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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 94 ANO DE 1940 II DE DEZEMBRO
II LEGISLATURA
SESSÃO N.° 89 DA ASSEMBLEA NACIONAL
Em 1 de Dezembro
Presidente o Ex.mo Sr. José Alberto dos Reis.
Secretários os Ex.mos Srs. Carlos Moura de Carvalho.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão ás 15 horas e 35 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões e lido o expediente.
O Sr. Deputado Antunes Guimarãis tratou dos serviços de radiodifusão.
Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão da proposta de lei da autorização de receitas e despesas para o ano económico de 1941, tendo usado da palavra os Srs. Deputados Proença Duarte, Francisco Melo Machado, António de Almeida e Antunes Guimarãis.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas a 23 minutos.
Srs. Deputados presentes à chamada, 57.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão, 9.
Srs. Deputados que faltaram à sessão, 6.
Srs. Deputados que responderam à chamada:
Abel Varzim da Cunha e Silva.
Alberto Cruz.
Alberto Eduardo Valado Navarro.
Albino Soares Finto dos Beis Júnior.
Alexandre de Quental Gaiteiros Veloso.
Alfredo Delesque dos Santos Sintra.
Álvaro de Freitas Morna.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Álvaro Salvação Barreto.
António de Almeida.
António de Almeida Finto da Mota.
António Augusto Aires.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Hintze Ribeiro.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancela de Abreu.
Augusto Faustino dos Santos Crespo.
Augusto Pedrosa Pires de Lima.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Moura de Carvalho.
D. Domitila Hormizinda Miranda de Carvalho.
Fernando Tavares de Carvalho.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco de Paula Leite Pinto.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
João Antunes Guimarãis.
João Garcia Pereira.
João Maria Teles de Sampaio Rio.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Rodrigues de Almeida.
Joaquim Saldanha.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Alberto dos Reis.
José Alçada Guimarãis.
José Dias de Araújo Correia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria Dias Ferrão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Júlio Alberto de Sousa Schiappa de Azevedo.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz Cincinato Cabral da Costa.
Luiz da Cunha Gonçalves.
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Luiz Figueira.
Luiz José de Pina Guimarãis.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Rodrigues Júnior.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Sebastião Garcia Ramires.
Sílvio Duarte de Belfort Cerqueira.
Vasco Borges.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Acácio Mendes de Magalhãis Ramalho.
António Maria Pinheiro Torres.
António Rodrigues dos Santos Pedroso.
Artur Ribeiro Lopes.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luiz Augusto das Neves.
Manuel Pestana dos Reis.
D. Maria Luíza de Saldanha da Gama van Zeller.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Angelo César Machado.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Guilhermino Alves Nunes.
João Botto de Carvalho.
Joaquim de Moura Relvas.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 30 minutos. Fez-se a chamada.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 57 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 35 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário da última sessão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Visto que não há reclamações, considero-o aprovado.
Vai ler-se o
Expediente
Telegramas
Foram recebidos do Sr. Dr. António Pedro Pinto do Mesquita, da Casa dos Pescadores da Nazaré e do presidente do Grémio dos Industriais de Panificação de Lisboa, telegramas de condolências pelo falecimento do Deputado engenheiro Botelho Neves.
Também foram recebidos telegramas dos funcionários de justiça dos Chaves de Albufeira e de Arraiolos sobre a situação da sua classe.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Antunes Guimarãis.
O Sr. Antunes Guimarãis: - Sr. Presidente: no decreto-lei n.° 30:752 do 14 de Setembro último, afirma-se, logo do entrada, que a radiodifusão oficial fora estabelecida em Portugal, como serviço novo, há sete anos.
Mas diz-me a memória e confirma-o a Diário do Govêrno que já em 27 do Janeiro do 1930 fora publicado o decreto n.° 17:899 que criou aqueles serviços, estabelecendo que a radiodifusão, a radiotelefonia, a radiotelevisão e outros serviços relacionados com a rudioelectricidade constituiriam monopólio do Estado; mas previa-se a concessão de licenças para o estabelecimento e exploração de estações emissoras experimentais ou para estudos científicos. O mesmo decreto autorizava o Ministro do Comércio e Comunicações a abrir concurso para a aquisição do material n instalação de duas estações emissoras e uma retransmissora relais, tendo-se realizado logo a seguir o que respeitava à emissora de Lisboa.
Contudo, reconheço que em determinados aspectos os decretos n.º 22:783 o 22:784, de 1933, marcam rumo novo e, por sinal, antagónico do que eu seguira ao orientar o referido decreto n.° 17:899, de 1930.
É que o Govêrno de que fiz parte pretendia que a radiodifusão, como factor do cultura da maior importância, devia, entrar no maior número possível de lares portugueses, como fonte inesgotável do ensinamentos, informação e distracção, mas isenta do usual acompanhamento do licenças, fiscalização, multas o exageros burocráticos.
Por isso escrevi no respectivo relatório: «Torna-se absolutamente livre a
rádio-recepção, sem peias burocráticas ou exigência de pagamento do taxas directas, que viriam determinar um retraímento prejudicial ao fim que se tem em vista».
O Estado cobraria os fundos para as emissoras nacionais, por via aduaneira, de todo o material de radiodifusão importado e de outras fontes.
Assim, bons serviços prestaria a radiodifusão aos habitantes do Portugal, concorrendo simultaneamente para desenvolver o comércio da especialidade c para estimular a criação de novas o importantes indústrias.
Reeditava-se o critério fiscal que tam vantajosamente fora adoptado para o automobilismo.
Mas, como nem todos pensam da mesma forma, dói» anos passados o Diário do Governo alterava o decreto da minha responsabilidade: entro outras novidades, foi criada a licença para funcionamento de instalações receptoras de radiodifusão, mas exigindo-se apenas uma por domicilio, independentemente do número de aparelhos ali existentes.
Surge agora o decreto-lei n.º 30:752, do 14 de Setembro último, a obrigar os possuidores de instalações receptoras ao pagamento de tantas licenças quantos os aparelhos, quer estes funcionem, quer não se encontrem em estado de funcionamento, sob pena de multas, que podem ir a 1 conto por cada aparelho e a 2 contos nas reincidências, sem prejuízo de outras sanções, licenças que incidem até sobre aparelhos de galena, a quo recorrem as famílias, humildes, e têm do ser pagas aos semestres ou anos, e que sobem 5 por cento da contribuição industrial respectiva quando se trate de hotéis, pensões, restaurantes ou quaisquer estabelecimentos comerciais ou industriais, esplanadas, etc.
O Sr. Melo Machado: - É uma rêde varredoura...
O Orador: - E só o subscritor transferir o seu aparelho para outra casa som prévia licença da Emissora Nacional, multa ato l conto sem prejuízo de outras sanções.
Se o empresta sem licença daquela entidade, multa também até 1 conto.
Só é vendido ou dado sem prévia licença do mesmo organismo, nova multa, sempre sem prejuízo de outras sanções.
E o certo é que para a concessão de tais licenças não só fixa prazo, de forma que é o arbítrio da Emissora, Nacional que imporá; como impera ao atribuir-se o direito de cassar licenças e até do mandar suspender o funcionamento do todos na aparelhos rádio-receptores, sem apelo nem agravo. Reedita-se aquele singular critério, já reprovado pela Assembleia Nacional, que dava a
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Direcção Geral dos Serviços de Viação poderes de julgamento em última instância de todas as transgressões dos direitos do transito.
Do princípio ao fim está o referido decreto eriçado de disposições que chocam o espirito mais paciente, como é a que pane com multa o possuidor de aparelhos receptores a quem o cobrador não apresente regularmente os recibos das respectivas taxas e não avise a Emissora Nacional. Transformam-se os subscritores, sob a ameaça da multa, em fiscais gratuitos dos cobradores daquele organismo. Também convém citar a que permite aos agentes fiscais da Emissora Nacional e as autoridades administrativas ou policiais por eles requisitadas entrarem no domicílio privado para fiscalizarem os preceitos do referido decreto-lei.
O Sr. Cancela dá Abreu: - Na minha casa não entram êles. E contra a Constituição!
O Orador: - E sobre as tais maltas, que vão correntemente a l conto, mas podendo, em alguns casos, subir a 1 contos, e ao dobro nas reincidências, sempre sem prejuízo de outras sanções, o cuja cobrança coerciva é relegada para as execuções fiscais, incido a percentagem de 25 por cento para os autuantes!
O Sr. Luiz de Pina: - JÁ nas sanções não está incluída a pena de morte?!...
Risos.
O Orador: - E a competência para realizar e autuar pertence, além do exército do funcionários da Emissora Nacional, agentes de policia e guarda nacional republicana, aos funcionários da Administração Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones, e, portanto, aos carteiros que diariamente sobem as escadas dos domicílios, na missão simpática da distribuição postal, mas que o referido decreto converte em fiscais das suas disposições.
Não diz o decreto como há-de o possuidor do um aparelho ver-se livre dele para que o respectivo cancelamento se registe na Emissora Nacional e não seja mais obrigado a pagar 725 por ano sem a utilizar. A circunstância do não estar em condições do funcionar não basta; e se tivesse o destino do um presente apenas se transferiria para outrem o encargo que nau se deseja para si. Actualmente recorre-se á depositá-lo numa casa vendedora de receptores: mas dentro em pouco essas casas não terão capacidade pura arrecadar todos os quo lhes são enviados.
Ora até as armas caçadeiras e de defesa se podem conservar sem licença, desde que os respectivos possuidores as não usem.
Por seu lado o comércio da especialidade vê-se assoberbado de formalidades e ameaçado de multas incomportáveis, sendo de prever que as respectivas vendas sofram com a aplicação dos novos preceitos regulamentares. Se tivesse tempo, longe iria o comentário; mas, para terminar, direi que os novos quadros do funcionalismo da Emissora Nacional custarão ao erário perto de 2:200 contos por ano, podendo ainda a respectiva direcção contratar ou assalariar, com dispensa de formalidades legais, o pessoal que julgar necessário aos serviços técnicos e de produção.
Além disso os seus funcionários poderão, em determinadas circunstâncias, deslocar-se às ilhas adjacentes, colónias ou estrangeiro para serviços das emissões, ou em missão junto de congressos, assembleias, reuniões e conferências.
São previstas gratificações para funcionários superiores e ao presidente é reconhecida a faculdade do acumulação das suas funções com outro cargo público.
Embora se admita para já a cobrança por intermédio dos CTT, vão-se prevendo outros meios de a fazer, o que não deixaria de determinar a criação do novo
regimento de funcionários, e apesar de se ter escrito que os funcionários da Emissora Nacional mio poderão desempenhar funções alheias àquele organismo,
vai-se prevendo a hipótese de serem autorizados polo Ministro a fazê-lo.
São desde já incluídos no quadro quatro condutores de automóveis, o que deixa prever fartura de deslocações naqueles veículos.
Sr. Presidente: se o decreto-lei n.º 30:752 tivesse sido submetido à ratificação da Assemblea Nacional, eu não lhe daria o meu voto.
Muitos apoiados.
O Sr. Alberto Cruz: - Afigura-se me que as disposições do decreto a que V. Ex.ª acaba de aludir são inconstitucionais.
O Orador: - Seria ura ponto a definir; mas como já está em vigor, apelo para o Govêrno, em nome da Nação, que aqui represento, no sentido de ser ordenada a sua suspensão imediata até que um estudo, para que seriam admitidos representantes de todos os interessados, o expurgue do disposições, não só inconstitucionais, mas que são inadaptáveis às conveniências razoáveis da Nação e ao desenvolvimento daquele valioso elemento de progresso.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à.
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Proença Duarte.
O Sr. Proença Duarte: - Sr. Presidente: no exame do conjunto quo se faça a proposta de lei de autorização do receitas e despesas logo se revelam os objectivos que a dominam.
Objectivos de ordem financeira: persistência de orienta na o traçada nos anos anteriores, dinamismo na acção, revigora mento económico, enriquecimento da economia nacional.
Objectivo de ordem social: a preocupação de evitar, o desemprego nas classes trabalhadoras.
Sob o ponto de vista financeiro, o principio que está na base de todo o sistema é o do equilíbrio-orçamental, expressamente enunciado na proposta, designadamente no artigo 5.º.
O processo que se adopta para manter o equilíbrio orçamental apresenta aquela maleabilidade que pode tornar-se indispensável para obter um outro equilíbrio: o equilíbrio duma justa comparticipação de todas as actividades lucrativas nacionais na sustentação do equilíbrio orçamental e das contas.
Essa comparticipação poderá obrigar a maiores ou menores sacrifícios, consoante o imponham as circunstâncias anormais e movediças do actual estado de guerra.
Creio que nenhum português consciente e suficientemente esclarecido poderá recusar o seu. apoio veemente e franco a esta política de equilíbrio orçamental, que foi o ponto de partida genialmente escolhido pura a realização da obra que, já maravilhados, podemos contemplar quer na política interna, quer na política externa, porque já em tudo é diferente visto que é mais bola o mais digna.
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Se é certo que providencial realizador desta obra nunca será assaz louvado pela geração presente e pelas gerações vindouras, certo é também que o povo português merece louvores pela anuência que deu, pela concordância ilimitada, pela aderência definitiva à política de Salazar.
Disse eu que o processo adoptado para fazer funcionar o sistema o equilíbrio orçamental era acompanhado com a maleabilidade indispensável para que se realize conformemente aos princípios da justiça distributiva.
Quis eu pôr em destaque o conjunto de preceitos contidos no artigo 5.º da proposta de lei, designadamente aqueles que tratam do imposto de salvação pública.
Este imposto recai sôbre funcionários e empregados públicos. Os seus proventos, em principio, não acompanham a evolução da moeda nem o encarecimento da vida, o por isso são os que primeiro e mais demoradamente sofrem as consequências do aumento dos preços e do encarecimento da vida, que já neste momento é um facto certo.
Dentro das modalidades que o Govêrno adoptará no lançamento dêsse imposto, por certo não há-de deixar de ser considerada a situação dos contribuintes chefes de família numerosa, para que assim se realize uma justa distribuição do imposto.
Já começa a sentir-se a angústia da vida económica das famílias numerosas. Atender à sua situação é satisfazer um preceito constitucional.
Apoiados.
Entre as medidas financeiras para obter receita fixa-se em 14,5 por cento a taxa da contribuição predial a incidir sôbre a propriedade rústica. Esta é, rígida e fixamente, a percentagem com que a agricultura portuguesa terá de contribuir para as receitas do Estado.
Como esta lei de meios não é um simples programa financeiro, porque é também um enunciado de interferência que o Estado terá na vida económica da Nação, não será descabido fazer aqui algumas considerações sobre a capacidade de pagamento de algumas dessas actividades nacionais e a justa posição que elas ocupam 110 equilíbrio de todas as actividades económicas.
Já disse que a taxa que vai onerar os rendimentos da propriedade rústica em 1941 é de 14,5 por cento. Vai incidir sobre êsses rendimentos, que se obtêm à custa de um árduo e persistente trabalho e que, mesmo assim, estão sujeitos a contingências e riscos de tal natureza que não há previsões nem providências que inteiramente os possam dominar. Podem, porém, ser atenuados êsses riscos o essas contingências; questão é que todas as energias e actividades que tem por dever contribuir para essa atenuação o façam. E o Estado, que as tributa, tem o dever de olhar por elas.
É, pois, sobre a situação da agricultura em si e nos suas relações com o Estado que desejo deter-me e fazer algumas considerações a propósito desta lei de meios.
O Estado moderno, tal como nós o concebemos e o temos ai realizado, não é um mero cobrador de receitas, para as aplicar na satisfação das necessidades públicas. O Estudo moderno intervém activamente na economia nacional, para a ordenar, para a impulsionar e para marcar-lhe, por vezes, directrizes que melhor conduzam ao bem-estar colectivo.
Esta sua interferência nu economia da Nação obriga-o a considerar permanentemente a posição que cada actividade ocupa no complexo da vida económica e se a situação de cada uma delas é de prosperidade ou de definhamento, paru assim evitar que com a queda de alguma se provoque o desequilíbrio, que tem sempre tam nefasta repercussão na economia do Pais. E quando o Estado reconhece que alguma das actividades fundamentais da vida da Nação está em definhamento, compete-lhe ir em seu auxilio, estudando as causas
e aplicando os remédios para a trazer ao de cima, até ao nível das demais actividades, para que êsse equilíbrio se restabeleça. Na escala das nossas actividades económicas, organizada em função da importância que cada uma delas tem na vida nacional, parece-me assente que a agricultura ocupa o primeiro lugar.
Considerada agora a situação da agricultura no equilíbrio das actividades económicas, parece certo que ela se encontra num nível inferior ao das outras actividades. É má a situação da agricultura em Portugal.
O Sr. Ministro da Economia, na sua tam notável como elucidativa conferência realizada, em Abril passado, no Teatro da Trindade, afirmou não por próspera a situação da lavoura e demonstrou ainda que ela tem cumprido com os seus deveres através de todas as dificuldades a sacrifícios e não tem auferido o proveito correspondentes.
Não é imputável à lavoura o seu mal-estar e também este mal-estar não é imputável a quaisquer factores emergentes da acção ou da inacção governativa. O Governo tem feito pela lavoura até aqui, e com uma oportunidade incontestável, quanto lhe compete fazer para obstar ao mal que causas insuperáveis vêm produzindo. Certo é que a crise, mercê de factores que não resultam, como já disso, de factos inerentes à própria lavoura nem à acção governativa, mas que são devidos às más condições climatéricas dos últimos anos e à guerra, promete prolongar-se e arruinar assim, uma das fontes principais, senão a principal da riqueza da Nação.
A crise promete arruinar a nobilitante e glorificadora actividade agrícola. Eu disse que o Estado se tem mostrado atento à situação da lavoura e oportuno no auxilio que lhe tem sido possível dar. Citarei algumas providencias legislativas, que têm sido publicadas, atinentes a esse fim:
O decreto regulador do regime cerealífero, que aumentou o preço do trigo; o decreto-lei n.° 30:651, de 15 de Agosto de 1940, que permite que a Caixa Nacional de Crédito preste assistência financeira aos produtores de trigo e de centeio na campanha de 1940-1141 e para adubos, mondas, ceifas e debulhas; o decreto n.° 30:652, que permite que a Caixa conceda prorrogações para liquidação dos empréstimos de 1939-1940; o decreto n.º 30:662, de 20 de Agosto de 1940, que reduz a acidez mínima dos vinhos comuns, de pasto ou de consumo; o decreto n.° 30:719, de 30 de Agosto de 1940, que isenta de contribuição predial nos anos cie 1940-1941 a produção de ananases no distrito de Ponta Delgada; concessão de bónus sobre os adubos, cuja soma atinge este ano 30:000 contos.
Mas além disto também o Estado tem encorporado na terra portuguesa uma grande parte das receitas que cobra, como seja nas obras de repovoamento floresta e de fixação das dunas, nas obras de hidráulica agrícola que directamente ou por meio de empreitadas vem realizando em grande escala, dando assim execução à lê de reconstituição económica, n.° 1:914 e ainda o investimento que tem feito, e que sobe a milhares de contos em melhoramentos rurais por todo o nosso Puis.
Também a Junta de Colonização Interna fez já o ré conhecimento de todos os baldios do Pais e começou dar-lhes a aplicação necessária.
Todo o dinheiro que, assim, o Estado empregou n terra, de alguma forma traz beneficio para a lavoura porque, em parte, regulariza as correntes de águas d País, dá trabalho a um grande parte da população rural, e que a lavoura não poderia por si própria realiza atenta a actual escassez dos seus recursos; tornou possível culturas mais extensas e mais ricas, enriquecem portanto, a terra portuguesa e preparando-a neste período de guerra para a luta no período da paz.
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Será sempre patriótica mente meritório o emprego de capitais mi terra portuguesa, sobretudo na realização daquelas obras que pela sua importância e volume não podem ser realizadas pêlos particulares. E daqui nos permitimos solicitar ainda mais interêsse do Govêrno por esse aspecto da vida nacional.
O Sr. Ministro das Obras Públicas tem-se mostrado à altura do momento grande que vivemos, concebendo e dando maravilhosa realização a projectos grandiosos, que têm enriquecido, moral e materialmente a Nação. Que o Sr. Ministro das Obras Públicas se deixo agora possuir de amor pela terra portuguesa, e estou certo do que a sua acção também se há-de fazer sentir neste campo por maneira inolvidável.
O clima e o ambiente nacionais são neste momento propícios a isso, porque o País tem a certeza de que, soja qual for a sua grandeza, tais obras se hão-de realizar. E há ainda tanto a fazer em favor da terra portuguesa! Regiões há e das mais férteis, que carecem, e muito, do obras a realizar pelo Estado.
Citarei a região do Ribatejo, que, devidamente defendida das assoladoras inundações, pode contribuir enormemente para o aumento da produção e da riqueza nacional.
É preciso disciplinar as águas do Tejo. O engenheiro Sr. Noronha de Andrade, que há poucos dias abandonou a direcção da hidráulica do Tejo, publicou um relatório notável sôbre o rio Tejo e outros rios o aí aponta causas e indica soluções. Há porém uma passagem que aqui quero salientar: é aquela em que o mesmo engenheiro se refere às nefastas consequências, para as terras e para a vida agrícola do Vale do Tejo, do aterro da linha do caminho de ferro de Vendas Novas ao Setil, designadamente o troço entro Setil e Porto de Muge, que impede u escoamento rápido das águas cujo estacionamento tantos malefícios causa à agricultura regional, quer das terras que ficam a montante quer a jusante do mesmo aterro, que, assim, no dizer desse engenheiro, vem empobrecendo aquela região, essencialmente agrícola.
Muito seria para desejar que êsse aterro, cuja modificação tantas vozes tem sitio solicitada desde que foi construído, não possa mais ser indicado como causa de novos malefícios causados pelas cheias que porventura tenham de só dar no corrente ano.
O Sr. Melo Machado: - O Sr. Ministro das Obras Públicas prometeu no ano passado que êsse aterro desapareceria.
O Orador: - Sei que o Sr. Ministro das Obras Públicas fez essa promessa, e é justamente por isso que daqui lhe dirijo o meu apoio lio sentido de que tal aterro desapareça, de forma quo as cheias que necessariamente se hão-de dar no corrente ano não venham do novo causar grandes prejuízos à agricultura da região. E como ele prometeu, tenho por certo que o fará.
Mas ainda mais pode o Govêrno fazer em beneficio da lavoura nacional. Quero referir-me a providencias de natureza fiscal. A primeira, que me pareço muito vantajosa para a lavoura do nosso País, seria a suspensão, de facto, das providencias legislativas que autorizam os chefes das repartições do finanças a promover a avaliação da propriedade rústica.
Por virtude dessas disposições legais muitas avaliações se têm feito no nosso Pais e é preciso dizer que das comissões encarregadas disso serviço algumas têm procedido por maneira a convencer do que só as anima o espírito de fazer mal, o espírito de provocar revoltas, o espírito de satisfazer sentimentos de inveja, emfim, de criar dificuldades o mal-estar.
Neste momento, cm que a classe agrícola, n mais económica e comedida de todas as classes dêste País, se vê na impossibilidade de satisfazer os seus compromissos, de viver vida tranquila, a sua vida modesta, vir aumentar a matéria, tributável sôbre a propriedade rústica é criar o desânimo, é provocar a emigração dos capitais quo se devem destinar a trabalhos, é, Sr. Presidente, afastar da torra tantos capitais que nela deviam ser empregados.
O que acabo do referir é um facto real o verdadeiro, devidamente constatado.
Mas há mais. A lavoura suporta, além da contribuição predial rústica, tantos impostos indirectos e tantos outros encargos que se impõe que o fisco proceda para com ela com toda a brandura e morigeração. É preciso fazer sentir aos agentes do fisco - e tantos são eles a fiscalizar a lavoura que à lavoura não é nenhum inimigo nacional que seja necessário levar aos tribunais pelas mais ligeiras faltas, sem que até, por vezes, seja sua a culpa dessas faltas.
É preciso fazer-se sentir que um aumento que êsses agentes do fisco obtenham de impostos não pode reverter para êles, agentes do fisco, em compensações do qualquer natureza, como sejam promoções por distinção ou outras.
Sr. Presidente: a discussão da lei de meios pode o deve ser um meio de apreciação da vida nacional em relação ao ano decorrente e também um meio de emitir votos para a acção governativa do ano que se vai seguir.
Eu disse, em resumo, quo as providencias legislativas, que a acção do Governo, têm sido orientadas no sentido de proteger e amparar a lavoura nacional; mas eu reconheço que por vezes o pensamento do Govêrno, por um excesso de zelo ou por qualquer outra circunstância, ó mal interpretado e que essa má interpretação resulta em prejuízo da lavoura e atraiçoa os objectivos governamentais.
Com as considerações que acabo de fazer quis tão somente chamar a atenção do Govêrno do meu País para esto aspecto importante e primacial da nossa vida económica a situação da lavoura em Portugal.
Creio que, fazendo-o com inteira verdade à justiça, prestei assim a minha colaboração a uma obra ta m notável e de que tanto devemos orgulhar-nos - a obra da acção governativa do Estado Novo em Portugal.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: é a sexta vez, o sexto ano que subo a esta tribuna para falar sobre a lei de meios.
Esta lei é tam importante quo apesar de ser sempre igual, sempre há sobre ela algo a dizer do novo.
Após um ta m largo período de exercício do meu mandato, desejo fazer. Sr. Presidente, se V. Ex.ª mo consentir, o meu exame de consciência de Deputado.
Duas fundões, entre outras, consigna a Constituição a esta Assemblea. A primeira legislar; a segunda fiscalizar.
Quanto a legislar, temo-nos resumido a pouco mais que discutir e aprovar, com ligeiras emendas, as propostas do Governo, por se ter entendido que resultaria confusão do uso simultâneo do Poder Legislativo pelo Governo e pela Assemblea Nacional.
Viça, portanto, como essencial função desta Assemblea a fiscalização das leis, dos actos do Governo e dos funcionários.
Não creio quo nenhum sistema político possa existir, quo nenhum govêrno possa, governar sem a acção útil, sem a crítica necessária, sem a orientação indispensável duma crítica construtiva. E não há dúvida de que nenhuma outra podia ser feita nesta Assemblea.
Esta Assemblea, pela sua natureza especial, é de algum modo o prolongamento do próprio Governo. Eis por.
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que eu julgo que a louvor constante dos netos do Govêrno, que de alguma maneira seria louvor bôca própria, não é útil nem proveitoso.
Penso que esse louvor só se deve fazer quando o Governo publica medidas que interessam grandes sectores da Nação ou a Nação inteira e quando, desses sectores ou da Nação surja um aplauso unânime. E exemplo disso o facto das comemorações centenárias que toda a Nação unanimemente louva.
Fora disso, penso ou na minha modesta opinião, que o mais útil é fazer a critica construtiva da nação do Governo.
Creio, Sr. Presidente, que as informações dos estabelecimentos oficiais, dos funcionários que mais de perto privam com os Ministros nem sempre representam a opinião geral e muitas vexes sofrem denominação profissional.
A opinião da Assemblea Nacional, constituída por amigos dedicados da Situação e do Governo, por homens em situações preponderantes nos diversos sectores económicos, melhor do que ninguém pode instruir o Governo sobre a opinião pública do País. E é por esta razão, Sr. Presidente, que eu tenho orientado a minha acção neste sentido. Não estou arrependido de o ter feito, não tenho que retirar nenhuma das palavras que tenho proferido nesta tribuna. Isto, todavia, não quere dizer que não seja um fervoroso admirador da obra admirável realizada por este Governo, mas isso não tem nada com a acção que devemos exercer.
O Sr. Carlos Borges: - Os bons amigos são os que dizem a verdade!
O Orador: - Claro que essa obra pode ter alguns erros, mas só não comete erros quem não faz nada, e as pessoas que não fazem nada e que vivem numa ânsia sempre insatisfeita de perfeição são pessoas absolutamente inúteis.
De resto, o português é uma pessoa que precisa de discutir. É um defeito ou uma qualidade nata, mas não creio que seja possível mudar-se-lhe esse feitio. A obediência cega não é seguramente o seu forte. Poderíamos dizer, parafraseando: «Obedecer sim, mas discutindo».
De resto, se recordarmos a nossa História, se formos, por exemplo, ver na vida de um grande homem do passado - Afonso de Albuquerque -, encontramos as discussões acaloradas dos seus capitães-mores antes de cada um dos seus grandes empreendimentos. E isso não os impedia no momento oportuno de rivalizarem em quem mais alto havia de levantar o nome de Portugal.
O português, quando não pode discutir, ou se revolta e é um mal, ou se torna indiferente e apático, o que é pior. O revoltado de hoje pode ser um convencido de amanhã, emquanto que o indiferente e apático é um peso morto, que pode embaraçar os passos mais cautelosos.
O exercício da função de Deputado, tal como eu o tenho entendido, não se realiza sem algumas dificuldades e algumas arrelias. Creio que seria tempo de a excessiva sensibilidade de alguns funcionários desaparecer porque tem-se verificado que à mais simples e correcta observação se possuem por vezes de grande e excessiva irritabilidade. A propósito recordo a V. Ex.ª as palavras simples que disse o ano passado nesta tribuna relativamente aos luxuosos edifícios dos correios n telégrafos, que, na sua reacção, vieram até ao ataque pessoal na imprensa - a que prontamente respondi.
No ano passado, também na discussão da lei de meios, tratei do assunto da hidráulica, que ainda há pouco mereceu as considerações, no geral apoiados, dos Srs. engenheiro Belfort Cerqueira e Drs. Antunes Guimarãis o Carlos Borges; e tanto o assunto está no momento - diga-se - de ser necessário discutir-se que V. Ex.a recebeu na Mesa um telegrama agradecendo a intervenção desses nossos colegas.
O Sr. Carlos Borges : - Devo dizer a V. Ex.ª que recebi cartas e telegramas de várias partes do País de pessoas que - não conheço. Isto não significa que a minha intervenção tenha sido boa, significa apenas que foi oportuna.
O Orador: - Quando me refiro à irritabilidade dos funcionários, devo dizer que há um sector do Estado que tem sido modelar nas suas atitudes. Não só o Sr. Presidente do Conselho, nos seus admiráveis relatórios, respondeu por vezes às nossas dúvidas, mas os seus funcionários superiores, nomeadamente o Sr. director geral das contribuições e impostos, têm sido sempre de uma grande amabilidade, prestando todos os esclarecimentos sobre a forma como funcionam os serviços. A máquina pode, porventura, não ter por vezes um funcionamento agradável, mas é indiscutível que está primorosamente montada.
Mas, voltando à hidráulica, vou ler a V. Ex.ª, porque o assunto interessa, como já disse, uma informação que, já depois da Assemblea fechada, chegou às minhas mãos e que provém, do então Sr. director dos serviços hidráulicos e eléctricos, enviada ao Sr. Ministro das Obras Públicas, e que, a título de informação, me foi remetida.
Antes de lê-la quero recordar os termos em que me referi a este assunto.
Lê passagens do seu discurso.
Como V. Ex.ª vê, Sr. Presidente, não há aqui nada que possa ferir a susceptibilidade de quem quer que seja.
Chamo agora a atenção de V. Ex.ª para o documento que vou ler e que é duplamente interessante na essência e na forma.
Nele se lê assim.
«Referiu-se o Sr. Deputado Melo Machado a dois casos concretos: o da legalização da construção de açudes nas correntes de águas públicas e o da limpeza dos rios e correntes de águas. Quanto ao primeiro ponto - legalização da construção de açudes nas correntes de águas públicas - sucedeu o seguinte:
Em 19-38 chegou ao conhecimento destes serviços que a Comissão Reguladora de Moagem de Ramas não deixava funcionar quaisquer moinhos movidos por água sem que o respectivo aproveitamento hidráulico estivesse devidamente legalizado».
Ora é aqui o primeiro ponto de objecção da minha parte. E que esta informação, infelizmente, não é verdadeira. Eu tive o cuidado de verificar que tinha sido justamente o contrário do que aqui se menciona que se deu, isto é, que os serviços hidráulicos exigem aos pobres moleiros licenças e que foi a Comissão Reguladora de Moagem de Ramos que procurou atenuar os inconvenientes da exigência feita pêlos serviços hidráulicos. Isso mesmo se infere do relatório de 1038 da Comissão Reguladora de Moagem de Rumas, que diz o seguinte:
«As azenhas, na sua maior parte, legalizaram-se na Inspecção Geral das Indústrias e Comércio Agrícolas, mas não o fizeram na Direcção Geral dos Serviços Hidráulicos e Eléctricos, o que acarreta para muitos uma situação grave. Vai no entanto a Comissão Reguladora de Moagem de Ramas apresentar superiormente os pedidos de transigência e simplificação nessas legalizações, a fim de evitar maiores despesas aos industriais, e alguma cousa espera poder conseguir».
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Logo, não era desta entidade que partia o mal, mas sim tia outra. Mas eu continuo a ler:
«Procedeu bem a Comissão, visto haver leis que estabelecem que tal legalização é obrigatória; e em resultado da sua acção afluíram nos serviços hidráulicos inúmeros pedidos de legalização. O que sucede é que, tendo estas leis, que regulam o bem comum - defesa do bom regime dos rios, defesa dos interesses de terceiros, etc. -, sido letra morta durante muitos anos, por deficiente organização dos serviços de - fiscalização do Estado, as instalações sem legalização se coutam por muitos milhares. Como hoje as determinações da lei são cumpridas tam rigorosamente quanto o permite uma fiscalização que já se vai tornando eficiente e forno não se podia deixar de atender os inúmeros pedidos de legalização apresentados, entendeu-se, por um critério de equidade, que *e devia generalizai- a efectivação da obrigatoriedade cie legalização a todas as instalações, embora antigas, a que faltasse o cumprimento de tal formalidade. Fazendo-o, procuravam, contudo, os serviços hidráulicos tirar a esta medida -todo o carácter vexatório e torná-la tam pouco onerosa quanto possível, aplicando-a, de Testo, só aos casos de utentes que não pudessem provar que o seu aproveitamento era .anterior à publicação do Código Civil».
O Sr. Dr. Antunes Guimarãis já aqui nos contou. as dificuldades que houve no sentido de remover estes inconvenientes. Continua, porém, o documento:
«E assim foi que obtiveram do Governo, por um lado, autorização para DUO aplicarem quaisquer multas, limitando-as aos casos de rejeição de legalização que era oferecida; por outro lado, a dispensa de apresentação de plantas e da exigência de vistorias, inquéritos, etc., que representam o maior encargo».
O Sr. Carlos Borges: - Calcule V. Ex.ª que se perdoam as multas - por transgressões praticadas no tempo em que se publicou o Código Civil.
O Orador: - Sr. Presidente: esta segunda afirmação que acabei de ler também não é verdadeira porque quem instou e conseguiu que se publicasse um despacho, ministerial para dispensar as tais plantas e outras exigências, que orçavam em perto de 700$, foi a Comissão Reguladora de Moagem de Banias, e não a Direcção de Hidráulica. Declaro a V. Ex.ª que vi os documentos é tive pena de não ter tido tempo de os requerer legalmente nesta Câmara.
Diz ainda a informação:
«Limitando-se a cobrar os emolumentos e taxas respectivas, o que representa uma despesa, feita por uma só vês e para sempre, de 124$30 por instalação».
Devo disser que estes 124$30 são considerados como uma verba insignificante a exigir a um pobre moleiro, cuja vida é das mais ásperas, exigência acrescida n tantas outras já feitas por diversas repartições.
O Sr. Carlos Borges: - E com moinhos cobertos de colino.
O Sr. Pinto da Mota: - Mas ainda mais do que isso. Inventam-se ribeiros para depois choverem as multas e afinal abrem-se rogos de servidão. Tudo o isto é muito pelos serviços hidráulicos.
O Orador: - Já ouvi, e não sei se foi nesta Câmara, que um proprietário havia sido intimado pela Junta, Autónoma de Estradas a mandar proceder à limpeza de uma vala. Esse proprietário cumpriu n referida intimação, mas depois
apareceram-lhe funcionários dos servidos hidráulicos a aplicar uma multa por ter mexido onde não o podia fazer sem sua autorização.
Mas se fossem a desfiar todas essas cousas isso levaria muito tempo e V. Ex.ª, a certa altura, estariam já fartos de me ouvir.
Quanto à limpeza dos rios há a dizer o seguinte:
«A disposição que obriga os proprietários confinantes com linhas de águas públicas à limpeza da parte dos respectivos leitos correspondente às suas testadas não caiu em desuso durante os quarenta anos que se seguiram à publicação do regulamento de 1892. Mas eram tam débeis os meios de fiscalização de que dispunham os serviços, e tam fraca a compreensão do interesse geral por parte da generalidade dos proprietários marginais que, de facto as disposições regulamentares deixaram de ser cumpridas nu grande maioria dos votos,
chegando-se ao estado de abandono de que o próprio Sr. Deputado se queixa».
Quere dizer: no principio do período diz-se que as leis não tinham caído em desuso, mas afinal elas não se cumpriram.
Mas eu continuo a ler:
«Tem-se visto, infelizmente com uma frequência invulgar nos últimos anos, sempre que há grandes chuvadas, as tristes consequências do abandono (no tocante a limpeza) dos leitos e defesas de margens a que foram votadas, pelos (respectivos proprietários confinantes, as numerosas linhas de água que há no País. Nessas ocasiões os mesmos proprietários, que acham que é uma violência o Estado
obrigá-los a ter as suas testadas limpas e defendidas, insurgem-se contra o Estado por permitir que os rios se ossoreem, de onde resultam rombos marginais e a ruína das fazendas entestantes.
Ora os rios chegaram ao actual estado de assoreamento porque os cursos de água, cuja limpeza compete aos proprietários, não foram, em épocas próprias, convenientemente desimpedidos, e as propriedades marginais sofrem rombos e saio areadas e alvercadas porque os leitos dessas mesmas linhas de agua estão muito entulhados. Desde há cerca de dez anos a esta parte, o Estado, no propósito de tirar a vida nacional do marasmo em que por muitos anos viveu, começou a dai-nos serviços os meios de desempenharem devidamente as suas funções. Foi assim intensificada a fiscalização e passaram os regulamentos a ser cumpridos em muito mais larga escala. Mas ainda neste caso houve por parte do Estado não apenas um espírito de tolerância, evitando tanto quanto possível a aplicação de multas, mas uma verdadeira acção de protecção, comparticipando num grande número de casos, tanto quanto lhe permitiam os «eus recursos, nos encargos anormais que resultavam da imprevidência dos interessados. Essas comparticipações atingiram correntemente 50 por cento da despesa total, indo em casos excepcionais até 70 por cento e até mesmo à totalidade do encargo.
Foi assim que em 1930 despendeu o Estado em com participações para a limpeza dos cursos de água sob a jurisdição dos serviços hidráulicos a importante verba de 608 contos, sem falar nas verbas muito mais avultadas despendidas com a dragagem dos rios. Esse esforço já vem de há cerca de oito anos; ainda continua, e dele foi beneficiário, entre outros, o Ex.ª Sr. Deputado Melo Machado, já como proprietário na região de Alenquer, cujo rio foi limpo na parte inferior pela hidráulica agrícola e no curso médio, há uns anos, por esta Direcção Geral, que nele despendeu 2-38.435$, já como dono de uma propriedade na várzea do Vila-Nova da Rainha, entestando com o mesmo rio, e cujos valados foram reparados por esta Direcção Geral ao fazer-se a
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consolidação dos margens do rio de Alenquer. Depois de tal auxilio do Estado, justo é que os serviços obriguem os proprietários marginais a, cumprir as leis e regulamentos, que visam sobretudo, afinal, a salvaguarda dos seus próprios interesses e à dos da colectividade.
Eis a que se resumem o excesso de zêlo, o abuso de autoridade e o desejo de criar receitas por parte destes serviços».
Ora, Sr. Presidente, eu repito a insinuação pessoal r incorrecta que aqui eshí feita.
Muitos apoiados.
De resto, o que se prova por Esta informação é que eu não defendo aqui os meus interesses pessoais, mas sim me ocupo só dos interesses gerais, porque, se assim não fora, eu poderia ficar egoistamente calado e não teria vindo aqui pugnar por que todos os meus colegas que estavam nas minhas circunstâncias usufruíssem os mesmos benefícios que eu.
Muitos apoiados.
Depois do auxílio do Estado que só devia exigir a conservação.
Apoiados.
O Sr. Camarate de Campos:-É que, do lacto, a hidráulica tem essa opinião, mas os tribunais superiores têm dito que a hidráulica, não pode obrigar os proprietários a fazer essa limpeza. Ainda em 30 anos do mês findo a Relação de Lisboa assim o julgou. Já este ano houve três - acórdãos neste sentido, e o último, repito, foi em 30 do mês passado.
O Orador: - Todavia, Sr. Presidente, estas exigências continuam, o até posso citar mu caso curioso ocorrido no meu concelho: um proprietário, rico, mas isto não interessa, tem uma fábrica junto a um açude; do seu lado a propriedade é só do pedra, não havendo torra, nenhuma; pois Esse homem lá está fazendo a sua limpeza, embora com a comparticipação do Estado, tirando a terra que vem de cima.
Mas tanto este problema está num ponto agudo que ainda há pouco tempo, numa reunião, em Beja, a que assistiu o Sr. Ministro da Economia, só tratou e fui referida a nota sobre este assunto. Se me referi de novo a êle não foi só para repelir a insinuação que constava deste documento, mas sobretudo para focar mais uma vez a situarão em que se encontra a lavoura.
A lavoura está numa situação tam grave que precisa dos maiores cuidados, mas não quero ser só eu a referir tal situação.
Os lavradores são tidos e havidos como pessoas que facilmente choram os sons males. Ora, em 17 de Abril deste ano o Sr. Dr. Rafael Duque, então Ministro da Agricultura, fez no Teatro da Trindade uma notável conferência intitulada «As subsistências e a população», notável sobretudo pela franqueza com que S. Ex.ª apresentou o problema. E digo sobretudo notável, por esse facto, porque da sua inteligência era de esporar quo essa conferência esse realmente, como foi notável.
Falando acêrca da situação da lavoura disse S. Ex.ª o seguinte:
«É preciso que o País tenha a compreensão do verdadeiro estudo da lavoura. Há-de haver quem penso que esse estado é de franca prosperidade, porque se a sua produção aumentou nos últimos anos pela forma atrás indicada, a lavoura deve ter auferido u proveito correspondente. Não me parece verdadeira a conclusão».
A seguir referiu-se S. Ex.ª a uma crise vinícola permanente desde 1931, e acrescentou:
«Quando a viticultura está doente pode dizer-se que padece toda a lavoura e até mesmo todo o corpo social».
«E adiante diz:
«Chegamos agora ao ponto de explicar por que é que o aumento quantitativo da produção não tem feito a felicidade dos lavradores. Emquanto os preços dos produtos agrícolas estarão em média por 20 vezes o quo eram em 1914, não acompanhando sequer o multiplicador da moeda - 24,4 -, os produtos industriais, de larga aplicação nu agricultura ou de largo consumo pelas populações rurais, têm custado 30 e 40 vezes mais, situação agravada depois da eclosão da guerra.
Eis as razoes, entro outras, porque n aumento da produção agrícola se não traduz num estado geral do prosperidade».
Disse-o quem o podia dizer, com a autoridade especialíssima de quem está por cima e portanto é melhor, e sobretudo disse-o com uma franqueza que mostra bem a gravidade da situação da lavoura.
Na data em que S. Ex.ª fez esta brilhante conferência já se previa que a colheita viesse a ser má, mas no entanto não se podia prever o desastre imenso em quo ela se havia de tornar.
Tenho preguntado a muitos lavradores, mais velhos do que eu, se já conheceram um ano assim, o todos eles mo tom dito (pio há muito tempo não há uma colheita tam desastrosa.
«A economia agrícola esta mais que esgotada há anos que vimos consumindo o próprio capital».
Há doze anos que entrámos em regime de sacrifícios tributários; no meu espirito não se ligam bom estas duas palavras «sacrifícios e «economia», porque ou o sacrifício c comportável, e então não se lhe deveria chamar propriamente sacrifício, ou o não é, e então conduz à ruína da economia. Todavia, Sr. Presidente, tam melindrosas são as circunstâncias de momento quo não me atrevo a pedir a deminuição de contribuições.
Se não fossem as condições actuais, certamente que o Governo seria o primeiro a compreender que não era o momento próprio de continuar a arrecadar nos cofres públicos centos de milhares de contos de saldos, quando a lavoura não sabe onde há-de ir buscar o dinheiro preciso paru pagar.
Recordam-se V. Ex.ªs que eu fíz aqui no ano passado um requerimento para que me fôsse fornecida pelo Ministério das Finanças uma nota dos prédios postos em praça, por falta do pagamento de contribuição, e dos que por não obterem comprador, ficavam na posse do Estado. Essa nota veio a seu tempo, mas quando eu já não tinha ocasião de a discutir, e foi inserta no Diário das sessões, dela se inferindo o seguinte:
Havia 400:000 e tal processos, e a razão dessa espantosa acumulação foi, em primeiro lugar, porque os funcionários de finanças adormeceram sobre o assunto e o Poder Judicial não lhes deu o necessário andamento. Hoje o número desses processos está reduzido a 20:000 e poucos, que se consideram movimento normal, graças aos esforços das respectivas repartições, que têm trabalhado com especial cuidado e inteligência, demonstrado como esta que a acumulação de processos é bastante prejudicial até mesmo para o contribuinte. Mas furam postos em praça 13:412 prédios, e não encontraram comprador, ficando consequentemente na posse do listado. 9:423, ou seja 70 por cento.
Estes números impressionam-me, como certamente impressionam toda a Câmara. E impressionam ainda
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mais porque se diz na resposta que me foi enviada o seguinte:
«Muitos desses prédios tinham na matriz um rendimento exagerado devido às transmissões onerosas pelo facto de se terem comprado por preços superiores ao seu verdadeiro valor, principalmente nos concelhos de forte emigração.
Finalmente, e em especial na região do Douro, o abandono da cultura da vinha desvalorizou quase inteiramente muitos desses pequenos prédios».
Verifica-se, pois, desta resposta que houve 9:000 e tantos proprietários que se viram esbulhados das suas pequenas propriedades, sem grande culpa sua, e que, se fosse possível, melhor seria que lhas tivessem deixado.
Para firmar este ponto de vista vou ler a V. Ex.ª o relatório da comissão de inquérito à lavoura feito pela Junta de Província rio Douro Litoral, que no seu último mapa diz:
«A ruína da pequena propriedade é a causa principal da mendicidade».
Refere-se a freguesia de Silva, de Barcelos, e tem a seguinte nota:
«Em 47 anos desapareceram 20 pequenos proprietários, cujos haveres passaram para donos abastados. Com a ruína da pequena propriedade surge o proletário e a mendicidade.
Há 30 anos havia 3 pedintes. Hoje há 43».
Por esta nota se pode verificar que mais valera talvez deixar a esses 9:000 e tantos proprietários as suas pequeninas propriedades.
O Sr. Cancela de Abreu: - Foram todos prédios rústicos?
O Orador: - Creio que sim.
O Sr. Presidente:- Como a hora vai adiantada, pedia a V.ª Ex.ª o obséquio de resumir as suas considerações.
O Orador: - Eu estou quási a terminar, Sr. Presidente.
Todavia, apesar do que se pensa nas esferas oficia», receio que a situação não vá melhorar; sei que não voltarão, a aparecer 9:000 prédios na posse do Estado, porque também nunca mais haverá 400:000 processos para julgar.
Mas o que interessa é saber quantos processos serão postos e qual será a percentagem daquelas propriedades que não encontrarão comprador.
Quero ainda dar a V. Ex.ª uma nota muito particular sobre a situação da lavoura.
O meu concelho é essencialmente vinícola. A cultura do trigo é apenas um acessório. Bom ano, mau arfo, cultivam-se apenas uns 4 milhões de quilogramas de trigo.
Nunca houve naquele concelho pedidos para empréstimos da Campanha do Trigo superiores a seis. Devo dizer a V. Ex.ª que neste ano vamos já em quatrocentos pedidos e todos os dias a casa está cheia até à porta.
Isto significa que o proprietário agrícola está absolutamente destituído de numerário.
A maior parte destes pequenos proprietários que aparecem a pedir dinheiro pedem 400$ ou 800$ quando muito. Já vêem V. Ex.ª quanto isto traduz necessidade.
De modo que se as circunstâncias de momento não animam a pedir a redução das contribuições, animam, todavia, a pedir que cessem todas e quaisquer exigências, como «sta das limpezas dos rios, e que se tenha o maior cuidado com o contribuinte, evitando-lhe, quanto possível, processos, custas, multas, todas estas cousas que agravam espantosamente a situação do proprietário e com as quais ele não pode.
A boa vontade com que o contribuinte tem correspondido aos desejos do Sr. Presidente do Conselho já tem sido louvada por ele próprio nos seus relatórios; dê maneira que parecia-me justo que a essa boa vontade correspondesse uma maior amenidade - chamemos-lhe assim - na lei fiscal. Parece-me que esse espírito de sacrifício do contribuinte deve encontrar compensações, tirando-se da lei fiscal todas as armadilhas ou ratoeiras invisíveis em que, sem querer, o contribuinte se encontra Apanhado. Não era pedir muito que a lei fiscal seja clara, franca e compreensível.
V. Ex.ª sabem que a mau simples multa por vezes provoca um aumento de adicionais de cerca de dez a vinte vezes o seu primitivo valor.
Diz-se que o contribuinte português é avesso a dizer a verdade. Suponho que este facto tem algumas razões e explicações.
Como a hora vai já adiantada, não posso alongar-me em considerações, mas devo citar um caso muito curioso.
Um homem que não estava habituado a ser onerado entrou, como funcionário, para um organismo corporativo. Embora não lhe pudessem determinar logo o ordenado, determinaram-lhe um vencimento, para efeitos de um lançamento do imposto profissional.
A situação dessa pessoa modificou-se, mas o interessado esqueceu-se de participar o aumento que tinha tido.
Passados quatro anos, quando deu por este facto, dirigiu-se honestamente à Repartição de Finanças a fazer a declaração de que estava em dívida ao Estado e declarando que desejava apagar o que devia. Responderam-lhe que terá de apagar uma multa enorme, cerca de dez vezes o valor da importância em dívida. Esta pessoa revoltou-se muito justamente, estranhando que lhe pretendessem aumentar dez vezes o valor da contribuição por querer pôr as suas santas em dia, e, como
sabia interpretar as leis, encontrou, felizmente, a forma dê suavizar esta situação, porque havia uma disposição legal que estabelecia a multa de 10 por cento apenas quando não se trate de dolo.
Não sei se este facto e outros semelhantes não serão uma explicação bastante para que o contribuinte português não queira ser verdadeiro.
Eu desejaria muito que acabassem certas anomalias que existem e que são incompreensíveis.
Cito ainda o que acontece com qualquer pessoa que requeira para pagar a sua contribuição industrial em quatro prestações. Se não efectivar nos primeiros trinta dias a primeira prestação é compelido a pagar a contribuição toda e com juros de mora.
O mesmo acontece com o imposto, já de si tem pesado e gravoso, como é o imposto sucessório, e não compreende o contribuinte por que assim sucede, visto que tal procedimento sai das normas de todas as contribuições, que têm sempre trinta, dias de pagamento voluntário e mais trinta para pagamento com juros de mora.
Como há-de o contribuinte entender que não sirva a avaliação para o pagamento da sisa para modificar o rendimento colectável? É preciso requerer uma nova avaliação e, se ela for favorável ao contribuinte, vem o escrivão de Fazenda e intima nova avaliação.
O Sr. Nunes Mexia: - Não aceita a segunda avaliação se ela for favorável ao proprietário, ao passo que a toma como boa se ela for favorável ao Estado.
O Orador: - Desejava que os funcionários fiscais tivessem para com o contribuinte o carinho sempre necessário, mau «muito especialmente neste momento. Ao
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invocar, Sr. Presidente, o que vão ser as privações e os tormentos dos meus colegas proprietários agrícolas, que não tiveram nem vinho; nem azeite, néon trigo, nem nada com que realizem dinheiro para pagarem as contribuições, tormentos e privações que todavia lhes não esmoreceram no ânimo forte a vontade de semear de novo, com coragem, com fé, apesar de tara duramente experimentados pelas agruras da anais rude, mais falsa e ingrata, das profissões, se não me atrevo, repito, a pedir que se deminuam as contribuições, peço, pelo menos, com a convicção de que faço um pedido justo, que o Estado recomende aos seus acentos fiscais que só em último caso seja exigido ao contribuinte um ceitil a mais que seja no que ele realmente deva pelas contribuições e que os diferentes departamentos do Estado não façam exigências que a sua economia não comporta.
Numa palavra. Quero que verdadeiramente haja, no disser do Sr. Presidente do Conselho, espírito de justiça e amor do povo; justiça para quem, pelo seu esforço, tanto a merece e amor para quem com tam grande coragem continua a cumprir o seu dever.
Tenho dito.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O Sr. António de Almeida:- Sr. Presidente: a presente proposta de lei de meios é a segunda que, após a deflagração da guerra, vai discutir-se na Assemblea Nacional. Já não a assina o Sr. Dr. Oliveira Salazar; cabe tamanha honra ao seu mais dilecto discípulo, o ilustre Prof. Dr. Costa Leite.
Quando, porém, a lei orçamental para 1940 foi apreciada nesta casa, ainda o conflito europeu estava longe de assumir as proporções trágicas a que nos é dado assistir e que jamais o mundo viu.
Eis por que êste primacial instrumento da vida pública portuguesa, tam doutamente relatado pelo Prof. Dr. Albino Vieira, da Rocha, conquanto semelhante aos anteriores do Estado Novo, em sua traça e directrizes, não lhes poderia de modo algum ser igual, tam diferente e tenebroso e indeciso se apresenta o panorama político internacional dos dias ansiosos que vivemos.
Vai, Sr. Presidente, pelo mundo inquieto e conturbado, por descrente em seus destinos, uma vaga temerosa de devastação e de dor, que, em vez de uma ordem nova e mais justa que se promete, ameaça esmagar com as suas nocivas consequências todos os povos e nações, havendo já cavado a alguns dêles - dos mais progressivos e criadores de cultura- a ruína política e económica, conduzindo-os à miséria e à morte.
No meio de tam angustiosa crise - em que a civilização ocidental e cristã é de novo desviada do seu caminho redentor e de sublimação humana; quando, incessantemente, se ateia e aviva cada vez mais horrendamente no coração dos homens a sede de destruição, de ódio e de revindita - que há-de inutilizar e consumir a humanidade; neste dilúvio de sangue e de infortúnio, Portugal, graças ao Chefe que a Providência lhe deu, constituindo um dos poucos oásis de felicidade terrena, como a antiga Arca Sagrada, a nobre casa lusitana parece ter sido escolhida por Deus para o último arrimo de bem-estar, de tranquilidade construtiva e de fraternidade, a fim de que a sua bemfazeja influência, no findar da tragédia, muito ajude a reorganizar o mundo entontecido e transviado da sua verdadeira finalidade-servindo-lhe, como em outras eras, de guia seguro e principal orientador espiritual e material.
Para usufruirmos tam alta dignidade foi indispensável que, depois de um período largo de apatia e apoucamento, nos rehabilitássemos perante nós próprios
e os outros países - habituados ao nosso descalabro político e financeiro, desesperados do nosso ressurgimento.
Foi preciso primeiro que se restituísse à Nação o seu perdido esplendor de antanho, impondo-nos à consideração universal, para retomarmos o nobililante encargo de ser arautos e semeadores da Cristandade pelo mundo
fora.
Com uma tenacidade indomável - que era corajosa e ingente tarefa de reeducação espiritual dós seus compatriotas, pouco a pouco, confiadamente, iluminado pela fé infinita - diante da qual os obstáculos aparentemente insuperáveis se abateram dócil e irresistivelmente - o Sr. Dr. Oliveira Salazar assenhoreou-se dos nossos corações e dos nossos cérebros para os modelar e esclarecer melhor, a para que, alfim, pudéssemos compreender a empresa da renovação nacional a que se votara com ardente zelo e apostolado de eleito.
A sua integridade moral, aliada a extraordinárias qualidades de inteligência -servidas de vastíssima cultura e absoluto conhecimento dos homens - denunciavam-se os mais fecundos agentes dinamizadores da suprema aspiração do Chefe: a regeneração e o engrandecimento de Portugal.
E tam excelso objectivo patriótico, imbuído do mais puro e salutar nacionalismo, converteu-se milagrosamente em realidade concreta, conseguindo-se a moralização e o equilíbrio das contas públicas, condição basilar e insubstituível de toda a prosperidade económica e alevantamento espiritual, quê não tardariam a manifestar-se pujante e deslumbradoramente!
Em Portugal de aquém-mar recuperámos o crédito interno e internacional - amortizando a dívida flutuante e nacionalizando a dívida externa; construímos, reparámos e alargámos a rede das estradas -que rivalizam com as melhores do estrangeiro- e os serviços dos correios, telégrafos e telefones; construímos e apetrechámos os portos; melhorámos os transportes terrestres e a marinha mercante; irrigámos, enxugámos c valorizámos muitos milhares de hectares de terras incultas, alagadas ou mal aproveitadas; ampliámos o campo de assistência social e criámos o corporativismo português-cujos efeitos, aumentados de cada vez mais, se traduzem na franca melhoria das relações entre o capital e o trabalho, com manifesto interêsse da economia e do bem-estar geral; refizemos a marinha de guerra, rearmámos o exército e reforçámos a arma aérea - equipando umas e outro com o mais moderno material bélico e de mais condições de, eficiência; procedemos à reparação dos edifícios e monumentos nacionais e à construção do Estádio Nacional, de estabelecimentos de ensino e ao seu melhor apetrechamento didáctico e pedagógico, acabando por alargar e aperfeiçoar a expansão da cultura lusitana em todos os departamentos da sua actividade própria.
No Império Colonial - fundado juridicamente com a elaboração do Acto Colonial, o Código do direito ultramarino constitucional dos portugueses - também o mesma ânsia de rejuvenescimento ressalta, atingindo benèficamente todos os sectores da sua vida administrativa.
Acompanhando o ritmo do progresso da metrópole, as colónias equilibram os orçamentos e quási todas saldam as suas dívidas; constroem magníficas estradas, caminhos de ferro, portos e outras obras públicas; melhoram as condições económicas e espirituais dos nativos - expandindo as missões católicas portuguesas, instruindo-os no conhecimento da nossa língua, nas artes e ofícios, impregnando-os dos nossos usos e costumes, defendendo-os das doenças - por dilatação e robustecimento da organização higiénico-sanitária, das melhores que Portugal e as outras nações têm realizado no ul-
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tramar; estimulando e protegendo a agricultura, o comércio e a indústria e implantando o corporativismo; e, fomentando a colonização branca e o povoamento por gentes de cor, entrámos, emfim, na verdadeira senda do engrandecimento imperial, de que as viagens triunfais do Chefe do Estado foram consagração inconfundível, tam profunda afirmação da consciência colonial lusitana elas evidenciaram, e de cujo significado político igualmente se aperceberam as nações estrangeiras.
Readquiríramos o prestígio e o bom nome análogos aos que fizeram de Portugal de quinhentos agente e propulsor principal do Renascimento.
Por esse motivo, ocorrendo em 1940 a passagem dos centenários da fundação da nacionalidade e da restauração, os dois aniversários de tam transcendente importância patriótica, o Sr. Presidente do Conselho lançou a idea genial de serem condignamente comemorados; tratando-se de homenagear os obreiros da nossa gloriosa história, as celebrações iriam ser também índice e expoente da época de grandeza total que atravessamos.
Da execução do programa das comemorações centenárias se incumbiu, e por forma merecedora dos mais francos encómios, a respectiva Comissão Executiva, formada por algumas das maiores figuras do pensamento português.
Todas as demonstrações festivas ou culturais previstas pelo Sr. Presidente do Conselho: a Exposição do Mundo Português-documentário deslumbrante, que conservaremos, sempre na vista e na nossa saudade; os Congressos do Mundo Português - síntese bem demonstrativa da cultura portuguesa do nosso tempo; a assinatura da Concordata e do Acordo Missionário com a Santa Sé - dois notáveis actos políticos que, por si só, bastavam para consagrar imorredouramente o seu insigne promotor - estas e outras demonstrações festivas ou culturais, Sr. Presidente, pela rara beleza e emocionante significado patriótico que irradiaram, constituíram conveniente e vibrante afirmação da forte personalidade da Nação, êxito retumbante, unanimemente declarado por portugueses e estrangeiros que tiveram a ventura de presenciar as manifestações do jubileu nacional, satisfizeram certamente o alto espírito que as concebeu e animou e repercutiram-se nas chancelarias internacionais pela forma mais profícua e honrosa para a nossa querida Pátria, que, desta maneira brilhante, de novo pôde servir de modelo ao mundo que tanto alargara em território e enriquecera em civilização.
Sr. Presidente:
Se me demorei a recordar factos sumamente dignificantes para Portugal e sobejamente conhecidos de todos os lusitanos é porque os considero como recapitulação indispensável e apropriado intróito ao sumário da lição magistral e eloquente, que outra cousa não é a lei de meios enviada pelo Governo a esta Assemblea para, na qualidade de representantes da Nação, a apreciarmos e sôbre ela nos pronunciarmos.
O orçamento de 1941, a despeito da frieza e rigidez do formulário, características de documentos legislativos e governativos desta índole, é, com efeito, uma notável lição política cujo conteúdo deve pôr-se em relevo, tam grandes são os ensinamentos que a sua essência contém e se projectam na vida nacional, e que nenhum português pode ignorar.
Da análise da proposta da lei orçamental salienta-se flagrantemente e em primeiro lugar a serenidade corajosa, a confiança completa, a certeza mesmo de que a situação financeira e económica de Portugal está de tal modo robustecida e estabilizada que poderá e saberá enfrentar as dificuldades derivadas das circunstâncias criadas pela guerra.
É deveras consolador para os nossos brios e toca bem fundo o sentimento dos bons portugueses a verificação incontroversa da segurança e solidez das finanças do País, tanto mais de encarecer quanto é enorme e aflitiva a crise financeira de que enferma a maioria dos povos europeus envolvidos pelo conflito ou por ele influenciados directa ou indirectamente.
Agora, já não só os mais refractários à compreensão da excelência da doutrina política do equilíbrio orçamental, mas até os menos simpatizantes com o Estado Novo, estão definitivamente convencidos de que, se não nos governasse o Sr. Dr. Oliveira Salazar, e outra orientação financeira se tivesse seguido, dolorosa e gravíssima seria a nossa situação nesta hora de amargas preocupações e de incerteza para os povos tidos por mais prósperos e progressivos.
Mesmo dentro das anormais circunstâncias internacionais, o Governo não aumenta os impostos para ocorrer aos encargos do Estado, cada vez maiores em todos os sectores da administração pública.
Eis, por que, avisada e clarividentemente, o Govêrno, como precaução, legítima e no intuito de evitar surpresas nefastas e sobressaltos perigosos e desorganizadores da vida nacional, admite a possibilidade de vir a ser indispensável recorrer-se a outras fontes financeiras por formas que, conquanto correspondam a agravamento tributário e, por conseguinte, a sacrifícios mais pesados para os contribuintes, serão recebidas e suportadas estóica e patriòticamente pêlos portugueses, dado que são o bem comum e a salvação pública que as justificam.
É claro que, continuando as relações económicas entre as nações a agravar-se na escala em que se têm agravado nestes últimos meses, por progressiva deminuição de certas receitas, necessário se tornará lançar mão de meios financeiros que supram ou contrabalancem aquela falta.
Ninguém ignora quam pouco rendosas foram as colheitas do ano corrente; o vinho, o azeite, o trigo e outros produtos fundamentais escassearam de maneira assustadora por motivos de ordem climatérica.
Por outro lado, as funestas consequências económicas da guerra, como não podia deixar de ser, repercutindo-se de forma evidente sobre a Nação, impedem-nos de manter e ampliar as relações comerciais, tanto mais difíceis agora quanto é verdade Portugal constituir refúgio de paz e ser a porta natural de entrada para a Europa.
País essencialmente importador, Portugal, por motivo do apertado bloqueio britânico, vê-se sujeito a restringir o seu volume de compras no estrangeiro, e, o que é pior ainda, nas suas colónias, às quais tal actuação ameaça comprometer e levar à ruina económica, se, antes desta, não se descortinar maneira de atenuar estes males que não merecemos e sem qualquer interesse para a causa por que a Inglaterra se bate com tanto denôdo e coragem.
Apraz-me, todavia, declarar aqui que uma comissão mixta, composta de economistas portugueses e ingleses, com a mais decidida boa vontade e o melhor espírito de amizade e compreensão, está estudando a maneira de remover ou, pelo menos, abrandar bastante, os efeitos do bloqueio económico.
As delegações portuguesa e britânica estão trabalhando no sentido de obter uma solução pela qual, respeitando as exigências do bloqueio, poderiam vir para a metrópole géneros coloniais destinados a reexportação para destinos autorizados, sem ser necessário que tais destinos sejam declarados e autorizados antes de as mercadorias serem exportadas das colónias para o continente.
Estou certo de que se atingirá êste desideratum, dando direito a supô-lo a realização do recente acordo tri-partido anglo-luso-espanhol, de tam notáveis vantagens para as nossas colónias; nem outra cousa é de esperar da reconhecida nobreza da Inglaterra, nossa velha e
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fiel aliada, que, paredes meias connosco em dois continentes, está trabalhando afanosamente na civilização e progresso dos povos coloniais, e a quem tantos serviços devemos, quer na defesa da independência metropolitana quer na manutenção do nosso ultramar.
Emquanto ns nossos colónias abarrotam de produtos à espera de ser exportados, a metrópole começa já a ver deminuída a abundância de muitos dêles, que, a persistir este estado de cousas, acabarão por faltar parcial ou totalmente.
E, infelizmente, afora a América do Norte, para onde o Governo, muita acertadamente, tem canalizado e desenvolvido à exportação de alguns dos nossos principais géneros, poucos dos povos americanos poderão adquirir os nossos produtos coloniais, pela simples razão de os terem em abundância.
Muitos géneros originários dos nossas possessões de além-mar, oleaginosas, cacau, café, etc., em tempo de paz, tinham mercado certo, principalmente nos países o Norte da Europa, mesmo em concorrência com produtos similares oriundos de outros domínios coloniais.
Actualmente esse tráfego não pode fazer-se por causa do bloqueio da Inglaterra. e mesmo que este não fosse tam eficiente, as nações que anteriormente adquiriam os nossos produtos ultramarinos, por carência de divisas, continuariam impedidos de satisfazer os seus compromissos. Também não seria viável o regime de clearing, em virtude de os transportes encarecerem demasiadamente os produtos e de a respectiva indústria d e guerra o permitir pouco apreciavelmente.
A quebra dos direitos de importação na metrópole, especialmente de mercadorias sujeitas a maior tributação alfandegária, tenderá, portanto, o acentuar-se; descerá o somatório de tam importante fonte de receita orçamental, sem que esta deminuição em muito pouco possa vir a ser compensada pelo volume dos direitos de exportação, sempre baixos, quási de índole estatístico, ou de reexportação, visto o bloqueio contrariar certas trocas internacionais.
E para as colónias os inconvenientes do bloqueio ainda são maiores. E que no ultramar as finanças públicas apenas podem contar, como receitas basilares, com o imposto indígena e os direitos alfandegários, tam deminutas são as outras fontes tributárias, que sabemos importantes nas metrópoles demográfica e civilizadoramente adiantadas.
Mas se o indígena não puder comerciar os seus géneros não lhe será possível pagar o imposto; e não havendo tráfego com o exterior deminuirão os direitos de exportação no ultramar, e consequentemente, por deminuição do poder de compra, baixarão as importações e os importantes direitos delas provenientes.
E não se tema apenas a queda da cotação dos títulos coloniais, e outros perniciosos efeitos financeiros resultantes dos prejuízos económicos apontados e que impedirão o prosseguimento da política do fomento tam esperançosamente posta em curso; intimamente relacionado com este perigoso estado de cousas, e como sua consequência lógica, sobrevirão o desprestígio do branco perante o nativo - alheio e desconhecedor das razões das dificuldades de venda dos seus produtos - e a miséria com o seu cortejo de perturbações políticas e sociais.
Mas não se atribua só ao bloqueio a origem dos males que afectam a vida económica das nossas colónias; àparte a insuficiência das nossa marinha mercante - felizmente a caminho de atingir maior desenvolvimento e tonelagem - a economia dos domínios portugueses ressente-se também da exagerada cotação que em Lisboa têm hoje os produtos ricos do nosso ultramar.
Para demonstração daquilo que afirmo basta focar o que interessa a produção do cacau de S. Tomé, porque o que se afirma para este produto pode de uma
maneira geral dizer-se para outros géneros de origem colonial e regiões em que são colhidos.
A actual cotação, em Lisboa, do cacau, cerca de 160$ por arroba, é anormal.
A cotação, nos mercados ingleses e americanos anda à volta de 50$ por arroba, visto que esses mercados são abastecidos com o cacau dais colónias inglesas e francesas que seguem o general De Gaule e pêlos países da América Central e do Sul produtores de cacau.
Como os mercados consumidores europeus não podem actualmente comprar cacau senão em Lisboa, daí resulta teu- o cacau subido muito nesta praça, visto a procura ser superior à oferta.
Ora o custo da produção de uma arroba de cacau em S. Tomé oscila entre 35$ e 40$, pouco mais ou menos, conforme a situação das roças, fertilidade das terras, gastos gerais, etc.
No momento presente, mais do que nunca, os interesses gerais estão acima dos particulares, e por isso importa defender a economia de S. Tomé e não os lucros dos particulares, indivíduos ou empresas.
O que os particulares desejam é fazer vir para a metrópole todo o cacau e vendê-lo depois para os mercados europeus, mas isto não é possível devido ao bloqueio económico britânico.
Por agora, as autoridades navais inglesas só autorizam, a vinda do contingente para a importação e consumo do mercado nacional; das quantidades que tiverem entrado em Espanha, de conformidade com o acordo tripartido anglo-luso-espanhol; e das quantidades quo já vierem das colónias com destino aprovado pelas referidas autoridades.
Assim, o que há a fazer para salvaguardar a economia de S. Tomé é promover a colocação do cacau que não pode vir paira a metrópole nas condições cita-as nos mercados do Canadá e da América do Norte.
Se a referida colocação tiver de ser feita com deminuição de lucros, é isto preferível ao prejuízo total que haveria se o cacau ficasse em S. Tomé.
É indispensável que todos nos convençamos de que nem os excessivos lucros resultantes da guerra são permitidos nem que êste dolce for niente em que vivemos será capaz de durar sempre.
Esta felicidade pode modificar-se repentinamente, não por carência nem por falta de energia e de saber para continuarmos a progredir e a valorizarmo-nos no ritmo em que o permite o Estado Novo; circunstâncias imprevisíveis, imponderáveis estranhos à nossa vontade e competência podem, de um momento para o outro, conduzir-nos às maiores privações.
Há que couraçar e robustecer ainda mais as nossas qualidades de carácter - serenidade, confiança e fé, certeza do nosso valor e optimismo - e enfrentar com espírito patriótico e heroísmo raciocinado as inclemências e surpresas que o futuro nos reserve.
Sr. Presidente: além dos aspectos a que acabo de aludir, a lei orçamental que estamos a apreciar preocupa-se - di-lo textualmente o artigo 6.º - em promover e realizar obras, melhoramentos públicos o aquisições, em execução da lei de reconstituirão económica n.° 1:914, de 24 de Maio de 1935, dando preferência às que sejam impostas pela necessidade da defesa e segurança nacionais, desenvolvimento da produção e do emprego da mão de obra.
E o artigo 5.º afirma que, em obediência ao critério intangível do equilíbrio das contas públicas - espinha dorsal da grandeza prosperidade que usufruímos - o Governo tomará todas as medidas tendentes a deminuir as despesas e a suspender ou a reduzir as dotações orçamentais, sem nunca se esquecer da preferência a dar à efectivação dos trabalhos que importem maior ocupação de trabalhadores.
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Estes excelentes princípios económico-sociais exarados nos dois artigos da lei de meios de 1941- satisfazem perfeitamente aos deveres que temos para com Deus e para com a Pátria. Se é verdade que estes admiráveis conceitos doutrinários vêm, de há muito, impregnando toda a actividade política, do Estado Novo, neste momento de angústia e justificadas preocupações para a existência dos povos a invocação e a apresentação clara e inconfundível destes preceitos, despertando-nos confiança absoluta dos chefes que nos dirigem, levam-nos também a encarar o futuro com optimismo naturalmente derivado da consciência do nosso valor colectivo e das responsabilidades próprias da condição de grandes artífices do progresso da humanidade que silo tis portugueses.
A salvação pública impõe reduções de certas verbas destinadas a alguns trabalhos ou aquisições menos urgentes e dispensáveis? Façam-se sem hesitar porque essas dotações irão aumentar as da defesa nacional, sempre crescentes e cada vez mais instantes.
O troar do canhão ainda, felizmente, não se ouve em Portugal europeu, embora tam temeroso sinal já não se mostre muito distanciado de algumas das nossas possessões ultramarinas.
Mercê dos seus privilegiados dotes de estadista, fiel ao perfeito cumprimento dos nossos deveres para com as nações com que concertámos tratados de aliança ou de amizade, espontaneamente assinados, dentro de uma neutralidade universalmente encomiada, o Sr. Presidente do Conselho tem levado Portugal a bom porto de salvamento, desviando-nos do conflito que mortifica o mundo; as ocorrências da política externa mais complexas e delicadas, hão sido resolvidas com interesse para o bem da Nação e com assentimento dos interessados, tamanha é a ascendência espiritual do Chefe do Governo Português.
Se bem que o incomparável tato político do Sr. Dr. Oliveira Salazar nos possa dar a garantia de que nos conservaremos à margem da guerra, isso não obsta a que continuemos a remuniciar a nossa fôrça armada - a melhor salvaguarda da integridade política e territorial da Nação. Depois, o direito e a justiça internacionais andam tam esquecidos na sua verdadeira essência e tam desvairados em seus intentos, que nos é imperioso cuidar atentamente do fortalecimento da nossa capacidade defensiva, preocupação que, para bem nosso, domina o Governo.
Bem assizado se mostrou o Governo ao enviar contingentes militares para os Açores e para as nossas grandes colónias de África, como reforço da preparação militar que ali estamos levando a cabo; se ainda não serão bastantes para ocorrer ns necessidades de uma actuação militar moderna, estas forças são, sem dúvida, indicação incontestável e iniludível dos nossos propósitos de querer manter sempre portugueses os territórios que continuamos a civilizar com o maior êxito, e que os nossos maiores nos legaram depois de os haverem granjeado, à custa de muito esforço, com o seu sangue e, tantas vezes, com a vida.
E, depois, não nos esqueçamos de que, no nosso tempo como no passado, aliás, nem sempre apenas os grandes efectivos militares têm sido bafejados pela vitória; esta pertencerá, ledo ou tarde, não só àqueles que a conquistarem pelas armas, mas principalmente aos que a obtiverem pela cultura e aos que souberem conservar.
Mas, Sr. Presidente, não basta que o tendamos convenientemente à satisfação tias necessidades da defesa e segurança da Nação, no que respeita ao apetrechamento de material bélico e no aperfeiçoamento da preparação guerreira da nossa fôrça armada.
É que a guerra moderna não exige somente bom rendimento daqueles seus factores indispensáveis; exige mais, porque a vitória final depende em grande escala da perfeita e profícua mobilização de todos os recursos nacionais.
Razão tem, pois, o Governo no interessar-se, logo depois dos problemas de defesa e de segurança, pelo incremento da produção, elemento capital para a condução da guerra, e, na paz, inestimável alavanca da valorização económica e do progresso integral dos povos.
De conformidade com esta inteligente e sensata doutrina, e de acôrdo com o n.º 2 da 1.ª base da lei n. 1:914, já referida, o novo orçamento prevê a conclusão ou o prosseguimento de planos e trabalhos já iniciados, à sombra de anteriores orçamentos e ainda a realização de outros de extraordinária importância.
Antes de apreciar alguns deles convém que se saliente e admirável norma administrativa denunciadora de probidade inconcussa, sempre seguida pelo Governo do Estado Novo, e que é a de não deixar de concluir ns obras em andamento e de jamais dar início àquelas que não possam ser levadas a têrmo nos prazos estipulados.
Sr. Presidente: indissoluvelmente unidos com os problemas da produção andam os trabalhos de pesquisa e fomento mineiro, e bem assim os que se prendem, com os novas pesquisas de carvão e outros trabalhos de produção de combustíveis, os que pretendem valorizar as regiões costeiras, mediante o repovoamento florestal das dunas e arborização de serras, segundo o disposto na lei n.º 1:971, de 15 de Junho de 1938.
Continuar-se-á o reconhecimento das possibilidades mineiras do País, mormente no que respeita aos minérios fundamentais e ao carvão; esta política económica, conduzindo a melhoria da actividade industrial portuguesa, em muito concorrerá também para a ampliação da nossa riqueza agrícola que o Estudo Novo vem estimulando denodada e incansàvelmente.
Pena é que a gravidade do momento internacional não permita aos orçamentos das colónias realizar semelhante aumento de exploração mineira em terras do nosso Império, sobretudo, em Angola e Moçambique; o aproveitamento das imensas riquezas do subsolo colonial constituirá um dia os mais rendosos auxiliares de prosperidade económica não só das terras originárias como de toda a Nação.
E vem a propósito declarar que, não obstante os estorvos criados pela guerra, que tanto afectam e se reflectem na vida das nossas colónias, a que já aludi há pouco, alguns dos mais importantes empreendimentos que, dentro de largo e bem estudado plano de reconstituição económica imperial (e ao qual se atribuíram perto de meio milhão de contos), continuam a desenvolver-se nas nossos possessões ultramarinas com os mais esperançosos resultados.
A construção do caminho de ferro de Tete e a continuação do de Amboim e do ramal do Dondo, e o alargamento da bitola do caminho de ferro de Mossâmedes; a conclusão da farolagem da Guiné, de Angola e de Moçambique; a construção dos aeroportos em Angola, Moçambique, Timor e o de Bolama, futuro escala dos Clippers, e o estabelecimento de carreiras aéreas; a construção de portos e seu apetrechamento - devendo salientar-se os do Lobito, Lourenço Marques, Beira e de ... - dos melhores das terras ultramarinas, e os estudos da construção dos portos de Luanda, de Nacala, e o da irrigação do vale do Limpopo; a modernização de antigas cidades e a construção de outras, como as do Lobito, Nova Lisboa. Lourenço Marques, Nampula e Bissau; o alargamento da rêde de T. S. F. em Angola; a construção de estradas, das pontes do Lúrio e do Incomati - as maiores da nossa África depois as do rio Zambeze; a ampliação do hospital de Lourenço Marques e a construção dos hospitais de Nova
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Lisboa, de Saurimo, de Sá da Bandeira, de Morrumbene, de Macia, e o dos indígenas de Luanda; a construção da escola agro-pecuária de Sá da Bandeira - fundamental para a fixação da raça branca - e a edificação do Liceu de Luanda, prestes a concluir-se, e a próxima construção do de Lourenço Marques, que virá a ser o melhor de Portugal e um dos melhores da África do Sul; os trabalhos das missões hidrográficas e cartográficas e de outra índole científica já realizados em todas as colónias, principalmente em Moçambique, Timor e Angola, para só pôr em destaque oa mais importantes e oportunos; todas estas empresas são padrões magníficos da grandiosa obra material que estamos a realizar e das nossas inigualáveis qualidades de colonizadores e demonstração de um esforço que não esmorece em demanda no cumprimento integral da missão civilizadora que nos impusemos, como ainda há pouco, na inauguração do Congresso Colonial, nos disse, em discurso brilhantíssimo, o Sr. Ministro das Colónias - o grande realizador da ocupação económica é científica do Império Colonial.
Sr. Presidente: ligada simultâneamente às necessidades da defesa e segurança militar e às questões de produção e de valorização económica do País está a construção dos campos de aviação; por isso, a próxima conclusão do aeroporto de Lisboa e a construção do aeródromo do Porto, que vem sendo estudado desde Novembro de 1939 - e era prometido no orçamento para 1941 - são duas obras notáveis que muito nos honrarão aos olhos do mundo e cujo merecimento é desnecessário encarecer, tam flagrante e concreto êle se apresenta a todos os portugueses.
Fez bem o Governo em comparticipar nas despesas da construção dos dois campos de aviação com 50 por cento (mais de 11:000 contos) para o de Lisboa e com dois terços (cêrca de 10:000 contos) para o do Porto, competindo ns restantes encargos aos respectivos Municípios, que os obtiveram por empréstimo feito à Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência.
Muito bem andou o Governo em conceder benefícios de tamanho vulto às duas grandes cidades, não só por que ambas bem os merecem o porque tam valiosas realizações se vão repercutir favoravelmente no equipamento económico e militar do País, mas ainda porque, deste modo, não se deixará medrar o ruim e invencível sentimento da emulação que algumas vezes se tem manifestado no coração intensamente bairrista - e nem por isso menos português de lei - da nobilíssima população da laboriosa cidade do Pôrto, legitimamente ciosa dos seus foros e da justiça que lhe é devida.
Por motivo da distância a que fica da cidade - cerca de 12 quilómetros - não deverá classificar-se de óptimo o local escolhido para o aeródromo do Pôrto - as Pedras Rubras; todavia, é o melhor que se encontrou, sendo de crer que após a abertura da projectada via de acesso à cidade os inconvenientes agora citados se desvaneçam, o que sucederá, certamente, em tempo não longínquo, e depois do natural alargamento do Porto naquela direcção.
O estudo da constituição geológica do terreno e da direcção dos ventos, bem como o plano de urbanização local, acham-se já terminados; a planta cadastral está feita, tendo-se iniciado as expropriações necessárias, que importarão em cêrca de 1:500 contos, aguardando-se apenas o corte das árvores que povoam os terrenos para se elaborar o levantamento e o projecto definitivo.
Porém, Sr. Presidente, não só dos problemas que respeitam imediatamente à defesa e segurança, seja na feição militar propriamente dita ou do apetrechamento económico, cuida o orçamento para o ano de 1941. Questões do mais elevado interesse para a conservação e aperfeiçoamento da saúde física, moral e intelectual da nossa gente prendem a esclarecida atenção do Governo ao prover a realização dos vastos trabalhos do construção dos hospitais escolares de Lisboa e do Porto, dos estabelecimentos prisionais, da execução do plano da rede. escolar de instrução o primária, e das instalações liceais; e, como cúpula de tam maravilhoso conjunto de obras de valorização e prestígio nacionais, vem a promessa do início dos trabalhos preparatórios da execução do plano universitário de Coimbra, já devidamente estudado e meditado.
A fim de que a Nação possa tomar conhecimento exacto e claro do que eles valem e representam, tanto no ponto de vista material como nos fins educativos e sociais que pretendem alcançar, reservo a apreciação desenvolvida de cada um dos importantíssimos empreendimentos previstos no § único do artigo 6.º e no artigo 7.º para quando novamente usar da palavra, durante a discussão, na especialidade, da presente proposta de lei de meios.
O exame minucioso destas obras também constituirá uma das melhores homenagens devidas ao Sr. Dr. Oliveira Salazar, o criador das possibilidades da sua realização, e ao Sr. engenheiro Duarte Pacheco, realizador incomparável que bem as sabe fazer executar.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Antunes Guimarãis: - Sr. Presidente: vou procurar ser muito breve porque já usei da palavra nesta sessão o porque sei que o importante diploma que está a ser discutido ainda tem de ser apreciado por alguns dos nossos ilustres colegas, a quem não quero, espraiando-me em largas considerações, tirar o tempo de que êles carecem para o fazer.
Começarei por dizer aquilo que já aqui foi salientado, e é que este diploma é caracterizado por uma afirmação de continuidade (continuidade que é uma das grandes características do Estado Novo) e de sobriedade, mas não lhe falta a precisa adaptabilidade às condições que forem surgindo. É por isso que, à primeira vista, parece a redacção de outros diplomas idênticos que, com o mesmo título de proposta de lei de autorização de receitas e despesas, há sete anos vimos apreciando nesta Assemblea Nacional; mas a verdade é verificarmos que ele se adapta às circunstâncias presumíveis e apresenta novas providências, a demonstrar que o Govêrno está atento ao momento gravíssimo por que passamos.
Acompanha este diploma um notável parecer da Câmara Corporativa, parecer doutíssimo, que representa um esforço muito tenaz e inteligente e observação de números dispersos por muitos documentos e variados anos.
Tive a satisfação, o grande prazer espiritual, de, ao apreciá-lo, ver numa verdadeira síntese, em perfeita, sistematização, como que em mapa de grande relevo, a obra notável do Estado Novo em todos os campos da actividade, realizado, pêlos diversos Ministérios no período histórico iniciado em 28 de Maio.
Eu chamei-lhe mapa, e digo a V. Ex.a, Sr. Presidente, que êste trabalho era bem digno de, a exemplo do que se tem verificado com outros notáveis pareceres enviados a esta Assemblea Nacional, ser publicado não só para ser distribuído aos Deputados mas para larga difusão, porque o esforço realizado pelo ilustre relator merece ser bem conhecido, pois, repito, observando-o com atenção, vê-se em conjunto, em síntese rápida, a grandiosidade da obra do Estado Novo.
Verifica-se, meus senhores, que o Governo, para fazer face a surpresas que possam surgir, além das receitas extraordinárias, procura garantir-se com receitas extraordinárias, como sejam o imposto de salvação pública, o
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tributo dos lucros derivados da guerra e - novidade dêste diploma - a tributação dos rendimentos provenientes de acumulações, não só de cargos públicos, mas também de cargos particulares. É uma medida nova, que sucede a outras que já procuravam limitar, restringir e até proibir determinadas acumulações, mas que agora vai mais longe, porque as põe na alçada do fisco, tributando-as, comforme o critério do Govêrno ordenar. Corresponde, efectivamente, ao momento que passa, e traduz desejo que o Govêrno tem, e que a Nação com ânsia manifesta, de proporcionar actividades para todos os portugueses.
Na verdade, mais do que a importância do tributo, eu noto que o Governo pretende contrariar cada vez mais essas acumulações, para que muitas inteligências agora desempregadas possam encontrar aplicação útil para muitas famílias e vantajosa para a Nação Portuguesa.
Mas é preciso que, simultâneamente, o Govêrno, ao contrariar essas acumulações evite, tanto quanto possível, contrariar também iniciativas - e algumas de muito valor - que não podem efectivar-se pelas dificuldade, pelos estorvos e peias burocráticas que as cercam.
É, de facto, lamentável que muitas tentativas, quer no campo comercial, quer no industrial e até no agrícola, não encontrem ambiente e condições de viabilidade, sobretudo por encontrarem o travão das repartições públicas.
Os indivíduos que promovem tais iniciativas, em vez de encontrarem apoio que os anime, topam com dificuldades insuperáveis para realizar os seus planos.
Há uma nota nesta proposta de lei verdadeiramente simpática: é a que se refere à preferência dada a obras que contribuam para o desenvolvimento da instrução da mocidade, para a defesa e segurança nacional, e, ainda, para os que contribuam para reduzir o desemprego em Portugal, proporcionando trabalho a todos os braços e a todas as inteligências.
Tenho a certeza de que a Nação, ao compulsar os mapas a que já me referi e que constam do douto parecer da Câmara Corporativa, e verificar em todo o seu conjunto bem sistematizado o grande esfôrço realizador do Estado Novo, dará por bem empregado o seu dinheiro e não terá dúvida em continuar com os sacrifícios, embora grandes, mas patriòticamente suportados, neste momento de dificuldades bem patentes, a todos os lares, desde os mais modestos até aos que passam por abastados, embora estes últimos sejam muito mais raros do que se supõe.
Diz-se muitas vezes que o contribuinte não quere pagar. Posso afirmar a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que o contribuinte dá provas de patriotismo ao levar ao Tesouro aquilo que o Govêrno lhe pede; mas o que êle quere é que os tributos, as exigências do fisco, sejam distribuídos com equidade e, sobretudo, pretende que dos tributos não resulte a ruína de famílias, o aniquilamento de fortunas, a morte de campos de actividade.
É que êsses tributos são autorizados por leis que na sua maioria precisavam de ser revistas, para serem adaptadas às dificuldades do momento que passa, às possibilidades reais do contribuinte, e, ainda, à psicologia do povo português.
Embora no parecer se diga que o orçamento das receitas e despesas ordinárias não interessa à Assemblea Nacional, visto ser a conseqüência necessária de diplomas já publicados e em vigor, e como tal susceptível e dispensar a nossa apreciação, e se afirme, também, que a nossa atenção deveria convergir para as medidas excepcionais e fontes de receita extraordinárias que vão fazer face a despesas também extraordinárias, devo dizer a V. Ex.ª que, ao apreciar esta proposta de lei e socorrendo-me das informações inteligentes do parecer da Câmara Corporativa, o que mais me interessa neste momento não são as receitas extraordinárias nem as despesas extraordinárias. São justamente as receitas ordinárias, e, portanto, os diplomas em que elas assentam. Embora se diga num decreto, julgo' que de 1935, que a Assemblea encontrará no decorrer da sua sessão legislativa outros momentos mais oportunos para apreciar os diplomas tributários e votar a sua remodelação, eu, tendo em atenção o que V. Ex.ª, .Sr. Presidente, disse na abertura desta sessão legislativa, sôbre devermos limitar os nossos trabalhos a assuntos da maior importância e urgência, como reconhecimento das dificuldades do momento que atravessamos, direi que, perante o que se passa com certos contribuintes, vítimas da aplicação de certas leis, devo trazer aqui sugestões de modificação de vários diplomas orientadores da cobrança dos tributos, após o que conviria promover a sua codificação, tam dispersos êles andam e notòriamente antagónicos por vezes são.
Evidentemente nenhum de nós poderia nesta ocasião pedir redução das receitas do Estado, pois sabemos que de tudo carece, e que algumas tendem para baixar, como se verifica com as aduaneiras.
Mas o que podemos e devemos é pedir ao Govêrno que procure outras fórmulas de cobrança mais suave que permitam pagar em muitos anos aquilo que neste momento é exigido de uma só vez ou em poucas prestações, em número não compatível com a conservação da propriedade rústica ou urbana.
O Govêrno no que respeita, por exemplo, a títulos do Estado já permite o pagamento de infinidade de prestações, porque a contribuição é cobrada cumulativamente com o pagamento dos juros e, portanto, sem que se torne incomportável.
Dentro dêsses princípios, mas adoptando outras fórmulas, poderiam os prédios beneficiar, na liquidação da contribuição de registo por título gratuito, de idênticas vantagens, permitindo que os herdeiros as possam conservar para continuidade e conservação da família, base essencial do Estado Novo.
Não quero dizer que, pelo que respeita à propriedade, se adoptasse aquela fórmula, a que, em conversa, aludira há pouco o Sr. Dr. Braga da Cruz, a qual generalizaria para os títulos do Estado o disposto à liquidação do imposto sucessório sôbre propriedades. Não. E não, porque, embora reconheça certas vantagens que advêm para os portadores de títulos, para os seus herdeiros e até para o Estado, porque atrai capitais para os seus fundos e não exige aos sucessores o dispêndio imediato de pesados tributos, a verdade é que eu não desejaria a sua aplicação pura e simples, porque importa sempre em atenção o grau de parentesco. Não poderíamos nivelar todas as situações. Uma cousa são os filhos e outra os estranhos. Os defensores da família, como nós, não poderiam tratar do mesmo pé de igualdade casos absolutamente diferentes e que não devem deixar de ser atendidos em novas disposições sôbre imposto sucessório.
Mas o Governo, orientado por outros diplomas que já são lei do País, dos quais um aprovado. por esta Assembela Nacional, relativo às obras hidroagrícolas, estabelece que as importâncias devidas ao Estado pelos melhoramentos feitos para valorização de certas zonas quási improdutivas podem ser pagas em amortizações que se prolongam por cinquenta anos, com juros que podem baixar a 2 por cento que não sobem além de 4 por cento e são cobradas cumulativamente com a contribuição predial.
Entendo que o Governo, que tem facilidade em obter, ou por empréstimos ou na Caixa Geral de Depósitos ou por outros meios conhecidos, os recursos
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de que carece num momento, dado, poderia facilitar a transmissão da propriedade, sobretudo por título gratuito, tonando mais morosas as prestações do imposto sucessório, distribuindo-as por muitos unos, com juro baixo.
Desta forma não se repetiriam os casos, de que lamentavelmente tenho conhecimento, de algumas heranças representarem a ruína de famílias que não podem pagar nos prazos curtos consentidos por lei e são forçadas a recorrer a empréstimos que, sempre a juro elevado, constituem o inicio da respectiva derrocada financeira.
Tem-se até verificado renúncias de heranças. O herdeiro rejeita a herança, em face de encargos superiores ao valor real da propriedade.
Tenho a certeza de que o espírito do Governo, que não pode deixar de corresponder ao de todos nós, porque é constituído por soldados do Distado Novo, nau admitirá que a liquidação do imposto represente, por vezes, a ruína dos herdeiros, porque de tam grande iniquidade resultaria a ruína de muitas famílias, assim lançadas para a proletarização.
Lembrei há pouco o exemplo das obras hidroagrícolas; mas há outro, muito simpático, que não posso deixar de registar aqui, e que deve ter início em sugestão feliz da Fazenda Pública. Nos bens que entram na posse do Estado por qualquer execução os proprietários têm o direito de requerer a posse das suas antigas propriedades e o Estado permite-lhes o pagamento em prestações semestrais durante dez anos, ao juro de 4 por cento, que aliás, no momento actual já poderia ser mais reduzido, e dispensa-os do pagamento de nova sisa.
Isto, sim, é política do Estado Novo, em homenagem ao direito de propriedade e u conservação das família?.
Cito este exemplo, porque é recente e é obra do Estado Novo.
Eis o que posso acrescentar ao que já foi dito por alguns de V. Ex.ª, especialmente pelo nosso ilustre colega Sr. Melo Machado, sobre a situação dos proprietários, infelizmente bastante precária, ao que é lamentável, fosse tratar do campo de actividade onde trabalha a maioria da população portuguesa.
Mas, além da reforma do imposto sucessório, o Governo poderia melhorar as condições de propriedade, expurgando-a de certos ónus, entre os quais volto a citar os laudémios, que oneram gravemente certos prédios, e que já é tempo de o Governo remover definitivamente, reduzindo-os a quarentena, como já fora deliberado piara muitos outros. A redução de 50 por cento decretada o ano passado é insuficiente e, sobretudo, constitue tratamento diverso para casos similares.
E, ainda sobre laudémios, comunicaram-me o facto estranho de o fisco exigir dos senhorios directos o pagamento da contribuição por título gratuito de laudémios que não suo recebidos, porque os laudémios apenas se verificam quando há transmissão por título oneroso.
Mas há mais. Da recente avaliação da propriedade urbana resultaram valores que não correspondem de maneira alguma ao valor real.
Multiplicando por 30 o valor matricial, chega-se a valores fictícios, que ficariam no caso de venda muito aquém das ofertas de pretendentes à respectiva compra.
A multiplicação desse valor por 30 não corresponde, quási sempre, à realidade.
Outros casos se têm verificado, como, por exemplo, os do capitulo das expropriações, assunto já aqui largamente apreciado e discutido na última sessão legislativa. Noto que, sob o pretexto das expropriações, se chega, por vezes, quási ao confisco de certas propriedades. Não se atende em geral ao valor construtivo, baseando-se a avaliação apenas no rendimento, o que não é de forniu nenhuma aceitável.
As diferentes leis de expropriação em vigor, como n das expropriações por zonas ou as criadas para facilitar certas obras dos centenários, têm sido aplicadas com critério que motiva da parte da maioria dos proprietários reclamações e protestos que, infelizmente, muitas vezes são justos.
Entro agora no capítulo das obras a que se alude na proposta de lei.
O Sr. Dr. António de Almeida, ilustre Deputado que me precedeu nesta tribuna, aludiu, com eloquência e saber, a grande obra do Estado Novo, não só na metrópole como em todo o Império; e, entre tantas obras, S. Ex.ª referiu-se a alguns com que o Governo pretende beneficiar a terra onde eu, apegar de não ter ali nascido, sinto grande satisfação em ser a do meu domicílio, onde fui encontrar a mulher a quem me liguei, onde nasceram meus filhos e meus netos.
É natural, portanto, que sempre que subo a esta tribuna, embora eu nunca esqueça ser Deputado da Nação, sinta carinho especial por tudo que o Governo resolve fazer em benefício da cidade do Porto.
Verifico que nesta proposta de lei só volta a falar no campo de aviação do Porto e no hospital escolar daquela cidade.
Claro que todos os portuenses rejubilam com tal afirmação, porque tais obras garantirão o emprego de muitos braços, e sabem quanto lhes é necessário assegurar àquela região o concurso regular da aviação, como, infelizmente, não ignoram como está carecida aquela cidade de hospitais onde os doentes encontrem boa assistência e os estudantes de medicina elementos de estudo para se habilitarem a prestar amanhã bons serviços clínicos à densa população nortenha.
Contudo, pelo que respeita ao aeródromo, uma cousa há com que não concordo: é que se chame campo de aviação de Pedras Rubras. Este campo, disse-o há pouco o Sr. Dr. António de Almeida, está situado a 13 quilómetros da cidade do Porto. Pode ser essa a distância, medida no mapa, mas é bastante inferior à que se encontra no terreno, porque com os seus altos e baixos as curvas são indispensáveis e a distância real aumento.
Alguém entendido no assunto disse-me que a distância efectiva há-de orçar por 18 quilómetros, contada, não da circunvalação, mas do centro da cidade.
O campo de aviação do Porto interessa, evidentemente, pelas ligações com todo o mundo, mas especialmente pelas ligações com Lisboa. Ora o campo de Pedras Rubras fica justamente para norte, quando Lisboa fica para sul. E eu já disse o ano passado que uma viagem de automóvel para se chegar ao campo de Pedras Rubras nunca custará menos de 50$, com a agravante de se terem de pagar os quilómetros duas vezes, para passar de avião por cima do Porto no seu percurso para Lisboa.
Esse campo é de aplaudir, porque aplicará muitos braços e tem marcada importância sob o ponto de vista militar.
Mas, sendo assim, deveria ser construído inteiramente pelo Governo, como foi o da Ota, não se exigindo à Câmara Municipal do Porto comparticipação, que não se justifica, em fase da sua notória característica militar e pouca adaptabilidade as comunicações económicas do Porto. Servirá à falta de outro.
Em tempos nomearam-se técnicos dos mais abalizados para o estudo da situação dos aeroportos de Lisboa e do Porto. Essa comissão, a que pertenceu o nosso distinto colega Sr. coronel Alfredo Sintra, foi de opinião que o campo de Lisboa se construísse na Portela de Sacavém e o do Pôrto da freguesia da Madalena.
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Foram, por proposta minha, aprovados pelo Governo esses pareceres. Somente o campo da Portela de Sacavém foi construído; o do Madalena, a pouca distância e situado a sul ido Porto, foi posto de parte. Simultaneamente com o estudo do local para o campo de aviação do Porto uma comissão, por mim nomeada, pronunciara-se pela construção da ponte da Arrábida sobre o Douro, nas imediações da Madalena, melhoramento que determinaria a urbanização da vasta zona do Campo Alegre e do planalto do Caudal, em Gaia, e que, facilitando o acesso ao campo de aviação, constituiria o ponto de partida da auto-estrada para ligação das lindas e frequentadas praias de Arcozelo, Vilamar, Aguda, Granja e Espinho.
O Sr. Presidente: - Já passaram cinco minutos . . .
O Orador: - De facto, já tomei, além da hora regimental, os cinco minutos que V. Ex.ª me concedeu, não os não desejava terminar sem me referir a factos que interessam ainda à cidade do Porto, como é o que se refere à construção do hospital escolar. E sobre este ponto permito-me fazer algumas considerações acerca do local escolhido para esse hospital, que é junto da circunvalação, talvez a 3 quilómetros do coração da cidade e afastado das duas linhas de eléctricos que atravessam aquela região, a da Areosa e a de S. Mamede.
É claro que esse hospital se destina especialmente aos doentes; mas precisa também de ser frequentado pêlos estudantes de medicina e pelas, famílias dos doentes, que hão-de querer levar-lhes o conforto da sua presença.
Imaginem V. Ex.ªs o que seria para essas famílias, na sua totalidade sem recursos, porque senão os seus doentes não iriam para o hospital, e para os estudantes de medicina, que, como V. Ex.ªs sabem, vivem quási todos em situação precária, e até para os próprios médicos, se tivessem de utilizar em tam longo percurso os eléctricos, o que representa uma despesa importante, e terem depois de palmilhar cerca de 2 quilómetros debaixo de chuva e de sol todos os dias, até várias vezes por dia.
Entendo que os hospitais, bem como outras instituições, devem estar sempre ao alcance das pessoas que os têm de utilizar.
Já nesta tribuna aludi a uma outra instituição, a um outro grande edifício que se pretendera construir no Porto, e que infelizmente não chegou a sê-lo.
Refiro-me ao Palácio da Justiça.
Algumas palavras pronunciei no sentido de pedir ao Ministro da Justiça de então, e agora nosso ilustre colega, Sr. Dr. Manuel Rodrigues, que manda-se construir aquele Palácio na parte central da cidade, onde existiam e existem terrenos disponíveis ao lado da nova Domas Municipalis, porque não obrigaria a grandes percursos como os exigidos para ir à Rotunda da Boavista, que fôra local indicado, e atenderia aos legítimos interesses do comércio portuense, que foi o criador daquela cidade.
Entendo que, quando se tratar de novas instituições, há sempre que atender, além das condições técnicas, aos interesses económicos e aos direitos legítimos de todas as pessoas que têm de utilizá-las, que, no caso do hospital escolar, são os doentes e suas famílias, os estudantes, os professores e outro pessoal.
Tenho dito.
Vozes : - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - O debate continuará na sessão
De amanhã.
Comunico a V. Ex.ª que vieram a esta Casa agradecer os cumprimentos que eu e o Sr. Dr. Albino dos reis lhes apresentámos em nome da Assemblea Nacional S. Ex.ª os Srs. Ministro da Educação- Nacional e os Srs. Sub-Secretários de Estado da Assistência Social, Finanças, Agricultura e Educação Nacional.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 23 minutos.
O REDACTOR - Costa Brochado.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA