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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 69

ANO DE 1940 30 DE JANEIRO

II LEGISLATURA

SESSÃO N.° 68 DA ASSEMBLEA NACIONAL

Em 29 de Janeiro

Presidente o Exmo. Sr. José Alberto dos Reis

Secretários os Exmos. Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
Alexandre de Quental Calheiros Veloso

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 45 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado, com emendas, o último número do Diário das Sessões.

O Sr. Presidente participou estarem na Mesa, para serem submetidos à ratificação da Assemblea, os decretos-leis n.ºs 30:277 e 30:279, publicados no Diário do Governo de 23 de Janeiro corrente.

Ordem do dia. - Foi aprovada a ratificação pura e simples do decreto-lei n.º 30:130.
Sôbre a ratificação do decreto-lei n.° 30:131 usaram da palavra os Srs. Deputados João do Amaral, Mário do Figueiredo e Vasco Borges.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 40 minutos.

CÂMARA CORPORATIVA. - Rectificação ao parecer sobre o projecto de lei n.° 77, relativo aos portugueses em situação militar irregular que desejem visitar a Pátria em 1940.

Srs. Deputados presentes à chamada, 66.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão, 9.
Srs. Deputados que faltaram à sessão, 7.

Srs. Deputados que responderam à chamada.

Abel Varzim da Cunha e Silva.
Acácio Mendes de Magalhãis Ramalho.
Alberto Cruz.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alexandre de Quental Calheiros Veloso.
Alfredo Delesque dos Santos Sintra.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Álvaro Salvação Barreto.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António de Almeida Pinto da Mota.
António Augusto Aires.
António Augusto Correia de Aguiar.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Artur Ribeiro Lopes.
Augusto Cancela de Abreu.
Augusto Faustino dos Santos Crespo.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Moura de Carvalho.
D. Domitila Hormizinda Miranda de Carvalho.
Fernando Tavares de Carvalho.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Nobre Guedes.
Francisco de Paula Leite Pinto.
Gabriel Maurício Teixeira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Guilhermino Alves Nunes.
Henrique Linhares de Lima.
João Antunes Guimarãis.
João Botto de Carvalho.
João Garcia Nunes Mexia.
João Garcia Pereira.
João Luiz Augusto das Neves.
João Maria Teles de Sampaio Rio.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Diniz da Fonseca.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim Rodrigues de Almeida,

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Joaquim Saldanha.
José Alberto dos Beis.
José Alçada Guimarãis.
José Dias de Araújo Correia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria Dias Ferrão.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Júlio Alberto de Sousa Schiappa de Azevedo.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz Cincinato Cabral da Costa.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Figueira.
Luiz José de Fina Guimarãis.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Pestana dos Beis.
D. Maria Luíza de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário de Figueiredo.
Pedro Augusto Pinto da Fonseca Botelho Neves.
Sílvio Duarte de Belfort Cerqueira.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vasco Borges.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Alberto Eduardo Valado Navarro.
Álvaro de Freitas Morna.
António Maria Pinheiro Torres.
António Rodrigues dos Santos Pedroso.
Clotário Luiz Supico Ribeiro Pinto.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Pereira dos Santos Cabral.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Sebastião Garcia Ramires.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Angelo César Machado.
António Hintze Ribeiro.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto Pedrosa Pires de Lima.
Carlos Mantero Belard.
Luiz Augusto de Campos Metrass Moreira de Almeida.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada. Eram 15 horas e 39 minutos. Fez-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 66 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 40 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário da última sessão.

O Sr. Cortês Lobão: - Sr. Presidente: pedi a palavra, para a seguinte rectificação: a p. 187, col. 2.ª, último período, onde se lê: «o decreto foi, portanto, automaticamente transformado em proposta da Câmara Corporativa, para depois passar a ser proposta de lei da responsabilidade da Assemblea», deve ler-se: «o decreto foi automaticamente transformado em proposta de lei da responsabilidade da Assemblea pela votação feita».
A p. 188, col. 1.ª, 1. 66.ª, eliminar a expressão: «no resto do decreto».
Na mesma página, col. 2.ª, 1. 24.ª, eliminar a palavra «se».

O Sr. Presidente: - Na parte do Diário que se refere a uma comunicação do Governo sobre as reclamações que foram feitas contra o decreto-lei relativo ao pagamento e remição de foros há que corrigir as seguintes inexactidões:

No n.° 5, p. 155, 1. 9.ª e 13.ª, lê-se «absentista» por «absenteísta», no n.° 6, I. 4.ª, «desaparecem» por «desapareceram»; no n.° 9, p. 156, I. 29.ª, deve ler-se em seguida a «Herculano escreveu» «A lei dos forais e, ainda mais do que ela, a extinção da maior e mais opulenta parte das corporações de mão morta trouxeram à massa de bens públicos uma porção avultadíssima de propriedade rural». No mesmo número, a p. 157, deve ser suprimida a linha 30 «Como se fez?».
No n.° 10, p. 157, col. 2.ª, onde está «redução» deverá ler-se «sedução»; a p. 158, col. 1.ª, n.° 11, I. 16.ª, a seguir a «validade da cláusula» deve acrescentar-se «melhor, a subsistência da cláusula»; a p. 160, I. 47.ª, col. 1.ª, em seguida a «legislador português» deve ler-se «de 1930 não a quis seguir» e na col. 2.ª inserir, na I. 20.ª, em seguida a «média trimestral» a palavra «escudo-ouro». A vírgula nos números representativos dessa média trimestral deve deslocar-se para o algarismo da direita e no alto da tabela deve suprimir-se a expressão «por cento». No n.° 17, p. 163, col. 2.ª, I. 27.ª, em seguida a «E, estando em vigor, como se poderá determinar a forma do seu pagamento fora do coeficiente legal?» inserir os seguintes períodos:
«Embora o Código diga que a cláusula subsiste durante o curso forçado, porque a sua vigência traz graves perturbações, verdadeiras injustiças, perigos para a vida económica e financeira do País e no fundo impossibilidade real de cumprimento, deve considerar-se sem efeito. Nem vale dizer que o decretamento do curso forçado por si não a anula, porque esta crise não é da natureza das outras, que têm imposto em épocas anteriores o curso forçado, e que em regra são apenas financeiras e localizadas, e de algum modo curáveis, tornando-se possível em pouco tempo o restabelecimento das bases anteriores. Esta não, esta subverteu tudo - atingiu profundamente a economia e a vida de todos os Estados e em todos os continentes e não se sabe quantos anos serão necessários para se restabelecer a ordem antiga, se acaso ela ainda se pode restabelecer. Há curso forçado, mas há mais alguma cousa, e tam grande que não pode deixar de impor um exame mais atento do problema. O jurista não pode esquecer as condições actuais, nem esquivar-se à solução dos problemas atrás de textos de lei cujo conteúdo económico ou social desdenha ou não compreende. Tem de considerar o problema através do sistema legislativo e dele deduzir as linhas fundamentais em função dos casos particulares. Ora desde que há um coeficiente estabelecido por lei para determinar a equivalência entre uma moeda que deixou de existir em todo o mundo e as actuais formas de pagamento, ele tem de o seguir, em harmonia com os artigos 724.° e seguintes do Código Civil. E não pode, ainda, desculpar-se com a solidariedade que há entre o factor estabelecido e a convertibilidade, pois a situação actual é, em relação a pagamentos em libras, melhor do que no tempo da convertibilidade. E em relação aos outros pagamentos internos como já se disse igual à que existia no tempo em que a convertibilidade não estava suspensa. Havia então um câmbio fixo; o câmbio de hoje não é fixo, move-se entre limites, mas em certos casos mais favorável do que então.
Por outro lado, não pode deixar de considerar, quando examina essa solidariedade, quais as consequências que resultam dê remeter para o ágio internacional a determinação do factor da equivalência. Essas são muitíssimo mais graves e mais injustas do que as resultantes da

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admissão do coeficiente legal. Este só em certos casos de pagamentos internacionais pode oferecer dificuldades, mas aí tudo se remedeia com cláusulas arbitrais na base de rebus sic stantïbus.
O único argumento de valor contra a suspensão da cláusula em geral vem exactamente do diploma n.º 21:189, de 4 de Maio de 1932. Parece porém que não é definitivo, pois a sua justificação, não como excepção, mas como uniformidade com o princípio geral, pode estar na existência de leis especiais em matéria de foros».
Na p. 164, n.º 20, deve ler-se, em vez de «6,66 por cento», «161,3 por cento», e, em vez de «400 por cento», «318,5 por cento»; na mesma página, no final do n.º 20, foi omitido o seguinte período: «Se se actualizar, pelo coeficiente legal, o capital referido, o juro é, no primeiro caso, de 6,6 por cento, superior ao rendimento normal da propriedade imobiliária e, no último, de 13,03 por cento, ou seja uma taxa ilegítima, em face do disposto no artigo 2.º do decreto n.º 21:730, de 14 de Outubro de 1932».
A p. 164, l. 8.ª do n.º 21, onde se lê «coeficientes de actualização», deve ler-se «preços e índices».
No primeiro quadro do n.º 21 o índice da cortiça que está sob a rubrica «Valor», na 4.ª coluna, deve passar para a 5.ª
Na p. 166, col. 1.º, há uma transposição: os períodos em seguida à l. 32.ª e até final do n.º 24, a começar em «Em 11 de Junho ...», devem passar para o fim do n.º 26.
Na mesma página, col. 2.ª, l. 12.ª, onde se lê «três vezes» deve ler-se «o dôbro»; na p. 165, l. 3.ª do n.º 22, onde se lê «sensivelmente igual à elevação» deve ler-se «é pelo menos 20 por cento mais elevada do que o»; na mesma página, n.º 23, as últimas duas linhas devem ter a seguinte redacção: «seriam pagos em notas. Não havia moeda cunhada nem se previa quando o poderia ser».
Na p. 167, col. 1.ª, l. 30.ª, onde se lê «9.922$43» deve ler-se «8.922$43»; na mesma página, col. 2.ª, l. 11.ª do n.º 29, onde se lê «400$» leia-se «390$». Na p. 171, col. 1.ª, depois da l. 24.ª, inserir o seguinte período omitido:
«Ora nunca nenhum senhorio deixou de pedir as rendas ou foros, depois das leis de actualização, em harmonia com os novos coeficientes, embora tivesse havido decisão judicial, em tempo anterior, sobre o quantitativo do foro ou renda; nenhum arrendatário ou foreiro invocou qualquer caso julgado para o evitar, e nem o podia fazer, até mesmo porque, como expressamente decidiu o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Abril de 1895 (Revista de Legislação
e Jurisprudência, ano 34.º, p. 350), que julgou não haver identidade de objecto em duas acções, pedindo-se em uma delas a importância dos foros de 1887 a 1891, e em outra a dos foros de 1875 a 1879».
Na linha 30 substituir «solutioris» por «solutionis» e em seguida inserir os seguintes períodos:
«Ora o valor da moeda corrente, o seu metal, o peso e denominação e valor em relação à moeda anterior pertencem à Assemblea Nacional (Constituição, artigo 93.º, alínea c), e é pela equivalência que a última lei dá à nova moeda que tem de ser pago o que fora ajustado em moeda antiga. Foi sempre assim e em todas as legislações e está consignado no Código Civil (artigo 724.º). Nem podia ser de modo diverso, pois por um lado perturbava-se ou podia perturbar-se a vida económica da Nação e por outro o particular ou o tribunal reservava para si uma faculdade que a lei reserva à Assemblea Nacional.
No n.º 12 do relatório do decreto-lei n.º 30:131 há um lapso de redacção quando se diz: «Esta disposição dá ao devedor o direito de se livrar e portanto obriga o credor a receber, integra-se no regime monetário e é por isso de interesse público, de aplicação imediata, não podendo contra ela prevalecer quaisquer acordos ou julgados».
Ora o que se quis dizer foi que o poder liberatório da moeda subsidiária é determinado sempre pela lei do momento do pagamento, mas não se quis afirmar que não seja possível por fôrça da convenção, quando esta for permitida, que todo o pagamento ou parte dêle se possa fazer em moeda subsidiária.
De modo que, em matéria de pagamentos em trato sucessivo, a obrigação deve ser paga na moeda existente no tempo do pagamento, e se a moeda é diferente da que existia no tempo do contrato, a equivalência há-de ser a que for determinada na nova lei».
Na mesma página e coluna, n.º 38, l. 3.ª, onde se lê: «pertencerá exclusivamente ao intérprete e ao julgador, que apreciará o problema em face do artigo 8.º do Código Civil», deve ler-se: «pertence, pois, exclusivamente ao intérprete e ao julgador apreciar o problema em face do artigo 8.º do Código Civil».
Na mesma página e coluna, a seguir à linha 16.ª do n.º 38, inserir o seguinte período: «Porque este Ministério não tem de pronunciar-se sobre as questões dos tribunais para as resolver no seu caso concreto, nem mesmo tem vista nos processos, nem neles intervém, salvo nos casos e para os uns expressos na lei».
Na cópia do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça inserto a pp. 186 e 187 foram omitidas, após as assinaturas dos respectivos juizes, as seguintes declarações de vencido:
«César A. Santos (vencido. Ao tempo do contrato a moeda de ouro nacional era a coroa e suas divisionárias, também em ouro, entre as quais o décimo de coroa, do valor de mil réis (lei de 29 de Julho de 1854, artigo 1.º e parágrafos).
O decreto de 22 de Maio de 1911, sancionado pela lei de 21 de Junho de 1913, adoptou o décimo de coroa ou mil réis como unidade monetária, designando-a por «escudo», mas conservando-lhe a mesma quantidade de ouro fino e declarando as duas moedas perfeitamente equivalentes.
Posteriormente o decreto n.º 19:869, de 9 de Junho de 1931, reduziu o peso do escudo e a sua quantidade de ouro, colocando-o a par do escudo-nota de Banco, e de tal modo que um soberano inglês de ouro passou a valer 110$ ouro. Nos artigos 6.º, 7.º, 10.º, 12.º e outros do decreto n.º 19:870, e ainda no decreto n.º 19:871, ambos desta mesma data, promulgaram-se várias determinações necessárias para que a moeda portuguesa ficasse inteiramente estabilizada. Deste modo se desvalorizou consideràvelmente o anterior escudo-ouro, motivo por que o legislador preceituou, no artigo 25.º do mencionado decreto n.º 19:869, que as obrigações que, por contrato, estivessem referidas ao escudo-ouro, considerar-se-iam referidas ao novo padrão de escudo-ouro, multiplicado por 24,444, ou seja pelo coeficiente de desvalorização entre a nova e a anterior moeda, e no § 1.º dêste artigo se ordenou que todos os réditos do Estado referidos ao escudo-ouro passassem a ser pagos na referida conformidade. Relativamente a foros, considerou-se ainda a disposição especial do artigo 7.º do decreto n.º 25:188, de 8 de Agosto de 1931, pelo qual o pagamento em ouro pode fazer-se nos termos daquele artigo 25.º; e, não obstante haverem-se adoptado várias providências legais, por motivo da disparidade que surgiu posteriormente entre o valor do escudo-ouro e o do escudo-nota, o legislador manteve as determinações anterio-

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rés, o Estado continuou a receber os seus rendimentos na mesma conformidade, e apenas pelo decreto n.º 20:683, de 29 de Dezembro de 1931, e outros diplomas se prorrogou o prazo dentro do qual o Banco emissor teria de satisfazer determinadas obrigações que, pelo seu contrato, assumiu para com o Govêrno, o que não obstou a que o posterior decreto n.º 21:199, de 4 de Maio de 1932, desse nova redacção àquele artigo 7.º, ficando assim bem esclarecido que os foros cujo pagamento tivesse sido estipulado em ouro, podiam ser pagos em notas, com a legal multiplicação.
Se assim não fôsse, se o valor da nota continuasse oscilante em relação ao valor do ouro, a estabilização da moeda, peremptoriamente declarada nas diversas leis, seria pura ficção; e, se dúvida houvesse acerca da forma de satisfazer o encargo, ele deveria ser satisfeito pela forma menos onerosa para o devedor, como é de lei e de justiça). - Ramiro Ferreira (vencido pelos doutos fundamentos do precedente voto)».

O Sr. Presidente: - Se ninguém mais quere fazer uso da palavra sobre o Diário, considera-se aprovado com as rectificações apresentadas.

Vai ler-se o

Expediente

Informações

Serviço da República - Govêrno Civil do Porto. - N.º 32/1. - Porto, 27 de Janeiro de 1940. - Sr. Ministro da Justiça - Excelência. - De harmonia com o solicitado por V. Ex.ª, tenho a honra de passar às mãos de V. Ex.ª a nota inclusa relativa aos foros em ouro e prata de que é senhoria directa a Santa Casa da Misericórdia do Pôrto. Mais me cumpre e tenho a honra de informar que depois da publicação do decreto n.º 20:188, de 8 de Agosto de 1931, estes foros passaram a ser pagos em moeda corrente, multiplicando-se o foro convencionado pelo coeficiente 24,444, forma de pagamento aceite não só pela referida Misericórdia e outras instituições de assistência, mas ainda pelos senhorios directos particulares, que são numerosos neste distrito.
A bem da Nação. - O Governador Civil, Joaquim Trigo de Negreiros.
Está conforme. - Repartição da Direcção Geral da Justiça, 29 de Janeiro ide 1940. - Pelo Chefe da Repartição, Afonso Salavisa.

Foros pertencentes à Santa Casa da Misericórdia do Pôrto constituídos em ouro e prata

[Ver Tabela na Imagem]

Está conforme. - Repartição da Direcção Geral da Justiça, 29 de Janeiro de 1940 - Pelo Chefe da Repartição, Afonso Salavisa.

Govêrno Civil do Pôrto. - Emprazamentos com o pagamento de foro em ouro e prata:

Escritura de 26 de Março de 1887 do tabelião Tomaz Megre Restier, liv. 20 - Foro de õ $000 réis em ouro ou prata - Outorgantes: José Fernandes de Magalhãis Bastos e mulher, Ana Rita de Magalhãis, e Manuel da Rocha e Francisco Antunes de Barros Lima.
Escritura de 4 de Dezembro de 1852 do tabelião de Gondomar, Domingos José Soares, liv. 68, p. 38 - Fôro de 4$950 réis em ouro ou prata - Outorgantes: Joaquim Ferreira dos Santos e Maria Moutinho e marido, José Gonçalves da Silva. Em relação a este último fez-se a sua remição parcial por escritura de 24 de Dezembro de 1929 do notário de Gondomar.
Por escritura de 25 de Outubro de 1886, passada a fl. 39 v do livro de notas n.º 76 do notário Tomaz Megre Restier - Constituição de contrato de emprazamento em que outorgaram António de Sousa Reis e mulher, que deram de aforamento a João Pereira uma quinta

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na Rua Costa Cabral pelo foro anual de 20$000 réis em ouro ou prata corrente no Reino. Por escritura da mesma data deram os mesmos de aforamento a José Marques e mulher uns terrenos em Paranhos pelo foro anual de 4$950 réis, pago em moeda de ouro e prata. Também por escritura lavrada pelo mesmo notário e no citado livro, a fl. 73, de 17 de Novembro de 1886, os mesmos senhorios emprazaram a D. Maria José da Costa uns terrenos pelo fôro anual de 25$000 réis em moeda de ouro e - prata corrente neste Reino.
Liv. 55, fl. 26 v - 9 de Setembro de 1882 - Aforamento que faz Joaquim de Sousa Moreira a António Vieira e mulher - Fôro. anual de 3$000 réis em dinheiro de ouro è prata, metal sonante. Prédios rústicos.
Liv. 55, fl. 78 v - 19 de Outubro de 1882 - Aforamento que fazem José António da Silva e mulher a António de Bessa Leite - Fôro anual de 200$000 réis em dinheiro de ouro e prata, metal sonante. Prédios rústicos.
Liv. 56, fl. 45 - 27 de Novembro de 1882 - Aforamento que fazem António de Sousa Reis e mulher a José Maria Martins - Fôro anual de 15$000 réis em dinheiro de ouro e prata, metal sonante. Prédio rústico.
Liv. 56, fl. 85 - 20 de Dezembro de 1882 - Aforamento que fazem António Joaquim dos Santos Maia e mulher a Manuel Moreira da Costa - Fôro anual de 5$000 réis em dinheiro de ouro, metal sonante. Prédio rústico.
Liv. 57, fl. 34 - 23 de Janeiro de 1883 - Aforamento que fazem António de Sousa Reis e mulher a Manuel Alves - Fôro anual de 15$000 réis em dinheiro de ouro e prata, metal sonante. Prédio rústico.
Liv. 57, fl. 71 v - 27 de Fevereiro de 1883 - Aforamento que fazem António de Sousa Reis e mulher a Manuel Alves - Fôro anual de 15 $000 réis em dinheiro de ouro e prata, metal sonante. Prédio rústico.
Liv. 59, fl. 12 - 21 de Maio de 1883 - Aforamento que fazem António Joaquim dos Santos e mulher a Manuel Moreira - Fôro anual de 5$000 réis em dinheiro de ouro e prata, metal sonante. Prédio rústico.
Liv. 60, fl. 45 v - 27 de Setembro de 1883 - Aforamento que fazem António de Sousa Reis e mulher a António Soares dos Santos Oliveira - Fôro anual de 15$000 réis em dinheiro de ouro e prata, metal sonante. Prédio rústico.
Liv. 61, fl. 63 v - 2 de Janeiro de 1884 - Aforamento que fazem José António da Silva e mulher a João Alves da Silva - Fôro anual de 20 $250 réis em dinheiro de ouro e prata, metal sonante. Prédio rústico.
Liv. 63, fl. 28 - 16 de Abril de 1884 - Aforamento que fazem António Lopes Carneiro e mulher a Marcelino Coelho Nogueira - Fôro anual de 14$500 réis em dinheiro de ouro e prata, metal sonante. Prédio rústico.
Liv. 63, fl. 59 v - 6 de Maio de 1884 - Aforamento que fazem José António da Silva e mulher a António Pereira de Sousa - Fôro anual de 54$000 réis em dinheiro de ouro e prata, metal sonante. Prédio rústico.
Liv. 63, fl. 90 - 21 de Maio de 1884 - Aforamento que fazem António Lopes Carneiro e mulher a António de Pinho Cruz - Fôro anual de 60$000 réis' em dinheiro de ouro e prata, metal sonante. Prédio rústico.
Liv. 64, fl. 85 v - 23 de Julho de 1884 - Aforamento que fazem José Francisco da Cunha e mulher a Tito Teixeira Leite - Fôro anual de 12$000 réis em dinheiro de ouro e prata, metal sonante. Prédio rústico.
Liv. 65, fl. 33 v - 1-3 de Agosto de 1884 - Aforamento que fazem António Lopes Carneiro e mulher a Licínio Guimarais - Fôro anual de 9 $000 réis em dinheiro de ouro e prata, metal sonante. Prédio rústico.
Liv. 65, fl. 41 - 18 de Agosto de 1884 - Aforamento que fazem António Lopes Carneiro e mulher a Manuel da Silva Neves Júnior - Fôro anual de 9 $000 réis em dinheiro de ouro e prata,- metal sonante. Prédio rústico.
Liv. 99, fl. 3 - 27 de Julho de 1891 - Aforamento que fazem António Joaquim dos Santos Maia e mulher a Manuel Francisco dos Santos e mulher - Fôro anual de 6.$000 réis em dinheiro de ouro e prata, metal sonante. Prédio rústico.
Liv. 99, fl. 4 - 27 de Julho de 1891 - Aforamento que fazem António Joaquim dos Santos Maia e mulher a Joaquim José da Cunha - Fôro anual de 7 $000 réis em dinheiro de ouro se prata, metal sonante. Prédio rústico.

Escritura de 23 de Novembro de 1863 - Senhorio directo, António Joaquim Borges de Castro e esposa; enfiteuta, Francisco José da Silva Guimarãis. Fôro de 5$000 réis em metal sonante, ouro ou prata.
Escritura de 18 de Dezembro de 1890 - Senhorio directo, Constantino Botelho Lacerda Lobo; enfiteuta, Francisco Martins Lopes Cardoso. Fôro de 22$870 réis em ouro ou prata corrente no País, com exclusão expressa de nota ou outro papel de crédito.
Escritura de 20 de Dezembro de 1890 - Senhorio directo, o mesmo da anterior. Fôro de 53$270 réis ouro ou prata, o mesmo como no anterior.
Escritura de 17 de Outubro de 1890 - Senhorio directo, o mesmo da anterior; enfiteuta, António Ferreira de Jesus. Fôro de 5$885 réis ouro ou prata, como no anterior.
Escritura de 18 de Dezembro de 1890 - Senhorio directo, o mesmo da anterior; enfiteuta, António Joaquim Morais. Fôro de 11$770 réis, com as mesmas cláusulas do anterior.
Escritura de 20 de Dezembro de 1890 - Senhorio directo, o mesmo da anterior; enfiteuta, António Gomes Ferreira. Fôro de 19$200 réis, com a mesma cláusula do anterior.
Escritura de 17 de Dezembro de 1890 - Senhorio directo, o mesmo da anterior; enfiteuta, João Baptista de Lima. Fôro de 9$510 réis, como no anterior.
Escritura de 16 de Dezembro de 1890 - Senhorio directo, o mesmo da anterior; enfiteuta, Bernardino Maria Ribeiro da Cruz. Fôro de 9$510 réis, como no anterior.
Escritura de 16 de Dezembro de 1890 - Senhorio directo, o mesmo da anterior; enfiteuta, João Augusto Pereira de Matos. Fôro de 11 $800 réis, como no anterior.
Escritura de 16 de Dezembro de 1890 - Senhorio directo, o mesmo da anterior; enfiteuta, Dr. António Luiz de Vasconcelos Corte Real. Fôro de 11$800 réis, como no anterior.
Escritura de 16 de Dezembro de 1890 - Senhorio directo, o mesmo da anterior; enfiteuta, Dr. Casimiro António Ribeiro da Silva. Fôro de 11 $800, como no anterior.
Escritura de 16 de Dezembro de 1890 - Senhorio directo, o mesmo da anterior; enfiteuta, João Baptista de Lima Júnior. Fôro de 11$800 réis, como no anterior.
Escritura de 17 de Dezembro de 1890 - Senhorio directo, o mesmo da anterior; enfiteuta, Abel Eduardo Pereira Brandão. Fôro de 11$800 réis, como no anterior.
Escritura de 17 de Dezembro de 1890 - Senhorio directo, o mesmo da anterior; enfiteuta, Henrique César Ferreira Pinto. Foro de 6$800 réis, como no anterior.
Escritura de 5 de Julho de 1890. - Senhorio directo, José Vicente Pereira; enfiteuta, Dr. Maximiano Faustino de Andrade. Fôro de 5$000 réis em ouro ou prata corrente no País.

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Escritura de 21 de Julho de 1890 - Senhorio directo, o mesmo da anterior; enfiteuta, João Ferreira. Fôro de 6$000 réis em ouro ou prata corrente no País.

Representação

Sr. Ministro da Justiça. - Excelência. - Às Misericórdias do Alandroal e Campo Maior, pobres como quási todas as Misericórdias, e com o encargo de sustentar hospitais, foi deixada por D. João José de Portugal de Costa Mexia de Matos a Herdade denominada Xévoras, e daí lhe viria um apreciável benefício se não ocorressem os factos para que pedem a V. Ex.ª a sua esclarecida atenção, certos de que V. Ex.ª, sempre inclinado à protecção justa dos humildes, não deixará de lha dar:
A Herdade é foreira em 400$ em prata ou ouro, com vencimento em 31 de Dezembro, a D. Ana Cristina Garcia Pedroso Barata e, tendo-se levantado controvérsia sôbre o modo do pagamento, foi requerida pela senhoria directa acção executiva com trato sucessivo, que foi embargada, vindo a decidir-se por acórdão da Relação de Lisboa de 8 de Novembro de 1930, confirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Junho de 1931, que o foro devia ser pago com 10$ em prata, por virtude do decreto de 22 de Maio de 1911, que a essa quantia restringiu o poder liberatório da prata, e em ouro e ao câmbio do dia do pagamento no tocante aos restantes 390$.
Assim se fez o pagamento no tribunal dos foros de 1924 a 1932 inclusive, o que obrigou o foreiro a pagar por eles a importante soma de 116.094$25!
O fôro vincendo de 1933 ficou fora dessa liquidação, e no seu vencimento o foreiro, firmando-se nas disposições dos decretos n.º 19:871, de 9 de Junho de 1931, artigo 2.º, § 2.º, e n.º 19:869, da mesma data, artigo 25.º, que aumentara, o primeiro, de 10$ para 200$, e no artigo 8.º do decreto de 22 de Maio de 1911.
E antes havia sido publicado o decreto n.º 20:188, de 18 de Agosto de 1931, cujo artigo 7.º, alterado pelo decreto n.º 21:199, de 4 de Maio de 1932, estabelecia que nos contratos de aforamento anteriores a 31 de Dezembro de 1920, quando o pagamento estivesse estipulado em ouro, devia observar-se o disposto no artigo 25.º do decreto n.º 19:869, de 9 de Junho de 1931, em que se determina que o pagamento das obrigações que por lei ou contrato forem referidas ao escudo-ouro devem ser satisfeitas multiplicando-se o escudo pelo factor 24,444.
Novamente se levantou entre a senhoria directa e o foreiro a questão da forma do pagamento do foro quanto ao vencido em 1933, requerendo a senhoria que se prosseguisse na acção executiva, que tinha trato sucessivo, para que ele fôro fôsse pago nas condições em que o haviam sido os de 1924 a 1932.
Embargou o foreiro com o fundamento em que deviam observar-se as regras das leis novas, e assim devia pagar até 200$ em prata e os restantes 200$ em notas do Banco de Portugal com a multiplicação do seu valor facial por 24,444, ou seja nos escudos-ouro fixados por lei.
Julgados procedentes estes embargos na 1.º instância, veio a Relação revogar essa decisão, e isso somente por julgar existir a excepção de caso julgado com os requisitos do artigo 2503.º do Código Civil, pois entendeu que fora decidida anteriormente e com trato sucessivo qual a forma do pagamento do fôro quanto à moeda em que tem de ser feito.
O Supremo Tribunal de Justiça confirmou êste acórdão pelo de 25 de Maio de 1937, concluindo também pela procedência do caso julgado.
Mais uma vez se recorreu para o tribunal pleno, mas este recurso não foi admitido, apesar da flagrante divergência entre o acórdão de que se recorria e outros, como os de 25 de Abril de 1895, de 6 de Julho de 1920 e de 16 de Novembro de 1917, também do Supremo Tribunal de Justiça, que foram citados.
As Misericórdias são desde 1936 as enfiteutas por herança que lhes deixou o anterior foreiro.
São estes os factos que importava expor para conhecimento de V. Ex.ª no assunto de que se trata.
E não podem as Misericórdias furtar-se ao desejo de dizer que nenhuma razão jurídica ou sequer moral milita a favor do julgado pelos tribunais de recurso.
Para se dar o caso julgado era preciso que se realizassem todas as condições do n.º 2.º do artigo 2503.º do Código Civil e, entre essas, a da identidade do direito ou causa de pedir.
Ora é incontestável que a lei que vigorava à data do julgado de 1931 é completamente diversa da vigente à data dos julgados de 1936 e 1937.
O caso julgado, por mais respeitável que seja, não pode prevalecer contra lei nova e diversa.
Se viesse lei que declarasse livre e alodial o prédio foreiro, decerto não valia o caso julgado para continuar a obrigar-se o ex-foreiro a pagar o fôro.
Da mesma sorte, se houver lei que determine certa forma de desonerar de obrigações, essa se há-de cumprir, quer sim quer não haja antes caso julgado entre partes para satisfação de tais obrigações quanto à forma.
E, de resto, não se entende como foi possível aos tribunais transformar uma prestação em alternativa em prestação simples, contra a vontade de quem tem de a prestar.
Assim como não se percebe como é que os tribunais podem resolver que se não aplique a certas pessoas uma lei que rege o direito e as obrigações de todas as outras do País.
Os tribunais da Relação e do Supremo Tribunal do Justiça decidiram como se não existissem os decretos n.08 19:869, 19:871, 20:188 e 21:199 e designadamente o 19:871, que aumentou o valor liberatório da prata para 200$, e o 19:869, que manda aplicar o factor 24,444 ao escudo para cumprimento dos contratos referidos ao escudo-ouro, sendo aliás certo que essas normas legais foram insistentemente invocadas pelas Misericórdias.
Mas a forma do pagamento deste foro ficou regulada pela lei de 1911, que, aliás, está revogada pelo decreto n.º 19:871, como dito fica.
E daqui resulta que este foro, e só este fôro, é pago com uma diferença para mais de quantia superior a 9.000$ em cada ano e está sujeito ao câmbio do dia do pagamento.
Fixado o câmbio, mesmo para todas as relações jurídicas, fica imutável o julgado para este foro e sujeito o seu pagamento às variações da Bôlsa sôbre o ouro.
O escudo-ouro fixado para todos os pagamentos não serve para êste.
É uma situação àparte, desigual e muito mais onerosa para este fôro.
Em suma: todos os portugueses gozam os benefícios resultantes do legislado pelo citado decreto, menos as Misericórdias do Alandroal e Campo Maior, e só quanto a êste fôro.
- Os que tenham a receber em prata ou ouro, recebê-los-ão, como a lei manda, mas este tem de pagá-lo de modo diverso e conforme lei anterior revogada.
É contra esta injustiça flagrante e contra esta desigualdade manifesta que as Misericórdias pedem a intervenção de V. Ex.ª, absolutamente certas de que a sua situação será devidamente atendida.

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São pobríssimas as (Misericórdias, Sr. Ministro: com enormes dificuldades mantêm os seus hospitais, e agora que um bemfeitor lhes deixou uma esmola, essa mesma lhes é grandemente cerceada com tais decisões.
É para o espírito da política do Estado Novo que V. Ex.ª tam bem encarna que apelamos.
Não podem revogar-se as decisões dos tribunais quando são definitivas, mas deve o Estado protecção aos cidadãos e mais às Misericórdias e por isso parece justo que se promulgue disposição legal que ponha as Misericórdias em igualdade de circunstâncias com os demais portugueses em suas obrigações referidas ao escudo-ouro.
É necessário que legisle no sentido de fixar o modo de pagamento das obrigações referidas, mesmo quando haja caso julgado anterior à lei nova que de forma diferente o mande fazer.
Providência legislativa que evite aquelas desigualdades e marque norma igual para todos, visto que lei nova e posterior ao caso julgado regula de diversa maneira esse pagamento.
Confiados na boa protecção de V. Ex.ª, pedem que leve junto de S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho e do Exmo. Ministro dá Justiça as razões e a pretensão destas Misericórdias.

O Provedor da Misericórdia do Alandroal, José Vicente Ferreira - O Provedor da Misericórdia de Campo Maior, José Augusto Corte Real Mascarenhas.

Telegrama

Os abaixo assinados, aplaudindo ratificação decreto-lei n.º 30:131, solicitam ilustres Parlamentares tornem extensiva sua doutrina a todas as rendas terrenos rústicos cujo pagamento se tem estipulado libras esterlinas ouro ou escudos câmbio dia libra ouro.
Anulando em tais contratos cláusulas ouro analogia decreto sobre prédios urbanos vigor, evitar-se-á lançar miséria famílias que com produto seu trabalho inúmeras canseiras construíram nesses terrenos pequeno lar de que por impossibilidade pagamento ouro serão em breve desapossados.
Esperando carinho acolhimento V. Ex.ªs, confessamos-nos altamente reconhecidos. - José Ferreira Belmiro Marques França - José Martins de Castro - Américo Pereira Dias.

Comunicação

Exmo. Sr. Dr. José Alberto dos Reis, ilustre Presidente da Assemblea Nacional. -Excelência. - A Companhia Electro-Hidráulica de Portugal, sociedade
anónima de responsabilidade limitada, com sede na Rua Elísio de Melo, 41, da cidade do Porto, vem expor a V. Ex.ª o seguinte:
Na sessão do dia 24 de Janeiro corrente, da Assemblea Nacional a que V. Ex.ª superiormente preside, o Sr. Deputado Dr. João Antunes Guimarãis fez, a respeito do turismo e da pesca de salmonídeos e outras espécies na albufeira de Riolongo, mais conhecida por represa do Ermal, considerações várias com alusões directas à empresa que tem a honra de dirigir-se agora a V. Ex.ª
Se bem entendemos essas considerações, o mesmo Sr. Deputado imputa à Companhia Electro-Hidráulica de Portugal a autoria de descabidos entraves e pretensões que impedem a expansão do turismo e daquela pesca no referido local, e ainda o propósito de obter aí um odioso exclusivo de pesca e navegação.
Como se trata de uma confusão, que só podemos atribuir a erradas informações obtidas por aquele ilustre Deputado e antigo Ministro do Comércio e Comunicações, vimos contrapor-lhe com o máximo respeito as seguintes asserções:
1.º Segundo o decreto de concessão para o aproveitamento hidro-eléctrico da energia potencial do rio Ave, nos sítios de Guilhofrei e Ermal, o Govêrno da Nação determinou com rigor o âmbito das obrigações da concessionária relativas à piscicultura, impondo-lhe, não a cultura de salmonídeos, mas sim a de peixes anofelófagos e especificadamente os ciprinos carpa e gambúsia (artigo 12.º do respectivo caderno de encargos - Diário do Govêrno n.º 57, 2.ª série, de 10 de Março de 1939); . 2.º A emprêsa concessionária, na realização das obras que aquele Sr. Deputado, com justiça, classificou de grandiosas, procedeu sempre com o máximo acatamento das leis, efectuando todas as expropriações necessárias por elevados preços e sempre amigàvelmente;
3.º Segundo o artigo 8.º daquele caderno de encargos, essas obras só deverão estar findas em 10 de Março de 1942, pelo que tem de considerar-se, pelo menos, extemporâneo o pensar-se desde já em assuntos de pesca ou de turismo relativos a uma albufeira que ainda não está definitivamente integrada na sua função produtora de energia hidro-eléctrica;
4.º A companhia concessionária não reivindica para si exclusivos de pesca ou navegação, mas está firmemente disposta a evitar que os seus direitos sejam deminuídos ou as suas obrigações acrescidas por qualquer forma arbitrária;
5.º Nenhum entrave opôs a empresa à pesca ou ao turismo da região do Minho nem contribuirá jamais para que os nacionais e estrangeiros não possam, viajando, estanciando ou pescando usufruir os prazeres da paisagem e de entretenimento naquela albufeira, desde que com isso não prejudiquem directa ou indirectamente os legítimos direitos resultantes da concessão de interesse público de que é titular.
Excelência: como estas asserções são formuladas com o máximo respeito, e até com o propósito de esclarecer o mencionado e ilustre Deputado e a própria Assemblea Nacional, ia V. Ex.ª rogamos que se digne dar-lhes conhecimento do teor desta nossa comunicação.
Aproveitamos êste ensejo para apresentar a V. Ex.ª os nossos mais incondicionais cumprimentos da mais alta consideração.
Subscrevemo-nos de V. Ex.ª, At.os, V.rez e Obg.os, pela Companhia Electro-Hidráulica de Portugal, os Directores: Delfim Ferreira - Manuel Carneiro Geraldes.

Exposição

Sr. Presidente da Assemblea Nacional. - Excelência. - Antero de Campos Magalhãis Duarte e Manuel António Madeira, respectivamente aluno finalista e diplomado pela Escola Superior Colonial, pedem mui respeitosamente licença a V. Ex.ª para expor o seguinte:
Acaba de ser publicado no Diário do Govêrno n.º 304, de 30 de Dezembro último, o decreto-lei n.º 30:241, segundo o qual, no seu artigo 1.º, é criado no quadro do pessoal da secretaria da Escola Superior Colonial um lugar de terceiro oficial, etc.
Num outro artigo e com ofensa dos direitos dos diplomados por esta Escola termina o mesmo decreto com o artigo que transcrevemos:

Artigo 5.º O primeiro provimento dos lugares criados pelo presente diploma será livremente feito pelo Ministro das Colónias.

Parece-nos não ser justa tal determinação, a não ser que se entenda que as nomeações livremente a fazer pelo Ministério das Colónias sejam feitas entre os diplo-

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mados pela Escola Superior Colonial, ou que tenham de se respeitar as condições gerais e especiais para a admissão a cargos públicos.
Por isso ousamos lembrar a V. Ex.ª o seguinte aditamento ao citado artigo 5.º: «O primeiro provimento dos lugares criados pelo presente diploma será livremente feito pelo Ministro das Colónias, nos termos das disposições gerais e especiais aplicáveis».
Este aditamento não só faria justiça àqueles que se sacrificaram em tirar um curso superior, mas também daria ao diploma referido o devido esclarecimento, tornando-o mais equitativo.
Acresce ainda que um nosso colega mais necessitado (diplomado) requereu já a nomeação para êste lugar e existem outros à espera de colocação.
Pelo exposto esperamos que os Srs. Deputados, em seu alto critério, não deixarão de atender esta nossa pretensão, que não representa mais do que pugnar pelas poucas regalias que o curso superior colonial nos dá e constam do actual estatuto da Escola Superior Colonial, aprovado pelo decreto-lei n.º 12:539, de 25 de Outubro de 1926.
Esperam deferimento.
Lisboa, 15 de Janeiro de 1940. - O Aluno finalista da E. S. C., Antero de Campos Magalhãis Duarte - O Diplomado da E. S. C., Manuel António Madeira.

Esclarecimento

Exmo. Sr. Presidente da Assemblea Nacional. - Excelência. - No Diário das Sessões da Assemblea Nacional do dia 12 de Dezembro próximo passado (p. 33, col. 2.a) encontram-se os seguintes períodos atribuídos a discurso do Sr. Deputado Melo Machado: «... Sr. Presidente: ao mesmo tempo que a situação do contribuinte é tal como acabei de expor a V. Ex.ªs, começa a perder-se um pouco a noção do razoável nas obras a realizar. O português sempre teve uma natural tendência para armar em grande senhor, e quando sente a algibeira quente é pródigo, gosta de aparentar aquilo que muitas vezes não é. Parece-me que era uma tendência a coibir e não a animar.
Sr. Presidente: ainda há pouco tempo verifiquei que, por exemplo, nas obras que os correios e telégrafos e estão realizando as casas dos chefes das estações postais têm uns magníficos, pomposos e ricos parquets.
Pregunto a V. Ex.ªs se isto está em harmonia com a modéstia habitual do nosso viver e se esse luxo está de harmonia com as condições desses funcionários. A mim parece-me que não; a mim parece-me que isso pode, de algum modo, revoltar o contribuinte, que, emfim, paga com custo as suas contribuições e vê que parte delas são aplicadas em luxo excessivo, em lugares onde era absolutamente desnecessário. Que o luxo esteja onde deve estar acho bem, mas entendo que, no restante, tudo se deve harmonizar com a nossa modéstia.
Isto não representa uma crítica azeda; quero crer e estou convencido de que no desejo de bem fazer se esqueceu, todavia, este aspecto da questão.
Não foi certamente por mal, mas isso não quere dizer que não digamos com franqueza o que sentimos, para que se coíbam os abusos, quando existam».
Em face de tam vivas afirmações julgo necessário esclarecer à Assemblea Nacional e o País para que possa apreciar-se, com perfeito conhecimento de causa, a forma por que são aplicados os dinheiros públicos pelos serviços deste Ministério e designadamente pela Administração Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones.
Os. novos edifícios dos CTT não são de modo algum construções de luxo. Vistos com olhos de técnicos, encontram-se neles bons materiais, bem aplicados, em processos e tipos de construção perfeitos e modernos que garantem obra duradoura e nada mais.
Desta maneira, embora o seu custo de primeiro estabelecimento possa ficar um pouco mais elevado do que se empregássemos, materiais ordinários e processos de construção deficientes, os novos edifícios dos CTT resultarão, com o rodar dos tempos, mais económicos, porquanto as despesas de conservação se tornam consideràvelmente menores.
Parece ser êste um princípio elementar de boa administração.
Todavia, no que respeita aos parquets empregados, que mereceram ao Sr. Deputado os qualificativos de «magníficos, pomposos e ricos», nem sequer aquela circunstância se verifica. Porque eles são, na realidade, simples mosaicos de pinho, que, como é sabido, constituem um sistema de pavimentação correntemente usado hoje em dia nos edifícios de betão armado e se obtém um pouco mais barato do que o vulgar soalhe da mesma madeira...
Por me parecer útil à demonstração do que acabe de afirmar junto nota comparativa, discriminada, dos preços de custo por metro quadrado dos dois tipos de pavimentos em causa.

Preço de 1 metro quadrado de mosaico de pinho

[Ver Tabela na Imagem]

Preço de 1 metro quadrado de soalho de pinho à inglesa

[Ver Tabela na Imagem]

Aproveito o ensejo para apresentar a V. Ex.ª os meus cumprimentos de elevada consideração. - A bem da Nação. - Lisboa, 22 de Janeiro de 1940. - O Ministro das Obras Públicas e Comunicações, Duarte Pacheco.

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa para serem submetidos à ratificação da Assemblea os seguintes decretos-leis, publicados no Diário do Govêrno de 23 de Janeiro corrente:
N.º 30:277, que prorroga até 31 de Dezembro de 1940 o período de regime de tutela decretado para os corpos administrativos dissolvidos pelo Govêrno depois da publicação do Código Administrativo;
N.º 30:279, que cria em Lisboa o Instituto Nacional de Educação Física (1. N E. F.) destinado a estimular

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e orientar, dentro da missão cooperadora do Estado com a família, e no plano da educação integral estabelecido pela Constituição, o revigoramento físico da população portuguesa. Permite a criação de institutos e centros formativos de agentes de ensino de educação física noutras cidades, em especial Coimbra e Pôrto, com a colaboração das autarquias locais, em tudo sujeitos à jurisdição e orientação técnica do Ministério através do Instituto Nacional de Educação Física.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - A ordem do dia da sessão de hoje é constituída pela ratificação de vários decretos-leis.
Em primeiro lugar temos o decreto-lei n.º 30:130, que autoriza a Camará Municipal de Reguengos de Monsaraz a ceder gratuitamente ao Estado uma parcela de terreno com destino à construção do novo edifício dos correios, telégrafos e telefones naquela vila.
Está em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Visto que ninguém pede a palavra, vai proceder-se à votação da ratificação pura e simples deste decreto-lei.

Submetido à votação, foi aprovada a ratificação pura e simples.

O Sr. Presidente: - Em segundo lugar temos a ratificação dó decreto-lei n.º 30:131, que estabelece as regras para o pagamento e remição de foro em propriedades.
Está em discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado João do Amaral.

O Sr. João do Amaral: - Sr. Presidente: creio ser a primeira vez, nesta segunda
legislatura, que subo a esta tribuna e por isso só agora tenho o gratíssimo ensejo de me congratular com o facto de V. Ex.ª ter aceitado ainda uma vez o elevado encargo de presidir aos nossos trabalhos. E é-me igualmente agradável reiterar-lhe aqui os sentimentos de alta consideração que há muitos anos professo por V. Ex.ª, como mestre da ciência de direito, como jurisconsulto e como homem. Evidentemente, pelo menos para mim, é o carácter do homem, a irradiante sedução das suas virtudes e, principalmente, da sua honradez e da sua bondade que dá aos outros aspectos da personalidade de V. Ex.ª o relevo que tem entre os portugueses de hoje. É-me agradável, repito, dizê-lo antes de emitir desta tribuna opiniões que, segundo publicamente nos informa o Sr. Ministro da Justiça, não coincidem com as que V. Ex.ª em determinada época perfilhava; pois eu quero que se saiba, na hipótese de se manter essa divergência de opiniões, que mesmo quando eventualmente eu seja visto no campo dos adversários das opiniões de V. Ex.ª, não saí, não: desertei do campo dos seus admiradores, pronto a negar toda e qualquer solidariedade a quem quer que esqueça, o respeito, a veneração que V. Ex.ª me merece.
E já que estou nesta ordem de considerações, devo dizer a V. Ex.ª que, não. costumando considerar meus inimigos pessoais ou políticos aqueles que divergem da minha opinião, não aceito a coacção que consistiria no dizer-se, por exemplo, que, atacando o decreto-lei n.º 30:131, desconsidero pessoalmente ou politicamente o autor desse projecto, a quem, afinal, hoje como desde os tempos em que simul falmus in varlandia, tenho como um dos mais altos valores intelectuais e morais do meu tempo.
Não; sem prejuízo da minha consideração e amizade pelo autor do decreto, e mesmo porque o autor do decreto não está em causa, eu solicito o voto da Assemblea no sentido de lhe negar, pura e simplesmente, a ratificação, porque este decreto é inconstitucional; porque, sem razões de interesse e ordem pública, ofende o direito da propriedade, atinge o cidadão nas suas garantias e os tribunais na sua dignidade.
Temos hoje uma copiosa informação sôbre o assunto. Pedi ao Sr. Ministro da Justiça as representações das Santas Casas do Alandroal e de Campo Maior e todos os elementos de informação e de estudo que pudessem instruir-me sobre a conveniência, oportunidade, urgência e necessidade públicas do decreto. Esta segunda parte do meu pedido de informações fornecia ao Sr. Ministro da Justiça ensejo para responder-me com uma conveniente exposição de motivos.
É, com efeito, embora me não tenha sido dirigida como resposta ao meu pedido de informações, mas a V. Ex.ª como contestação das representações que à Assemblea foram feitas pelos interessados, essa exposição de motivos, que é ao mesmo tempo uma defesa do decreto, foi agora publicada no Diário das Sessões.
Desejando tomar conhecimento das representações das Misericórdias, desejando saber se o Ministério da Justiça tinha conhecimento da existência de outros foros, muitos foros, pagáveis em ouro, ou ouro ou prata, como os que interessam às referidas Misericórdias, e oferecendo ao Sr. Ministro um ensejo de fornecer a esta Assemblea todos os elementos de informação de que dispusera, ele próprio, para a elaboração da lei, promovendo estas diligências, era minha intenção instruir-me, e à Assemblea, sôbre as causas da lei, sobre o movimento que se desenvolvera no sentido de provocar uma iniciativa legal desta importância, que colido com o princípio da inviolabilidade dos contratos, com problemas vários de natureza económica e que surge, subitamente, à margem das grandes e graves preocupações da hora que passa, em pleno período parlamentar, com invocação constitucional de motivos de urgência e necessidade públicas.
Pois bem, de posse dos elementos que o Ministério da Justiça me forneceu, inclusive a resposta de S. Exa., posso dizer à Assemblea sem receio de contestação:
1.º Que o movimento tendente à elaboração da lei é deflagrado pelas representações que as Misericórdias do Alandroal e de Campo Maior dirigiram aos Ministros do Interior e da Justiça quando se viram condenadas, irremediavelmente condenadas, pelos tribunais a pagar um determinado fôro por uma forma e por uma quantia diferentes das que, em seu entender, deveria revestir o respectivo pagamento.
2.º Nessas representações alega-se, sem aliás se demonstrar, a pobreza das Misericórdias, na curta frase que vou ler: «São pobríssimas as Misericórdias, Sr. Ministro; com enormes dificuldades mantêm os seus hospitais, e agora que um bemfeitor lhes deixou uma esmola essa mesma lhes é grandemente cerceada com tais decisões».
Esta pobreza das Misericórdias, como desta frase se infere, vem de longe. Não foi criada pela forma e quantitativo do pagamento do fôro, que aliás só há dois anos é devido por elas, visto que só há dois anos compraram o prédio. Pelo contrário: mesmo com o fôro pago na forma e pelo quantitativo das decisões dos tribunais, a referida propriedade de que são enfiteutas trouxe um manifesto acréscimo ao seu património e às suas receitas, pois do rendimento da referida propriedade, pago o fôro nos termos das decisões do Supremo Tribunal de Jus-

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tiça, ainda lhes fica anualmente, para acorrerem ao seu benemérito mester, de 50 a 70 por cento desse rendimento.
A pobreza das Misericórdias não se agravou portanto por. causa desta história do foro; e, com efeito,
3.º As suas representações não são, como eu calculava que fossem, um grito de socorro lancinante e angustioso, na iminência duma catástrofe provocada, inesperadamente, pelas decisões dos tribunais superiores.
Não. Nada disso. As representações das Misericórdias não fazem, com exclusão da frase que já citei outra cousa senão analisar, discutir, contestar os julgados que as condenaram.
Sr. Presidente: essas representações não têm outra qualificação senão esta: são autênticas minutas de revista em que um litigante prestimaz recorre do mais alto tribunal do País, da última e inapelável instância da nossa organização judicial, para uma outra instância em cuja existência êle crê e em cuja decisão confia, com razão de crer e de confiar que a Constituição e as leis do País não oferecem à inteligência dos outros cidadãos.
E o Sr. Ministro da Justiça concedeu a revista!
Foi assim, não havendo outros enfiteutas que em multidão faminta de pão e de justiça se tenham dirigido ao Govêrno, sob a solicitação exclusiva dum litigante condenado, tendo em vista, sem dúvida nenhuma, este único caso particular, sem quaisquer outros motivos de interesse e ordem pública e apenas porque a opinião do Ministro, aliás doutíssima, coincidia com o ponto de vista dum interesse particular, foi assim que surgiu esta lei, que modifica situações jurídicas, criadas em seu tempo pelas vontades autónomas, que até hoje se mantiveram por. fôrça da lei e sob a protecção dos tribunais.

Sr. Presidente: a exposição do Sr. Ministro da Justiça é longa e solicita-nos para a discussão de grandes temas da sociologia e da economia. Ela é resultado evidente de um estudo atento e demorado desses temas.
Citam-se nela tratados, monografias, estatísticas, pareceres jurídicos, acórdãos e todo um material de cultura e de informação que nem eu nem ninguém de entre nós poderia consultar sequer nos dois dias que tivemos para ler e meditar o exaustivo trabalho dêste eminente cultor da ciência jurídica. Muito menos nos foi concedido tempo para consultarmos outros tratados, outras monografias, outras estatísticas, outros pareceres, outros acórdãos, onde se defendem com autoridade, pelo menos igual, opiniões contrárias e onde se nos fornecem argumentos contrários às opiniões e argumentos que o Sr. Ministro da Justiça perfilha.
A situação de inferioridade de quem sobe a esta tribuna sem ter sequer regimentalmente o tempo necessário para ler e contestar, capítulo por capítulo, esta defesa do decreto é manifesta. Mas isso não pode impressionar a Assemblea, porque ela sabe que essa defesa é susceptível de ser contraditada com opiniões e argumentos de tanta autoridade e sugestão como os que invoca; e sabe principalmente que as opiniões do Sr. Ministro da Justiça acerca dos benefícios ou malefícios da enfiteuse, dos benefícios ou malefícios da legislação liberal, que libertou e enfraqueceu a propriedade, dos fenómenos económicos deflagrados pela desvalorização e desmonetização dos meios de pagamento, da depreciação dos produtos da terra, etc., não resolveu nem respondeu directamente às questões suscitadas no espírito dos representantes da Nação pela publicação do decreto-lei n.º 30:131, sob a invocação constitucional da urgência e necessidade públicas.
Essas questões são, resumidamente, as seguintes:
1.ª Podia êsse decreto ser publicado durante o período da sessão legislativa? Concorriam para a publicação desse decreto as condições constitucionais da urgência e da necessidade públicas?
2.ª É esta lei uma lei interpretativa, como se intitula, ou é, ao contrário, uma lei dispositiva, que altera e destrói situações jurídicas criadas pelas leis vigentes e sancionadas pela jurisprudência?
Concretamente:
Estava ou não em vigor, quanto aos foros, à data deste decreto o artigo 723.º e o § único do artigo 724.º do Código Civil - que impõe o respeito pela convenção do pagamento em moeda metálica nacional ou estrangeira?
Estes são os problemas; e, por isso, só de passagem, e mesmo porque não tenho tempo material para o fazer com demora, me referirei aos temas controvertidos na parte vaga da exposição ministerial.
A primeira e mais eminente, porque é de ordem constitucional, porque interessa mais do que qualquer outra à função e ao prestígio desta Assemblea, é saber se realmente motivos de urgência e necessidade públicas justificaram a publicação dêste decreto em 14 de Dezembro de 1939; preguntei concretamente ao Sr. Ministro da Justiça se esses motivos existiam e quais eram, porque a Assemblea precisa de saber se é justa, se é lícita, a invocação que no decreto se faz da 2.ª parte do n.º 2.º do artigo 109.º da Constituição.
Em cêrca de quarenta páginas do Diário das Sessões, que tantas ocupa a tam extensa como douta justificação do Sr. Ministro da Justiça, não se encontra uma resposta expressa a esta questão nem uma frase em que a Assemblea Nacional possa descortinar satisfação à sua legítima curiosidade.
O Sr. Ministro da Justiça não respondeu a esta importantíssima questão. Não quero, pelo conceito em que tenho S. Ex.ª e pelo respeito que devo à Assemblea Nacional, fazer sôbre êste silêncio outra consideração senão esta: o Sr. Ministro da Justiça, não respondendo neste ponto nem ao meu pedido de informações nem às representações dos interessados - dado que o seu silêncio não pode significar incompreensão da importância que a questão tem em si mesma nem menosprezo pela dignidade e prestígio da Assemblea -, o Sr. Ministro da Justiça, com o seu silêncio, repito, lealmente confessa que não houve motivos de urgência e necessidade públicas que justificassem o uso que nesta oportunidade o Governo fez da faculdade que lhe é atribuída pelo citado artigo 109.º da Constituição.
Não havia motivos de urgência e necessidade públicas. Isto basta para que a Assemblea negue a esta lei qualquer forma de ratificação.
Deve fazê-lo em respeito da Constituição e de si própria. E seja-me permitido fixar que o pode fazer sem sequer ser suspeitada de faltar com qualquer espécie de solidariedade política ao Governo ou a um dos seus membros. Porque não há sequer divergência entre a Assemblea e o Ministro. O Ministro reconhece com o seu silêncio a inconstitucionalidade da lei; defende essa lei ardentemente, veementemente; mas reconhece que não houve motivos de urgência e necessidade públicas justificativos dá sua publicação. A Assemblea não tem mais do que pautar a sua atitude pela própria atitude do Sr. Ministro da Justiça, negando à lei a ratificação pedida. E, por minha parte, no pressuposto do que a circunstância da inconstitucionalidade da lei seja fundamento bastante para lhe ser rejeitada a ratificação, desejo desde já formular um voto: o voto de que o Sr. Ministro da Justiça, no exercício, que tam benéfico tem sido à Nação e ao Estado Novo, da sua alta função, dê a esta Assemblea o ensejo de apreciar largamente, cuidadosa-

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mente, de discutir, sob a forma duma proposta de lei que regule definitivamente êste problema dos foros e do seu pagamento, os princípios que o orientam, as teses que tam ardentemente e sabiamente defende. Formulo êste voto sinceramente, que mais não seja para poder pronunciar-me então com a possibilidade que não tive agora de os meditar e discutir, sôbre êsses princípios, essas teses: o sentido actual e antiliberal do direito da propriedade, a utilidade e conteúdo da enfiteuse, a evolução do pensamento jurídico no sentido da abolição ou manutenção da cláusula ouro e outros tantos temas a que só de passagem me posso agora referir.

Quando se fala nos atentados do século XIX contra o direito da propriedade fala-se nas ofensas que a legislação liberal fez ao conteúdo, à essência dêsse direito, que não significa apenas a faculdade de usar e fruir livremente a posse da terra, mas sim simultaneamente com aquela faculdade o direito cuja fruição mantém o homem vinculado à terra, pois é da manutenção desse vínculo que se alimenta a instituição da Família e o próprio amor pela Pátria. Muitos séculos de história criaram as múltiplas cadeias desse vínculo; algumas, na sua função jurídica e económica, pesadas, algumas inúteis, como já em tempo de D. João VI, e sem que fosse necessária a revolução liberal, se reconhecia.
Mas esta quebrou-as todas, libertando, é facto, a propriedade, mas não robustecendo com isso o direito de propriedade; como libertou, em seu dizer, o trabalhador sem que robustecesse os direitos do trabalho, como libertou o cidadão sem robustecer com isso a Família, a Cidade ou a Nação! Propriedade livre, trabalho livre, cidadão livre! Triste liberdade suicida, que perverteu os caracteres e as finalidades humanas da propriedade, que roubou ao trabalhador a protecção corporativa, que instituiu na vida cívica o tráfico do voto e das consciências!
Mousinho da Silveira é um dos grandes obreiros dessa revolução.
Eis o seu retraio por Oliveira Martins:

Leu.

O Sr. Pinto da Mota (interrompendo): - Isso é um má língua ... Todo êle é pejorativo ... Nem sequer se trata de um crítico, mas de cópia ...

O Orador: - Mas está bem escrito e com certeza quanto a esta parte não foi copiado ...

O Sr. Pinto da Mota: - Desculpe V. Ex.ª, mas era preciso dizer isto, porque estalou a nossa paciência ...

O Orador: - Pois então vejamos:
«O que deixamos dito sobre a vida de Mousinho preparou o espírito do leitor para avaliar o carácter das suas leis, que agora comentaremos brevemente. Dois princípios fundamentais servem de alicerce a esse notável corpo jurídico.
É uma liberdade individual, concebida como um imperativo absoluto, inerente à natureza racional do homem, direito superior a qualquer outro, e inatacável, absolutamente soberano, em todas as suas manifestações jurídicas, intelectuais- e económicas. Daí a reforma do direito penal com o júri; a do direito civil com a inviolabilidade e a liberdade do pensamento; a do direito económico com a exclusiva individualização duma propriedade indiscutível e soberana. É o outro fundamento a utilidade positiva, subordinando tudo à produção da riqueza, com um critério prático materialista que deixava subalternizados todos os anteriores critérios distributivos, sem propriamente os negar».

E mais adiante:

«De toda a gente que seguia D. Pedro, só Mousinho tinha propriamente ideas. Que ideas eram essas? Eram as da soberania do Indivíduo, da negação formal da Sociedade como cousa organicamente real. Eram as da individualização de toda a propriedade e da liberdade de toda a concorrência. Eram as da negação da autoridade, as da anarquia; porque só no foro do indivíduo se dizia haver capacidade real e direitos positivos».

Êste era o homem, Sr. Presidente!
A invocação do seu nome pelo Ministro da Justiça do Estado Novo, a exumação de um texto da sua autoria em que se exprime bem a sua alma e a sua mentalidade de demagogo, essa perfilhação insistente de um dos temas mais caros ao espírito revolucionário de Mousinho da Silveira, qual era o de que o direito de propriedade, dissociado do trabalho que nela se encorpora imediatamente, se demihue em sua legitimidade histórica e moral, e, finalmente, a evocação que a prosa de Oliveira Martins nos faz da sua obra, levam-me a recear que ou S. Ex.ª ou eu estejamos a ser unidos na defesa da ordem tradicional que o Estado Novo deseja restaurar, não por uma comunhão de ideas fundamentais, mas por um equivoco que tarde ou cedo terá de esclarecer-se. Sim, porque S. Ex.ª ressuscita, para nos convencer ou confundir, o principal arquitecto das ruínas sociais que o século XIX nos legou, quando eu afinal julgava que o Estado Novo, de que o Sr. Ministro da Justiça é obreiro, se propunha, precisamente, restaurar o edifício secular que ele e os seus comparsas arruinaram.
Sr. Presidente: não sabemos o destino que está reservado à instituição da enfiteuse, contra a qual a Revolução Francesa partiu em guerra, proibindo para o futuro, pela lei de 18 de Dezembro de 1790, os emprazamentos perpétuos e reduzindo os existentes a noventa e nove anos; não sabemos se lhe estará reservado o mesmo destino de outras instituições que o século XIX destruiu e que informavam, robustecendo-o e limitando-o ao mesmo tempo, o direito de propriedade; nem esse é o assunto que neste momento nos interessa.
Sabemos apenas que o decreto em discussão lhe desfere um golpe mortal, tornando inviáveis as estipulações que lhe davam maior viabilidade, porque satisfaziam, quanto é economicamente possível satisfazê-las, exigências de uma escrupulosa previsão do futuro que orientam as vontades, em contratos de tam grande alcance temporal como os contratos de enfiteuse; sabemos que as estipulações relativas ao pagamento em moeda-ouro, ou ouro sonante, são abolidas pelo decreto actual.
E porquê? E com que fundamento?
Com fundamentos muito discutíveis; com fundamento numa disparidade verificada entre a valorização dos produtos da terra e a valorização do ouro; com fundamento numa pretensa evolução do pensamento jurídico contemporâneo no sentido da abolição da cláusula ouro; com fundamento, e êste é o ponto que mais interessa à Assemblea, porque é nele que se exprime todo o conteúdo da lei nova, com fundamento numa pretensa interpretação das leis vigentes, interpretação aliás contrária à jurisprudência dos tribunais.
A divergência a que se refere, com apoio das estatísticas, o Sr. Ministro da Justiça, verificada entre a curva dos preços dos produtos da terra e a curva mais alta, de ritmo ascendente mais pronunciado, do preço do ouro, tinha de ser objecto de uma análise muito profunda para se concluir depois sobre o seu verdadeiro significado e sôbre a sua interpretação no problema económico-jurídico que ora nos preocupa. Não há tempo, não há possibilidade de fazer essa análise; mas devo dizer que mais directamente interessantes ou relevantes do que a estatística comparativa em que o Sr. Ministro

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da Justiça baseia a sua argumentação são estes simples números que ofereço à consideração desta Assemblea, sem aliás lhes atribuir a fôrça de um argumento decisivo, porque, repito, o problema ó demasiado transcendente para ser estudado sob a forma sumária com que o Sr. Ministro da Justiça o apresenta e com que eu, não dispondo do tempo que S. Ex.ª utilizou, sou forçado a apresentá-lo também. Mas repito: mais interessantes dó que os números que o Sr. Ministro da Justiça cita como índices do preço dos produtos da terra, do custo da vida e valorização do ouro são estes que vou citar:
O valor do ouro amoedado existente na Europa, América, Austrália e Japão aumentou em 11 por cento desde 1914 a 1928; no mesmo período de tempo aumentou em 30 por cento a soma de todos os valores produzidos nos mesmos países. O fôro não incide sobre os produtos da terra mas sobre a terra; a valorização da terra, a valorização da propriedade, em relação com o aumento do poder aquisitório do ouro, interessa mais ao nosso problema do que as informações estatísticas que o Sr. Ministro da Justiça nos forneceu.
Quanto à evolução do pensamento jurídico no sentido da abolição da cláusula ouro, limitar-me-ei em primeiro lugar a repetir que, contra a opinião dos tratadistas e jurisconsultos citados pelo Sr. Ministro da Justiça, muitos outros autores e homens de lei se têm manifestado em todo o mundo.
Estamos ainda em plena controvérsia. Mas podemos dizer, duma maneira geral, que toda essa controvérsia, como é notório, se faz sob os interesses do Estado e os interesses gerais. A abolição da cláusula ouro não se fez nos países citados porque o exigissem o interesse de duas Misericórdias.
O fenómeno é peculiar à época de desorganização financeira em que vivemos. Estados perdulários ou mal administrados, ou que tiveram como único recurso para os seus apertos financeiros a desvalorização das moedas internas ou, mais concretamente, o imposto da inflação, sentiram a necessidade de defender essa política financeira de bancarrota contra a reacção dos interesses particulares das actividades económicas, a quem, ao contrário, interessava a existência duma medida geral e estável de valores. Esta reacção exprimiu-se por um movimento geral no sentido da adopção da cláusula ouro, precisamente o movimento denunciado na circular do Ministro da Justiça francês que o nosso Ministro da Justiça invoca e transcreve. E é a esta reacção, generalizada e prejudicial à sua política financeira, que certos Estados responderam com a abolição da cláusula ouro. Fizeram-no com o apoio de muitos juristas mas não de todos.
Em todo o caso, o que se não negou nem pode negar-se é que a possibilidade de utilizar o ouro como medida geral e estável de valores significa saúde, significa moral-na economia. O Estado que abole a cláusula ouro confessa que não tem saúde nem pode ser honrado; mas o facto de se não ter saúde nem se poder ser honrado não quere dizer que seja melhor ser enfermo nem que seja moral não ser honrado!
O alto sentido da política económica e financeira do Estado Novo, tal como o define, em variadíssimos discursos, o Chefe da Revolução Nacional, não é outro senão o dum regresso à saúde e à moral económicas; o equilíbrio financeiro, a deflação progressiva e pendente, a valorização da moeda pelo refôrço do gold exchange standard, a tentativa heróica no caminho da estabilização real e da convertibilidade da moeda, atalhada pelas circunstâncias e pela pressão da desordem internacional, mas não abandonada nem comprometida irremediavelmente, demonstram claramente que a idea da abolição dá cláusula ouro não tem seu clima propício no sistema dos conceitos económicos do Estado Novo.
E por isso mesmo o Estado Novo não a aboliu.
Não a aboliu, duma maneira geral. E duma maneira particular não a aboliu em matéria de foros, antes lhe reconheceu expressamente a vitalidade e a viabilidade.
É isto que importa dizer e demonstrar.

Mas, repito, não estamos a discutir os benefícios, o conteúdo e a oportunidade da enfiteuse. Se o problema interessa ao alto espírito reformador do Sr. Ministro da Justiça, abalance-se S. Ex.ª à abolição dêsse instituto, ou à sua restauração nas condições e com os objectivos que os interesses do País e a época actual aconselham. Esta Assemblea honrar-se-á com colaborar num empreendimento dessa natureza. Mas o decreto actual não pretende a tam alto fim. O seu autor diz-nos que se trata duma lei meramente interpretativa da legislação vigente sobre foros e, concretamente, sôbre a forma de pagamento dêsses foros.
Será uma lei interpretativa?
Vai-se provar que não é.
E essa discussão, que é afinal a discussão de toda a lei, conduz-nos desde já a estoutra questão: porquê e para quê se disfarçou em interpretativa uma lei claramente dispositiva, uma lei que vem afinal abolir a cláusula ouro dos contratos, admitida por toda a legislação vigente à data da publicação do decreto?
Não sei! Mas a Assemblea não poderá ser indiferente a este facto: a lei altera e modifica situações jurídicas criadas e mantidas pelos tribunais, à sombra da legislação vigente. É, portanto, uma lei dispositiva. O facto de se lhe chamar, contra toda a evidência, interpretativa parece ter apenas uma razão justificativa: a de que, nos termos gerais de direito, não prevaleça contra ela o caso julgado. Sendo assim, mais uma vez se revelaria a intenção, que reputo antijurídica e anti-social, de se corrigirem com ela certas decisões dos tribunais e de se servir com ela determinado interesse particular.
A presente lei, abolindo a cláusula ouro, inutilizando as estipulações em ouro nos contratos de enfiteuse, revoga toda a legislação que as permitia e protegia até hoje.
Para afirmar o contrário seria necessário provar que os artigos 723.º e 724.º (e especialmente o seu § 3.º) e outras designações do Código Civil estão revogadas.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Talvez esteja melhor aí derrogadas.

O Orador: - Eu agradeço muito a V. Ex.ª, Sr. Dr. Mário de Figueiredo, que mo corrija, sempre que houver oportunidade, na terminologia jurídica, porque, repito, não sou jurista.
Isso não foi provado no relatório do decreto; isso não está provado na exposição do Sr. Ministro da Justiça. O. contrário, sim, pode e vai-se provar.
Diz o relatório do decreto-lei n.º 30:131:

«O pagamento deverá ser feito tendo em conta o ágio do ouro-mas como calcular o ágio?»

O problema, nestes termos, está mal pôsto e o facto de ter sido mal pôsto nestas palavras do relatório o paralogismo do legislador cuja resultante tinha de ser, por isso mesmo, errada.
O problema deve ser pôsto assim:

«O pagamento dos foros em ouro deverá ser feito em ouro, tendo-se em conta o ágio do ouro, para o efeito da sua liquidação em moeda que seja ouro, e assim não há apenas a questão do saber como calcular o ágio. Em primeiro lugar, há que encontrar a equivalência, tratando-se dum contrato anterior à reforma monetária de 1931, em moeda-ouro corrente da obrigação contratada numa

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moeda-ouro que já não tem curso legal no momento da liquidação; em segundo lugar, haverá que calcular o ágio do ouro se a liquidação não foi feita em moeda-ouro corrente».

Toda a legislação invocada no relatório a propósito deste assunto e, especialmente, o decreto n.º 21:199, de 4 de Maio de 1932, que regula o pagamento em ouro dos foros, responde à primeira daquelas preguntas; isto é, a legislação invocada pelo autor da lei diz-nos como devemos calcular a equivalência entre a obrigação em ouro contraída antes da reforma de 1931 e a prestação em ouro devida em vigência desta reforma.
Nada nos diz, porém, quanto ao cálculo do ágio do ouro; em nenhuma das disposições invocadas se fala no ágio do ouro; e o paralogismo ou falso raciocínio do legislador denuncia-se mais uma vez ao afirmar, no relatório deste decreto, que o artigo 25.º do decreto n.º 19:869 diz como se deverá calcular o ágio do ouro, quando a verdade é que nesse artigo se não fala no ágio do ouro, mas apenas se estabelece a razão da equivalência entre o escudo-ouro antigo e o escudo-ouro moderno, entre a moeda-ouro em que fôra contratada a obrigação e aquela em que deverá ser liquidada. Com efeito, o referido artigo 25.º do decreto n.º 19:869 reza assim:

«Os direitos e obrigações que por lei ou contrato estejam referidos ao escudo-ouro consideram-se, desde l de Julho de 1931, referidos ao escudo-ouro definido no artigo 1.º deste decreto, multiplicando-se aquele por 24,444».

Detenhamo-nos na análise deste artigo.
Torno a lê-lo:

«Os direitos e obrigações que por lei ou contrato estejam referidos ao escudo-ouro consideram-se, desde 1 de Julho de 1931, referidos ao escudo-ouro definido no artigo 1.º dêste decreto...».

Se, portanto, eu tenho obrigação de pagar um fôro em ouro, em virtude de contrato anterior ao decreto de 1931, devo referir-me à moeda-ouro definida neste decreto, à moeda-ouro em que tenho o direito de receber o pagamento do fôro. E por êste artigo verifico que a moeda-ouro actual, para exprimir um produto de valor igual ao expresso em moeda-ouro antiga, deve ser multiplicada pelo factor 24,444. Assim, um escudo-ouro antigo vale, actualmente, segundo este decreto, pouco mais de 24$ ouro.

O Sr. Pinto da Mota: - Eu gostava que V. Ex.ª me dissesse, fazendo as contas, qual é o resultado dessa multiplicação. Aí o que interessa é a aritmética e não a jurisprudência.

O Orador: - O escudo-ouro definido no artigo 1.º do decreto n.º 19:879 pesa menos 24,444 vezes do que o escudo-ouro antigo.

O Sr. Pinto da Mota: - Não é isso o que diz a lei.

O Orador: - V. Ex.ª quere que eu leia o que diz a lei?
É o seguinte:

Leu.

O Sr. Pinto da Mota: - Qual é êsse escudo-ouro?

O Orador: - Eu suponho que não pode haver dúvida de que uma obrigação expressa desde 1931 pela unidade escudo-ouro tem de ser liquidada, após a vigência do artigo 25.º do decreto n.º 19:869, aplicando o factor 24,444. É isto o que o artigo 25.º do decreto citado nos diz.

O Sr. Pinto da Mota: - Isso é muito ouro e muito escudo. O que me parece que V. Ex.ª deve fazer é multiplicar zero, vírgula, etc., etc., pelos 24,444 e dá-lhe isso os 110$ por libra. Não chega lá, mas é quási.

O Orador: - V. Ex.ª sabe bem a consideração que eu lhe dedico, mas, como disse, há um interesse enorme em que todos estes pontos sejam esclarecidos. V. Ex.ª está a interromper-me e a pôr objecções ...

O Sr. Pinto da Mota: - Esclarecimentos, que é diferente.

O Orador: - ... que eu agradeço.

O Sr. Pinto da Mota: - Eu estou a ouvir V. Ex.ª com a maior atenção e estou a pedir esclarecimentos; objecções não lhe faço. Isso é aí nesse lugar.

O Orador: - Eu desejaria que V. Ex.ª então me repetisse o que disse para que a Assemblea o ouvisse também. V. Ex.ª afirmou que eu teria de multiplicar por 24,444 zero, vírgula, o quê?

O Sr. Presidente: - Eu pedia a V. Ex.ªs o favor do não interromperem o orador por esta forma...

O Sr. Pinto da Mota: - Mas o orador pede-me directamente para eu lhe responder.

O Sr. Presidente: - Eu peço ao Sr. Dr. João do Amaral o favor de abreviar as suas considerações.

O Orador: - Eu bem desejo aproveitar todo o tempo regimental e aquele que a benevolência de V. Ex.ª me conceder para tratar deste assunto, de forma que a minha argumentação possa conduzir ao esclarecimento da Assemblea.

O Sr. Presidente: - E os Srs. Deputados que não concordarem com essa argumentação vêm à tribuna.

O Orador: - Dizia eu: da leitura que fiz do artigo 25.º deve tirar-se esta primeira conclusão:
As obrigações contratadas em ouro serão liquidadas em ouro. O artigo não revoga a cláusula ouro nos contratos que a contenham; diz inequivocamente: «os direitos e obrigações que por lei ou contrato estejam referidos ao escudo-ouro consideram-se, desde 1 de Julho de 1931, referidos ao escudo-ouro ...».

Mas êste escudo-ouro a que, depois de 1 de Julho de 1931, ficam referidas as obrigações em ouro, contraídas antes daquela data, não é igual ao escudo-ouro que então existia. Este escudo-ouro é uma moeda diferente, definida no artigo 1.º do mesmo decreto n.º 19:869. É um escudo-ouro com o pêso de Ogr,0739 com o título de 900/1000, ao passo que o antigo escudo-ouro tinha o pêso de 1gr,8065 com o mesmo título. E sendo assim, por isso mesmo que o legislador de 1931 não pretende lesar direitos legítimos, o citado artigo 25.º do decreto n.º 19:869 esclarece que o credor de obrigações que por contrato estejam referidos a escudo-ouro deverá receber, depois da reforma de 1931, por cada escudo-ouro anterior à dita reforma 24,444 escudos-ouro da nova moeda.

O Sr. Belfort Cerqueira: - V. Ex.ª pode dizer-me se o escudo-ouro ainda existe depois de a moeda ter deixado de ser convertível?

O Orador: - O escudo-ouro existe legalmente como moeda-padrão.

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O Sr. Mário de Figueiredo: - Eu nunca o vi.

O Orador: - Existem como moedas-ouro os soberanos e meios soberanos ingleses. São essas que têm curso legal.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Não existem como moeda.

O Orador: - Eu peço desculpa a V. Ex.ª A libra-ouro não existo onde porventura nós desejaríamos que ela existisse. Mas se V. Ex.ª tivesse necessidade de fazer certos trabalhos do prótese dentária teria ensejo de verificar que a libra-ouro até nos dentistas existe ...

O Sr. Mário de Figueiredo: - Como mercadoria, como os cordões de ouro das mulheres da minha terra.

O Orador: - Existe e pode-se comprar. A libra tem cotação legal.

O Sr. Presidente: - Tenho a prevenir V. Ex.ª que, contra o Regimento, permiti que V. Ex.ª falasse uma hora. Peço-lhe pois para resumir as suas considerações.

O Orador: - Eu agradeço a V. Ex.ª a sua observação e vou terminar, tanto mais que terei de voltar a este assunto.
Limitar-me-ei a dizer: o artigo 25.º do decreto n.º 19:869 não fixa nem pretende fixar o ágio do ouro; fixa o pretende fixar a equivalência existente entre a antiga o a moderna moeda-padrão; o factor dessa equivalência ó o número 24,444 porque o novo escudo-ouro tem 24,444 vezes menos ouro do que o escudo-ouro antigo. Este pesava 1gr,8065; aquele pesa 0gr,0739; o pêso do actual escudo-ouro, multiplicado por 24,444, dá exactamente o peso do antigo escudo-ouro.
Havendo por liquidar em ouro uma obrigação contraída em ouro tem de se ter em conta êste factor de equivalência.
A discussão dêste assunto enferma de uma confusão proveniente de uma errada noção do que seja o ágio do ouro. Assim, no seu relatório, o Sr. Ministro da Justiça diz: «Com efeito, o decreto n.º 21:199, de 4 de Maio de 1932, posterior ao decreto que suspendeu a convertibilidade (n.º 20:683, de 29 de Dezembro de 1931), manda aplicar o artigo 25.º do decreto n.º 19:869, o que quere dizer que se deverá calcular pelo respectivo factor o ágio do ouro para efeito do pagamento de foros, etc.».
Isto é, o Sr. Ministro da Justiça chama ágio do ouro ao factor 24,444, de que fala o artigo 25.º do decreto n.º 19:869.

O Sr. Pinto da Mota (interrompendo): - Isso não pode ser.

O Orador: - É um êrro que chega a não se compreender.

O Sr. Pinto da Mota: - É que o Sr. Ministro não diz isso ...

O Orador: - Perdão! Diz aqui.

Leu.

O Sr. Pinto da Mota: - O ágio do ouro é uma cousa e o factor 24,444 é outra.

O Orador: - O que há, a meu ver, não só no espírito do Sr. Ministro da Justiça, mas no de muitas pessoas que têm versado este problema, é uma confusão entre o ágio do ouro e esse factor 24,444.

O Sr. Pinto dá Mota: - V. Ex.ª pede uma libra-ouro, a chamada «libra careca», e verifica que anda por 55; não é 24,444.

O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª a explicação, mas para mim não precisa dizer-me o que é o ágio do ouro; deve dizê-lo ao autor do decreto. O factor 24,444 não é o ágio do ouro por duas razões fundamentais...

O Sr. Mário de Figueiredo: - É evidente que não é o ágio efectivo hoje.

O Sr. Cancela de Abreu: - Está toda a gente de acôrdo.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Mas para efeito de foros é como se fosse; para efeito do pagamento de escudos-ouro em matéria de foros é como se fôsse.

O Sr. Vasco Borges: - Para efeito de pagamento de foros é o ágio convencional ou legal. Mas também esse é o ágio do Ministério das Finanças.

O Sr. Botto de Carvalho: - Até se descobriu o ágio internacional.

O Orador: - Eu acabo de ler o que diz a legislação sobre foros, na parte que interessa.
O artigo 25.º do decreto n.º 19:869 diz-nos que os contratos, ou, melhor, as obrigações deles resultantes, em ouro, devem ser pagos em ouro. Indica-nos qual é o factor de equivalência entre o ouro de que se tratava à data do contrato respectivo e o ouro em que se deve pagar depois da lei de 1931.

O Sr. Carlos Borges: - Não é para conversão em moeda corrente?

O Orador: - Eu torno a ler o artigo 25.º do decreto n.º 19:869:

Leu.

O Sr. Pinto da Mota: - São os 110$ ou cerca disso.

O Orador: - Repetindo, o artigo 25.º diz que para se encontrar a equivalência entre o escudo-ouro antigo e o moderno se multiplica o escudo-ouro antigo por 24.
Não é isso Sr. Dr. Mário de Figueiredo?

O Sr. Mário de Figueiredo: - Eu não concordo, mas não quero interromper V. Ex.ª, porque vou demonstrar daqui a pouco na tribuna que V. Ex.ª não tem razão.

O Orador: - Sr. Presidente: terei, pelo que vejo, de voltar a esta tribuna. Tive ocasião de me referir e de fazer uma análise muito sucinta a certos princípios expostos na comunicação do Sr. Ministro da Justiça e que de certa maneira concorreram para defesa desta doutrina. Entrava apenas agora na apreciação das disposições do decreto; entrava apenas agora na demonstração de que esta lei não é uma lei interpretativa, mas dispositiva e que revoga a legislação vigente sobre foros. Não quero, porém, abusar da benevolência de V. Ex.ª, nem da Assemblea. Eu próprio estou fatigado e não posso aceitar que esta parte do debate seja levada pela fornia a que a falta de tempo nos obriga; isto é, eu desejaria que esta segunda parte da discussão pudesse travar-se em termos que cada ponto dela ficasse perfeitamente esclarecido, antes de passarmos a outro ponto. Como voltarei a esta tribuna, espero que isso me seja mais fácil.

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Sr. Presidente: eu insisto. Nesta altura apenas posso invocar a razão já invocada de não ter havido motivo de urgência e de necessidade públicas para a publicação desta lei, e esta lei, pelo seu processo de formação, tender nitidamente a corrigir a jurisprudência constante de assentos e acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça.
Por estes dois motivos, que são bastantes, solicito o voto da Assemblea para negar a este decreto toda e qualquer espécie de ratificação, porque a ratificação com emendas, mesmo, dá origem ao facto consumado, que se iniciou, pois que apesar de uma explicação que o Sr. Ministro da Justiça nos trouxe na sua exposição sôbre o efeito da lei em relação ao caso julgado, estas Misericórdias que fizeram a reclamação pretendem já apelar para os tribunais nos termos em que o decreto as autoriza a fazê-lo.
Quere dizer: pretende-se já criar o facto consumado.
E portanto necessário que este decreto não possa continuar a vigorar, que seja rejeitada pura e simplesmente a sua ratificação.
Termino agradecendo a benevolência de V. Ex.ª e da Assemblea pela forma como me escutaram.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: tomar parte neste debate, depois da comunicação feita à Assemblea pelo Sr. Ministro da Justiça e da representação dirigida à mesma Assemblea pelas Misericórdias de Campo (Maior e Alandroal, é uma tarefa de certo modo dolorosa, e dolorosa porque se sobe a esta tribuna com a convicção de que não há nada a esclarecer, de que tudo está suficientemente esclarecido. E só se é um pouco compensado pela idea de que, se a exposição for insuficiente, cada um dos membros da Assemblea tem à mão os elementos necessários para a tornar completa.
Não vou, Sr. Presidente, tratar da questão da constitucionalidade do decreto proposto para ratificação, nem sob o ponto de vista, jurídico nem político.
Sob o ponto de vista jurídico não o trato, porque não chega a ser questão; a disposição constitucional que permite a emanação de decretos-leis nos casos de urgência e necessidade públicas deixa o Govêrno, detentor desta faculdade, a liberdade de apreciar discricionàriamente aquela urgência e necessidade.
Portanto, neste aspecto, o problema da constitucionalidade, como problema estritamente jurídico, não tem interesse; mas tem-no no ponto de vista político.
É evidente que, no ponto de vista político, esta Assemblea tem competência para verificar e porventura, para afastar a vigência de um decreto-lei, porque entende, colocando-se num ponto de vista diferente daquele em que se colocou o Governo, que ele foi publicado sem haver os requisitos da urgência e necessidade. Esta Assemblea tem competência para isso, mas esta Assemblea que tem competência para isso, repito, não pode, creio eu, razoavelmente pôr esse problema em face. do decreto proposto para ratificação.
Têm vindo à ratificação desta Assemblea dezenas e dezenas de decretos-leis, e nunca foi levantada a questão da inconstitucionalidade por motivo de lhes faltarem os requisitos da urgência e necessidade públicas. Não trato, portanto, dessa questão. Não vou procurar determinar nem descortinar quais foram esses motivos de urgência e necessidade públicas que o Govêrno considerou para emanar êste decreto. Não vou fazê-lo quanto a este decreto, quando o não fiz em relação a outros.

O Sr. João dó Amaral: - Então nunca mais se põe a questão.

O Orador: - Eu não me queixo de V. Ex.ª a ter posto; eu é que não acompanho V. Ex.ª Entendo que fica mal discuti-la; por isso, nem ponho a questão, apesar de ter razões para produzir contra as de V. Ex.ª Não o faço, repito, porque entendo que não me fica bem, nem à Assemblea, estar, a propósito dêste decreto, a pôr um problema que nunca foi posto, a propósito de dezenas e dezenas de decretos-leis que têm vindo à ratificação.
V. Ex.ª, Sr. Presidente, pode fazer-me o favor de ler à Assemblea o sumário do decreto-lei que acaba de ser ratificado.

O Sr. Presidente (lendo): - Autoriza a Câmara Municipal de Reguengos de Monsaraz a ceder gratuitamente ao Estado uma parcela de terreno com destino à construção do novo edifício dos correios, telégrafos e telefones naquela vila.

O Orador: - Então continuemos ....
Outros aspectos sobre o problema da constitucionalidade seriam de considerar se, realmente, a maneira como se apresentam fosse de molde a provocar a sua discussão. Mas não é: dizer que o decreto é inconstitucional porque lhe falta a característica da generalidade ou da abstracção é demonstrar que se não tem uma idea exacta do que isso é. Portanto passemos adiante ...
A questão de saber se a lei atingiu ou não casos julgados já teria interesse para o problema da constitucionalidade. Este ponto será analisado no seguimento das minhas considerações.
Pôsto isto, vou tratar, em primeiro lugar, das questões estritamente jurídicas relacionadas com o assunto em debate, e vou tratá-las no terreno exclusivamente jurídico.
Primeira questão: g desrespeita ou não desrespeita o decreto proposto para ratificação o caso julgado?
Esta questão, como V. Ex.ªs poderão verificar, e eu digo-o desde já, suscita logo esta outra: nos casos que só têm debatido, há no decreto alguma cousa nova ou há que considerar o decreto simplesmente interpretativo do direito existente?
V. Ex.ªs verão que uma questão está ligada com a outra: a questão do caso julgado está ligada com a que eu pus em segundo lugar.
Vou, portanto, começar por tratar desta última.
Nas hipóteses em debate o decreto innovou ou fixou apenas o que já estava contido no nosso sistema de direito?
Eu avanço, desde já, a conclusão. Nos casos em debate o decreto não innovou - fixou simplesmente o que já se continha no nosso direito anterior.
Estou perfeitamente à vontade a discutir esta questão, porque sustentei e continuo a sustentar que o artigo 25.º da reforma monetária está suspenso. Sustentai e continuo a sustentar. Portanto sustento quê para os contratos em geral - visto que o artigo 25.º está suspenso - o regime de pagamento é um regime de pagamento em ouro conforme o ágio efectivo no momento em que é feito. Mas para o pagamento dos foros, em particular, o artigo 25.º está em vigor; a sua execução não está suspensa, não por força do próprio decreto que estabeleceu o regime monetário, mas por fôrça de outro decreto. E vou procurar fazer a demonstração.
Mas para fazer a demonstração preciso, em primeiro lugar, de determinar o verdadeiro alcance do artigo 25.º, já que ele vigora para os foros, porque foi encorporado por um decreto ulterior.
Não sei se conseguirei demonstrar que esse alcance é um certo, porque V. Ex.ªs compreendem o embaraço que há em demonstrar a evidência. Demonstrar a evi-

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dência é andar à roda; a evidência mostra-se, vê-se, não se demonstra.
O artigo 25.º, ao contrário do que se tem afirmado, não exprime exclusivamente uma relação de equivalência. E por uma razão simples: é que onde está o princípio da equivalência é no artigo 1.º da reforma monetária e não no artigo 25.º Este último artigo estabelece uma forma de determinar o montante do pagamento nas obrigações em que, por lei ou convenção, deve ser feito em ouro.

O Sr. João do Amaral: - Em ouro?

O Orador: - Eu digo no regime do decreto, porque no regime da reforma monetária V. Ex.ª não pode distinguir - nem a reforma distingue - entre o escudo-ouro e o escudo-papel.

O Sr. João do Amaral: - V. Ex.ª dá-me licença?
O regime da reforma não está em causa, mas sim o regime do artigo 25.º Ora êste artigo manda-nos multiplicar por 24. Estabelece uma equação, e na equação há dois termos. Portanto, tendo o escudo de ser multiplicado por 24, £ qual é o resultado do produto?

O Orador: - Perdão! Eu sei o que V. Ex.ª quere dizer: é que não se podem multiplicar, por exemplo, batatas por tangerinas.

O Sr. João do Amaral: - A multiplicação é uma soma de parcelas iguais cujo número nos é dado pelo multiplicador. De maneira que V. Ex.ª, multiplicando o escudo-ouro por 24,444 no artigo 25.º, encontra escudos-ouro, que no regime da reforma eram iguais ao escudo-papel, mas que depois deixaram de o ser.

O Orador: - E portanto eram para pagar em papel, porque escudos-ouro não existiam.

O Sr. João do Amaral: - No regime da reforma? V. Ex.ª esquece-se que se estabeleceu o soberano.

O Orador: - Eu vou esclarecer, com certeza, V. Ex.ª e a Assemblea, dizendo qual é o conteúdo do meu pensamento.
V. Ex.ª diz: «Tem soberanos e meios soberanos para pagar»; mas a mim, pagador, ninguém pode obrigar-me a pagar numa moeda diferente da especificada nos contratos; ninguém pode obrigar-me a pagar em soberanos, quando se estipulou o pagamento em escudos. Porque os escudos-ouro não existem é que se estabeleceu uma relação de equivalência para pagar em papel.
V. Ex.ª não tem razão. Faz trocadilhos de palavras - e mais nada.

O Sr. Presidente: - Peço ao Sr. Dr. João do Amaral o obséquio de deixar o Sr. Dr. .Mário de Figueiredo fazer a demonstração, porque, de contrário, embrulha-se tudo.

O Orador: - Ora sucede o seguinte: como resulta dos factos e do próprio decreto sobre a reforma monetária, o escudo-ouro era 1/24,444 do escudo da reforma de 1911, e o escudo-papel era 1/24,444 do da reforma de 1911.
E assim se entende que o artigo 25.º estabeleça uma forma de determinar o montante em escudos-papel do pagamento de uma dívida em escudos-ouro.
Essa era a função do artigo 25.º E porque isto assim era é que eu sustentei que o artigo 25.º não está em vigor, porque ele pressupunha, na verdade, e todo o decreto sobre a reforma monetária pressupunha, de facto, estabilização e equivalência entre o escudo-ouro e o escudo-papel, equivalência, guardada a proporção, entre o escudo-ouro e a libra-ouro.
Mas, como essa equivalência em certo momento desapareceu, faltou o pressuposto de facto em que assentava o artigo 25.º, e, porque faltou, o artigo 25.º ficou suspenso para a generalidade dos casos.
Eu creio que ninguém contesta que, se a estabilização se tivesse mantido através de tudo, poderiam pagar-se em escudos-papel os tais escudos-ouro, multiplicando o seu número por 24,444.
Não está, em geral, em vigor; mas estava em vigor para os foros, antes do decreto proposto para ratificação. Porquê? A demonstração é muito simples e imediatamente apreensível: é que há uma lei posterior à queda do escudo e à queda da libra - são dois fenómenos paralelos - que manda pagar, do mesmo modo como se faziam os pagamentos antes da queda, nos contratos em geral, que manda pagar, repito, nos mesmos termos, isto é, encontrando-se o montante através do factor 24,444.
Quanto aos foros, eu já não posso, por isso, partir da mesma pressuposição que me determinou a sustentar que para os contratos em geral não vigora o artigo 25.º Porquê? Porque precisamente o factor 24,444 apareceu depois da queda da libra e da queda do escudo, isto é, apareceu depois do momento em que o ágio já conduzia ao estabelecimento de um factor mais elevado do que o estabelecido na reforma monetária de 1931.
Eu digo: o ágio em que se baseou a reforma monetária de 1931 foi «um certo», e êsse «um certo» dava, para encontrar ouro, representado em papel, o factor 24,444.
Ora bem. Mas quando o ágio que tinha servido de base à disposição do artigo 25.º da reforma monetária se modificou, vem um decreto e diz: apara este contrato o factor continua a ser o mesmo. E, assim, o ágio do ouro para pagamento de foros continua a ser o mesmo: não é o ágio efectivo; é outro fixado por lei.

O Sr. João do Amaral: - Mas o artigo 25.º não fala em ágio!

O Orador: - Eu creio que já expliquei o meu pensamento, e creio que escuso de repetir as mesmas palavras.

O Sr. João do Amaral: - Mas o decreto não fala, mesmo, em papel-moeda!

O Orador: - Mas V. Ex.ª não tem ouro e, assim, continua a pagar em papel-moeda.
Isto é tanto assim que, para se demonstrar que não era como eu digo, foi preciso afirmar ao mesmo tempo que o decreto de 4 de Maio de 1932 era perfeitamente inútil.
Se isto é assim, quanto a um dos casos, posso afirmar que o decreto proposto para ratificação não innova nada; fixa o direito já em vigor.
Agora pregunta-se: Mas se é isso, para que foi emanado? Porque é que não se deixou aos tribunais o fixarem definitivamente a jurisprudência?
Sempre tive este ponto de vista: as decisões dos tribunais são para se cumprirem; e, se se verifica em muitos casos que elas são contrárias à lei, uma de duas: ou há que reformar o tribunal, cumprindo-se, não obstante as suas decisões, porque para as cumprir há um princípio de ordem pública mais elevado, ou há que fixar autenticamente a interpretação da lei.
A nossa jurisprudência estava dividida. Uma certa orientação no Supremo; orientação totalmente diversa nas instâncias. E, poderei mesmo afirmar, na doutrina.

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A orientação do Supremo - manifestamente, segundo creio, mas, se V. Ex.ªs quiserem, e pelo respeito devido a tam alto tribunal, tiro-lhe o manifestamente - era contra a lei.
Que havia a fazer em face desta divergência da jurisprudência? Fixar autenticamente o sentido da lei. Isto não tira em, nada o carácter interpretativo à lei.
Até aqui, um dos casos.
O outro caso é muito simples e põe-se em termos paralelos.
O outro caso é este: cláusula contratual segundo a qual o pagamento será feito em ouro ou prata.
Em direito ensina-se - e digo isto apenas para os membros desta Assemblea que não são formados em direito - que uma obrigação que se apresenta com esta aparência é uma obrigação alternativa: ouro ou prata. E, quando se está em presença de obrigações alternativas, uma de duas: ou a escolha da, prestação pertence ao credor ou a escolha da prestação pertence ao devedor.
E, segundo um princípio geral de direito, quando o contrato se cala sôbre a pessoa a quem pertence a escolha, esta pertence ao devedor.
Portanto, se uma cláusula diz ouro ou prata, não indicando a quem pertence a escolha, esta pertence ao devedor.
Que decidiu o tribunal? Na fase declaratória da acção o tribunal decidiu: sim, senhor, deve ouro ou prata. Na fase executória da acção, quando se tratava de executar esta decisão, o tribunal decidiu ouro e prata.
São soluções totalmente diferentes. Num caso «ouro ou prata; noutro caso «ouro e prata».
E assim sucedeu que o devedor do foro - o fôro era de 400$ - foi, na execução, obrigado a pagar 390$ em ouro e 10$ em prata, quando tinha sido condenado a pagar em ouro ou prata, e, assim, como a escolha lhe pertencia, podia encontrar o montante multiplicando pelo factor 10 em vez de pelo factor 24,444. Mas o tribunal, na fase executória, ao interpretar o acórdão exequendo, modificou-o.
Em todo o caso o tribunal decidiu. Execute-se a decisão, porque seria muito mais grave não o fazer (embora o fazê-lo conduza a soluções manifestamente injustas), em virtude do princípio superior do respeito pelo caso julgado.
É indiscutível que o tribunal julgou mal, mas execute-se a decisão.
O que acabo de dizer a V. Ex.ª era o direito anterior ao decreto; era o direito vigente ao tempo em que se julgou.
Logo, para quem aceita a ordem de considerações que tenho feito, não há dúvida de que, na hipótese, o decreto é interpretativo, e, assim, não atinge o caso julgado.
É doutrina pacífica: toda a gente o ensina, não há ninguém que se preocupe com cousas do direito que não sustente isto: a lei interpretativa aplica-se às situações que se produziram no domínio da, lei interpretada, mas respeita o caso julgado. Portanto, nesta hipótese, o caso julgado está respeitado.
Nada há no decreto contra isto.
É claro, contra isto diz-se: mas então a disposição que diz que as normas anteriores se aplicam aos foros vencidos? Então isso não é nitidamente atentatório do caso julgado?
Respondo que não. De resto, o Ministro da Justiça também o afirma. E não é porquê?
V. Ex.ªs compreendem que pode haver foros vencidos cobertos ou não cobertos por um caso julgado. É da própria natureza da lei interpretativa aplicar-se aos foros vencidos não cobertos pelo caso julgado, como é da natureza da lei interpretativa respeitar os foros vencidos cobertor por um caso julgado, embora ainda não pagos.
Mas ainda aqui pode haver uma dúvida. Não quanto, ao caso das «Polvorosas», porque, apesar de ter sido pedida a condenação dos foros vencidos e vincendos, esta só abrange os vencidos. Quanto a êste caso, por consequência, o problema não foi pôsto; mas foi-o a propósito das herdades de que são foreiras as Misericórdias de Campo Maior e do Alandroal. Aí a condenação é nos foros vencidos e vincendos. E naturalmente; põe-se o problema de saber: quais são os foros, na hipótese, cobertos pelo caso julgado?
Claro que os foros vencidos no momento do caso julgado não há dúvida que estão cobertos por ele. Quanto aos foros que se venceram depois do caso julgado, entendo, sem ter feito uma análise completa da questão, que, à medida que se vão vencendo até ao momento da vigência do decreto proposto para ratificação, vão sendo cobertos pelo caso julgado. Portanto em nada este decreto atingiu o caso julgado.
Então a que vem dizer-se que se desrespeitam as decisões dos tribunais com o decreto proposto para ratificação? A que vem dizer-se que, para o futuro, é preferível levar no início da acção os processos ao Ministério da Justiça, a fim de ele desde logo indicar em que sentido vai legislar para a hipótese?! Não comentemos ...
Nas questões em discussão fixou-se direito existente. Nas questões em discussão o decreto não atinge o caso julgado, não lhe toca. Deixa-o intacto.
Resta agora considerar outro aspecto que deve ser apreciado pela Assemblea, desde que o decreto foi apresentado para sua ratificação. É este: As soluções fixadas no decreto são justas?
Pôr o problema, como o acabo de enunciar, implica naturalmente investigar qual deverá ser o critério de justiça que há-de orientar-nos para podermos sôbre a matéria tomar uma posição.
Como em muitos outros, põe-se nesta matéria um conflito de ordem sociológica e jurídica grave. Esse conflito é este: de um lado, o respeito pelo princípio de autonomia da vontade; do outro, as exigências do movimento social e económico que conduzem a que seja tocado aquele princípio.
V. Ex.ªs sabem que êsse princípio da autonomia da vontade se traduz na disposição de que «os contratos validamente celebrados devem ser pontualmente cumpridos»; é o princípio do respeito pela vontade dos contratantes, tal como foi manifestada. Mas, como disse, surgem, de outro lado, as exigências do comércio económico, que podem obrigar, em certa medida, a tocar aquele princípio da autonomia da vontade. O que é então indispensável? Encontrar um critério de justiça, um elemento de equilíbrio entre esse princípio de autonomia da vontade, levado até às suas últimas consequências, e o princípio que resulta das exigências do comércio económico.
Em matéria de foros o equilíbrio procurou-se através da actualização das prestações clausuladas; e esta actualização, que já vem de longe, fez-se umas vezes, o maior número, contra o foreiro, outras contra o senhorio direito.
Desde muito longe que isto se vem fazendo: contra o senhorio directo quando, em vez de se pagar em ouro o fôro estipulado em ouro, se paga com um ágio legal em vez de com o ágio efectivo; e contra o foreiro e a favor do senhorio directo quando o fôro estipulado em dinheiro, sem designação do metal, se paga não na quantia indicada mas conforme o produto dessa quantia por determinado factor.
Portanto, no movimento geral da nossa legislação desde há muito anos há esta tendência no sentido de

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infringir o princípio da autonomia da vontade. Não direi de o restabelecer com base na teoria da imprevisão.
Seria curioso encontrar o critério a que o legislador terá obedecido. Talvez o critério tenha sido êste: como a enfiteuse é uma forma de propriedade, o movimento do fôro deve aproximar-se do movimento dos preços dos produtos agrícolas. Mas, se assim é, a disposição que manda multiplicar por 24,444 é um critério de justiça aceitável. Isto é, a solução que este decreto vem fixar é a que está mais perto da justiça, porque o coeficiente médio, em geral, da valorização dos produtos da terra é 20.
Tenho assim concluídas as minhas considerações.
Não se ataca o caso julgado; nada se innova nas matérias que foram objecto de reclamação.
O decreto não tem atrás de si, nem podia ter, nenhum escândalo (Apoiados). Não toca nas matérias que chamaram a atenção desta Assemblea e do público no direito existente; fixa-o; as soluções que estabelece são justas e portanto deve ser pura e simplesmente ratificado.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Vasco Borges: - Sr. Presidente: o Sr. Dr. Mário de Figueiredo declarou no princípio das suas considerações que era doloroso produzi-las porque o Sr. Ministro da Justiça, no documento que enviou a esta Assemblea, esgotou o assunto. Não há dúvida, mas após o discurso que o Sr. Dr. Mário de Figueiredo acaba de produzir tenho de considerar as minhas como ociosas. Com efeito, o assunto está não só esgotado, mas esclarecido até à evidência.
As considerações que vou fazer não são, pois, para esclarecer melhor a questão, mas tam somente para responder a algumas afirmações do Deputado Sr. Dr. João do Amaral que me parecem infundadas.
O problema pôsto à Assemblea Nacional pelo decreto--lei n.º 30:131 é, fundamentalmente, o de saber-se sã um foro em réis ou escudos-ouro, metal sonante, estipulado num contrato de enfiteuse celebrado antes de 31 de Dezembro de 1920 deve pagar-se, em 1940, em moeda-ouro ou com o seu equivalente em escudos, ao ágio internacional do ouro.
A questão apresenta dois aspectos: o aspecto económico e o jurídico. Examinaremos em primeiro lugar o lado económico.
Todo êste aspecto é dominado pelo facto seguinte: o ouro deixou de ser moeda e passou a ser mercadoria, porque o seu valor real excede muito o seu poder liberatório. Por sua vez, resultou dêste facto que a convertibilidade acabou em todo o mundo, sem exceptuar os Estados Unidos da América do Norte, onde, de facto, a convertibilidade acabou também, e que a cláusula ouro foi abolida, e até com efeito retroactivo, em todo o mundo, excepto em Inglaterra e na Suíça.
Verifiquemos agora se estes factos económicos, que se observam em todo o mundo, atingem ou não, forçosamente, o pagamento de foros em ouro, metal sonante.
Costuma dizer-se que ouro é o que ouro vale. Partindo-se desse axioma, hoje inteiramente prejudicado, poderia concluir-se que, representando os produtos da terra ouro, porque ouro valem, o enfiteuta, ou seja aquele que cultiva a terra, deve pagar também em ouro a respectiva pensão ao senhorio directo da mesma terra, uma vez que ele tira ouro da terra emprazada. Simplesmente o axioma deixou de ser verdadeiro.
Demonstra-o à saciedade êste facto:
Emquanto os produtos da terra, em relação a 1914, se valorizaram vinte vezes, o ouro valorizou-se cerca de quarenta vezes. Isto não tem discussão.
Ora, pela enfiteuse, a propriedade da terra desdobra-se em duos formas de propriedade, uma teórica e outra útil. O enfiteuta trabalha a terra e recolhe os seus produtos, e por esse disfrute tem de pagar o foro ao senhorio directo. Dêste modo, é com uma parte dos produtos da terra trabalhada por ele que paga o fôro.
Verifica-se, assim, a necessidade duma proporção justa que equilibre as posições do senhorio directo e do enfiteuta. Sem esse equilíbrio o instituto jurídico da enfiteuse transforma-se numa iniquidade inviável e revoltante.
Pôsto isto, a obrigação de pagar o fôro em ouro, metal sonante, poderia conduzir à própria absorpção da terra pelo foro. Quere dizer: o enfiteuta teria de entregar ao senhorio directo todos os frutos da terra e de vender ainda o que lhe restasse para pagar o fôro. E, pelo menos, esta situação conduziria directamente ao locupletamento à custa do trabalho alheio, o mais odioso de todos os locupletamentos, e até um abuso de direito. Em última análise, o foreiro teria de adquirir barras de ouro, alienando para isso a própria terra e o mais que possuísse para pagar o fôro. Encontrar-nos-íamos, deste modo, em frente de um absurdo, e o que é mais, de um absurdo revoltante. Isto no que toca ao aspecto económico.
Vejamos agora qual o aspecto jurídico da questão à luz das leis portuguesas:
Pela reforma monetária de 1854 a moeda de ouro nacional era a coroa e as suas divisionárias e, entre estas, o décimo de coroa, do valor de mil réis.
Em 1911 a reforma monetária desse ano adoptou como unidade monetária o escudo com o mesmo peso de ouro fino do antigo mil réis. E em 1931 estabeleceu-se a convertibilidade do escudo, dando-se-lhe, porém, um pêso-ouro inferior ao do escudo de 1911 e dando-se à libra-ouro a paridade de 110$. Determinou-se, além disso, que o pagamento de obrigações que por lei ou contrato anteriores devessem ser em ouro se faria multiplicando-se o escudo pelo factor 24,444. A convertibilidade, devido ao facto de a libra se ter desligado do padrão-ouro, não se manteve e foi suspensa. Não obstante, o Estado continuou a receber e pagar em ouro, multiplicando o escudo de 1931 pelo factor 24,444. E quanto aos foros pagos em ouro por virtude de contratos anteriores a 31 de Dezembro de 1920, o decreto n.º 21:199, de 1932, determinou que fossem pagos nos termos do artigo 25.º do decreto n.º 19:869, multiplicando-se o escudo-ouro de 1911 por 34,444. Simplesmente, feita esta operação, o seu produto tem de, por sua vez, multiplicar-se por 4$50, que era a paridade legal da libra antes de 1931, e não por 110$, paridade estabelecida pelo decreto n.º 19:869.
Esta segunda multiplicação produz precisamente 110$, quantia que representa o ágio legal do ouro a ter em conta no pagamento em ouro de foros.
Surgiram então divergências nos tribunais e na jurisprudência. Entendiam uns que o decreto n.º 21:199 não resolvia o caso do pagamento em ouro dos foros provenientes de contratos anteriores a 31 de Dezembro de 1920 e que, estando suspenso o decreto n.º 19:869, era, por isso, o artigo 724.º, n.º 4.º, do Código Civil que devia regular esse pagamento, o qual deveria fazer-se em moeda metálica. Entendiam outros que o artigo 7.º do decreto n.º 21:199 resolve efectivamente o caso, e, assim, que o pagamento em ouro devia fazer-se de harmonia com o estatuído no artigo 25.º do decreto n.º 19:869. A maioria das decisões judiciais foi neste sentido, sendo o Prof. Dr. Rui Ulrich de opinião

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que, relativamente aos foros em ouro, não há dúvida nenhuma a este respeito, devendo o respectivo pagamento fazer-se nos termos do decreto n.º 21:199. Todavia continuou a observar-se confusão nas decisões dos tribunais, facto que, consequentemente, originou a incerteza do direito.
O decreto-lei n.º 30:131 veio precisamente pôr termo a essa confusão. Na falta de um assento do Supremo Tribunal de Justiça que estabelecesse doutrina era ao Ministério da Justiça que cumpria dissipar definitivamente as dúvidas.
Foi isso o que veio fazer o decreto-lei que ora se discute. E resolveu a questão bem, não só por força de todos os ensinamentos económicos, mas também por virtude da única interpretação que pode dar-se ao artigo 7.º do decreto n.º 21:199.
Mas afirmou-se: o artigo 6.º dêste decreto revoga uni acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1937. liada de mais inexacto e insustentável.
O decreto-lei n.º 30:131, que se discute, é um decreto interpretativo. Basta êsse mesmo artigo 6.º para o tornar evidente.
Ora a lei interpretativa revoga as leis interpretadas, mas não revoga as decisões dos tribunais proferidas ao abrigo das leis interpretadas.
Isto é da mais rudimentar hermenêutica jurídica. Que, porém, assim não fosse, o artigo 8.º do Código Civil poria as decisões proferidas de harmonia com a lei interpretada absolutamente ao abrigo dos efeitos da lei interpretativa.
Besta referir-me à urgência e necessidade públicas do decreto-lei n.º 30:131.
Da urgência só o Govêrno é juiz, e, constitucionalmente, não tem de dar explicações dêsse facto.
Todavia, poderão alguns pensar que a urgência teria resultado apenas de o Governo desejar subtrair esse decreto à discussão da Assemblea. Também essa hipótese tem de arredar-se, além do mais, porque, nesse caso, o que estaria indicado para se obter esse efeito seria publicá-lo num momento em que o funcionamento da Assemblea Nacional estivesse interrompido.
E quanto ao interêsse público, justifica-o largamente a incerteza de direito que as decisões contraditórias dos tribunais criaram. Mas diz-se ainda: apenas havia em todo o País três casos de foros pagos em ouro. Não é exacto. A verdade é que há já notícia, neste momento, de que só no norte do País se contam mais de cem foros dessa natureza.

O Sr. João do Amaral: - São aos centos os foros em ouro?

O Orador: - Posso afirmar a V. Ex.ª que sim.

O Sr. João do Amaral: - O que me interessava era saber se quando se iniciou o processo de elaboração da lei o Ministério da Justiça tinha conhecimento dessa grande existência de foros em ouro, isto para eu poder ver, exactamente, se a lei surgiu para resolver esses casos ou como motivo exclusivo no caso das Misericórdias.

O Orador: - Não tinha conhecimento directo das centenas de casos que existiam.

O Sr. Carlos Borges: - Há muitos casos que não se conhecem.

O Orador: - Havia, porém, a certeza moral de que existiam no País muitos foros nessas condições.
Não podia averiguar-se rapidamente a verdade concreta, porque, como V. Ex.ªs sabem, o número aritmético estava dependente do conhecimento de informações que era necessário pedir para as conservatórias do registo predial, e isto levou muito tempo, pois aquelas conservatórias tiveram de organizar os registos respectivos e de enviar tais elementos ao Ministério da Justiça, elementos esses que, no entanto, não são absolutamente completos, porque ainda hoje existem muitos foros de que não há conhecimento, visto a enfiteuse não estar sujeita a registo.
Creio, porém, que ninguém de boa fé duvidará do que se afirma no Ministério da Justiça e que eu nesta tribuna já reproduzi; mas é fácil aos que duvidarem verem em poucas horas os números que lá existem.
Bastaria, pois, verificar-se o facto da incerteza do direito que se tinha produzido - quer se tratasse do direito de muitos, quer se tratasse do direito de poucos, visto que a incerteza do direito na vida de uma sociedade é sempre um facto inconveniente - para que, em face dela, ninguém pudesse, de boa fé, recusar a uma medida desta natureza a classificação de interesse público.
Creio que posso rematar as minhas considerações afirmando: primeiro, trata-se duma lei motivada pelo interesse público e oportuna; segundo, que ela não e, por isso, uma lei ad hoc, mas uma verdadeira lei; terceiro, que foram respeitadas as garantias individuais o a dignidade dos tribunais; quarto, que o decreto-lei n.º 30:131 se encontra dentro dos limites do direito e da moral.

Vozes: - Muito bom, muito bem!

O Sr. Presidente: - O debate continua na sessão de amanhã.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 40 minutos.

O REDACTOR - Carlos Cília.

CAMARÁ CORPORATIVA

Rectificação do parecer sobre o projecto de lê! n.º 77, relativo aos portugueses em situação militar irregular que desejem visitar a Pátria em 1940, publicado no «Diário das Sessões» n.º 67, de 25 de Janeiro de 1940.

No relatório n.º 1, l. 10.ª-13.ª, onde se lê: «octocentésimo» e «tricentésimo», deve ler-se: «octogentésimo» e «trigentésimo».
No articulado: § 1.º do artigo 1.º, devem suprimir-se as palavras «até aos vinte e sete anos de idade» e no § 2.º do mesmo artigo devem ser substituídas as palavras «desta idade» por «dos vinte e sete anos».

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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