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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 32
ANO DE 1939 8 DE FEVEREIRO
II LEGISLATURA
SESSÃO N.° 29 DA ASSEMBLEA NACIONAL
Em 7 Fevereiro
Presidente o Exmo. Sr. José Alberto dos Reis
Secretários os Exmos. Srs.
Manuel Lopes de Almeida
Gastão Carlos de Deus Figueira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 13 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foz aprovado, com alterações, o Diário.
O Sr. Deputado Carlos Moreira exaltou o heroísmo dos que em 7 de Fevereiro defenderam a Revolução Nacional.
O Sr. Deputado Camarote de Campos anunciou o seu propósito de tratar, em aviso prévio, do funcionamento dos julgados municipais, e neste sentido fez um requerimento de informações.
O Sr. Presidente comunicou que já recebera resposta a pedidos de informações formulados pelos Srs. Deputados Mário de Figueiredo, Augusto Pires de Lima, Gabriel Teixira, Carlos Moreira, Garcia Pereira, Álvaro Morna e Abel Varzim.
Ordem do dia. - Prosseguiu o debate sôbre o funcionamento da organização corporativa. Usaram da palavra os Srs. Deputados Cincinato da Costa, Diniz da Fonseca e Sebastião Ramires.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 47 minutos.
Srs. Deputados presentes à chamada, 62.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão 10.
Srs. Deputados que faltaram à sessão, 12.
Srs. Deputados que responderam à chamada:
Abel Varzim da Cunha e Silva.
Acácio Mendes de Magalhãis Ramalho.
Alberto Cruz.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Álvaro de Freitas Morna.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Álvaro Salvação Barreto.
André Francisco Navarro.
Angelo César Machado.
António de Almeida.
António de Almeida Pinto da Mota.
António Augusto Aires.
António Augusto Correia de Aguiar.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Maria Pinheiro Torres.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Artur Ribeiro Lopes.
Augusto Cancela de Abreu.
Augusto Faustino dos Santos Crespo.
Augusto Pedrosa Pires de Lima.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Moura de Carvalho.
D. Domitila Hormizinda Miranda de Carvalho.
Fernando Tavares de Carvalho.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Nobre Guedes.
Francisco de Paula Leite Pinto.
Gabriel Maurício Teixeira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Guilhermino Alves Nunes.
Henrique Linhares de Lima.
João Antunes Guimarãis.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luiz Augusto das Neves.
João Maria Teles de Sampaio Rio.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Diniz da Fonseca.
Joaquim Rodrigues de Almeida.
Joaquim Saldanha.
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José Alberto dos Reis.
José Dias de Araújo Correia.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria Dias Ferrão.
Júlio Alberto de Sousa Schiappa de Azevedo.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz Cincinato Cabral da Costa.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Figueira.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Pestana dos Beis.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Luíza de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Samuel de Matos Agostinho de Oliveira.
Sebastião Garcia Ramires.
Sílvio Duarte de Belfort Cerqueira.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Eduardo Valado Navarro.
António Rodrigues dos Santos Fedroso.
Clotário Luiz Supico Ribeiro Finto.
João Mendes da Costa Amaral.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Gualberto de Sá Carneiro.
Luiz José de Fina Guimarãis.
Pedro Augusto Pinto da Fonseca Botelho Neves.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vasco Borges.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Abílio Augusto Valdez de Passos e Sousa.
Alexandre de Quental Calheiros Veloso.
Alfredo Delesque dos Santos Sintra.
António Hintze Ribeiro.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
João Botto de Carvalho.
João Garcia Pereira.
Joaquim de Moura Relvas.
José Alçada Guimarãis.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luiz Augusto de Campos Metrass Moreira de Almeida.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 5 minutos.
Procedeu-se à chamada.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 62 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 13 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário da última sessão.
O Sr. Antunes Guimarãis: - Sr. Presidente: desejo fazer as seguintes alterações: a p. 270, col. 2.ª, 1. 69, onde se diz: «fica», deve ler-se: «fique»; na mesma página, mesma coluna, 1. 70, onde se diz: «compete», deve ler-se: «compita»; a p. 271, col. 1.ª, 1.13, devem acrescentar-se à palavra «aquisição» as palavras «de aparelhagem».
O Sr. Carlos Mantero: - Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer as seguintes alterações ao Diário: a p. 271, col. 2.ª, 1. 19, onde se diz: «para», deve ler-se «por»; na mesma página, mesma coluna, 1. 23-25, onde se diz: «Contudo... problema», deve ler-se: «Venho por isso falar-vos com a consciência de não lhes vir dizer nada de novo»; na mesma página, mesma coluna, 1. 34, deve suprimir-se a palavra «uma»; na mesma página, mesma coluna, 1. 39, onde se diz: «não sabendo», deve ler-se: «portanto não sabem»; na mesma página, mesma coluna, 1. 42, deve suprimir-se a palavra «ainda»; a p. 272, col. 1.ª, 1. 23, deve suprimir-se a palavra «a»; na mesma página, mesma coluna, 1. 40, onde se diz: «No entanto», deve ler-se: «Entretanto»; na mesma página, col. 2.ª, 1. 33, onde se diz: «serem orientados pelas ideas são eles que deturpam», deve ler-se: «ser orientada pelas ideas é ela que deturpa»; na mesma página, mesma coluna, 1. 34, onde se diz: «destroem», deve ler-se: «destrói»; na p. 275, col. 2.ª, 1. 6, onde se diz: «de», deve ler-se: «da»; na mesma página, mesma coluna, 1. 17, onde se diz: «do poder», deve ler-se: «de poderes»; ha mesma página, mesma coluna, 1. 35-37, onde se diz: «e os grémios facultativos, tal como os grémios obrigatórios, são orientados economicamente pelos Ministérios», deve ler-se: «e, quanto à orientação económica, dos Ministérios».
O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer as seguintes alterações ao Diário: a p. 278, col. 1.ª, 1. 6, onde se diz: «indústrias modernas», deve ler-se «indústrias de guerra»; na mesma página, mesma coluna, 1.23, onde se diz: «índice», deve ler-se: «excesso»; a p. 279, col. 1.ª, 1. 59, onde se lê: «queiram, arrastarão», deve ler-se: «decaiam, arrastam»; a p. 280, col. 1.ª, 1. 18, onde se diz: «princípios», deve ler-se: «principais»; na mesma página, col. 2.ª, 1. 24, onde se diz: «de representantes dos», deve ler-se: «dava representação aos».
O Sr. Presidente: - Considera-se aprovado o Diário com as alterações apresentadas. Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Moreira.
O Sr. Carlos Moreira: - Sr. Presidente: ocorre no dia de hoje mais um aniversário do movimento revolucionário de 7 de Fevereiro contra a Ditadura Militar, cuja eclosão no Porto se dera quatro dia antes.
Tanto no norte como no sul, os elementos leais da força armada, decididamente dirigidos pelo ilustre Ministro da Guerra de então e actual membro desta Assemblea, Sr. coronel Passos e Sousa, actuaram enérgica e vitoriosamente na sufocação das revoltas, que, pela extensão do movimento e forças acumuladas, fizeram crer a muitos no regresso a um passado ainda próximo, com as consequências esperadas.
Os que viveram essas horas, especialmente os que à revolução do exército vinham dando o seu concurso, militares como civis, puderam, sem perder a fé, sentir a gravidade do momento que ameaçava subverter as ânsias de resgate que o movimento de 28 de Maio principiara a tornar realidade.
Hoje, que a Revolução assenta na firmeza de um regime que se impôs à Nação, seguro nas mãos dos grandes chefes que o dirigem e orientam e aceite com entusiasmo não só pêlos que o ajudaram a erguer, mas também pelos que sincera e convictamente o abraçaram, merecem ser lembrados, em homenagem e saudade, os que vivem ainda e aqueles que nêsses dias tombaram em defesa da Revolução Nacional, que o mesmo é do prestígio e engrandecimento da Pátria!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Camarate de Campos: - Sr. Presidente: desejo tratar oportunamente, em aviso prévio, do funciona-
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mento dos julgados municipais e da vantagem ou inconveniência da sua manutenção.
De todos os lados me chegam informações sôbre o assunto, possivelmente verdadeiras; mas, porque podem estar feridas de paixão ou de interêsses, eu entendo que não devo tratar da questão sem previamente estar habilitado a fazê-lo, para não basear as minhas considerações em informações vagas ou imprecisas.
Nestas condições e nesta ordem de ideas requeiro que pelo Ministério da Justiça me sejam fornecidos os seguintes elementos:
a) Nota dos processos distribuídos, nos anos de 1936 e 1937, em todos os julgados (municipais, cíveis, comerciais, criminais e orfanológicos);
b) Nota discriminada dos emolumentos contados aos vários funcionários, em todos os julgados e com referência aos mesmos anos.
Assemblea Nacional, 7 de Fevereiro de 1939.- O Deputado João Xavier Camarote de Campos.
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa informações que tinham sido pedidas pelos Srs. Deputados Mário de Figueiredo. Pires de Lima, Gabriel Teixeira, Garcia Pereira, Carlos Moreira, Álvaro Morna e Abel Varzim.
Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cincinato da Costa.
O Sr. Cincinato da Costa: - Sr. Presidente: as minhas primeiras palavras são dirigidas a V. Ex.ª, a quem apresento as homenagens muito sinceras da minha admiração e respeito.
Não o faço apenas por um simples dever de cortesia; elas traduzem a muita admiração que um dos mais humildes professores da Universidade Técnica tem por um professor ilustre e uma das mais eminentes figuras da nossa primeira Universidade.
Para todos V. Exas. vão, em segundo lugar, as minhas saudações.
Por duas razões eu resolvi pedir a minha inscrição neste debate e subir a esta tribuna. A primeira é porque se disse que um dos clamores levantados contra a organização corporativa se dirigia ao intermediário, àquele que vai buscar os produtos da lavoura para os entregar ao consumo, e a segunda é porque eu mesmo prometi ao Sr. Deputado Pinheiro Tôrres, numa das últimas sessões, procurar elucidar S. Ex.ª e a Assemblea sôbre certas afirmações menos precisas que convém esclarecer.
Eu julgo assim corresponder ao desejo do Sr. Deputado Mário de Figueiredo quando anunciou o seu aviso prévio, dizendo no seu desenvolvimento, claramente, que o clamor e o mal-estar notados eram a expressão de uma atitude que se tomou de boa fé. Quando uma atitude se toma de boa fé, quem a toma ou se engana ou tem razão. Se se engana há o dever de esclarecê-lo, se tem razão há o dever de lhe dar satisfação.
É neste propósito, repito, que eu resolvi pedir a palavra para intervir no debate.
Há determinadas afirmações produzidas nesta Assemblea sôbre a intervenção de uma actividade junto da qual, em nome do Govêrno, eu exerço funções de fiscalização, e penso por isso que posso trazer aqui o meu contributo, procurando esclarecer pontos de dúvida que, tornados públicos, poderiam impressionar o País e manifestamente servir de pretexto para se combater ou dizer mal dos organismos corporativos.
Essa actividade, como V. Exas. sabem, é o Grémio dos Armazenistas de Vinhos, e já o Sr. Deputado Pinheiro Torres, tendo citado determinados números sôbre custos de produção e sôbre preços de venda a retalho, preguntou se seria o Grémio dos Armazenistas que ficava com os lucros que S. Ex.ª apontava.
A resposta é fácil. Quem de perto conhece a organização corporativa do comércio de vinhos comuns responde imediatamente que não pode ser o Grémio dos Armazenistas.
Este Grémio, como qualquer outro, não tem funções comerciais, e por isso não pode ficar com os lucros fantásticos citados pelo Sr. Deputado Pinheiro Tôrres.
Gostaria que qualquer de V. Exas. entrasse no Grémio dos Armazenistas, para ver que aí não há luxo e que os vencimentos dos funcionários não são aqueles que se apontaram. Ao mesmo tempo ver-se-ia que as finalidades do Grémio vão sendo integralmente cumpridas.
Assim, o Grémio tem procurado disciplinar toda a actividade do comércio de vinhos. Quando em 1932, numa primeira tentativa e por sugestão do Conselho Superior de Viticultura, se organizou o Grémio dos Vendedores de Vinho por Grosso, depressa se chegou à conclusão de que não era possível actuar com proveito nessa espécie de comércio. Foram baldados todos os esforços empregados para êsse fim, e quando, no auge da crise, se pensou em dar novo rumo às questões vinícolas no nosso País, foi pelo decreto n.° 24:979, de 28 de Janeiro de 1935, que a Assemblea depois ratificou, criado o Grémio dos Armazenistas de Vinhos.
Êsse decreto honra o .Ministro que o subscreveu e honra todo o Govêrno.
Além da disciplina que o Grémio veio trazer ao negócio de vinhos, ele fixa também condições de venda, ouvidos os organismos respectivos de produção, fiscaliza as imobilizações dos agremiados, realiza por si, com a colaboração de outros organismos corporativos, a propaganda de vinhos e efectua contratos colectivos de trabalho.
Não me cabe a mim certamente dizer a V. Exas. até que ponto se tem ido na disciplina do comércio, nem quero mesmo que alguém me julgue parte suspeita na matéria. No entanto é interessante focar um aspecto que mostra quanto o comércio de vinhos tem colaborado com a produção.
Quando se publicaram os decretos de Janeiro de 1930 supunha-se haver um excedente de produção avaliado em 200:000 pipas sôbre as necessidades do consumo, suposição que pelos números foi absolutamente confirmada.
A actividade organizada corporativamente só por si conseguiu arrecadar cerca de 70:000 pipas obrigatoriamente, verificando-se que nos armazéns dos comerciantes estavam cerca de 100:000 pipas, visto que todos eles têm de possuir sempre uma certa litragem acima da existência mínima obrigatória para assim poderem acudir aos desejos da sua clientela.
A rotação dos stocks tem de ser feita, e verificam-se, desta forma, sempre excedentes de litragem.
Quere dizer: o comércio, só por si, nêsse momento, arrecadou metade daquilo que o Govêrno afirmou ser o excedente da produção.
Devo dizer a V. Exas. que, depois disso, tem sido constante a fiscalização por parte dêsse organismo, constituindo caso único na organização corporativa portuguesa o facto de essa fiscalização actuar sempre independentemente da intervenção que poderiam ter os próprios interessados. A fiscalização é legalmente da exclusiva competência do delegado do Govêrno.
Mas, embora seja constante a fiscalização às existências dos armazéns, há determinados momentos do ano
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em que cessa a verificação parcial, para poder ser conhecida a existência total arrecadada.
Tenho aqui uma nota das três últimas verificações de existências feitas sob o aspecto geral, que vou ler a V. Exas.
[Ver Tabela na Imagem]
Só por si estes números que acabo de citar mostram evidentemente qual tem sido a actividade do comércio de vinhos e quanto essa mesma actividade pode colaborar com os outros sectores igualmente interessados neste problema.
Verifica-se, por outro lado, que o comerciante tem um papel muito maior, pois é êle quem canaliza todas as produções para efeitos de colocação nos mercados.
Mas há mais. É êle quem orienta, até certo ponto, a produção, porque se um produtor pensar em fazer um vinho clarete, por exemplo, sem que as suas características estejam bem definidas, ou que não tenha aceitação no mercado, baldados serão todos os esforços do produtor, visto não ter escoamento para o produto fabricado.
Ao comerciante compete, pelo próprio exercício da sua actividade, comprar vinhos para lotar e obter tipos de consumo, livrando o produtor que os quisesse colocar directamente nos mercados de sérios embaraços, apesar de serem vinhos puros e sãos, por falta desta ou daquela característica legal.
Não ignoram V. Exas. que as condições mesológicas, as castas e até os próprios processos de fabrico não permitem em determinados anos que se possa obter vinhos com o grau alcoólico, acidez fixa e outras características que a lei exige.
Se não houver uma actividade que por função, e função de facto, tenha de recorrer a esses vinhos para os lotar e formar tipos comerciais, vejam V. Exas. o que aconteceria à produção! Fará muitos casos a ruína seria fatal.
De maneira que a actividade do comerciante é de desejar, e chegou-se, de facto, à conclusão de que havia absoluta necessidade de disciplinar e estabelecer determinadas regras ao comércio de vinhos. Foi essa a génese do Grémio dos Armazenistas de Vinhos.
Um outro assunto para que desejo chamar a atenção de V. Exas. é aquele a que chamarei, de uma maneira geral, a colocação dos vinhos na cidade do Pôrto e em especial do vinho verde.
Dentro do Grémio dos Armazenistas de Vinhos, não sei bem explicar porquê, poucos problemas me têm preocupado tanto como este. É natural, portanto, que eu o conheça em todos os seus detalhes e possa responder tanto aos ilustres Deputados que têm usado da palavra, como aos clamores que vêm da região produtora. Verifico pelo que se passa em reuniões, comícios e ainda pelo muito que se tem escrito que há informações mal fundamentadas e que precisam de ser esclarecidas.
O Sr. Pinto da Mota: - Não há miséria no Minho?
O Orador: - É evidente que há; mas querer atribuir aos vinhos verdes a miséria que existe na região de Entre-Douro e Minho acho que é uma afirmação bastante arrojada.
Conheço a região do Minho de lés-a-lés, tenho lá interesses, sei até que ponto se pode valorizar o vinho verde e até que ponto concorrem com o vinho verde muitas cousas que lá há a que se não pode chamar vinho.
O Sr. Augusto Pires de Lima:- V. Ex.ª pode esclarecer-me quais são essas cousas que por lá há e a que se não pode chamar vinho?
O Orador: - Estou disposto a responder a todas as interrupções, porque o meu desejo é esclarecer.
Respondendo ao Sr. Deputado Augusto Pires de Lima, direi que, se outra cousa não bastasse, teria S. Ex.ª uma voz muito mais autorizada do que a minha para lhe dar essa resposta.
No Diário das Sessões de 21 de Fevereiro de 1930 vem publicada uma representação dos sindicatos da Venda do Campo e Margem do Tâmega, na qual, em certa altura, se diz o seguinte:
«Logo que a demarcação da região deu origem à subida de preços, operou-se uma desorientada política de produção, que consistiu em:
1.° Plantação de vinhas novas em bons terrenos de cultura, tais como vessadas, de cepa baixa, em bardos até de quatro arames, pelo que foi necessário adoptar castas apropriadas, não regionais, que estas apenas produzem de enforcado, ou em ramadas;
2.° Plantação de produtores directos, especialmente de Isabela, Jaquez, Selbel e Couderc, predominando as duas primeiramente referidas;
3.° A preocupação de grandes produções, isto é, da quantidade, e o abandono de preocupação da qualidade.
Esta desorientação foi a tal ponto que existem muitos lavradores que já não possuem vinhos verdes, isto é, vinhos produzidos pelas castas regionais, em enforcado e em ramadas, e no entanto colhem dezenas e até centenas de pipas.
E, para sermos justos, necessário se torna afirmar, com coragem e com verdade, que a culpa pertence a todos, sem a mínima excepção».
O Sr. Augusto Pires de Lima: - Mas isso é hoje proibido por lei.
O Orador: - O Sr. Deputado Augusto Pires de Lima afirma que os produtores directos são hoje proibidos por lei, e eu não contesto.
Devo no entanto afirmar, sem receio de desmentido, que em 1937, segundo elementos oficiais, havia ainda nos quatro concelhos da região do vinho verde -Matozinhos, Maia, Valongo e Gondomar -, hoje também afectos ao Grémio dos Armazenistas de Vinhos, cerca de 50 por cento de produtores directos.
O Sr. Augusto Pires de Lima: - E de quem será a responsabilidade da existência desses produtores directos?
O Orador:- Não sei; mas possivelmente os viveiristas não foram inicialmente estranhos à sua expansão.
Quando uma vez o Sr. Ministro da Agricultura resolveu nomear uma comissão de engenheiros agrónomos a fim de estes se pronunciarem sôbre os produtores directos, lembro-me de ter escrito conjuntamente com os meus colegas o seguinte:
«Não é de admitir dentro do País a existência de qualquer zona privilegiada de produtores directos, inclusive da videira Isabela, que também é produtor directo e que por isso mesmo é abrangida pela legislação vigente (vide artigo 3.° do decreto-lei n.° 23:090, de 22 de Fevereiro de 1934).
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Ainda sob o ponto de vista técnico é nosso dever esclarecer que a cultura da videira europeia é absolutamente viável na região litoral, porquanto ela aí se encontra em vários pontos em óptimas condições de produção, sempre que lhes sejam dispensados - como de resto se impõe por toda a parte - os devidos tratamentos culturais».
E sabem V. Exas. o que nos responderam?
Pela voz de vários minhotos e pessoas, julgo eu, bastante autorizadas até, numa representação dirigida ao Sr. Ministro da Agricultura foi dito, contrariamente ao que se diz nos relatórios que precedem os decretos, o seguinte:
«O vinho americano não é «um vinho baixo, desequilibrado, de sabor a ervas, a morango, a framboesa, sem condições de conservação» - como com equívoco se diz no aliás bem elaborado relatório que precede os decretos: houve, para o dizer, má informação. O vinho americano é por vezes de graduação e equilíbrio maiores do que o vinho da região; o seu sabor é bom; faz até melhor estômago do que o da região; está até a ser aconselhado por médicos a doentes a quem é proibido o uso do vinho da região; conserva-se bem, tanto e melhor que este. O vinho americano é até o vinho para doentes: pela sua leveza, pelo pouco álcool que tem, pelo pouco ácido volátil, por falta quási absoluta de extracto seco, por ser, ornam, muito digestivo e diurético. É mais do que vinho para pobres».
O Sr. Cancela de Abreu: - Eu pedia a V. Ex.ª o favor de não ler isso, porque pode ser ouvido no Brasil...
O Orador: - Não me dispenso, contudo, de ler mais um pouco:
Faz-se até com a uva americana, em lagar de bica aberta, um delicioso vinho tinto ou branco, de que poucos conhecerão a origem: e com tanta graduação, que já houve quem lhe chamasse vinho eléctrico porque é trepador e perturba o mais habituado a beber».
O Sr. Augusto Pires de Lima: - Eu permito-me discordar de V. Ex.ª Não quero responsabilizar a região por causa disso.
O Sr. Braga da Cruz: - V. Ex.ª dá-me licença? Não é o Ministério da Agricultura que tem a culpa de haver vinhos americanos na região, porque mais de uma vez o Ministério da Agricultura tomou providências no sentido de esse estado de cousas desaparecer, do que resultou levantar-se uma grande celeuma.
O Sr. Pinto da Mota: - A questão é dos preços. O resto é tudo de carácter técnico. Vê-se mesmo que V. Ex.ª pertence a uma dinastia de pessoas competentíssimas - é de justiça dizê-lo. Mas a verdade é que o nosso problema é de ordem económica.
O Orador: - Eu sei que o que interessa a V. Exas. é a questão do consumo.
O Sr. Pinto da Mota: - Ao País! Ao País!
O Orador: - Para se chegar aos preços ó necessário historiar um pouco o que se passa com a região dos vinhos verdes.
A região dos vinhos verdes começa a ter a sua organização, de facto, em Dezembro de 1926, reformando-se o estatuto inicial em Abril de 1929. Passados poucos anos, outros sectores vinícolas começaram também a ser organizados.
Foi só em fins de 1932 que se começou a pensar a sério na organização vinícola, criando-se então organizações sindicais. Depois criava-se a Federação dos Vinicultores, olhando todos à repartição ou, melhor, à comunhão de interesses, e ao mesmo tempo organizavam-se as regiões demarcadas de Bucelas, Carcavelos e Moscatel de Setúbal; poucos meses depois organizavam-se a Adega Regional de Colares e a Adega do Dão, tudo já sob a forma corporativa. Simultaneamente à primeira destas organizações criava-se no Porto o Grémio dos Exportadores do Vinho do Porto e, como cúpula e com funções de coordenação económica, o Instituto do Vinho do Porto.
Verificamos assim que todo o País se encontrava organizado corporativamente, excepto a região dos vinhos verdes. É essa região também onde mais clamores existem e a única, como disse, que se não encontra organizada corporativamente.
O Sr. Augusto Pires de Lima (interrompendo): - E de quem é a responsabilidade?
O Orador: - Eu não sei. Devo todavia fazer justiça a quem a merece. O relatório da comissão dos vinhos verdes lançou as bases para a respectiva organização, mas o que é certo é que essa região ainda se não encontra organizada corporativamente e assim se chegou até este momento, havendo apenas uma única região do País nessas condições. Todavia, essa é a região em que há mais protestos e clamores, sendo também certo que várias reuniões que aí se efectuaram permitiam supor que ela se organizasse corporativamente.
O Sr. Pinto da Mota (interrompendo): - Permita-me V. Ex.ª que lhe diga que a região dos vinhos verdes não era qualquer cousa inorgânica, era uma região demarcada.
O Orador: - Eu entendo que a demarcação de regiões de vinhos comuns tem de ser uma demarcação a título provisório. Entretanto, cabe aos interessados procurar a devida solução para os seus males e para a defesa dos vinhos típicos.
Apoiados.
O Sr. Pinto da Mota: - Mas isso que V. Ex.ª diz não é corporativismo ...
O Orador: - É o verdadeiro corporativismo.
Vamos agora ver outro ponto, o da produção e preços.
Pelas estatísticas que possuímos relativamente aos anos de 1929 a 1938, o resultado da nossa produção vinícola total passou a ser qualquer cousa de desconcertante. Em 1934 atingiu-se a maior produção destes últimos trinta anos e em 1938 chegamos com uma produção semelhante, embora ainda não rectificada.
Quanto aos vinhos verdes -possuo apenas números desde 1927, pois que a primeira comissão de viticultura organizou-se em 1926 -, a média anual de produção, de 1927 a 1933, foi de 168:870 pipas, com dois extremos, sendo um em 1933, de 274:767 pipas, e outro em 1928, de 28:432 pipas.
Em 1934 a região dos vinhos verdes não fez excepção à regra geral, e deu 339:287 pipas.
Devo dizer a V. Exas. que atrás de todos estes números estão documentos oficiais.
Em 1936 temos uma produção mais ou menos igual à média citada; a produção de vinhos verdes volta a subir, e em 1938 atinge 371:813 pipas, número este sujeito a rectificação, certamente para mais.
É interessante notar que em 1934 a produção dobrou a média dos anos anteriores, sendo uma colheita que se
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seguiu a uma outra bastante superior à média (1933), ao mesmo tempo que se verificava a maior produção de americano (155:563 pipas).
O que desejo, afinal, é concluir que se a uma colheita normal, como tem sido considerada a de 1929, correspondeu o preço de 500$ a pipa, à colheita de 1937 deveria corresponder, em 1938, o preço de 300$, e raciocinando identicamente em relação aos vinhos de 1930, vendidos a 550$, se obterá para os mesmos vinhos de 1937 o preço de 304$.
Ora o preço médio verificado em 1938, correspondente a vinhos de 1937, foi de 289$, devendo observar-se que neste último ano ainda se manifestaram 06:305 pipas de vinho americano.
Evidentemente que se nós, produtores, temos uma produção maior, contentamo-nos com menor preço, e quando temos uma produção menor, exigimos mais preço.
Portanto, o mal ó sempre do vinho americano. Quere dizer, é o vinho americano que está fazendo mal ao vinho verde.
Eu digo a V. Exas. que a grande ofensiva contra o Grémio dos Armazenistas de Vinhos reside neste facto: é que êle exercia repressão feroz contra a venda de vinho americano na área da sua intervenção.
Se V. Exas. tiverem as produções de um lado e os preços médios de outro chegam a qualquer cousa como esta: a média de onze anos da produção total dos vinhos verdes dá, para a região, 94:000 contos.
A colheita de 1938 para esse total poderia ser vendida a 252$, preço médio, por pipa.
E em relação à média de 1929 e 1930 obter-se-ia um número aproximado de 280$ por pipa. De maneira que o principal factor que provoca a baixa deste preço é indubitavelmente o excesso da produção na região.
Se formos ver o preço médio da produção de 1938 encontraremos que os preços mais baixos foram verificados em Julho e Agosto, 258$ e 253$, preço médio, por pipa.
Quando aqui se afirmou que foram vendidos vinhos à razão de 150$ preguntei se isso não seria um preço mínimo, pois também tinha conhecimento desse facto. Mas uma cousa é preço mínimo normal, outra cousa é preço mínimo de aflição.
Quando a Comissão de Viticultura nos diz que sobram 36:000 pipas da colheita de 1937, eu pregunto: onde é que o lavrador ia pôr o vinho novo, em vésperas do seu fabrico, tendo ainda as adegas cheias? Naturalmente fizeram-se então vendas a 160$, 170$ e 180$.
Outro ponto a que S. Ex.ª se referiu: o custo da produção.
É dos problemas mais difíceis a encarar na região.
Não se trata de preços de cultura absolutamente idênticos.
Trata-se de uma região onde na sua grande parte a cultura da vinha se faz à volta dos campos, cobrindo quinteiros, bordejando caminhos e até, por vezes, com aspectos ornamentais e em ramadas.
Procurei documentar-me, e tam depressa encontro 409-S e 419$ por pipa como encontro 150$, 130$ e 120$. O que não podemos é escudar-nos num preço mínimo e dizer: "o vinho custa este preço e vende-se por tanto".
V. Exas. sabem que evidentemente há uns anos de produção maior, que dão para os outros. O que interessa é ver no prazo de X anos e não em cada ano só.
Num inquérito feito pela Universidade Técnica de Lisboa e mandado realizar pelo professor Lima Bastos cita-se um caso da autoria do engenheiro agrónomo Augusto Ruela, que todos conhecem como sendo uma autoridade em questões de vinho verde, em que um lavrador com quatro anos de produção média de 6:706 litros teve despesas anuais de 2.000$.
Se nós chegássemos à conclusão de que estávamos a produzir a 150$ quando o vinho nos custava 300$, então teríamos de destruir os nossos vinhedos e tratar de outra cousa.
Eu tenho, por exemplo, preços de cultura de trezentos e tantos escudos, mas é preciso contar aqui com as despesas de lagar, rendas das terras, etc.
Agora outro ponto:
Pode uma pipa de vinho verde custar 250$ na produção e ser vendida a 600$ no retalho sem haver especulação? Eu direi: pode e é normal em muitos casos.
Como V. Exas. sabem, é obrigatório pelo consumo que existe na área da delegação afecta ao Grémio na cidade do Porto dar-se escoamento a 30 por cento do vinho do Douro.
A lei prevê que pode essa percentagem ir até 30 por cento. Devo dizer que a fiscalização desse movimento não competia inicialmente ao Grémio dos Armazenistas. Estava criada uma comissão, dirigida por uma pessoa absolutamente estranha ao comércio de vinhos, a chamada Comissão de Abastecimento de Vinhos à cidade do Pôrto.
Por ter funções que bem poderiam ser desempenhadas pelo Grémio, depois que êste foi criado, pensou-se e conseguiu-se integrar por completo aquela Comissão no mesmo Grémio, o que trouxe imediatos benefícios que importa registar: simplicidade de formalidades, extinção de uma taxa de $00(5) por litro, etc.
Apoiados.
Foi só depois disso que o Grémio dos Armazenistas de Vinhos passou a exercer a sua acção sôbre o abastecimento do mercado do Porto.
(Trocam-se vários àpartes entre o Sr. Dr. Mário de Figueiredo e o orador).
O Grémio, por um decreto saído em 1936, o n.° 27:002, ficou com competência para essa percentagem não ser só restrita à cidade do Pôrto, mas ser extensiva a toda a área. Surgiram complicações, e de um estudo que se fez verificou-se que é de cerca de 98 por cento a litragem consumida na cidade do Porto, vila de Matozinhos e entreposto de Gaia, não valendo a pena considerar toda a área do Grémio para efeitos da distribuição da percentagem do Douro.
Apenas se consideram os centros consumidores referidos para facilitar a produção e escoamento dos vinhos verdes.
Dito isto, vou citar a V. Exas. como faço as contas, as quais ficam à disposição da Assemblea.
O vinho verde cota-se a $50 por litro e o vinho do Douro a $86 por litro. Como esta distribuição se faz à base do consumo, nós temos que ver que cada 500 litros de vinho tem dentro de si 30 por cento de vinho do Douro e 70 por cento de vinho verde. E, portanto, temos:
Custo do vinho verde e do Douro, na percentagem respectiva de 70 e 30 por cento, posto no armazém dentro da área do Porto e no retalhista
Litros
Vinho verde 350
Vinho do Douro 150
500
350 litros de vinho verde, a $50 ...... 175$00
150 litros de vinho do Douro, a $86 .... 129$00
Transporte até ao armazém, a $08 ..... 40$00
Carrêto ao retalhista, a $03 ........ 15$00
Retôrno da vasilha vazia, a $00(5) ..... 2$50
Contribuição ao Estado (conforme cálculo 1938) 6$00
Imposto camarário (com selos incluídos) . . . 30$15
A transportar 397$65
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Transporte. ..... 397$65
Taxa ao Grémio, a $01 ........ 5$00
Análise de vinho verde (Comissão de Viticultura) 10$50
Despesas de armazém:
Rendas, licenças camarárias, ordenados, água e luz,
força motriz, seguros, tanoaria, produtos
enológicos, utensilagem, caixa sindical, derrames,
etc.: em média $510 por litro . . 50$00
O lucro do armazenista (vendendo o vinho a 1$5 o litro)
será .............. 36$85
500$00
Lucro do retalhista, a $20 o litro ...... 100$00
Venda ao público a 1-520 o litro ...... 600$00
Conclusão. - Lucro por litro:
Do armazenista. ....... ($07(3)
Do retalhista. ........ $20
Nota.- No caso do vinho do sul destinado ao Pôrto aumenta um pouco o frete, só se lhe dando preferência, em igualdade de preço, por causa da sua maior graduação.
Isto soma 304$ de custo na origem dos dois vinhos, embora não se devam misturar. Se fôsse só vinho verde, ele custaria 2005; há pois um acréscimo de 54$, e não 80$, como aqui se afirmou.
É fácil amanhã arranjar um preço de $30 para o vinho verde... e conseguir diferenças maiores ...
O Sr. António Pinheiro Tôrres: - V. Ex.ª dá-me licença? ...
Essas informações foram colhidas numa publicação, por assim dizer, oficial, que é da Câmara Municipal de Famalicão.
O Orador: - Não conheço essa publicação, mas digo a V. Ex.ª como essas contas têm sido feitas e, conseqüentemente, como induzem em erro.
V. Ex.ª tem essas contas assim:
Para 525 litros de vinho verde são precisos 200 e tal de vinho do Douro, e depois há um aumento de 80$, mas essa quantia incide sobre a soma da litragem, e não sobre 500 litros, como se pretende.
O Sr. Carlos Borges: - Faz-se o cálculo à mistura dos vinhos.
O Orador: - Evidentemente. Depois disso, eu disse outro dia a V. Exas., há despesas de transportes, que sempre existiram e que são as que ficaram anotadas. Há também o imposto camarário.
E reparem V. Exas. que protesta a região dos vinhos verdes contra este imposto camarário, mas não protesta contra o imposto camarário cobrado por 68 por cento das câmaras da região, que é de 254 por pipa consumida dentro da própria região. E se nós considerarmos que o consumo da região dos vinhos verdes é de 134:000 pipas anuais e se considerarmos que a capitação por ano dentro da região é de 44 litros, nós chegamos à conclusão de que dentro da região se podia consumir muito mais vinho verde e, portanto, solucionar ou, pelo menos, atenuar a crise, tanto mais que a capitação média de todo o País é de 88 litros.
O Sr. Augusto Pires de Lima: - V. Ex.ª dá-me licença?...
É que há aí um pequeno equívoco: é que entram na área dos vinhos verdes também vinhos do sul.
O Orador: - Agora já não, exceptuados aqueles que se destinam aos concelhos limítrofes, o que de resto a lei prevê.
O Sr. Augusto Pires de Lima: - Depois V. Ex.ª sabe muito bem que foi sempre o Porto o principal consumidor de vinho verde.
O Orador: - Já lá vou.
O Sr. Presidente: - Chamo a atenção de V. Ex.ª Nós temos seguido com o maior interesse as suas considerações ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente:- ... mas peço a V. Ex.ª a fim de que se cumpra o Regimento, que restrinja as suas considerações.
O Sr. Carlos Borges: - Há que descontar o tempo das interrupções.
Risos.
O Orador: - Eu vou restringir as minhas considerações.
Vem a seguir a análise devida à Comissão de Viticultura.
É claro que, neste caso, tive o cuidado de fazer os cálculos em relação aos 350 litros, mas se V. Exas. quiserem eu desconto ou reduzo a importância a 3$26, que foi a média cobrada, por pipa, em 1937, pela mesma Comissão.
Mas há outras despesas: seguro, tanoaria, produtos enológicos, etc., computadas em $10 por litro, o que não é demais.
Qual é o lucro para o Grémio dos Armazenistas de Vinhos? $01 por litro; é com esta taxa que o Grémio vive.
Soma tudo isto 463$. O lucro do armazenista, vendendo-se o vinho a 1$, dá 500$. O retalhista não dispensa os $20 por litro, o que dá 600$.
E aqui têm V. Exas. a explicação do caso.
O Sr. Pinto da Mota: - O lavrador é que não tem culpa disso!
O Sr. Cancela de Abreu: - Qual é a culpa da organização corporativa nessa matéria?
O Orador: - Nenhuma, a menos que se pretenda vender o vinho ao preço do custo ou fomentar as falsificações, para nestas se encontrar o lucro.
A respeito dos vinhos verdes, eu devo dizer a V. Exas. o seguinte: na cidade do Pôrto, de 1927 a 1934, o consumo de vinho verde somou, no total, 30.803:526 litros, o que dá, média anual. 3.850:440 litros. (Estes números constam do relatório de 1935 da Comissão de Vinicultura da Região dos Vinhos Verdes).
Ora eu devo dizer que no ano de 1936, já no tempo da intervenção do Grémio, a entrada do vinho verde no Porto somou 6.012:543 litros, isto é, perto do dobro do consumo normal; em 1937 essas entradas elevaram-se a 7.411:364 litros e em 1938, em que incidiu sôbre o vinho a taxa de $05 para a Junta, contrariamente ao que sucedeu nos anos anteriores, esse número subiu para 13.320:750 litros.
Quere dizer, só em 1938 entrou tanto vinho verde no Pôrto como nos dois anos de 1936 e 1937.
Isto representa, de 1936 para cá, um aumento de consumo na cidade do Pôrto, em vinho verde, que passa de 11,6 por cento para 20,23 por cento em 1937 e
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para 26,41 por cento em 1938. Creio que não se pode dizer que êsse consumo deminuiu por reflexo da organização corporativa ...
O Sr. Mário de Figueiredo: - O facto de, precisamente, se sentir uma enorme subida no consumo de vinho verde no Porto, depois de ser possível fazer uma fiscalização rigorosa, não significa que os dados que estão para trás não mereçam realmente ser considerados?
O Orador: - Eu digo que não significa. V. Ex.ª não me deixou acabar as minhas considerações.
Nós verificamos que em 1935 entraram no Pôrto 18.218:740 litros de vinho verde; e entraram porque a região dos vinhos verdes não estava submetida às mesmas prescrições exigidas para os outros vinhos.
Nós verificamos que o consumo do centro e sul nestes anos todos anda à volta de 6 milhões de litros por ano. Durante uns anos nas nossas estatísticas o Dão estava incluído no centro e sul, mas agora está separado.
A verificamos, portanto, que a única região que aumentou foi a dos vinhos verdes.
Dizem V. Ex.ª que é uma questão de preço, mas com isso nada tem que ver o Grémio dos Armazenistas de Vinhos.
Sòmente, o Grémio dos Armazenistas de Vinhos já pediu em tempos que se estabelecesse uma justa comunhão de interêsses para tratar dêste assunto.
Diz-se num dos seus relatórios:
«Por isso o Grémio desde o início da sua actividade tem defendido a conveniência de os preços serem fixados desde a produção até à venda ao público. Nem doutra forma é possível fixar preços justos e disciplinar devidamente a concorrências.
E com estas considerações, Sr. Presidente, tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi multo cumprimentado.
O Sr. Diniz da Fonseca: - Sr. Presidente: peço licença para iniciar as minhas ligeiras considerações felicitando o ilustre Deputado Sr. Dr. Mário de Figueiredo pela oportunidade da apresentação dêste aviso prévio.
Em meu entender, desde que uma onda de impopularidade e de animadversão se formara no País contra um sistema fundamental na orgânica do Estado, esta Assemblea nem podia desconhecê-la nem alhear-se dela; antes devia considerá-la demoradamente. E porquê? O artigo 22.° da Constituição diz que «a opinião pública é elemento fundamental da política e administração do País, incumbindo ao Estado defendê-la de todos os factores que a desorientam contra a verdade, a justiça, a boa administração e o bem comum».
Se incumbe ao Estado, incumbe naturalmente a todos os seus órgãos e de uma maneira especial, creio eu, à Assemblea política, visto que é aqui que a opinião pública se deve transformar em opinião política, ou para chamar a atenção do Governo, ou para defender a opinião esclarecida do País daqueles que pretendam porventura desorientá-la.
Creio mesmo, Sr. Presidente, que essa onda de impopularidade não era apenas contra o Govêrno ou não se dirigia «penas ao Governo, mas a todos nós, que nesta Assemblea política somos representantes da Nação e fazemos parte do Estado.
O Sr. Pinto da Mota (em aparte): - Tam legitimamente como todos os outros.
O Orador: - Creio, pois, que esta Assemblea devia considerar o assunto e fazê-lo pela forma como o tem feito até aqui: com serenidade, com clareza e com independência.
Oxalá, Sr. Presidente, eu possa contribuir para que o assunto continue a ser tratado com estas características.
Tem-se dito já que as críticas visam a organização, a execução e o funcionamento do sistema; e creio que elas visarão a própria orientação do sistema, porque se uns afirmam que os princípios são bons e que os resultados são maus a culpa é dos homens, outros haverá que digam que os princípios se definem pelos resultados e que se os resultados são maus é porque os princípios não são bons.
Mais uma razão para que o problema se esclareça devidamente.
Poderão ainda outros dizer: mas quais são os princípios que orientam o sistema corporativo português? Sob o rótulo corporativo figuram hoje várias doutrinas e até mais de uma experiência política.
Porventura os maus resultados provirão da própria flutuação ou indecisão na aplicação dos princípios que têm orientado a organização até hoje?
Pus a mim próprio estas preguntas e vou dar desde já conhecimento à Assemblea das conclusões a que cheguei, para em seguida expor os raciocínios que me conduziram até elas.
A minha conclusão foi esta: que os clamores da opinião pública têm, em grande parte, fundamento sério; que a razão lhe foi reconhecida também em parte já pelo próprio Govêrno; que as culpas dos desvios ou quebras que, porventura, tenha -havido se devem atribuir, por um lado, às circunstâncias em que a organização foi forçada a caminhar no lugar e no tempo, por outro lado, à insuficiência cios homens e, em terceiro lugar ainda, à imprecisão ou flutuação dos princípios a que aludi.
A Constituição prevê duas funções do Estado no domínio económico, que frequentemente temos visto confundidas: a função de intervenção no domínio económico para regular e coordenar a vida económica e social e a função promotora da organização corporativa.
A primeira encontramo-la no artigo 31.° da Constituição, que diz que o Estado tem o direito e a obrigação de coordenar e regular superiormente a vida económica e social.
A segunda no artigo 34.°, onde diz que o Estado promoverá a formação e desenvolvimento da economia nacional corporativa.
No artigo 16.° da Constituição se diz ainda que incumbe ao Estado autorizar, promover e auxiliar a formação dos organismos corporativos.
São pois duas funções inteiramente diferentes: a intervenção do Estado no domínio económico para regularizar e coordenar e a intervenção para fomentar e auxiliar a organização corporativa.
A confusão entre estas duas funções, quer doutrinal quer prática, pode levar a não ser possível fazer uma crítica nem uma defesa procedentes da organização corporativa. E que precisamente a distinção destas duas funções do Estado interessa, a meu ver, a essência doutrinal do nosso sistema corporativo.
Como V. Ex.ª sabem, nas velhas constituições esta função da intervenção no domínio económico não existia. Considerava-se, pelo contrário, que a não intervenção era a boa posição do Estado em face do domínio económico.
Ainda hoje os chamados regimes liberais sustentam a não intervenção neste domínio pela mesma razão que sustentam a não intervenção no domínio internacional quando corre o sangue alheio.
Simplesmente a intervenção no domínio económico é hoje realizada por todos os governos e em todas as
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formas de economia. Todos os Estados intervêm hoje neste domínio. Portanto a intervenção no domínio económico não tem uma característica essencialmente corporativa. Pode fazer-se uma intervenção no domínio económico sem nenhum sentido corporativo, e até se pode intervir na vida económica no sentido, por exemplo, colectivista, defendendo-se que o trabalho é o único factor da produção.
Pode fazer-se a intervenção no sentido da defesa do capital como factor privilegiado, no sentido de que o rendimento deve ser o fim único da produção, e neste caso a intervenção do Estado será no sentido capitalista ou neo-capitalista e não no sentido corporativista.
Pode o Estado intervir para defender acima de tudo o seu próprio poderio, e nesse caso em sentido socialista ou de corporativismo do Estado. Neste a actividade corporativa considera-se função do Estado e os órgãos corporativos, ou como tal rotulados, são considerados órgãos do Estado.
Mas a Constituição portuguesa marca à função da intervenção do Estado um sentido diverso de todos estes, um sentido corporativo que não pode colidir com a outra função de promover e auxiliar a formação dos organismos corporativos. Quando a Constituição incumbe o Estado de autorizar, promover e auxiliar a formação dêsses organismos reconhece implicitamente que esses organismos provêm de uma força social própria, de uma espécie de soberania social diferente da soberania política do Estado, e que este reconhece e respeita.
Assim como o Estado reconhece a autarquia local no domínio administrativo, assim deve respeitar a autarquia da função económica, representada pelas actividades produtoras no seio da sociedade, e cuja organização promove e jurisdicionaliza, ou eleva a instituição, como outros preferem dizer.
Tal é o sentido da função promotora da organização corporativa atribuída pela Constituição ao Estado português.
Neste sentido corporativo, o Estado deverá ainda promover que as actividades económicas e as corporações era que se enquadram evitem a concorrência desregrada entre elas se estabeleçam as relações entre o capital e o trabalho a justa repartição do valor do produto entre todos os factores da produção.
Como disse a V. Ex.ª, Sr. Presidente, não é o mesmo o sentido corporativo de uma experiência que vise um corporativismo do Estado e em que a função de intervenção e a de promoção se confundem.
Em Dezemhro de 1929 a Itália concluía a sua experiência corporativa; por uma lei publicada em 7 de Dezembro último transformou a velha Câmara dos Deputados em Câmara dos Fáscios e das Corporações. Pois no relatório dessa lei se declara que actividade corporativa, é uma verdadeira função do Estado exercida por órgãos do Estado.
Diverso, muito diverso, do corporativismo italiano é portanto o sistema e o sentido corporativo português preceituado na Constituição.
No mesmo mês de Novembro em que a lei italiana foi apresentada ao Parlamento tinha o Governo português publicado o decreto n.° 29:110, que reorganizou a nossa Câmara Corporativa, e no relatório dêste decreto, ao contrário do da lei italiana, é feita, uma ratificação do sentido corporativo do sistema português em harmonia com o que acabei de expor. Nesse relatório se declara o carácter provisório dos organismos de coordenação económica e a necessidade de caminhar para as corporações com função económica autónoma, futuras colaboradoras da própria função coordenadora e reguladora do Estado no domínio económico.
Ora neste período experimental da organização corporativa como têm sido exercidas as funções de intervenção e de promoção corporativa?
Para podermos fazer uma crítica ou uma defesa que nos habilite a responder convém ainda ter presente aquilo a que eu chamarei a carta económico-social do Portugal.
Um escritor francês. Paul Descamps, publicou há pouco um estudo com elementos que podem habilitar-nos a conhecer as linhas gerais dessa carta.
Segundo ela, quais são as fontes fundamentais da nossa riqueza?
Fundamentalmente três: lavoura, pastorícia e pesca, a que nós poderemos chamar a lavoura do mar.
São estas três grandes actividades que fornecem as subsistências; que fornecem as matérias primas às nossas indústrias transformadoras e exportadoras; são elas finalmente que constituem o grande mercado de consumo para os produtos industriais.
Que forma de exploração mantém essas fonte de riqueza?
Sobretudo duas: a pequena exploração agrícola, de cardo ter familiar, e a exploração artesanada, que domina na pesca.
Porque assim, somos considerados, sob o critério capitalista, um país atracado.
Não somos uma grande industrialização; não temos grande, motorização; não temos muitas sociedades anónimas na indústria agrícola.
Pois, após o começo da experiência corporativa, parece ter-se apoderado de nós algumas das místicas falidas do capitalismo: o industrialismo, a motorização, um excesso de mercantilismo.
A grande indústria e o comércio dir-se-iam protegidos pela intervenção do Estado no domínio económico, com prejuízo ou risco das formas tradicionais que existiam nestas actividades: a pequena exploração agrícola e o artesanato.
Quando todos os escritores que lá fora se ocupam de tais assuntos estão atentos aos males do excesso da industrialização, do excesso de capitalismo anónimo, nós, que tínhamos condições sociais e económicas para caminharmos no sentido corporativista. mais perfeito, preferimos, por uma política económica de imediato, favorecer as actividades industrializadas e motorizadas de preferência às pequenas explorações.
Creio, pois, ter havido na política de intervenção no domínio económico uma certa indecisão ou desvio do verdadeiro sentido corporativo.
Um exemplo apenas, porque não posso demorar-me nesta primeira parte das aninhas considerações: Na lavoura do mar, na pesca, qual é a nossa posição? Qual é a tendência depois que o Estado começou a intervir mais directamente no domínio económico desta actividade?
Tenho ouvido, durante o decurso dêste debate, aludir ao valor das nossas indústrias da pesca do bacalhau e das conservas.
Elas foram realmente protegidas, procurando nós desenvolver ao máximo a pesca do bacalhau, e desenvolver, também ao máximo, a nossa indústria de conservas de exportação. Por conseguinte temos esta posição: pescamos na costa, próximo de nós, peixe fresco para meter em latas e mandar lá para fora, e vamos pescar ao longe peixe para depois salgar e distribuirmos às nossas populações.
Parece, Sr. Presidente, que, em vez destas duas indústrias serem indústrias fundamentais, deveriam ser, antes actividades subsidiárias, suplementares, e que o peixe salgado devia ser substituído por peixe fresco.
Num país como o nosso, que, com os meios de comunicação modernos, podia estar em todos os seus pontos,
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a quatro ou cinco horas, o máximo, de qualquer porto de pesca, parece que toda a orientação económica nesta matéria deveria, ser para a substituição do peixe salgado por peixe fresco. É esta a política que faz a Noruega: pesca bacalhau salgado para nos vender a nós e às populações que ela pensa serem inferiores, mas, para si, abastece-se de peixe fresco.
Nós estamos intensificando uma indústria que luta com dificuldades: uma, de colocação, lá fora, dos seus produtos; outra, a falta de matéria prima, porque os meios motorizados de que ela se serve estão extinguindo os grandes viveiros de peixe das nossas costas. Lá fora já se reconheceu que certas formas motorizadas inutilizam os viveiros de peixe. Estamos, pois, acabando com uma riqueza extraordinária, que levará essa indústria, a das conservas, a definhar cada vez mais.
Por outro lado, mós estamos intensificando, por uma forma de empresas capitalistas, a pesca do bacalhau lá longe, acabando com a vida forte dos nossos pescadores, proletarizando-os e obrigando-os a uma dispersão familiar, visto que são obrigados a estar durante mais de metade do ano separados das suas famílias.
Parece, portanto, que o interesse futuro da economia e o sentido corporativo nos deviam levar a intensificar a, pesca, na costa pela forma tradicional de artesanato, e a favorecê-la pela intensificação do consumo de peixe fresco e abundante, distribuído por todo o País. Mas dir-me-ão: para isso seria necessário que houvesse uma política de transportes diferente e uma rede de estradas inteiramente diversa daquela que existe. Perfeitamente de acordo, mas, mesmo com a actual rede de estradas, muito já se poderia conseguir.
Parece-me, pois, repito, que ai este, como noutros, aspectos, houve uma certa flutuação de princípios, pelo que se refere à intervenção ido Estado na vida económica e social do País.
Mas eu passo agora à segunda, parte, isto é, à incerteza e Mutilação dos princípios no que »e refere propriamente à intervenção do Estado como promotor da organização corporativa.
Disse-se aqui que da intervenção do Estado só resultaram, benefícios, como por exemplo uma maior capacidade e movimento de exportação, que trouxe riqueza ao País.
Simplesmente, eu direi que, não sendo a intervenção de essência corporativa, nós não podemos afirmar que esses benefícios provam a favor da organização corporativa, porque, fosse qual fosse a forma, de economia, êsse alimento de actividade económica se podia dar. Tudo isso são benefícios, que nós devemos atribuir à força política de um listado forte que soube intervir, a tempo e horas, no sentido de disciplinar o mercado.
É evidente o benefício da intervenção, mas isto depõe muito especialmente a favor de um Estado que saiba intervir; que saiba intervir e que tenha capacidade para intervir.
De maneira que neste aspecto não quero negar, antes, pelo contrário, quero reconhecer êsses benefícios.
O que poderia era discutir-se até que ponto a distribuição desses benefícios obedeceu a uma justiça, social de sentido corporativo.
Mas vamos a outra parte das minhas considerações, ou seja à organização do sistema. Sob êste aspecto podemos considerar três fases: a primeira vai de 1933 até 8 de Julho de 1936, ou seja até à publicação do decreto n.º 27:657.
A função de intervenção no domínio da economia e a função promotora da organização corporativa confundiram-se de certo modo no seu exercício.
Foram as circunstâncias que levaram a essa perigosa confusão de funções exercidas pêlos mesmos organismos.
Assim, o decreto n.º 23:049 criou os grémios obrigatórios. Estes grémios obrigatórios poderiam interessar numa organização corporativa do Estado; mas era difícil, mesmo quási impossível, poderem actuar como organismos pre-corporativos, no sentido da autonomia da função exercida pelas actividades económicas previsto na Constituição.
A prática veio demonstrar essa dificuldade. Os grémios e federações eram criações artificiais, que serviam somente como instrumentos da intervenção do Estado.
O decreto n.º 26:707 veio pois ao encontro desta necessidade e a repor de novo os bons princípios, criando os organismos de coordenação económica, cuja natureza era diversa, como se dizia no relatório, da dos organismos corporativos e cuja finalidade era servirem para efectuar a intervenção governativa e para elementos de ligação entre o Estado e a organização corporativa propriamente dita.
Tratava-se pois de organismos com funções oficiais, que não deviam confundir-se com os organismos propriamente corporativos.
Foi a esta posição que o Estado chegou, e muito bem, pelo decreto n.º 26:757.
Pelo decreto n.º 26:757 o Estado rectificou, portanto, a experiência que estava, fazendo. Mas, como o impulso estava dado no sentido de a intervenção do Estado prosseguir de uma fornia activa, sucedeu que os organismos de coordenação económica tomaram uma grande expansão, uma grande actividade, entrando-se na fase dinâmica da organização corporativa. Criou-se, assim uma nova burocracia, completamente diferente do funcionalismo público, uma política, tributária à margem do orçamento, uma jurisdição também diferente das outras jurisdições, e a intensificação desta vida dos organismos de coordenação económica levou a certos exageros de intervenção. Ora é sobretudo a essa intervenção, em alguns casos, exagerada, que nós devemos atribuir a impopularidade que, em algumas regiões do País, se levantou contra a organização corporativa, quando afinal ela era apenas contra a intervenção dos organismos de coordenação económica.
Eu vou pintar a V. Ex.ªs um quadro, não inventando tintas, nem recorrendo à fantasia. Apenas citarei factos reais.
A uma aldeia da província chegou a intervenção de um organismo de coordenação económica. E que é que apresentaram à população dessa, aldeia? Papéis para preencher e novos, encargos para satisfazer. A população não soube preencher os papéis ninguém a ensinou, ninguém a instruiu, nem ninguém lhe disse para que é que serviam esses papéis. Passado algum tempo apareceram os fiscais, e a um condenam porque o azeite tem acidez de mais; a outro dizem que o vinho não é vendável porque não tem o grau alcoólico que o decreto tal manda; este é multado porque tem trigo e não o devia ter, porque não consta do manifesto, como manda o decreto tal: um vizinho é multado porque não tem trigo, quando o devia conservar conforme mandava o decreto tal; um moleiro, que tem um moinho fora do povoado, junto à ribeira, é obrigado a adquirir um jôgo de pesos e uma balança decimal, um jogo de medidas e um caderno para descrever o movimento.
Êle mora fora do povoado e faz a sua vida como é costume naquelas pequenas regiões rurais. Leva o saco da farinha, traz o saco da farinha, tira a sua maquia e pronto. A respeito de medidas dizia um certo dia que só se tinha, servido dos 20 litros, a maior, para dar uma vez ração ao burro.
Outros querem vender o seu vinho; pagam-lho a $40 o litro; mas desde a adega até à taberna para onde foi êsse vinho ele subiu de $40 para $80, visto que é êste o preço por que o taberneiro vai vendê-lo.
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E êste homem, no seu bom senso, raciocina assim: então eu sou dono da propriedade, cultivo a vinha, pago os amanhos, pago as contribuições prediais ao Estado, as contribuições à câmara e vejo que o vinho tem o valor de $80, visto que é êsse o preço por que o vende o taberneiro. Mas só: porque o vinho mudou da minha casa para a taberna o taberneiro tem direito a tanto como eu?
Sr. Presidente: eu pregunto se esta intervenção do Estado, se esta figura de intervenção na actividade das populações rurais, e à qual se deu o nome de corporativismo, é, porventura, um instrumento de paz ou, pelo contrário, um instrumento de revolta contra o Estado e contra a organização corporativa?
Por isso eu digo, Sr. Presidente, que a onda de impopularidade tem fundamentos sérios, e tanto os tem que o Governo foi o primeiro a reconhecê-lo.
Citarei algumas medidas já tomadas.
Como V. Ex.ª sabem, em 10 de Outubro de 1938 foi publicado o decreto n.° 29:049, e esse decreto impôs aos organismos de coordenação económica o terem orçamentos e contas, orçamentos de onde deviam constar toda as receitas e despesas justificáveis, contas que deviam estar aprovadas até 31 de Março do ano seguinte e mandadas ao Tribunal de Contas. Impôs mais a revisão dos quadros e vencimentos. Isto consta de vários artigos desse decreto.
Todas as críticas que nesta matéria se tinham feito à constituição dos organismos de coordenação económica, e que nuns pontos teriam razão e noutros não teriam, ficaram afinal atendidas na parte em que razão havia pelos preceitos marcados no referido decreto n.° 29:049. Tenho apenas dúvidas, em face do artigo 63.° da nossa Constituição, se os orçamentos dos organismos de coordenação económica, cujas funções são consideradas oficiais e não são propriamente organismos corporativos mas derivados da função de intervenção do Estado no domínio económico, não deviam constar do orçamento geral e o relatório das suas contas ser presente à fiscalização da Assemblea Nacional. Mas isso é uma simples sugestão.
Em 12 de Novembro de 1938 foi publicado o decreto n.° 29:110, a que já aludi. E nesse decreto se diz que terminou a fase experimental, se consideram de carácter provisório os organismos de coordenação económica e se diz ainda que devemos caminhar para a corporação, para o organismo propriamente de essência corporativa que deve abranger o ciclo económico de cada produto, para que aí se possa com justiça, saber como se deve fazer a distribuição do valor do produto pelas várias actividades fundamentais ou complementares que intervêm, desde a produção da matéria prima, à indústria transformadora, ao comércio, até ao consumidor.
Aí se diz ainda que se foi longe de mais em matéria de intervenção. Diz-se isto no relatório do decreto.
Reconheceu portanto o Governo que de alguma maneira eram de atender as críticas que se tinham feito neste particular.
Finalmente, no relatório do anunciado regulamento dos Grémios da Lavoura, relatório que podemos considerar como um relatório-nota oficiosa, como V. Ex.ªs viram, o Governo é o primeiro a reconhecer que há que rever alguma cousa na. organização e seu funcionamento tal como vinha seguindo.
Peço licença para ler dois períodos desse relatório:
Mas sobre o que não resta dúvida é que certos organismos têm de renunciar a fazer avultadas capitalizações em curto espaço de tempo, porque o País é pobre, modesta a economia e a dificuldade de viver «o inimigo invisível e sempre presente».
E se isto é assim no que toca a capitalizações, deve sê-lo por maioria de razão no que respeita à parcimoniosa aplicação das receitas. Quere-se que a organização corporativa seja um instrumento apto a exercer as funções que lhe são cometidas, mas que trabalhe com a simplicidade e economia próprias da nossa vida.
O problema continua em exame, com base nos elementos a que acima se aludiu, mas desde já se antevê que um ou outro organismo pode ser suprimido ou integrar-se noutros, segundo as suas afinidades, e sem prejuízo, das funções para que foram criados; que será possível, com uma melhor selecção do pessoal, deminuir despesas, sobretudo se também se simplificarem fórmulas de trabalho e se renunciar ao que não for essencial: que num ou noutro caso pode haver necessidade de fazer a revisão de vencimentos de pessoal de harmonia com princípios morais e jurídicos já estabelecidos.
Quere dizer, Sr. Presidente: o Governo reconhece que algumas críticas relativas à complexidade de serviços, a excessos de serviços, porventura a luxo de serviços foram já consideradas por êle. Poderemos pois dizer à opinião esclarecida do País que, se ela teve razão, o Governo já a atendeu.
Sr. Presidente: serão, porventura, bastantes as providências adoptadas, sobretudo no que respeita à agricultura, no que respeita às populações rurais, as que se enunciam no novo regulamento dos Grémios da Lavoura?
Quando se discutiu nesta Assemblea a lei que criou esse Grémios tive ocasião de apresentar a minha crítica, as minhas dúvidas relativamente à eficiência desses Grémios tal como estão concebidos.
Mantenho as minhas apreensões, receio muito que esses Grémios, abrangendo obrigatoriamente grandes áreas, onde há interesses económicos por vezes divergentes, não venham a corresponder ao que deles se espera.
Mas, Sr. Presidente, não quero repetir, nem cabe no conteúdo desta discussão, a crítica a esse diploma.
Esperarei, Sr. Presidente, que, pelo menos, na execução desse diploma se siga política bem diferente, mais prudente do que aquela que se tem seguido até hoje noutras espécies de intervenção.
Vem lá de longe da tradição portuguesa, o grito de «aqui del-Rei», com que os povos chamavam pela fôrça do Poder Central, como sendo aquele que poderia libertá-los dos vexames e das violências que as autoridades locais por vezes exerciam, porque o egoísmo humano é de todos os tempos.
Mas se, porventura, os que representam o poder forte são os primeiros que se convertem em inimigos dos povos, por quem hão-de gritar as populações? O que ficará desse grito de socorro ao poder forte, se é o poder forte que afinal de contas os mão protege contra as ganâncias desmesuradas do comércio e da indústria ou contra o egoísmo madraceiro do próprio trabalho?
A minha aspiração e o meu desejo são por que, de futuro, essas populações se sintam protegidas por esses que representam o poder forte, o poder do Estado, e que os representantes desse poder, ao entrarem nas povoações, em vez de serem recebidos pelo povo aterrorizado, este sinta que encontra, neles amigos e protectores contra todas as possíveis expoliações e violências.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Sebastião Ramires: - Ao subir pela primeira vez esta tribuna, nesta 2.ª Legislatura, são para V. Ex.ª Sr. Presidente, as minhas primeiras palavras, que quero
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sejam de saudação do muito apreço e da mais respeitosa amizade.
Já ouvi dizer, e creio até que foi nesta sala, que «a função não é património do homem, mas para ser servida por ele». V. Ex.ª tem servido por tal forma a alta função que exerce que não só a tem prestigiado por maneira invulgar como tem prestigiado, e grandemente, a própria Assemblea Nacional.
Em cada um dos que se honram de servir sob a direcção de V. Ex.ª, encontra, encontrará sempre, um admirador sincero e um amigo leal.
Sr. Presidente: vai já muito adiantado o debate sobre o aviso prévio levantado pelo ilustre Deputado Sr. Dr. Mário de Figueiredo acerca da economia corporativa, dos seus elementos de organização, da actuação por eles desenvolvida e dos resultados obtidos.
Foram já muitos os ilustres Deputados que ventilaram, com grande fluência e conhecimentos, a maior parte dos problemas em questão, e o assunto encontra-se já por tal forma esclarecido que eu próprio hesitei sobre se, na verdade, aqui devia vir, convencido de que pouco viria, acrescentar com utilidade.
Não apoiados.
Receei, porém, que o meu silêncio fosse interpretado como alheamento dos problemas em causa e que se interpretasse esse silêncio como menos compreensão da importância enorme e transcendente que eles têm para a vida económica da Nação e da sua paz social.
Quero associar-me também aos cumprimentos que todos os Srs. Deputados aqui dirigiram ao Sr. Dr. Mário de Figueiredo, sobretudo pela oportunidade com que S. Ex.ª aqui veio a esta Assemblea ventilar estas questões, porque, de facto, a opinião pública está ansiosa de conhecer, em detalhe, o que se tem feito, o que se tem ganho com o sistema e ainda onde e como se tem errado.
Não está em causa a doutrina, doutrina que, de resto, está na própria Constituição que nos rege, doutrina que do fundo do nosso coração todos perfilhamos e defendemos. Mas ainda que o estivesse, nada havia a acrescentar ao discurso magistral do comandante Morna, em que não sabemos que mais admirar: se a profundeza dos princípios expostos, se os conhecimento revelados, se a elegância moral e intelectual com que nos expôs os seus pontos ide vista. E ainda há pouco o Sr. Deputado Diniz da Fonseca estabeleceu aqui, da maneira clara e com, o brilho que lhe é peculiar, a essência da doutrina e as suas virtudes.
Vou limitar-me, neste ponto, a ajudar um pouco mais as considerações que foram feitas, a pôr alguns factos concretos, referindo-me ao que se fez, às razões do que se fez e ao que pretendia obter-se.
Sabem V. Ex.ªs que a indústria da pesca e conservas de peixe representa, no seu conjunto, valores que muito se devem aproximar de 400:000 contos. Daí a razão por que o Governo entendeu fazer incidir sobre essa indústria a sua primeira atenção e estabelecer para ela unia organização em novos moldes.
A indústria da pesca e das conservas de peixe vivia numa crise cíclica, quando não permanente.
Já sob a pressão de enormes dificuldades, no Congresso de Pesca e Conservas realizado em Setúbal em 1927 se chegara às seguintes conclusões, que podem parecer paradoxais: crise de produção, crise de venda, crise social.
A indústria estava muito dispersa. Havia um grande número de empresas mal apetrechadas, sem capital, com impossibilidade de crédito ou com crédito caríssimo.
E nem sequer se podiam atribuir os males a dificuldades de ordem externa, já que em 1931, precisamente, a exportação das conservas tinha atingido limites que
excediam os normais e apenas ultrapassados em 1923 e 1924, por circunstâncias puramente imprevistas, dado que a libra sofreu uma subida importante, passando de 39$ em 1921 para em 65$ em 1922, 109$ em 1923 e atingindo o máximo de 133$ em 1924.
O aumento, portanto, da exportação naqueles dois unos representa, não um maior benefício para a economia nacional, mas apenas uma consequência de circunstâncias anormais.
Também, apegar de uma alta exportação, em 1931 a indústria atravessava nesse momento uma das suas crises. E que, como a produção excedia o consumo, havia um excesso de oferta sobre a procura e daí resultava uma baixa de preços; e, porque em cada momento se recebia menos, a qualidade dos produtos piorava e, como consequência, valiam menos.
Vivíamos, portanto, num círculo vicioso.
A crise das conservas reflectiu-se imediatamente na indústria da pesca. Assim, os preços da sardinha descem de 1$31 por cana quilograma em 1929 para $49 em 1932, apesar da escassez da pesca nesse ano.
Como fazer a intervenção?
Sabia-se que, dado o excesso da produção, tudo estaria em limitá-la às necessidades do consumo. Repugnava, porém, restringir por meios artificiais o direito de uma vida independente, adquirida pelas empresas existentes, e não se sabia mesmo se se podia ir tão longe, já que iniciávamos nesse momento uma nova estrutura económica no País.
Para obstar então a êsse estado de cousas adoptou-se a política de deixar a cada um a inteira disposição de si mesmo, desde que quisesse subordinar-se às limitações mínimas impostas para a salvação de todos.
Essas restrições consistiam essencialmente em, no campo industrial, não poder fabricar-se mal e, no campo comercial, o melhor respeito dos contratos, o melhor cumprimento das obrigações assumidas, não serem admitidas, falsas designações ou processos incorrectos de comerciar. Numa palavra, menos deslealdade ou, se quisermos, honestidade.
Como medida complementar, julgou-se necessário eliminar, pura e simplesmente, a fabricação do chamado «peixe de inverno», que, não tendo fácil colocação, devido à sua baixa qualidade, impossibilitava o natural escoamento da boa mercadoria.
Embora não se estabelecesse nada quanto à indústria da pesca, pretendeu-se, é certo, favorecer essa mesma indústria, porque se supôs, e ainda se supõe, que o defeso da pesca deve auxiliar o repovoamento das espécies industriais.
Os preço das conservas de sardinha nesse momento tinham descido para 13 xelins. É claro que faço sempre referência ao tipo normal de fabrico: caixa de 1/1 club.
Os preços em 1930 haviam-se mantido em redor de 25 xelins; desceram em 1931 para 13 xelins. Quando o escudo acompanhou a libra, houve, realmente, nesta altura uma pequena reacção para 181, para voltarmos em 1932 ao limite de 13 xelins.
Ora 13 xelins numa caixa de 1/4 club já não permite pagar à pesca um preço remunerador pelo peixe, e quási não permite pagar ao pessoal.
Por outro lado, a conserva de peixe é subsidiária de grande número de materiais estrangeiros. A folha de Flandres, o azeite, o estanho, o chumbo, o arame para as embalagens e para as chaves, as tintas para a litografia, a maior parte das máquinas, tudo isto vinha do estrangeiro; a indústria das conservas limitava-se a devolver para o estrangeiro quási apenas o que lhe comprava.
Lançadas as primeiras bases da organização da indústria, os resultados não se fizeram demorar. Criaram-se tipos uniformes para a exportação; estabeleceu-se o ri-
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goroso cumprimento das determinações da qualidade dos produtos e môlhos; estandardizaram-se os formatos; melhoraram-se as instalações fabris e os preços subiram para 18 xelins, para depois se fixarem em 20 xelins.
Problemas que até aí pareciam insolúveis estavam em pouco tempo resolvidos, e resolvidos dentro de uma crise dificílima, com mercados que se fechavam, e tendo sido necessário improvisar quási tudo: dirigentes e pessoal. Apesar disso os resultados foram brilhantes. A indústria das conservas portuguesas de peixe adquiriu uma tal confiança dos seus consumidores que em 1934, ao estabelecer-se a fixação de preços entre os portugueses e o Verbaut dos importadores alemãis, o seu presidente dizia que impor às conservas espanholas uma cotarão igual à das portuguesas equivalia a proibir a venda, das primeiras, tam nítida era a diferença a favor da qualidade da conserva de sardinha portuguesa.
O aumento resultante da melhoria das condições de venda dos mercados estrangeiros deve ter produzido para a economia do País, em cada ano, um valor de 30:000 a 40:000 coutos. A indústria da pesca, por seu lado, beneficiou, como era lógico, da valorização do preço da sardinha, que sobe de $49 para $83 em 1933. Esse benefício representou para a indústria da pesca uma melhoria superior a 12:000 contos.
Estabeleceram-se contratos colectivos de trabalho, deram-se garantias aos operários sem o risco das paralisações e gastaram-se em serviços de assistência 4:000 contos em cada ano. Criaram-se instrumentos de crédito à disposição dos industriais a taxas até aí desconhecidas, porque antes da organização as conservas de sardinha, como elemento de caução bancária, recebiam quantias não superiores a 50 por cento do seu valor e com juros a 13, 14 e 15 por cento ao ano.
Estabelecida a indústria, as taxas descem para 3 1/2 por cento, e desde o princípio da organização até hoje o volume dos créditos concedidos à indústria monta a mais de 145:000 contos.
Construíram-se dois admiráveis bairros operários em Portimão e Olhão, para 100 e 66 famílias, onde residem mais de 800 pessoas.
Em cada um dos bairros foi oferecido gratuitamente uma casa ao operário mais antigo, com melhores serviços e indiscutível comportamento moral.
O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª dá-me licença?
Eu desejaria que V. Ex.ª me esclarecesse umas dificuldades que encontro lendo um mapa, que tenho na minha frente, de preços de conservas de sardinha, porquanto os preços que tenho aqui indicados não condizem com os que V. Ex.ª mencionou.
Vou indicar os preços da sardinha em conservas, segundo esse mapa.
Leu.
O Orador: - A primeira explicação é esta: é que V. Ex.ª refere-se a preços sob e eu referi-me a preços cif.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Não sei...
O Orador: - A segunda explicação é a seguinte: até 1932, de facto, não havia preços mínimos, e não era fácil determinar o preço médio. Ó que eu afirmei é que eles tinham descido a 13 xelins.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Mas preços médios é que interessam.
O Orador: - Isso é muito difícil de indicar até certa altura.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Mas são precisamente os que eu tenho.
O Orador: - Os que V. Ex.ª tem são a partir de 1932; são os preços mínimos fixados. Simplesmente nem sempre se cumpriam, e agora já não se cumprem.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Portanto, o facto é muito diferente daquilo que nós poderemos dizer que é o direito, porque o direito são preços fixados e os preços fixados não correspondem efectivamente aos factos.
O Orador: - Agora, mas já corresponderam. Qual é, porém, a conclusão que V. Ex.ª queria tirar?
O Sr. Mário de Figueiredo: - Não queria tirar nenhuma, mas queria ser esclarecido e queria também que V. Ex.ª fizesse o desenvolvimento das suas considerações neste aspecto: quando V. Ex.ª interveio nós estávamos em face dum problema candente, que era necessário atacar; foi para obtemperar às necessidades da ocasião que o problema se pôs: a organização começou a funcionar bem e agora já não está a funcionar como devia. Mas como o aviso prévio é feito no ano da graça de 1939, o que interessa é o estado das realizações da organização em 1938-1939. E é para ele que eu peco esclarecimentos.
O Orador: - Devo confessar a V. Ex.ª que preferia que não me fizesse preguntas desse género, mas por lealdade vou responder.
Sentiu-se logo, quando se fez a fixação dos preços mínimos, a dificuldade de os fazer respeitar. Compreende-se que um preço mínimo, se não for controlado não funciona, e então não interessa; só interessam preços mínimos quando efectivamente se cumprem.
De facto, nos primeiros tempos, talvez com receio duma organização nova, com receio de sanções que podiam ser aplicadas, e foram, os preços mantiveram-se sensivelmente nos mínimos fixados. A breve trecho, porém, cada um, pelas dificuldades de colocar as suas existências, começou a tentar - e conseguiu aqui e além - fazer vendas abaixo dos mínimos fixados. Pôs-se, por consequência, perante a organização este problema: ou abandonava a fiscalização, e perdia-se por completo a razão fundamental da mesma organização, ou mantinha-a a todo o custo.
Devo dizer a V. Ex.ªs que não se adiantaria nada com uma política de completa liberdade de preços, porque então o mercado alemão e o mercado francês, os dois principais consumidores, estavam contingentados, um em divisas, outro em quantidades. Era por isso inútil a concorrência e muito principalmente a concorrência desleal.
Portanto a política da defesa dos preços mínimos impunha-se por motivos mais fortes.
Sabia-se que algumas sanções foram aplicadas quanto aos processos de fraudes, mas logo se sentiu a necessidade de que a organização se projectasse no mercado externo, onde os elementos de fiscalização faltavam.
Numa instabilidade de preços, quando há uma tendência para a alta, as transacções são fáceis. Pelo contrário, quando estamos em permanente baixa de preços ninguém compra, porque quem compra hoje amanhã verá o seu vizinho comprar mais baixo, e vem a paralisação do negócio. Para se evitar isto procurava-se criar uma perfeita e íntima colaboração entre os agentes nos mercados consumidores e os principais importadores; trabalho difícil este o de impor as nossas regras ou desejos a países que vivem noutros climas, noutros ambientes, com outras noções económicas e sobretudo com interesses muitas vezes diferentes dos nossos.
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Apesar de tudo, conseguiram-se certos resultados benéficos.
Se há países, como a Alemanha, com uma perfeita organização de importadores e onde foi relativamente fácil o entendimento, já era mais difícil consegui-lo em mercados livres, onde a concorrência se desenvolve ao sabor dos interesses de cada um, e no entanto conseguiram-se resultados muito interessantes. Sem dúvida, não se pode manter permanentemente uma grande disciplina de preços desde que exista um excesso de produção. O problema resolver-se-ia criando um centro que monopolizasse as vendas para o mercado externo, assegurando aos industriais o pagamento aos preços fixados.
Possivelmente aí se teria de chegar, mas sempre se entendeu que o primeiro caminho, mesmo para o desenvolvimento desta idea, não podia ser trilhado sem ter a confiança dos agentes dos vários mercados importadores. Portanto este primeiro trabalho era absolutamente indispensável, e assim se fez.
E agora? Perdeu-se a continuidade desta idea.
O Sr. Mário de Figueiredo: Quere dizer: está a funcionar mal.
O Orador: - V. Ex.ª é que concluiu. Mas o que eu queria dizer era o seguinte: a organização das conservas conseguiu efectivamente melhorar os preços, o que deu à economia nacional umas dezenas de milhares de contos em cada ano.
Pode legitimamente falar-se de pesadíssimos encargos para a organização corporativa?
Sr. Presidente: o problema da indústria das conservas não pode ser visto unicamente através da sua própria indústria, visto que com ela estão intimamente ligados outros ramos de actividade, como seja a indústria da pesca, a indústria oleícola e a indústria da caixotaria. Portanto, repito, o problema da indústria das conservas para ser devidamente apreciado tem de abranger outras actividades.
Em fins de 1936, princípios de 1937, estávamos em face de uma crise de produção do azeite nacional. A colheita havia sido muito escassa. Tínhamos a guerra em Espanha e não podíamos confiar em poder comprar ali o azeite necessário para a normal laboração da indústria, que representa aproximadamente 6:000 a 8:000 toneladas.
Entendeu o Instituto que devia acautelar a vida normal da indústria, fazendo compras Colectivas de azeite. A primeira compra foi feita ainda no mercado espanhol, e o produto foi distribuído aos industriais em condições de preço perfeitamente acessíveis, e a organização deve ter tido um benefício de 250 contos.
Fechado o mercado espanhol, enveredou para o mercado nacional. Apesar de a indústria ter pago parte desse azeite a 9$40, os prejuízos para a organização devem ser aproximados a 2:500 contos. Creio ter respondido ao Sr. Deputado Mário de Figueiredo.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Respondeu: está a funcionar mal.
O Orador: - Depois da organização das conservas o Governo desviou a sua atenção para o vinho do Porto. Todos compreendem a razão. Actuou, é certo, sob a pressão das dificuldades.
Sabem V. Ex.ªs que em 1931 a exportação foi perfeitamente normal. Apesar disso os preços baixaram de tal forma que nas vindimas de 1932 se fizeram preços de absoluta ruína.
Não foi evidentemente o caso geral, mas chegou-se a vender vinho de consumo da região demarcada do Douro a 150$ a pipa de 500 litros. Quando os preços
descem a este limite numa região cuja produção é quási exclusivamente de vinho estamos na antecâmara da miséria.
Foi criada em Novembro de 1932 a Federação Sindical dos Produtores do Douro, que se denominou «Casa do Douro», abrangendo cerca de 8:800 lavradores, e com a qual se procurava assegurar um preço estável aos vinhos. Essa organização sindical interveio logo nesse ano e fixou um preço mínimo para os vinhos de consumo de 433$ a pipa de 550 litros.
É evidente que vinhos correspondendo a qualidade melhor e próprios para o benefício tiveram um aumento ainda superior.
As taxas que se pagam para a Casa do Douro são três: uma de $02 por litro para as despesas da organização, outra de $05 para o Fundo de crédito e lima terceira de $20 por cada litro de aguardente destinada a beneficiar vinhos em Gaia e no Douro provenientes de outras regiões vinícolas; não se esqueça que a taxa de $05 não é propriamente um encargo, porque é inerente à própria propriedade onde os vinhos se cultivam, encorporada nela, e transfere-se na sua venda e troca. O problema do vinho do Porto não deveria resolver-se no âmbito restrito da produção. Todos sabem que, desde o tempo de Pombal, se legislou abundantemente sobre a região do Douro. Existia uma legislação fragmentária, dispersa, e quási sempre imediatamente às vindimas surgia um novo decreto, que por vezes nem sequer tinha começo de execução.
O Sr. Águedo de Oliveira: - Mas parece que ainda continuamos assim.
O Orador: - Infelizmente na maior parte.
Entendeu-se que era fundamental dar ao produtor do Douro elementos de defesa. Ele, sem crédito ou com enormes dificuldades de o obter, com outras dificuldades de toda a ordem, vivia arrastando a sua desgraça. E o certo é que os fundos de crédito devem exceder hoje 20:000 contos e que não pode considerar-se com razão que a organização corporativa representa um encargo para os lavradores da região do Douro, tantos são os benefícios que dela recebe.
Mas como o problema não é só do Douro, mas do vinho do Porto, logo se entendeu que era preciso criar, ao lado da organização dos produtores, uma organização de exportadores, e era a esta que competia promover o escoamento para os mercados externos.
E se as duas actividades são diferentes e se movimentam em planos diferentes, o que é certo é que o problema da defesa da marca do Porto interessa, certamente, a cada uma das actividades mas, também, ao País e à economia da Nação.
Criou-se, por isso, o Instituto do Vinho do Porto, destinado a evitar a concorrência desregrada, a assegurar a defesa da marca «Porto», e eu creio que a ele se devem os benefícios que já se obtiveram pela melhoria sensível nos preços e na qualidade.
O que é verdade é que se chegara a vender vinhos do Porto que o eram apenas no rótulo das suas garrafas ou dos seus cascos.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Quanto a qualidade nada tenho a objectar. Mas quanto a preços vou citar a V. Ex.ª os números que colhi nas nossas estatísticas oficiais.
Leu.
Não se sente a melhoria dos preços.
O Orador: - V. Ex.ª queixa-se de que isto não é melhoria...
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O Sr. Mário de Figueiredo: - Perdão! Eu o que quero é esclarecer-me. Tenho aqui números oficiais; se não estão certos, vamos a emendá-los.
O Orador: - Até 1930-1931 os exportadores eram obrigados a fazer uma declaração, para efeito da entrega, ao Banco de Portugal, das respectivas cambiais que eram obrigados a entregar àquele Banco ao câmbio oficial.
Como então havia uma diferença sensível entre o câmbio oficial e o câmbio livre, os valores das declarações nem sempre correspondiam à verdade.
O Sr. Mário de Figueiredo (interrompendo): - Nesse caso chegamos à conclusão de que não podemos confiar na estatística oficial. . .
O Orador: - O exportador, por honesto que fosse, tinha a tendência de procurar a baixa.
Quere o Sr. Dr. Mário de Figueiredo com isto dizer que a estatística esteja errada? Quanto a valores é de admitir que sim.
O Sr. Pinto da Mota (interrompendo): Estando errada, não é só inútil como perigosa...
O Orador: - Prossigo nas minhas considerações.
Resolvidos, Sr. Presidente, os dois problemas - o das conservas e o dos vinhos -, o Governo foi dirigindo a sua atenção para outros dois problemas onde dominava fortemente a importação: o bacalhau e o arroz.
Começou-se pelo arroz, criando-se a Comissão Reguladora do Comércio do Arroz.
Já em 1931 o Governo dirigia a sua atenção sobre a cultura do arroz. Publicou-se o decreto n.° 20:096, mas a verdade é que, publicado ele, os eleitos se não fizeram sentir.
Citarei a tal respeito os seguintes números:
[Ver Tabela na Imagem]
Em 1933 vendia-se o arroz nacional a retalho a 2$40, emquanto o Veneza de qualidade equivalente era vendido por 3$20.
Os produtores de arroz pediam instantemente ao Governo que desse solução ao problema. Um forte dumping de alguns países, designadamente da Itália, tornava mais embaraçosa ainda a solução do assunto. Uma representação apresentada ao Ministério da Agricultura nesse ano pedia de duas cousas uma: o aumento de direitos sobre o arroz ou o lançamento de uma taxa suplementar que inutilizasse os efeitos do dumping.
Logo se reconheceu que qualquer das soluções não podia ser aplicada. O aumento de direitos vinha agravar o custo do produto, portanto o custo da vida.
Também podia duvidar-se dos resultados obtidos através da segunda, porque, não podendo o Governo aplicar a medida senão em face de publicações oficiais indiscutíveis, entendia-se que o exportador poderia fazer o dumping através de combinações particulares, e portanto fora da aplicação do princípio.
Portanto o que se deveria era procurar-se desenvolver a cultura, tornando-a lucrativa e garantindo um preço ao produtor e o respectivo pagamento.
O mercado interno raras vezes beneficiava da baixa de cotações dos preços nos mercados externos. Quando o preço aumentava na origem, aumentava quási instantaneamente no retalho; mas se o preço descia no país de origem, essa baixa quási não se fazia sentir entre nós. É uma velha psicologia do comerciante, que se compreende, embora não seja defensável.
A êste respeito vou ler alguns números:
[Ver Tabela na Imagem]
Criada a Comissão Reguladora do Comércio do Arroz, assegurado o preço deste produto, assegurado o seu pagamento, resolveu-se, por uma maneira bastante fácil, um problema que durante tantos anos tinha preocupado os homens do Governo e os interessados.
Vou citar alguns números a partir da campanha de 1933-1934:
[Ver Tabela na Imagem]
O preço médio ao produtor foi de 1$30 em 1934 e desde então tem-se mantido a l$25.
O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª dá-me licença? Eu sei que se compra arroz, na produção, a 1$30. Qual é o outro preço que forma a média de 1$25?
O Sr. Carlos Borges: - O peso específico é determinante do preço?
O Sr. Mário de Figueiredo: - Mas qual é o preço mínimo por que se compra?
O Orador: - Há muita variedade de arroz. O preço que eu citei é o preço médio.
O Sr. Ângelo César: - Se V. Ex.ª me dá licença, eu devo dizer que, ao referirmo-nos a preços, é absolutamente necessário olhar sempre à qualidade do produto, dentro duma equiparação de produtos. É que antigamente oitocentos gramas do chamado arroz de Sião rendiam mais do que hoje rende um quilograma deste a que V. Ex.ª se tem referido.
O Orador: - Êsse assunto está perfeitamente estudado, e é evidente que varia muito conforme as qualidades e os tipos de arroz.
Eu vou citar a V. Ex.ª dois casos:
Leu.
O Sr. Ângelo César: - A mim não me interessa o que se passa em Itália, mas sim o que se passa em Portugal.
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O Orador: - Aqui não funciona sequer o interesse industrial, porque, o arroz, desde que tenha uma percentagem superior a 12 ou 18 por cento de umidade, fermenta, apodrece e não se pode vender.
Claro que essa umidade depende muito das condições climáticas, em que o arroz se produz, e nós não temos aqui as regiões do Sião ou da China.
Mas o problema que se põe é este: importavam-se 30:000 contos de arroz, e, agora, não se importam esses 30:000 contos, porquanto temos arroz no País que chega para o consumo, tendo-se, além disso, feito uma selecção de qualidades, havendo já hoje em Portugal arroz muito bom, tam bom como o estrangeiro, para tipos idênticos.
Mas poderíamos estar ainda numa fase de aperfeiçoamento e nem por isso o problema merecia menos interêsse.
A indústria do descasque, de arroz, que se encontrava em 1933 em perfeita ruína, sem ter a possibilidade sequer de importar arroz em casca, hoje já ouvi dizer que tem lucros enormes, que ganha muito. Não creio que esteja a fazer-se uma organização corporativa para que se continue na ruína em que se estava. Creio que a nossa política é a de obter um preço justo...
O Sr. Mário de Figueiredo: - Claro! Um preço justo! Ainda bem que ela, a indústria, ganha. Ainda bem se todos lucraram - produtor, intermediário e consumidor -, mas se uns ganham à custa de outros que perdem, isso não está certo.
O Orador: - Eu estou a definir um caso concreto. Disse que a indústria do descasque de arroz em Portugal em 1933 se encontrava em condições de ruína, porque não tinha sequer matérias primas, e que hoje está numa situação de prosperidade. E suponho que ela não tem uma taxa de moagem que se considere a priori excessiva.
O Sr. Carlos Borges: - V. Ex.ª dá-me licença? V. Ex.ª quere afirmar que os lucros da indústria de descasque de arroz são legítimos e que estão em equilíbrio com os preços da produção e com os do comércio a retalho? V. Ex.ª pode-me demonstrar isso? V. Ex.ª é muito inteligente, mas eu espero a demonstração.
O Orador: - É menos difícil do que V. Ex.ªs supõem.
Há um país modelar a êste respeito: a Itália. Lá estão os preços tabelados, desde a produção até ao preço de venda ao público. Há instituições oficiais que disciplinam esses preços: o do produtor, o do industrial, o do armazenista e o do retalhista. Pois bem: comparando esses preços em Itália em relação aos preços que se pagam em Portugal reconhece-se que a taxa de moagem aplicada à indústria excede em cerca de 700$ por vagão a taxa aplicada à indústria portuguesa.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Mas isso não prova que cá esteja bem, porque lá também pode estar mal.
O Orador: - Isso também é verdade. Mas também tenho os elementos para se poder determinar os diferentes encargos da indústria de descasque.
O Sr. Mário de Figueiredo: - É uma demonstração longa e eu não posso fazê-la agora, mas não me dispenso de a fazer, se é que os números oficiais e os apresentados pelos próprios organismos oficiais estão certos.
O Orador: - Eu estou apenas a pôr problemas de preços, mais no desejo de ser esclarecido do que para esclarecer.
O Sr. Presidente: - Eu peço licença para lembrar a V. Ex.ªs que o Sr. engenheiro Sebastião Ramires está no fim do tempo que o Regimento lhe concede para usar da palavra. De modo que podia. a V. Ex.ªs o favor de limitarem ao mínimo as suas interrupções, porque há algumas dispensáveis, para não prejudicarem a exposição do orador.
Eu posso conceder a V. Ex.ª ainda quinze minutos, mas peço-lhe que se mantenha dentro desse tempo.
O Orador: - Eu vou procurar, Sr. Presidente.
Vou referir-me rapidamente também a outro problema: o problema do bacalhau.
Parece, na verdade, incompreensível que Portugal, tendo umas costas das mais ricas do mundo, tivesse de importar todos os anos mais de 150:000 coutos de bacalhau.
Precisamente o estudo do problema da melhoria das condições da indústria das conservas e o estudo do problema do aumento da pesca do bacalhau visam realmente à defesa dos pescadores.
O que há é um fenómeno que transcende a nossa própria compreensão. Porque é que ainda se consomem cerca de 45:000 toneladas de bacalhau sêco?
Não queiramos também que o bacalhau, já que nunca se pode querer a pataco, como diziam os políticos, seja um produto de farmácia.
De modo que o que de alguma forma se apresentava era o desenvolvimento da pesca do bacalhau.
O Ministério da Marinha, desde 1924, aplicou-se à resolução deste problema. Publicaram-se doze decretos. Criaram-se condições de matrícula; facultaram-se isenções de impostos e de contribuições, de direitos de importação para o material para as secas e frigoríficos; deram-se créditos para a construção de novas unidades e facilidades de créditos e amortizações desses capitais, e, apesar de tudo, desde 1924 a 1934 apenas se construíram cinco novas unidades, sem que se reconheça em qualquer delas um sintoma de progresso.
O Estado sistematicamente ia reformando as letras quando apareciam - e quero crer que o Sr. Ministro das Finanças pode dizer alguma cousa a este respeito.
Era esta a situação. E porquê? Porque os barcos iam para a pesca, e quando regressavam vinham em circunstâncias muito precárias. As despesas com o navio, com os impostos e encargos, o pagamento obrigatório à companha, obrigavam-os a desembaraçarem-se rapidamente do produto da pesca. Muitas vezes era o próprio importador que o adquiria a ínfimos preços, e o industrial vivia numa indústria permanentemente ruinosa.
O que é facto é que as cousas já não acontecem assim, e o aumento da pesca do bacalhau é muito sensível e animador.
Como V. Ex.ªs sabem, a percentagem, que em 1930 era de 5 por cento em relação ao consumo, subiu sucessivamente para 7, 10, 12 e 15 por cento, e em 1937 já estava em 24 por cento em relação ao consumo, com o valor de 33:000 contos.
O Sr. Mário de Figueiredo: - O salto dá-se sobretudo de 1937 para 1938.
O Orador: - O salto dá-se em 1933-1934.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Desculpe V. Ex.ª. Li mal o mapa que tenho na frente.
O Orador: - Eu leio a V. Ex.ª:
Leu.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Eu estava a ler os números em relação à importação do bacalhau, e mesmo
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assim não li bem, porque mesmo em 1937 ela desce, como não podia deixar de ser.
O Orador: - Evidentemente. O problema, simples na aparência, apresentava porém certas dificuldades.
Nào bastava fixar o preço: era preciso que alguém comprasse e pagasse aos preços fixados. Condicionou-se a importação do bacalhau estrangeiro a esta regra: quem importa, importa livremente, evidentemente dentro das possibilidades de consumo, mas obriga-se a comprar a parte que lhe venha a ser distribuída em função da importação anteriormente realizada pelo facto de não haver em dado momento comprador para o bacalhau nacional.
0 que á que se conseguiu? Conseguiu-se imediatamente baixar 30:000 contos na nossa importação e um maior desenvolvimento e apetrechamento das unidades que vão à pesca. Em dez anos não havia sido possível aumentar senão cinco unidades, mas depois de criada a Comissão Reguladora, do Comércio do Bacalhau até ao ano de 1938 o aumento da frota bacalhoeira foi de dezanove unidades, com uma tonelagem de 50 por cento da que existia em 1934.
Naquele ano apenas oito navios tinham motor, e em 1938 são já em número de trinta e oito as unidades que os possuem e também apetrechadas com aparelhos de T. S. F. e treze já têm paióis frigoríficos.
Fizeram-se contratos colectivos de trabalho; realizou-se uma assistência muito séria e interessante sob variados aspectos; estabeleceu-se o seguro para acidentes e invalidez permanente, permitindo dar 8 contos à família de cada pescador que fosse vítima de qualquer acidente; e está também em estudo a construção de casas para pescadores.
Esta obra, iniciada há pouco tempo, é já bastante extensa e está também prendendo a atenção a construção de armazéns frigoríficos, instalação para a preparação e conservação do isco e de extracção dos óleos de fígado de bacalhau.
Antigamente o isco tinha de ser comprado na Terra Nova, e como chegávamos tarde comprávamos o pior e o mais caro.
Porém, mercê do acaso, as cousas modificaram-se.
Há dois anos um pescador que não tinha isco lembrou-se de utilizar sardinhas salgadas que levara de Portugal. Verificou-se que era um isco admirável para a pesca do bacalhau, acabando assim a subordinação à lula e ao cação. Está em estudo este problema, que, como V. Ex.ª verificam, é de capital importância.
Entre as taxas que oneram o bacalhau há uma que se destina a frigoríficos, e todas somadas não ultrapassam um xelim por quintal.
Por virtude da organização corporativa o problema do bacalhau inverteu-se. Até 1934 Portugal comprava o pior bacalhau, o resto das secas, e pelos preços mais altos. Neste momento compra bacalhau da qualidade que lhe convém e por preço muito mais baixo.
A diferença foi esta: em vez de aparecer a concorrência dos vários compradores, apareceu uma única entidade. E assim, tendo aparecido em 1934 uma grande concorrência do bacalhau da Islândia, foi possível manter, através da organização e daí em diante, a mesma cotação.
O Sr. Carlos Borges: - V. Ex.ª dá-me licença?...
Eu não tenho ouvido críticas à organização da pesca, porquanto os seus progressos são deveras notáveis. As queixas que se fazem são sobre o preço do bacalhau e sobre o lucro excessivo dos intermediários.
O Orador: - A verdade é esta: em 1934, devido à concorrência da Islândia, os preços desceram. Depois, a cotação normal varia de 36 para 40 xelins, mas para Portugal tem-se mantido o preço de 33 xelins, com pequenas variações.
Em 1937 um jornal norueguês, Lofotsposten, que costuma estar ao par das cotações, dizia:
Não haverá maneira de os três grandes países produtores (Noruega, Islândia e Terra Nova) fazerem uma frente comum que se imponha ao poderoso comprador que é Portugal? É um absurdo sermos todos os anos obrigados a vender-lhe a nossa melhor mercadoria 20 por cento mais barata do que vendemos para os outros mercados, artigos bem mais inferiores».
Na verdade tem-se conseguido manter sem quási nenhuma flutuação o preço de venda para Portugal. Há um aumento, é certo, de 4$50 para 4$80, mas se neste momento não houvesse organização corporativa, deixando a especulação entregue a si mesma, não se poderia vender bacalhau estrangeiro a menos de 5$50.
Outro exemplo:
Por volta de 1934 a exportação de toros para minas havia tomado um grande desenvolvimento.
Começada em 1929 ou 1930, tínhamos, nesse momento, uma exportação verdadeiramente anormal. Mas o aumento de exportação não correspondia porém a um aumento de prosperidade.
A concorrência dos exportadores obrigava a consignações nos cais e docas dos portos ingleses.
Nesse momento, em 1934, a França, que tinha visto perder a sua posição em relação à Inglaterra, fez um acordo; os preços eram fixados e permutavam-se 2 toneladas de toros com 3 de carvão.
Se cruzássemos os braços, possivelmente seria Portugal que teria de pagar à Inglaterra os benefícios que concedera à França.
Em Agosto desse ano organizou-se o Grémio dos Exportadores de Toros para Minas.
Cessou a luta de concorrência desleal, fixaram-se contingentes e cotas de rateio, conseguiu-se: proibição absoluta de vendas em regime de consignação, fixação de preços mínimos de venda e de compra no mercado interno, realização, a partir de 1936, de contratos colectivos anuais com os importadores ingleses.
O Sr. Carlos Borges (interrompendo): - V. Ex.ª tem a certeza de que o preço dos toros aumentou?
O Orador: - É evidente que os toros para minas não podem suportar grandes encargos, sucedendo por vezes até que o seu preço não permite que se comprem.
O Sr. Carlos Borges: - Nem os toros que têm linhas de água estão em melhores condições?
O Orador: - Nesses os preços têm-se mantido estáveis a partir de 1936-1937.
O Sr. Carlos Borges: - Pois eu não tenho conhecimento de que o produtor tenha lucrado.
O Orador: - Posso dizer a V. Ex.ª que a produção se tem feito de 62$ a 67$ e antes havia-se descido até 52$.
Pausa.
O Orador: - Tenho de resumir as minhas considerações. Desejaria fazer perante V. Ex.ªs um estudo da nossa exportação, dos valores exportados, das diferenças que podem advir de uma determinada melhoria económica e aquilo que pode resultar da organização corporativa. Não o podendo fazer, sai-me deste debate esta conclusão: são incontestáveis e enormes as vantagens que tem para o País a organização corporativa.
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Parecem indiscutíveis os benefícios materiais, mas não os devemos tratar apenas sob o ponto de vista económico, porque sempre entendi que isto está no próprio imperativo da nossa doutrina e que não podemos dissociar o problema económico do social.
Há muitos problemas que não estão inteiramente resolvidos, outros em começo de resolução, como sejam: a habitação, contratos colectivos de trabalho, subsídios familiares, férias pagas, caixas sindicais de previdência, e aqui e além assistência aos trabalhadores.
Não é justo no entanto dizer-se que nada há feito, porque já muito se fez.
Reconheçamos que a paz social em que temos vivido, a boa harmonia que existe entre o capital e o trabalho, a melhor compreensão dos respectivos interesses, direitos e obrigações e principalmente a fé na doutrina e nos princípios que orientam a acção é uma natural consequência do começo da organização corporativa.
Se assim nào fosse, duvido que a autoridade do Estado, só por si, o tivesse conseguido.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - O debate continuará e concluir-se-á na sessão de amanhã.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 47 minutos.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA