teve em atenção certas condições e situações desses colaboradores na vida das emprêsas ou actividades comerciais e industriais. No nosso Código Comercial alguma cousa se diz com respeito aos interêsses dos empregados, acautelando-os contra os abusos dos patrões, ao mesmo tempo que se defendem estes dos actos abusivos dos empregados. Ali são já definidos os direitos desta classe; não podem ser despedidos sem um aviso e antes de determinado período, e sem uma indemnização quando sejam despedidos sem justa causa.
Mas o aspecto do problema perante o nosso Código Civil e o nosso Código Comercial, com respeito à situação dos empregados e dos assalariados, a um aspecto meramente jurídico.
A proposta em discussão porém apresenta o problema não deslocado do aspecto jurídico, mas o que não lhe dá, a meu ver, é a proeminência do aspecto jurídico sôbre o aspecto social.
Vê-se nitidamente, Sr. Presidente, que o legislador pretende pôr em equação o problema tal como hoje se apresenta ao interêsse do Estado e à inteligência de quem governa.
Estamos em face do problema das chamadas conquistas ou reivindicações sociais, que dão lugar, ou ao exagero de reformas, como aquelas que nos Estados esquerdistas, se apresentam, o de que é exemplo a França, onde o problema surge na orgânica da Frente Popular, com uma característica revolucionária e agressiva; ou o problema, se apresenta nos Estados como o nosso, imperativo, urgente, mas com um carácter de conciliação e justo equilíbrio de interêsses que obriga a meditar para que na aplicação ou norma jurídica não surjam inconvenientes ou perigos que a prejudiquem na sua eficiência, convertendo-a em instrumento de prejuízos para a própria classe que pretende beneficiar, por levar à ruína as emprêsas.
Entendo que estes deveres sociais das emprêsas, que emergem do interêsse colectivo e do bem comum, dentro do qual têm de exercer-se todas as actividades - deveres de assistência, deveres de justa remuneração de trabalho, deveres de respeito mútuo e de garantia da continuidade de serviços e até de pensões de reforma aos que cooperem com a actividade patronal -, devem hoje entrar no cômputo dos encargos certos com que têm de contar ao organizar-se.
Mas tudo tem de fazer-se dentro de limites que tornem comportáveis os encargos com a própria vida das emprêsas.
É justamente neste campo de um justo e necessário equilíbrio dos interêsses do patronato e dos interêsses dos trabalhadores, e que é imposto pelas conveniências sociais e pelas próprias necessidades do Estado, que está, a meu ver, a importância e valor desta proposta na sua economia, na sua redacção é na sua essência, no seu espírito e na sua letra.
Há, sem dúvida alguma, aqui, em primeiro lugar, um reconhecimento expresso de direitos dos trabalhadores, e um reconhecimento expresso de deveres da parte dos patrões, mas também se verifica na proposta a necessidade da intervenção de uma espécie de «poder moderador», um poder que equilibre o jogo dos interêsses em oposição. É essa a função superior exercida pelo Sub-Secretariado de Estado das Corporações e Previdência Social, que pela lei é chamado a intervir para definir situações de direito, como acontece quanto a definição do serviço do assalariado e do empregado.
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Tenho para mim, Sr. Presidente, que estes problemas de ordem social não deveriam ser resolvidos de um modo genérico, numa disposição de lei que abranja no conjunto todos os casos, mas que, embora em diploma dessa espécie directrizes se consignassem para cada caso particular, regularia o prudente critério de um julgador sagaz, consciencioso, com a mentalidade do momento que passa, intervindo para as soluções próprias, tendo em vista justamente as necessidades das classes trabalhadoras, mas não esquecendo também os legítimos interêsses das classes patronais.
Seria esta a melhor maneira, a mais prática, de atingir o fim social que se pretende atingir e que depende profundamente do exame de cada caso concreto nas variadíssimas formas que pode revestir.
Pregunta-se a cada passo: ¿mas porque não hão-de os trabalhadores, os operários, ter a garantia de um salário mínimo, porque não hão-de ter a garantia de um salário familiar, porque não hão-de ter a garantia de férias, porque não hão-de ter a garantia de uma remuneração justa e de uma indemnização no caso de serem despedidos, problemas que em parte estão tratados nesta proposta? ¿Porque se não hão-de reconhecer estes direitos, que se apresentam aos nossos olhos com a importância de um imperativo da nossa própria consciência? Porque não havemos de dispensar essas graças, êsses favores, que mais não representam que a conquista de um direito que através de tantos anos de luta se tem apresentado como incontestável?
E pergunta-se ainda: para quê e porquê tantas hesitações, tantas dúvidas, em conceder o que se impõe como legítimo?
Sem dúvida que a nossa consciência de homens moralmente bem constituídos, a nossa consciência de cristãos, muito mais ainda nos impõe o dever de reconhecer a justiça que assiste a muitas reclamações.
Mas o problema não pode ser encarado unilateralmente, tam flagrante é a interdependência em que actuam os dois factores da produção - o capital e o trabalho.
Aquelas interrogações justo é que correspondam estas outras:
¿É possível ao capital satisfazer todas as justas exigências do trabalho? ¿Até onde vão as possibilidades da empresa?
Para cada caso especial impõe-se a conveniência de soluções particulares.
O problema do salário, por exemplo, regulado de um modo genérico, nem sempre é resolvido com justiça.
Tenho observado que um pequeno salário é, nalguns locais, suficiente remuneração para o trabalhador e família. Onde a vida é mais fácil e as despesas são menores, um salário baixo é o bastante; ao contrário, um salário duas ou três vezes superior a êste a que me estou referindo não é, muitas vezes, suficiente para garantir o sustento de um operário e da família, de modo a dar-lhe a segurança de que pode realmente dedicar-se àquela actividade, porque tem, em troca, uma remuneração condigna, e as desilusões tornam, por vezes, insuportável a vida deste operário, que, por um dever de consciência, pela intuição do próprio perigo, por disciplina que se impõe, não vai para o campo da luta, não se revolta, não arremete em impropérios e imprecações contra o patrão, e antes se submete, numa transigência que positivamente lhe não dá nem o pão para o corpo nem a paz para o espírito, de que tanto necessita.
O problema tem, pois, nos vários aspectos que comporta, facetas muito especiais, que as soluções genéricas não resolvem com justiça tanta vez.
Seria para desejar que uma espécie de comissões paritárias, com representantes de operários e patrões, pudessem resolver estes pequenos problemas, que são de manifesta importância e merecem ser resolvidos, ouvindo-se as duas partes, inquirindo-se da situação económica das empresas e das verdadeiras necessidades dos trabalhadores e atendendo-se aos interêsses legítimos daquelas e às justas reclamações dêstes.
Essas comissões paritárias facilitariam as soluções necessárias.
Sr. Presidente: ninguém deixará de aplaudir esta iniciativa do Govêrno e de dedicar toda a atenção, um carinho muito especial, à proposta em discussão.
Pôs-se de parte o princípio romanista da liberdade de contratar, que assenta no regime jurídico da lei civil, no simples mútuo consenso.
Mas, se perdeu a chamada juridicidade, a que se refere o douto parecer da Câmara Corporativa, ganhou a justiça e a moral, em que tem de assentar o contrato de trabalho.
Essa juridicidade, que fez o seu tempo, traz muitas vezes confusão aos espíritos e, pela rigidez do princípio, insuficiente para as soluções de momento, conduz a estados de flagrante injustiça.
A liberdade de contratar cede perante as exigências sociais.
A sua limitação, como todas as limitações do direito, é justificada por uma necessidade pública que leva o Estado a intervir no sentido dessa limitação.
Quer no campo político, quer no campo económico, quer no campo social, a liberdade do indivíduo é condicionada pela imposição das circunstâncias e pelo imperativo da defesa da comunidade.
É essa, Sr. Presidente, a alta função dos Estados, sobretudo na época que passa, de profunda renovação e transformação.
Os legítimos interêsses das classes trabalhadoras não se defendem por espírito de popularidade, mas por exigências da razão e da consciência. É êsse o sentido da proposta em discussão.
Creio, Sr. Presidente, que há uma incompreensão grande da parte das classes que estão, digamos, nos dois polos do problema.
Há uma incompreensão grande da parte dos patrões, como também a há, por vezes e grande, da parte dos trabalhadores e operários. Essa incompreensão leva o patrão a rebelar-se contra a intervenção do Estado, contra as disposições da lei que vem limitar os seus interêsses, ¿É a tradição jurídica da liberdade do contrato! É a tradição individualista, que levou no século XIX aos excessos capitalistas, que hoje verberamos e não admitimos, e que deram lugar à revolta dos oprimidos e à luta de classes que fizeram gerar as fórmulas anti-sociais e anti-humanas, para cujo predomínio se traz o mundo em sangue e em fogo.
Tudo se fez, nesse regime capitalista de liberdade, para degradar o homem e aviltá-lo na sua condição.
O homem de trabalho, fustigado pela necessidade de viver, oferecia-se no mercado como um animal a abater, ou uma peça a usar.
Vil mercadoria, regateada ao balcão.
Sujeitou-se, por conveniência do patrão, a criança a trabalhos que a inutilizavam para o futuro.
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via, por se ter estancado a própria fonte da vida, desbaratado o seu organismo, arruinado e exausto, abandonava-se por completo, porque o contrato, livremente feito, não previa a hipótese. Suprema irrisão!
Como se, acima dos contratos e acima da própria lei, não estivessem deveres morais que não podem esquecer-se.
Mas os gananciosos do capitalismo tudo isso esqueceram para se agarrar à tal juridicidade que lhes servia à maravilha os intentos.
A grande revolução operou-se no mundo há dezanove séculos. Fê-la Cristo e está consignada nas máximas preciosas do Evangelho. Quem as não esquece não precisa da lei, do imperativo da norma jurídica e do temor das suas sanções. Quantos assim procedem!
Todos estes problemas são, no fundo, problemas de ordem moral.
Patrões e operários têm de se compenetrar da essência desses deveres e olhar-se como irmãos e nunca como inimigos.
É êsse princípio de cooperação e fraternidade que as leis sociais, como a proposta que discutimos, pretendem estabelecer.
Há quem não esqueça êsses deveres e se antecipe à lei.
A cada passo vemos na imprensa a descrição de atitudes simpáticas, atitudes de carinho de patrões para com operários. Há factos interessantes a registar.
Ainda não há muitos anos se comemorou o centenário da Fábrica de Porcelana de Vista Alegre, que, pela sua tradição, pelo seu nome, pela sua já longa existência e pela excelência dos seus produtos, pode considerar-se a primeira, senão a única no género. Pois foi interessante ver, nessa festa realizada num largo extenso onde se faz mensalmente uma feira, junto dos patrões - que constituem uma verdadeira família, pois para essa sociedade só podem entrar membros da família Pinto Bastos -, patrões já bisnetos dos fundadores da fábrica, os bisnetos dos primeiros operários que com os fundadores trabalharam, todos comungando no entusiasmo do momento, no mesmo grande desejo de prosperidade da emprêsa. E o que ali se faz em matéria social é lição eloquente e exemplo salutar.
Se em todas as emprêsas assim se procedesse não se tornava perigoso o problema nem o Estado necessidade tinha de intervir na defesa de direitos postergados.
A proposta insere, na mesma ordem de conceitos em que assenta, a novidade das férias concedidas aos empregados e aos assalariados.
Através do parecer da Câmara Corporativa vemos, em face das observações feitas pelas várias secções consultadas, que o problema se apresenta com dois aspectos, como é natural.
Por um lado são os representantes das classes trabalhadoras a proclamar a exiguidade do período de férias que a proposta concede.
Do outro lado observa-se que é preciso cuidado e prudência.
Aqui há também que atender aos princípios de equidade e de justiça e àquele equilíbrio de justos interêsses a que já aludi.
A isso atende a proposta. Afirma um princípio, define um direito, mas é prudente.
Pode-se dizer que estamos perante um ensaio, uma experiência, que facilitará sem dúvida soluções mais radicais de futuro.
Também neste capítulo a melhor solução ainda é a particular para cada caso concreto.
A proposta, em discussão, se se afastou das soluções radicais, se não concedeu aos empregados e assalariados maiores períodos de férias, como fazem outras legislações, não deixa por isso mesmo de merecer a nossa aprovação, o nosso melhor aplauso.
Repito: estamos num período de iniciação.
Se de futuro as circunstâncias exigirem que se intervenha com um novo diploma, dando maiores garantias às classes trabalhadoras, como creio, nesse e em todos os aspectos do problema, ¿porque se não há-de fazê-lo?
A França da Frente Popular deu ao problema, como era próprio do seu carácter revolucionário, uma outra solução. Concedeu férias, que vão até trinta dias, mesmo aos próprios assalariados domésticos.
A Itália por outro lado, não indo tam longe, vai no entanto bem mais longe que o autor da proposta, que limita as férias a poucos dias em cada ano.
Mas é melhor assim. Parecem no entanto aceitáveis as sugestões da Câmara Corporativa aumentando um pouco mais os períodos de férias.
Mando para a Mesa várias propostas de harmonia com essas e outras sugestões daquela Câmara, que perfilho e que considero dignas da atenção desta Assemblea.
Sr. Presidente: um outro ponto desejo abordar. Vemos a cada passo emprêsas comerciais e industriais importantes - e parece até, infelizmente, que quanto mais importantes mais facilmente esquecem os seus deveres - menosprezar legítimos direitos dos seus colaboradores; dispensando dos seus serviços velhos empregados, com família numerosa, com necessidades criadas pelas possibilidades de um orçamento que lhes assegurava uma receita certa, assim despedidos arbitrariamente ao fim de doze, de quinze, de vinte e até de quarenta anos, não por uma justificada medida de economia, por necessidade de deminuir a despesa, eliminando dos quadros alguns empregados, mas para colorarem em seu lugar pessoas que no momento desejam beneficiar, compatriotas seus, quando estrangeiros, ou quaisquer outros.
Esquecem essas emprêsas deveres para com êsses velhos empregados, que as ajudaram a realizar os seus objectivos e que concorreram para a sua prosperidade, que, através de tam longo tempo, as acompanharam nas suas desditas ou com elas partilharam das suas alegrias.
A proposta procura obviar em parte a êsses inconvenientes e pôr cobro a tais abusos, não permitindo que o empregado ou assalariado abandone o trabalho por mero arbítrio do patrão, sem que este seja obrigado a indemnizá-lo.
Mas a proposta não me parece que evite o abuso a que acabo de aludir e que ataque o problema quanto a velhos empregados, encanecidos no trabalho e sem possibilidade, porventura, de encontrar colocação, quando despedidos sem justa causa.
Parece que êsses homens deveriam ter direito a uma pensão de reforma semelhantemente ao que se dá com os funcionários, isso, bem entendido, sempre que a situação económica da emprêsa tal permitisse.
Não vejo outro meio de obstar à miséria de tantos empregados no final da vida, quando assim despedidos.
Todos V. Ex.ªs vêem como o problema que a proposta pretende resolver tem aspectos delicados de ordem social, de ordem económica e de ordem moral, sôbre os quais é preciso reflectir.
Sr. Presidente: parece que no articulado da proposta nem sempre o seu autor, a quem eu rendo com os meus aplausos a manifestação da minha homenagem mais sincera, tenha correspondido ao seu próprio sentimento, que é o espírito da proposta; mas, na especialidade,
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ao discutirem-se os diversos artigos, emendas serão apresentadas por certo no sentido de eliminar dúvidas, acabar com certos equívocos de interpretação, definir melhor situações e garantir-lhe maior eficiência.
De momento, apresento a V. Ex.ª as propostas de alteração, de substituição, de eliminação e de aditamento a alguns artigos da proposta que na especialidade desejo tratar.
Por ora, tenho dito.
O Sr. Lopes da Fonseca: - Sr. Presidente: ao conjunto de providencias de carácter económico e social com que se vem fazendo a protecção do trabalho vem hoje acrescer esta proposta, uma proposta interessante em todos os seus aspectos.
Esta proposta tom o âmbito subjectivo maior que é possível.
É certo que o âmbito subjectivo de todas as propostas é visto para todos na possibilidade sempre igual, mas na realidade não é assim, porque o condicionamento indispensável para ficar no alcance da lei nem sempre permite que todos possam colocar-se nesta situação.
A proposta em discussão tem isto: é que existe só como condição um corpo para trabalhar; e tem ainda mais isto: ela destina-se sobretudo a proteger aqueles que não tem e não realizam mais que essa condição.
A proposta em discussão visa principalmente a dar ao contrato de trabalho uma determinada e indispensável fixidez, porque pode parecer a primeira vista que os contratos do trabalho são sempre, como todos os contratos, com prazo mais ou menos certo. Não é assim. Os contratos de trabalho são ordinariamente de prazo indeterminado. E o prazo indeterminado dos contratos de trabalho fazia e faz com que à vontade e sem justa causa se lhes pudesse e possa pôr termo.
Isto é um dos maiores inconvenientes para patrões e para operários. E, se isso foi sempre um inconveniente, êle cresce sobretudo agora, porque vem juntar à inquietação notável que a vicia moderna, hoje apresenta e em que se debate esta incerteza que representa para o trabalhador uma incerteza de pão que a perturba, desorienta e revolta.
O decreto tem, pois, esta vantagem de vir tornar fixo o termo do contrato de trabalho. E como? Determinando que tem de haver aviso prévio, quando o contrato é por tempo não marcado; e, quando o despedimento é sem aviso prévio, toma-se como sendo no dia em que o despedimento é feito, não a despedida, mas o aviso, porque as penas são as mesmas do que faltando o aviso prévio.
Devo dizer que é de lamentar simplesmente que nas consequências que depois se tiram desta disposição indispensável - absolutamente indispensável- se não dê ao trabalhador uma garantia, que julgo necessária. É a seguinte: é que assim, como no contrato com têrmo fixo, quando o trabalhador se despede, o proprietário tem direito de não lhe pagar o que deve. Não pode ser. E não pode ser porque seria colocar numa posição de injustiça o proprietário que honrado e paga a tempo, visto que, se êle tinha pago a tempo, o operário só deixa de receber o que deixou de trabalhar, mas o outro, porque não soube cumprir, porque deixou de pagar a tempo - e deixar de pagar a tempo é um pecado -, quanto a isso o trabalhador, talvez farto de esperar, porque saiu, fica quite: não tem nada a receber.
Sei que era assim no nosso velho direito. Sei mesmo que isso é um pouco da tradição, porque nas nossas próprias ordenações afonsinas, como nas espanholas, também o caso é regulado da mesma forma. Mas já através da Idade Média, quando a interpretação do direito - principalmente do direito dos trabalhadores - era feita por intermédio da Igreja, a Escolástica e nomeadamente os casuístas afirmaram sempre que era necessário pagar ao trabalhador o vencido. Realmente, uma de duas: ou o proprietário, com a despedida do trabalhador, teve de facto um prejuízo - e então há que ver a quanto monta êsse prejuízo e não ser arbitrário e tornar-se maior quando êle é menos cumpridor - ou então o proprietário só deixou de ter o trabalho e, nesse caso, só o que tem a pagar é êsse trabalho.
Se como pena duma falta há que pôr alguma cousa, ela não pode ser indeterminada, arbitrária e sobretudo injusta, sendo maior para os mais pequenos.
É esta a meu ver. Sr. Presidente, dentro das garantias a que a proposta de lei se destina, a mais importante.
E digo a mais importante porque há uma outra que também noto: é a das férias.
Relativamente às férias, só direi que as acho apoucadas; e, principalmente, se se combinam as férias com um outro artigo da proposta que considera a doença, independentemente da sua gravidade, como motivo do rescisão de contrato, pois que no n.º 1.º do artigo 10.º se tem como motivo de rescisão de contrato a moléstia contagiosa ou doença do empregado que o impeça de continuar a prestar o serviço ajustado, independentemente da sua perpetuidade ou até do seu prolongamento, sendo certo que no nosso direito estava a obrigação de não despedir o operário por êsse motivo, mas, antes, de o tratar (Apoiados). Neste ponto a proposta traz, em vez de uma garantia para o operariado, um gravame, combinado com a pequenez das férias.
Há um outro aspecto ainda.
Êste caso das férias, englobado nesta legislação que pretende dar fixidez ao trabalho, tem certa importância como afirmação. E vou dizer porquê.
Se é certo que a fixidez do trabalho no contrato é garantia, por outro lado, como remédio contra o desemprego que nos aflige, pode ser até contraproducente. Mas não assim com as férias. Estas não têm só o intuito de ser higiénicas, por virtude do descanso indispensável através da vida para os que trabalham, mas traz a substituição das pessoas que trabalham; são como que a regularização para o desemprego, aquilo que disse um ilustre escritor - ilustre sob todos os pontos, na forma como trata os assuntos e no à-vontade com que os sacode, porque chega a ser sacudi-los a forma como os trata. Realmente, um dominicano ilustre que escreve na Révue Intellectuelle, editada em França, diz num dos seus números, exactamente naquele que trata da importância que o maquinismo tem para a vida do operário moderno, e a que chama «Documentos e problemas que o mecanismo põe», e depois de fixar que aquilo que do maquinismo resulta é uma era de abundância que nos desgraça o que é preciso transformar em era de abundância que nos salve - que é preciso repartir o descanso de forma a que chegue a todos e por todos possa ser aproveitado na instrução e na diversão, mas em diversão que não seja perversão.
É pois indispensável que nesta matéria haja o carácter espiritualista.
Convém pois apontar êste aspecto interessante focado pelo dominicano a propósito dêste ponto: se o desemprego é o descanso mal repartido, as férias são a necessidade não só de natureza higiénica, mas de distribuição do descanso para que todos tenham tempo do se instruírem, de se libertarem mas sem se perverterem, dando assim o nosso século uma idea espiritualista que ela deve ter.
Um outro aspecto da proposta é o da rescisão, de maneira que a proposta traz a fixidez por motivo de férias e por motivo de doença, queria eu.
Há agora a rotura ou o fim do contrato sem causa, com disposições que para os operários se julga que são
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demasiadas e que para o patrão se julga que estão certas, que é pagar no fim do contrato.
Relativamente às causas devo dizer que estão bem, mas o que estão é mal arrumadas.
A moléstia contagiosa ou doença do empregado deve passar para as causas que dão origem a que o patrão possa despedir o empregado. A falência ou insolvência deve passar para o quadro dos empregados. A única que de facto é causa comum, que pertence tanto ao operariado como aos patrões, e que é bem que fique como igualdade de direitos no contrato de trabalho, é aquela que se refere às ofensas à honra ou dignidade, ou desinterêsse de qualquer das partes.
À parte isto a que o decreto visa, êle trata ainda de fixar certas definições, algumas de grande melindre.
A primeira cousa que faz é definir o contrato de trabalho. Bem necessário isso era. Realmente, desde que nós, no Instituto Nacional do Trabalho, dizemos que trabalho e capital são colaboradores necessários entre si, poder-se-ia pensar que êle é mais que um contrato de prestação de serviços, é um contrato de sociedade, quando isso não é assim, pois que se trata apenas dum contrato de prestação de serviços.
Afirmação, portanto, indispensável e verdadeira.
Estabelece dependência, como é natural, porque a prestação de serviços é a alguém, manifestamente.
Chama o decreto, a essa dependência, dependência de carácter jurídico, antepondo essa àquela outra dependência, de carácter económico.
Creio que não está certo.
A dependência de carácter económico, quando o direito a sagra, é jurídica como a outra.
A jurídica, a que a proposta se quere referir, deve ser a velha tendência pessoal ou de pessoa. Essa é que é a dependência clássica.
Traz também a proposta de lei a classificação do trabalhador entre empregados e assalariados.
Indispensável essa classificação.
Diz-se que a classificação não abrange completamente no seu conteúdo os empregados e os assalariados, porque há alguns - partes intermédias - que poderão estar entre os assalariados e entre os empregados. Mas acontece assim em todas as classes. É o velho adágio: Natura non facit saltus - a Natureza não faz saltos. Por isso, nas classificações tem sempre de haver um meio termo, que tanto pode ser para um lado como para o outro.
Mas isso não tem impedido nunca que haja classificações, porque elas são absolutamente indispensáveis ao estudo, e, mais do que ao estudo, são indispensáveis em direito, à prática e à própria justiça.
Decorre naturalmente da distinção entre empregados e assalariados a distinção entre ordenados e salários, correspondendo o ordenado ao empregado e o salário ao assalariado.
São estas as definições e classificações que a proposta apresenta e que eu aplaudo, bem como as outras, pelas garantias que elas representam e que eu simplesmente lamento que não sejam maiores ainda.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador não reviu.
(Assumiu a presidência o Sr Dr. Albino dos Reis).
O Sr. Alberto Navarro: - Sr. Presidente: quem, daqui a alguns anos, ler atentamente o Diário das Sessões há-de fazer justiça à obra produzida pela Assemblea Nacional.
Facilmente verificará a importância dos assuntos aqui debatidos, constatará, se for justo, a forma elevada e correcta como decorreram as discussões, verá o estudo, a ponderação e o cuidado com que foram examinados os mais diversos problemas de administração pública, como a Constituição, o Código Administrativo, os acidentes de trabalho, a irrigação agrícola, a Casa dos Pescadores e tantos outros, e não poderá deixar de reconhecer, por último, que as considerações aqui feitas são uma fonte indispensável para o estudo e interpretação das futuras normas legais.
Pena é que, ao contrário do que sucede à Câmara Corporativa, esta Assemblea Nacional tenha, pela força imperiosa das circunstâncias, de examinar várias propostas e projectos de lei, de uma importância social, económica e política capital, num curtíssimo espaço de tempo - três ou quatro dias apenas, como acontece, por exemplo, com a proposta em discussão.
Pena é que assim suceda; mas êsse facto não deslustra, nem apouca o trabalho desta Assemblea Nacional, antes, pelo contrário, o torna mais meritório e valioso pelo seu grande esforço.
Sr. Presidente: subi a esta tribuna atraído pelo interêsse da proposta.
Não pude fugir de tomar parte na discussão e de contribuir com a minha modesta e desvaliosa cooperação para o seu estudo.
É que o problema que se debate - com as suas inúmeras facetas - seduz-nos e arrebata-nos.
Ele - talvez mais do que nenhum outro - vem mostrar que uma revolução está em marcha.
Os conceitos do século passado, a sua ideologia desapareceu ou tende a desaparecer.
Levanta-se, cada vez mais forte, o direito do trabalho.
Mais do que direito - o trabalho é um dever e uma honra.
No contrato de trabalho, mais do que em nenhum outro, o interêsse comum, o interêsse da colectividade organizada, isto é, da Nação, deve sempre prevalecer sôbre o interêsse privado e particular.
Entre o patrão e o trabalhador - quer êle seja o empregado, quer o operário - aparece como supremo mediador - em nome da colectividade - o Estado.
Não para os considerar partes iguais - porque equipara-los seria desde logo pôr numa situação de inferioridade o trabalhador -, não para estabelecer leis e premissas, como se êles fossem dois vulgares outorgantes, num simples contrato sinalagmático, adstritos a obrigações similares e gozando de direitos equivalentes, mas para estabelecer um direito novo que surge, que marcha e se fortalece à medida que a humanidade avança, direito que, pondo de parte as regras da hermenêutica jurídica e dos princípios gerais do direito, vai assentar as suas bases e mergulhar as suas raízes mais profundas no interêsse económico e social que a todos e a tudo sobreleva.
Em contrapartida, ao patrão será dada toda a autoridade e todo o prestígio necessário para o desenvolvimento e progresso da sua emprêsa.
Tempos hão-de vir em que o desempenho da actividade patronal há-de ser uma espécie de função pública, da qual o patrão pode ser destituído, como já sucede hoje na Alemanha, caule o nacional socialismo tem dado a estes assuntos um desenvolvimento notabilíssimo.
É que, nesse adiantado e atraente país, cada qual tem uma obrigação social a desempenhar e deveres a observar; não deveres morais somente, mas obrigações jurídicas, cuja violação constitue uma falta à honra e ao interêsse nacional que deve ser severamente punida pelo Estado organizado, que disciplina e comanda as forças morais, económicas e sociais da Nação.
Hoje, pelas novas concepções, o contrato de trabalho, sendo sempre um contrato de direito civil, tende a ser
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objecto cada vez mais de uma regulamentação muito particular, inspirando-se de princípios estranhos e até contrários ao mesmo direito civil, visando, acima de tudo, a protecção, a defesa e a garantia dos trabalhadores.
E é ao Estado que compete, por meio de diplomas apropriados, estabelecer as regras imperativas que o hão-de reger.
Reli há dias, Sr. Presidente, a admirável encíclica Rerum Novarum, daquele extraordinário génio político e que foi um dos maiores papas que ocuparam o sólio pontifício.
Leão XIII escrevia nessa encíclica: «... a equidade recomenda que o Estado se preocupe com os trabalhadores e que proceda de tal forma que de todos os bens que êles fornecem à sociedade lhes pertença uma parte conveniente... A classe rica fortifica-se atrás das suas riquezas e tem menos necessidade da tutela pública. A classe indigente, pelo contrário, desprovida de riquezas que a ponham a salvo da injustiça, conta, sobretudo, com a protecção do Estado. Que o Estado se constitua, portanto, por um título muito especial, a providência dos trabalhadores que pertencem à classe pobre».
Com menos sentimento e elevação, mas com grande eloquência, o mesmo afirmava Lacordaire quando exclamava: « ¡Entre o forte e o fraco, entre o rico e o pobre é a liberdade que mata, é a lei que liberta!».
E de harmonia com estes princípios o Estado Novo, como lhe cumpria, apresenta hoje uma proposta de lei sôbre a prestação de serviços, garantindo e assegurando o direito ao trabalho.
Ah! Sr. Presidente, se volvermos a vista para trás, se lançarmos um olhar retrospectivo e virmos o caminho andado, não poderemos deixar de reconhecer o que de muito se tem feito, em tam curto espaço de tempo.
Se atendermos ao que era o País há uma dezena de anos, à sua desorganização social e política, à sua ruína financeira, ao seu descalabro económico, e observarmos o que êle é hoje, forte, organizado, disciplinado e respeitado interna e externamente, ¿como não ser cada vez mais defensor do Estado Novo?
¡¿Como não ajudar, na medida das nossas forças o homem, de uma tenacidade quási sobrehumana, a quem se deve toda esta obra?!
Muito há já feito, por certo... mas muito há que fazer ainda, e certamente se fará, porque o Estado Novo é uma criação contínua.
¡¿E hoje, que se discute êste projecto de tam alta importância para as classes trabalhadoras, não será a altura de lhes preguntar, à boa paz e em sua consciência, se não é preferível colaborar com o Estado Novo, que, paladino dos seus legítimos interêsses, os defende, ajuda e protege e lhes garante os seus direitos, criando as Casas do Povo e as dos Pescadores, admitindo os contratos colectivos, assegurando-lhes a estabilidade nos seus empregos, nas suas artes e ofícios, ou garantindo-lhes a devida indemnização se forem despedidos sem justa causa, dando-lhes férias, protegendo a mulher casada, quando parturiente, amparando-os na doença, nos acidentes do trabalho, na velhice, na invalidez e na miséria, se não é preferível, numa palavra, defender o sistema político que a todos garante o direito ao trabalho, a ser elemento de desordem e provocar a destruição e morte com armas repugnantes e criminosas, como o fizeram há dias, com a indignação do País inteiro, alguns desvairados nas mãos de elementos estrangeiros, que só pretendem a ruína da Pátria e o seu desagregamento, como o estão fazendo na desditosa Espanha?!
¿E não será a altura de preguntar também àqueles que, indiferentes ou adversos, não estão connosco porque, embora nos não combatam deliberadamente, nos não ajudam, e, antes, pela sua desconfiança, pela sua descrença, passividade ou ironia, nos prejudicam, se não será a altura de defender abertamente o Estado Novo, que garante a ordem, a hierarquia, a paz social, a fim de opor uma barreira à onda de sangue e lama que a todos subverterá se não encontrar pela frente as necessárias e indómitas energias que a desfaçam?
É chegado o momento de todos os bons portugueses unirmos fileiras para defesa da Pátria ameaçada - e é por isso que, nesta altura em que nesta Assemblea se discute uma proposta de tam capital interêsse para as classes trabalhadoras, eu formulo estas interrogações, certo de que todos os homens de boa fé e de boa vontade hão-de coadjuvar-nos na restauração completa e orgânica da Pátria.
Sr. Presidente: analisei, segundo creio, a proposta em conjunto e na sua função social, que, para mim, é a mais interessante.
Passarei agora também a analisar, na generalidade, as disposições nela contidas.
Análise essa facilitada pelo excelente parecer da Câmara Corporativa, que, com um detalhe e um estudo minucioso, foca o assunto sob todos os seus aspectos, e que revela bem o mérito do seu autor.
Em primeiro lugar, escuso de encarecer as vantagens da proposta, e a sua oportunidade.
Elas são evidentes e ressaltam à primeira vista.
Era manifesta a insuficiência do nosso Código Civil na regulamentação do contrato de trabalho, e não admira que assim fôsse.
Às duas influências predominantes na sua redacção se deve ir buscar a causa de tais lacunas: à influência do direito romano e à influência do Código de Napoleão: o Código do individualismo burguês e capitalista, como lhe chamou Picard.
Em Roma, o trabalho era quási todo feito por escravos: não tendo estes existência jurídica, natural ora, portanto, que as leis se não referissem ao contrato de trabalho.
No século passado, já o contrato de trabalho era o mais frequente de todos os contratos, mas o espírito que animou o Código de Napoleão, como também o nosso, era no sentido de favorecer a classe média, que, em sua plena pujança, não conhecia ainda as reivindicações operárias.
Por isso não admira que o nosso Código Civil não desse o necessário desenvolvimento ao contrato de trabalho, e lhe consagrasse apenas alguns artigos, sob a designação genérica de «prestação de serviços».
Hoje, porém, as circunstâncias mudaram e só pelo trabalho o homem se torna digno e forte.
O trabalho é mais do que um direito, pois é uma obrigação social, como disse há pouco.
Desta forma, havia que regular o contrato de trabalho de harmonia com as concepções modernas e é isso que a proposta agora em discussão vem fazer, atingindo, a meu ver, plenamente o seu objectivo.
Começa a proposta por definir, no seu artigo 1.º, «o contrato de trabalho».
E bem andou em fazê-lo, embora não possa deixar de me lembrar da regra tam sensata da escolástica:
«Omnis definitio periculosa»
Mas penso que deixar para os tribunais a classificação de contrato de trabalho, como o faz a legislação francesa, era mais desvantajoso, pela imprecisão e incerteza, do que procurar definir na lei o que êle seja.
Não me repugna, antes aceito-a definição dada no artigo, que é semelhante à apresentada por Rouast, e orientada, como aliás toda a proposta, no sistema
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actualmente em vigor na Alemanha, e que tem dado óptimos resultados.
O Código Civil alemão conhece duas categorias de contratos de actividade (isto é, os contratos nos quais a actividade pessoal de uma das partes constitue o objecto da convenção, ou uma das suas obrigações): contrato de prestação de serviços e contrato de empreitada, sendo a distinção, entre um e outro a de que no primeiro se procura obter serviços e no outro atingir um fim.
O contrato de trabalho aparece nesta classificação como uma espécie particular de contrato de prestação de serviços, que o Código alemão define da seguinte forma: o um contrato sinalagmático pelo qual uma pessoa (a que presta os serviços) se compromete para com outra (a que recebe os serviços) a prestar os mesmos serviços contra a promessa de uma remuneração».
Mais genérica talvez esta definição, mas, por isso, talvez mais vantajosa.
Analisando o artigo 1.º vemos que aí se encontram três elementos distintos:
1.º Uma obrigação de fornecer o trabalho (actividade profissional), compreendendo as palavras «actividade profissional» num sentido bem amplo, isto é, tanto o trabalho corporal, como o intelectual;
2.º Uma obrigação que se funda num contrato de direito privado, o que exclue do contrato de trabalho os funcionários;
3.º A obrigação de trabalhar sob a dependência de outrem, o que implica uma subordinação e exige do assalariado um dever de obediência.
É claro que, quanto a êste último elemento, devo observar que a noção de dependência é essencialmente variável, e que, como se diz no parecer da Câmara Corporativa, a independência é não só puramente jurídica como técnica ou económica.
Desta forma, há pessoas que segundo a sua actividade podem estar ou não compreendidas no contrato de trabalho.
Os médicos e os advogados, muito embora o nosso Código Civil considere o mandato como um contrato diferente do de prestação de serviços, podem estar abrangidos, a meu ver, no artigo 1.º
Assim, os médicos e advogados, quando recebem ou visitam os seus clientes e lhes dão consultas, «exercem a sua profissão», mas, quando são médicos ou advogados de uma companhia, ou de uma empresa, ou servem uma clínica, estão adstritos a um contrato de trabalho, com horas regulamentares, serviços próprios na dependência da direcção da empresa, da sociedade ou da clínica de que são empregados - portanto, sujeitos às disposições que regulam o contrato de trabalho.
Não quero deixar de aludir à, observação que se apresentou ao espírito dos dignos membros da Câmara Corporativa que intervieram no assunto: a do serviço doméstico.
Não pode haver dúvida de que o contrato de serviço doméstico entra no âmbito do contrato de trabalho, conforme êle é definido no artigo 1.º da proposta, mas também é indubitável que, tratando-se de uma modalidade, muito especial, do contrato de trabalho, que o novo Código Civil, trata numa secção especial, no capítulo do contrato de prestação de serviços, e na qual a característica especial é da convivência de ambos, é de observar que esta figura jurídica tem uma fisionomia própria, à qual não podem ser aplicadas as disposições gerais reguladoras dos outros contratos de trabalho, conforme sucede em todas as legislações.
De aprovar, a meu ver, é pois a sugestão do parecer da Câmara Corporativa, quando diz ser sua opinião que se deve estabelecer expressamente que as disposições da futura lei não são aplicáveis ao serviço doméstico, que
continuará a ser regulado pelos artigos 1370.º e seguintes do Código Civil, devendo-se também, a meu entender, suprimir o artigo 14.º, pelo qual o serviçal pode ser despedido pelo amo sem justa causa antes de completar um mês de serviço, que é o período da experiência para verificar a sua competência ou inhabilidade para o serviço.
Um dos pontos mais importantes da proposta contém-se no artigo 4.º
Neste artigo estabelece-se a classificação daqueles que prestam serviço a outrem, em consequência de um contrato de trabalho.
Classifica-os a proposta em empregados e assalariados.
Empregados são aqueles cujo trabalho se caracteriza pelo seu esforço intelectual sôbre o físico ou os que pela sua hierarquia profissional possam ser tomados como colaboradores directos da entidade patronal.
Assalariados, os operários das artes e ofícios,, os trabalhadores em geral, cujo serviço se reduza à simples prestação de mão de obra.
Não é fácil, por vezes, na prática encontrar a diferença entre o que seja um empregado e o que seja um assalariado. A êste respeito não posso ser da mesma opinião do meu querido amigo Sr. Dr. Águedo de Oliveira, que nas suas brilhantes considerações feitas ontem aqui declarou que lhe parecia ser fácil a distinção.
Lá fora, nos países onde a legislação operária está mais adiantada, como Itália, Alemanha e França, surgem, a cada passo, dificuldades a êste respeito. Lembro-me, por exemplo, que uma modesta vendedeira de um armazém ou uma caixa de uma loja de chapéus ou luvas tem a denominação de empregadas, embora não tenham qualquer trabalho intelectual. Mas um tipógrafo, que tem, é certo, um trabalho físico, mas tem também pelo menos um trabalho de atenção, é considerado como assalariado. Como êste caso há muitos outros.
E tanto isto é assim que o Sr. Sub-Secretário de Estado das Corporações, autor da proposta, pelo conhecimento profundo que tem do assunto, reconheceu que as dúvidas que se suscitem na interpretação da lei serão por êle resolvidas.
Em minha opinião, parece-me que, talvez, as dúvidas devessem ser resolvidas pelos juízes ou pelos tribunais. Entretanto não me repugna, não só pela economia da proposta como também pelas considerações da Câmara Corporativa, votar êste parágrafo que dá ao Sr. Sub-Secretário de Estado das Corporações êsses poderes interpretativos.
Denomina a proposta (artigo 5.º) de ordenado a remuneração do empregado, e de salário a do assalariado, determinando no § único desse artigo que, se o ordenado for estabelecido por unidade de tempo, e o contrato não tiver têrmo estipulado, será obrigatoriamente fixado a cada mês.
Parece vantajoso que, se suprimam as palavras «se o contrato não tiver têrmo estipulado», porque não vejo inconveniente algum que o ordenado seja pago mensalmente, quer o contrato tenha têrmo, quer o não tenha, e isto impede que algumas empresas, como me informaram, a fim de evitar esta disposição, obriguem, antes da publicação da lei, os seus empregados a assinar contratos a têrmo.
Aplaudo sem reserva, como não podia deixar de ser, as regalias e garantias que nesta proposta se dão aos trabalhadores, e entre as quais as férias, devendo acrescentar que reconheço como bem fundamentadas as sugestões da Câmara Corporativa quando lembra no seu parecer que as férias podem ser também, se o interessado assim o quiser, interpoladas, ou podem ser gozadas
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dentro do ano civil. Já ouvi discordar desta regalia, mas devo dizer que me surpreendeu essa discordância.
Temos em primeiro lugar que a proposta não faz mais do que reduzir a norma legal o que na prática já acontece, pois que as empresas industriais e comerciais concedem já férias aos seus empregados, e, mais ainda, a concessão das férias é já hoje lei do País pelo artigo 28.º do Estatuto Nacional do Trabalho. Há mais de três anos que existe essa disposição - faltava apenas regulamentá-la. É o que a proposta faz, atendendo às inúmeras e justificadas reclamações das classes trabalhadoras.
A Câmara Corporativa é a primeira a concordar na concessão das férias, e ela própria vem declarar que todas as outras secções que foram ouvidas concordaram em que se devem conceder as férias, e apenas a sua discordância era de as férias serem deminutas.
Concordo também, como não podia deixar de concordar, com a garantia dispensada à mulher casada no parto. No entanto, parece-me largo o período concedido de quinze dias antes de êle se dar.
Não posso também deixar de dar a minha concordância às garantias asseguradas aos militares, isto é, aos empregados que, por virtude de serem chamados ao serviço militar, tem de deixar os seus lugares.
Também a proposta trata, com o desenvolvimento e cuidado merecidos, da denúncia do contrato.
Estabelece a diferença capital entre os contratos sem têrmo (artigo 9.º) e os contratos por prazo determinado (artigo 12.º).
Nos primeiros, qualquer dos contraentes pode dá-lo por acabado, independentemente da justa causa, desde que avise previamente o outro em prazos fixados.
Nos segundos, qualquer das partes só pode denunciá-lo, antes que chegue ao têrmo o prazo convencionado, desde que haja justa causa.
A diferença entre os dois contratos a têrmo ou por tempo indeterminado é primordial e consiste em que nos primeiros o contrato de duração determinada acaba automaticamente quando se chega ao fim do prazo, e nos outros a dissolução do contrato exige uma manifestação de vontade particular.
Qualquer que seja porém a natureza destes contratos, êles terminam sempre nos seguintes casos:
1.º O contrato pode acabar por chegar a seu têrmo: é o caso normal do contrato de duração determinada;
2.º O contrato acaba por morte, do trabalhador;
3.º O contrato dissolve-se por mútuo consenso; e finalmente
4.º O contrato de trabalho acaba pela declaração de uma vontade unilateral, emanando de uma das partes que o denuncia.
Neste caso - qualquer que seja a forma do contrato - êste termina desde que haja justa causa.
¿E o que é a justa causa?
Difícil se torna encontrar uma definição, ou apontar, como o faz a proposta, um certo número de casos especiais, tendo o cuidado porém de na regra geral definir que justa causa é qualquer facto ou circunstância grave que torne prática e imediatamente impossível a subsistência de relações que o contrato de trabalho supõe.
Bem andou o autor da proposta em genericamente alargar o âmbito da justa causa, deixando ao prudente arbítrio do juiz a aplicação da lei aos casos especiais.
Assim só faz na Alemanha, assim se faz na França, assim é também na Itália.
Ao juiz compete decidir se há ou não justa causa, e naqueles países a legislação operária está tam desenvolvida que, apesar da legítima protecção ao trabalhador, se não descura o interêsse patronal.
Assim, há poucos anos um conhecido e poderoso Banco da Alemanha despedia um seu empregado que tinha ido passar as férias a Moscou, na qualidade de delegado dos sindicatos comunistas alemãis, e que no regresso tinha publicado violentos artigos de propaganda anti-capitalista, com a sua assinatura seguida da sua qualidade de empregado desse Banco.
Pois o Tribunal negou-lhe qualquer indemnização e julgou que o Banco tinha razão em despedi-lo, porque a sua atitude ultrapassava os limites das leis gerais, visto que, sem dúvida alguma, êle podia ser comunista, mas os actos da propaganda que êle fizera traziam prejuízo para o Banco de onde era empregado, pois faziam-no perder a sua clientela.
Um tipógrafo, que trabalhava num grande jornal católico, fazia uma intensa propaganda comunista e anti-religiosa, fora do seu trabalho.
Pois, apesar de êle cumprir escrupulosamente o seu trabalho, o Tribunal acha legítimo o seu despedimento, porque a sua actividade política ia de encontro à influência que procurava obter no público o jornal que o empregava.
Na França ficou célebre a sentença do Tribunal do Sena, que considerou como justificada a justa causa, no despedimento do secretário de um conhecido Senador, por aquele ter adoptado uma política contrária à do seu patrão.
Sr. Presidente: parece-me que, de um modo geral, foquei os pontos principais desta proposta.
Vou terminar, portanto, as minhas considerações, mas não quero fazê-lo sem prestar as minhas homenagens ao Sr. Sub-Secretário das Corporações.
Pratico um acto de justiça, endereçando-lhe daqui os meus louvores.
S. Exa. pode orgulhar-se de que, subscrevendo esta proposta, prestou um grande serviço às classes trabalhadoras.
Convertida em lei, será uma das pedras basilares sôbre que assenta o direito do trabalho em Portugal.
Dela partirão todas as leis e regulamentos suplementares, que se tornam indispensáveis, como o Código de Trabalho Marítimo, dos Caminhos de Ferro e outros similares, a fim de desaparecerem os óbices achados no douto parecer da Câmara Corporativa, no que respeita a êsses ramos de trabalho.
Tenho a certeza, porém, de que, neste particular, o Govêrno também não descurará o assunto.
Disse.
O Sr. Presidente: - A próxima sessão será amanhã, à hora regimental, com a seguinte ordem do dia:
1.º Continuação do debato sôbre a proposta de lei n.º 128, relativa aos contratos de prestação de serviços;
2.º Texto aprovado pela Comissão de Ultima Redacção sôbre as alterações à Carta Orgânica do Império Colonial;
3.º Ratificação dos seguintes decretos-leis:
Decreto-lei n.º 27:478, publicado no Diário do Govêrno de 13 de Janeiro: autoriza o Ministério da Guerra a contratar pessoal técnico estrangeiro para ministrar instrução nas unidades e estabelecimentos do exército;
Decreto-lei n.º 27:479, publicado no Diário do Govêrno de 13 de Janeiro: autoriza a 5.ª Repartição da Direcção Geral da Contabilidade a ordenar o pagamento da importância abonada, no ano do 1934-1935, aos oficiais e sargentos que tomaram parto no cruzeiro aéreo as colónias;
Decreto-lei n.º 27:480, publicado no Diário do Govêrno do 14 de Janeiro: regula a execução dos acordos entre Portugal e a Itália assinados em Roma em 21 do Dezembro do 1936;
Decreto-lei n.º 27:481, publicado no Diário do Govêrno de 14 de Janeiro: aumenta o quadro do pessoal menor
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da Secretaria Geral do Ministério das Finanças do um condutor de automóvel e suprime idêntico lugar no quadro do pessoal da Secretaria do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 10 minutos.
O REDACTOR - Costa Brochado.
Texto aprovado pela Comissão de Ultima Redacção
TITULO I
Da importação de óleos minerais e resíduos
BASE I
1. A partir do dia 1 de Abril de 1937, a importação, o armazenamento e o tratamento industrial dos petróleos brutos, seus derivados e resíduos ficarão submetidos ao regime especial definido na presente lei.
2. A distinção entre petróleos brutos, seus derivados e resíduos e os demais produtos abrangidos por aquelas designações genéricas, embora sob diversa denominação, será objecto de especificações técnicas promulgadas em decreto assinado pelos Ministros das Finanças e do Comércio, ouvido o Instituto Português de Combustíveis.
3. Emquanto não forem publicadas estas especificações, vigorará a. classificação constante das pautas aduaneiras, aplicando-se, para reconhecer as diferentes espécies de produtos, as normas adoptadas pela Alfândega de Lisboa.
BASE II
1. As importações de petróleos brutos só podem ser autorizadas aos titulares de licenças de tratamento industrial de óleos minerais.
2. As importações, no território do continente, de produtos derivados e resíduos de tratamento de petróleos brutos só poderão ser efectuadas com prévia autorização do Govêrno.
3. Não dependem, todavia, de autorização prévia as importações dos referidos produtos e resíduos em quantidades inferiores a 100 quilogramas, contanto que as importações sucessivas, feitas pelo mesmo importador, não atinjam, somadas, 2:000 quilogramas mensais.
4. Também não carecem de licença de importação as provisões normais de carburantes e de óleos de lubrificação das viaturas automóveis que atravessem a fronteira terrestre ou marítima.
BASE III
1. As autorizações de importação e exportação nacional e nacionalizada de produtos derivados e resíduos de tratamento dos petróleos brutos são gerais ou especiais.
2. As «autorizações gerais» são normalmente concedidas aos importadores de quantidades iguais ou superiores a 300 toneladas por mês. Poderá ser permitida, em regime de «autorização geral», a importação de óleos minerais de lubrificação, em barris, latas e outras vasilhas apropriadas, até ao limite médio mensal de 70:000 quilogramas por cada importador.
3. As «autorizações especiais» serão concedidas individualmente, para importações destinadas ao consumo exclusivo do importador, sem prejuízo do disposto no n.º 2 da base II.
BASE IV
1. Para o cálculo dos limites indicados nas bases II e III, somam-se, sem distinção de natureza ou espécie, as quantidades dos vários produtos derivados e resíduos importados pelo titular da autorização.
2. O Govêrno pode alterar, temporária ou definitivamente, estes limites e dispensar temporariamente a autorização prévia para a importação de alguns produtos.
BASE V
1. As autorizações gerais serão concedidas em alvará pelo Ministro do Comércio e Indústria, sob a aprovação do Conselho de Ministros, ouvida a Junta Consultiva do Instituto Português de Combustíveis.
2. As autorizações gerais serão válidas por três anos, considerando-se sucessivamente prorrogadas por igual período, se o Govêrno não as declarar revogadas cento e oitenta dias antes de terminar o respectivo prazo de validade.
3. A revogação será decidida em Conselho de Ministros, e só pode ser fundamentada em factos da responsabilidade do titular da autorização ou em conveniências superiores da defesa nacional ou do prestígio da Nação. Da decisão do Govêrno não haverá recurso.
4. O alvará de autorização deverá indicar particularmente:
a) A natureza, espécie e a quantidade máxima de cada um dos produtos a importar por ano, bem como as alfândegas por onde se fará a importação;
b) A situação, natureza e capacidade dos depósitos em que os importadores guardarão as mercadorias importadas, bem como o regime alfandegário a que os mesmos depósitos ficarão sujeitos;
c) A obrigação de o titular da autorização submeter à aprovação prévia do Govêrno os projectos das instalações que, porventura, pretenda construir, para descarga e depósito dos produtos importados, e de introduzir nestes projectos as modificações que lhe forem indicadas e digam respeito às facilidades de fiscalização, à protecção contra os perigos de incêndio ou explosão e à sua utilização e defesa em caso de guerra;
d) A obrigação de o mesmo titular permitir o livre acesso dos funcionários do Estado incumbidos da fiscalização aos seus depósitos e escritórios e de lhes fornecer os documentos de contabilidade e quaisquer outros que lhe sejam requisitados relativos às importações efectuadas e às existências:
e) A obrigação de enviar mensalmente ao Ministério do Comércio e Indústria uma declaração, referida ao mês anterior, na qual mencionará a natureza e, quantidade de produtos importados, vendidos e em depósito, e outras indicações que lhe sejam pedidas;
f) A obrigação de o titular da autorização fornecer directamente aos serviços do Estado e dos corpos e corporações administrativas que forem indicados pelo Ministro do Comércio e Indústria os produtos do seu comércio, com todos os bónus e descontos que concederem aos vendedores e nas mesmas condições de transporte e de pagamento, e bem assim a dar preferência às suas requisições;
g) A obrigação, quando se trate de combustíveis destinados aos serviços dependentes dos Ministérios da Guerra e da Marinha e, designadamente, de gasolinas, petróleos, gasoil, fuel-oils, de os fornecer nas quantidades requisitadas, dentro dos limites das respectivas reservas permanentes, ao preço do mercado internacio-
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nal, para produtos que tenham características idênticas ou similares.
É reservado àqueles Ministérios o direito de no momento da requisição, escolherem uma das duas seguintes formas de liquidação:
1.ª Pagamento a dinheiro;
2.ª Entrega de igual quantidade de produtos idênticos ou similares, ficando, neste caso, os importadores dispensados, emquanto se não efectuar a restituição, da obrigação de armazenagem imposta no n.º 1 da base VI, na parte requisitada.
h) A obrigação de o titular acatar e cumprir as disposições que, sôbre carburante nacional, o Govêrno venha a promulgar.
5. O Govêrno indicará, no regulamento da presente lei, as tolerâncias que serão consentidas nas quantidades importadas para consumo e no limite das reservas.
6. As autorizações especiais serão concedidas, em alvará, pelo Ministro do Comércio e Indústria, devendo a importação efectuar-se no prazo de sessenta dias a contar da respectiva data.
7. As autorizações, tanto gerais como especiais, só podem ser concedidas a entidades singulares ou colectivas com domicílio ou sede em território português ou que se submetam a jurisdição dos tribunais portugueses e não podem ser transferidas sem assentimento do Govêrno.
BASE VI
1. Cada uma das entidades importadoras de produtos derivados de petróleos brutos ou do resíduos do seu tratamento, no regime de «autorização geral» ou de «autorização especial», é obrigada a manter permanentemente em depósito no País uma quantidade de cada um dos produtos do seu comercio, ou destinados a consumo próprio, igual, a um terço das quantidades autorizadas.
2. A nenhuma das entidades importadoras com alvará de autorização geral ou especial, nos têrmos desta lei, será permitido importar em cada ano, e de cada produto, quantidade que exceda o triplo da capacidade dos respectivos depósitos.
3. Não se considera em depósito, para o efeito do disposto do n.º 1 desta base, a mercadoria em consignação, nem a que estiver distribuída pelo País para a venda a retalho, mas sómente a que se encontre nos depósitos afiançados, designados pelos interessados e como tal aceites pelo Govêrno.
4. Os produtos que constituem as reservas permanentes devem ser de características idênticas ou similares às dos produtos destinados ao consumo interno ou do próprio importador.
5. A forma da constituïção das reservas de óleos de lubrificação será determinada em relação a grupos de lubrificantes segundo a sua aplicação.
BASE VII
Se se verificar que os preços de venda, a retalho, dos produtos mencionados nesta lei não correspondem aos preços do mercado internacional, acrescidos das despesas e encargos legítimos, ou se se produzirem entendimentos entre os importadores de que resultem prejuízos para a economia da Nação ou para os consumidores, poderá o Govêrno decretar as providências convenientes para combater o abuso e conceder a quaisquer entidades, particulares ou oficiais, autorização para importarem os referidos produtos a granel ou em vasilhas apropriadas, até ao limite que julgar necessário, sem dependência das obrigações mencionadas nas bases V e VI.
TITULO II
Dos depósitos de óleos minerais e resíduos
BASE VIII
1. Nenhuma entidade, seja ou não titular de autorização geral de importação, poderá construir ou explorar depósitos terrestres, com ou sem reservatórios, de produtos derivados de petróleos brutos e resíduos do seu tratamento, sem prévia autorização do Ministro do Comércio e Indústria.
2. A autorização é necessária ainda que o depósito seja construído dentro da área de propriedade particular.
3. A autorização será concedida em alvará do Ministro do Comércio e Indústria, mediante informação favorável da Junta Consultiva do Instituto Português de Combustíveis, ou em decreto aprovado em Conselho de Ministros, ouvida a mesma Junta, se se tratar de depósitos cuja capacidade total de armazenamento exceda 1:000 metros cúbicos.
4. O prazo de validade da autorização será fixado no respectivo alvará, e pode ser superior ao da autorização geral de importação, se se tratar de emprêsas importadoras.
5. Os alvarás de autorização para construção de depósitos devem mencionar:
a) A natureza e a espécie das mercadorias a que se destinam e a quantidade máxima de cada uma delas que pode ser autorizada;
b) A situação, natureza e capacidade dos depósitos, bem como o regime alfandegário a que os mesmos depósitos ficam sujeitos;
c) As reservas mínimas permanentes que o titular da autorização se obriga a constituir e a conservar por sua conta, ou por conta de outrem sob sua responsabilidade, quando se trate de entidades não importadoras;
d) As obrigações impostas nas alíneas f) e g) do n.º 4 da base V se o depósito não for destinado ao consumo directo do concessionário;
e) As obrigações impostas nas alíneas d), e) h) do n.º 4 da base V;
f) A obrigação de manter constantemente as instalações em bom estado de funcionamento;
g) A obrigação de empregar os meios necessários, que forem indicados em regulamento especial, para ocultar, mascarar e prover à segurança das mesmas instalações e à sua utilização e defesa em tempo de guerra;
h) A obrigação de não modificar profundamente as instalações, nem dar-lhes outro destino, sem autorização do Ministro do Comércio e Indústria.
BASE IX
1. Nenhuma entidade, seja ou não titular de uma autorização geral de importação, poderá manter ou explorar, em águas territoriais portuguesas, depósitos flutuantes de produtos derivados de petróleos brutos ou de resíduos do seu tratamento, sem prévia autorização do Ministro do Comércio e Indústria, que poderá delegar a sua competência para êste fim nas administrações dos portos.
2. As autorizações referidas nesta base serão concedidas em alvará, mediante informação favorável da Junta Consultiva do Instituto Português de Combustíveis.
3. O prazo de validade da autorização será fixado pelo Ministro do Comércio e Indústria no respectivo alvará, e pode ser superior ao da autorização geral de importação, quando se tratar de entidades importadoras.
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4. Os alvarás de autorização dos depósitos flutuantes devem indicar:
a) A natureza e espécie dos produtos contidos nos depósitos, a capacidade destes e o regime aduaneiro a que ficam submetidos;
b) Os portos de matrícula dos mesmos depósitos e os limites da zona em que podem receber, descarregar ou trasfegar os produtos armazenados;
c) As reservas mínimas permanentes que o titular da autorização se obriga a constituir e conservar por sua conta, ou por conta de outrem sob a sua responsabilidade, quando se trate de entidades não importadoras;
d) A obrigação de o titular do alvará - se o depósito não for destinado ao consumo directo do concessionário - se sujeitar às obrigações impostas nas alíneas f) e g) do n.º 4 da base V;
e) A obrigação de o titular ficar sujeito às disposições das alíneas d), e), f) e g) do n.º 4 da base V.
BASE X
1. É o Govêrno autorizado a celebrar contratos com emprêsas particulares, para a constituição e conservação, por conta das mesmas emprêsas, de reservas de produtos derivados de petróleos brutos e resíduos do seu tratamento, nas espécies e quantidades que o Govêrno julgar conveniente.
2. O Govêrno poderá celebrar estes contratos com emprêsas titulares de autorizações gerais de importação, ou com emprêsas especialmente organizadas para explorarem depósitos de retém e venda dos referidos produtos, devendo preferir, sempre que for possível, as emprêsas em que a maioria dos capitais e dos administradores forem portugueses.
3. As reservas serão constituídas em «depósitos afiançados», em locais propostos pelas emprêsas e aprovados pelo Govêrno.
4. As emprêsas que efectuarem contratos para os fins indicados nesta base:
a) Serão consideradas concessionárias de serviço público, podendo expropriar, por utilidade pública, os terrenos e edifícios necessários para a construção de reservatórios, armazéns, depósitos e demais instalações indispensáveis, desde que o respectivo plano seja aprovado pelo Govêrno, ouvida a Junta Consultiva do Instituto Português de Combustíveis;
b) Terão preferência nos fornecimentos ao Estado;
c) Terão preferência na concessão de depósitos terrestres e pipe-lines para fornecimento de óleos minerais de qualquer natureza aos navios, nos portos do continente.
BASE XI
1. É o Govêrno autorizado, se o julgar conveniente, a conceder a emprêsas idóneas e exclusivamente portuguesas auxílios financeiros ou garantias especiais, para a aquisição e exploração de meios de transporte, por mar, de petróleos brutos, de produtos derivados destes ou dos seus resíduos.
2. As emprêsas constituídas nos têrmos desta base terão preferência na concessão de depósitos flutuantes e terrestres, nas faixas marítimas dos portos portugueses do continente, ilhas adjacentes e colónias.
TITULO III
Da Indústria de tratamento de óleos minerais
BASE XII
1. O estabelecimento de indústrias destinadas ao tratamento, por qualquer processo e para qualquer fim, de petróleos brutos ou dos seus resíduos (fábricas de petróleo), fica dependente de autorização prévia do Govêrno.
2. A autorização será concedida por decreto do Ministro do Comércio e Indústria, sob aprovação do Conselho de Ministros, ouvida a Junta Consultiva do Instituto Português de Combustíveis.
3. A autorização será concedida, em regra, por vinte anos; mas se, no decorrer dêste prazo, o titular da autorização introduzir nas suas instalações industriais modificações profundas, destinadas a aplicar processos mais perfeitos de tratamento das matérias primas, poderá ser-lhe renovada á autorização por mais vinte anos, a contar da data em que as novas instalações começarem a funcionar normalmente.
4. Findo o prazo da autorização, todas as instalações industriais, com os seus edifícios, dependências, máquinas e aparelhos necessários para a exploração da indústria reverterão para o Estado, não tendo o concessionário direito a qualquer indemnização; ser-lhe-ão, no entanto, pagas, pelo valor corrente no mercado, as matérias primas e os produtos em bom estado de conservação que ali se encontrem.
5. A autorização não pode ser transferida sem licença do Govêrno, que terá direito de preferência.
6. A capacidade de produção das instalações a que se refere a presente base define-se pela quantidade de petróleo bruto ou de resíduos que nelas se possam tratar anualmente.
BASE XIII
1. Aos titulares de autorizações para o estabelecimento de fábricas de petróleo é permitido, durante o prazo de validade das autorizações, importar os petróleos brutos e os resíduos que constituem as matérias primas da sua indústria, nas quantidades anuais correspondentes à capacidade de produção das mesmas fábricas.
2. Aos importadores nestas condições é expressamente proibido cederem a terceiros, sem autorização do Govêrno, as matérias primas importadas, ou fazerem importações de produtos refinados e de óleos minerais leves de qualquer natureza.
3. Os titulares das autorizações mencionadas nesta base podem constituir, no recinto das suas instalações, depósitos de matérias primas e de produtos, sem dependência da autorização de que trata a base VIII.
BASE XIV
O titular da autorização para o estabelecimento da indústria de tratamento de óleos minerais fica sujeito às seguintes obrigações:
a) Submeter à aprovação prévia do Ministro do Comércio e Indústria a escolha do local e o plano completo das instalações;
b) Não introduzir nas instalações qualquer modificação importante sem aprovação, pelo Ministro do Comércio e Indústria, do respectivo projecto;
c) Manter uma reserva permanente, igual a um terço, pelo menos, das quantidades de matérias primas que as instalações podem tratar anualmente, ou de matérias primas e produtos equivalentes no total a um terço da capacidade anual de produção;
d) Regular a laboração de modo que produza, mensalmente, as quantidades de derivados indicadas no decreto de autorização, com as tolerâncias permitidas;
e) Só empregar pessoal técnico, administrativo e operário, de nacionalidade portuguesa, salvo as excepções autorizadas pelo Sub-Secretário das Corporações;
f) Prestar a caução eventual exigida para garantir o bom uso da autorização e pagar a taxa anual de fiscalização estabelecida no decreto de concessão;
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g) Enviar mensalmente ao Ministério do Comércio e Indústria uma declaração, referida ao mês anterior, com as indicações seguintes:
1.º Natureza e quantidade das matérias primas importadas;
2.º Natureza e quantidade dos produtos fabricados e dos vendidos no País ou exportados;
3.º Constituição das reservas mencionadas na alínea c).
h) Cumprir as obrigações constantes das alíneas f) e g) do n.º 4 da base V;
i) Acatar e cumprir as disposições que sôbre carburante nacional o Govêrno venha a promulgar.
BASE XV
1. O recinto das instalações industriais mencionadas nas bases precedentes, seja qual for a sua localização, será considerado zona franca apenas para efeito da entrada do matérias primas, materiais de construção e de máquinas e aparelhos necessários para a construção, montagem e laboração da fábrica.
2. O Govêrno não concederá isenção nem redução de direitos aos produtos que saírem dos referidos recintos para consumo.
BASE XVI
1. O exercício das indústrias a que se referem as bases anteriores fica submetido à fiscalização técnica e administrativa do Estado, exercida por intermédio dos funcionários para êsse fim designados.
2. Estes funcionários terão livre entrada, a qualquer hora, nas oficinas, armazéns, depósitos, escritórios e outras dependências das emprêsas concessionárias, podendo seguir as operações fabris e examinar todos os documentos de correspondência ou de contabilidade que disserem respeito às mesmas indústrias.
BASE XVU
1. As emprêsas titulares de autorização para o estabelecimento das indústrias referidas na base XU:
a) São consideradas de utilidade pública, e podendo, como tais, expropriar os terrenos e edifícios necessários para as suas instalações, desde que o respectivo plano tenha sido aprovado pelo Govêrno, ouvida a Junta Consultiva do Instituto Português de Combustíveis;
b) Podem importar, com isenção de direitos, todos os materiais, máquinas e aparelhos necessários para a construção, montagem e funcionamento das suas instalações, salvo o disposto no decreto-lei n.º 22:037, de 27 de Dezembro de 1932;
c) Podem importar, sem licença prévia nem pagamento de direitos, as matérias primas necessárias à laboração das fábricas, com as limitações de quantidade mencionadas no n.º 1 da base XUI;
d) Ficam isentas, durante quinze anos, de todas as contribuições e impostos que incidam sôbre exercício da indústria;
e) Têm preferência para a concessão de jazigos de petróleo, de rochas betuminosas, ou de combustíveis de qualquer natureza, próprios para a obtenção de alcatrões e óleos para tratamento industrial.
TITULO IV
Da pesquisa e tratamento industrial dos combustíveis portugueses
BASE XVUI
1. A fim de promover o desenvolvimento das pesquisas e da exploração de jazigos de carvão, de petróleo e de rochas betuminosas que se encontrem no território do continente, e o melhor aproveitamento industrial dos combustíveis extraídos e, designadamente, a utilização do carvão e produtos betuminosos como matérias primas para o fabrico de produtos sintéticos, análogos aos derivados dos petróleos brutos, é o Govêrno autorizado a tomar as medidas que julgar convenientes, em especial as seguintes:
A) Conceder às emprêsas existentes ou que se constituírem expressamente com os referidos objectivos:
a) Prémios de exploração, bónus, isenções de direitos ou de contribuições;
b) Auxílios financeiros directos ou indirectos;
c) Preferências para a exploração de jazigos cujas concessões tenham caducado ou venham a caducar;
d) Exclusivos de pesquisas, por tempo limitado, em áreas determinadas;
B) Promover, por conta do Estado, as pesquisas ou ensaios laboratoriais necessários e subvencionar os estudos ou ensaios feitos por particulares, segundo a orientação indicada ou aceite pelo Instituto Português de Combustíveis;
C) Criar, anexa ao Instituto Português de Combustíveis, uma fábrica-piloto para ensaios semi-industriais de hidrogenação directa das lignites portuguesas ou dos pre-alcatrões delas provenientes.
TITULO V
Disposições gerais e transitórias
BASE XIX
1. Todas as entidades que actualmente se ocupam, da importação dos produtos mencionados na base II devem requerer, no prazo de sessenta dias a contar da vigência desta lei, as autorizações prescritas no título I.
2. Os interessados devem indicar nos seus requerimentos:
a) As quantidades de cada produto importadas para consumo, exportadas ou reexportadas em cada um dos anos de 1933, 1934 e 1935;
b) A natureza, situação e capacidade dos seus depósitos, tanto terrestres como flutuantes, e a espécie de produtos neles armazenados;
c) As alfândegas por onde efectuam as suas importações;
d) As quantidades presumíveis de cada produto que desejam, importar, anualmente, para consumo.
3. As indicações mencionadas nas alíneas a), b) e c) do número anterior devem ser justificadas por documentos.
4. As entidades que importarem quaisquer dos referidos produtos para consumo próprio devem requerer, em tempo oportuno, a autorização especial a que se referem o n.º 3 da base III e o n.º 6 da base V, juntando ao requerimento documentos comprovativos de que são consumidores dos produtos importados e que a importação requerida corresponde à importância das suas instalações.
BASE XX
1. Os actuais proprietários de depósitos terrestres ou flutuantes, nas condições indicadas nas bases VIII e IX, devem requerer, no prazo de sessenta dias a contar da vigência desta lei, as autorizações constantes das mesmas bases.
2. Os requerimentos devem ser acompanhados da documentação bastante e indicar particularmente:
a) A natureza, situação e capacidade dos mesmos depósitos; as espécies de produtos neles armazenados e se estes se destinam à venda ou a consumo do proprietário;
b) O regime aduaneiro dos mesmos depósitos.
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BASE XXI
1. O Govêrno poderá aplicar multas até 100.000$ ou revogar as autorizações de importação, de depósito ou de exercício de indústria, quando os titulares dessas autorizações transgredirem as disposições da presente lei ou dos respectivos regulamentos, ou não cumprirem as obrigações impostas pelos decretos e alvarás de autorização.
2. A revogação será feita pela forma estabelecida para a autorização.
BASE XXII
São aplicáveis aos armazéns, depósitos e fábricas de que trata a presente lei todas as disposições relativas a estabelecimentos insalubres, incómodos e perigosos.
O alvará de autorização abrange a licença imposta por essas disposições.
BASE XXIII
A Junta Consultiva do Instituto Português de Combustíveis compete, sem prejuízo das atribuições expressas no decreto-lei n.º 22:788, de 29 de Junho de 1933, informar sôbre os pedidos de «autorizações gerais» ou de autorizações para o estabelecimento de depósitos terrestres e flutuantes de óleos minerais combustíveis e lubrificantes, ou para instalações industriais de tratamento de petróleos brutos e seus resíduos, ou de fabrico de petróleos e derivados sintéticos.
BASE XXIV
É facultado ao Ministro do Comércio e Indústria conceder às entidades que actualmente exercem o comércio de importação de produtos derivados de petróleos brutos ou de resíduos do seu tratamento um prazo de seis meses, a contar da data da vigência da presente lei, prorrogável, em casos justificados, por igual período, para a instalação dos depósitos de que venham a carecer para a constituição das reservas permanentes.
BASE XXV
O Govêrno mandará fazer um inquérito directo às condições em que actualmente se pratica o comércio dos óleos minerais e resíduos de petróleo, em Portugal, e à possibilidade de substituir, total ou parcialmente, estes produtos pelos nacionais.
Mário de Figueiredo.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Joaquim Diniz da Fonseca.
José Pereira dos Santos Cabral.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
João Neves.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA