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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 161

ANO DE 1938 24 DE FEVEREIRO

SESSÃO N.º 159 DA ASSEMBLEA NACIONAL
Em 23 de Fevereiro

Presidente o Exmo. Sr. José Alberto dos Reis

Secretários os Exmos. Srs.
Manuel José Ribeiro Ferreira
Fernando Teixeira de Abreu

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado, com, uma rectificação feita pelo Sr. Melo Machado, o Diário das Sessões.
O Sr. Presidente, informou a Assemblea de que o Govêrno aceitava e perfilhava o parecer da Câmara Corporativa, acêrca da proposta de lei da propriedade industrial.

Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão na generalidade, da proposta, de lei que estabelece um adicional de 10 por cento sobre as tarifas ferroviárias. Usaram da palavra os Srs. Deputados Águedo de Oliveira e Cancela de Abreu.
O Sr. Presidente encerrou a sessão ás 18 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados presentes à chamada, 57.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão, 3.
Srs. Deputados que faltaram à sessão, 9.

Srs. Deputados que responderam à chamada:

Abílio Augusto Valdez de Passos e Sousa.
Alberto Cruz.
Alberto Eduardo Valado Navarro.
Alberto Pinheiro Torres.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Delesque dos Santos Sintra.
Álvaro Freitas Morna.
Ângelo César Machado.
António de Almeida Pinto da Mota.
António Augusto Aires.
António Augusto Correia de Aguiar.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Hintze Ribeiro.
António Pedro Pinto de Mesquita Carvalho Magalhãis.
António Rodrigues dos Santos Pedroso.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancela de Abreu.
Augusto Faustino dos Santos Crespo.
Diogo Pacheco de Amorim.
D. Domitila Hormizinda Miranda de Carvalho.
Fernando Augusto Borges Júnior.
Fernando Teixeira de Abreu.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Nobre Guedes.
Francisco Xavier de Almeida Garrett.
Henrique Linhares de Lima.
João Antunes Guimarãis.
João Augusto das Neves.
João Garcia Pereira.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Diniz da Fonseca.
Joaquim Moura Relvas.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Alberto dos Reis.
José Dias de Araújo Correia.
José Luiz Supico.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Queiroz e Lencastre.
José Nosolini Pinto Osório Silva Leão.
José Saudade e Silva.
Júlio Alberto de Sousa Schiappa de Azevedo.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz Augusto de Campos Metrass Moreira de Almeida.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Pestana dos Reis.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Mário de Figueiredo.
Miguel Costa Braga.
Querubim do Vale Guimarãis.
Sebastião Garcia Ramires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

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Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

José Pereira dos Santos Cabral.
D. Maria Cândida Parreira.
Vasco Borges.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Eduardo Aguiar Bragança.
Francisco Correia Pinto.
Francisco Manuel Henriques Pereira Cirne de Castro.
Joaquim dos Prazeres Lança.
Joaquim Rodrigues de Almeida.
Manuel Fratel.
Pedro Augusto Pinto da Fonseca Botelho Neves.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 10 horas e 25 minutos. Faz-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 57 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas o 30 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário da última sessão.

O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: a p. 372, col. 2.ª, do Diário, lin. 12.ª do meu discurso, em vez de «infelizmente» deve ler-se «felizmente».

O Sr. Presidente: - Visto que mais nenhum Sr. Deputado pede a palavra, considero aprovado o Diário com aquela rectificação.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Esqueci-me de dizer, ontem, que o Governo, ao remeter para a Mesa da Assemblea Nacional a proposta e o parecer da Câmara Corporativa sobre propriedade industrial, declarou que aceita e perfilha o texto proposto pela Câmara Corporativa.
Se algum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra antes da ordem do dia, pode pedi-la.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Visto que ninguém pede a palavra, vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão a proposta que estabelece um adicional de 10 por cento nas tarifas ferroviárias.
Não está ninguém inscrito.

O Sr. Águedo de Oliveira: - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Águedo de Oliveira.

O Sr. Águedo de Oliveira: - Sr. Presidente: estou em face de um problema provadamente difícil e complexo, ainda que revestido do aspecto de emergência; e é evidente que, para a solução a dar-lhe, requeria talvez muitos dias de estudo, de que eu não dispus, mas cujo interêsse e cuja, transcendência, justifica a minha vinda aqui, num estado de saúde precário.
Li com atenção a proposta e o parecer da Câmara Corporativa e parece-me, em síntese, que o critério posto, o critério económico, que impressiona e está no fundo do relatório da proposta, na sua mecânica, e está defendido pela Câmara Corporativa, é simplesmente isto: o transporte há-de pagar até onde for preciso.
É claro que isto é um critério nitidamente individualista, um critério que coincide com o interesse particular exclusivista da empresa. E ainda um critério optimista. Tudo irá - econòmicamente - passar-se no melhor dos mundos possíveis!
Por isso, de entrada, eu tive alguns receios: primeiro, que o autor e aqueles que defendem a proposta tenham assentado num cálculo económico errado, o de que o homem se comportará duma certa maneira, quando procederá doutra; depois, receio que, não se resolvendo o problema, se consiga, apenas uma deminuição do tráfego. E receio ainda, que o paliativo, resolvendo, de momento, algumas dificuldades, acabe por agravar a crise tradicional dos nossos caminhos de ferro.

Vozes:-Muito bem!

O Orador: - O problema essencial e fundamental sobre o qual anda à volta o relatório notável da Câmara Corporativa - podemos chamar-lhe notável, porque é um estudo desenvolvido, bem feito e bem organizado - é êste: sabe-se que há uma grande elasticidade na procura dos serviços ferroviários, mas essa elasticidade tem limites e não pode ir mais além; e portanto nós precisamos de saber antes de mais se essa elasticidade está ultrapassada. Precisamos evitar que se ultrapasse ou force em demasia essa elasticidade. O que está na proposta, as razões com que se fundamenta, e sobretudo a exuberância de números e estatísticas, que suponho estarem certos, não obstante eu não ter feito o seu estudo profundo, não é propriamente isto. O optimismo económico desviou algo da questão de fundo.
As emprêsas económicas ferroviárias neste País têm uma certa dificuldade de vida, devido às bases precárias e limitadas em que foram organizadas. E este um negócio precário de problemáticos resultados.
(O Sr. Deputado Albino dos Reis assumiu a Presidência).

V. Ex.ª, Sr. Presidente, desculpará que eu não ventilo o que foi o fomento da Regeneração o quais as suas consequências. Basta salientar que as Linhas não foram rasgadas nem implantadas, nem sequer sistematizadas, para servir a economia nacional.
Eram tempos de política de campanário. Grande parte das linhas obedeceram no seu traçado a desejos eleitorais ou a manobras de política localista.
É um caso correntemente ilustrado, e eu lembro apenas um simples exemplo com a linha do caminho de ferro da Beira Alta, que devia marchar de Vila Franca, das Naves sÔbre os vales férteis do Pocinho e do distrito de Bragança para, ao longo de Bragança, ir entroncar com uma linha de caminho de ferro que do norte da Espanha marcharia ràpidamente para a fronteira francesa. Esta linha a que me refiro, por interesses locais e eleitorais não seguiu o seu curso, e daí o existir ainda hoje uma linha muito cara e mal servida para quem se dirigir para aquelas paragens, com todos os consequentes de sastres de ordem financeira.
Por outro lado, os serviços ferroviários não estão organizados em síntese e em globo como deviam ser: não estão dispostos ao fim económico que tem em vista, para obedecerem portanto às necessidades da economia nacional. Não há entre eles a sistematização e ligação

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económicas necessárias. Não estão racionalizados devidamente, e por isso todos nós conhecemos numerosíssimos casos e exemplos que podem ilustrar esta minha afirmação. E só como exemplo, e muito incidentalmente sem tirar nenhum partido deste caso, só para o ilustrar com um exemplo, eu quero pedir a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e aos Srs. Deputados que são do Norte que se lembrem do seguinte: há comboios, no Norte, que saem da estação inicial com trinta e quarenta minutos de atraso! Isto da estação inicial!
É um fenómeno absolutamente inexplicável. Há pontos onde os comboios chegam três e quatro horas atrasados, porque nesse dia carregaram uns caixotes mais de sardinhas! Mas há mais: é que os horários das linhas de ligações essenciais com o Norte continuam ainda pautados pelo que eram no tempo do senhor Rei D. Luiz, que inaugurou a respectiva linha.
Quem quiser ir para Trás-os-Montes, comodamente, tem dois dias de viagem.

O Sr. Diniz da Fonseca: - Como há cinquenta anos!...

O Sr. Angelo César: - A pé são quatro dias...

O Orador: - Quere dizer: veio a Grande Guerra, veio o bolchevismo, veio o fascismo, e os horários ainda continuam como no tempo do senhor Rei D. Luiz. Veio mesmo o Salazarismo, e, o que é extraordinário, os horários continuaram como no tempo do senhor Rei D. Luiz. E que o caso tem remédio e depende de organização e sistematização dos serviços prova-o o seguinte: é que durante as greves sociais dos últimos tempos do Democratismo, um oficial do batalhão dos caminhos de ferro - honra lho seja - dirigiu os serviços do Norte por forma que havia comboios à tabela, comboios com a rapidez necessária, comboios com horários perfeitamente racionais e indispensáveis. As cousas são assim e a eloquência dos factos não pode ser entendida doutro modo.
Mas deixemos estes exemplos, que apresentei só para ilustrar as minhas considerações, e entremos no exame económico do assunto, através das suas consequências futuras.
Há um ponto em que os economistas estão de acordo. É que a alta dos transportes só é defensável quando se traduz em grande melhoria dos serviços.
É este o caso? O cliente dos caminhos de ferro espera melhores dias?
A alta preconizada verifico que é para suprir deficits de exploração, para remediar altas de encargos e não se traduz na tal melhoria notável dos serviços. Em compensação, a baixa dos fretes é cousa defendida por todos os economistas. E porquê? Porque, além dos benefícios directos patentes, como o aumento do tráfego, a melhoria da vida económica e o acréscimo daquilo que se chama a renda do consumidor, e que é fenómeno bastante difícil de limitar e definir, há ainda toda uma série de benefícios de ordem indirecta que também são importantes.
Quando se baixam os fretes dá-se impulso ao comércio, à indústria e à agricultura; quando se baixam os fretes existe uma possibilidade de formação de novas empresas, que trabalham, naturalmente, na margem aproveitável da economia efectuada; quando se baixam os fretes há um duplo negócio para o Estado, como cliente e como entidade autoritária que recebe os impostos.
Vê-se daqui, facilmente, quais são as lógicas consequências de uma alta no preço dos fretes, suscitando os defeitos inversos. E estes defeitos resultarão da execução, da proposta.
A alta nos fretes traduz-se pois, naturalmente, nos vícios contrários; quere dizer, deminue o tráfego, deminue o impulso dado à agricultura, ao comércio e à indústria, com as dificuldades levantadas, e são pedidos novos sacrifícios às classes consumidoras, sobretudo aquelas que tem simplesmente de pagar, e não têm poder de capitalização a que recorram anormalmente.
Portanto, a proposta deve ter considerado todas as consequências, directas e indirectas, que resultam da execução da medida apresentada mas terá suficiente virtude para as compensar ou contrariar?
Mas vejo que, além de um raciocínio económico discutível da proposta e do parecer da Câmara Corporativa, se tiraram consequências que todos nós reconhecemos serem também discutíveis. Assim é que se parte do princípio de que a vida vai aumentar na percentagem matemática em que subirem os fretes; quere dizer: os fretes, por exemplo, sobem 0,x, e, matematicamente, o custo da vida há-de subir também 0,x.
Ora não é assim, porque, além da alta natural, há o incentivo à alta, de que as classes economicamente dominantes no jogo dos mercados se aproveitam para alargar os seus lucros. É natural que o aumento de 10 por cento nos fretes possa trazer 15 e 20 por cento do aumento no custo da vida. Mas há mais.
É preciso não esquecer que o aumento de certos produtos determina um aumento geral no custo da vida.
Sr. Presidente: há uma interrogação que naturalmente acudiu ao espírito da Assemblea e que também acudiu ao meu, e que eu deveria ter esclarecido já.
Serão baratos os nossos transportes?
Realmente, a Câmara Corporativa empenha-se em demonstrar que o são, estabelecendo confronto entre os números e percentagens de estatísticas quilométricas deste País e aqueles que se pagam em França e Inglaterra. Na América do Norte os preços são ainda mais elevados, creio eu.
Os nossos transportes ferroviários são baratos?
As camionetas que o digam.
Certo é que os confrontos estatísticos não esclarecem, desde que não tenham por base a mesma homogeneidade no emprego dos números.
O que é certo é que neste País toda a gente se queixa de que o caminho de ferro é caro; e suponho que vale mais este queixume de toda a gente, de todos os portugueses, do que todas as afirmações dos economistas, mesmo que fossem em sentido contrário. (Apoiados).
Todo o mundo tem razão e os sábios nem sempre a têm!
E porquê? É porque realmente é preciso saber se os transportes portugueses são caros ou baratos, não em relação com aquilo que o contribuinte, o consumidor, o beneficiário paga na América do Norte, mas em face do nosso poder de capitalização e da divisão de trabalho como é feita no nosso País, e, sobretudo, em face do nivel, que todos sabemos baixo, da vida económica portuguesa. O poder comprador da colectividade portuguesa é baixo, e os transportes terão de ser pagos por baixo também.
Há no preço dos produtos, portanto, entre o preço de venda e o custo inicial, uma margem que paga os interesses dos capitais investidos; é o que se chama o «custo de produção suplementar». Este no nosso País é que é realmente muito exagerado em relação àquilo que só dá ao produtor originário e o que se recebe do comprador final. Tirem-se as percentagens respectivas, confrontem-se com os números lá de fora, fixe-se qual a área do País, e discuta-se depois.
Mas, como ainda agora tinha dito, há um certo limite na elasticidade da procura dos serviços ferroviários, que são naturalmente elásticos, o mais elásticos até em relação aos passageiros do que às mercadorias.
Reentremos no domínio da psicologia económica.
E preciso visionar bem as consequências deste adicional de 10 por cento. Há uma certa altura em que o cliente vai para uma baixa de tarifa como sua defesa

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económica; para uma baixa de tarifa ou para uma baixa de classe. E como realmente as tarifas altas e as classes altas dos passageiros deixam um lucro maior, as empresas são relativamente prejudicadas com esta mudança.
Há também um ponto em que o cliente abandona mesmo o caminho de ferro, para se servir de outro meio de transporte: a camionagem, o automobilismo, ou até do meios arcaicos.
E há um ponto até - porque isso é da psicologia económica, pois viajar ou transportar mercadorias não representa uma necessidade instante como é o pão para a boca - em que o beneficiário, o consumidor, renuncia ao transporte. O cliente renuncia e o negócio perde-se totalmente.
É realmente nesse plano que porventura as tarifas são altas, são mesmo proïbitivas, como muita gente pensa. E se 10 por cento de aumento representam um certo sacrifício, é muito possível que esse limite de elasticidade seja ultrapassado. Vai-se para além do ponto óptimo.
O exame da vida portuguesa, seu panorama, sou conhecimento, revelam efectivamente que as tarifas são proïbitivas em muitos casos. 10 por cento mais podem cavar realmente um abismo entre as empresas e os produtores.
Mesmo o exame das tarifas, feito à luz de um critério económico, revela que nelas tem havido mais uma preocupação de rendimento do que propriamente de utilidade económica nacional, mais uma preocupação de ganho ou de lucro do que propriamente de servir a economia colectiva. Temos porém de reconhecer que alguma cousa de interessante as empresas têm feito para servir a agricultura e a indústria.
Quero referir-me ainda a um ponto mais delimitado, que gostaria de ter visto focado, e que, muito embora eu tenha tido um tempo muito limitado para estudar esta questão, não desejo deixar de tratar. No preço dos transportes por caminho de ferro, como no preço dos transportes em geral, há dois elementos completamente diversos e que obedecem a regras o destinos de remuneração completamente diferentes: há nos fretes uma remuneração para as despesas de primeiro estabelecimento, para aquelas que podemos chamar do capital inicial, e que se denomina «a portagem», e há ainda um segundo elemento, chamado «a exploração», que vai corresponder aos interesses económicos que derivam das melhorias, das compras de material, etc.
«A portagem», em muitos economistas, é posta como encargo do próprio Estado, e nalguns países realmente o Estado tem tomado sobre si o peso deste grande elemento de despesa. Claro que isto corresponde a ideas e a formas jurídicas variadas.
Quanto ao segundo elemento, isto é, quanto às despesas de pessoal, de conservação, de melhorias, quanto às despesas da exploração, que são as do carvão e as dos metais, agora na tela da discussão parlamentar, em regra são atribuídas à empresa ou ao seu cliente. Só excepcionalmente o Estado poderia pagar para a exploração.
Daqui deriva, realmente, uma grande consideração a favor daquilo que está no projecto, e por isso eu não tenho dúvida em dizer que pretiro que sejam o consumidor ou o beneficiário que paguem, do que o contribuinte. O consumidor e o beneficiário ainda poderão pagar, mas o contribuinte é que não deve pagar neste caso.
Porém, não obstante tratar-se de uma crise momentânea, de uma crise acidental, nós não estamos senão em face de um agravamento, de um exagero da crise geral o tradicional dos caminhos de ferro. E não é com paliativos, ou com remédios desta natureza, que a mesma crise ou os seus aspectos de agravamento se resolvem.
Os 10 por cento, se porventura derem para alguma cousa, o que duvido - sou muito pessimista a este respeito - , não chegam para a cova dum dente das respectivas empresas.
Suponho que a chave do problema está em concentrar e reordenar, sistematizando e melhorando os serviços. O problema é de economia colectiva e não apenas um momento financeiro na vida angustiosa das empresas.
O que é preciso, como de resto noutros capítulos da vida económica portuguesa, perturbada e desarrumada, é a reorganização, reorganização dos caminhos de ferro, das suas empresas, que devem ser coordenadas e agrupadas, e dos seus serviços que não correspondam às necessidades da vida nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Cancela de Abreu: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: sinto que é muito ingrato subir a esta tribuna para fazer a defesa da medida que está em discussão. Ela não agrada a opinião geral ...

O Sr. Mário de Figueiredo (interrompendo):- Isso logo se verá ...

O Orador: - Quando digo à opinião geral quero referir-me, evidentemente, à opinião pública geral, não à desta Assemblea. Parece-me pois não ter razão de ser o reparo de V. Ex.ª
Sei que essa defesa, como disse, desagradará à opinião geral, sei que ela não é de natureza a acarretar popularidade nem simpatias.
Mas hoje, felizmente, nesta Assemblea não se olha a popularidade, nem especialmente a conquistar simpatias. Também não será pelo receio contrário que eu deixarei de vir defender a medida proposta.
Conheço o problema ferroviário por dever de ofício. Trabalho nele há quinze anos. Conheço em especial esta questão que agora está presente à Assemblea, porque tive de a analisar na qualidade de vogal do Conselho Superior de Caminhos de Ferro, ao qual ela foi sujeita antes de o ser a esta Assemblea e à Câmara Corporativa. Formei uma opinião; tenho uma convicção.
Seria pusilânime, seria réu de cobardia moral, se, com aquela preocupação ou o receio de que não julguem bastante imparcial essa opinião (Não apoiados), ou hesitasse em afirmar o que a consciência me indica, hesitasse em cumprir o que considero o meu dever de Deputado, trazendo a minha contribuição para se esclarecer um assunto em debate, para que V. Ex.ªs todos, ou a Assemblea Nacional em conjunto, resolvam com pleno conhecimento de causa.
Eis a razão que me traz a esta tribuna e me. faz pedir a V. Ex.ªs alguns minutos de atenção.
É evidente que os caminhos de ferro representam um papel de importância, primacial na vida das nações, na sua, economia, na sua defesa, na sua estratégica, militar. Trata-se de um serviço de absoluto interêsse público e, pela razão de assim ser, caberia logicamente aos Estados a sua exploração.
Há Estados, porém, como o nosso, que não entendem conveniente efectuar por si essa exploração. Não deixa, por isso, de ser um problema nacional, não deixa, por isso, de ser uma obrigação nacional essa de assegurar a existência normal dos caminhos de ferro.
Não se trata agora, Sr. Presidente, portanto, de defender interesses do companhias particulares; trata-se de, estudando o problema nos seus fundamentos e pormenores, e fiscalizados pelo Estado - como o são - o funcionamento e a administração das empresas, chegar a conclusões conscientes sobre se se justificam ou não medidas de excepção; e, no caso afirmativo, resolver, sob o ponto de vista nacional, quais são, ou quais

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podem ser, ou quais têm de ser, essas medidas reconhecidas necessárias.
São, portanto, os interesses da Nação, e só esses, os que aqui têm de nos orientar nesta matéria. É a minha convicção sobre eles que eu tenho o dever moral de expor a V. Es.as
Suponho que todos estaremos de acordo sobre duas questões prévias.
A primeira é a da importância e indispensabilidade da existência dos caminhos de ferro. Não oferece dúvida a afirmação de que a vida dos caminhos de ferro é condição vital para a Nação; nenhum dos oradores que me precederam a contestou. O próprio relatório da proposta do Governo o diz nesta passagem:
"Sendo os caminhos de ferro um útil e imprescindível instrumento de que a Nação dispõe, necessário se torna ajudá-los a vencer esta difícil situação".
Fixemos, portanto, esta primeira questão prévia".
A segunda questão prévia que me parece também não levantar dúvidas é o facto da situação crítica actual e o da gravidade dessa situação da indústria ferroviária.

ambém me parece que nenhum dos oradoras precedentes contestou esta afirmação; e o próprio Conselho Superior de Caminhos de Ferro, tendo estudado a questão em pormenor e a fundo, o afirma na primeira conclusão do seu parecer, dizendo: ao Conselho reconhece a gravidade da situação das empresas, em face do alimento dos preços do carvão, metais, etc., que necessariamente veio aumentar o custo da produção".
Destas duas questões prévias, como seu corolário, creio que pode resultar ainda uma terceira, que reúna o acordo de toda a gente. É a de que se torna necessesário e urgente remediar esta crise.
Também todos o reconhecem, e o Conselho Superior de -Caminhos de Ferro, na segunda conclusão do seu parecer, diz também: O Conselho reconhece a necessidade e urgência de facultar as empresas os meios para fazer face a essa situação".
Como aparte, -devo esclarecer V. Ex.ªs de que o Conselho Superior dos Caminhos de Ferro é constituído, além do director geral dos caminhos de ferro e de dois engenheiros da Direcção Geral de Caminhos de Ferro, portanto funcionários do Estado, por representantes do Ministro das Obras Públicas, das empresas ferroviárias, do Conselho Superior de Viação e ainda por representantes da indústria, do comércio e da agricultura.
Como ia dizendo", até aqui estamos todos de acordo; desta altura em diante é que começam as divergências. Assente que é preciso remediar com urgência, essas divergências surgem sobre qual deve ser o remédio a adoptar.
Para prosseguir, entendo que é necessário - como já ontem tive ocasião de afirmar nas interrupções que os Srs. Deputados Diniz da Fonseca e Melo Machado tiveram a extrema deferência de me permitir, deferência que eu tenho muito prazer em agradecer neste momento -, entendo eu, dizia, que há que distinguir, desde este momento, entre duas cousas que considero inteiramente diferentes: - a crise geral, acentuada gradualmente desde 1929 ou 1930, e a crise anormal, esporádica, de 1937 e 1938.
Eu insisto no meu ponto de vista de que não podemos abordar o problema senão separando, desde a origem, estes dois aspectos diversos.
A crise geral que se manifestou desde 1929 ou 1930 carece, evidentemente, de soluções de fundo, e não de medidas de carácter transitório, de medidas especiais de emergência. O mal geral, que se está tornando permanente nos caminhos de ferro, tem de ser resolvido por medidas de outra envergadura.
Acusam-se as empresas ferroviárias de muito culpadas na crise a que chegaram e em que se debatem desde 1930. O Sr. Deputado Melo Machado, sobretudo, foi muito concreto a tal respeito, empregando, até, aquela expressão corrente de que Santa Bárbara só foi lembrada quando já trovejava. Permito-me afirmar que o Sr. Deputado Melo Machado não é justo nessa sua acusação. A indústria ferroviária luta há muito pelas medidas de salvação.
Quanto a novo regime tarifário, ela própria apresentou o respectivo estudo às entidades oficiais em 1928. Os arquivos do Ministério das Obras Públicas e Comunicações devem encerrar esse trabalho, que não teve seguimento até final.
Quanto à crise, que posteriormente havia de acentuar-se, ela era impossível de prever; em 1929 ou 1930 não se podia calcular o que se passou -nos anos seguintes. E não sou só eu que o digo; di-lo uma autoridade incontestável, à qual recorro para melhor convencer V. Ex.ªs
Esta afirmação é feita no livro Métier d'Homme, do Sr. Raoul Dautry, que foi ilustre director dos caminhos de ferro do Estado francês e é hoje um dos dirigentes da nova organização ferroviária da França. O interessantíssimo livro a que me refiro, publicado em 1937, e que para nosso orgulho abre com uma extensa citação do Sr. Dr. Oliveira Salazar, como introdução aos princípios que vem expor, diz, a p. 98:

"... poucas pessoas podiam prever em 1929, e mesmo no começo de 1930, que esta indústria cedo seria considerada por alguns como à beira da ruína".

Isto diz uma alta capacidade do mundo em matéria de caminhos de ferro.
Mas as companhias ferroviárias, logo que reconheceram a gravidade da situação e o seu agravamento gradual, começaram a pedir ao Governo as medidas necessárias e oportunas. Já as pedia o Sr. engenheiro Joaquim Abranches antes de, desde há dois anos, ser Ministro das Obras Públicas.

O Sr. Diniz da Fonseca: - V. Ex.ª dá-me licença? V. Ex.ª teve um pequeno salto na história da vida das companhias que nos estava esboçando: não falou em 1931 e 1932 e esqueceu-se, por conseguinte e eu pedia-lhe o favor, se quiser, é claro, de elucidar a Assemblea -, de nos dizer as razões por que as companhias não cumpriram a disposição do artigo 3.º do decreto de 5 de Maio de 1931, que as obrigava a reformar e unificar as suas tarifas. Como V. Ex.ª conheçe o Conselho Superior de Caminhos de Ferro e conhece por dentro a vida das companhias, suponho que pode esclarecer-nos.

O Orador: - Faço parte do Conselho Superior de Caminhos de Ferro desde Agosto último, salvo êrro.
Não estava, portanto, no Conselho em 1931; não sei, por isso, dizer a V. Ex.ª o que então se passou nesse Conselho. Mas o que sei é que, se as companhias não tiveram de cumprir a disposição citada por V. Ex.ª ...
O Sr. João do Amaral: - Quais as razões por que o Estado não exigiu esse cumprimento?

O Orador: - Ora era isso exactamente o que eu ia focar. Se o Governo não exigiu esse cumprimento, como lhe competia se a questão fosse tam simples como é posta, é porque reconheceu que havia razões a atender. A cobrança não continuou por arbítrio das companhias ou por desleixo do Governo, mas sim por ...

O Sr. Diniz da Fonseca (interrompendo): - V. Ex.ª dá-me licença para eu tentar esclarecer completamente o problema?

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O problema, que só pôs neste momento perante esta Assemblea é precisamente o que então se colocara perante os poderes públicos. As companhias alegavam necessidade de medidas de urgência e comprometiam-se a fazer, em compensação, determinadas simplificações nas suas tarifas. O Governo concedeu um adicional de 10 por cento sobre as tarifas, com o compromisso rigoroso por parte das companhias quanto ao cumprimento da letra expressa do decreto a que fiz referência. E porque as companhias tomaram esse compromisso de fazerem uma, reforma, e unificação nas suas tarifas, de harmonia, com o que o decreio estabelecia, é que lhes concedeu o que pediam. Todavia, isso não foi cumprido.
Ora que segurança se dá à Assemblea quando se lhe pude uma nova medida de emergência, quando a primeira veio desde 1931 até hoje. com os resultados que estão à vista, isto é, oito anos depois está-se a pedir novas concessões de emergência?

O Sr. Antunes Guimarãis: - Eu recordo-mo, de facto, que depois da publicação desse decreto as companhias ferroviárias promoveram estudos no sentido de conseguir uma reforma de tarifas, mas a verdade é que esses estudos não foram do molde a merecerem a aprovação do Governo.

O Orador: -As palavras de V. Ex.ª confirmam até certo ponto aquilo que há pouco pronunciei. Mas não têm razão de prevalecer as apreensões do Sr. Dr. Diniz da Fonseca, pois que aquilo que S. Ex.ª critica não deverá repetir-se agora. Quer na proposta do Governo, quer na sugestão da Câmara Corporativa, é fixado, para a aplicação deste adicional, o limite que nelas se entende justificado pela exigência das circunstâncias anormais. O Governo não autorizará, além do necessário, a continuação da cobrança; essa exigência ou essa necessidade é que determinarão a decisão oportuna do Governo, baseada em dados concretos, facilmente verificáveis.

O Sr. Diniz da Fonseca (interrompendo):-Se V. Ex.ª me permite, eu leio o artigo do decreto a que há pouco me referi sobre a fixação do limite a partir do qual não podia, ser cobrado o adicional. É o seguinte:

Artigo 3.º do decreto de 5 de Maio de 1931. - "Se dentro do prazo e nos termos estabelecidos no artigo 1.º não estiver efectivada a unificação tarifária, cessará imediatamente a cobrança do adicional constante do artigo anterior e seus parágrafos".

Porque ó que o Governo não obrigou as companhias a cumprir esse artigo, isto é, porque é que as companhias puderam, contra lei, continuar a cobrar esse adicional?

O Sr. Antunes Guimarãis: - O Govêrno, como já disse, apreciou as bases de um projecto de reforma tarifária, que não foram julgadas suficientes, sendo então as companhias autorizadas a continuar a cobrar o adicional.

O Orador: - Eu não posso citar neste momento a natureza, ou a data das disposições legais que posteriormente permitiram a continuação da cobrança do adicional em referência. E lamento que o Sr. Dr. Diniz da Fonseca não tenha continuado a consultar, para além do decreto a que só referiu, os sumários do Diário do Governo. V. Ex.ª neles teria encontrado por certo a resposta à sua própria pergunta.

O Sr. Diniz da Fonseca (interrompendo}: - O que V. Ex.ª não demonstrou à Assemblea é que nos termos em que está a proposta, a Companhia não continue a cobrar ...

O Orador:-Eu já apresentei a V. Ex.ª a minha maneira de ver sobre esse ponto. Lamento que não o satisfaça; mas tenho de prosseguir, encarando outros aspectos focados na discussão.
Quanto aos seus processos de administração, ou direcção, podem as companhias ferroviárias adoptar orientação acertada e medidas razoáveis que não conseguirão convencer o público ou conquistar a sua simpatia.
V. Ex.ªs criticam as companhias porque não desenvolvem os seus serviços; é uma critica procedente, mas só até certo ponto. Mais não fazem, justamente porque lhes falta, o dinheiro para isso. Mas ainda assim podem assinalar-se importantes progressos. Cito. por exemplo, o trabalho das oficinas da. C. P., cuja melhor organização tem permitido favoráveis resultados, aumentando, com menor dispêndio, o número de locomotivas reparadas anualmente.
A reparação dos vagões é hoje feita pela forma mais moderna, e de tal modo que de meia em meia hora sai um vagão reparado e por preço inferior ao que custava. Isto constitue melhoramentos que o público não sente, mas que têm grande valor para a exploração.
Posso mostrar a V. Ex.ª que as despesas de primeiro estabelecimento das empresas ferroviárias, nomeadamente na Companhia Portuguesa, anteriormente à crise, andavam por média superior a 25:000 contos anuais; tiveram de baixar depois para verbas irrisórias, como 2:000 e 3:000 contos.
Se nos anos seguintes ao início da crise se tivesse podido continuar a gastar aquilo que era normal gastar-se até então, ter-se-iam despendido mais l33:000 contos do que se gastaram. Quantos melhoramentos, quantos aperfeiçoamentos se não teriam introduzido na indústria ferroviária!
Mas, Sr. Presidente, afinal os serviços ferroviários não são tam maus, entre nós, que não permitam que a Companhia Portuguesa, esteja mencionada em 7.º lugar, quanto à velocidade máxima de comboios no mundo, na lista publicada na Révue Économique Internacionale, de Outubro de 1937.
Pode, por outro lado, verificar-se que a exploração da Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses ocupa, em confronto com as estrangeiras, uma posição interessante.
Analisando o coeficiente de exploração das principais empresas ferroviárias do mundo em 1935, entre 26 [...], a Companhia Portuguesa aparece ainda em 7.º lugar. A sua frente figuram os caminhos de ferro electrificados da Suíça, os caminhos de ferro electrificados da Suécia e a rede das linhas férreas inglesas; atrás da C. P. os da França, da Alemanha, da Itália, etc., etc.
Das considerações do Sr. Deputado Diniz da Fonseca verifica-se que S. Ex.ª condenou as companhias por terem feito a redução das suas despesas paralelamente à redução tias suas receitas. Aquilo que parecia constituir motivo de elogio foi, afinal, motivo de crítica.
Vê-se no mapa publicado no parecer da Câmara Corporativa que a Companhia Portuguesa foi aquela que manteve maior equilíbrio entre a baixa das despesas e das receitas. Pois o Sr. Deputado Diniz da Fonseca queria que não fosse assim, que era um mau sintoma, que a C.P., fez economias onde não as devia ter feito. Tem S. Ex.ª razão por êsse lado; mas foram economias forçadas, não pôde deixar de as fazer. Se não tivesse feito reduções de despesas, cá estaríamos todos para a atacar também neste momento!

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O Sr. Querubim Guimarãis (interrompendo): - V. Ex.ª, que parece conhecer tam bem o parecer da Câmara Corporativa, pode elucidar-me do seguinte:
O parecer da Câmara Corporativa refere que os serviços dos caminhos de ferro da C. P. -é aquela que vem sempre à cabeça se viram obrigados a fazer reduções nas despesas indispensáveis. Não diz quais foram elas, nem quanto foi a importância da redução.
Gostaria de saber se concomitantemente também a Companhia. Portuguesa, fez as reduções necessárias nas despesas indispensáveis?

O Orador: - Que é que V. Ex.ª chama despesas dispensáveis?

O Sr. Querubim Guimarãis: - O relatório fala em despesas indispensáveis. Queria também saber se fez reduções nas despesas dispensáveis. E digo a V. Ex.ª porquê. E que alguém me informa que de certa categoria para cima há uma pessoa que trabalha e quatro que recebem ...

O Orador: - Eu não sei de uma maneira concreta o que V. Ex.ª entende por despesas dispensáveis. A Companhia Portuguesa fez reduções, e Y. Exa. tem a esse respeito números concretos no relatório. Além das economias possíveis na exploração, teve de deminuir, quási de suprimir, as suas despesas de fomento - chamemos-lhes assim. E êsse é um dos males a lamentar. Fez reduções excessivas em despesas que não era lógico reduzir além de certo limite, como seja nas de conservação do material circulante ou do material fixo.
Mas V. Ex.ª juntou algumas palavras à sua pergunta que me esclarecem sobre o seu objectivo e que me fazem supor que ele não difere muito de outro que ontem aqui evidenciou, mais claramente, o nosso colega Sr. Dr. Diniz da Fonseca.

O Sr. Querubim Guimarãis: - É porque isso fere bastante a nossa sensibilidade.

O Orador:-Eu sei. Pedi à Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses informações sobre a despesa com os seus corpos gerentes, e posso-as transmitir a V. Ex.ªs
Verifica-se que antes da crise a Companhia era administrada por vinte e um administradores, tinha seis membros do conselho fiscal e dois comissários do Governo. Eram vinte e nove pessoas remuneradas com a verba global de 1:256 contos anuais.
Mas em 1937 e 1938 a situação é diferente; o número de administradores encontra-se reduzido a onze e o de membros do conselho fiscal a três ; os comissários do Governo continuam a ser dois.
O Sr. Antunes Guimarãis:-V. Ex.ª, faz favor, cita-me o diploma que reduziu o número de administradores e de membros do conselho fiscal.

O Orador: - Não sei dizer a V. Ex.ª a respectiva data.

O Sr. Antunes Guimarãis: - Eu também não fixei essa data, mas posso afirmar a V. Ex.ª que tal diploma foi promulgado pelo Governo de que eu fazia parte, assim como os nossos colegas Srs. coronel Linhares de Lima e Dr. Lopes da Fonseca.

O Orador:- Os encargos de remuneração dos administradores da Companhia, dos membros do conselho fiscal e dos comissários do Governo, cujo número total
baixou de vinte e nove para dezasseis, passaram a ser de cêrca de 828 contos, em lugar de 1:256.
Vejam, pois, V. Ex.ªs a importância que a estes números se pode atribuir. Mesmo que chegássemos à conclusão, que não parece razoável, de que os vencimentos dos administradores de uma empresa desta magnitude, a de maior envergadura, na indústria portuguesa, pudessem ser reduzidos para metade, resultaria apenas uma redução de 400 contos por ano. Ora não seria com essa economia, que se resolveriam os grandes problemas instantes nem a gravidade da crise.

O Sr. Angelo César: - Poupai no mata-borrão, disse o Sr. Ministro das Finanças.

O Orador:-Mas quero ainda citar, em reforço das considerações que tenho feito, a terceira conclusão do parecer do Conselho Superior de Caminhos de Ferro, organismo oficialmente categorizado para apreciar o problema.
Diz essa conclusão:

"Reconhece também o Conselho a impossibilidade de se efectuar uma compressão de despesas da ordem daquela que seria, necessária para fazer face ao agravamento indicado".

Temos portanto, ao que parece, de concluir de tudo isto que não serão tam justificadas, como à primeira vista parece, aquelas críticas que são feitas à administração e à direcção da indústria ferroviária.
Elas revelam um estado de espírito irremediável, uma opinião preconcebida. E não é só em Portugal. Ouçam V. Ex.ª o que escreve ainda o Sr. Dautry a p. 73 do seu livro citado:

"Do caminho de ferro cada um sabe que as carruagens estão sempre sujas, mal aquecidas, os empregador sempre mal humurados, as tarifas sempre [...], a administração sempre burocrática e rotineira. Estas noções fazem parte, ao que parece, dos dados imediatos da consciência francesa".

Da francesa ... e da portuguesa, pelo menos!
Falou-se também, nesta tribuna, em remuneração do capital investido nas empresas ferroviárias. O Sr. Dr. Diniz da Fonseca, permitiu então, muito amavelmente, que eu, do meu lugar, o interrompesse, para repor, segundo me parece, as cousas no seu verdadeiro pé.
A Companhia Portuguesa, sabem-no todos V. Ex.ªs, não remunera o capital dos seus accionistas há muitos anos. Não tem distribuído o mais pequeno dividendo, o que seria legítimo fazer.
A Companhia dos Caminhos de Ferro da Beira Alta nem pode, sequer, satisfazer os seus compromissos; há dois anos que não paga o cupão devido aos seus obrigacionistas.
A indústria ferroviária não pretende arrecadar lucros. Esta expressão faz um grande efeito, mas não é justo que se empregue; não se trata de arrecadar lucros; trata-se, sim, de obter as disponibilidades restritamente necessárias para saldar compromissos obrigatórios e inadiáveis, que essas companhias têm de respeitar.
Os credores são estrangeiros -falo de todas, ou quási todas, as companhias-, têm os direitos de obrigacionistas e não se pode, em face da lei, deixar de satisfazer os encargos que lhes dizem respeito. Senão, é a falência!
Na verdade, no parecer da Câmara Corporativa, não se citam os encargos financeiros nem contratuais que vêm absorver por completo os saldos de exploração que em certo quadro figuram e que vão muito além desses saldos. Mas eu posso dar a V. Ex.ª algumas informações a tal respeito. Pelas notas que tenho em meu poder verifica-se que a Companhia dos Caminhos de

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Ferro Portugueses no conjunto da sua própria rêde, das redes das companhias que com ela têm contrato e das rêdes do Estado. Teve déficit final superior a 5:500 contos em 1933; a 6:100 contos em 1934; a 8:300 contos em 1935; a 6:300 contos em 1936; e um saldo, ainda não confirmado, negativo de mais de 10:300 contos em 1987.
Posso dizer a V. Ex.ªs, de uma maneira geral, do que resultam estes saldos negativos. Em primeiro lugar, da baixa de receitas que já foi focada. Depois por encargos obrigatórios: garantia de juros ; contratos com as companhia" proprietárias de linhas que a C. P., explora; subsídio, superior a 4:000 contos anuais, para as caixas da previdência do pessoal: renda ao Estado, superior a 5:000 contos; reparações alemãs e aplicações forçadas em renovação de material circulante das linha", do Estado, num total de cerca de 3:000 contos. Finalmente por encargos financeiros, ao juro de 6 por cento, que nos anos anteriores atingiam importância superior a 20:000 contos.
Esta a verdadeira situação da C. P.
Na Companhia da Beira Alta aquele pequeno saldo de exploração, que consta dêste mapa que V. Ex.ªs viram, não chega, igualmente, para os encargos dos obrigacionistas. A Companhia dos caminhos de ferro do Estoril, que figura no mapa com apreciáveis saldos de exploração, que eram até 193fi superiores a 3:000 contos, tem encargos financeiros anuais de mais de 3:000 contos.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: em resumo, esta crise com carácter permanente, chamemos-lhe assim, de há anos para cá exige uma solução definitiva.

O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª dá-me licença? Existe algum paralelismo entre as tarifas ferroviárias e as tarifas de camionagem?

O Orador: - Sobre a camionagem de mercadorias não está feita a devida regulamentação; pelo que respeita às tarifas de passageiros, há um limite mínimo fixado à camionagem, que, salvo erro, é de $21 por quilómetro.

O Sr. Melo Machado: - Quero dizer, portanto, que não há nenhum paralelismo.

O Orador: - Há esta sujeição.

O Sr. Antunes Guimarãis:- V. Ex.ª dá-me licença, para um pequeno esclarecimento? Quando em 1930 se aplicou o imposto de camionagem tomou-se, se a memória me não atraiçoa, como base para os passageiros a 2.ª classe e para as mercadorias certa categoria de recovagem. Depois julgo ter havido alterações; mas, como disse, o imposto de camionagem não foi arbitrariamente fixado, mas para o seu cálculo procuraram-se bases nas tarifas ferroviárias então em vigor.

O Sr. Melo Machado: - A razão da minha pregunta era para estabelecer esta premissa: se não há paralelismo, evidentemente que, agravando-se os transportes ferroviários, vamos favorecer a camionagem.

O Orador: - A camionagem lucrará sempre com qualquer aumento das tarifas dos caminhos de ferro; sobre isso não tenho dúvida.
Dizia eu a V. Ex.ª que a crise geral precisa de uma solução definitiva.
Há uma pretensa solução, que tem, ao que parece, muitos partidários: é o barateamento em massa das tarifas.
Antes de continuar, quero fazer uma pequena observação. O Sr. Dr. Diniz da Fonseca, em uma passagem incisiva do seu discurso, ao referir-se ao critério, contrário ao seu, sôbre os resultados da redução de tarifas, disse o seguinte:

"Eu sei que o mesmo parecer diz que o princípio a que aludi, de reduções em vez de aumentos, representa um raciocínio simplista, afirmando o ilustre relator que a doutrina e os factos vão de encontro a esta forma de raciocinar. Mas a doutrina que se cita é uma passagem que tem vinte e oito anos de existência, isto é, que foi escrita há mais de um quarto de século".

Eu tive a sensação do efeito que produziu esta observação de S. Ex.ª ; Ela é, porém, absolutamente errada! S. Ex.ª baseou a sua afirmação em uma gralha tipográfica. Foi pena que o Sr. Dr. Diniz da Fonseca não tivesse tido ocasião de aprofundar o seu estudo; Teria reconhecido que a afirmação do Sr. Colson não datava de 1909, mas sim de 1929! Aqui está o Cours d'économie politique, de Colson, inspector geral de pontes e calçadas, vice-presidente do Conselho de Estado, membro da Academia de Ciências Morais e Politicas, grande autoridade em questões económicas relativas a transportes. A sua opinião, transcrita no parecer, tem apenas nove anos de idade.

O Sr. Diniz da Fonseca (interrompendo):-A edição que V. Ex.ª tem será única, ou haverá outra mais antiga?

O Orador: - O erro de V. Ex.1'1 proveio de um erro tipográfico ou de cópia; não há que procurar outra explicação. De resto, bastaria a circunstância de a opinião constar de uma edição de 1929 para se provar que o autor a mantinha de pé nessa data.
Mesmo que assim não fosse, o facto de o critério ser antigo não poderia significar, a priori, que tinha deixado de ser exacto.

O Sr. Diniz da Fonseca: - V. Ex.ª dá-me licença? O que eu desejava era que V. Ex.ª focasse o que eu demonstrei firmando-me nas próprias palavras do Sr. Colson.

O Orador:- V. Ex.ª não podia tirar legitimamente as conclusões que tirou das palavras citadas. Como posso eu responder à sua interpretação? V. Ex.ª entende que a redução geral das tarifas é que produz alimentos de receita; não atendo a que a redução atinge todo o tráfego anterior e que se torna, portanto, necessário que o acréscimo, o tráfego novo, chegue para ultrapassar a redução resultante do tráfego, antigo. Afirma-se justamente que em épocas de crise não é possível esperar um tal tráfego novo.
Posso chamar em meu auxílio o resultado de experiências, anteriores.
As mesmas dúvidas se punham em 1931 quando o Sr. Dr. Antunes Guimarãis forneceu à indústria ferroviária aquele balão de oxigénio a que ontem se fez referência. Verificou-se que esse adicional de 10 por cento produziu um resultado positivo de cerca de 20:000 contos a favor da indústria. Conseguiu-se tornar então comportável a baixa das receitas.

O Sr. Pacheco de Amorim (interrompendo): - V. Ex.ª dá-me licença? Diz-se aqui no parecer: receitas da C. P. em 1932, 248:298 contos; em 1931, 249:983 contos. De modo que parece que o adicional de 10 por cento fez baixar as receitas ...

O Orador:-V. Ex.ª tenha paciência, mas essa sua conclusão, sem ofensa, é simplista de mais ...

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O Sr. Pacheco de Amorim: - Eu examino o que aqui está e a conclusão é esta.

O Orador: - Mas a realidade é outra: é que se não fosse a concessão do adicional, a baixa das receitas na C. P. não teria sido aquela que consta desse mapa e que anda pela insignificância de 1:700 contos.
Basta comparar com a deminuïção anterior, sobre 1930, que foi de quási 25:000 contos.

O Sr. Pacheco de Amorim (interrompendo): - V. Ex.ª permita-me então que faça uma ligeira exposição
Quando se trata de preços, sobretudo os preços de monopólio, entre os extremos do preço nulo e do preço incomportável, que ambos dariam receitas nulas, há o chamado preço «óptimo», que dá a receita global máxima. Se os preços estão abaixo do óptimo, um aumento conveniente trará aumento de receitas. Se estiverem acima, o seu aumento fará baixar as receitas.
Segundo o relatório que tenho presente, as tarifas da Companhia parece que estão acima dêsse preço óptimo.
Reparem V. Ex.ªs neste quadro referente às receitas do tráfego de 1913 e de 1935 e V. Ex.ªs concluem que houve, de facto, de 1913 para 1935 uma baixa de tarifas. Apesar disso, houve um aumento de receitas.
Em 1931, examinando o que consta deste relatório, conclue-se que a um aumento de tarifas correspondeu uma baixa de receitas.
Se a Companhia, ou, melhor, o Sr. relator, queria convencer a Câmara da conveniência da proposta em discussão, tinha de demonstrar que as tarifas actuais dos caminhos de ferro estão abaixo do óptimo e que, assim, aumentando convenientemente essas tarifas, há um aumento de receita seguro.
Pelo contrário, os dados que aqui se apresentam parecem levar a concluir que, se houver um aumento de tarifas, haverá uma baixa de receitas.
O tráfego em Portugal é o mínimo, segundo a estatística aqui apresentada.

O Sr. João do Amaral: - Mas isso pode ter outras razões e outras soluções.

O Sr. Pacheco de Amorim: - O que se colhe da leitura deste relatório não pode levar a outras conclusões. Eu não tencionava intervir neste debate, mas como é um caso grave isto de aumentar as tarifas ferroviárias precisamente quando todos estão a queixar-se do aumento do custo da vida, resolvi-me a dizer estas palavras, porque nós estamos a assumir aqui responsabilidades que nos pesarão pela vida fora...

O Orador: - V. Ex.ª não tem razão nas suas considerações ; não houve qualquer baixa do tarifas...

o Sr. Pacheco de Amorim: - V. Ex.ª desculpe, mas houve. É ler a p. 302-V a segunda estatística. Leia as três últimas colunas. Houve uma baixa no preço de transporte de passageiros de cerca de 34 por cento no tráfego ; na pequena velocidade, de 12 por cento ; na grande velocidade, de 42 por cento.

O Orador: - V. Ex.ª repare que são números relativos. Os impostos ...

O Sr. Pacheco de Amorim: - Os impostos são outra questão. Trata-se de rendimentos.

O Orador: - Mas não houve redução de tarifas, o que houve foi uma redução de receita por unidade, de tráfego.

O Sr. Pacheco de Amorim: - Econòmicamente é a mesma cousa.

O Orador: - Mas para o efeito que V. Ex.ª quero I irar é que não é a mesma cousa.
V. Ex.ª borda as suas considerações sôbre uma base em que não posso acompanhá-lo, pois não houve, de facto, uma redução de tarifas.

O Sr. Pacheco de Amorim (interrompendo): - Eu o que posso dizer é que com o aumento de tarifas não se resolve o problema das companhias. Entendo que as companhias deviam ser ajudadas pelo Governo, mas não pela fórmula do aumento de tarifas, porque essa não dá resultado. Tudo leva a crer que as tarifas actuais estão acima do óptimo. Só assim se explicam as estatísticas que citei do douto parecer da Câmara Corporativa, e bem assim o facto, apontado pelo mesmo parecer, de o tráfego de mercadorias por habitante ser deminuto em Portugal em relação ao de muitas nações europeias e o mínimo de todas as nações citadas no mesmo parecer. Nestas condições, aumentar as tarifas dará um resultado contraproducente, porque acarretará uma deminuïção global de receitas. Uma baixa de tarifas é que é de aconselhar, não só para benefício da economia nacional, mas para utilidade das próprias companhias de caminhos de ferro. Devo dizer que é minha opinião que nem no óptimo das tarifas as empresas ferroviárias conseguirão equilibrar os seus orçamentos e que o Governo, em qualquer hipótese, terá de lhes regularizar a situação financeira, em nome do interesse público. As companhias têm razão em pedir ao Governo socorro; mas erram na forma por que lhe pedem.

O Orador: - É justamente sob esse aspecto que eu estou procurando transmitir a V. Ex.ª a minha opinião. Daqui a pouco provarei a V. Ex.ª o que sempre entendi, em condições normais, sobre aumentos de tarifas. De uma maneira geral, dizia eu, os males de que a indústria sofre têm de ser resolvidos por medidas de maior e mais sólido alcance. Uma delas baseia-se na remodelação tarifária; mas a remodelação tarifária, como já ontem tive ocasião de dizer, não pode ser feita para ter em conta circunstâncias esporádicas como u actual; a remodelação tarifária tem de fazer-se para atender a novas circunstâncias normais que passaram a verificar-se de forma permanente, e só a essas. Há um novo equilíbrio económico, há novas influências estáveis há um novo regime de transportes públicos; consequentemente há necessidade de adaptar o sistema tarifário a esse novo equilíbrio, a essas novas circunstâncias económicas.
Mas dêsse novo sistema não se pode esperar compensação ou reserva para emergências raras. A base tarifária tem de restringir-se às necessidades normais; não pode ser tam alta que possa originar reservas capazes de fazer frente a essas emergências.
Também se pode procurar remédio para a crise geral na revisão da situação financeira das companhias, por forma a evitar que não haja saldos de exploração capazes de satisfazer os compromissos.
Êsses compromissos são exorbitantes, são incomportáveis. E este um problema que o Estado não pode deixar de estudar, procurando a forma de conseguir libertar a indústria de credores tam pesados.
¿Não poderá o Estado, que tem disponibilidades, facultar às companhias, em condições comportáveis, capitais que lhes permitam essa libertação? ¿Será simplista demais esta idea?
Ainda de outra forma se pode obter solução. É certo que, apesar de se verificarem tais deficits, a indústria ferroviária constitue uma grande fonte da receita do

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Estado. Devo dizer que silo anteriores à gerência financeira do Sr. Dr. Oliveira Salazar esses encargos tributários. O Estado recebe da indústria ferroviária mais de 30:000 coutos pelo imposto ferroviário, mais de 5:000 contos como renda fixa das linhas do Estado; recebe a contribuição industrial, apesar de cobrar um imposto especial; e recebe ainda o imposto profissional de todos os empregados ferroviários.
Vêem portanto V. Ex.ªs que os caminhos de ferro em Portugal, longe de serem um pesado encargo para o Estado, como acontece em Franca por exemplo, representam uma considerável fonte de receita.
Parece, portanto, que poderá também encontrar-se no sacrifício, por parte do Estado, de parte dessas receitas, um remédio definitivo para a situação em que a indústria se debate.
Há, evidentemente, ainda, uma quarta e talvez última medida de grande alcance para pôr em prática : é a da coordenação dos diferentes meios de transporte. Este problema debate-se hoje no mundo inteiro ; Portugal é um dos países em que ele não está resolvido ainda.
Não se trata de repressão ou de exigências que não possam ser comportadas ; mas sim, e unicamente, de coordenação. ^E que é que isto quere dizer? Que aos diferentes meios de transporte se facultem as justas e indispensáveis condições de equilíbrio, para que todos possam viver, cada um com a sua útil função.

O Sr. Antunes Guimarãis: - Contudo, eu julgo que em 1931 nomeei unia comissão, composta de representantes dos caminhos de ferro, do automobilismo, dos portos e de outros organismos, a fim de se conseguir rapidamente a fórmula de equilibrada coordenação de todos os meios de transporte.

O Orador: - V. Ex.ª assim fez, e outros sucessores de V. Ex.ª têm manifestado as mesmas boas intenções; bastante se tem trabalhado nesse sentido, e foi elaborado um estudo, valioso e completo, que pode resolver o problema.
Pena é que êsse, ou outro, não se transforme em lei do País.
Esta é que é uma das grandes origens da crise ferroviária.
Os caminhos de ferro - já ontem tive ocasião de o dizer - foram criados em regime de monopólio, de direito e de facto. Exactamente pela fôrça dêsse monopólio foram impostas aos transportes ferroviários determinadas e pesadas sujeições e obrigações. Caducou o monopólio de facto; ficaram, porém, essas obrigações. Não quero abusar mais da atenção de V. Ex.ªs desenvolvendo este raciocínio; é esta a sua síntese.
É de desejar que o Governo não demore também a solução deste problema, designadamente pelo que diz respeito à camionagem de mercadorias, e que o equilíbrio seja estabelecido em termos equitativos.
Creio, Sr. Presidente, que é do conjunto de todas ou de algumas destas medidas apontadas que resultará o remédio definitivo e duradouro para a crise latente dos transportes ferroviários.
Mas, como já ontem disse, não é disto que se trata neste momento. Não é desta crise que se ocupa a proposta em discussão. Trata-se agora da crise anormal, da crise esporádica de 1937 e 1938. Esta tem causas definidas, próximas, concretas, absolutamente imprevistas. Não pode u sua solução consistir numa medida de carácter geral.
Os números concretos que a Assemblea tom do ponderar, sob este aspecto, são sensivelmente os seguintes: de 1936 para 1937, além da baixa de receitas que se manifestou, e que anda por 7:800 contos, deu-se o aumento esporádico das despesas de aquisição do carvão e dos metais. O saldo da exploração deminuíu, por estes motivos, de cerca de 13:900 contos, dos quais 7:000 contos devidos àqueles materiais. De 1937 para 1938 - e agora este número é definitivo e mais favorável do que aquele que consta do relatório da Câmara Corporativa, porque pôde a Companhia fazer uma aquisição de carvão para o ano inteiro em condições menos onerosas- esse aumento é de 8:500 contos.
Temos, portanto, que, só por efeito do aumento do carvão e dos metais, houve um prejuízo de 15:500 contos nestes dois anos.
¿O que temos a opor a esta deminuïcão? O lucro que resultou para a Companhia da baixa coincidente do franco.
Os números indicam que a redução do encargo respectivo foi, em 1937, de cerca, de 6:300 contos sôbre 1936, e que em 1938 a nova deminuïção não deve atingir 1:000 contos. São, portanto, cerca de 7:300 contos que a Companhia deixou de desembolsar.
A situação é esta: as receitas totais do tráfego em J937 andam por 241:000 contos e as despesas de exploração por 222:000 contos, ou seja um saldo de exploração de 18:800 contos. Tendo em conta os encargos fora do tráfego, os contratuais e os financeiros, aquele saldo transforma-se num deficit de cerca de 10:000 contos. Com os 7:500 de agravamento, a que me referi como previsão para 1938, o déficit passará a cerca de 18:000 contos, se não houver neste ano alteração das receitas e se o câmbio não piorar. Isto é: o déficit previsto para 1938 é de 1:500 contos por mês - 50 contos por dia. Esta é a situação de facto da C. P. no ano que vai correndo.

O Sr. Mário de Figueiredo (interrompendo): - ¿Nos dois anos -1937 e 1938- o agravamento resultante do aumento de preço do carvão e dos metais é de? ...

O Orador: - 15:500 contos.

O Sr. Mário de Figueiredo: - ¿A melhoria em consequência da queda do franco é de? ...

O Orador: - Cerca de 7:300 contos.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Portanto há, na correspondência entre estes dois números, um déficit de cerca de 8:200 contos. Isto é o que nos interessa.

O Orador: - Vou agora recorrer de novo a documentos que. tenho comigo; e chamo em especial a atenção do Sr. Deputado Pacheco de Amorim. O adicional não é uma solução boa; de uma maneira geral, um aumento de tarifas é inconveniente.
Ouçam V. Ex.ªs a opinião que eu manifestei em 21 de Outubro de 1937, e que conota da acta da reunião do Conselho Superior de Caminhos de Ferro:
«Sou - diz o Sr. Augusto Cancela de Abreu - pessoalmente contrário a elevações tarifárias. A solução poderia ser dada pelo Estado, que reconhecendo a situação das companhias, se não quisesse conceder-lhes subsídios, poderia, para um caso de emergência como este, sacrificar um pouco da receita que arrecada desta actividade ... E natural, porém, que o Estado não queira nem conceder subsídios nem deminuir as suas receitas, e então só fica a. sedução do aumento de tarifas ...».

Como V. Ex.ªs vêem. ou lambem sou, em princípio, contrário ao aumento das tarifas. Eu sei que dar podo resultar certa fuga de tráfego, que talvez não volto quando o adicional cessar. Mas, se não se pode ministrar outro remédio melhor, se deste ainda se consegue

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o mínimo de benefício necessário, se a sua influência não pode legitimamente sentir-se na carestia da vida, a força das circunstâncias obriga-nos a aplicar êste mau remédio, que, apesar de mau, é ainda remédio.
Notem V. Ex.ªs que o adicional representa, de facto, no preço médio de 1 quilograma transportado, apenas quatro milavos. Os mapas que V. Ex.ªs viram referem-se à influência, por percentagens, do adicional sobre o custo dos géneros mais necessários à vida; ela é de ordem de alguns décimos por cento, no geral. Não nos embalemos nos nossos próprios receios, prevendo graves resultados da aplicação deste adicional. Só por especulação é que se poderá vir a fundamentar em tal aumento uma. elevação do custo dos géneros. Não pode ser grave o efeito sobre a economia, grande ou pequena, da Nação.
Reparem agora V. Ex.ªs no que disse o Conselho Superior de Caminhos de Ferro na 6.º conclusão do seu parecer:

«A não conceder o Governo o aumento pedido, julga o Conselho que o objectivo em vista só poderá ser alcançado por meio de disposições legislativas urgentes, especialmente dimanadas de resoluções do Governo».

¿O que se passou, afinal, Sr. Presidente? O Governo, tendo ponderado o problema, não considerou boa. ou possível, a sugestão dessas outras medidas legislativas urgentes, e optou pela solução de mandar à Assemblea Nacional uma proposta autorizando o adicional. É porque é essa a melhor solução, é porque o Governo a reconhece necessária. Temos de confiar no Govêrno.

O Sr. Mário de Figueiredo (interrompendo): - A propósito dessa conclusão 6.ª do Conselho Superior de Caminhos de Ferro sugere-se-me esta pregunta: ¿Porque é que o Govêrno mão usou da faculdade que lhe confere o artigo 109.º da Constituição, publicando um decreto por motivo de urgência?
O Orador: - Não sei responder a V. Ex.ª
¿Que poderiam as companhias fazer se não lhes fosse facultada uma solução?
Não pagar aos credores? Não são V. Ex.ªs com certeza que tal aconselham.
¿Reduzir os serviços, suprimindo os comboios? V. Ex.ªs afirmaram já, e muito bem, que não é êsse o caminho a seguir.
¿Reduzir os salários do pessoal? Também não é, por certo, solução aconselhável, mesmo que bastasse; não preciso, evidentemente, de desenvolver esta tese perante V. Ex.ªs
Em última, análise: desde o momento que só a solução do adicional é a possível neste momento, não sei como poderíamos deixar de a votar sob a pressão das circunstâncias de facto.
Sr. Presidente: reservo-me para, na discussão na especialidade, formular algumas observações sobre o pormenor da proposta do Govêrno. Por agora, resta-me pedir desculpa a V. Ex.ªs de tanto tempo que lhes tomei, e agradecer-lhes a deferência com que me ouviram. Julgo ter cumprido um dever de consciência. V. Ex.ªs serão os juizes da procedência da minha modesta, mas convicta, argumentação. E resolverão em última análise.
Tenho dito.

O orador foi muito cumprimentado ao abandonar a tribuna.

O Sr. Presidente: - Dou a hora de encerrar a sessão.
A próxima, sessão é amanhã, à hora regimental, sendo a ordem do dia a continuação da discussão, na generalidade, da proposta de lei relativa às tarifas ferroviárias.
Está encerrada, a sessão.

Eram 18 horas e 20 minutos.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

Página 388

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