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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 178
ANO DE 1938 30 DE MARÇO
SESSÃO N.º 176 DA ASSEMBLEA NACIONAL, em 29 de Março
Presidente o Exmo. Sr. José Alberto dos Reis
Secretários os Exmos. Srs.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira
Pedro Augusto Pinto da Fonseca Botelho Neves
SUMÁRIO:- O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões.
Sôbre a última nota oficiosa, ao Sr. Presidente do Conselho usaram da palavra o Sr. Presidente e os Srs. Deputados Vasco Borges e Juvenal de Araújo.
Ordem do dia. - O Sr. Deputada Pinto de Mesquita usou da palavra sobro o seu aviso prévio acerca do regime administrativo municipal nas cidades de Lisboa e Porto.
O Sr. Presidente leu, a respeito, o documento oficial recebido do Sr. Ministro do Interior.
O Sr. Deputado Cortês Lobão requereu a generalização do debate, o que o Sr. Presidente autorizou.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Cortês Lobão, Viterbo Ferreira, Antunes Guimarais e Pinto de Mesquita, que ficou com a palavra reservada para a sessão de amanhã.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas.
CÂMARA CORPORATIVA. - Parecer acerca da proposta do lei n.º 104, sobre povoamento florestal.
Srs. Deputados presentes à chamada, 58.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão, 5.
Srs. Deputados que faltaram à sessão, 6.
Srs. Deputados que responderam à chamada:
Alberto Eduardo Valado Navarro.
Alberto Pinheiro Torres.
Alfredo Delesque dos Santos Sintra.
Álvaro Freitas Morna.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
António de Almeida Pinto da Mota.
António Augusto Aires.
António Augusto Correia de Aguiar.
António Cortês Lobão.
António Hintze Ribeiro.
António Pedro Pinto de Mesquita Carvalho Magalhãis.
António Rodrigues dos Santos Pedroso.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto Cancela de Abreu.
Augusto Faustino dos Santos Crespo.
Diogo Pacheco de Amorim.
D. Domitila Hormizinda Miranda de Carvalho.
Eduardo Aguiar Bragança.
Fernando Augusto Borges Júnior.
Fernando Teixeira de Abreu.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Correia Pinto.
Francisco José Nobre Guedes.
Francisco Manuel Henriques Pereira Cirne de Castro.
Francisco Xavier de Almeida Garrett.
Henrique Linhares de Lima.
João Antunes Guimarais.
João Augusto das Neves.
João Garcia Pereira.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Diniz da Fonseca.
Joaquim Moura Relvas.
Joaquim dos Prazeres Lança.
Joaquim Rodrigues de Almeida.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Alberto dos Reis.
José Dias de Araújo Correia.
José Luiz Supico.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Queiroz e Lencastre.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Saudade e Silva.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz Augusto de Campos Metrass Moreira de Almeida.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Pestana dos Reis.
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Mário de Figueiredo.
Miguel Gosta Braga.
Pedro Augusto Finto da Fonseca Botelho Neves.
Querubim do Vale Guimarãis.
Sebastião Garcia Ramires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vasco Borges.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Abílio Augusto Valdez de Passos e Sousa.
João Mendes da Costa Amaral.
Júlio Alberto de Sousa Schiappa de Azevedo.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Cândida Parreira.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Cruz.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Angelo César Machado.
António Carlos Borges.
José Nosolini Pinto Osório Silva Leão.
Manuel Fratel.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 5 minutos. Fez-se a chamada.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 58 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário da última sessão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Visto que nenhum Sr. Deputado pede a palavra, considera-se aprovado.
Se algum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra antes da ordem do dia, pode pedi-la.
O Sr. Vasco Borges: - Peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vasco Borges.
O Sr. Vasco Borges: - Breves palavras, Sr. Presidente, mesmo muito breves, apenas para que conste do Diário das Sessões desta Assemblea a satisfação, o contentamento e o justo aplauso dela e do País, despertado pela «levada e patriótica iniciativa do Governo, tornada anteontem pública pela nota oficiosa do Sr. Presidente do Conselho.
As festas comemorativas do 8.º centenário do nascimento de Portugal como Nação independente e do 3.º centenário da Restauração da independência constituirão decerto, Sr. Presidente, um acontecimento de projecção universal, que, tanto pelo nosso passado, cheio de serviços à civilização e à humanidade, como polo presente, cheio das realidades promissora o auspiciosas que ele há-de condignamente atestar, deverá ser motivo de legítimo desvanecimento e de justificada ufania para o povo português. Sobretudo, Sr. Presidente, pura aqueles portugueses que na manhã de domingo não puderam ler sem profunda emoção e sem que o seu portuguesismo vibrasse intensamente as palavras eloquentes, sugestivas, admiráveis do Sr. Presidente do Conselho.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Com efeito, Sr. Presidente, têm tanta beleza, há tanta cousa profunda e tanta cousa verdadeira a respeito de Portugal, da sua glória e do seu papel no mundo, nessas palavras singelas, que eu não compreendo que a alma portuguesa, onde quer que ela viva e seja qual for o corpo que a abrigue, possa ficar indiferente a essas palavras, ao seu patriotismo e beleza, e ainda menos concebo, Sr. Presidente, que de norte a sul do País se não acenda uma chama de fé o de vontade, chama que na hora própria, na hora magnífica das evocações sacrossantas, se transformará no clarão esplendente do nosso êxito, do nosso prestígio, do nosso valor no mundo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: estou certo, porque assim não poderá deixar de ser - ou já Portugal não seria Portugal ou os portugueses não seriam todos a mesma gente -, de que todos eles, onde quer que vivam e onde quer que palpite a alma lusitana, se hão-de reunir e colaborar num esforço comum para que essa comemoração seja verdadeiramente uma grandiosa festa da raça.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Essa celebração há-de lembrar que em 1140 neste recanto da Península se .talhou um reduto de heróis que também foram santos; de capitais, cujas vitórias deram a hegemonia à Europa. E essa comemoração também erguerá de novo 1640, a data que viu o lusitanismo quebrar lias duas margens do Atlântico os grilhões duma escravidão injusta e impossível. 1940 há-de vir à luz intensa do clarão projectado sobre o universo por esta nacionalidade imperecível, o lusitanismo português e o brasileiro demonstrarem que são dignos de chamar ao Atlântico o marc nostrum.
Portugal vai erguer um altar a unia pátria, a um esforço, a uma raça. É preciso que esse altar seja bem alto, porque terá de levantar aos olhos do mundo uma raça que em 1140 era apenas uma centena de milhar, talvez unias centenas de milhar de lusitanos, uma raça que em 1940 terá conseguido ser de algumas dezenas de milhão, espalhadas por todo o universo, emfim, a raça que em 1929 deu a Portugal Salazar.
Creio interpretar os sentimentos da Assemblea Nacional afirmando que os seus votos nesta hora são para que a festa da comemoração da nossa raça seja digna deste País e do grande Chefe que o orienta e conduz.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Juvenal de Araújo: - Sr. Presidente: sou dos que entendem que, nem pela sua natureza essencialmente política, nem pela função que constitucionalmente lho compete como órgão de soberania da Nação, esta Assemblea pode desinteressar-se dos grandes acontecimentos de ordem nacional. Se a muitos deles liga directamente a sua própria iniciativa, natural é que mesmo aqueles que provenham da acção de outro órgão da soberania ou se produzam em outros sectores da nossa vida pública ou social tenham aqui, pela sua importância, a devida repercussão e recebam, do alto da tribuna que ocupamos, a palavra de comentário com que mereçam ser acentuados o postos em relevo perante toda a Nação para que temos a honra de falar.
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Pertence a esta categoria de factos aquele que o Governo veio anunciar na sua notabilíssima nota oficiosa de anteontem: a resolução de se comemorarem nos anos de 1939 e 1940, em termos de excepcional explendor e significado, duas datas das mais expressivas e fúlgidas de toda a nossa história - a da Fundação e a da Restauração da nacionalidade.
Apoiados.
Temos de considerar que a essas datas fundamentais, às posições que nelas se conquistaram e robusteceram, como és das lutas da Independência, se prende, de resto, tudo quanto pudemos ver e fazer de grande através dos séculos, e, assim, recordando-as, somos naturalmente levados a evocar, do mesmo passo, toda a nossa obra marítima, tam vasta e tam bela que iluminou o Mundo todo como facho da Renascença; a epopeia admirável das Descobertas, pela qual exercemos no Mundo a nossa missão construtiva de povo civilizador; o carácter essencialmente espiritualista da nossa obra de expansão ultramarina, fazendo-nos, na frase de Stephens, «mais missionários que conquistadores»; enfim, será toda essa obra portentosa, que só a Fé e a consciência de um destino superior e inalienável foram capazes de tornar possível, que ergueremos perante nós próprios e perante o Mundo nos dois próximos anos de 1939 e 1940, no grande ciclo de comemorações que vamos realizar.
Detendo-nos mais de perto no sentido das lutas da Restauração e dos factos políticos que as acompanharam, poderemos recordar particularmente o que foi todo esse heróico esforço da Nação Portuguesa, reentrando na posse do seu direito de nação autónoma, reformando a sua situação interna, reabilitando-se perante a Humanidade, readquirindo a sua posição de grande potência colonial, acordando emfim para uma vida nova de plena restauração - só porque a união dos portugueses em volta do ideal comum, disciplinada ao Chefe que simbolizava e conduzia a ordem nova, pôde fazer e sustentar durante um quarto de século, na estrutura política da Nação e na sua vida moral e social, nos costumes e nas leis, pela inteligência e pelo braço, pela comunhão das almas e pela firmeza na acção, a grande Revolução que havia de permitir ao País o reatamento dos seus destinos.
Apoiados.
¡ Páginas magníficas de história essas, que não representarão só uma evocação consoladora, mas sobretudo - e fundamentalmente - o traço rútilo de um rumo colectivo! ¿ E em que altura da vida nacional vamos recordá-las? Precisamente na altura em que Portugal, do mesmo modo que em 1640 se libertava do jugo de uma nação estrangeira, proclama e firma a sua independência, da escravização de doutrinas e preconceitos que o afastaram da linha da sua tradição secular; precisamente na altura em que Portugal, reagindo mais uma vez, na sua trajectória histórica, contra inimigos de dentro e inimigos de fora, reagindo mais uma vez contra erros acumulados na vida pública e particular da sociedade, pode apresentar uma obra formidanda de reforma, que já lhe traz de novo o respeito do inundo e lhe assegura a gratidão da posteridade.
Apoiados.
As comemorações terão o condão de mostrar, mais uma vez, como a história , se renova e é sempre mestra da vida, do mesmo passo que provarão a nossa fidelidade inteira aos destinos e desígnios que ficaram para sempre impressos à formação da nacionalidade, que, através dos tempos, se encheram de justificação, se solidificaram e se converteram em lei eterna e que ainda hoje, como tal, no sub-consciente da raça, como mística que não desfalece, comandam e animam toda a nossa acção colectiva.
Sr. Presidente: como ao nosso ilustre colega Sr. Dr. Vasco Borges, parece-me não ser descabido que, no momento em que é resolvida a celebração de tam oportunas comemorações, a Assemblea Nacional acompanhe este facto com o melhor do seu entusiasmo, exprima calorosamente ao Governo todo o seu sentimento de solidariedade e de apoio, e desde já afirme à Nação, mais do que a sua fundada esperança, a certeza de que nenhuma parcela do território do Império, por mais recôndita e humilde que julgue ser, deixará de preparar-se condignamente para integrar-se com verdadeiro orgulho nessa tocante demonstração de vitalidade e de fé patriótica, que, ao ritmo de uma emoção única, vai dar esta rejuvenescida Nação de oito séculos de existência.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - São de todo o ponto justas e merecidas as palavras que acabam de ser proferidas pelos Srs. Deputados Vasco Borges e Juvenal de Araújo.
O facto a que S. Exas. se referiram não pode passar indiferente a esta Assemblea. (Apoiados). Creio que interpreto o sentimento da Assemblea Nacional manifestando ao Governo a nossa congratulação pela grandeza com que ele se propõe comemorar duas datas gloriosas: a da fundação e a da restauração.
Ao mesmo tempo, parece-me que a melhor demonstração que podemos dar ao Sr. Presidente do Conselho de que nos associamos de alma e coração ao seu empreendimento patriótico é cada um de nós colaborar na medida das suas forças para que essas comemorações revistam o brilho e a sumptuosidade dignos dos factos a que elas se referem.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
Pausa.
O Sr. Presidente: - Vai entrar-se na
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pinto de Mesquita, para realizar o seu aviso prévio.
O Sr. Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente: ao apresentar o meu pedido de aviso prévio sobre o novo regime da administração municipal de Lisboa e Porto, esbocei a traços vagos a razão da minha discordância do regime vigente.
Cumpre-me pois desenvolver a idea então esboçada, e se o não faço com a amplitude que primitivamente me pretendi atribuir, é porque não esqueço que este aviso prévio é discutido e ventilado a meio da discussão de um diploma da mais alta envergadura e cuja discussão, como é natural, tem apaixonado vivamente esta Assemblea.
Seria, sem dúvida, falta de cortesia prender por largo tempo a atenção de V. Ex.ªs - sempre benévola - com unia matéria que, embora, a meu ver, tenha importância, se afasta em muito daquela que está prendendo a atenção desta assemblea.
Parece-me, no entanto, que a Assemblea Nacional, que votou as bases do novo Código Administrativo, e votou-as com uma manifestação de maior esperança em que esse Código viesse satisfazer as justas aspirações de todo o País, deve acompanhar de perto o desenvolver da execução desse Código, seguindo pari passu as vicissitudes que se vão apresentando na sua execução.
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De resto, avisadamente, o Governo estabeleceu um período experimental de dois anos para ir fazendo uma observação cuidada dos resultados da aplicação do novo sistema ; e, portanto, justo é que esta Assemblea, naquilo que julgar que essa experiência vai trazendo alguns ensinamentos, se não abstenha de emitir s sua opinião a respeito de um ou de outro ponto.
É evidente que alguns, ou até muitos, dos preceitos contidos no Código estavam bastante longe da letra das bases aqui votadas. Era difícil prever, na enunciação de princípios tam jurídicos como aqueles que davam as bases, a que era conduzida a aplicação detalhada dos preceitos do Código.
Precisamente a respeito da administração municipal de Lisboa e Porto, faziam-nos adivinhar as bases que haveria, à semelhança do que sucedeu com os códigos anteriores, um regime especial. O relatório da proposta de ]ei e p parecer da Câmara Corporativa nitidamente davam a entender que haveria efectivamente um sistema próprio, que se justificava por se tratar das primeiras cidades.
Tive ocasião, quando me ocupei da discussão, na generalidade, dessa proposta de lei, de salientar que, embora realmente já uma certa tradição houvesse introduzido entre nós o regime de equiparar as duas cidades para efeitos de administração municipal, se me afigurava que, na verdade, essa equiparação não seria em absoluto e por completo justificada, visto que Lisboa, justamente por ser o núcleo de toda a administração central, implicava uma ordem de serviço assaz diferente daquela que se justificaria com a administração do Porto.
A gerência municipal e a administração central estão certamente entrelaçadas em Lisboa por uma forma muito diversa da que está em outros pontos do País. No entanto, era a tradição favorável a esta equiparação, e ela manteve-se nas bases e ainda hoje se mantém no Código.
¿ Em que é que nas bases se apresentava como substancialmente diferente o regime de administração municipal em Lisboa e Porto e o dos restantes concelhos do País?
Dizem-no as bases II e III da proposta, em que se declara que em Lisboa e Porto não haverá conselhos municipais.
Poderia supor-se que esta afirmação contida na base leria no Código uma exteriorização mais rigorosamente conforme o significado das palavras; porém, isso não se deu, porque conselhos municipais, sob certos aspectos, pode dizer-se que existem hoje nas Câmaras de Lisboa o Porto e que correspondem justamente à vereação. As funções dessas vereações correspondem, em parte nas linhas gerais, às funções próprias dos conselhos municipais dos restantes municípios do País. Por sua vez, as funções da vereação em Lisboa e Porto concentram-se numa única pessoa, ou seja no presidente.
Foi este justamente um dos aspectos em que se me afigurou apresentar o Código Administrativo um sistema que não era de prever em face das bases que aqui votámos.
Apresentado o Código Administrativo, nitidamente prescreve o decreto que o aprovou representar uma experiência de dois anos, para, colhidos os ensinamentos da prática, se decidir se realmente aquele diploma deveria constituir o diploma fundamental da nossa organização administrativa.
Em face disso, afigurou-se-me que era inoportuno, durante o tempo dessa vigência experimental, manifestar por qualquer modo discordância sobre o novo regime instituído.
De facto, eu tenho dúvidas sobre se esta concentração de todas as atribuições próprias de uma vereação na pessoa do presidente da Câmara, em Lisboa e no Porto, poderá realizar todas aquelas condições de eficiência que são de desejar numa administração destas.
Mas eu não teria subido a esta tribuna, para manifestar a minha opinião a este respeito, se não fora a circunstância de um decreto recente vir, de certo modo, alterar este carácter provisório que até aqui tem constituído a execução do Código e poder dar origem à criação de situações de definitivo a que amanhã se não poderá obviar.
Essa a determinante de imediatamente eu vir levantar a questão nesta Assemblea.
Acresce que o Código, ao concentrar na pessoa do presidente as atribuições que normalmente incumbem, às vereações, declara no artigo 89.º que, na preparação das suas decisões e na execução de todos os actos de gerência municipal, o presidente da Câmara, nos concelhos de Lisboa e Porto, será coadjuvado pelos directores de serviço.
Será coadjuvado pelos directores de serviço, diz o artigo.
¿ Que interpretação deveremos dar a este preceito em que, por forma expressa, se usa da fórmula «coadjuvação»?
Parece-me que o que estava nitidamente aio propósito do legislador do Código era o de constituir um corpo de confiança do presidente, que o auxiliasse na execução das suas atribuições.
A palavra «coadjuvar», a meu ver, exclue a possibilidade de se tratar de funcionários na acepção normal da palavra, e antes se me afigura que, com toda a nitidez, se quis vincar que se tratava de auxiliares das atribuições do presidente.
Evidentemente que estes directores de serviço corresponderiam, de certo modo, aos vereadores das comissões administrativas, que tinham gerido os interesses municipais antes da vigência do Código.
O Sr. Mário de Figueiredo: - ¿ A palavra «coadjuvar» é das bases ou do Código?
O Orador: - É do Código. As bases não tratavam desse ponto, e a única referência que apresentavam, em relação à especialidade do regime de Lisboa e Porto, era a da inexistência de conselho municipal, não nos fazendo adivinhar, por forma alguma, esta coadjuvação de atribuições à pessoa do presidente.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Muito obrigado a V. Ex.ª
O Orador: - Entende-se, portanto, a meu ver, que, dentro dos novos princípios que informaram o Código, concentrando na pessoa do presidente todo o expediente camarário, e considerando-se que realmente são múltiplas as funções que estão a cargo duma câmara municipal da importância das de Lisboa e Porto, era mester fazer acompanhar toda a gerência municipal, concentrada na pessoa do presidente, de indivíduos da sua confiança, que permitissem uma eficiência necessária ao exercício das suas atribuições.
Como isso se dava, mais uma razão para se manter a expectativa a respeito do funcionamento provisório do Código.
Sucedeu, porém, que, em 17 de Janeiro deste ano, foi publicado o decreto-lei n.º 28:417, em que se inaugura um regime que, a meu ver, é absolutamente contrário ao espírito do Código.
Por ele se determina, no artigo 3.º, que os serviços dos Municípios de Lisboa e Porto se distribuem por direcções de serviço, podendo estas subdividir-se em repartições e secções, e acrescenta-se, no artigo 4.º, que a competência dos directores de serviço, especificando-a
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em especial o n.º 2.º, que diz que os directores de serviço submetem a despacho do presidente da câmara todos os assuntos das direcções de serviços que lhe devam ser presentes. Na alínea a) do artigo 6.º do mesmo decreto determina-se que os lugares de directores de serviço são providos por pessoas nomeadas pelo Ministro do Interior, sob proposta dos presidentes das câmaras, e que as suas nomeações só se podem tornar definitivas depois dum ano de bom e efectivo serviço; dizendo-se ainda, no § 3.º do artigo 7.º do mesmo diploma, que, se os directores de serviços forem funcionários públicos durante aquele ano a que já me referi, as suas funções serão exercidas em comissão de serviço.
Parece-me que, da simples apresentação destes textos legais, V. Ex.ªs concluirão, como eu, que a índole própria dos directores de serviço se transformou por completo.
Se até aí se tratava de colaboradores do presidente, pelo novo regime criado por êste decreto trata-se de verdadeiros funcionários.
Efectivamente, se se trata de pessoas que, ao fim de um ano de exercício do cargo, passam a obter um provimento definitivo, se se determina que só durante aquele período do referido ano exercem em comissão de serviço aqueles cargos, se forem funcionários públicos, isto significa que, decorrido o prazo de exercício provisório, o cargo passa a ser por eles provido definitivamente.
Mas, ainda a tornar mais sólida esta conclusão, a letra do n.º 2.º do artigo 4.º vem estabelecer que os directores de serviços submetem a despacho do presidente da camará todos os assuntos das direcções de serviço que lhe devam ser presentes.
Esta fórmula de «submeter a despacho», conjugada com a fórmula «coadjuvação» do Código Administrativo, parece-me também do molde a levar à conclusão de que hoje os directores de serviços são, dentro da organização municipal, verdadeiros funcionários.
Resta agora discutir, em face desta transformação, se ela foi útil ou se foi prejudicial. Antes, porém, de entrar propriamente nesta questão, o que me parece importante acentuar é que a criação de funcionários vitalícios prejudica aquele carácter de vigência experimental que, pelo Código, lhes fora atribuído.
Mantendo-se a doutrina deste decreto, alguma cousa fica existindo que amanhã pode vir prejudicar qualquer modificação que a experiência tenha aconselhado estabelecer no Código, para a fixação do regime definitivo.
E é justamente a existência desta nova ordem de cargos.
Se realmente se chega ao ponto de se fazer o provimento definitivo destes cargos, amanhã, em face do perigo denunciado, quando houver necessidade de modificar o sistema, encontra-se uma situação a que já não é fácil fugir.
O Sr. Mário de Figueiredo (em aparte): -Nem chega mesmo a fazer-se a experiência dos directores de serviços que coadjuvam...
O Orador: - Pode fazer-se essa experiência, mas aqueles que coadjuvam, nào.
De tal modo amanhã teríamos de pensar numa nova ordem de colaboradores para começar nesta altura a experimentar.
É, sobretudo, preciso salientar que, justamente quanto a Lisboa e Porto, o período experimental só começou em Janeiro. Esse período experimental foi reduzido a um ano, porque o decreto que aprova o Código isso expressamente estabelece.
Portanto, a dezassete dias do início do novo regime era publicado um diploma que estabelecia a possibilidade de tornar definitivas essas nomeações de directores de serviço.
Mas dir-se-á: havia efectivamente necessidade, para assegurar o funcionamento do regime estabelecido no Código, Ide criar novos funcionários.
Esse é sempre um problema delicado, e poderia realmente dizer-se que havia que assegurar, por parte dos serventuários das municipalidades de Lisboa o Porto, uma perfeita integração do espírito do Código e que podia determinar novas nomeações.
Mas isso mesmo estaria resolvido, porquanto o próprio decreto a que já me referi, além dos directores de serviço, prevê que se nomeiem chefes de secção.
Além dos directores de serviço, preconiza-se neste decreto a nomeação de outros serventuários, e, por isso, o argumento que se pudesse apresentar no sentido de que havia liberdade de fazer novas nomeações para assegurar, dentro do funcionalismo municipal, a execução do Código, deixa, a meu ver, de ter razão de ser. Esses chefes de secção de repartições especiais precisam de ser bastantes para assegurar a execução do Código, tanto mais que se não estabelece limite algum nesse ponto.
Deve acentuar-se, evidentemente, que, quer estes chefes de repartição, quer os directores de serviços, constituem certamente núcleos desenvolvidos da vida municipal e um forte agravamento para as finanças do município.
Além de todo o municipalismo que já existia nas câmaras, por este decreto fica estabelecida a possibilidade de alargar em chefes de repartição e chefes de secção especiais o funcionalismo municipal, sem contar com os directores de serviços, que, também, pela índole própria deste decreto, têm, como mostrei, carácter essencialmente burocrático. E agora ocorre-me pôr a questão: £. há porventura vantagem em que estes directores de serviços revistam esse aspecto de verdadeiro funcionalismo?
Eu penso que na administração municipal, como na administração do Estado, há sempre que apreciar ou manusear aquilo que possa vir de uma iniciativa nova com os ensinamentos de um técnico que se conserva durante muito tempo no desempenho de um determinado lugar. Evidentemente, por vezes, quem aparece com certas ideas de novidade pode, desconhecendo num ponto ou noutro certas dificuldades com que há a contar, enganar-se nos seus cálculos; e é para isso que os ensinamentos dum técnico que esteja continuamente no desempenho de um cargo são de alta finalidade. Isto quero acentuar para que se não possa supor que julgo dispensável a colaboração burocrática nessa administração desses técnicos. Somente afigura-se-me que êsse equilíbrio que deve existir entre a acção de fora da burocracia e a do funcionalismo não fica completamente assegurado, sobretudo na administração municipal de Lisboa e Porto.
Nestas Câmaras o presidente despacha com os directores de serviços, que são funcionários permanentes e que, portanto, não são pessoas da sua confiança, pois que, se no período actual estes directores do serviços têm, naturalmente, pontos de concordância com o presidente que os propôs, amanhã, na sucessão das presidências, deve, certamente, tornar-se um problema de gravidade e acuidade esse contacto dos directores de serviço com o novo presidente.
Poder-se-á, amanhã, por vezes, dizer que, invertidas as posições, um presidente terá talvez de ser da confiança dos directores de serviço, porque, não o sendo, corre o risco de ver a sua acção largamente dificultada. Na verdade, quem conhece os complexos problemas da administração dos Municípios de Lisboa e Porto bem pode aquilatar da dificuldade que haverá para uma só pessoa em manter-se em contacto permanente com os variados serviços da administração. O presidente, se realmente se não vê ajudado por um núcleo de pessoas
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que colaborem, que vivam directamente com as suas iniciativas, ver-se-á, em meu entender, impossibilitado de realizar cabalmente a sua missão.
Estas as razões por que se me augura que foi menos conveniente a adopção deste princípio do carácter vitalício dos directores de serviço.
Quero acentuar -e suponho que era escusado fazê-lo - que estou apreciando a questão de um modo rigorosamente objectivo e criticando apenas o sistema legislativo que hoje rege esta matéria.
Na verdade, se um presidente quiser acompanhar dia a dia os diversos serviços, creio que o não pode fazer. Até aqui, no sistema que vigorou até Janeiro deste ano, o presidente era acompanhado pelos vereadores dos diversos pelouros, que estavam em contacto completo com esses serviços. Desde que esse regime findou, poderiam ser auxiliares do presidente, sem dúvida, os directores de serviço, se se mantivesse aquilo que certamente estava no espírito do Código, e o qual era o de esses directores de serviço serem pessoas da confiança do presidente. Desde que o não são, a própria índolo da função há-de actuar e reagir sobre êles por forma a fazê-los encarar os problemas municipais por um prisma diferente e vê-lo através do carácter próprio da sua natureza de funcionários. Nestas circunstâncias, se nós já poderíamos considerar assa/, precárias as faculdades de iniciativa dos municípios, hoje certamente, com este regime, teremos de concluir que se tornaram quási inexequíveis. Desde que o director de serviços tem entre mãos os serviços da administração municipal, e não como autoridade -digamos- delegada do presidente, como estaria no espírito do Código, mas com uma atribuição de funcionário, naturalmente esses directores de serviço não são levados a ver os problemas naquele ambiente de conjunto que se tornaria necessário para uma boa administração municipal.
O presidente poderia reunir os seus directores do serviço; poderia trocar com eles impressões. Eles certamente, vivendo as mesmas necessidades que o presidente, estando em contacto, dia a dia, com ele, procurariam ser os realizadores do pensamento do presidente, ao passo que no sistema actual se convertem naturalmente no instrumento da apresentação diária do expediente, sem outra acção que vá além disso.
oram estas as razões que me determinaram a vir a esta tribuna pôr a questão levantada por este decreto n.º 28:417, pedindo ao Governo que medite um pouco sobre o novo regime que criou, que evite a possibilidade, visto que, a meu ver, ainda está a tempo de o fazer, de criar situações que vão perturbar o carácter experimental que quis atribuir ao Código, que mantenha bem no espírito aquilo que é próprio de iniciativas de pessoas estranhas ao funcionalismo, e aquilo que é função própria dos serventuários permanentes dos corpos administrativos.
Que o Govêrno realize sempre o justo equilíbrio entre o respeito das iniciativas locais e a acção coordenadora do poder da administração central, são estes os votos que desta tribuna quero formular.
E porque ilustres colegas se referiram, em termos eloquentes, à nota oficiosa que apareceu há dias nos jornais, em que se fala das comemorações melhor direi da comemoração, porquanto os dois grandes factos da História a que a nota oficiosa se refere como que representam um único só na História da nossa nacionalidade, visto que um foi a justa consolidação e confirmação do outro -, eu quero neste momento, associando-me às palavras brilhantes que foram ditas, afirmar sincera e desassombradamente ao Governo, Governo que, realmente, tem autoridade para fazer comemorações históricas - porque, a meu ver, só a têm os Estados cujo presente corresponde ao seu passado -, que medite no que representa para toda a sua acção, sob todos os pontos de vista brilhante, a felicidade e a eficiência duma sã administração municipal.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Nos termos do Regimento, vou ler a V. Ex.ª um documento oficial recebido do Sr. Ministro do Interior em resposta ao aviso prévio apresentado à Assemblea Nacional pelo Sr. Deputado António Pedro Pinto de Mesquita, em sessão de 24 de Fevereiro de 1938:
«Manifesta o Sr. Deputado Pinto de Mesquita a sua discordância do regime legal vigente de administração municipal de Lisboa e Porto, recordando que já quando foram apresentadas u Assemblea Nacional as bases que serviram à elaboração do novo Código Administrativo teve ocasião de apontar as innovações que lhe mereciam crítica, fundamentalmente as respeitantes ao sistema de designação dos presidentes das Câmaras e à natureza remunerada das suas funções.
Esclarece-se que a doutrina do novo Código Administrativo no ponto versado não constitue de facto uma innovação.
O princípio da nomeação e remuneração do presidente da Câmara de Lisboa vem já de tempos muito recuados.
Estabeleceu-se pela primeira vez no reinado de D. Sebastião, dando tanto ao presidente como aos vereadores nomeação vitalícia.
Através várias modificações introduzidas no decorrer dos anos, determinou-se em 1778 que os vereadores fossem vitalícios e remunerados, mantendo, mesmo no regime liberal, a lei de 18 de Julho de 1885 e o Código de 1886, o princípio de que os Municípios de Lisboa e Porto deviam reger-se por normas especiais.
De resto, em quási todas as nações europeias e americanas as grandes cidades são administradas em regime especial, análogo ao instituído recentemente para Lisboa e Porto, reatando a tradição portuguesa.
Naturalmente o Governo ponderou todas as críticas feitas oportunamente ao referido princípio, mas pareceu-lhe interpretar a opinião geral e atender as reais exigências de administração dos principais municípios do País, adoptando a solução em vigor.
Diz depois o ilustre Deputado que, aprovadas as leis n.ºs 1:940 e 1:946 e publicado o Código Administrativo, grandes foram as dúvidas que lhe acudiram ao espírito sobre a eficiência do novo sistema, instituído em Lisboa e Porto, de se concentrarem nos presidentes das Câmaras as atribuições do expediente camarário, relegando-se para o colégio dos vereadores eleitos as funções próprias dos conselhos municipais.
E acrescenta que não considerou urgente apreciar a «innovação», porque o Código estabelecia um período experimental que permitiria formar um juízo mais seguro do princípio estabelecido e porque se previa a existência de directores de serviço, que, dentro de um criterioso plano de especialização, poderiam constituir auxiliares valiosos do presidente no exercício das suas complexas atribuições.
Mas, em consequência da publicação do recente decreto n.º 28:417, de 17 de Janeiro próximo passado, que o Sr. Deputado diz ter fixado o princípio de os directores de serviço e todos os funcionários municipais, passado o período provisório de um ano, se tornarem serventuários vitalícios, entende que é urgente tratar o problema, antes que o termo do período de estágio torne mais difícil a revisão do regime citado.
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Fundamenta a interpretação dada ao texto legal no facto de funcionários dos quadros permanentes do Estado haverem ido ocupar lugares de directores de serviço e na comparação de algumas disposições do refundo decreto; afirma que assim o contacto entre o presidente e os serviços burocráticos da Guinara será feito, não através de auxiliares da sua confiança, mas de uma nova ordem de verdadeiros funcionários, o que tornará o exercício da administração, por parte do presidente, particularmente difícil, dada a enorme extensão do seu campo de actividade; e conclue que «desta fornia, quando o Código nos fazia adivinhar a existência de secretários da presidência, representando como que um pequeno corpo de vereadores remunerados, achamo-nos em presença de novos cargos de natureza burocrática a pesarem sobre os orçamentos camarários».
Ora há-de dizer-se, em primeiro lugar, que o Código Administrativo, nos seus artigos 85.º e 89.º, estabelece, em relação aos concelhos de Lisboa e Porto, uma distinção perfeita entre a função dos vereadores eleitos, exercida unicamente em reúnião da Câmara, e a função lio presidente da Câmara e dos directores de serviço, na preparação das decisões da vereação e na execução «lê todos os actos da gerência municipal.
A vereação com o presidente da Câmara constituem um órgão legislativo e de administração, que decide sobre posturas e regulamentos policiais, sobre aquisições, alienações e expropriações, sobre a organização interna dos serviços, sobre orçamentos e empréstimos, sôbre impostos e taxas, sobre concessões e municipalização de serviços, emfim sobre todos os grandes actos de administração.
O presidente da Câmara e os directores de serviço (artigo 89.º) representam, por outro lado, o órgão executivo da gerência municipal.
Não parece, portanto, que fosse de prever a existência de um pequeno corpo de vereadores remunerados, representando como que secretários da presidência.
¿ Há dúvidas sobre a eficiência do sistema instituído?
Em presença da complexidade e variedade dos serviços confiados aos Municípios de Lisboa e Porto, especialmente ao primeiro, e dos resultados obtidos pelo anterior sistema administrativo, são elas bem legítimas.
O próprio Governo assim o pensa, e por isso se fixou um período experimental de um ano na vigência do novo Código Administrativo.
Mas o Governo pensa também que é na linha da orientação seguida que se encontrará o sistema administrativo capaz de resolver os importantes e difíceis problemas postos aos dois grandes municípios do País.
E sobre o aspecto de experiência dado ao novo sistema, julga-se que nenhum inconveniente poderá resultar do que, em relação à nomeação dos directores de serviço e de outros funcionários municipais, se estabeleceu no decreto n.º 28:417.
Basta observar que o período provisório de um ano, além do qual essas nomeações poderão tornar-se definitivas, terminará depois daquele período experimental.
Além disso, esclarece-se que o decreto n.º 28:417 não determina que essas nomeações se convertam necessariamente em vitalícias - apenas permite que o sejam depois de um ano de estágio (foram até tomadas providências para evitar graves prejuízos aos funcionários do Estado nomeados, na hipótese de não virem a ser confirmadas as suas nomeações) ; nem torna extensiva a todos os funcionários municipais a doutrina aplicável aos directores de serviço - apenas o autoriza para os chefes de repartição e chefes de secções especiais no Município de Lisboa.
Mas o problema de serem ou não vitalícios os lugares de directores de serviço mereceu ao Governo uma particular atenção e há-de dizer-se, ao menos em termos gerais, as razões que determinaram a orientação adoptada.
Observa-se primeiramente que o Código Administrativo nada diz acerca da natureza desses lugares, do seu carácter vitalício ou eventual. Seria sem dúvida interessante ensaiar o sistema, mais americano do que europeu, de fazer o seu provimento em individualidades especializadas, mudáveis com o presidente e portanto sempre da sua confiança inicial.
Constituir-se-ia assim uma nova ordem de funcionários, burocratas apesar de tudo, que teria de pesar tanto ou mais nos orçamentos camarários do que se fossem de nomeação vitalícia, com o inconveniente de se expor a gerência municipal a grandes solavancos, sempre prejudiciais, mas com a real vantagem de ficar assegurada uma melhor colaboração entre cada presidente e os seus directores de serviço.
Somente, as dificuldades encontradas no nosso meio à realização desta idea revelaram-se na prática suficientes para a abandonar.
Havia que salvar o espírito da nova orientação administrativa traçado no Código, no que nela há de fundamental em relação aos Municípios de Lisboa e Porto ; por isso se adoptou a solução que os realidades mostraram ser possível.
E não se crê que o que se fez venha a tornar o exercício da administração dos Municípios de Lisboa e Porto, por parte do presidente, particularmente difícil, dada a enorme extensão do seu campo de actividade.
Julga-se até, pelo contrário, que assim ficará sensivelmente aliviada a sua função.
Não se considera também que a questão venha a revestir, no futuro, um aspecto grave quando, nos sucessivos períodos de gerência, um presidente se vir forçado a ter por auxiliares directos, não indivíduos da sua confiança, mas autênticos funcionários. Dar-se-á, em relação aos presidentes das Câmaras de Lisboa e Porto, cousa análoga ao que - sem sérios inconvenientes ou, ao menos, com inconvenientes largamente compensados pela real vantagem de se assegurar continuidade à administração - se passa, há tantos anos, no Estado, entre os Ministros e os directores gerais ou entre estes e os chefes de repartição.
Crê o Governo que a extensão e responsabilidade dos serviços dos Municípios de Lisboa e Porto, principalmente do primeiro, justificam completamente a organização que lhes vem sendo dada nos moldes experimentados nos serviços do Estado.
Mas, em qualquer caso, parece ao Governo necessário e conveniente aguardar os resultados da experiência que está a ser feita, em condições particularmente difíceis, aliás.
Lisboa, 28 de Março de 1938. - O Ministro do Interior, Mário Pais de Sousa».
O Sr. Cortês Lobão: - Peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Cortês Lobão: - Requeiro a generalização do debate.
O Sr. Presidente: - Está autorizada a generalização do debate.
O Sr. Cortês Lobão: - Peço a palavra.
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O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Cortês Lobão: - Sr. Presidente: apesar de discordar dos termos do decreto n.º 28:417, não tencionava falar nesta Assemblea sobre o assunto e aguardava que o tempo me levasse à convicção de que eu é que via mal o problema e que o decreto estava de facto feito dentro do que devia ser lógico para a solução do caso da Câmara Municipal de Lisboa.
Mas, uma vez que o nosso ilustre colega Sr. Dr. Pinto de Mesquita, com o seu aviso prévio, expôs a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e à Assemblea o que pensava sobre o assunto, entendo do meu dever dar também a minha opinião, que se resume em concordar plenamente com as considerações de S. Exa.
Estas dúvidas que surgiram aparecem, realmente, a quem deseja bem servir, colaborando na grande obra do Estado Novo, que modestamente, serve desde antes da arrancada do 28 de Maio, e que deseja ocupar lugares sempre na primeira linha - e só na primeira linha -, sem outro interesse que não seja ver caminhar a Revolução.
Sr. Presidente: a minha experiência do cinco anos, colaborando na primeira Câmara Municipal do País com diversos presidentes, e todos eles pessoas nacionalistas, inteligentes, com grande vontade do acertar e com uma grande tenacidade, como foram os Srs. coronéis Costa Macedo, com quem primeiro servi, e Linhares de Lima, depois, e general Daniel de Sousa, por último, trouxe-me a convicção absoluta e nítida de que os argumentos aqui apresentados pelo Sr. Deputado Pinto de Mesquita são os que devem orientar a administração do Município de Lisboa.
O Código Administrativo, como S. Ex.ª aqui muito bem apresentou, estabeleceu um regime especial para a Câmara Municipal de Lisboa. Nesse regime o presidente da Câmara de Lisboa tem a direcção efectiva de todos os serviços, e como é unia Câmara que tem variadíssimos serviços, dispersos e diferentes, compreende-se muito bem que tenha de ser assistido por pessoas que lhe possam trazer os problemas mais ou menos limados, de forma a que ele possa apreender «s diferentes assuntos.
Sendo assim, justitica-se, a meu ver e muito bem, a criação de directores de serviços. São portanto os directores de serviços que desempenham as funções que nas comissões desempenhavam os vereadores. ¿ E porque? Porque o decreto n.º 28:417 diz quais são as atribuições dos directores de serviços, que são, a meu ver, as atribuições que os vereadores tinham perante os presidentes das câmaras.
Todas estas atribuições, excepto as dos n.ºs 2.º e 3.º do artigo 4.º do referido decreto, eram atribuições que os vereadores antigos tinham na Câmara Municipal de Lisboa. Portanto, compreende-se que um presidente, por muito inteligente que seja, por maior que seja a sua capacidade de apreensão, não possa dispensar os colaboradores, que são os actuais directores de serviços, para estes lhes trazerem os elementos mais ou menos preparados.
E, se é assim, têm fatalmente de ser uns colaboradores da sua confiança, porque um presidente da câmara tem o seu plano e tem uma idea sobre o funcionamento dos vários serviços. Tem, digamos, uma política dentro da sua administração, e essa política tem de ser executada em colaboração com os seus auxiliares.
Para que essa política se execute é preciso que haja confiança absoluta entre o presidente da câmara e os directores de serviço. Se actualmente isso sucede, porque os directores de serviço foram propostos pelos actuais presidentes da câmara, amanhã, numa nova gerência, com um novo presidente, estes directores de serviço, que já entraram no quadro da câmara, podem deixar de ser homens de confiança do presidente que vier, e nessas condições uma responsabilidade tremenda vai cair sobre os ombros dos presidentes das Câmaras Municipais de Lisboa e Porto, visto que terão de trabalhar com homens que para eles são apenas funcionários camarários, e não seus auxiliares ou colaboradores.
Eu falo por experiência própria, porque durante os cinco anos que estive na Câmara Municipal de Lisboa colaborei com os presidentes a que me referi. Vivíamos em regime de dieta, isto é, procurávamos pôr a casa em ordem, e tenho a satisfação de declarar que em muito colaborei e contribuí para que aquela casa fosse devidamente arrumada, contra a vontade de muitos funcionários. Estou no entanto tranquilo, porque fizemos o que foi possível.
Encontrei bons e maus funcionários, mas é preciso não esquecer que, após uma certa permanência num serviço, esse funcionário passa a ver as cousas como funcionário propriamente, e na Câmara Municipal dando-se êsse facto, porque deve dar-se, deixará de ser um colaborador do presidente, que tem a responsabilidade máxima.
Portanto, acho que foi oportuno o aviso prévio apresentado pelo Sr. Deputado Pinto de Mesquita, e ao intervir neste assunto outro interesse mo não move senão o de bem servir, pois não pretendo criar quaisquer dificuldades seja a quem for, dentro ou fora do Governo.
Entendo que devo apresentar o que a minha consciência indica como necessário para melhorar aqueles serviços, porque de futuro pode ser grave, difícil, talvez mesmo impossível, alguém arcar com as responsabilidades do lugar de presidente.
Mas preguntarão V. Exas: ¿ como se poderá resolver o problema?
Os lugares de directores de serviços representam, pela sua remuneração, um encargo pesado para os municípios, mas este ponto é secundário, visto que se deve pagar a quem tem competência. Até aqui está certo.
Mas aqueles directores de serviços tom de ser da confiança do presidente da Câmara. Ora, sucede que um presidente entra na Câmara de Lisboa, toma conta das responsabilidades que àquele lugar são inerentes, e procurará evidentemente cercar-se de técnicos da sua confiança, para poder arcar com as correspondentes responsabilidades. Mas, pela lei, esses técnicos, decorrido um ano, passam a fazer parte dos quadros da Câmara, o que se me afigura inconveniente, ponto este que se poderá resolver estabelecendo que os directores de serviços desempenharão essas funções apenas durante o tempo que o presidente ocupar o seu lugar.
Isto evitará que um presidente, quando um director de serviços lhe não satisfaça, vá criar um outro lugar idêntico.
Como V. Ex.ªs vêem, repito, este ponto pode ser resolvido desde que se estabeleça que os lugares de directores de serviços sejam exercidos por contrato durante o tempo em que o presidente da Câmara se conservar no lugar. Possivelmente poderão aqueles lugares ser exercidos por funcionários do Estado, desde que se lhes garanta o seu cargo. É como que uma comissão de serviço que ele vai desempenhar, prestando a sua colaboração e competência.
Portanto, contratados pelo período de tempo em que o presidente da Câmara se encontra dentro das suas funções, o problema estava resolvido, porque há entre os funcionários do Estado técnicos muito competentes. Deslocavam-se para as Câmaras de Lisboa e Porto durante o tempo em que o presidente lá estivesse, garantindo-se-lhes os seus lugares no funcionalismo público, e, assim, não sobrecarregavam os orçamentos das Câmaras e não se criavam mais lugares de directores gerais,
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porque outra cousa não são os cargos de directores de serviços.
Era isto, Sr. Presidente, o que eu tinha a dizer a V. Ex.ªs, manifestando, por entender que o devo fazer, o meu ponto de vista quanto ao decreto n.º 28:417, que é o de reconhecer que ele estabelece a criação, para as Câmaras de Lisboa e Porto, de um certo número de lugares de funcionários para colaborarem directamente com os presidentes, situação essa que ainda mais aumenta a grave responsabilidade que esses presidentes tem hoje.
De forma que, Sr. Presidente, termino por onde comecei: não pretendo, com a minha exposição, criar quaisquer dificuldades ou ferir A, B ou C com os meus argumentos, mas sim apenas bem servir, colaborando com o Governo, visto que entendo que todos nós devemos sempre pôr todos os problemas pela forma elevada como aqui se têm posto, diligenciando melhorar as cousas, como é de nosso dever.
O meu único desejo, repito, é bem servir.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Viterbo Ferreira: - Sr. Presidente: eu pedi a palavra apenas para corroborar as afirmações feitas pelo Sr. Dr. Pinto de Mesquita nas bem deduzidas considerações que fez a propósito do novo regime administrativo.
Em resposta ao pedido de aviso-prévio feito por S. Exa., ouvimos as considerações feitas pelo Governo, e, a meu ver, elas vieram justificar e dar razão às afirmações do Sr. Dr. Pinto de Mesquita.
Com efeito, diz-se que a experiência era de tentar no que respeita à nomeação de colaboradores para os presidentes das Câmaras de Lisboa e Porto, acrescentando-se que surgiram dificuldades que vieram contrariar essa orientação primitivamente posta no novo Código Administrativo.
Porém, não se diz quais são essas razões, e, por consequência, eu continuo a julgar que se deveria levar essa experiência até ao fim e que os directores de serviço deviam acompanhar o presidente da câmara durante a vigência do seu mandato, porque só assim eles terão a independência e desempenharão cabalmente o papel de colaboradores que se me afigura estava no espírito desta Assemblea quando aqui se votaram as bases do novo Código Administrativo.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Antunes Guimarãis: - Sr. Presidente: quando aqui se discutiram as bases do Código Administrativo, subi a esta tribuna para manifestar claramente a minha reprovação quanto à retribuição dos presidentes das câmaras municipais.
Falei com argumentos que não vou agora repetir, mas fundei-me na larga tradição que nos demonstra não faltarem pessoas idóneas e capazes de prestarem os mais valiosos serviços aos respectivos concelhos gratuitamente.
Manifestei-me então contra, não só por se quebrar uma velha e respeitável tradição, mas por não haver necessidade de onerar os cofres municipais com tam avultados encargos, emquanto se não demonstrasse que seria inviável esperar dos munícipes essa colaboração gratuita.
Mas eu teria falado então mais energicamente se pudesse supor que essa retribuição não ficaria limitada aos presidentes das câmaras municipais, mas se tornaria extensiva a seis directores de serviços em Lisboa e quatro no Porto, bem como aos correspondentes chefes de repartição, etc.
Importa afirmar a V. Ex.ª que ao fazer estas considerações não viso pessoas, pois apenas discuto orientações dentro do prazo fixado por lei para a experiência do Código Administrativo.
Evidentemente, Sr. Presidente, que o Governo encontrou pessoas à altura daqueles cargos, não só para a Câmara de Lisboa e Porto, mas dos restantes concelhos onde os presidentes são remunerados.
Vinha eu então dizendo, Sr. Presidente, que, se além dos presidentes das câmaras municipais, eu soubesse que outros funcionários o seriam também, e com a agradável perspectiva de verem as suas nomeações convertidas em definitivas, eu teria, a quando da discussão das bases do Código Administrativo, feito as considerações que o caso merecia.
Na sua douta resposta cita o Governo casos de retribuição de presidentes das câmaras...
Trata-se de situações transitórias que, felizmente, não lograram marcar rumo definitivo na administração municipal portuguesa.
As cousas podem concretizar-se assim: no Porto e em Lisboa, onde não há conselhos municipais, vemos, numa primeira, fase, além de um presidente nomeado pelo Governo, mais seis directores na capital e quatro no Porto, que mais não são que vereadores também nomeados pelo Governo.
Trata-se, afinal, de vereações não eleitas pelos concelhos, mas nomeadas pelo Governo.
Isto quanto à primeira fase.
Na segunda, quando esses directores de serviço, ao abrigo do diploma citado pelo Sr. Dr. Pinto de Mesquita, passarem à categoria de vitalícios, estaremos em face de um novo e onerosíssimo quadro de funcionários municipais a engrossar o? quadros preexistentes e que já eram considerados suficientes.
As vereações municipais encontravam nas suas repartições colaboradores para o preenchimento dos serviços municipais; e na hipótese de não satisfazerem, não seria caso de sobrepor um novo quadro de funcionários ao quadro já existente, mas sim de fazer a respectiva, selecção com todo o rigor, para que os funcionários estivessem sempre à altura das suas obrigações.
Sr. Presidente: eu não tenho ouvido dizer que os quadros municipais tenham, de unia maneira geral, falta de funcionários, e, consequentemente, não compreendo a razão por que agora vamos aumentar rani dispendiosamente esses quadros, do que resultará grande encargo para as respectivas finanças.
Louvo e felicito o Sr. Dr. Pinto de Mesquita por ter trazido, com a sua brilhante inteligência, um assunto tam importante e da maior oportunidade à apreciação desta Assemblea. E vou mais longe do que S. Exa., porque não só discordo da faculdade de passarem a vitalícios os directores e chefes agora nomeados, como reprovo a sua nomeação, e, coerente com o que já afirmei neste lugar, não vejo necessidade de nomear e remunerar presidentes das câmaras, o que, repito, não está de acordo com a longa tradição dos nossos municípios, a qual é tam antiga como a nacionalidade, que o nosso Governo tam acertadamente quere agora festejar.
Aproveito a ocasião para dizer que, nascido em Guimarãis, incontestável berço da nacionalidade, não só por lá ter nascido um grande Rei, mas porque foi a pequena distância do seu castelo roqueiro, agora tam inteligentemente restaurado, nos campos de S. Mamede, que se decidiu a nosso favor a batalha que vincou para sempre a nacionalidade portuguesa. Tenho a certeza de que traduzo o sentimento de todos os meus conterrâneos
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felicitando e saudando o Governo pela sua idea, tam oportuna e feliz, da comemoração do nascimento da nacionalidade e da sua restauração, e faço votos por que, entre as festas a realizar, uma delas, a principal, seja na minha terra natal, «m Guimarãis, prestando-se assim justa homenagem ao grande Rei Afonso Henriques e aos valentes portugueses que ali combateram ao seu lado pela nacionalidade portuguesa, que já conta oito séculos de vida heróica. Convencido de que o Governo já teria projectado a comemoração a que, como vimaranense, acabo de aludir, termino as minhas considerações.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - ¿ Mais nenhum Sr. Deputado quere fazer uso da palavra?
O Sr. Pinto de Mesquita: - Peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pinto de Mesquita.
O Sr. Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente: vejo que o assunto que trouxe a esta Assemblea não passou sem a generalização do debate e verifico que os ilustres oradores que subiram a esta tribuna nesse período de generalização se manifestaram nas suas Unhas gerais de acordo com o meu ponto de vista a respeito da administração municipal de Lisboa e Porto. Parece mal dizer que, dessas manifestações de concordância, a mais valiosa e insuspeita é a que resulta da análise do documento enviado a esta Assemblea por S. Ex.ª o Sr. Ministro do Interior.
A parte umas considerações de ordem histórica que me parece não vale a pena neste momento apreciar, porquanto dizem respeito a um assunto que não está em causa, S. Ex.ª o Sr. Ministro do Interior, ao entrar propriamente no assunto em debate, nas considerações que faz. é levado a concluir que o carácter provisório, e portanto o carácter de pessoas da confiança do presidente que eu preconizei para os directores de serviços, era realmente a solução a experimentar. Assim é que se diz no referido documento:
«Mas o problema de serem ou não vitalícios os lugares de directores de serviço mereceu ao Governo uma particular atenção, e há-de dizer-se, ao menos em termos gerais, as razões que determinaram a orientação adoptada.
Observa-se primeiramente que o Código Administrativo nada diz acerca da natureza desses lugares, seu carácter vitalício ou eventual. Seria sem dúvida interessante ensaiar o sistema, mais americano do que europeu, de fazer o seu provimento em individualidades especializadas, mudáveis com o presidente e portanto sempre da sua confiança inicial.
Constituir-se-ia assim uma nova ordem de funcionários, burocratas apesar de tudo, que teria de pesar tanto ou mais nos orçamentos camarários do que se fossem de nomeação vitalícia, com o inconveniente de se expor a gerência municipal a grandes solavancos, sempre prejudiciais, mas com a real vantagem de ficar assegurada uma melhor colaboração entre cada presidente e os seus directores de serviço.
Somente as dificuldades encontradas no nosso meio a realização desta idea revelaram-se na prática suficientes para a abandonar. Havia que salvar o espírito da nova orientação administrativa traçado no Código, no que nela há de fundamental em relação aos Municípios de Lisboa e Porto; por isso, se adoptou a solução que as realidades mostraram ser possível».
Vê-se, portanto, que estava no pensamento do Governo ensaiar o sistema que eu julgo ser aquele que no Código vem referido. Apontam-se, porém, dificuldades que surgiram; não se detalham quais tenham sido e de que natureza hajam sido essas dificuldades. Desta sorte, é um pouco difícil responder àquilo que neste documento se contém.
O Sr. Mário de Figueiredo: - ¿ V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Eu creio que adivinho as dificuldades a que se referem as observações do Governo. Devem ser estas: é que o nosso meio não é abundante de competências. As que há é preciso aproveitá-las, e é preciso aproveitá-las nas condições em que elas consentem em ser aproveitadas.
O Orador: - Eu devo dizer, Sr. Dr. Mário de Figueiredo, que não tenho, a respeito das nossas competências, opinião tam pessimista como aquela que V. Ex.ª emitiu.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Não, não; não emiti nada. Também não tenho.
Eu disse que esta devia ter sido a posição em que se colocou o Governo no mandar para aqui essa resposta.
O Orador: - Perfeitamente, e estou convencido de que, como até hoje tem sido possível conseguir nas administrações municipais pessoas que a elas têm prestado o melhor da sua colaboração, dos seus conhecimentos e da mais desinteressada cooperação (Apoiados), não seria impossível conseguir-se bons directores de serviços que não fossem de carácter permanente.
O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª dá-me licença? É só para notar que até se evitava a inutilização, a que temos assistido em Portugal, do processo indirecto de eliminar funcionários para criar colaboradores (Apoiados). E são também directores de serviços gerais...
O Orador: - As observações de V. Ex.ª vêm dar realmente, completa razão àquilo que estava dizendo.
A meu ver, não era impossível encontrá-los, mesmo no campo da absoluta gratuitidade. Emiti esse ponto de vista quando da discussão das bases.
Mas, entrados no capítulo de que estes cargos devem ser de natureza retribuídos, julgo que era viável e até fácil conseguir que houvesse indivíduos que se prestassem a ir durante algum tempo colaborar na realização duma determinada política municipal, que é da maior vantagem que exista adentro das gerências dos municípios. E, por isso, eu não posso pensar, como faz o Governo, que só dando o carácter de vitalícias às nomeações dos directores de serviços era possível obter a cooperação de pessoas competentes.
De resto, o funcionalismo municipal continuava, como até hoje, com o exercício das suas atribuições e dentro da função que lhe é própria, e ainda enriquecido com o ingresso nos seus quadros de novos funcionários, se tal se julgasse necessário.
Já acentuei que não penso que possa ser dispensada a colaboração do funcionalismo municipal; e se pela sua constituição actual ele não satisfaz tudo que há a esperar e que é necessário esperar dele, alarguem-se os quadros dentro das possibilidades financeiras, bem entendido, e faça-se o provimento com pessoas competentes.
Mas isso não exclue a possibilidade de continuar pensando que em colaboração directa com, o presidente devem estar, não funcionários, porém cooperadores, que
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se ajustem ao seu pensamento e sejam, como ele, executores dessa obra de política municipal.
Se porventura nós tivéssemos concluído que assim não era, parece que teríamos de fazer um triste juízo do quê eram realmente as competências em Portugal. Mas, como digo, eu não penso assim.
O Sr. Presidente : - Sr. Dr. Pinto de Mesquita: ¿ V. Ex.ª ainda tem algumas considerações a fazer?
O Orador: - Sim, senhor.
O Sr. Presidente: - Nesse caso, V. Ex.ª continuará amanhã.
O debate continuará na sessão de amanhã, cuja ordem do dia será constituída também pela continuação do debate da reforma da instrução primária.
Dou conhecimento a V. Ex.ªs de que, a seguir à discussão da reforma sobre o ensino primário, entrará em ordem do dia a discussão sobre a proposta de lei relativa ao povoamento florestal.
O parecer relativo a essa proposta é publicado amanhã.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas.
O REDACTOR - Carlos Cília.
CÂMARA CORPORATIVA
Parecer acêrca da proposta de lei n.º 194, sobre povoamento florestal
A Câmara Corporativa, pelas suas secções 3.ª, 18.º, 20.º, 23.ª e 21.ª e ouvidas as 14.ª, 19.ª, 21.ª e 25.ª, emite o seguinte parecer:
I
1. Entre nós - e o mal não é só nosso - a administração pública tem padecido, sob vários aspectos, do mal da incoordenação de serviços que, por sua natureza, devem andar ligados ou pelo menos paralelos. Parece que faz parte da psicologia do burocrata, ou, pelo menos, é dela uma deformação frequente, a facilidade em se deixar tomar de inconsiderado exclusivismo, que faz com que de outros sectores administrativos se separe ou os ignore, ou deles se desajude, quando não chegue a hostilizá-los, em vez de com eles manter aquele sincronismo de movimentos, aquela identidade de acção, aquele espírito de cooperação indispensáveis ao bem comum.
Felizmente, este mal tem-se atenuado em virtude da maior permanência, à frente dos departamentos ministeriais, de Ministros dominados por pensamentos convergentes e de directores identificados com eles, mas principalmente mercê do comando único a que, em boa hora, a vida do Estado foi submetida.
A proposta sobre que recai o presente parecer é disto exemplo frisante.
Vem ela integrar-se nos planos de reconstituição económica e defesa nacional previstos na sábia lei n.º 1:914, de 24 de Maio de 1935, dando o braço às providências legislativas e administrativas já tomadas, ou em decurso de execução, sobre as obras dos portos marítimos e as de hidráulica fluvial e agrícola.
Bastaria esta circunstância para lhe assegurar o bom acolhimento da Câmara Corporativa, se não tivesse, como tem e se vai ver, merecimento intrínseco que aconselha a sua imediata aprovação, sem embargo dos aperfeiçoamentos que se lhe podem introduzir.
E que, justamente, não pode aqui tratar-se de plantar árvores ao acaso. O assoreamento das barras e vias navegáveis, as inundações de nivel cada vez mais alto, a irregularidade dos caudais, a violência das torrentes que descem das montanhas, a anarquia das manchas arborizadas e a necessidade de assegurar a entrada nos portos, a circulação nos canais, a integridade dos terrenos marginais, a estabilização dos sistemas de rega, a distribuição do arvoredo conformemente às conveniências nacionais, que vão desde as condições climáticas até às militares. passando pelas agrícolas e industriais, impõem que o povoamento florestal se faça obedecendo a finalidades de ordem prática e patriótica, como complemento necessário das obras públicas de largo alcance económico, que, sem a árvore, disposta como e onde deve ser, não poderão dar à economia nacional o rendimento que delas é de esperar.
2. Em verdade, fazer o elogio da árvore tornou-se um lugar comum. Não raras vezes esse elogio toma o tom de bordão sentimental, com o exagero de preterir o útil pelo apenas pitoresco, o doente pelo são, o novo pelo irremediavelmente caduco. Parece que houve até quem pretendesse como que divinizar a árvore, não sabemos se por inconsciente impulso atávico de alguma ancestralidade céltica, em que revivesse o espírito do culto druídico, se tam sómente pelo desejo, que não sendo inocente não deixava contudo de ser ingénuo, de substituir o culto de Deus Criador pelo de uma parcela da natureza criada.
Foi Chateaubriand que disse «as florestas precederam os povos, os desertos os seguiram» e Baudrillart, outro belo espírito, chamou-lhes o «primeiro vestuário da Terra antes da reunião dos homens em sociedade».
Com efeito, só o homem, único ser vivo capaz de se dotar do poder do ferro e do fogo, pôde desembaraçar a Terra do imenso manto que a cobria, derrubando e calcinando árvores e arbustos. Aqui o terá feito por necessidade, acolá por cupidez, mais além por inconsideração ou ignorância. Onde o homem deixa de espezinhar ou rasgar a Terra, logo a vegetação ressurge, sem outros limites além dos que impõem a constituição geológica, o ambiente climático ou a força genética das sementes. Por vezes, estes limites parecem intransponíveis, quando
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contemplamos as desoladas e movediças dunas ou os cerros escalvados.
Mas precisamente a superioridade do homem civilizado está em conhecer o que valem as árvores e o que delas pode esperar. A sua sabedoria consiste em suprimir sómente as que constituam um real estorvo e, melhor ainda, em tornar as outras dócil instrumento de riqueza, de salubridade ou de beleza, classificando-as, arregimentando-as, destacando-as, dirigindo-as, como se fossem soldados disciplinados, prontos a ocuparem um isolado posto de sentinela ou a constituírem os imensos exércitos que são as matas e florestas. Exércitos em que cada unidade, isto é, cada espécie florestal, vai ocupar o lugar mais adequado aos seus meios de acção e de defesa, quantas vezes fazendo demorado esforço de adaptação, mas acabando sempre por vencer, enraizar-se, crescer, bracejar, erguer emfim sobre os magros areais ou as descarnadas lombas cios montes o vitorioso estandarte que é a sua viridente ramaria.
Estas são as árvores de economia dirigida que interessam ao intuito da proposta em apreciação.
Nem por terem carácter positivo, científico, deixam de ter também interesse turístico, feição decorativa, alguma poesia, em suma; e se acrescentarmos que as florestas, hoje mais que nunca, importam à defesa nacional, não só pela inestimável reserva de combustível, como de material de sapa, vias e pontes, mas ainda pelos sub-produtos e derivados que fornece e pelo obstáculo que opõe aos reconhecimentos de terreno, oferecendo em cada copa uma umbela protectora contra a devassa da aviação e o descortinamento da artilharia e em cada tronco um impedimento ao avanço da cavalaria e dos motores e até tia própria infantaria inimiga - podemos concluir que as árvores podem despertar-nos todos os sentimentos que vão do utilitário ao bucólico e até mesmo ao épico.
3. Oportunamente, este plano de povoamento florestal surge no momento em que todos estes sentimentos estão entre nós em vibração. E também quando uma plêiade de engenheiros silvicultores - beneficiando dos ensinamentos colhidos sobre as nódoas arborícolas oficiais do Gerez, Marão, Buçaco, Choupal, Boa Viagem, Manteigas, Lousa, Virtudes, Sintra, e algumas mais, e sobre as dunas que ladeiam os desaguadouros do Lis e do Mondego e o estuário do Vouga, apoiando-se na tradição de mestres, tais como Ferreira Lapa, Barros Gomes, D. António Pereira Coutinho, Sousa Pimentel, J. Ferreira Borges, M. A. Mendes de Almeida - está perfeitamente habilitada a empreender a realização do vasto e custoso programa adoptado pelo Governo, sem hesitações, que se não coadunariam com a regularidade dos prazos marcados, e sem tentativas aventurosas na escolha dos tipos de arvoredo, que seriam sempre de demorada verificação e dispendiosa emenda.
II
4. Com efeito, neste particular -que é de capital importância - a Memória sobre os baldios ao norte do Tejo, elaborada pela Direcção Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas em 1935 e anexa ao relatório, tam minucioso e bem elaborado, que precede a presente proposta de lei, menciona, com justificada preferência, as espécies indígenas existentes em cada um dos perímetros florestais, desde as cinco variedades de carvalho com habitat em Portugal, o roble, o pardo, o cerquinho (Q. Robur, Q. Tozza, Q. Lusitanica, próprios de zonas mais frescas e de maior alcantil), o sobreiro e o azinheiro (Q. Suber, Q. íleo:, mais próprios de zonas secas e de menor relevo orográfico), até ao inestimável pinheiro bravo, de onde a onde substituído pelo manso, o montana, o silvestre e o larício; e desde as árvores de fraco teor lenhoso, agarradas aos fortes declives ou às altitudes, como o medronheiro ou evado, o azevinho, o próprio rododendro silvestre, o zimbro e outros arbustos, até às de excelente lenho e porte majestoso, como o castanheiro, a nogueira, o negrilho, o teixo, a cordeira, o freixo, o álamo, etc.
Acrescenta-lhes apenas algumas espécies aclimatadas, como a faia silvática, a acácia austrália, algumas variedades de cedros e eucaliptos, a pseudo-tsuga e a chamaeciparis, todas bem provadas entre nós, às quais, cremos, poderão ainda juntar-se outras espécies, das quais citaremos apenas a picea excelsa, a abies pectinata e a acer pseudo-platanus, também já provadas pelos serviços florestais (Mendes de Almeida, cit.).
5. Em país como o nosso, onde esse rei da vegetação, nas regiões graníticas, que é o castanheiro - imponente por seu porte e rico por sua madeira e seu fruto -, tem sido devastado e continua ameaçado por um inimigo implacável, ao que parece ainda mal definido, convém, na verdade, fazer largo plantio de outras árvores que o possam substituir ao menos na sua função de produtor de pranchas para vasilhame, pois que das espécies indígenas só o roble, e nem sempre satisfatoriamente, tem valor prático nesse sentido. Já se tem usado a austrália e, com mais precauções, o eucalipto, mas resta definir qual das variedades deste será para o efeito a melhor, pois por toda a parte é o globulus que anda prodigamente oferecendo a sua madeira, de natureza rebelde.
Dos chamados «castanheiros da índia» e «japoneses» há já também muitos exemplares em Portugal; resta saber com segurança se oferecerão resistência à epifitia que vitima os nacionais, se poderão servir de cavalos para enxertia destes, oferecendo boas condições de desenvolvimento lenhoso e de frutificação, ou se, tais como são e se vão adaptando aqui, oferecem boa madeira e condições de resistência em terrenos, por via de regra ingratos, como são os destinados a matas.
A competência reconhecida dos nossos engenheiros silvicultores, em contacto com as tanoarias e estâncias de madeiras de marcenaria e construção, saberá, por certo, achar solução para estes problemas. Podemos bem abrir-lhe um crédito de confiança, em face de uma situação que tem marcada importância económica, além da estritamente técnica.
Anda à roda de 10:000 contos a importação anual que fazemos de madeira para obras de marcenaria, e orçou por 5:000 contos a média anual da importação, no triénio de 1934-1936, de madeiras para vasilhame.
Mas certo é que o castanheiro indígena continua a produzir alguns milhares de toneladas anuais de- boa madeira paru tabuado, caixilharia, aduelas e obras de verga, a par de importante volume de castanha, difícil de calcular. Sousa Pimentel computou o volume da massa lenhosa das melhores talhadias, com um turno de 25 anos, na média de 300 metros cúbicos, o que equivale a um crescimento anual de 12 metros cúbicos; mas o Prof. Mendes de Almeida reduz a 7 metros cúbicos anuais a média da produção lenhosa dos soutos.
Admitindo ser de 85:228 hectares a superfície ocupada por estes, achou, assim, o Prof. Lima Basto (1936, Inquérito Económico) uma produção anual de 596:596 metros cúbicos de lenho, no valor de 18:000 contos. E para a castanha, partindo do cálculo de 70 litros ou 58 quilogramas por castanheiro, ou 7:000 litros, com 5:800 quilogramas de peso, por hectare, feito igualmente por Sousa Pimentel, chegou à produção
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de quási 500 milhões de quilogramas anuais - o que se lhe afigurou exagerado.
Pensamos que é exageradíssimo. Nas estatísticas, quando se joga com números absolutos, incorre-se sempre em grandes erros.
Em primeiro lugar, quanto a madeira, «e há os soutos de talhadia que podem produzir a média anual de 7 metros cúbicos, certo é que estes não têm a área de 85:228 hectares, pois nela se compreendem também os soutos frutíferos, os quais não fornecem - e só são de considerar, de raro em raro, quando os castanheiros adultos são abatidos - madeira correspondente àquela média anual, antes muito inferior. Em segundo lugar, quanto a castanha, não só há a abater toda a área dos soutos de talhadia, infrutíferos, como na realidade se não pode admitir a existência média de mais de 35 árvores produtoras por hectare, em Tez das 100 que foram tomadas por base de cálculo.
Em todo o caso, a produção de madeira não deve ser inferior a 300:000 metros cúbicos anuais e a de castanha a 80.000:000 de quilogramas, com os valores respectivos de 12:000 e 40:000 contos, tomando por base do metro cúbico de madeira o preço médio de 40$ e do quilograma de fruto o de $50.
Nas regiões nortenhas, a castanha supre em parte o déficit alimentar das famílias pobres. Contribuo ela também para o nosso comércio de exportação com uma média que foi em 1930-1934 de 2.281:825 quilogramas, no valor de 2:791.904$, e alcançou em 1936 o montante de 2.535:046 quilogramas, no valor de 2:034.900$.
Dia feliz será aquele em que os gabinetes de fitopatologia vierem por fim indicar uma maneira segura e prática de salvar esta árvore preciosa, que bem pode contribuir para elevar o rendimento das matas nacionais onde existam os terrenos fundos próprios ao seu desenvolvimento.
6. Afastada a preocupação do bonito e do exótico, já que se não trata de parques de recreio, igualmente se justifica a preferência, bem vincada na memória anexa, já citada, pelo pinheiro marítimo, tanto nas dunas do litoral, onde é insubstituível, como nas encostas até onde chegue a possibilidade de sua regular vegetação e remuneradora exploração económica.
Em 1936 forneceu ele, na sua quási totalidade, a matéria para a exportação de 179.642:690 quilogramas de madeiras para Inglaterra, de 6.561:420 para Marrocos, de 5.389:659 para Espanha e de 619:536 para as nossas colónias, no valor global, manifestamente estatístico e salvo erro, de 17:256.123$, além de produtos resinosos no valor total, muito mais considerável, de 57:073.001$. Constitue, pois, uma verdadeira riqueza nacional, que muito importa desenvolver.
É certo que a capacidade de aplicação de sua madeira para tabuado não se afigura ilimitada. Nem sempre poderemos contar com a Espanha e Marrocos, bem que durante largos anos tudo leve a presumir que estes países virão ao nosso mercado. Na construção civil, mesmo entre nós, até para soalhos começam a ser preferidas madeiras exóticas em construções mais apuradas, e na caixotaria, que dá o melhor trabalho a algumas das nossas serrações mecânicas, o tabuado do nosso pinheiro bravo, excessivamente aromático pela sua riqueza em seiva ou resina, já tem sido rejeitado para embalagens de produtos mais susceptíveis, convindo por isso criar uma massa de pinheiros, do tipo nórdico, de madeira sem aroma e menos densa, portanto mais leve, que nos permita aguentar e até desenvolver a indústria da caixotaria para embalagens, tam prometedora para a nossa exportação, se soubermos corresponder às necessidades dos importadores da costa espanhola mediterrânica, das Canárias e de Marrocos, em especial do protectorado francês, onde o crescente desenvolvimento das indústrias não poderá satisfazer-se com a demorada e difícil reconstituição da própria arborização local.
O comércio de exportação dos chamados primores, frutas e legumes, tem de ser cada vez mais meticuloso nos seus processos de embalagem, e isto interessa bem ao nosso próprio comércio da especialidade, que começa a entrar em fase de prometedor desenvolvimento. É este apuro de processos que explica a nossa exportação de cestos, no valor de 112.712$ para as Canárias, e 42.000$ para o protectorado francês marroquino, além de 5.750$ de vimes em bruto.
Em todo o caso o pinheiro bravo terá assegurado um consumo, pode dizer-se, ilimitado, para as resinas e seus derivados, além de continuar a ser a grande reserva de combustível e de material de construção de uma população em constante aumento. Tem ainda os horizontes do desenvolvimento da indústria do fabrico da massa para papel, de grande interesse para o País, tanto mais que a experiência já feita na única fábrica agora existente no País mostra que, associado ao eucalipto, pode fornecer produtos de tipo muito melhorado. Em 1936 exportámos 3.956:000 quilogramas, no valor de 3.164:800$, não obstante serem sabidas certas deficiências da produção de papel em Portugal, que, aliás, tem tradições, pois, em 1439, nas cortes de Leiria, esta então vila pedia que fossem declaradas as condições do aproveitamento do rio Lis para um moinho de papel; e em 1441 existia já esse moinho, fundado por João Gonçalves (Gama Barros, História da Administração Pública, vol. 3.º).
Quando assim não fosse, a simples qualidade de ser extraordinariamente prolífero e se prestar admiravelmente ao revestimento de areias e terras áridas assegurava ao pinheiro bravo lugar primacial nos trabalhos de rearborização.
III
7. Criteriosa se nos afigura também a escolha da parte do País, ao norte do Tejo, para começo da execução deste grandioso trabalho. Os nossos técnicos - e até aos profanos isso se antolha - têm feito a distinção das duas partes cis e transtagana. Nomeadamente B. Barros Gomes, nas suas memoráveis Condições Florestais de Portugal, 1876, estabeleceu a divisão da parte cistagana nas regiões arborícolas de Além Douro Trasmontano, Beira Trasmontana, Beira Central, Beira Meridional, Beira Litoral, Além Douro Litoral e Centro Litoral, e a parte transtagana em Alto Alentejo, Baixos do Sorraia, Baixos do Guadiana, Baixo Alentejo Litoral e Algarve, baseando-se nos estudos orográficos, meteorológicos e botânicos a que directamente procedeu, apoiando-se nas lições de Brotero e Welwitsch, e principalmente no autorizado Prodromus florm hispânicas, de Willkomm e Lange.
Graças a Deus, em ambas as partes não se dá o fenómeno desgraçado que para Castela assinala Júlio Gomez (Castilla en escombros, 1915) quando diz que nos 200 quilómetros que se descortinam de Yaloria-la-Buena, entre Palencia e Valladolid, não há uma só árvore, a ponto que em Fuentes de Yaldeperero, Mazariegos e outros lugares ... los maestros necesitan servirse de lâminas para dar a los ninos la idea de lo que es un árbol.
O próprio Alentejo, apesar das extensões desnudas, destinadas à cultura cerealífera, bastamente nos dá o aspecto consolador dos olivedos e dos montados de sobro e de azinho, a que oferece condições peculiares; ali, a menor densidade das chuvas, a pequena elevação e o
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arredondado das lombas orográficas, aliados à natureza mais compacta dos terrenos, em grande parte argilosos, dão lugar a menores erosões; e as charnecas das cabeceiras do Nisa, do Baia, do Sor e do Sado, conquanto ofereçam grande interesse silvícola, não aparentam a urgência de revestimento das do Lima, Cávado, Tâmega, Vouga, Mondego, Zêzere, e mesmo do Lis e do Alcoa. O Algarve, além dos pinheiros e castanheiros do maciço granítico de Monchique, por toda a parte se veste de alfarrobeiras, amendoeiras, figueiras.
Muito haverá a fazer, por certo, sobretudo na bacia hidrográfica do Mira, nas vertentes das serras do Caldeirão e de Aljezur, e também em algumas zonas fronteiriças entre o Tejo e o Guadiana. Mas a verdade é que a região alentejana já não permanece o que era há cinquenta anos, a ela se aplicando, melhor que a qualquer outra, a observação muito acertada do relatório da proposta: «A maior parte do que se designava por charnecas e incultos, susceptível de ser cultivada, foi já metida em cultura».
8. Efectivamente, a área total do nosso continente, que andava designada como sendo de 8.910:664 hectares, é afinal, segundo a rectificação inserta no Anuário Estatístico de Portugal, de 1932, apenas de 8.905:994 hectares, aos quais há que descontar ainda 37:640 hectares dos estuários do Tejo e Sado, ficando assim a superfície real das terras reduzida a 8.868:354 hectares, conforme nota o professor Lima Basto (Inquérito Económico Agrícola, 1936), e, portanto, o que se chama a «superfície incultivável das terras» é reduzida de 382:940 hectares, em que andava computada, para 340:654 hectares, devendo representar 3,8 por cento da superfície total, ao passo que as restantes superfícies, segundo o mesmo recente trabalho, têm seguido a seguinte evolução:
[ver tabela na imagem]
Esta evolução progressiva da nossa propriedade particular e estadual regista as seguintes modalidades, sob o aspecto que nos interessa aqui:
[ver tabela na imagem]
De notar é, porém, quanto têm de incertos estes números, não obstante as rectificações a que os mais recentes foram, por observação e cálculo, submetidos pelos professores A. Mendes de Almeida e Lima Basto.
O Relatório acerca da arborização geral do País, publicado em 1868, calculava em 4.314:000 hectares a superfície inculta, isto é, 49 por cento da superfície total; e em 1874 e 1885 esta avaliação continuava ainda a ser adoptada nos documentos oficiais. O cômputo feito para 1902 foi o aproveitado para as estimativas feitas por Anselmo e Andrade no seu Portugal Económico, editado vinte anos depois, em 1918. As nossas estatísticas andaram sempre atrasadas e, o que é pior, imperfeitas, o que mais realça o aperfeiçoamento de que beneficiaram nos últimos anos. Mas, no capítulo de produção e aproveitamento da terra, existem ainda, independentemente da vontade da Direcção Geral de Estatística e dos Serviços de Estatística Agrícola, factores permanentes de erro.
Emquanto se não fizer o cadastro geral da propriedade, com o levantamento da carta agro-silvícola que dele decorre, os números das nossas estatísticas serão apenas aproximativos e, em alguns pontos, mesmo frouxamente aproximativos.
9. Mais seguros são os números que mostram que, não obstante a grande extensão que tinham as matas e coutados da Coroa, abrangidos pelo regimento de 20 de Março de 1605, estavam elas reduzidas a 14:464 hectares quando, por alvará de 24 de Julho de 1824, foram confiadas à Administração dos Serviços Florestais, tendo depois, sucessivamente, aumentado a área das matas nacionais para 18:278 hectares, em 1886, para 33:303 hectares, em 1903, e para 37:000 hectares, em 1910. Dá isto a média de plantações de sementeiras em sómente 61 hectares para cada um dos anos do período de 1824U1886, a de 649 hectares para o período de 1886-1903, já dominado pela acção de Emídio Navarro, e a de 528 hectares para o período de 1903-1910. Após a proclamação da República esta média anual sofreu oscilações, não obstante as disposições do decreto de 24 de Dezembro de 1901, que continuou em vigor, e os bons intuitos do decreto de 23 de Maio de 1911 e da lei n.º 1 :341, de 25 de Agosto de 1922 ; mas retomou um ritmo francamente ascensional após 1927, visto que em 1930-1932 atingiu 759,5 hectares, e ultimamente se acelerou por tal forma que acusa, para todo o período que vai de 1927 a 1936, cifra superior a 1 :380 hectares por ano, o que - dados os encargos de protecção a que obrigam a inclemência dos fenómenos meteorológicos e a incultura do nosso povo - é francamente louvável, não obstante - vistos os gastos orçamentais - a média de despesa por hectare se afigurar demasiado elevada.
Em todo o caso, como o labor arborícola do Estado se estendeu apenas até hoje sobre 23:245 hectares de serras (mapas n.ºs 1 e 5, anexos ao relatório da proposta) e 23 :350 hectares de dunas (mapa n.º 2), força é reconhecer quanto, no aumento da riqueza florestal do País, se deve à iniciativa particular. Afoitamente se pode dizer que, ao norte do Tejo, ela duplicou a área dos pinheirais e, ao sul, quási triplicou a área dos montados e olivais.
Assim se justifica, também, que a preferência dos novos trabalhos florestais recaia no centro e norte, como é proposto, e tanto mais que, contando-se com normal desenvolvimento populacional e consequente arroteia agrícola de mais terrenos a isso adequados, convém ter presente que parte deles, hoje arborizados, deixarão de o ser. Com efeito, sendo ao norte do Tejo a superfície agricultável de 4.152:200 hectares, há lá 979:100 hectares de terrenos só próprios para florestas e 45:100 hectares de cumiadas alpestres, ao passo que ao sul do Tejo, para uma superfície agricultável de 3.661:000 hectares, há só 117:900 destinados apenas a matas e ausência completa de superfície alpestre (Conf. Prof. A. Mendes de Almeida, Memória apresentada ao IX Congresso Internacional de Agricultura, 1911).
10. O que se passa com o desenvolvimento da população não contradiz estas conclusões. É lei demo-
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gráfica que onde abundam as árvores, com a sua companheira, a água, a população facilmente se fixa e rapidamente aumenta, se não há, como nos trópicos e nos pântanos, factores permanentes de insalubridade a dizimá-la. As florestas de sobreiros e azinheiros, de tipo agrícola, destinadas à extracção de cortiça e à criação de suínos, desenvolvem-se, por sua natureza em terrenos secos e, em regra, de fraco teor humífero. A tais condições se subordina portanto, também, o desenvolvimento das povoações adjacentes, que não pode ser brilhante mas é, em todo o caso, seguro. Mas as florestas de tipo industrial, como os pinhais, os carvalhais e os soutos de talhadia, proporcionam, trabalho permanente a maior número de braços e dão origem a explorações madeireiras e resineiras, bastante consideráveis, e a pequenas indústrias conexas.
Ora, como geralmente se pensa que o Alentejo é a mais desfavorecida das regiões nacionais quanto ao crescimento da população, convém observar que, segundo o Anuário Demográfico de 1936, o índice do crescimento anual médio da população tem sido, desde 1864, para os distritos de Beja, Évora e Portalegre, respectivamente de 0,422, 0,422 e 0,378; mas certo é que para os distritos de Bragança, Vila Real, Viseu, Guarda e Castelo Branco também não passou, respectivamente, de 0,233, 0,533, 0,567, 0,222 e 0,422. E como o índice da natalidade naqueles distritos tem sido de 28,62, 28,18 e 26,76, ao passo que nestes distritos nortenhos tem sido de 36,68, 32,21, 30,05, 33,44 e 30,14, evidente se mostra a maior urgência de atender a uma população que só no triste êxodo dos emigrantes encontra solução para o excesso da sua natalidade sobre a necessidade local do emprego de braços.
11. É, no entanto, de considerar, dando-lhe o merecido relevo, que a proposta ministerial não importa o adiamento indefinido do empreendimento da arborização oficial ao sul do Tejo. Como restam por arborizar sómente 9.860 hectares de dunas (depois de concluída a arborização projectada para 1938 e constante da proposta sobre que recaiu o parecer desta Câmara Corporativa, publicado em 28 de Fevereiro), entendeu o Governo que toda a conveniência havia em concluir esse trabalho, consignando-lhe a verba de 24:489 contos, que permitirá realizar as sementeiras, a 1.500$ por hectare, inverter 7:045 contos em caminhos, edifícios, rede telefónica e outros complementos, e aplicar 2:655 contos à remuneração de pessoal e despesas de guarda e conservação das zonas semeadas.
Deve tudo estar concluído no prazo de cinco anos, pelos quais se repartem os dispêndios daquela verba, segundo o plano proposto - que é, de resto, lógica continuação dos trabalhos já efectuados.
De facto, os resultados colhidos com a fixação das dunas mostram tratar-se de propósito da maior importância tudo aconselhando a que nele se prossiga com urgência.
Á observação directa e o exame da carta geológica do País levam a concluir que as terras baixas da orla marítima, desde os afloramentos graníticos de Gaia até o espigão do Cabo Mondego, formado pela Serra da Boa Viagem, e daqui até ao saliente de Peniche, são devidas à acumulação das areias que a corrente do Golfo vem carreando de norte pura sul, conjugada com os assoreamentos e depósitos aluvionários dos rios e riachos que ali desaguam. A fixação tias areias nos concelhos de Espinho, Ovar, Estarreja, Murtosa, Aveiro, Ilhavo, Vagos, Mira e Cantanhede é um facto histórico que conserva ainda actualidade; a ele devemos dezenas de quilómetros quadrados de novas terras, que o engenho e o trabalho do íncola vieram a tornar elemento considerável de riqueza, dando a convicção de novas conquistas se poderem fazer ainda. O mesmo se pode dizer das terras de formação recente, ao sul do Mondego e do Liz, e das dos estuários do Tejo e Sado (outrora engolfando-se até às Portas de Ródão), onde ainda agora se assiste à activa formação de «acrescidos» e «mouchões», que cada ano lhes vão reduzindo as superfícies líquidas.
De Portugal, como da Holanda em maior escala se tem dito, poderíamos dizer também, sem pecar por exagero, que, se o mar o obriga a porfiada defesa, dele soube sair vencedor, aumentando até à sua custa o próprio território.
E portanto indiscutível a vantagem da preferência dada pelo «Plano de povoamento florestal» ao completo revestimento das dunas, opondo-se assim à invasão das areias movediças para nascente e facultando pontos de apoio à formação de novas dunas para ocidente.
12. A verba destinada a assegurar a execução desta parte do «Plano de povoamento florestal» parece-nos bastante para garantir que na data preestabelecida os serviços oficiais possam justamente orgulhar-se de terem completado a fixação dos areais marítimos da costa portuguesa. Para essa fixação não são previstas dificuldades, nem quanto à delimitação das áreas a sujeitar ao regime florestal, nem. quanto à mão de obra.
Mas na verdade existem outras dificuldades. As areias são de tal maneira pobres e andam, por vezes, tam impregnadas de cloreto de sódio que o admirável pinheiro marítimo parece só ali poder viver mais das brisas do oceano do que das entranhas da terra. Para que a semente germine e se radique são indispensáveis especiais cuidados.
Nalguns países do norte da Europa recorre-se à adição de manias, ricas em carbonato de cal, e à prévia sementeira do pinus montona, o torchepin dos franceses, classificado por Chr. Dalgas (Príncipes du reboisement eu Danemark) como l'arbre forestier lê plus robuste et le moins exigeant que existe, o qual serve como de tutor aos pince excelsa (sapin) da plantação definitiva e é mondado ao passo que estes se vão desenvolvendo.
Porém, entre nós conseguiu-se fazer as cousas por modo mais simples e mais rápido. Ao distinto silvicultor que foi Carlos A. de Sousa Pimentel, em cuja bibliografia se inscrevem livros tam valiosos como Os nossos pinheiros e Pinhais, soutos e montados, se devo a adopção, desde 1886, de um processo original de sementeira adequado ao regime movediço das nossas dunas e às faculdades da pinus marítima, que entre nós tam bem se dá. Consiste ele em um sistema de regos, espaçados de 0m,80 a 1m,20, adubados com terra vegetal, moliços, limos ou folhagens, conforme é possível, e recobertos de mato para proteger as plantas recém-nascidas contra a violência dos ventos e a acção escaldante do calor solar reverberado por todas as facetas dos grãos da areia.
Compreende-se, portanto, que ainda quando a administração silvícola tenha ao seu dispor dinheiro e braços em abundância não tenha possibilidade de alcançar os outros meios necessários para proceder com êxito a extensas sementeiras, demais tratando-se de sítios em regra de difícil acesso.
Em terra firme e humosa, embora não rica, a sementeira faz-se com outra facilidade. E o pinheiro bravo tem tais condições de vegetação, até à altitude de 1:000 metros, que mesmo espontaneamente prolifera e se desenvolve. Sem peias, cremos que acabaria por cobrir quási todo o nosso País com o seu manto verde escuro.
Nestes termos, e não obstante o relatório ria proposta governamental, sempre minucioso o bem documentado, nos dizer que no ano de 1936 foi possível
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semear cerca de 3:200 hectares de dunas - o que permitiria, com tal ritmo, terminar em três anos a obra de sementeira de todo o litoral -, é nosso parecer que convém adoptar o previsto prazo de cinco anos, durante o qual se poderá efectivar a indispensável rede de instalações e vias florestais através das dunas e ir procedendo aos trabalhos de delimitação ou rectificação dos baldios no sul do Tejo e nas ilhas adjacentes, a fim de que, passado aquele prazo, se possa imediatamente dar começo de execução aos planos que forem adoptados para o emprego da verba anual de 5:000 contos, que fica disponível.
13. Do que até aqui dissemos ressalta já com suficiente nitidez o pensamento desta Câmara Corporativa acerca da oportunidade e importância da matéria em exame.
Afigura-se-nos, porém, ser ainda conveniente considerar os vários aspectos por que ela pode ser útil à economia nacional, no tocante ao revestimento das terras, do interior como do litoral, e consequentemente verificar se se justificaria a escolha dos baldios como terreno exclusivo da projectada arborização, ouse, como está explícito nas bases da proposta, o terreno particular deve também ser objecto da acção do Estado, e em que limites; e, por fim, esclarecer se essas bases, que propriamente constituem a proposta de lei, são completas nos seus preceitos e na sua redacção.
IV
14. ¿ Qual a finalidade desta proposta, que objectivo teve em vista esta importante iniciativa de S. Ex.ª o Ministro da Agricultura?
É evidente que o revestimento dos baldios, na parte em que não façam falta às necessidades do uso colectivo, convenientemente disciplinado, das povoações limítrofes, tem sempre alguns aspectos de utilidade e de beleza. Mas no pensamento do Governo não está certamente fazer a inversão de avultados capitais e forçar os órgãos de administração local a consideráveis trabalhos, apenas em busca de vagos resultados práticos ou de conceitos de pitoresco, sempre subjectivos. Num país desnudado de arvoredo compreende-se que se plante a árvore pela árvore; mas, entre nós, já mostrámos que possuíamos revestida, incluindo os montados de sobreiros e olivais, uma superfície de cerca de 2.900:000 hectares, correspondentes a 28,4 por cento da superfície total do País, podendo computar-se que à zona ao norte do Tejo pertencerão 2.000:000 de hectares, isto é, quási metade da superfície que têm as terras aptas para a agricultura, que estão estimadas em 4.152:200 hectares.
Paul Descombes (Étude ser la politique forestiére, IX Congrès International dAgriculture, 1911) estabeleceu o seguinte princípio: Il appartient à chaque État d'assurer, soit directenient, soit acec lê concours dês initiatives et dês capitu-ux prives, lê reboisement rationnel du pays, dont lê plan densemble devrait en general comprendre: au point de vue de Ia sécurité, Vetai boisé du tiers ou du quart du territoire national; au point de vue économique, une production li-gneu&e equivalente à to consommation, c'est-à-dire, un equilibre approximatif entre lês importations et lês exportations de bois.
Mas, para o nosso País, a questão tem de ser posta com outras modalidades, que são também finalidades a ter em vista.
15. Primeira finalidade: na zona ao norte do Tejo verifica-se que a superfície alpestre, somada à só apta para florestas, regula por um milhão de hectares, o que mostra haver outro milhão sujeito a florestas e que podia estar agricultado, ou, com mais rigor, descontando 200:000 hectares para montados de sobro e azinho e olivais e 80:000 hectares para soutos de castanheiros, que equiparamos a cultura por vezes intercalar de outras, restam-nos cerca de 720:000 hectares, dos quais à roda de 100:000 hectares com carvalhos e carvalhiços e 600:000 com pinheiros. Estes 720:000 hectares são susceptíveis de ser adaptados a outras culturas, a vinha, a olival, a cereal, mesmo até em parte a horta e pomar, ao passo que as necessidades da população o forem exigindo.
Este fenómeno do derrube de arvoredo pela submissão da terra a outras culturas está-se mesmo acentuando em algumas regiões e já foi notado em inquéritos oficiais, nomeadamente em alguns concelhos do Minho, nos planaltos mais favorecidos da Beira Alta e nas chãs ou gândaras da Beira Litoral.
Em contraposição, o reconhecimento feito pelos serviços florestais mostra-nos existirem, naquela zona norte, 512:000 hectares de baldios despidos, sem contar com os de áreas inferiores a 500 hectares, que são numerosos.
O problema, entre nós, passa portanto, sob este ponto de vista, a ser uma questão de equilíbrio: ao passo que o particular vai suprimindo as matas na planície e nos recôncavos onde brote uma nascente aproveitável, vai o Estado estimulando e realizando a cobertura das encostas de difícil cultivo e a dos planaltos e cumiadas inaptas para toda a cultura agrícola ou, pelo menos, para cultura remuneradora.
16. Segunda finalidade: é do maior interesse para o nosso País não só manter mas aumentar, até ao limite do possível, o volume e o valor das exportações de madeiras, quer em bruto, quer trabalhadas, e dos resinosos e outros produtos seus derivados. Para nós, não se trata, como pretende Descombes, de assegurar o equilíbrio entre as importações e exportações de materiais dessa natureza. Trata-se de assegurar, pelo contrário, um considerável desequilíbrio a nosso favor, aumentando ao máximo os que exportamos e reduzindo ao mínimo os que importamos.
Não devemos esquecer que somos de uma nação de carácter predominantemente rural, forte importadora de carvão e de ferro, condenados por isso a ser tributários da indústria das nações essencialmente fabris; para nos compensarmos, só podemos contar verdadeiramente com a saída de produtos do nosso solo. Não é iim caso de puro egoísmo nacional, contrário ao desenvolvimento do comércio entre as nações e, portanto e ao fim, nocivo; é, pelo contrário, o único meio, que não corre o risco de falhar, de nos assegurarmos das divisas indispensáveis ao intercâmbio comercial.
17. Terceira finalidade: «As florestas, além do valor económico, que é sempre um potencial de guerra, podem ter - diz-nos a extremada competência da 19.º secção desta Câmara, pela pena do Sr. tenente-coronel Barros Rodrigues - uma grande importância nas operações militares, quer no campo da estratégia, quer no campo da tática; e essa importância tem aumentado em elevado grau, nos últimos tempos, com o aparecimento e o emprego da aviação. As florestas, desde a mais remota antiguidade, constituíram sempre um obstáculo ao movimento e à acção das forças militares, sendo, por isso, mais vantajosas na defensiva.
Na guerra das Gálias, as florestas, reforçadas algumas vezes por pântanos, constituíram as mais sérias dificuldades às conquistas de César. E as selvas impenetráveis da Germânia formaram o melhor escudo con-
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tra a conquista romana e a melhor salvaguarda da independência dos germanos.
Nos tempos modernos, os maciços florestais não perderam o seu valor e dentro do campo da estratégia podem constituir coberturas de concentrações, apoios de flanco de linhas ou posições defensivas ou até verdadeiras linhas de defesa. Ao abrigo dos bosques de Frankenwald efectuou-se a concentração do exército francês antes da batalha de lena e de Auerstalst. Em 1870 foram clássicos os exemplos das florestas da margem direita do Sarre, as quais cobriram a concentração do segundo exército prussiano; as de Lauter, que favoreceram o avanço do terceiro exército prussiano sobre Wissemburgo; e as de Orléans e Marchenoir, que ocultaram a organização e concentração das forças francesas na segunda parte da campanha. Em 1914 os bosques de Villers-iCotterets e de Chantilly facilitaram a retirada dos exércitos de French e de Manoury; e em 1918 foi a coberto e mascarado pelos referidos bosques de Villers-Cotterels que o general Mangin preparou a sua famosa ofensiva do mês de Junho.
Isto no campo da estratégia.
No campo da tática, numerosos bosques, no decurso da Grande Guerra, como aliás tinha sucedido em quási todas as campanhas anteriores, serviram de eficaz apoio a pequenas unidades. A importância militar das florestas, que já era enorme, cresceu extraordinariamente com a aparição e o emprego da aviação, porque os maciços florestais, e até as árvores isoladas, constituem a melhor camuflagem contra a observação aérea.
As grandes massas florestais deverão plantar-se por isso onde sejam úteis à defesa do País e não nas zonas onde possam ser prejudiciais, isto é, de acordo com o plano geral da defesa do País.
Se assim se não fizer, não se poderá tirar das florestas as enormes vantagens que elas oferecem e corre-se o risco de adoptar soluções altamente prejudiciais, obrigando inclusivamente a destruir essas florestas ao primeiro sinal de alarme.
E ainda, constituindo o arvoredo a melhor camufla ff em contra a observação aérea, como se disse, dever-se-á procurar, evidentemente de acordo com os outros factores, escolher as espécies que melhor dificultem essa observação».
18. Quarta finalidade: é de grande relevo orográfico e de forte mas irregular pluviosidade a zona ao norte do Tejo. É certo que todo o nosso País, ide norte a sul, está abrangido na parte da península que o prof. Jean Brunhes denominou Ibéria Húmida. Mas é sobretudo na zona cistagana, e mormente a oeste de uma linha que aproximadamente poderia traçar-se das Portas de Ródão a Vinhais, que se registam os mais altos índices pluviométricos. Daqui resulta um regime hidro-fluvial dominado por torrentes invernais, impetuosas e passageiras, que arruinam as culturas e, por vezes, até as obras de arte e os próprios terrenos marginais, carreando grandes massas de detritos, que poderiam ter, como no Egipto, um alto poder de adubação se não fora a mistura predominante dos arenitos, lavados e poídos através das quebradas e gargantas, que a falta de continuidade da força drenadora, ou arrastante, da corrente faz depositar em extensos assoreamentos, quer sobre as terras cultivadas, quer sobre o próprio leito dos rios. A consequência é que umas vezes ficam esterilizadas grandes extensões até aí aplicadas às melhores culturas, outras se formam brechões e pântanos, outras se obstruem os cursos navegáveis, e mesmo as próprias fozes oceânicas, com mouchões, cabeços e bancos de areia, extremamente prejudiciais, quando não de todo impeditivos da navegação.
Ora, sabido é que as florestas, tanto pelo abrigo directo proporcionado pela sua superfície copada, como pelas plantas herbáceas e musgosas desenvolvidas à sua sombra, ou ainda pelo seu sistema radicular, oferecem resistência à acção erosiva das grandes chuvas e dos gelos e asseguram a lenta infiltração da água na terra, com imediata influência na deminuição das torrentes e aumento e regularização das nascentes; e que estas, além da directa utilidade local, vão por seu turno contribuir para a regularização do volume das águas fluviais, tornando menos sensível a diferença entre o de verão e o de inverno, com evidente melhoria dos caudais úteis para a navegação, a rega, o movimento das instalações hidro-eléctricas ou das modestas mas úteis azenhas, e até para a piscicultura.
Sob estes pontos de vista, que reflexamente envolvem também o melhoramento das condições climáticas, é manifesto o interesse que há em revestir todos os terrenos sujeitos a maiores erosões.
19. Quinta finalidade: importámos em 1936 várias espécies de lãs como matéria prima para as nossas indústrias, no montante de 1.867:000 quilogramas, com o valor declarado de 36:315.581$. Simultaneamente, exportámos 822:488 quilogramas de lã churra, no valor declarado de 4:825.798$. Da simples inspecção destes números se tira que não só é grande o déficit da nossa produção interna, mas também que são inferiores as qualidades das lãs que exportamos, como sobrantes das necessidades do nosso mercado, carecido de lãs finas.
Temos, pois, toda a conveniência em aumentar os nossos rebanhos, apurando a qualidade, o que só podemos fazer com melhores e mais abundantes pastagens.
Ora, no norte do País, os baldios são percorridos por centenas de milhares de ovelhas bordaleiras, a par de um contingente de cabras menos numeroso, mas mais devastador. «Os gados caprino e ovelhum são os que maior prejuízo causam ao povoamento florestal, não só por degradar os pastos, esgotando-os por completo das boas espécies pratenses espontâneas e favorecendo assim o pulular das nocivas, em que eles não pegam, mas por a cabra chegar mesmo a atacar os arbustos e as árvores novas, danificando-lhes não só os ramos laterais mas até a própria flecha terminal, o que é mais grave. Degradado o pasto, não só se torna impróprio à boa alimentação do gado, mas fica reduzida a sua capacidade pascigosa. A cabra assim alimentada perde todas as boas qualidades que a poderiam recomendar, e como espécie mais danosa à vegetação e de menor utilidade e rendimento, deve ceder o lugar à ovelha e à vaca» (J. M-. Viana, Boletim da Direcção Geral de Agricultura n.º 6, 1917).
Há, por certo, cabras muito interessantes sob o aspecto lactígeno; mas estas são animais bem alimentados, que recebem pastos finos, e até grão, em regime de estabulação ou semi-estabulação. Este regime pode ser favorecido com a criação de pequenos silos temporários, onde podem utilizar-se folhas de diversas árvores florestais, tais como as várias espécies de rhamnus, acers e carpinus - a tília, o lódão, o freixo, o ulmeiro, o choupo, o medronheiro, a faia, etc. A deminuição do número de caprídeo» - e não se julgue que o problema é somenos, pois o Prof. Paula Nogueira em 1900 apontava só para o distrito de Viseu a existência de 60:000 cabeças - permitirá o desenvolvimento de árvores e arbustos de revestimento, a melhoria do pascigo e o consequente aumento do gado ovino, e mesmo vacum, que produzem leites apropriados à fabricação de queijos cia melhor qualidade. São de leite de ovelha os celebrados tipos da Serra da Estrela, de Castelo Branco, do Rabaçal, de Nisa; mas são de leite de vaca, puro ou
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misturado com leite de ovelha, nas necessárias proporções, os queijos dos tipos Chester e Americano, dos Açores, e os de tipo Flamengo, Gorgonzola, Roquefort, Gruyère, Petit-Suisse, Lunch e outros, que já vão sendo satisfatoriamente imitados em Portugal. Para a alimentação de um e outro gado, além da melhor qualidade das ervas protegidas pelo regime florestal, concorrerão as podas, desbastes e talhadias do arvoredo, pelo aproveitamento da folhagem, e, acessoriamente, isso dará lugar ao aproveitamento também das cascas taninosas. pois a extracção do tanino, destinado aos laboratórios químicos e farmacêuticos e a curtimentas, alimenta uma indústria importante, que exigiu, ainda em 1936, a importação do estrangeiro de 437:726 quilogramas de cascas tanantes, no valor de 190.000$, e 13:082 quilogramas de tanino, no valor de 341.544$.
Mas ... revenons anos moutons. a Dispondo de pastos mais mimosos e nutritivos, diz o citado Boletim, poderemos melhorar a raça bordaleira, como produtora de lã, pelo cruzamento merino, e mesmo aumentar no País o número dos animais desta última raça, o que não só beneficiará a qualidade de Ia nacional mas lhe aumentará a quantidade, visto que o velo daqueles mestiços e o dos merinos é mais abunjelante».
Cremos, efectivamente, que o disciplinamento ao pastoreio nos polígonos florestais, a organização de zonas mais pascigosas, do tipo a que os franceses chamam près-bois (onde for possível, que não abundam cá as manchas frescas nos baldios), e as «reservas», tam criteriosamente preconizadas na proposta ministerial - assegurarão vantagens ao futuro do nosso gado lanar, embora haja algumas inevitáveis mas passageiras perturbações durante o período da extensão dos plantios e sementeiras.
V
20. Todas estas finalidades concorrem para o acervo de aplausos que a proposta merece. Mas elas mesmas põem a Câmara Corporativa perante um aspecto da questão, que consideramos muito importante, e de resto não escapou também à clarividência do Sr. Ministro da Agricultura, como se deduz do seu desenvolvido relatório.
Se, em geral, a arborização é útil, é no entanto manifesto que, dos fins propostos, uns têm maior utilidade ou urgência. Dizem respeito, especialmente, a determinados perímetros, cujo revestimento se impõe, portanto, de modo u recomendar para eles uma justa preferência dentro do largo período de trinta anos que foi previsto para arborização total. E o que vamos procurar demonstrar.
21. Sob o ponto de vista da navegação, nós temos só na zona ao norte do Tejo, como fuudeadouros de maior monta, o porto de Caminha, na foz do Minho, o de Viana do Castelo, na foz do Lima, o de Esposende, na foz do Cávado, o de Vila do Conde, na foz do Ave, o de Pôrto-Gaia, na foz do Douro, o de Aveiro, na foz do Vouga, o da Figueira, na foz do Mondego, o da Nazaré, junto da foz do Alcoa, o de S. Martinho do Porto, onde desagua o Tornada, e o de Lisboa-Vila Franca, na foz do Tejo. Destes rios, três são internacionais. O Minho tem as cabeceiras na Galiza e Leão e é fronteiriço em toda a extensão que banha terra portuguesa; o Douro tem uma bacia hidrográfica de 1.855:000 hectares em Portugal e 7.909:870 em Espanha; o Tejo acusa uma bacia portuguesa de 2.491:300 hectares, contra 5.605:200 de bacia espanhola.
Conquanto seja certo que as fronteiras da nossa Nação estão delineadas por forma que se pode dizer que nem um palmo de terra portuguesa é tributário de rio estrangeiro, e portanto qualquer trabalho arborícola aproveitará sempre a portos e navegações portugueses, não menos certo é também que as barras dos rios Minho, Douro e Tejo obedecem a condições peculiares, difícil ou impossivelmente removíveis ou modificáveis, e, onde o são, o regime das águas, que em tal possa interferir, mais será influenciado pelo que se fizer em terra estranha do que na nossa. São, pois, os rios que nascem e morrem em Portugal aqueles que melhor e mais rapidamente poderemos disciplinar, conjugando essa disciplina com as obras dos portos respectivos - em que estão já investidos avultadíssimos capitais, sem que se tenha chegado ao fim. De resto, o Douro corre apertado em estreita garganta, e o Tejo beneficiará com a regularização do Zêzere e do Ponsul, a que adiante nos referiremos.
22. Pelo valor dos seus portos, urge, sobretudo, atender ao regime das barras de Viana do Castelo, Aveiro e Figueira da Foz, repetindo, para vincar bem o pensamento e o espírito de justiça desta Câmara, que se trata apenas de unia ordenação cronológica, em relação aos restantes.
Ao rio Lima, com uma bacia de 114:540 hectares, e à barra de Viana do Castelo interessam o perímetro indicado com sede nesta cidade, na parte que abrange a serra do Nó e a vertente sul da cadeia de montes que se estendem desde a serra de Ainonde, pela serra de Arga, até próximo de Arcos de Valdevez, e todo o perímetro, com sede nesta vila abrangendo as serras do Suajo, do Ramiscal, da Peneda e a vertente sul dos baldios do Extremo, ao norte do rio, e a serra Amarela, ao sul.
Ao rio Vouga, com unia bacia de 365:624 hectares, e à barra de Aveiro interessam os baldios do concelho de Cambra, nas serras de Freita e Mizarela, todos os baldios dos. concelhos dê Águeda, Sever do Vouga, Oliveira de Frades ë Vouzela, rio perímetro com sede indicada em Oliveira de Frades, a vertente ocidental do Caramulo e os baldios de Frei-Moninho e Águas-Boas, do concelho de Tondela, os baldios das freguesias de Ribafeita, Bodiosa, Calde, Barreiros e Cota, do concelho de Viseu, e as vertentes sul e poente da serra da Lapa, no concelho de Aguiar da Beira, com a maior parte dos baldios do concelho de Sátão, todos no perímetro com sede em Viseu, e ainda os de Boialvo e de Canelas, no perímetro com sede em Luso. A este respeito, temos presente uma interessante exposição, enviada pela Câmara Municipal de Águeda, onde se lê o seguinte, que é elucidativo ê pode aplicar-se a outros concelhos:
«Virada a poente, directamente influenciada pelas brisas marítimas, toda a bacia hidrográfica do rio Águeda (afluente do Vouga), que se estende desde a serra das Talhadas (vertente sul), píncaros do Caramulo (vertente poente) e a serra do Buçaco (nascente do rio Cértima), é eminentemente própria para a vida florestal, ainda ali se podendo ver hoje núcleos florestais de carvalhos, castanheiros, eucaliptos e pinheiros marítimos, entre os quais há magníficos exemplares que provam por si a melhor adaptação ao meio ambiente. Os ventos transportam «ementes, especialmente de pinheiros, até para locais inacessíveis, onde se desenvolvem espontaneamente, emquanto a cabra ou o fogo, acidental ou propositado, não vierem acabar com essa promessa. É desolador verificar a obra devastadora do fogo, que se estende por vezes a grandes áreas já povoadas de pequenas árvores, e o efeito continuado e destruidor de rebanhos de cabras, que abundam no Caramulo, e cujos direitos de pascigo não estão regulamentados, ao contrário do que, com satisfatórios re-
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sultados, por excepção, sucede na freguesia de S. João do Monte, do vizinho concelho de Tondela. Pode dizer-se que aqui a obra de repovoamento é principalmente uma questão de polícia. Interessa a este concelho a deslocação da massa florestal para os planaltos mais elevados da serra do Caramulo, deixando milhares de hectares disponíveis nas chamadas! gândaras, dê baixa altitude, para cultura de cereais e outros produtos agrícolas, para que se mostram perfeitamente aptas, como se prova com numerosas propriedades já em exploração».
Ao rio Mondego, com uma bacia de 672:230 hectares, e à barra da Figueira da Foz interessam os baldios de Seixo, no concelho de Sátão, os dos arredores de Mangualdade, todos os extensos baldios dos concelhos de Viseu e Tondela (não compreendidos na bacia do Vouga) no perímetro com sede em Viseu, os grandes. baldios de Mortágua, no perímetro com, sede em Luso, a quási totalidade dos perímetros com sede em Lousa, Gois, Arganil, Manteigas e Covilhã, e os baldios dás serras de Sicó e Águas Férreas, do concelho de Pombal, no perímetro com sede em Leiria.
23. Se entre os três rios que acabamos de mencionar houvesse de se estabelecer ainda uma preferência, deveria ela caber, em verdade, ao Mondego, não só por ser, e consideràvelmente, o de mais extensa bacia, mas por ser aquele em que o seu percurso mais se presta a aproveitamentos hidro-eléctricos, já em parte reconhecidos, não obstante as terras de cota inferior a 50 metros o acompanharem durante CO quilómetros (Prof. A. Gomes, A situação económica da agricultura portuguesa, 1920), e sobretudo por ser ali - além da obra, em execução, da Idanha, na bacia do Tejo - que se encontra a maior área dos planos de hidráulica agrícola, já estudados, ao norte do Tejo.
Com efeito, dos campos do Mondego - os «saudosos campos» de Camões - já o padre Estevão Cabral, tam oportunamente citado no relatório ministerial a propor sito do Tejo, dizia em 1790, na sua Memória sobre danos do Mondego e seu remédio:
«Depois que a água lava a cidade de Coimbra, não há quem não saiba que ele entra de repente nos seus campos planos e nos mesmos corre sete léguas até ao mar: mas a história destas sete léguas, se alguém com miudeza a escrevesse, não poderia ser senão doloríssima, pois é certo que as águas comam em outro tempo fundas na caixa do rio e estava desareada a famosa ponte, desalagada a cidade, desalagado o antigo Convento de Santa Clara, que a Bainha Santa fundou no sítio onde hoje se vêem as suas ruínas ... Começou o rio a arear não se sabe quando; mas, deixadas outras memórias e vozes incertas, é indubitável que ele já fazia danos gravíssimos no tempo de Filipe II, os quais ele pretendeu remediar, o que consta de carta sua escrita ao geral de Santa Cruz ...», etc.
Pode ter-se por certo que o assoreamento do rio data de tempos mais remotos, devendo coincidir com o começo das grandes queimadas feitas pelos pastores, para rejuvenescimento dos pastos, e com a arroteia das encostas marginais, nos tempos do repovoamento, como se encontram indícios em vários passos dê Gama Barros (História da- Administração Pública &m Portugal, vols. II e III) e testemunho nas leis promulgadas desde 1142 (Legislação Agrícola, por António Gomes Ramalho, 1905).
«Feliz Coimbra, felizes terras do teu campo, se todas essas terras fossem cultivadas: mas todas dependem do Mondego; se êste der despejo, tudo o mais é fácil; senão, não há remédio» acrescentava, adiante, o referido padre Estêvão Cabral, há quási dois séculos, sem que, de então para cá; é remédio tenha sido aplicado com vantagem. Com efeito, a jusante de Coimbra ainda agora se encontram mais de 15:000 hectares de paúes, areais e terras húmidas, improdutivas ou de contingente e escassa produção, que não paga o seu amanho (engenheiro agrónomo Mário Fortes, O aproveitamento geral da bacia do Mondego}, os quais, quando forem saneados, aumentarão de valor em média, pelo menos, 10 contos por hectare, o que dará à riqueza. nacional um aumento de 150:000 contos.
Mas serão de precários efeitos as obras efectuadas e a efectuar se se não atender a que é erro fugir às «grandes despesas iniciais da regularização dos cursos de água, por indecisão ou incompreensão dos benefícios de uma política hidráulica bem orientada, sem se ver que o (Unheiro gasto nas zonas de grandes inundações, em diques, desassoreamentos, limpeza de valas de enxugo, rectificação de leitos, etc., perfazendo milhares de contos - como nestes últimos anos tem sucedido -, resulta perdido sem a regularização das cabeceiras, porque daí a anos se volta ao mesmo estado de abandono e miséria (engenheiro Pais Clemente, tese apresentada ao. Congresso da União Nacional)», pois que, sem dúvida, «em um sistema hidrográfico caracterizadamente torrencial, como é o nosso, o problema que surge em primeiro lugar e se torna necessário resolver, levando apenas em conta o interesse nacional, é o da regularização dos caudais dos rios» por meio de um complexo de arborização e albufeiras. (Idem, tese apresentada, ao VI Congresso Beirão, in Subsídios para uma sã política hidráulica, 1937).
24. A estreita ligação entre os empreendimentos silvícolas e os hidro-agrícolas e hidro-eléctricos leva também a considerar, em especial, dois rios, que, embora não desaguando no mar, pois são afluentes do Tejo, têm todavia alta importância no sistema hidrográfico do norte do Tejo: o Zêzere e o Ponsul.
Quanto ao primeiro, já se fizeram reconhecimentos, e prosseguem os estudos sobre a sua notável capacidade de produtor de energia eléctrica, o mais próximo de Lisboa, e as escalas hidrográficas da ponte de Santarém conjugarias com as das Portas do Ródão e outras observações das estâncias oficiais mostram a grande influência que tem no volume das cheias do Tejo, independentemente do que vem de Espanha, sendo ao mesmo tempo um formidável carreador de areias. Na regularização do seu curso influirão todos os perímetros florestais já indicados para o Mondego; pois são as vertentes das Serras da Estrela e da Lousa voltadas a noroeste e poente que interessam a este, ao passo que já interessam ao Zêzere as vertentes voltadas a nascente e sudeste e, além destas, parte dos baldios dós concelhos de Oleiros, Pampilhosa e Figueiró dos Vinhos.
Quanto ao segundo, o Ponsul, é na sua bacia hidrográfica que se está já procedendo aos grandiosos trabalhos de irrigação das campinas da Idanha, pelo que parece de aconselhar a criação de um novo perímetro florestal abrangendo os baldios de Malcata e Penha Garcia e as demais encostas florestáveis dos concelhos de Idanha e Penamacor, até à fronteira, cujo reconhecimento há necessidade de concluir, ainda que abranja as extensas arcas particulares, improdutivas, que aí existirem.
25. É todavia evidente que, como atrás ficou manifestado, estas mesmas preferências devem subordinar-se, por seu turno, às da defesa nacional, organizando-se, de harmonia com as suas imperiosas necessidades, os perímetros já planeados e, porventura, criando-se outros, nas zonas indicadas pelos técnicos militares competentes, ainda que seja necessário completar aí o re-
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conhecimento não só das terras baldias, mas também das- florestáveis particulares que forem adequadas ao fim em vista.
Mas é parecer da Câmara Corporativa que, em todo o caso, tal preferência não pode ir ao ponto de tolher os benefícios que da fixação das vertentes há a receber, pois, devendo contar-se mais com os anos de paz que com os de guerra, mais valerá destruir, em casos de emergência militar, o que se houver plantado ou semeado, do que permanecer indefinidamente sem defesa contra a constante acção dos fenómenos meteoro-geológicos.
Salvo casos excepcionais, afigura-se-nos que a política florestal deve ser a de plantar ou semear árvores em todos os terrenos adequados que os peritos militares para isso designadamente indicarem; mas sem a contrapartida da abstenção, a não ser onde ela se imponha como servidão de posições fortificadas, ou onde possa conciliar-se com a delimitação das reservas pascigosas ou de campos de manobras ou de aviação, com suas respectivas «entradas».
Sob este último ponto de vista se nos afigura mesmo que muito útil será fazer quanto antes o reconhecimento dos baldios adequados, seguindo o bom exemplo de algumas Câmaras Municipais, como as de Viseu, Espinho, Leiria, Arraiolos, etc., que já destinaram terrenos a pistas de aviação.
VI
26. Os trabalhos florestais têm de realizar-se em regiões ínvias, desprovidas de toda a espécie de comunicações fáceis. Têm de ser, pois, acompanhados, ou precedidos, por uma rede de estradas e caminhos de rodagem, indispensáveis ao estabelecimento, fiscalização e exploração das matas, e por uma outra rede de telefones, necessária à sua polícia e defesa contra incêndios.
Para se efectuarem e depois se explorarem, na larga escala que agora se prevê, carecem mesmo de outros complementos: pelo menos convirá dotá-los de utensilagem moderna e apropriada e de laboratórios experimentais, que bem condicionem o aproveitamento integral das espécies de madeiras, seus produtos e subprodutos, e a luta contra os flagelos fitopatológicos.
27. A propósito da rede de estradas, caminhos e telefones, diz-nos a 19.ª secção desta Câmara no excelente parecer já referido: «Não vamos aqui descrever a influência das vias de comunicação nas operações militares; apenas notaremos que a abertura de uma estrada ou caminho pode modificar completamente o valor militar de uma região, de uma posição, ou de uma linha defensiva, quer conveniente quer inconvenientemente. E que a rêde de comunicações de relação e de transporte é da maior importância para a defesa nacional confirma-o o decreto n.º 25:857, de 19 de Setembro de 1935, estabelecendo que compete ao Conselho Superior de Defesa Nacional deliberar sobre o reabastecimento geral do País e transportes, para a eventualidade da guerra, incluindo o plano geral de estradas e caminhos de ferro e de comunicações de relação; e a lei n.º 1:906, de 22 de Maio do mesmo ano (artigo 4.º), estabelecendo que o Conselho Superior do Exército deverá ser obrigatoriamente consultado sobre o estabelecimento de novas vias de comunicação B.
É evidente a procedência destas judiciosas reflexões. Basta, aliás, cumprir as leis vigentes - do que não é lícito duvidar - para que os serviços florestais dêem inteira satisfação ao que aqui fica observado, abstendo-se de futuro, por simples seu alvedrio, de estabelecer o traçado e tipo das vias de rodagem e da rede de comunicações telefónicas; Tanto mais que a alta competência técnica das entidades militares e a sua diligência, aliadas ao conhecimento dos poderosos meios de destruição de que dispõe a ciência moderna,- saberão conciliar facilmente os interesses fundamentais da defesa nacional com as necessidades reconhecidas da direcção e administração dos trabalhos arborícolas e a urgência e actividade que requere a efectivação, deste tam extenso plano no quadro preestabelecido de trinta anos.
Será curioso notar que Adolph Hitler, há bem pouco, a 15 de Março, exclamou: «; A Áustria passa a ser o bastião de aço da segurança alemã e a garantia da paz para o nosso povo!». E, quási simultaneamente, Goering anunciava que uma das preocupações do governo seria a reconstituição das florestas do maciço montanhoso que domina a Europa Central e todo o vale do Danúbio...
Pode-se fazer melhor idea do valor militar das florestas se se atentar em que, para os 420:000 hectares a arborizar no nosso País, estão previstos 2:455 quilómetros de estradas e 5:803 de fios telefónicos, com 1:081 telefones (mapa anexo n.º 8-A - Construções e obras novas).
28. Por seu turno a 21.º secção, com sua especial competência neste sector, diz-nos, por mão do Sr. engenheiro Santos Viegas, que «haverá utilidade em coordenar os esforços do Ministério da Agricultura com os do Ministério das Obras Públicas e Comunicações, nos trabalhos de construção e conservação da rede das estradas que incumbem à Junta Autónoma de Estradas, nos trabalhos de correcção torrencial que incumbem à Direcção Geral dos Serviços Hidráulicos e Eléctricos, nos trabalhos da mesma natureza que incumbem à Direcção Geral de Hidráulica Agrícola e nos trabalhos de comunicações telefónicas que incumbem à Administração Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones». Nomeadamente, pelo que respeita a vias de trânsito, «recomenda que na proposta de lei se incluam disposições convenientes para:
a) Que não sejam executadas estradas com as características mínimas das estradas municipais sem prévio entendimento com a Junta Autónoma de Estradas, porque o seu traçado pode colidir com o de alguma estrada classificada como nacional, e, em tal caso, é possível que haja já estudos realizados, que devem ser aproveitados pelos serviços florestais;
b) Que as ligações das estradas ou caminhos florestais com as estradas nacionais só sejam executadas com prévio acordo da Junta Autónoma de Estradas;
c) Que a Junta Autónoma de Estradas inclua na rede das estradas nacionais qualquer troço de caminho ou estrada florestal que seja considerado de utilidade, como via geral de comunicação e caminho florestal, pelos Ministérios da Agricultura e das Obras Públicas e Comunicações».
Quanto aos telefones opina que «a uniformidade das características técnicas das redes e dos aparelhos é uma essencial condição para a integração das redes particulares na rede geral do Estado»; e como os baixos preços de primeiro estabelecimento, constantes do mapa anexo à proposta, indicam ser a rede telefónica florestal deficiente sob o aspecto técnico, «parece melhor que a Administração Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones construa e explore a rede telefónica florestal, ainda mesmo quando o seu custo inicial, para o Estado, seja mais elevado, e ainda que seja limitado o serviço dessa rêde apenas aos serviços florestais, pondo-a à disposição do público onde seja necessário».
Termina por emitir o voto de que «se evite a criação: de uma rede de estradas privativa dos serviços florestais; de uma rede telefónica privativa dos mesmos
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serviços; fie obras de correcção torrencial privativas dos serviços florestais; e a interferência de jurisdição de serviços diferentes em assuntos da mesma natureza».
É doutrina com as linhas arquitecturais de uma construção ideal. Em tese, nada temos a objectar. Na hipótese presente, talvez seja mais conveniente, para todos, que os serviços florestais façam as obras projectadas, nos respectivos perímetros, com a rapidez e as facilidades financeiras que este plano lhes proporciona, adaptando-as às condições indicadas pelos outros serviços interessados. A todo o tempo poderão, assim, ser integradas na sistematização recomendada.
29. «O povoamento florestal das dunas e baldios muito contribuirá para a correcção do regime dos rios - diz ainda a 21.ª secção no seu criterioso parecer -, mas não deve esquecer-se de que há muitos terrenos cultivados cuja inclinação, situação e natureza do solo os torna altamente nocivos para o regime dos rios, e até em certas bacias é esta a causa dominante dos assoreamentos dos álveos, com alteamento e consequente sepultura dos campos sob as areias estéreis carrejadas»
«Há obras de correcção torrencial que primam sobre as de povoamento florestal, para o efeito de conservação dos álveos e regime dos rios e dos campos marginais. São questões a estudar em conjunto pelos serviços dos dois Ministérios interessados, que muito recomendam a inclusão na proposta de lei de disposições que tornem obrigatória a colaboração. Estão entregues aos Serviços Hidráulicos e Eléctricos terrenos absolutamente necessários para a execução dos serviços que lhes incumbem e não deverão esses terrenos ser submetidos ao regime florestal da maneira por que é estabelecida na proposta de lei sem um estudo conjunto dos Serviços Florestais e Hidráulicos».
Assim, a proposta de lei deveria, no entender da 21.ª secção, conter disposições que determinem:
a) Que o plano de povoamento abranja os terrenos cultivados das encostas que, pela sua inclinação, situação e natureza, sejam causa de assoreamento dos rios;
b) Que, embora, integrado no plano de povoamento, se elabore e execute no mais curto prazo um plano de correcção torrencial (compreendendo a arborização-necessária) de acordo com a Direcção Geral dos Serviços Hidráulicos e Eléctricos e Direcção Geral de Hidráulica Agrícola;
c) Que os trabalhos de povoamento florestal não sejam feitos dentro da área de jurisdição dos Serviços Hidráulicos sem prévio acordo com estes, entendendo-se por área de jurisdição as margens dos cursos de água, quer navegáveis e flutuáveis, quer não navegáveis nem flutuáveis, e as porções de terreno atingidas pelas cheias, nos termos do capítulo 6.º do título 2.º do regulamento de 1892;
d) Que na base VI se esclareça que se exceptuam os terrenos pertencentes ao Estado, actualmente entregues aos Serviços Hidráulicos, terrenos estes que são absolutamente necessários para estes serviços.
30. O que dissemos no começo deste trabalho, e reafirmámos há pouco a respeito da intervenção técnica militar, podemos aqui repeti-lo mais uma vez. É indispensável que haja coordenação e, sempre que necessário for, mesmo estreita colaboração entre os serviços públicos,, ainda que pertençam a diversos Ministérios.
Mas coordenação e colaboração são ideas que, por si mesmas, excluem as de invasão e subordinação. Reconhecemos que devem ser ouvidos, em todos os casos atinentes, os representantes dos demais serviços públicos que com os florestais têm conexão; mas de modo a que um espírito de pernicioso exclusivismo, ou de mal entendida preponderância, não maniete os serviços do Ministério da Agricultura, a ponto de os tolher na sua acção ou de os embaraçar, por forma que se torne impossível pôr por obra metódica e seguidamente, o que a presente proposta de lei, apresentada pelo respectivo Ministro, planeou e conseguiu solucionar. É evidente, por exemplo, que a correcção torrencial importa simultâneamente à defesa nacional (serviços do estado maior), ao regime fluvial e portos (Direcção Geral dos Serviços Hidráulicos e Eléctricos), ao regime hidro-agrícola (Junta Autónoma, de Hidráulica Agrícola.) e ao próprio regime florestal, para sua regularização e defesa (Direcção Geral de Silvicultura e Piscicultura); mas o que afinal importa à Nação não é que um destes serviços se anteponha aos outros; é que essa correcção seja feita onde e como for precisa. Que cada sector tome à sua conta o realizá-la na área que o outro lhe deixar livre; delimitar essa área, de modo a que trabalhem sempre de acordo, é obra que compete à administração superior do Estado, isto é, ao Governo, regular e fiscalizar.
O mesmo diremos das vias de comunicação rodoviárias e telefónicas. Quanto àquelas, notaremos que, completamente de acordo com o sábio parecer da 21.º secção, apenas acrescentaríamos que, além das entidades nele citadas, se devem ouvir também as militares; e, muito justamente, ainda as câmaras municipais, na parte em que as estradas florestais ligarem com as suas estradas e caminhos existentes ou projectados, podendo, porventura - receamos dizer certamente -, ser em parte construídas em regime de participação de trabalho, quando interessem e fiquem servindo às comunicações directas entre povoados do concelho.
E quanto aos telefones, apenas observaremos que, em regra, têm utilidade restrita às necessidades da administração das matas e ligam pontos isolados e distantes dos aglomerados populacionais. No entanto, como se não pode prever, de momento, o desenvolvimento que virão a ter as zonas arborizadas, hoje quási desertas, e a sua ligação com as povoações existentes nas suas proximidades, de aconselhar é o bom entendimento com a Direcção Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones. ao Governo competindo, por norma administrativa e até constitucional, resolver se convém montar tais serviços telefónicos com o aumento de despesa imposto por unia maior perfeição técnica e a uniformidade com a rede geral do Estado.
Nestas condições, concordamos, na generalidade, com a sugestão da 21.º secção para que a proposta seja aditada com a seguinte nova base:
Base XVI. - Os projectos de execução das obras de caminhos florestais, de correcção torrencial e de comunicações telefónicas serão elaborados com a cooperação da Junta Autónoma de Estradas, Direcção Geral dos Serviços Hidráulicos e Eléctricos, Junta Autónoma de Hidráulica Agrícola e Administração Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones. Os Ministros da Agricultura e das Obras Públicas e Comunicações providenciarão no sentido de regulamentar e organizar essa cooperação, devendo ser respeitadas as jurisdições actuais dos serviços respectivos e utilizadas as especializações desses serviços na construção, conservação e exploração das obras e instalações referentes a caminhos, correcção torrencial e comunicações telefónicas.
Em outro lugar diremos quais as modificações desta redacção, que se nos afiguram melhores.
31. Como os serviços do cadastro predial se têm mostrado (não é para aqui o traçar os prováveis motivos)
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de uma lentidão que se não compadece com o movimento a imprimir à arborização das encostas, têm os serviços florestais de utilizar brigadas especiais apetrechadas com o material topográfico necessário à elaboração das cartas dos vários perímetros.
Ao percorrer o terreno, já aproveitarão o tempo e as canseiras os técnicos silvicultores para irem fazendo reconhecimento do traçado e colocação das futuras obras de fomento florestal, tais como estradas, barragens, muros de suporte, sectores das matas, viveiros, casas de guardas, etc., e estudarem a flsiografia e a fitogeografia das regiões a cartografar.
Cremos que tais trabalhos, sempre morosos, poderiam ser eficazmente ajudados pelos modernos processos da estereofotogrametria, desde que os serviços fossem dotados com o material próprio a essa especialização, contribuindo-se assim também, em apreciável parte, para o adiantamento do cadastro predial, desde que dos trabalhos silvícolas fosse dado conhecimento aos serviços geodésicos e cadastrais e a acção de uns e outros se conjugasse, como se impõe.
Útil se nos afigura igualmente a criação de um laboratório de tecnologia florestal, com fins científicos e industriais, em que, além da reverificação e estudo da adaptação dos processos preconizados nos laboratórios estrangeiros congéneres, se faça a investigação dos meios de aplicar, nas nossas peculiares circunstâncias, a grande massa lenhosa que brevemente possuiremos, de modo a dar-lhe úteis destinos e assegurar a criação de indústrias ligadas à obtenção das essências, óleos, sais, tintas e outros derivados, desde os primeiros períodos das plantas, que seja possível obter das espécies que possuímos.
Mas aqui, ainda, trata-se de esfera própria da acção governativa, limitando-nos, portanto, a fazer uma referência, que será avaliada unicamente como tal.
VII
32. Já por mais de uma vez dissemos terras florestáveis, em hora particulares. É que, na verdade, o carácter social e nacional de um plano de povoamento florestal leva a pôr essa questão. A propriedade particular tem seu estatuto civil, sua carta de liberdade. Mas já se disse no parecer desta Câmara Corporativa sobre os aproveitamentos e melhoramentos de hidráulica agrícola que «a Constituição, no artigo 8.º, n.º 13.º, inclue entre os direitos e garantias individuais do cidadão o direito de propriedade e a sua transmissão por vida ou por morte nas condições determinadas pela lei civil. Mas, acima destas condições peculiares das leis civis, há outras disposições constitucionais que superiormente dominam aquelas e como que também as condicionam. A Nação, na sua organização económica, deverá realizar o máximo de produção e riqueza socialmente útil (artigo 29.º). Por isso, a propriedade, o capital e o trabalho desempenham uma função social em regime de cooperação económica- e solidariedade, podendo a lei determinar as condições do seu emprego ou exploração conformes com a finalidade colectiva (artigo 35.º), tendo também o Estado o direito de intervir directamente na gerência das actividades económicas particulares, quando haja de financiá-las e para conseguir benefícios sociais superiores aos que sejam obtidos sem a sua intervenção (artigo 33.º).
33. Mas nem é necessário invocar a norma constitucional do Estado Novo para justificar a forçada inclusão de terras particulares no regime florestal. Neste particular não haverá ocasião a que alguém, tocado de um triste misoneísmo, possa exclamar, como o grande causídico Hauriou, a propósito da modesta criação do sindicato de regantes do canal de Cignac: On nous change notre État! (Annales du droit et dês sciences sociales, 1934). Para isso seria preciso remontar muito longe, talvez ao tempo em. que D. Afonso IV, tendo assentado Cortes em Leiria, em 1455, aí recebeu a representação dos bons burgueses deste povoado, que lhe pediram que « os que trazem bois com que comem a terra e frutos dela e não querem lavrar nem semear, andando com os bois a carretar e levar muitas carradas de madeira e tabuado a Santarém e Montemor-o-Velho, sejam obrigados a lavrar de pão e lhes sejam postos os alqueires que ao menos devem de semear» - respondendo-lhes o Bei que «muito lhe prazeria haver muitos lavradores na terra, porém fazer tal constrangimento não lhe parece razão, porque os homens devem ter em sua liberdade para usarem de suas pessoas e fazendas como lhes prouver».
Porque a verdade é que o conceito da economia pública no quadro nacional rapidamente evoluiu, e já as Ordenações do Reino continham preceitos como estes, que muito a pêlo vêm: «O corregedor, nos lugares em que for necessário, e para isso forem dispostos, mandará pôr árvores de fruto, que em eles se puderem dar, convém a saber olivais, vinhas e moreiras, segundo a qualidade da terra. E assi fará enxertar todos os azambujeiros e tomar conta aos oficiais das Câmaras das Terras, em que entrar por correição, se fizeram semear e criar pinhais nos baldios dos ditos lugares e criar as árvores, como no titulo dos vereadores é conteúdo». (Liv. I, tit. 58, § 46). a E mandamos que pessoa alguma não corte nem possa cortar sovereiro, carvalho, ensinho, machieiro, por o pé, nem mande fazer dele carvão, nem cinza, nem escasque, nem mande escascar, nem serrar alguma das ditas árvores, desde onde entra o rio Elga até à vila dAbrantes ... e daí até à foz do rio de Lisboa, nem até 10 léguas de Tejo, contadas dele para ambas as bandas do sertão ..., as quais 10 léguas se contarão em Portugal somente. E fazendo o contrário, será degredado quatro anos para África ..., etc.º (Liv. V, tít. 75). «E porque alguns, por caçarem nas queimadas, ou fazerem carvão, ou pastarem com seus gados, põem escondidamente fogo nos matos, para se poderem aproveitar das queimadas, e porque se não sabe quem o fez não são castigados, mandamos que pessoa alguma não cace em queimada ... nem entre nela a pastar com seu gado até à Páscoa florida, e carvoeiro algum não faça nela carvão até dois anos». (Liv. V, tít. 86,§ 7).
Nem o liberalismo cartista, em seus excessos de liberdade individualista, conseguiu obliterar de todo, em tal matéria, as conveniências do bem comum. Cita o relatório do Sr. Ministro da Agricultura vários diplomas e trabalhos dessa época; e, em verdade, eles acabaram por ser integrados ou atendidos no regulamento do regime florestal de 1903, excelente diploma ainda em vigor, que na sequência tio decreto orgânico dos serviços agrícolas, de 24 de Dezembro de 1901, divide o regime florestal em total e parcial - definindo este aquando, subordinando a existência da floresta a determinados fins de utilidade pública, permite contudo que na sua exploração sejam atendidos os interesses imediatos do seu possuidor» - e estabelece, no capítulo II, as regras da inclusão das matas e terrenos dos corpos e corporações administrativas e estabelecimentos pios no regime florestal parcial, e, no capítulo m, as da submissão ao regime florestal das matas e terrenos particulares compreendidos na área dos perímetros cuja arborização for de utilidade pública.
É dentro da mesma boa tradição que as bases XII e XIII da presente proposta determinam que, a par dos baldios, os terrenos dos particulares sejam arborizados
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pelos proprietários em conformidade com os projectos definitivos elaborados pelos serviços florestais, podendo ser expropriados, se aqueles não cumprirem, ou arborizados pelo Estado e a cultura e exploração feita pelos proprietários, conforme os casos.
34. Não estão estas bases em contradição com o disposto no Código Administrativo ultimamente em vigor. Aí o problema dos baldios foi objecto de atenção particular; definiram-se os baldios, distinguiram-se os indispensáveis ao logradouro comum, dos dispensáveis; estes separaram-se em próprios para cultura e impróprios para cultura; e ainda se distinguiu outra classe: a dos baldios arborizados ou destinados a arborização (artigo 333.º). Quanto a estes últimos, são os corpos administrativos obrigados a promover a respectiva arborização, por força do seu orçamento ou em comparticipação com o Estado, no prazo de vinte anos e segundo o plano estabelecido pelo Ministério da Agricultura (artigo 344.º). Os baldios arborizados ficam sujeitos ao regime florestal, sem prejuízo do aproveitamento de lenhas, matos e combustível, nos termos das posturas municipais e paroquiais elaboradas de acordo com as autoridades dos serviços florestais e em conformidade com as leis da polícia florestal (artigo 346.º).
Como se vê, trata-se de disposições bem delineadas, em que foram atendidos todos os aspectos da questão, e que por isso não convém obliterar - não obstante o Código Administrativo estar ainda no período de ajustamento que a própria lei lhe assinalou -, a não ser na parte referente aos vinte anos, que para os baldios, abrangidos na presente proposta de lei, se tem de elevar a trinta anos, como certamente virá a inserir-se na nova edição do Código.
Apenas, para melhor harmonia na aplicação das leis e desembaraço de quem tem de as observar, sugerimos que se faça uma simples referência ao Código Administrativo, na redacção das bases da proposta em apreciação que a isso melhor se prestarem.
VIII
35. ¿ Os meios com que o Estado conta, e mobiliza na proposta, serão suficientes para a perfeita execução desta? Cremos que sim, se o Estado contar consigo próprio, sobretudo dadas as receitas e os encargos obrigatórios dos corpos administrativos.
Nas bases não vem designada quantia fixa de despesa a efectuar. Preceitua-se apenas que, até ao fim de 1949, as despesas serão custeadas pelas verbas inscritas no orçamento da despesa ordinária do Ministério da Agricultura, e bem nos parece, desde que, por um lado, os recursos estão assegurados nos termos da lei n.º 1:914, e, por outro lado, as tabelas de despesa têm de forçosamente variar de ano para ano, conforme o desenvolvimento que for tendo a execução do plano.
O capítulo XII do relatório ministerial ocupa-se com minúcia do problema..
Poderá parecer que a verba de 640:658.000$, indicada para despesa com a constituição das matas e florestas no prazo dos trinta anos, será insuficiente, por serem baixas algumas estimativas dos mapas n.ºs 7 e 8 anexos ao relatório. Mas é de ter em conta: 1.º, que a larga experiência dos serviços silvícolas oficiais dá garantias quanto à boa elaboração de tais mapas; 2.º, que, em regra, os serviços oficiais fazem, como é natural, as suas estimativas por alto, para evitar os embaraços orçamentais derivados das baixas avaliações de despesas; 3.º, que se trata de um período de três décadas, e que em tal espaço de tempo, mormente na época que decorre, todas as previsões são falíveis quanto ao futuro preço dos terrenos, da mão de obra, dos aviamentos, e até quanto ao valor da própria moeda; 4.º, que as plantações estão calculadas a 1.000$ por hectare e as sementeiras a 450$, mas não se trata de plantações de luxo e não se conta com ressementeiras, evitando-se tal ónus para não prejudicar a maior extensão dos trabalhos. Em um e outro caso trata-se de simples médias de gastos e procura-se ganhar tempo e espaço sem se deter com os incidentes e as falhas, que, por outro processo, acabarão por se corrigir mais tarde, como é o caso do pinheiro, que espontaneamente cobrirá as nódoas existentes.
36. Teríamos razões para não ser tam optimistas, relativamente ao cômputo das receitas, que levaram o citado relatório a achar para cada hectare de floresta uma retribuição de 2,66 por cento para os 2.000:000 de contos investidos nesta empresa, no decurso de sessenta anos, partindo do princípio de que a receita anual média será de 55:598.000$. O cálculo do rendimento de 10.642$50 por hectare, levando, e bem, em conta que para o ciclo de exploração há só a dispor de 7:000 hectares anuais, está baseado em parcelas, que não serão exageradas para as dunas e matas próximas dos caminhos de ferro. Mas o custo do transporte chega a desvalorizar totalmente a lenha e a madeira nas regiões serranas mais longínquas de povoados.
E na exploração silvícola, como na agrícola, há que contar com múltiplos factores que perturbam os melhores cálculos. As tempestades, os incêndios, as convulsões sociais, internas e externas, as flutuações da mão de obra e dos mercados, a falta ou carestia de transportes, o estado das vias, etc., encarregam-se de infligir descontos às previsões mais acariciadas. Depois, os cálculos estão feitos para pinheirais, com exploração de resina, e nem toda a superfície arborizada será de pinheirais.
Mas certo é que Daubrée, antigo director geral das águas e florestas francesas, computou em 3:859 francos por hectare, ao tempo em que não havia desvalorização desta moeda (Lê reboisement, 1911), o rendimento do hectare de mata em exploração, equivalendo isso a 3 por cento do capital investido.
Entre nós os benefícios da arborização são tais que 2 por cento ou menos seriam sempre uma boa remuneração como juro do capital empregado; e não pode deixar de ter-se presente que as terras baldias, no estado em que estão, não dão rendimento ao Estado nem às câmaras municipais, ao passo que, quando em exploração silvícola, aumentarão logo as receitas directas e indirectas, pelo rendimento próprio, pelas taxas de exportação e pelo aumento da população e das actividades sociais correspondentes.
37. Sendo, como atrás ficou dito, urgente o trabalho de correcção torrencial, que envolve, além da arborização, a execução de obras complementares para a conveniente fixação das terras nos perímetros que interessam aos planos da hidráulica agrícola - pois o arrastamento de areias em breve entulhará as albufeiras e represas que dentro de tais planos se fizerem -, ¿ poder-se-á conjugar aquele trabalho com o da arborização dos baldios, tal como vem na proposta de lei, e caberá ele inteiramente nas forças do plano de despesas constante dos mapas n.ºs 8 e 8-A, anexos ao relatório ministerial?
¿ Justificar-se-á assim (como foi proposto pelo digno membro da 3.ª secção o Sr. D. José de Castelo Branco) que a redacção da base I seja alterada de modo a ficar compreendendo não só os terrenos baldios que sejam reconhecidos pelos serviços competentes do Ministério
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da Agricultura aptos à cultura florestal, mas também e todos os terrenos que estejam dentro dos perímetros das bacias de recepção das albufeiras propostos nos planos de hidráulica agrícola e que necessitam de repovoamento florestal ou de outros trabalhos de correcção torrencial, os quais serão arborizados pelo Estado, pelos corpos administrativos ou pelos particulares, segundo planos gerais e projectos devidamente aprovados nos termos destas bases?
Afigura-se-nos que tal orientação revela evidente divergência com a da 21.º secção pois, emquanto esta tende a manter a interferência da Direcção Geral dos Serviços Hidráulicos e Eléctricos em tudo que respeita à correcção torrencial, salvaguardando mesmo, expressamente, os terrenos que tais serviços podem destinar aos seus planos, aquela pretende que toda a obra de correcção torrencial, dentro das bacias das albufeiras, ainda que se não limite só ao povoamento florestal, fique a cargo dos serviços florestais, nos termos desta proposta de lei.
Num caso é a mão dos serviços hidráulicos e eléctricos mantendo a supremacia -sobre toda a rede fluvial; noutro caso, e por motivos diversos, que se apreendem, são os serviços de hidráulica agrícola fazendo executar pelos serviços florestais uma parte, que pode ser muito considerável, dos planos complementares do seu objectivo principal.
38.º Para colocar devidamente o problema, que é transcendente, há que examiná-lo sob vários aspectos:
a) Tudo aconselha, já se disse e redisse, a que haja a mais completa coordenação entre os planos da hidráulica, agrícola, que correm pelo Ministério das Obras Públicas e Comunicações, e os da silvicultura, que correm pelo Ministério da Agricultura;
b) Dentro deste escopo, os trabalhos de arborização planeados devem começar por incidir, preferentemente, nos terrenos baldios que interessam àqueles planos hidro-agrícolas; dentro destes- baldios ou dos polígonos que os abrangem, a correcção torrencial deve ser feita pelos serviços florestais;
c) A base XIII da proposta diz que «os terrenos de particulares cuja arborização for exigida pelas obras de correcção torrencial podem ser expropriados ou adquiridos, se forem susceptíveis de povoamento regular; ou em caso contrário, serão arborizados pelo Estado e a cultura e exploração feitas pelos proprietários, em conformidade com as prescrições da Direcção Geral dos Serviços Florestais». Daqui se conclue, sem dúvida, que a proposta encarou a correcção torrencial nos pontos quê interessam à sequência dos trabalhos de arborização; pode também concluir-se que os serviços florestais devem arborizar, total ou parcialmente, os terrenos particulares necessários à correcção torrencial, em qualquer ponto dos planos hidráulicos ou hidro-agrícolas; mas não pôde concluir-se com segurança que visou especificadamente todas as correcções torrenciais indicadas nos planos de hidráulica agrícola, os quais podem abranger obras em terrenos particulares de tal modo extensas e valiosas que não tenham sido previstas nos cálculos da Direcção Geral dos Serviços Florestais;
d) Ora, como há obras de correcção torrencial muros de suporte, canais de derivação, valados, represas, etc. - que podem ser feitas em locais apropriados a boas culturas e que não devem por isso ser submetidas a arborização forçada - o que representaria uma violência para os proprietários interessados, que esta Câmara não pode aconselhar, só a justificando em casos excepcionais e bem averiguados-, é de concluir que, quando tais obras fiquem fora dos polígonos silvícolas e não lhes digam directamente respeito, não podem ficar obrigatoriamente a cargo dos serviços florestais. Mas estes devem realizar, por acordo, as que mesmo indirectamente lhes interessem, e, sempre e forçosamente, as que houver a fazer dentro das áreas submetidas a regime florestal, de harmonia com os planos hidráulicos ou hidro-agrícolas, com que cooperarão;
e) As bases da proposta de lei não contêm um plano financeiro detalhado. Dos mapas que a acompanham só há referência expressa aos n.ºs 3 e 7, mas estes não contêm cláusulas financeiras. Os mapas n.ºs 4 e 4-A, para as dunas, e 8 e 8-A, para as serras, estabelecem o cômputo da despesa provável, que é, só para as serras, de 640:658.428$, nos trinta anos.
Mas a base IX diz simplesmente: as despesas a efectuar serão custeadas até ao fim do ano de 1949 pelas verbas inscritas anualmente no orçamento da despesa ordinária do Ministério da Agricultura e pelos recursos disponíveis pelo Ministério das Finanças ao abrigo da lei n.º 1:914;
f) É, no entanto, evidente que o Governo pressupõe uma verba global de despesa, baseando-se nos cálculos aproximativos da Direcção Geral dos Serviços Florestais; e é de harmonia com esse pensamento, que não pode comportar gastos de montante absolutamente indefinido, que a proposta visa, como fim geral e principal, a dar aplicação útil aos baldios desnudos e, em regra, improdutivos;
g) Não estando ainda completos todos os planos de hidráulica agrícola, a inteira subordinação dos trabalhos silvícolas ao desenvolvimento de tais planos não permitiria estabelecer o prazo de trinta anos que nesta proposta foi fixado pelo Governo, ficando assim desequilibrada a economia do projecto;
h) Como já tivemos ocasião de salientar, não se trata só de hidráulica agrícola, mas também de portos, canais de navegação, oficinas hidro-eléctricas, defesa nacional, e não há motivo para uma proposta, com as características gerais desta, subordinar os serviços só àquele primeiro aspecto, que, aliás, nos merece a maior simpatia, como já foi demonstrado em outra ocasião;
i) No pensamento do Governo - e disso nos certificámos pelos esclarecimentos que S. Ex.ª o Ministro da Agricultura se dignou dar-nos - está de facto, que haja íntima cooperação dos serviços silvícolas com os outros, mas sem que o plano geral de arborização se desvie do seu objectivo principal: o rápido revestimento das serras desnudas.
Os serviços silvícolas, na sua esfera, vão agora até onde podem ir; o resto terá de fazer parte dos trabalhos próprios dos serviços conexos, mas em todo o caso independentes, aos quais compete resolver, nos termos das leis em vigor, ou nos das providências que houverem de ser promulgadas, os seus casos particulares - contando sempre com a cooperação dos referidos serviços silvícolas para a resolução da parte que lhes for destinada em tais casos. Em qualquer caso, os problemas emergentes são tam variados, que tem de se dar latitude ao Governo para, na sua acção administrativa, os pôr em execução e os resolver.
Nestes termos, parece-nos que será preferível adoptar a proposta de lei tal como se contém na sua base I, acrescentando-se uma outra, em que se preceitue a preferência a dar às zonas em que mais interessa dar começo aos trabalhos de arborização, com precedência de acordo, quanto aos trabalhos a executar, entre os Ministérios da Agricultura e da Guerra e o das Obras Públicas e Comunicações, como foi sugerido pela 21.º secção desta Câmara.
IX
39. A Junta Provincial da Beira Baixa, reconhecendo que são relativamente pouco numerosos os baldios, re-
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conhecidos em 1935, na área da sua província, pois há aí grandes extensões de terras maninhas na posse de particulares, a par de outras entregues a culturas inadequadas, por fracamente remuneradoras, quando não deficitárias, sugere que se tomem- providências no sentido que acabou por concretizar em projecto de base assim redigida:
Fica autorizado o Ministério da Agricultura a sujeitar ao regime florestal as regiões de um ou mais concelhos limítrofes que assim o requeiram, muito embora nessas regiões não existam baldios ou sómente os haja de pequena extensão, quando se mostrar que a melhor valorização da terra é a cultura do pinheiro ou outra essência florestal.
§ 1.º A delimitação destas regiões será feita pelos técnicos do Ministério da Agricultura, ouvidas as respectivas câmaras municipais.
§ 2.º Delimitadas as zonas a arborizar, os proprietários são obrigados a demarcar as suas glebas no prazo de um ano; não o fazendo, a demarcação será feita por um júri avindor, nos termos do decreto n.º 28:040, de 14 de Setembro de 1937.
§ 3.º Nas regiões assim delimitadas os proprietários são obrigados a arborizar os seus terrenos segundo as normas que lhes forem indicadas pelo Ministério da Agricultura; não o fazendo, a arborização será feita pela Junta Provincial ou câmara municipal, que dos proprietários poderão haver coercivamente as respectivas despesas.
§ 4.º O Ministério da Agricultura poderá fornecer gratuitamente aos corpos administrativos ou aos particulares plantas e sementes para arborização das zonas delimitadas.
5.º As zonas assim arborizadas ficam em tudo sujeitas ao regime florestal, gozando dos benefícios da assistência técnica do Estado, guarda florestal e outros.
40. Como se vê, aqui vai-se .mais longe. Já se não trata de mero povoamento florestal dos baldios, nem do regime dos portos, dos rios, dos terrenos marginais, das torrentes. Pretende-se forçar os proprietários de terras abandonadas de cultura ou mal cultivadas a convertê-las em plantações ou sementeiras de arvoredo, por esta aplicação da terra ser mais remuneradora. O escopo é a valorização da terra. Não se trata, como nos casos acima, de restringir a liberdade do proprietário em nome da solidariedade que deve a outros interesses nacionais objectivos, prejudicados pela aplicação dada aos terrenos que possue. Trata-se de o forçar a cuidar de si próprio, a dar à sua terra aplicação considerada mais remuneradora, para que dela tire directamente mais proveito e o Estado, indirectamente, o tire também. Muito interessante é tal sugestão, pelo entendimento que revela das vantagens sociais e económicas da arboricultura e sobretudo pela intrepidez com que arrosta os tradicionais conceitos jurídicos sobre a violência de uma propagação forçada da árvore em terrenos do pleno domínio privado. Mas parece-nos que, neste momento, ela transcende o pensamento do Governo e os intuitos da presente proposta de lei, incluindo, além disso, preceitos que, por seu detalhe, são mais de natureza regulamentar do que básica.
41. A base XII da proposta governamental já abrange os terrenos de particulares incluídos nos perímetros florestais e que devam ser destinados à cultura florestal, em conformidade com os projectos definitivos elaborados pelos serviços florestais.
Esses terrenos, se não forem arborizados pelos seus proprietários, poderão ser adquiridos ou expropriados pelo Estado, nos termos do decreto n.º 24:480, de 13 de Setembro de 1934; e a base XIII estabelece disposição idêntica para os terrenos de particulares cuja arborização for exigida pelas obras de correcção torrencial.
Os perímetros florestais, constantes do mapa anexo ao relatório ministerial, não são os definitivos. Há por certo mais baldios a reconhecer e terrenos particulares também.
Por tal motivo, e mesmo porque é necessário fazer-se novo ajustamento das circunscrições perimetrais às exigências da marcha e extensão que vai ter o plano silvícola, de harmonia com as preferências já indicadas - é de crer que não só sejam modificadas as áreas, limites e sedes de alguns dos perímetros já projectados, mas também que outros sejam criados.
A organização dos perímetros, por forma a concentrar mais a direcção dos trabalhos oficiais e a concorrer para a eficaz fiscalização e disciplina (que convirá encarar) das arborizações e respectivas explorações particulares, terá inegáveis vantagens, que bem compensarão o ligeiro aumento de encargos.
Cremos, por exemplo, pelo que respeita à Beira Baixa, que convirá, talvez, organizar um perímetro, com sede em Idanha ou Penamacor, abrangendo as cabeceiras do Ponsul, e, também, um outro que abranja os concelhos que interessam ao Zêzere e ao Tejo, desde Pampilliosa da Serra e Oleiros, até Mação, como é pedido pela Junta Provincial da Beira Baixa. Com efeito, entre a Ser ta e Castelo Branco há uma zona de predominância xistosa, com largos tractos de charneca improdutiva, numa área de muitas dezenas de quilómetros quadrados, cujas erosões, favorecidas de um lado pelos alternamentos de calores escaldantes e frios intensos, e do outro pelo desgêlo e pelas bátegas torrenciais, que desagregam os afloramentos pedregosos e precipitam os detritos, lançam todos os anos no Tejo, pelo Zêzere e pelo Ocreza, imponentes volumes de areias, representando para a Nação uma importante parcela, que, por inciíria ou ignorância dos detentores, permanece desaproveitada e nua de toda a cultura. O pinheiro, sobretudo, afigura-se-nos constituir o racional aproveitamento de tais terrenos.
Mas isto são desenvolvimentos das presentes bases legislativas, que só ao Governo competirá efectivar, conforme as necessidades administrativas indicarem.
Em todo o caso, aqui deixamos registados os rasgados propósitos da Junta Provincial, que a todo o tempo poderão ser útil sugestão para providências complementares do plano agora em estudo, quando se tiverem feito os inquéritos indispensáveis sobre a sua oportunidade.
Com efeito, para se entrar decididamente na substituição forçada de umas culturas por outras, em terras particulares, será mester ter em consideração os reflexos de tais medidas coercitivas sobre a ordem política do Estado; o valor relativo das culturas em relação à composição geológica e riqueza produtiva dos vários terrenos; a eficiência dos processos culturais empregados e a conveniência da sua substituição por outros; as condições de capital e de braços em que têm de agir os proprietários; as efectivas necessidades nacionais de madeiras e seus derivados, em relação com a necessidade de cereais e outras culturas comestíveis; os efeitos da propaganda e da exemplificação do Estado, em áreas restritas, antes de recorrer a meios de coacção de carácter geral; e as disponibilidades e qualidades das sementes e árvores, que os viveiros oficiais deverão fornecer aos particulares e aos corpos administrativos, abrangidos nesta proposta de lei - além das próprias necessidades dos serviços florestais, que vão ser extraordinárias para realizar o programa da arborização dos
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420:000 hectares de baldios -, antes de as poderem fornecer a outras pessoas e entidades. Não possue a Câmara Corporativa, nem os há ainda, elementos seguros sobre tam complexos aspectos desta questão.
42. Muito vasta é a matéria; mas temos necessidade, e assim cumpre, de não ser demasiado extensos, e talvez já nos excedêssemos.
Do que dissemos se tiram, em resumo, as seguintes conclusões:
1.ª A proposta de lei em exame, lúcida e desenvolvidamente justificada no relatório que a precede, tem a maior oportunidade e até urgência;
2.ª Está perfeitamente integrada nos intuitos da lei n.º 1:914, de 24 de Maio de 1935, que autorizou o Governo a despender, com obras de reconstituição económica e defesa, nacional, até à quantia de 6.500:000 contos;
3.ª Sob o ponto de vista jurídico, está dentro dos preceitos constitucionais e representa a ampliação e aperfeiçoamento de leis já em vigor de há muito;
4.ª Em país como o nosso, possuidor já de vultuosa superfície florestal, justifica-se que a acção do Estado incida principalmente sobre a arborização das terras baldias, tanto mais que se trata da área considerável de 420:000 hectares, a bastante para, junta à existente, colocar o nosso País entre os melhor arborizados da Europa, na zona ao norte do Tejo;
5.ª Justifica-se, todavia, a sujeição obrigatória ao regime florestal, acompanhada de expropriação sómente quando necessária, dos terrenos particulares incluídos nos perímetros a arborizar, bem como a sujeição ao regime de arborização parcial dos terrenos particulares que para tal se mostrem indispensáveis à correcção torrencial, efectuada de acordo com os serviços de hidráulica fluvial ou de hidráulica, agrícola;
6.ª Por maioria de razão se justifica idêntica medida para com os terrenos particulares que interessem à defesa nacional onde isso for julgado necessário pelos serviços militares competentes, os quais deverão, ainda, ser ouvidos em todos os demais casos;
7.ª Há a maior conveniência em assegurar, preferentemente, o começo de execução destes trabalhos, que vão ser escalonados por trinta anos, pela arborização dos perímetros que mais influem no regime dos portos de Viana do Castelo, Aveiro e Figueira da Foz, no dos aproveitamentos hidráulico-agrícolas, como os do Ponsul, do Mondego e do Sabor, e no dos rios de aproveitamento hidro-eléctrico, principalmente o Zêzere, que também influe no regime das cheias do baixo-Tejo;
8.ª Sem embargo destas preferências, todos os trabalhos da proposta sobre arborização podem e devem estar concluídos no prazo previsto de trinta anos, que não parece poder ser encurtado, mas é suficiente para assegurar progressivamente os povoamentos silvícolas, na média final de 14:000 hectares por ano;
9.ª Nestes trabalhos de larga envergadura não pode haver o desígnio de fazer parques florestais, mas ùnicamente matas e florestas. Em todo o caso, é de aconselhar que, onde possível, se conjugue o útil com o agradável, e, sobretudo, na construção das casas destinadas aos guardas e mais serviços, não haja a preocupação de adoptar um tipo uniforme, mas antes a de adequar essas construções ao ambiente provincial em que são edificadas, como sugeriu a 25.º secção (Belas Artes) é a Câmara adoptou;
10.ª Os meios financeiros para a realização deste empreendimento estão assegurados, nos termos das bases IX, X, XIV e XV da proposta, entendendo a Câmara Corporativa que nada tem a acrescentar, posta a latitude dada ao Governo pela lei n.º 1:914 e a minúcia das tabelas de provável despesa que acompanham o relatório ministerial, nos mapas anexos, que não carecem, cremos, de mais explicações;
11.º Pelo que respeita aos corpos administrativos, só têm a ganhar com a efectivação da proposta, atendendo a que os seus baldios são - regra quási sem excepção - improdutivos para os seus cofres e a que, constituídas as previstas reservas para pastoreio e para logradouros comuns dos povos, os restantes terrenos virão a assegurar-lhes uma futura comparticipação em receitas, que podem ser consideráveis, além do aumento indirecto da cobrança dos impostos, pelo desenvolvimento da população e sua. riqueza. A proposta representa para elas um benefício, em relação ao Código Administrativo, não só pelo aumento do prazo de arborização de vinte para trinta anos, mas também porque o Estado se substitue desde já aos cofres locais nos encargos obrigatórios dos trabalhos, quando eles. não possam por si - é será o caso geral - fazer o respectivo custeio.
43. De harmonia com o exposto, a Câmara Corporativa é de parecer que convirá introduzir na redacção das bases as seguintes alterações, substituições e acrescentamentos, que por si mesmas se esclarecem. Apenas notaremos, quanto à base m, que é nosso intuito evitar os embaraços e delongas de um procedimento judicial, em que os interesses dos vizinhos facilmente colocarão os corpos administrativos em precária situação judiciária, como a experiência tem demonstrado. O inquérito habilitará estes a proceder com equidade e a defenderem-se, em juízo, quando ainda necessário.
BASE I
Os terrenos baldios, «dispensáveis ao logradouro comum, a que se refere o Código Administrativo». O resto como na proposta.
BASE III
«... por acordo amigável com os detentores, os usuários ou os confinantes, e, na falta dele, a procederem a um inquérito administrativo, com as vistorias, testemunhas, documentação e exames que forem necessários, tomando em seguida uma deliberação pública que só se tornará definitiva se, no prazo de três meses, os interessados não intentarem em juízo as competentes acções reivindicatórias ou possessórias sobre os terrenos que, em virtude daquela deliberação, forem demarcados, ocupados ou designados como baldios». O resto como está.
BASE VI
«Os terrenos baldios», etc. O resto como está.
BASE XIII
«Os terrenos de particulares, cuja arborização for exigida pelas obras de correcção torrencial, podem ser adquiridos ou expropriados, nos termos da base anterior, se forem susceptíveis de povoamento regular e os proprietários não quiserem a ele proceder, de harmonia com as prescrições da Direcção Geral dos Serviços Florestais. No caso de não serem adequados ao povoamento regular, a mesma Direcção Geral poderá prescrever e realizar a arborização parcial e reger a exploração e cultura,, que serão feitas pelos proprietários».
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BASE XVI
Os trabalhos de arborização e correcção, torrencial serão iniciados, de preferência, nos perímetros florestais que importam ao regime das águas dos portos de Viana do Castelo, Aveiro e Figueira da Foz e ao cias bacias hidrográficas já destinadas a aproveitamentos hidro-eléctricos ou a planos de obras de hidráulica, agrícola.
BASE XVII
Os projectos de traçado ou execução das obras de estradas ou caminhos florestais, de comunicações telefónicas e de correcção torrencial, referentes aos polígonos florestais ou com eles relacionados, serão elaborados pelos serviços florestais precedendo sempre consulta das entidades designadas pelo Ministério da Guerra, e também, conforme os casos, respectivamente, pela Junta Autónoma de Estradas e pelos corpos administrativos interessados, pela Administração Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones, pela Direcção Geral dos Serviços Hidráulicos e Eléctricos e pela Junta Autónoma de Hidráulica Agrícola.
Os Ministros da Agricultura, da Guerra e das Obras Públicas e Comunicações tomarão as providências necessárias para a execução desta base.
Abel de Andrade (assessor servindo de presidente).
Domingos Fezas Vital.
Ferrand Pimentel a e Almeida.
Manuel Simões Barreiros.
António da Terra.
José Augusto Fraústo Basto.
Fernão de Orneias Gonçalves.
Rui Enes Ulrich.
Albino Vieira da Rocha.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
José Pino de Avelar Fróis.
José Gabriel Pinto Coelho.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
José Inácio de Castelo Branco (com declaração de voto).
Júlio de Melo e Matos.
Afonso de Melo, relator.
Declaração de voto
Não concordo com a redacção da base I da proposta, de lei, porque, sendo a que verdadeiramente precisa os trabalhos florestais a realizar, não menciona os de correcção torrencial, que, a meu ver, são tão importantes como os de arborização das dunas e baldios e, em certos vales, mais urgentes, por serem o complemento indispensável das grandes e valiosas obras de hidráulica, agrícola que o Governo, com um interesse digno dos maiores louvores, se propõe levar a efeito em cumprimento do programa de realizações estabelecido lia lei n.º 1:914.
Não julgo eficientes as alterações às bases, propostas por esta Câmara, tendentes a suprir a falta notada, porque não colocam no mesmo pé de igualdade e oportunidade as obras de arborização das dunas e baldios e as de correcção torrencial, que, a meu ver, competem todas elas, exclusivamente, aos serviços florestais.
Foi por estas razões que tive a honra de propor a seguinte redacção para a base I:
Os terrenos baldios que sejam reconhecidos pelos serviços competentes do Ministério da Agricultura aptos à cultura florestal e todos os terrenos que estejam dentro dos perímetros das bacias de recepção das albufeiras propostos no plano de hidráulica agrícola e que necessitem de repovoamento florestal ou de outros trabalhos de correcção torrencial serão arborizados pelos corpos administrativos, pelo Estado ou pelos particulares, segundo planos gerais e projectos devidamente aprovados nos termos destas bases.
A arborização dos baldios situados ao norte do Tejo e as construções de caminhos florestais, casas, postos de vigia, montagem de rede telefónica, obras de correcção florestal serão executadas em conformidade com a ordenação geral ou plano constante do mapa anexo n.º 7.
O revestimento florestal dos areais da costa marítima e respectivas construções continuarão a ser executados pelo Estado segundo o plano constante do mapa n.º 3, devendo estar concluídos aio prazo de cinco anos.
Lisboa, 27 de Março de 1938. - José, Inácio de Castelo Branco.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA