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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 115
ANO DE 1937 4 DE FEVEREIRO
SESSÃO N.º 113 DA ASSEMBLEA NACIONAL
Em 3 de Fevereiro
Presidente o Exmo. Sr.José Alberto dos Reis
Secretários os Exmos. Srs.Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Pedro Augusto Pinto da Fonseca Botelho Neves.
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou, alerta a sessão às 15 horas e 55 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado, com emendas, o último número do Diário das Sessões.
Ordem do dia. - Entrando-se na ordem do dia, prosseguiu, até conclusão, o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Diniz da Fonseca, tendo usado da palavra os Srs. Deputados Ulisses Cortês, D. Maria Cândida Parreira, Camarote de Campos, Águedo de Oliveira, Querubim Guimarãis, Braga da Cruz, José Cabral e Diniz da Fonseca.
A sessão foi encerrada às 18 horas e 35 minutos.
Srs. Deputados presentes à chamada, 55.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão, 8.
Srs. Deputados que faltaram à sessão, 12.
Srs. Deputados que responderam à chamada:
Abílio Augusto Valdez de Passos e Sousa.
Alberto Eduardo Valado Navarro.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Alexandre Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Alfredo Delesque dos Santos Sintra.
Álvaro Freitas Morna.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
António Augusto Aires.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Hintze Ribeiro.
António Rodrigues dos Santos Pedroso.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Leal Lôbo da Costa.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto Cancela de Abreu.
Augusto Faustino dos Santos Crêspo.
Diogo Pacheco de Amorim.
Domingos Garcia Pulido.
D. Domitila Hormizinda Miranda de Carvalho.
Eduardo Aguiar Bragança.
Fernando Augusto Borges Júnior.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Correia Pinto.
Francisco José Nobre Quedes.
Francisco Manuel Henriques Pereira Cirne de Castro.
Francisco Xavier de Almeida Garrett.
Henrique Linhares de Lima.
João Antunes Guimarãis.
João Garcia Pereira.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Diniz da Fonseca.
Joaquim dos Prazeres Lança.
Joaquim Rodrigues de Almeida.
José Alberto dos Reis.
José António Marques.
José Dias de Araújo Correia.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Queiroz e Lencastre.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Saudade e Silva.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz Augusto de Campos Metrass Moreira de Almeida.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Pestana dos Reis.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Cândida Parreira.
Mário de Figueiredo.
Pedro Augusto Pinto da Fonseca Botelho Neves.
Sebastião Garcia Ramires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
António Augusto Correia de Aguiar.
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Henrique Mesquita de Castro Cabrita.
João Augusto das Neves.
José Luiz Supico.
Júlio Alberto de Sousa Schiappa de Azevedo.
Querubim do Vale Guimarãis.
Vasco Borges.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Cruz.
Alberto Pinheiro Tôrres.
Ângelo César Machado.
António de Almeida Pinto da Mota.
António Pedro Pinto de Mesquita Carvalho Magalhãis.
Fernando Teixeira de Abreu.
Joaquim Moura Relvas.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Penalva Franco Frazão.
Manuel Fratel.
Miguel Costa Braga.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 45 minutos. Fez-se a chamada.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 55 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram l5 horas e 55 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que quiserem apresentar qualquer reclamação sôbre o Diário podem pedir a palavra.
Pausa.
O Sr. Presidente: - A p. 403, col. l.ª, onde se diz: «O Sr. Alberto Navarro:-Requeiro a generalização do debate. Consultada a Assemblea, foi aprovada», há um lapso, porquanto não é a Assemblea que autoriza a generalização do debate, mas sim o seu Presidente. Nestas circunstâncias, deve fazer-se a devida rectificação, dizendo: «O Sr. Presidente autorizou a generalização do debate».
Visto que ninguém pede a palavra, considera-se aprovado o Diário com a rectificação apresentada.
Estão na Mesa dois pedidos de autorização para os Srs. Deputados Araújo Correia e Camarate de Campos irem depor como testemunhas.
Pelo que diz respeito ao primeiro pedido do autorização, proponho que êle seja negado.
Consultada a Assemblea, foi negada a autorização.
O Sr. Presidente: - Quanto ao segundo pedido, proponho que seja concedida a respectiva autorização.
Consultada a Assemblea, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Se algum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra antes da ordem do dia, pode pedi-la.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Visto que ninguém pede a palavra, vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Diniz da Fonseca: - Sr. Presidente: pedi a palavra ùnicamente para mandar para a Mesa uma moção que diz respeito à ordem do dia, a fim de poder ser
apreciada pelos Srs. Deputados que ao assunto se referirem.
O Sr. Presidente: - A moção mandada para a Mesa pelo Sr. Deputado Diniz da Fonseca é a seguinte:
A Assemblea Nacional, tendo apreciado a matéria do aviso prévio sôbre abusos das leis do inquilinato do habitação; e
Considerando que o Estado Novo afirma a necessidade de prestar assistência social à constituição de lares independentes o em condições de salubridade, e neste sentido tem publicado algumas medidas e outras se encontram em estudo e preparação, como o indica a recente portaria n.º 8:610, publicada pelo Ministério do Interior;
Considerando que as restrições à liberdade contratual foram decretadas como solução transitória, a substituir por outras mais justas e eficientes, logo que as circunstâncias o permitissem;
Considerando que a manutenção dessas restrições, emquanto julgadas indispensáveis para assegurar assistência ao direito de moradia a famílias que dela careçam, não pode, no entanto, justificar os clamorosos abusos que à sua sombra se tem verificado;
Considerando que, em defesa das classes populares, se torna indispensável impedir os abusos de senhorios e sublocados que exploram habitações insalubres, exigindo rendas que excedem a retribuição normal do capital empregado:
Confia em que o Govêrno examinará o problema do inquilinato de habitação em todos os seus aspectos e lhe dará uma solução que torne impossíveis os abusos que à sombra da legislação vigente se vêm cometendo.
Em sessão de 3 de Fevereiro do 1937. - O Deputado Joaquim Diniz da Fonseca.
O Sr. Ulisses Cortês: - Sr. Presidente: ao subir a esta tribuna não me movem interêsses de qualquer natureza. Não tenho nenhuma espécie de parti pris nesta questão, nem professo opiniões que não derivem directamente da minha consciência.
Eu ouvi ontem falar muito, aqui, em senhorios pobres que eram explorados por inquilinos ricos, mas não ouvi nunca falar em inquilinos pobres que eram vitimas indefesas das espoliações de tantos senhorios opulentos, o esses, Sr. Presidente, é que constituem o maior número. São os pequenos funcionários do Estado, a quem não foi ainda devidamente melhorada a sua situação económica, são os trabalhadores das profissões liberais, são os operários, é a gente humilde, é a legião imensa dos que, muitas vezes, não tem sequer um lar onde se alberguem o que dormem, à chuva e ao vento, sob o precário abrigo dos portais.
Para estes tem de ir mais do que a nossa simpatia sentimental; tem de ir a protecção efectiva, o próprio amparo do Estado. (Apoiados).
Como representante da Nação, como soldado convicto do Estado Novo, não podia deixar de vir aqui erguer a minha voz em defesa da verdade, em defesa da justiça, em defesa dos bons princípios e de conceitos que reputo basilares dentro da estrutura do Estado Novo Corporativo.
Eu não queria que dêste debate resultasse, para o País, a impressão de que desta tribuna apenas se tinham feito ouvir vozes em defesa dos interêsses dos senhorios. Eu queria que este debate tivesse, realmente, um carácter equilibrado, de justa harmonia de interesses, e que o problema fôsse versado em toda a sua amplitude.
O meu ilustre colega Sr. Dr. Diniz da Fonseca produziu ontem, nesta Assemblea, uma oração que está à altura dos seus créditos de experimentado parlamentar;
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mas S. Ex.ª apreciou a questão unilateralmente e não quis encará-la em toda a sua complexidade.
Há, efectivamente, casos clamorosos de exploração de senhorios pobres por inquilinos ricos, mas o prejuízo não é tam grande como a primeira vista porventura pode parecer.
Muitos dos prédios estavam onerados por encargos de vária natureza e foi possível desonerá-los com a moeda desvalorizada. Há que atender a que muitos dêsses prédios tinham hipotecas garantindo empréstimos que haviam sido feitos em moeda valorizada e que foram pagos em moeda desvalorizada e pelo seu quantitativo nominal, o que representou uma injusta expropriação dos direitos dos credores.
Há que atender ainda a que, em regra, os prédios são constituídos por vários andares, e que, se é certo que alguns desses andares estão adstritos a arrendamentos antigos, a verdade, também, é que outros estão vinculados a novos arrendamentos, em que se auferem rendas actualizadas, que constituem a justa contrapartida dos encargos que os antigos arrendamentos representam.
Isto no que se refere a prédios antigos. Vamos agora ver o que acontece com os prédios modernos.
O Estado, na intenção de estimular as construções urbanas, isentou do pagamento de encargos todos os prédios que fôssem construídos até fins de 1935. Em consequência dêste facto fizeram-se por êsse País, o designadamente nos grandes centros, centenas, milhares de edificações.
Parece que desta circunstância devia resultar uma baixa sensível nas rendas das casas, em virtude não só do livre jogo da lei da oferta e da procura, mas ainda pelo facto de os senhorios estarem libertos do pagamento da contribuição predial. O que sucede, porém, é que êsses senhorios preferem ter as suas casas devolutas, e não as arrendar, a arrendá-las por rendas razoáveis.
Apoiados.
É isto justo, Sr. Presidente? É isto justo, Sr. Dr. Diniz da Fonseca?
As rendas ainda hoje orçam por cifras absolutamente vertiginosas. Antigamente, no orçamento doméstico, a renda de casa representava, em média, unia quinta ou uma sexta, parte do rendimento dos inquilinos. Se hoje fôsse possível fazer uma estatística, estabelecer a média dos proventos e a média das rendas de casa, nós chegaríamos a conclusões absolutamente aterradoras.
E eu pregunto: ¿como pode um terceiro oficial, que ganha do Estado 900$ ilíquidos, como pode o oficial do exército, de baixa patente, que ganha pouco mais de 1.000$ por mês, como pode um operário, que aufere proventos que dificilmente excedem 600$ mensais, como podem essas pessoas satisfazer as suas rendas de casa, que, em Lisboa e no Pôrto, difìcilmente se obtêm por menos de 400$ por mês?
Êste problema não comporta um único aspecto. É um problema de ordem política, é um problema de ordem social, é um problema de ordem económica e é, até, um problema de ordem moral. E o Estado Novo Corporativo, cuja Constituição estabelece que ao Estado incumbe zelar pela melhoria das classes menos protegidas, tem o dever de intervir no sentido de evitar os riscos e inconvenientes do regime da liberdade contratual em matéria de inquilinato.
Eu combato também êsse regime, porque entendo que êle é absolutamente inconsentâneo com a estrutura do Estado Novo.
O Estado Novo, segundo lapidares conceitos constitucionais, é um supremo coordenador das actividades sociais, incumbindo-lhe estabelecer e assegurar o justo equilíbrio de interêsses, e sempre com subordinação do particular ao geral. É por isso que compreendo as restrições ao direito de propriedade estabelecidas na legislação do inquilinato.
Ontem o Sr. Diniz da Fonseca afirmou que eu fizera insinuações. Repilo a palavra. Eu não costumo insinuar. Falo claramente, com desassombro e com coligem moral.
Das palavras do Sr. Diniz da Fonseca pode deduzir-se que o Estado Novo nada fez para remediar injustiças em matéria de inquilinato, o que não corresponde à realidade dos factos.
O Estado Novo tem feito muito e tem procurado remediar muitas situações iníquas.
Eu tive já ensejo ontem, nesta mesma tribuna, quando usei da palavra, de me referir à actualização das rendas, à sua possibilidade em face das leis vigentes. Mas permita-me V. Ex.ª Sr. Presidente, que eu analise as disposições do decreto n.º 22:661, onde alguns dos vícios, defeitos e injustiças que ontem ouvi combater têm eficaz remédio.
Dizia ontem o Sr. Deputado Diniz da Fonseca que em Lisboa se montara a indústria dos inquilinos, que propositadamente arrendavam casas com a intenção reservada de nunca pagarem renda, e ouvi o Sr. Deputado Cunha Gonçalves afirmar do seu lugar que o custo mínimo do preparo para os pleitos de despejo era de 300$.
O Sr. Cunha Gonçalves: - O que eu disse foi que paguei 300$.
O Orador: - Eu costumo sempre ponderar as afirmações que faço, e por isso vou responder a V. Ex.ªs.
Pode V. Ex.ª, Sr. Cunha Gonçalves, que é certamente um proprietário rico, ter despendido 300$ com uma acção de despejo. É possível. Mas o que interessa é que, à face da nova legislação, as acções de despejo, cujo valor é função da renda, pagam uma percentagem sôbre êsse valor, e, como a percentagem mínima é de 100$, sucede que em muitos casos o preparo é de 33$33 apenas.
O Sr. Cunha Gonçalves (interrompido): - V. Ex.ª não faz conta com um advogado e o procurador.
O Orador: - Não me compete apreciar aqui os honorários dos advogados, tanto mais que essa classe está muito bem representada nesta Assemblea, mas defender ùnicamente o prestígio dos tribunais e o das próprias leis.
Mas, disse o Sr. Dr. Diniz da Fonseca que era possível haver inquilinos que exploravam a indústria de habitar casas cujas rendas não pagavam. E eu direi a S. Ex.ª que não é possível, como vou demonstrar.
Sabem V. Ex.ªs, sabem os juristas desta casa, que as rendas tem de ser pagas no dia do seu vencimento ou durante os oito dias posteriores. Como V. Ex.ªs muito bem sabem, a acção de despejo tem um carácter rápido e sumário.
Se, porventura, o inquilino não paga a renda dentro do prazo legal, pode o senhorio propor a acção de despejo, que tem curtos prazos para a impugnação, e em que o inquilino tem de juntar com a sua defesa documento comprovativo de que pagou as rendas até à data do pleito, sob pena do o despejo ser imediatamente ordenado.
É, pois, legalmente possível obrigar o inquilino, que se encontra em mora quanto ao pagamento da renda, a despejar o prédio dentro de alguns dias, quinze o máximo.
Esta situação é diferente da anterior à publicação do respectivo decreto.
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O que sucedia anteriormente, Sr. Presidente?
Sucedia efectivamente o facto a que aludiu o ilustre Deputado Sr. Dr. Diniz da Fonseca: o inquilino deixava de pagar a renda, e o senhorio ou não propunha a acção de despejo, ou propunha-a e o inquilino usava de todos os expedientes dilatórios para a protelar; e sucedia mais: ainda que o senhorio obtivesse uma sentença favorável, só podia efectivar o despejo desde que pagasse as custas da acção, que eram da responsabilidade do inquilino. Além disso, perdia todas as rendas vencidas até à data da propositura do pleito e ainda as que se vencessem na pendência da lide.
Creio ter demonstrado, Sr. Presidente, algèbricamente, citando as disposições legais, que hoje o senhorio, querendo, desde quw o inquilino não pague a renda, pode num curto espaço obter o seu prédio despejado.
Mas prossigamos.
No domínio da velha legislação a lei exigia que os contratos de arrendamento de valor superior a uma determinada importância fôssem reduzidos a escrito com diversas formalidades, e, desde que não houvesse contrato escrito devidamente lavrado, o inquilino estava numa situação absolutamente precária, visto que o senhorio podia mover contra êle uma acção de reivindicação e obter a desocupação do prédio.
Mais tarde foi promulgada uma disposição segundo a qual, quando se desse a circunstância de não haver contrato escrito de arrendamento, o inquilino podia requerer a notificação do senhorio para o celebrar, e, caso êle o não fizesse, entendia-se que a sua falta lhe era imputável, ficando o inquilino ao abrigo das regalias concedidas na respectiva legislação.
O Sr. Carlos Borges: - Havia alguma vantagem num contrato escrito para casas pequenas e com famílias ignorantes? V. Ex.ª sabe as dificuldades que isso representa?
O Orador: - Isso é uma questão de jure constituendo e eu estou a discutir a questão de jure constituto.
Mas havia uma lacuna. A falta de título podia ser devida a negligência do inquilino e o senhorio é que lhe sofria as consequências, pois lhe era vedado o recurso à acção de despejo.
Pois esta lacuna da lei foi também remediada pelo decreto n.º 22:661, e isto tudo em benefício dos senhorios. Quando não haja título de arrendamento, por culpa do inquilino, pode o senhorio, em vez de recorrer à acção ordinária, demorada e complexa, recorrer a uma simples acção de despejo.
Há, pois, Sr. Dr. Diniz da Fonseca, disposições atinentes a modificar as injustiças que sofriam os senhorios.
Mas neste decreto houve também a preocupação de evitar que se montasse, com êxito, a indústria da exploração dos senhorios pelos inquilinos, e de evitar também que os senhorios recebam tardiamente, ou não recebam, as rendas.
Mais ainda, Sr. Presidente: no sentido de evitar que demorasse a efectivação dos despejos por parte da autoridade judicial, o decreto n.º 22:661 estabelece que os recursos interpostos nas sentenças de despejo não tenham nunca efeito suspensivo, isto é, que se executem imediatamente.
Isto é ainda em benefício dos senhorios, Sr. Dr. Diniz da Fonseca.
Mas sucedia também, com frequência, o facto de haver inquilinos que tinham arrendado várias casas, muito embora as não habitassem, e os senhorios estavam absolutamente impedidos de fazer despejar um prédio de que o inquilino não carecesse para sua habitação. Pois o decreto n.º 22:661 também deu remédio a esta situação e estabeleceu que as garantias do inquilinato só podiam ser invocadas com relação aos prédios onde os inquilinos tivessem a sua residência permanente.
Como V. Ex.ªs vêem, o Estado Novo, que solicitamente tem sempre atendido todas as reclamações justas e que tem sempre satisfeito todas as pretensões razoáveis, não descurou êste grave problema, corrigindo já muitos abusos e iniquidades.
Antes mesmo de êles serem versados nesta tribuna pelo Sr. Dr. Diniz da Fonseca, já o Govêrno tinha ponderado o assunto em todos os aspectos e já muitas das injustiças a que S. Ex.ª se referiu tinham sido evitadas.
Sr. Presidente: eu vou concluir as minhas considerações.
Subi a esta tribuna com um objectivo, e êsse está plenamente atingido.
Concordo em que realmente se altere o actual statu que em tudo que êle represente uma injustiça, um absurdo ou uma iniquidade. Mas entendo que nunca pode ser posta de parte a idea de que se trata de um grave problema que vai afectar a economia de dezenas, de centenas, porventura de milhares de pessoas que constituem a maioria da população do País.
Acentuando-o, eu cumpro um dever e desço as escadas desta tribuna em paz com a minha consciência.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A Sr.ª D. Maria Cândida Parreira: - Sr. Presidente: o aviso prévio apresentado pelo ilustre Deputado Dr. Diniz da Fonseca sobre a lei do inquilinato, e pelo seu autor proficientemente tratado ontem nesta tribuna, apaixonou a Câmara.
Era natural.
Trata-se de uma lei que vai bulir nos interêsses de milhares ide pessoas; e senhorios e inquilinos, aqueles que vivem miseràvelmente, porque têm a desgraça de ser proprietários, êstes, porque vivem aflitivamente, porque têm a infelicidade de o não ser, todos a esta hora estão suspensos da discussão que se levantou nesta Assemblea.
E, afinal, quem tem razão?
Os senhorios? Os inquilinos? Seria difícil responder.
As queixas e as reclamações de um e de outro lado chegariam para carregar um comboio de camiões do tamanho dos que têm ido para Sevilha.
Não se trata, porém, neste momento de atender reclamações dêstes ou daqueles; isso seria desviar a questão do seu principal objectivo.
O problema que está posto é outro:
Torna-se urgente modificar certas disposições da lei do inquilinato, que se prestam a abusos inqualificáveis, chamando para isso a atenção dos Poderes Públicos.
Eu também, como toda a gente, sinto a necessidade de ver alteradas essas disposições legais, não em benefício de senhorios nem de inquilinos, mas em nome da justiça e da moralidade.
O problema do inquilinato é muito delicado, muito melindroso, como muito bem disse o ilustre Deputado Sr. Dr. Madeira Pinto, e, para ser encarado de frente e resolvido com segurança, seria absolutamente indispensável que houvesse habitações económicas suficientes e com rendas acessíveis às classes necessitadas.
Não me refiro neste momento pròpriamente à classe operária, a quem o Estado Novo tem já, na medida do possível, procurado valer com a criação de diversos bairros, mas à classe que eu julgo ainda mais necessitada: a chamada classe média; àqueles que têm de se apresentar na repartição ou no escritório de certa forma, compatível com o lugar que ocupam; àqueles que vivem
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já numa esfera social mais elevada, pela sua educação, pelos seus hábitos e pela sua situação, mas cujos ordenados difìcilmente comportam uma renda de casa que não seja muito limitada.
Penso, por isso, que não será ainda chegado o momento para uma reforma completa da lei e que o decreto n.º 5:411 está votado a viver provisòriamente por mais algum tempo com os consertos indispensáveis aos estragos produzidos pelo temporal do abuso humano, mais violento do que os ciclones desta invernia que nos assola..
Mas, a bem de todos, senhorios e inquilinos, que são inimigos irreconciliáveis, até mesmo quando em si encarnam esta dupla qualidade, eu julgo que haveria a maior conveniência de alterar certas disposições legais, que na prática se tem demonstrado como verdadeiras anomalias, ¡ e isto no sentido de evitar abusos e prestigiar os tribunais!
E assim, se não é ainda oportuno - e eu creio que não é - ir-se até onde todos nós quereríamos chegar, isto é, à liberdade contratual, que a seu tempo há-de vir a ser a medianeira da paz entre as duas classes que se digladiam há perto de vinte anos, e para a qual o Estado Novo, com o seu espírito justiceiro e reformador, encontrará decerto solução segura; j o que não pode admitir-se, por contrário a todas as normas de justiça, é que à sombra da lei se façam negócios com a propriedade alheia!
¡ Conheço uma entidade que está amealhando uma fortuna para os seus associados, em prejuízo de sete menores, filhos do falecido autor de um contrato de arrendamento por dezanove anos!
Dir-me-ão: ¡ mas isso é um caso esporádico!
A essa observação eu teria de responder:
O que neste momento interessa, o que é objecto do aviso prévio que se discute, é a repressão dos abusos que se cometem à sombra da lei; e como nós queremos ainda admitir, por definição, que os abusos devem constituir a excepção, é realmente o conhecimento deste e de muitos outros casos idênticos que é necessário pôr em evidência.
Não é meu intento, focar as disposições de lei que mais se prestam aos abusos que pretendemos restringir; isso levar-me-ia muito longe e seria querer ensinar o Padre Nosso ao vigário; mas entre elas é sôbre a sublocação que devem principalmente incidir as nossas vistas, por ser essa uma das disposições que mais se prestam às contravenções da lei.
Alguma cousa se fez no sentido da repressão da lei com o decreto n.º 22:661, mas o edifício está muito abalado e precisa ainda de urgentes reparos.
O ilustre autor do aviso prévio disse ontem aqui que há em Lisboa milhares de casas com escritos.
É certo; simplesmente as suas rendas não são acessíveis. Quem quiser casa muito relativamente barata, terá de ir morar para muito longe e então o acréscimo do preço dos transportes elevará a renda ao tal limite incomportável, com a agravante ainda do tempo que se perde.
¿ Porque não tem a iniciativa particular vindo um pouco ao encontro da solução dêste problema do inquilinato no que respeita à construção de casas baratas?
¿ Porque não encontra uma remuneração para o capital que emprega que a satisfaça?
¿ Porque se não vê suficientemente protegida pelas leis vigentes?
¡ Outros aspectos do problema que não estão em causa, mas em que seria interessante pensar!
Emfim, eram estas as considerações que eu pretendia fazer.
Perdoe-me V. Ex.ª, Sr. Presidente, o tempo que lhe tomei, em prejuízo decerto do brilho dêste debate, e a V. Ex.ªs meus ilustres colegas, eu agradeço profundamente a gentil atenção que me prestaram.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Braga da Cruz: - Sr. Presidente: ao ser apresentado nesta Assemblea o momentoso problema do inquilinato, e apresentado duma maneira tam notável e em nível tam elevado pelo ilustre Deputado Sr. Dr. Joaquim Diniz da Fonseca, quero, antes de mais nada, saudar S. Ex.ª o Sr. Ministro do Interior e S. Ex.ª o Sr. Ministro das Finanças pela publicação, feita ontem, da oportuníssima portaria ordenando o inquérito geral sôbre alojamento o condições de vida dos habitantes da capital, confiando êste inquérito a dois departamentos da administração pública, qual dêles o mais notável e o mais próprio para a tal inquérito proceder. Silo êles a Direcção Geral de Saúde Pública e o Instituto Nacional do Estatística, que vão proceder a êsse inquérito habitacional por forma a poder ter-se melhor conhecimento acêrca do alojamento e condições de vida das famílias portuguesas.
Eu creio, Sr. Presidente, que a oportunidade e o alcance destes inquéritos são na realidade enormes, porque a questão do inquilinato tem feito surgir tantas e tantas questões que muitas vezes ficam sem obter solução prática e eficiente.
Com certeza o Govêrno vai obter deste inquérito habitacional elementos preciosíssimos para a apreciação o julgamento final dêste importantíssimo assunto. Confio também absolutamente na acção dêstes dois departamentos do Estado, porque bem sei o resultado que já foi obtido nos inquéritos de higiene rural a que, sobretudo pela Direcção Geral de Saúde, foi dada a melhor realização.
Relativamente à questão do inquilinato, tal como ela se apresenta actualmente, eu mentiria se viesse aqui dizer que a legislação vigente acautela eficientemente os direitos e interêsses dos senhorios e dos inquilinos.
É que, como advogado, e exercendo há bastantes anos essa actividade, eu sou obrigado a dizer aqui que, se alguma cousa se tem feito no sentido de se melhorarem as condições em que se encontra o senhorio em frente do inquilino, estamos ainda muito longe de realizar um justo equilíbrio, que permita, na luta travada nos tribunais, igualdade nos meios de defesa.
Eu pregunto a V. Ex.ªs, meus ilustres colegas nesta Assemblea, que são advogados, se quando lhes bate à porta um cliente para tratar de uma questão de inquilinato, V. Ex.ªs não lhe preguntam pressurosamente se ele é senhorio ou inquilino, certos da desigualdade dos meios de defesa de que num ou noutro caso podem lançar mão. ¡ E quantas vezes, para defesa de legítimos direitos e interêsses de alguns senhorios, a gente vê, no exercício desta missão, não ter meios suficientes para travar combate com aqueles de que o inquilino dispõe!...
Eu não quero dizer que não se haja já feito muito; isso seria negar a realidade. Mas, de tudo aquilo que se tem feito, para aquilo que na realidade é mester fazer-se, parece-me que vai uma certa distância.
Não tenho aqui procuração, nem a aceitaria neste lugar, para falar de senhorios ou de inquilinos, estando demais a mais já tam habituado e cansado de falar por uns e por outros.
É certo que muitas disposições das leis vigentes parecem acautelar de uma maneira peremptória e efectiva os direitos dos senhorios, mas na realidade assim não é.
Não é êste, Sr. Presidente, o lugar para onde um advogado venha dissertar sôbre os processos de camouflage, permita-se-me o têrmo, cem que na prática se
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ilude a lei, a maneira como se consegue, muitas e muitas vezes, protelar o andamento de um processo. Já colegas distintíssimos abordaram o assunto do inquilinato na sessão de ontem, a que eu não tive o prazer de assistir, e, portanto, seria da minha parte uma falta de atenção para com tam distintos colegas, e sobretudo pela forma notabilíssima como o souberam fazer, se eu agora voltasse a referir-me a êste particular.
Há, no entanto, um ponto que me parece poderá, talvez, sem levantar grandes atritos, merecer desde já a atenção do legislador.
Apreciando os problemas do inquilinato, encontramos três espécies de intervenientes: há o interveniente senhorio, há o interveniente inquilino, que ocupa o prédio, mas, Sr. Presidente, há também o parasita do sublocador, com o qual é necessário correr implacàvelmente.
São legítimos, muitas vezes, os interêsses do senhorio? São legítimos, muitas e muitas vezes, os interêsses dos inquilinos? Sem dúvida. Mas, por que motivo, pregunto eu, há-de haver contemplações para com aqueles que não representam nenhuma função legítima dentro do contrato de arrendamento, tanto mais quanto é certo que, na realidade, é o sublocador que vem estorvar, muitas e muitas vezes, o equilíbrio justo que devia ser estabelecido entre senhorio e inquilino?
E quantas e quantas vezes a gente vê, nas instruções dos pleitos, que êsses senhores sublocadores fazem - permitam-me ainda V. Ex.ª o têrmo - capicua para os dois lados, utilizando-se de uma ou de outra posição, conforme a acham mais conveniente para os seus ilegítimos interêsses, e em detrimento, muitas vezes, dos interêsses dos senhorios, mas também, muitas vezes, dos interêsses dos inquilinos.
Eu tenho, para mim, como absolutamente necessário, como definitivamente assente, que desde já deveria ser decretada a proibição pura e simples do subarrendamento para habitação, levando essa proibição - e aí está o ponto melindroso da questão - até à inutilização dos efeitos das sublocações já efectuadas, dos subarrendamentos já constituídos, muitos dos quais representam verdadeiras extorsões.
No subarrendamento para instalações comerciais há por parte do sublocador aquilo que, em terminologia comercial, eu classificarei de um certo apport; mas o que é certo é que, nos subarrendamentos de habitação, o sublocador não dá absolutamente nada, continua única e simplesmente a sugar aquilo a que não tem direito, continua a ser única e exclusivamente um parasita. O sublocador passa, assim, a ser uma espécie de mandatário do senhorio, mandatário que êste não deseja, que êste não quere, mas a quem tem de pagar por uma forma tam singular.
Não só me afigura justa nem moral a situação de um indivíduo nestas condições, e, circunscrevendo o meu voto desde já a esto ponto, eu desejo afirmar a necessidade urgente da proibição expressa e efectiva do subarrendamento para habitação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Águedo de Oliveira: - Sr. Presidente: o meu colega Sr. Dr. Diniz da Fonseca trouxe ontem, em aviso prévio, a esta Câmara alguns casos clamorosos de abusos e de excessos cometidos à sombra da legislação vigente em matéria de arrendamentos de prédios urbanos.
Êsses casos referiam-se, na sua maioria, a abusos cometidos contra senhorios pobres por inquilinos especuladores.
Os outros Srs. Deputados que se seguiram acrescentaram a estes casos escandalosos alguns casos forenses muito singulares, e, por seu turno, o Sr. Dr. Ulisses Cortês chamou a atenção da Assemblea para o facto de o Estado Novo não se ter conservado indiferente ao desenrolar de todos estes casos, visto ter estabelecido disposições, em matéria legislativa, no sentido de os ilaquear.
Há, na verdade, uma confusão inexplicável na matéria legislativa que regulamenta os casos de habitação desde a Guerra para cá. Trata-se de uma legislação difìcilmente compreensível à maioria dos interessados, às classes numerosas que não tem casa própria, aos pequenos funcionários, àqueles que dispõem de pequenos vencimentos, à própria burguesia que não possue prédios para habitar.
Só são permitidas incursões numa matéria legislativa tam vasta a alguns especialistas que se tem dedicado ao pormenor de toda esta legislação e das questões práticas que a acompanham. O desejável seria uma legislação compreensível e acessível a todos.
Como nenhum dos meus colegas pretendeu esgotar esta questão, eu suponho que posso expor aqui - e para isso peço licença a V. Ex.ª, Sr. Presidente - algumas observações.
Os textos legislativos nem sempre se cumprem e são muitas vezes falseados. A chicana nos tribunais tem-se aproveitado dêles para demorar as questões que advêm da interpretação e do cumprimento dos contratos respectivos. Mas o Ministério da Justiça, que não tem sido apático, por isso que várias vezes tem intervindo, ainda não achou que era oportuno considerar o problema para estabelecer um novo regime. Trata-se de um Ministério que tem à sua frente um estadista, no verdadeiro sentido da palavra, e que deve ter as suas razões para assim proceder. Isto significa que, para além dos casos escandalosos, para além da chicana dos tribunais, para além das dúvidas de interpretação, para além das fraudes e dos abusos cometidos à sombra da lei, alguma cousa existe de irremovível, e essa cousa é o problema da habitação.
Êste problema, que foi primitivamente duma crise de habitação, duplicou-se numa crise de rendas, que continua a ser ainda uma crise. As rendas são caras, sobretudo em face dos rendimentos e em face da respectiva aplicação dêles. O problema, naturalmente, já existia antes da conflagração mundial, porventura com o aspecto político chocante que foi aqui focado; mas com a amplitude, com a envergadura com que se tem pôsto de então para cá, êle surge a seguir a 1914.
Veio a desvalorização da moeda, com ela a quebra do poder de compra por parte da maioria das classes, e as rendas passaram a subir a ponto tal que parecem não ter limite.
Foi isso que o Estado pretendeu travar, não que estivesse dotado de uma teoria jurídica firme para êsse assunto, mas porque tomou medidas de circunstância, medidas de emergência, porque quis resolver os casos que todos os dias surgiam é sombra do bom senso e à sombra da equidade.
¡ Esta é que é a verdade!
O Estado, durante a conflagração mundial e à saída do conflito, perante as situações difíceis resultantes dos mobilizados pobres que abandonavam os seus lares, resultantes das impossibilidades práticas de pagar as rendas derivadas das desvalorizações extraordinárias, que levaram à miséria muitas classes, não podia deixar subir ilimitadamente as respectivas rendas e meteu-se a travar a alta dessas rendas, munido, não de uma teoria jurídica, «não de uma idea definida de justiça, mas de razões práticas, humanitárias, que dia a dia ia forjando.
Claro que êste fenómeno económico do crescimento das rendas é um fenómeno conhecido em todo o de-
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curso do século XIX, considerado perturbador, inquietante e angustioso. As rendas vão subindo,, mercê de muitos factores, mercê de exigências da própria civilização, e daí a crise sucessiva das mesmas estar na alta do seu preço.
Por outro lado, em virtude de fenómenos populacionais, cada vez é maior a procura de casas para habitação e cada vez é mais restrita a oferta de casas para alugar.
O Estado Novo encontrou não só esta marcha ascensional de duas crises - a da habitação e a das rendas -, como encontrou ainda situações criadas, guarnecidas por lei, e em certo modo - porque já foi focado, aqui, o problema de ter tomado medidas de circunstância para a entravar - procurou fazer frente à crise. Construíram-se casas económicas, pagaram-se os bilhetes do Tesouro, e grande parte dêsses capitais foram aplicados em construções de prédios urbanos destinados a habitação. Deram-se facilidades de construção muito grandes, extraordinárias mesmo, para o temperamento da nossa situação financeira, quer de ordem fiscal, quer de ordem propriamente financeira. Mas a própria civilização se encarregou de exigir cada vez mais em conforto e tornar os materiais mais caros, a construção civil mais custosa; e, portanto, parece que o próprio decurso das cousas leva realmente a agravar esta crise, que já se sentia anteriormente, que é fatal, porém, de 1914 para cá. Ainda hoje - e isto tem de se dizer - a melhor forma de inverter capitais é construir prédios para habitação. A sua aplicação em terras, a sua aplicação em indústrias, a sua aplicação no comércio, a sua aplicação nos transportes, a sua aplicação mesmo na banca e em fundos públicos raramente garante um juro maior do que a aplicação em casas para habitar e para arrendar.
Doutra parte, também os riscos do capital empregado são quási sempre acentuadamente menores que os riscos do capital invertido em outras emprêsas.
É de notar que neste País, apesar de tudo, apesar da grande massa de capitais invertidos nesta espécie de actividade económica, nós não temos ainda a casa barata, a casa acessível, a casa asseada, com a renda correspondente ao nivel da vida portuguesa, para a habitação das grandes classes populares e da própria pequena burguesia. As rendas em Portugal cifram-se por números fantásticos. Ao passo que lá fora a média é um sexto, um quinto quando muito, em Portugal há percentagens de 30 e 40 por cento dos rendimentos, dos vencimentos, dos soldos, dos ganhos, absorvidos pelas despesas de habitação de quem não tem casa própria.
De resto, não é só o facto da elevação absoluta das rendas, da elevação das rendas em si, que é de notar. E que, examinados os orçamentos portugueses, vê-se que as despesas de alimentação são módicas na média dos casos, que as despesas de combustível não existem, que as despesas de transporte são relativamente pequenas, que as despesas de agasalho estão em franca descida e que só as despesas de renda, consideradas verba por verba, são muitíssimo elevadas, incomparàvelmente mais elevadas do que em qualquer outro país. Parece-me que êste ponto não pode deixar de ser focado, para se ajustar em casos flagrantes e excepcionais postos aqui no decorrer dêste debate. Daqui uma consequência natural: que era necessário um estudo sério, um inquérito às condições de habitação dêste País; e era exactamente isto que eu queria pedir ontem, e pediria hoje se porventura Salazar, que não cede passo a ninguém, não o tivesse determinado já, porque nos jornais de hoje vem anunciado que pelos Ministérios das Finanças e do Interior se vai proceder a um inquérito sério às condições de habitação da cidade de Lisboa e do resto do País.
Ora o que não temos até aqui desde a Guerra e continuamos a não ter, mas havemos de ter ainda, é a adaptação do regime contratual às circunstâncias particulares da habitação em que nos encontramos. O Estado deve proteger o mais fraco, ou, antes, tem de proteger os menos fortes econòmicamente.
O Sr. Antunes Guimarãis: - Se V. Ex.ª permite ama interrupção ...
Evidentemente que comungo nas ideas de V. Ex.ª em tudo quanto respeite a essa protecção de parte do Estado àqueles que são fracos. Mas legítimo seria que essa protecção fôsse deslocada para o Estado, e até para toda a Nação, e não recaísse, única, e simplesmente, sôbre uma só classe - a dos proprietários urbanos - e, dêstes, apenas sôbre os que tiveram a má sorte de arrendar os respectivos prédios antes de vigorarem preceitos de inquilinato que hoje são autênticos anacronismos.
O Orador: - De resto, é uma das grandes ideas de economia social dêstes tempos o Estado dar protecção aos humildes, aos que são menos fortes.
Estou de acordo com V. Ex.ª nesse ponto de vista.
O Sr. Antunes Guimarãis: - Se V. Ex.ª me permite, direi ainda que, se há funcionários públicos que não ganham o bastante, se há empregados que não recebem o necessário e, também, operários igualmente com salários insuficientes para viver, e, assim, carecidos de assistência que lhes garanta condigno domicilio, é ao Estado e às empresas onde êsses funcionários, empregados e operários trabalham que cumpre garantir-lhes os indispensáveis recursos, para que encargos onerosos o incomportáveis não recaiam, como desde há tantos anos o tam injustamente têm recaído, sôbre uma pequena parte dos proprietários (os que ainda estão presos a arrendamentos antigos), os quais, nem por isso, deixam de pagar as suas contribuições devidamente actualizadas, os respectivos prémios do seguros o reparações, cujo custo se não mede pelo escasso coeficiente das rendas recebidas.
O Orador: - Êsse assunto é independente do problema das rendas, portanto independente do problema do os funcionários ganharem pouco ou ganharem muito, de os proprietários obterem grandes lucros ou pequenos nas suas explorações, de os industriais obterem ganhos consideráveis ou pequenos.
Por outro lado, se o Estado deve realmente protecção aos menos poderosos, parece-me que o Estado deve tomar uma posição imparcial e calma perante o conflito do classes, nada fazendo que exagere ou agrave êsse conflito, nada fazendo que perturbe o justo equilíbrio entre as diferentes classes sociais.
Mas há mais. Além desta consideração de ordem social, têm de fazer-se algumas considerações de ordem jurídica.
Nós temos entre nós um contrato de locação de imóveis que é previsto para um prazo relativamente longo; pela sua própria natureza jurídica, êsse contrato pode ser renovado sucessivamente e prolongar-se por maiores prazos ainda. De outra maneira, temos que um contrato pode em certo modo ser modificado no seu cumprimento por virtude do advento de circunstâncias verdadeiramente excepcionais. E destas duas considerações de carácter jurídico resulta que o regime da locação não pode hoje, no momento actual das cousas, ser regulado pela liberdade pura e simples que informava o nosso Código Civil de 1866.
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Em conclusão:
Suponho que a base necessária para a conclusão actual neste capítulo é aquele inquérito sério que o Govêrno mandou realizar esta manhã, e que possìvelmente ainda terá do ter amplitude maior.
Parece-me, em segundo lugar, porque isso se depreende das premissas que nos foram postas, que é de manter um regime especial para os contratos de arrendamento. Não direi, em todo o caso, que o regime actual seja perfeito, que não só pode modificar, e que de um regime especial não possamos ir para o atro regime também especial.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Camarate de Campos: -Sr. Presidente: bem fez o ilustre Deputado Sr. Dr. Diniz da Fonseca em vir pôr à Assemblea Nacional o problema do inquilinato.
Com efeito, êle é da máxima importância, interessando aos senhorios, interessando aos inquilinos e principalmente interessando à justiça social, e essa é a única quedos deve preocupar, visto que o Estado deve protecção a todos, sejam êles senhorios ou sejam êles inquilinos.
A propósito do decreto n.º 5:411. de 17 de Abril de 1919, diploma êste que é básico da nossa legislação sobre inquilinato, um sábio e ilustre jurisconsulto, que a morte já ceifou, escrevia numa revista da especialidade que êsse diploma tinha muitos defeitos, tinha muitos males - e anotava êsses males-, mas que tinha a suprema virtude e a suprema vantagem de emquanto êle estivesse em vigor, emquanto êle não fôsse revogado, não vir outro pior ...
Com efeito, em matéria de inquilinato urbano, salvo raríssimas disposições também de raros diplomas, temos vindo de mal a pior, por esta singela razão: o problema não ser enfrentado, não ser posto com a clareza com que o devia ser.
Logo em 1910 êste problema do inquilinato aparece com a publicação do decreto de Novembro, que esteve em vigor, sem uma reprovação geral, durante oito anos, surgindo então o decreto n.º 4:499, de Julho de 1918.
Parece que uma experiência de oito anos seria o suficiente para que o problema nos aparecesse estudado e devidamente apreciado. Mas não. O problema foi tam estudado, o problema foi tam apreciado, que êste decreto n.º 4:499 esteve em vigor menos de um ano, porque logo surge em Abril de 1919 o decreto n.º 5:411.
Êste diploma era tam bom, respeitava tanto os direitos dos senhorios e dos inquilinos, que imediatamente à sua entrada em vigor os tribunais se encheram de pleitos e de demandas, o que levou alguém a escrever que êsse decreto era um mal para senhorios e para inquilinos, mas que era ouro para os advogados, para os procuradores, para os oficiais de justiça e para as custas dos tribunais.
Apareceu depois a lei n.º 1:662, e, entre outras disposições, tinha o artigo 4.º, salvo êrro, em que se fazia uma descoberta jamais feita em qualquer legislação do mundo. É que um contrato bilateral só podia ser provado por uma das partes, isto à face da lei n.º 1:662, visto que nos contratos de arrendamento verbais só o arrendatário é que podia fazer essa prova.
Felizmente o Estado Novo, pelo decreto n.º 22:661, já modificou êste paradoxo legal de um contrato só poder ser provado por uma das partes.
Neste diploma restringiram-se os fundamentos do despejo. É assim que, actualmente, são só fundamentos de despejo: a falta de pagamento de rendas, e, desde que o inquilino deposite o triplo das rendas vencidas e não pagas, cessa a acção judicial; a sublocação sem autorização do senhorio dada pelo contrato ou dada pela lei; dar destino diferente ao prédio do indicado no contrato, para fins deshonestos e imorais, por exemplo, ou estar o prédio fechado além de um certo período.
Desta sorte o inquilino pode deteriorar à vontade o prédio que tomou de arrendamento, pode dar cabo dêle a golpes de machado, e o senhorio nada pode fazer, porque a lei não lhe dá o direito, não lhe dá a faculdade, de requerer o despejo, e só no fim do contrato poderá requerer uma indemnização.
Mas o contrato, por fôrça do artigo 1.º da lei n.º 1:662, é quási de carácter perpétuo, é jóia de família que se transmite do inquilino para os seus descendentes.
Nestas condições, o senhorio vê que o seu inquilino escangalha o prédio, e tem de limitar-se a isso, isto é, a ver, porque a lei, repito, não lhe dá direito a haver à mão o prédio.
Portanto, eu entendo que se devem modificar os fundamentos para despejo, nomeadamente êste a que venho de me reportar.
Já aqui se falou ontem, creio eu, na sublocação, na imoralidade a que ela dá lugar. Efectivamente não há ninguém que não conheça o que se passa por êsse País fora em matéria de sublocação: prédios que estão para aí arrendados por uma miséria e em que os arrendatários respectivos fazem como que um modo de vida de uma cousa que lhes não pertence.
Portanto, entendia e entendo que se deve dar ao senhorio o direito de fazer uma ratificação aos contratos de sublocação. Deve dar-se êste direito para que a imoralidade não se mantenha.
Êste problema do inquilinato é de facto importante. Os diplomas legais nesta matéria são às dezenas. Eu , tive ontem a curiosidade de os contar; estão actualmente em vigor setenta e dois, isto afora os assentos do Supremo Tribunal de Justiça, que são também, segundo o decreto da reforma processual civil e comercial, lei do País.
É um assunto êste do inquilinato que interessa a toda a gente, e, por conseguinte, eu entendo que se deve fazer sôbre êle uma legislação clara, que todos entendam, para que os inquilinos e senhorios não tenham necessidade de andar a toda a hora nos escritórios dos advogados, sem saberem quais os seus direitos e deveres.
Eram estas, Sr. Presidente, as considerações que desejava fazer sôbre o assunto em discussão.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Querubim Guimarãis: - Sr. Presidente: só duas palavras. Deparei hoje, ao chegar à Assemblea, com êste debate.
Não assisti à sessão de ontem, mas tive já ocasião de observar que êle prendeu largamente a atenção da Assemblea.
Êste problema vem de muito longe, já aqui isso se disse e é verdade; mas aparece hoje ao nosso espírito com uma serenidade de apreciação que é realmente de louvar. Bem se vê que estamos no Estado Novo.
O problema, noutros tempos, tinha uma acuidade de tal modo grave, o carácter que se imprimia à questão era de tal modo cruciante, que não havia possibilidade de o apreciar com imparcialidade e elevação, buscando-se o justo equilíbrio dos interêsses legítimos de inquilinos e senhorios.
O problema era então essencialmente político e da pior política.
Em outros tempos, nas antigas Câmaras de que fiz parte, prendeu êle a atenção do País, apaixonadamente,
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dividindo-o em duas classes - senhorios e inquilinos. Era um desdobramento do problema social, visto através da luta entre o capital e o trabalho. Tive então ocasião de o estudar convenientemente, observando como lá fora, noutros países, êle era encarado pelas respectivas legislações que se iam, depois da guerra, multiplicando em diversos e sucessivos diplomas.
Tive, por exemplo, ocasião de ver como a Suíça o resolvia. Aí não se impunha aos proprietários, como muito bem frisou já o Sr. Antunes Guimarãis, a respeito do nosso País, uma obrigação de assistência aos inquilinos; não se exigia apenas dessa classe a assistência que é necessário dar efectivamente às classes desprotegidas, no tocante ao problema da habitação.
A assistência fazia-a o Estado e tudo se resolvia num grande espírito de equidade. Reconhecia-se o direito do capital, empregado em prédios urbanos, à um juro compensador e por êste se determinava o quantitativo da renda.
Se o inquilino podia pagar essa renda, era obrigado a pagá-la; se não podia pagá-la, o Estado ou a comuna supria as deficiências do inquilino pagando a diferença ao senhorio.
Não me parece que possa achar-se solução mais equitativa. O senhorio tinha a garantia de ver o seu capital remunerado com uma justa compensação, mas respeitava-se a situação do inquilino, não o obrigando a pagar o que o seu magro orçamento não comportava.
Intervinha então o Estado com a sua função de assistência.
Na Bélgica existia a arbitragem.
Estudando através da minha vida profissional de advogado, na prática, portanto, o problema, e estudando-o também em doutrina, não encontrei ainda sistema melhor para resolver estes casos do que a arbitragem. Comissões com representantes de inquilinos e representantes de senhorios e presididas por um juiz intervindo com o seu critério de árbitro, sereno, imparcial, superior aos interêsses das duas classes, embora ponderando todos os legítimos, procurando fazer justiça a todos e examinando, caso por caso, o problema, é ainda hoje a melhor solução.
Quando se procura resolvê-lo em bloco, em conjunto, nunca se resolve satisfatòriamente.
Com as comissões já assim não é. Se realmente o abuso é da parte do senhorio, quanto, por exemplo, à renda que exige, obriga-o a receber renda inferior; se se dá o contrário, obriga o inquilino a pagar renda maior, atendendo-se às circunstâncias económicas e à posição social de uns e de outros.
Quando o inquilino não pode pagar a justa renda, abandona a casa, onde só excepcionalmente fica emquanto não aparece uma própria para as suas condições económicas. O senhorio seria, na hipótese, o melhor fiscal para evitar a fraude por parte do inquilino, quando, desocupando-se uma casa em condições de servir ao inquilino, êste ocultasse o facto. Novamente, em tal caso, interviria a comissão.
A França também usou o sistema das comissões e a Itália igualmente.
Não vejo que hoje o problema comporte melhor solução, a menos que o Estado resolva construir para cada lar pobre moradia própria - o Estado, os corpos administrativos, ou empresas particulares.
Não me parece que este problema - já muito bem o acentuou o Sr. Dr. Diniz da Fonseca - seja apenas de ordem jurídica; êste problema tem de ser visto através, sobretudo, do seu aspecto social. Desta consideração não pode alhear-se o legislador.
Mas êsse aspecto social atinge as duas classes - senhorios e inquilinos - quando ambas vivam em deficit permanente.
De modo nenhum êle pode ser visto à luz apenas do interêsse do inquilino, pois nesta classe há o pobre e há o rico, êste abusando, à sombra da lei, da pobreza do senhorio.
Os casos repetem-se a cada passo.
Temos de olhar a situação de senhorios pobres, e a situação de inquilinos pobres. Sem dúvida nenhuma.
Os exemplos apresentados à Assemblea e tantos outros que aqui não vieram são de flagrante injustiça, tanto para uns como para outros.
Há também casos em que o senhorio não tem maneira alguma de se libertar da situação de vítima, nem, ao menos, vendendo o prédio. Tenho presente êste: um proprietário, senhor de um prédio situado em Lisboa, e que vive na província, está recebendo uma renda insignificante, que não chega para as pinturas que tem de fazer por disposição das posturas municipais, ao passo que o inquilino, com as sublocações, recebe bom rendimento. Procura conseguir do inquilino uma renda compensadora, ao menos, desses encargos, mas em vão.
O inquilino estriba-se na lei e não quere saber do caso de consciência.
O senhorio pretende então libertar-se do encargo, vendendo o prédio. A existência do inquilino na casa já lhe dificulta a operação projectada e obriga-o a vender o prédio quáse que ao desbarato.
Mas, então, acontece mais: êste senhorio não pode também vender o prédio, porque está na matriz predial por um valor que não corresponde ao valor venal, e ninguém lho compra. É um imposto tremendo, que evita todas as transacções. Convinha que estes casos fossem ponderados, permitindo que as sisas baixassem ao valor real do prédio.
Pode haver fraude nas vendas particulares. Nas vendas em hasta pública, não. Todavia, o facto repete-se aí.
O problema é ainda hoje um problema grave, de aspectos os mais variados e complexos, tanto jurídica como económica e socialmente, e ainda, até hoje, apesar de tantos anos já decorridos após o seu aparecimento, não encontrei que solução se achasse num diploma geral. Muito se tem legislado. A cento e tantos diplomas se referiu o Sr.. Deputado Camarate de Campos. E todavia a situação de conflito e de grave injustiça mantém-se.
Em outros tempos, tanto na antiga Câmara dos Deputados, como no Senado, dizia-se: Construir! Construir! Eis a solução.
O mesmo dizia um escritor belga num prefácio a um livro sôbre o assunto. Construir! Construir casas! Quando abundarem, automàticamente se resolve o problema do inquilinato.
E, afinal, Sr. Presidente, têm-se construído muitas casas em Lisboa e em outros centros populosos, facilitou-se a construção e beneficiaram-se de diversas maneiras os novos proprietários, isentando-os de contribuições durante alguns anos e dando-lhes outras garantias. Mas, afinal, a situação mantém-se quási a mesma. Construções grandes, rendas caras, muitos escritos nos novos prédios.
Criaram-se então duas classes de proprietários - uma de privilegiados, os novos; outra de réprobos, os antigos.
O novo proprietário pode arrendar o prédio com rendas compensadoras, não paga contribuições, pode vender o prédio, pode negociá-lo, pode, emfim, criar uma receita correspondente ao que gastou. Está numa situação privilegiada.
Mas o antigo proprietário é o réprobo, o renegado. Não pode elevar as rendas, mas paga as contribuições actualizadas, e se quere realizar o capital que o prédio representa, não pode vendê-lo, porque ninguém o compra, tendo lá dentro a habitá-lo um inquilino com
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renda baixa e porque, ainda por cima, o comprador não está disposto a pagar ao Estado um imposto, pela transmissão, que corresponde, algumas vezes, a um valor duplicado daquele por que realmente o podia comprar.
Repito, Sr. Presidente: o problema é muito complexo e não vejo que se possa resolver por uma disposição genérica, em diploma emanado do Govêrno, ou que possamos trazer à consideração desta Assemblea. Isso não o resolve com aquele espírito de justiça que é necessário imprimir às soluções e de molde a abranger todos os casos.
A melhor solução afigura-se-me ser ainda a de uma comissão de arbitragem, em que entrem operários e senhorios e um juiz imparcial, com verdadeiro espírito de equidade, que resolva os casos que apareçam.
O Govêrno, diziam hoje os jornais, e já aqui se fizeram referências também a essa resolução, determinou que se fizesse um inquérito às habitações urbanas, tendo em vista a situação económica dos inquilinos e o aspecto da higiene da- habitação.
Certamente que em Lisboa, nesses bairros pobres, onde se acumulam, numa promiscuidade lamentável indivíduos de ambos os sexos e crianças, o Govêrno irá- encontrar casos verdadeiramente pavorosos.
Êsse inquérito deve levar ao seu conhecimento casos abusivos e extraordinários de senhorios e de inquilinos, tanto em prejuízo de uns como de outros. O Govêrno resolverá então em seu critério, e, com os elementos colhidos, em muito poderá melhorar a situação em que actualmente se encontra o problema do inquilinato.
A moção do Sr. Dr. Diniz da Fonseca acho que condensa o que deve ser o pensamento e o sentimento desta Assemblea, e dessa conjugação de esforços, nossos e do Govêrno, alguma cousa poderá sair, emfim, que represente um benefício para as duas classes desprotegidas, pois não são só os desgraçados proletários, os pobres operários, que são dignos de dó, mas também tantos e tantos senhorios da classe média, que só possuem os escassos rendimentos dos prédios e que se envergonham de estender a mão à caridade pública, apesar de viverem uma verdadeira vida de miséria, a que é preciso igualmente atender.
Nós não devemos olhar apenas aos que pedem esmola, mas também àqueles que, embora tam necessitados como êsses, às vezes, se envergonham de pedi-la, por a sua condição social o não permitir.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Não está mais ninguém inscrito.
O Sr. José Cabral: - Peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. José Cabral: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: não venho abusar da atenção da Assemblea, por várias razões, entre as quais avulta, em primeiro lugar, a de que me não julgo, eu próprio, em condições de trazer qualquer novidade sôbre o problema em causa.
Venho apenas para apresentar uma moção, que vou entregar na Mesa, e que, de resto, coincide, nas suas linhas gerais, com a do ilustre Deputado Sr. Dr. Diniz da Fonseca. Diverge apenas dela nas conclusões, pois ao passo que a moção do Sr. Dr. Diniz da Fonseca termina por pedir a intervenção do Govêrno para a promulgação de medidas tendentes a resolver êste problema na orientação geral nela fixada, eu entendo que a mim, Deputado, exercendo a função legislativa, não ficará bem reclamar do Govêrno a solução, quando ela pode muito bem sair desta Assemblea. (Apoiados).
A minha moção não pede providências ao Govêrno, nem as exige da Assemblea; põe apenas a necessidade de o problema ser resolvido, parta de onde partir a iniciativa da solução: do Govêrno ou da Assemblea.
Foi só esta divergência que aqui me trouxe. Foi isso apenas que me resolveu a subir a esta tribuna, pois não tenho a pretensão de trazer qualquer cousa de novo, visto que o assunto tem sido largamente debatido. Quero apenas, aproveitando o ensejo, exprimir o meu ponto de vista, quo, pondo de lado o aspecto exclusivamente jurídico da questão, não pretende mais do que pôr o problema objectivamente.
Julgo, e V. Ex.ª pensarão talvez do mesmo modo, que a solução totalitária do problema é inacessível, por motivos óbvios, sobretudo pelas repercussões de ordem social e política que tal solução, mesmo justa, teria.
Ora, se essa solução está assim afastada, só resta um dos dois caminhos a seguir: ou deixar que continue a desordem em que o País vem vivendo há muitos anos - particularmente nos grandes centros -, continuando também muita gente a crer que o Estado se desinteressou definitivamente do problema, ou se procura a solução parcelar - em pormenor.
¿ Há aspectos iníquos que carecem absolutamente de ser integrados num regime de equidade e de justiça? Se os há, nada impede que cada um dêsses aspectos seja considerado em particular.
Alguma cousa se tem feito nesse sentido, certamente, mas a verdade é que os abusos e as situações iníquas continuam, e nesta Assemblea não há dúvidas a tal respeito, porque todos os oradores que têm vindo a esta tribuna têm procurado pô-las a nu.
A minha orientação reduz-se a procurar solucionar êste problema da única maneira possível, e esta é, repito, atacá-lo em pormenor.
Dêsse modo poderão atenuar-se os inconvenientes do regime vigente e demonstra-se, aos interessados e ao País, que o Estado não assiste indiferente ao desenvolvimento de uma série infinita de situações iníquas.
Dito isto, vou ler a minha moção, que, como já salientei, coincide no seu espírito com a moção apresentada pelo Sr. Deputado Diniz da Fonseca, divergindo dela apenas na conclusão:
«Considerando que o problema do inquilinato criou um estado de luta latente entre senhorios e inquilinos, que convém não agravar;
Considerando que a sua solução totalitária teria perigosas repercussões sociais e políticas, havendo porém nele aspectos que podem ser considerados sem êsses inconvenientes e o devem ser por razões imperativas de equidade e de justiça;
Considerando que se impõe a criação de uma forma de processo prática, expedita e barata que atenda ao legítimo interesse dos senhorios nos casos em que lhes é permitido pedir o despejo, nomeadamente no de falta de pagamento de renda;
Considerando que é iníquo que o inquilino rico se locuplete à custa do senhorio, muitas vezes pobre, pagando rendas desactualizadas, ou alcançando, se é pobre, por meio de subarrendamento, um lucro muitas vezes superior à renda que paga:
A Assemblea Nacional exprime o voto de que o problema seja assim considerado e atendido.
O Deputado José Cabral».
A referência que faço aqui a um processo barato, expedito e prático de despejo- não quere dizer que, em princípio, nas leis vigentes não haja forma de obter um despejo em pouco tempo e com custas acessíveis.
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Mas uma cousa é o princípio e outra cousa é a prática.
Certamente que todos ou quási todos V. Ex.ªs sabem que há quási sempre meio judiciário de fazer retardar a sentença de um processo de despejo e que, quando o não houver, há uma razão de ordem geral e permanente - o congestionamento de todos os tribunais, que faz com que uma acção hoje posta raramente possa ser julgada antes de dois ou mais meses.
Bem entendido que, se o senhorio é rico, pode esperar e pode pagar; mas há senhorios que são pobres e alguns tam pobres que nem sequer podem preparar a acção. Daí resulta uma situação de desordem, porque o senhorio tem de acabar por admitir que o dono do prédio é o inquilino, que não paga.
Na prática é isto, embora em princípio seja diferente. Mas quando se legisla para casos desta natureza tem de fazer-se tal com espírito prático, porque, de outra maneira, à desordem que subsiste acrescenta-se a perda da fé na eficácia da lei.
Era o que queria dizer à Assemblea.
Tenho dito.
O Sr. Diniz da Fonseca: - Sr. Presidente: nesta hora adiantada da sessão e da discussão do assunto que tive a honra de trazer a esta Assemblea sorrir-me-ia muito mais não vir a esta tribuna se, porventura, um dever de cortesia elementar não me obrigasse a agradecer a todos os ilustres Deputados e meus excelentíssimos colegas o interêsse que lhes mereceu êsse assunto.
Creio, Sr. Presidente, ter ficado demonstrado que não era uma questão ociosa ou banal aquela que tinha pôsto no meu aviso prévio, mas uma questão candente, de real interêsse para a Assemblea Nacional e com certeza para muitos milhares de portugueses, como tive ocasião de dizer a V. Ex.ªs
A maioria dos meus ilustres colegas que vieram a esta tribuna deu-me a honra de apoiar as minhas considerações, num ou noutro aspecto, num ou noutro ponto.
É certo que um meu ilustre colega parece ter-se sentido ferido pessoalmente com o meu aviso prévio. A verdade, porém, é que comecei por declarar nesta tribuna que não tinha nenhuma agressividade política o meu aviso prévio - simples representação, dirigida sinceramente, claramente, aos Poderes Públicos, mas absolutamente pacífica, absolutamente respeitosa, absolutamente despida de qualquer intento hostil.
Se os factos que eu trouxe aqui têm realmente aspectos de gravidade e de injustiça flagrante, é evidente que eu não pretendi culpar ninguém, muito menos os Poderes Públicos. Não pretendi ocultar o que de bom tinha feito o Estado Novo nesta matéria, mas pretendi apenas demonstrar que o que estava feito era pouco e insuficiente para prevenir os abusos que se cometem à sombra das leis do inquilinato em vigor.
Pretendeu-se demonstrar que êsses abusos ou não existiam ou estavam muito atenuados em face da lei. Essa demonstração creio ter resultado absolutamente improcedente.
Não falei com nenhum de V. Ex.ªs que não me apresentasse casos variadíssimos que conhecia de iniquidades e abusos, perante os quais as leis são pràticamente insuficientes. Isto me bastou, Sr. Presidente, para ficar convencido de que, realmente, não exagerava quando disse que as leis vigentes não coibiam os abusos flagrantes cometidos à sua sombra; abusa-se das próprias leis, abusa-se do seu sentido é do seu conteúdo.
Foi êste o problema que eu quis trazer a V. Ex.ª
Mas, Sr. Presidente, também se afirmou nesta tribuna que eu encarara apenas um aspecto do problema, e que descurara outros de certo modo importantes, isto é, que não vira o problema em toda a sua latitude. Disse-se que eu descurara os inquilinos pobres, não os pondo a coberto de abusos que contra êles pudessem ser cometidos.
Sr. Presidente: não demonstrarei o contrário, porque V. Ex.ªs ouviram e todos poderão ler as notas que constam do Diário das Sessões, e por elas conhecerão que me ocupei de todos os aspectos da assistência social relacionados com a moradia, quer se tratasse de inquilinos, quer de senhorios.
O que eu disse, Sr. Presidente, é que as leis vigentes do inquilinato se tinham tornado um triste remédio, um remédio insuficiente. Ao Estado incumbe cuidar de proporcionar a muitos milhares de portugueses a moradia conveniente, suficientemente higiénica e salubre, que lhes permita constituir uma família numerosa, forte fìsicamente e moralmente sã. E para que esta assistência social pudesse ser dada a todos aqueles que dela carecessem, e não apenas a alguns, é que eu pretendia que o problema fôsse encarado pelos próprios Poderes Públicos com outra latitude, com outra profundeza.
Porei a V. Ex.ªs o problema nítido como eu o vejo. O Sr. Dr. Antunes Guimarãis fez ao Sr. Dr. Águedo de Oliveira esta pregunta: ¿ Porque é que apenas uma parte dos proprietários urbanos há-de ser obrigada a prestar determinada assistência social e não o devem ser todos os outros proprietários e todos os cidadãos que possuam bens de fortuna?
A esta pregunta, Sr. Presidente, não VI que se desse resposta satisfatória. A situação real é esta.
Há milhares de portugueses que desde 1914 até hoje precisaram e continuam a precisar de assistência social para poderem ter uma moradia conveniente. Essa assistência social, segundo o expediente das leis do inquilinato, é transitòriamente prestada por uma espécie de imposto lançado sôbre determinada classe de cidadãos - os proprietários urbanos -, e hoje apenas sôbre uma parte dêstes proprietários, porque aqueles que hoje tem prédios vagos ou construídos de novo estão dispensados dêsse imposto.
¿ Qual a justiça duma assistência social que se impõe apenas a uma classe de proprietários, e, dessa classe, apenas a uma parte dela?
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O que eu pedi foi que a justiça se tornasse completa no que respeita àqueles que devem contribuir para essa assistência social, que é necessária e indispensável a muitos milhares de portugueses.
O que afirmei ainda foi a iniquidade do ser dada assistência a muitos que dela não precisam, e antes deviam contribuir para a prestar aos verdadeiramente necessitados.
Ouvi ainda entoar nesta tribuna trenos humanitários sôbre a sorte dos pequenos funcionários, dos terceiros oficiais, que precisam realmente de assistência social, de moradia, acusando-me de ter esquecido a sua situação.
Creio, porém, não me ter esquecido eu, que reclamei assistência de moradia para todos os que dela necessitam, mas parece terem-se esquecido, em verdade, dêles os que defendem apenas os beneficiados pelas leis vigentes antes de 1928, esquecendo os que depois dessa data ficam sem assistência nem protecção, porque as leis vigentes já lha não prestam.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Cancela de Abreu: - E ainda com a agravante de que estão no início da sua vida, e, portanto, com maiores dificuldades.
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422 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 115
O Orador: - Já vê V. Ex.ª, Sr. Presidente, que não fui eu quem nesta Assemblea pôs apenas um aspecto do problema, mas sim aqueles que pretenderam acusar-me de ter sido parcial, de ter esquecido os pobres e honestos funcionários, quando, na verdade, pedi assistência social para todos, e não só para aqueles que conseguiram em boas condições uma casa alugada antes de 1914.
O que advoguei foi uma política familiar inteira e completa, tal como resulta da letra e do espírito da Constituição do Estado Novo.
Sr. Presidente: estou inteiramente de acôrdo com o Sr. Dr. Querubim Guimarãis quando S. Ex.ª afirmou nesta tribuna que nenhuma lei de carácter geral poderia, de certo modo, resolver o problema de uma forma totalitária, e por isso defendi nesta tribuna que me parecia muito melhor a legislação de Moçambique, que prevê uma comissão ou tribunal arbitral.
Perante um tribunal arbitrai, constituído por representantes de inquilinos e senhorios, com alguém que fizesse de fiel da balança e que excluísse - como muito bem afirmou nesta tribuna, há pouco, o Sr. Dr. Braga da Cruz - o parasita, isto é, aquele que não representa interêsses legítimos nem de inquilinos nem de senhorios e que vive apenas de explorar as deficiências e os sofismas que se podem fazer com as leis vigentes, parece-me que se conseguiria obter equidade e justiça na maior parte dos casos, e isso iria ao encontro da idea defendida pelo Sr. Dr. José Cabral. Mas um tribunal arbitral pareço-me também, Sr. Presidente, que corresponderia pràticamente à necessidade de resolver caso por caso (Apoiados) e de atender, em cada um dos casos, ao valor dos prédios e à situação dos senhorios e inquilinos. (Apoiados).
O Sr. José Cabral: - V. Ex.ª dá licença?
Em princípio a idea dos tribunais arbitrais está bem; na prática afigura-se-me de realização difícil.
O Orador: - Eu creio que o Sr. Dr. José Cabral supõe que eu advogo a criação de tribunais arbitrais, com todas as demoras e exigências burocráticas. Bem longe disso.
Hoje em Paris consegue-se o despejo em vinte e quatro horas, porque as acções de despejo por falta de pagamento de renda reduzem-se a um caso de polícia administrativa.
O Sr. José Cabral: - Estou de acôrdo com V. Ex.ª, mas com um pequeno aditamento: é que se estabelecesse um tribunal em cada bairro ou até mesmo em cada rua.
O Orador: - ¿E porque não havia de haver um tribunal em cada bairro?
Se não estou em êrro, a comissão a que há pouco aludi funciona em Moçambique em cada freguesia.
Lançando aqui a idea, em que me parece que muitos de nós estamos de acôrdo, da vantagem dum tribunal arbitral, é evidente que não podemos entrar em pormenores acerca da sua constituição. A verdade, porém, é que êstes tribunais funcionam com eficiência em muitos países.
Dito isto, passarei agora à análise das duas moções que estão na Mesa.
O Sr. Deputado José Cabral pôs aqui o problema regimental, a menos elegância duma assemblea que, tendo poderes deliberativos e legislativos, todavia apelava para o Govêrno para que êle tomasse conta do problema e o resolvesse em todos os seus aspectos.
Ora parece-me evidente que, desde que eu vinha fazer uma representação aos órgãos da soberania, não podia concluir senão por apelar para os órgãos da soberania para que tomassem conta do problema. Apelava primeiro para o orgão da soberania que era o Govêrno, porque, sendo o problema tam complexo, exigindo uma sério de conhecimentos e inquéritos que o próprio Govêrno começou já a mandar fazer e que só êle tem possibilidades de mandar fazer com inteira eficiência, é evidente que teria de ser para o Govêrno que eu teria de levar em primeiro lugar a minha representação.
Por isso concluí a minha moção no sentido de tendo a Assemblea apreciado o problema e reconhecendo a necessidade de elo sor resolvido de forma a que acabassem os abusos e iniquidades a que a lei do inquilinato estava dando lugar, fôsse dada a êste problema uma solução que tornasse impossíveis êsses abusos e iniquidades.
É evidente que, se esta representação não encontrar deferimento no orgão da soberania que é o Govêrno, que eu reconheço que é o mais competente para poder encontrar com eficiência uma solução adequada e necessária, nada impede que a Assemblea possa exercer amanhã as suas funções deliberativas.
Eu propus o meu aviso prévio no aspecto das funções representativas. Isso não quero dizer que amanhã, na minha qualidade de Deputado, não tome a iniciativa de apresentar à Assemblea um projecto de lei, e nesse caso eu pedir-lhe-ia então que usasse da sua função deliberativa.
Neste momento eu pedi-lhe que usasse das suas funções representativas. Nesta ordem de ideas apenas podia apresentar uma moção que exprimisse esta maneira de ver.
Suponho que isto não colide com o pensamento do Sr. Deputado José Cabral e não vejo uma contradição ou divergência funda entre as duas conclusões.
O Sr. José Cabral: - Eu não digo que há contradição, digo apenas que se me afigura insuficiente a moção de V. Ex.ª, visto que pároco desconhecer a competência legislativa da Assemblea.
V. Ex.ª poderia dar-me outra razão, e essa irrespondível: que estamos a meia dúzia de dias do termo do período de actividade desta Assemblea, e, sendo assim, estávamos pràticamente impossibilitados de estudar o resolver o assunto.
E, assim, justo era que V. Ex.ª apelasse para o Govêrno - e neste ponto estou de acôrdo com V. Ex.ª -, única entidade que, pràticamente, o poderia resolver.
Mas adoptemos uma fórmula que, dizendo o mesmo, não pareça desconhecer a competência legislativa da Assemblea.
O Sr. Águedo de Oliveira: - Pedia o favor de ler a parte da moção que se refere a sublocações.
O Orador: - Eu vou ler as duas moções para V. Ex.ª poderem ajuizar melhor.
O orador leu em seguida as duas moções e, finda a leitura da do Deputado Sr. Dr. José Cabral, disse:
O Sr. Dr. José Cabral conclue exprimindo o voto de que o assunto seja assim considerado e atendido.
Creio que esta conclusão implica igualmente o apêlo para o Govêrno.
O Sr. José Cabral: - Eu reconheço a competência dos dois órgãos, emquanto que V. Ex.ª apenas reconhece a do Govêrno.
O Orador: - V. Ex.ª não tem razão quando diz que eu desconheço a competência legislativa da Assemblea.
Se neste momento exercemos funções representativas, não exclue, até, pelo contrário, acentua que existem funções deliberativas.
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Além disso há nos considerandos do Sr. Dr. José Cabral uma idea limitativa da solução a dar ao problema, aspecto que também pretendi afastar.
Quis que o problema do inquilinato de habitação, pela sua dificuldade e complexidade, pudesse ser abrangido por qualquer dos órgãos da soberania, em toda a sua amplitude. E foi com êsse intuito que redigi a minha moção nos seguintes termos:
O orador leu a seguir toda a moção que havia enviado para a Mesa e concluiu:
Sr. Presidente: V. Ex.ª e a Assemblea, agora inteirados do assunto, resolverão aprovar uma ou outra como em sua consciência entenderem melhor.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Se ninguém mais quere fazer uso da palavra ...
O Sr. Cancela de Abreu: - V. Ex.ª dá-me licença? ...
Não sei se o Regimento me autoriza a apresentar uma proposta de aditamento à moção do Sr. Deputado Diniz da Fonseca, e que, a meu ver, dará razão às objecções postas pelo Sr. Deputado José Cabral.
O Sr. Presidente: - O Regimento não se opõe, desde que o Sr. Deputado Diniz da Fonseca concorde com o aditamento.
O Sr. Cancela de Abreu: - Seria um novo considerando, considerando final - que envio para a Mesa -, assim redigido:
«Considerando que à Assemblea Nacional faltam neste momento os necessários elementos de informação, e que já vai adiantada a actual sessão legislativa...», e o resto seguia como está na moção.
O Sr. Diniz da Fonseca: - Concordo absolutamente.
O Sr. Presidente: - Nesse caso considera-se integrado este considerando na moção de V. Ex.ª
Está encerrado o debate. Vai proceder-se à votação das moções. Vai votar-se em primeiro lugar a moção do Sr. Deputado Diniz da Fonseca.
O Sr. José Cabral: - ¿ V. Ex.ª, Sr. Presidente, dá-me a palavra?
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. José Cabral: - Peço, primeiramente, um esclarecimento, pois não pude seguir bem a leitura da moção do Sr. Dr. Diniz da Fonseca.
Desejo saber se, nessa moção, o inquilinato comercial é excluído.
O Sr. Diniz da Fonseca: - A minha moção só se refere ao inquilinato de habitação.
O Orador: - Então, visto que o Sr. Deputado Diniz da Fonseca aceitou o aditamento proposto pelo Sr. Deputado Cancela de Abreu, que de certo modo atende à objecção que formulei, e desde que o espírito das duas moções é o mesmo, embora a letra seja diferente, peço licença para retirar a que tive a honra de enviar para a Mesa.
O Sr. Presidente: - Vou consultar a Assemblea sôbre se concorda em que o Sr. Dr. José Cabral retire a sua moção.
Consultada a Assemblea, foi autorizado.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se então a moção do Sr. Dr. Diniz da Fonseca, com o aditamento proposto pelo Sr. Deputado Cancela de Abreu, e que foi aceite.
Consultada a Assemblea, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Assemblea.
Como V. Ex.ªs sabem, estava marcada para a ordem do dia de hoje um aviso prévio do Sr. Deputado Garcia Pereira sôbre a acção económica o social do Estado Novo. S. Ex.ª fez-me saber que lhe ora impossível assistir, por motivos de família, à sessão de amanhã. Por êsse motivo, vou marcar a ordem do dia de amanhã sem incluir nela o aviso prévio do Sr. Deputado Garcia Pereira. Queria dar esta informação à Assemblea.
Portanto, a ordem do dia de amanhã será a seguinte:
1.º Textos aprovados pela Comissão de Última Redacção sôbre hidráulica agrícola e entrega à Legião Portuguesa dos bens que pertenceram ao Grémio Lusitano;
2.º Ratificação dos decretos-leis n.ºs 27:478, 27:479, 27:480 e 27:481, e dos decretos-leis n.º 27:482, publicado no Diário do Govêrno de 14 do Janeiro de 1937, que aumenta os quadros do pessoal das delegações e dos serviços administrativos do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência e dos Tribunais de Trabalho; n.º 27:480, publicado no Diário do Govêrno de l5 de Janeiro de 1937, que determina que o tribunal colectivo criado pelo decreto n.º 20:282 (fiscalização de géneros alimentícios) fique funcionando junto do Comando Geral da Polícia de Segurança Pública e regula as suas atribuições; n.º 27:488, publicado no mesmo número do Diário do Govêrno, que suspende todas as funções de oficiais e sargentos inválidos de guerra resultantes da aplicação do artigo 67.º e seus parágrafos do decreto-lei n.º 16:443;
3.º Aviso prévio do Sr. Deputado Schiappa de Azevedo sôbre as condições materiais em que se encontra a irmã do falecido almirante Machado Santos.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 36 minutos.
O REDACTOR - Costa Brochado.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA