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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARÍA DA ASSEMBLEA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 98

ANO DE 1941 6 DE FEVEREIRO

II LEGISLATURA

SESSÃO N.º 93 DA ASSEMBLEA NACIONAL

Em 5 de Fevereiro

Presidente o Exmo. Sr. José Alberto dos Reis

Secretários os Exmos.Carlos Moura de Carvalho
Gastão Carlos de Deus Figueira

Nota. - Referentes ao Diário das Sessões n.ºs 96 e 97 foram publicados dois suplementos: o primeiro inseria as contas do ano económico de 1939 da Junta do Crédito Público; o segundo continha um aviso da Assemblea Nacional com a rectificação à ordem do dia designada para a sessão do dia 5 de Fevereiro.

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 50 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o último número do Diário das Sessões.
Usaram da palavra os Srs. Deputados D. Maria Guardiola, Juvenal de Araújo, António Pinheiro Tôrres, Ângelo César, Melo Machado e Cancela de Abreu.

Ordem do dia. - Entrando-se na ordem do dia, foi aprovada a ratificação pura e simples do decreto-lei n.º 31:103, depois do sobre ele ter usado da palavra o Sr. Deputado Antunes Guimarãis.
Foi aprovada a ratificação pura e simples dos decretos-leis n.ºs 31:104 e 31:106.
Iniciou-se a discussão sobre a ratificação do decreto-lei n.º 31:107, tendo usado da palavra os Srs. Deputados Sá Carneiro, Belfort Cerqueira, Tavares de Carvalho, Botto de Carvalho, Abel Varzim e Ângelo César.
O Sr. Presidente, encerrou a sessão às 17 horas e 34 minutos.

Srs. Deputados presentes à chamada, 67.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão, 3.
Srs. Deputados que faltaram à chamada, 2.

Srs. Deputados que responderam à chamada:

Abel Varzim da Cunha e Silva.
Acácio Mendes de Magalhãis Ramalho.
Alberto Cruz.
Alberto Eduardo Valado Navarro.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre de Quental Calheiros Veloso.
Alfredo Delesque dos Santos Sintra.
Álvaro de Freitas Morna.
Álvaro Salvação Barreto.
Ângelo César Machado.
António de Almeida.
António de Almeida Pinto da Mota.
António Augusto Aires.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Hintze Ribeiro.
António Maria Pinheiro Torres.
António Rodrigues dos Santos Pedroso.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo d(c) Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Artur Ribeiro Lopes.
Augusto Cancela de Abreu.
Augusto Faustino dos Santos Crespo.
Augusto Pedrosa Pires de Lima.
Carlos Moura de Carvalho.
D. Domitila Hormizinda Miranda de Carvalho.
Fernando Tavares de Carvalho.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco de Paula Leite Pinto.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
João Antunes Guimarãis..
João Botto de Carvalho.
João Garcia Nunes Mexia.
João Garcia Pereira.
João Luiz Augusto das Neves.

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João Maria Teles de Sampaio Rio.
João Mendes da Gosta Amaral.
João Xavier Camarote de Campos.
Joaquim de Moura Relvas..
Joaquim Saldanha.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Alberto dos Reis.
José Alçada Guimarãis.
José Dias de Araújo Correia.
José Gualberto de Sé Carneiro.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria Dias Ferrão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Júlio Alberto de Sousa Schiappa de Azevedo.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz Cincinato Cabral da Costa.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Figueira.
Luiz José de Fina Guimarãis.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Pestana dos Beis.
Manuel Rodrigues Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D, Maria Luíza de Saldanha da Gama Van-Zeller.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Sebastião Garcia Ramires.
Sílvio Duarte de Belfort Cerqueira.
Ulisses Cruz de Águias Cortês.
Vasco Borges.

Srs. Deputados que entraram, durante a sessão:

Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Carlos Mantero Belard.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Guilhermino Alves Nunes.
Joaquim Rodrigues de Almeida.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 42 minutos. Fez-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 67 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 50 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário da última sessão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Visto não haver reclamações, considero-o aprovado.
Tem a palavra, antes da ordem do dia, a Sr.ª Deputada D. Maria Baptista Guardiola.

A Sr.ª D. Maria Baptista Guardiola: - Sr. Presidente: em magnífico editorial de domingo passado, é Diário de Noticias fazia um comovente apêlo em favor das crianças vítimas doa horrores da guerra actual, a mais deshumana, a mais impiedosa ë devastadora, dê todas as que a História regista.
Nunca, como nesta guerra, 0 sentimento cristão da piedade humana foi tam violentamente calcado, tam dolorosamente esquecido.
A Europa em chamas sofre esmagada os horrores do maior cataclismo que jamais pesou sobre a humanidade.
Centenas de milhares, de vítimas sucumbiram já ao peso da horrível tragédia, em que os homens se debatem. E, se o ardor desenfreado da luta nos permite avaliar os horrores dos morticínios, devastações e ruínas que a guerra já produziu, ainda nada deixa prever o termo deste flagelo, que ameaça tudo e todos, numa verdadeira derrocada social, em quê os povos e as nações se exterminam e aniquilam.
O apêlo sentido e generoso do Diário de Notícias, em favor das crianças vítimas inocentes das paixões e dos desvairos dos homens, fez vibrar a alma nacional. Portugal inteiro, de norte a sul, sente comovidamente, cristãmente, a angústia desses milhões de crianças mie se debatem espavoridas num mar de miséria moral e material.
Quantas não deram já a vida em holocausto de conceitos que não compreendem, de direitos que se não arrogam!
Quantos milhares ainda não vagueiam entre os destroços da enorme fogueira, fugindo espavoridas em face da morte que as espreita, da fome que as persegue, do abandono que as martiriza!
O apêlo que o Diário de Notícias dirigiu ao mundo inteiro teve não só o sentido cristão de querer minorar o sofrimento alheio - o que já seria tanto e tam grande! -, mas também o alto e transcendente desígnio de procurar salvar o futuro e a civilização da Europa. Já que não é possível valer-lhe no presente, acautele-se, ao menos, o seu futuro.
Salvemos as crianças vítimas da guerra!». Não há um só coração português em que este grito não tenha ecoado profundamente, despertando sentimentos de carinho, amor e ternura por todas as crianças que, sem distinção de povos ou de classes, sofrem indefesas os horrores de uma culpa que não lhes cabe, de um mal para que não contribuíram. Por isso, de toda a parte onde a voz do Diário de Noticias fez chegar o grito dilacerante dessas crianças que sofrem acorrem adesões morais e materiais em prol da mais construtiva das obras que podem efectivasse na hora de destruição que pesa sobre a Europa.
Mas não é só a nossa sensibilidade cristã que vibra perante a generosa idea que a todos empolga. Também o nosso sentimento patriótico desperta e sê manifesta.
Portugal goza, perante o mundo, de uma posição moral que todos reconhecem e admiram.
A exemplar neutralidade portuguesa, base da política externa a que a alta figura moral do Sr. Presidente do Conselho dá prestígio e repercussão universais, fará ecoar em todo o mundo a voz que hoje se levanta em Portugal, com um sentido e uma autoridade incontestáveis. E são êsse sentido e essa autoridade que podemos neste momento, ao serviço da obra de maior elevação moral é beleza cristã, quê à humanidade Cumpre realizar em defesa da civilização.
As mulheres portuguesas compreendem e sentem a devoção que terão de despender em benefício dos pequeninos que, confiantes na sua generosidade e na sua ternura, virão agasalhar-se sob o céu azul de Portugal.
Nenhuma faltará no momento da chamada.
Era esta afirmação que eu queria fazer hoje nesta Assemblea, em nome das mulheres da nossa terra.

Vozes: - Muito bem! muito bem!

O Sr. Juvenal de Araújo: - Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer também, dêste lugar, uma referencia ao apelo, dirigido aio domingo passado pelo Diário de Notícias, em termos tam particularmente

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Chocantes e eloquentes, a favor das crianças vítimas da guerra.
É que, horas decorridas, esse formosíssimo apelo estava convertido em alguma coisa mais do que numa iniciativa feliz dum grande cotidiano. Transformava-se
num autêntico movimento nacional, logo anunciado em todo o mundo, deste tranquilo recanto da Europa, pela força serena dos mais altos sentimentos de justiça de solidariedade humana.
A Assembleia, Sr. Presidente, não pode desconhecer este facto. Pela sua, natureza essencialmente política, lógico é que nela se repercutam todos os sentimentos, todos os anseios, todos as vibrações da alma nacional.
Por isso pedi me fosse concedida a palavra para registar aqui, Sr. Presidente, com legítimo desvanecimento e orgulho, este acontecimento verdadeiramente admirável: a comovedora solidariedade com que, do norte ao sul do País, se respondeu prestamente a esse lado de caridade cristã, oferecendo-se-lhe não somente uma adesão entusiasta, mas honrando-se cada um em prazer dele o próprio eco da sua consciência, o próprio lado do seu coração.
Extraordinária desígnio da providência este, quo admite que, na hora de luta temerosa que o inundo atravessa, entregue a um pensamento de desgaste e de devastação, uma nação se destaque e manifeste, para formar, a uma voz, em torno de um ideia salvadora e construtiva, em volta de uma obra de beleza e de emoção!
Portugal marca esta atitude singular na altura em que vem de rememorar, em condições inolvidáveis, na simples evocação da sua história oito vezes centenária, a serviços prestados, através dos séculos, à humanidade e à civilização. Firme na sua trajectória, fiel à voz do sangue, Portugal, com este seu gesto de agora, demonstra que, hoje como ontem, amanhã como sempre, não faz mais, afinal, do que continuar a desempenhar no mundo a missão civilizadora e cristã que está na raiz da sua formação histórica.
É uma nova cruzada que se anuncia e cria corpo, estas bandas do ocidente. Ela vai também, como na idade média, em defesa das causas sagradas. As crianças são mimos de Deus espalhados sobre a terra, são portadoras de uma missão divina que as misérias, do mundo ainda não maculavam. Salvá-las é salvar a semente da criação providencial que um dia, sobre a terra ensopada em sangue e caída em ruínas, há-de terminar e florescer, como promessa de um mundo melhor, de maior pureza no ideal e na acção.
Por isso, quando atento ao rumor desta nova cruzada que se forma com um pensamento tão alto, parece-me ouvir o mesmo brado aliciante de há oito
séculos: «Deus o querei».
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Pinheiro Torres : - Sr. Presidente: também quero secundar, com o mais vivo aplauso, o brado comovido e enternecido que o Diário de Noticias lançou em defesa das crianças de todo o mundo que sofrem de horrores da guerra e as suas trágicas consequências.
O ilustre director daquele periódico, num feliz momento de intuição psicológica colectiva, interpretou eloquentemente o que andava no coração e na alma de todos os portugueses.
E até de além fronteiras começam já a chegar os aplausos por tão feliz a generosa iniciativa. Com efeito, a situação das crianças dos países beligerantes confrange, entristece e horroriza.
Tudo que se empreenda para suavizar a sua sorte fazer unia grande obra, que não só se reflecte no momento, pela caridade imediatamente exercida, como se projecta no futuro, pela salvaguarda daqueles que hão-de ser os, homens de amanhã.
Portugal tomando esta atitude mais uma vez faz política universal. Portugal, zona de paz, que tem escrupulosamente mantido a sua neutralidade, tomando a posição de protector das crianças de todo o mundo defende, mais uma vez, a humanidade e dá, ainda, provas dos seus sentimentos cristãos!
Pode o mundo inteiro ficar ciente de que a esta hora, em toda a terra portuguesa, as nossas crianças anseiam manifestar-se como irmãos aos pequeninos estrangeiros que ao nosso País se acolherem!
Tenho dito.

Vozes: - 'Muito bem!

O Sr. Angelo César: - Sr. Presidente: li o artigo de fundo de há dias do jornal Diário de Noticias, em que se tratava superiormente da situação das crianças a quem a guerra atingiu ou poderá ainda fazê-lo.
Esse apelo teve já uma compreensível repercussão interna e externa.
E provável é que não fique na floração das palavras e que tenha de projectar-se em realidade próxima.
Creio que a melhor forma de aplaudir esse apelo é secundá-lo por outro dirigido ao Governo, miais modesto, mas mais nosso, para que sem delongas burocráticas se enfrente o dramático problema da situação da nossa infância desprotegida.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Os asilos têm as lotações excedidas e pode dizer-se que às suas portas as crianças esperam em bicha, o momento sonhado da sua admissão.
Nas tutorias de infância e noutros estabelecimentos públicos os números dão-nos angustiosa e suficiente notícia do abandono a que milhares de crianças estão votadas.
O crime é cada vez mais precoce.
Nas raparigas - a prostituição.
Nos rapazes - o furto.
Basta ver, à noite, no Porto e mais ainda em Lisboa esse enxame de criancitas, vestidas precàriamente de ganga, a apreciar os jornais, a vender cautelas e objectos diversos, para, sem literatura e sem ilusões, ter do problema e da sua gravidade uma noção objectiva.
Sem pretender de qualquer forma diminuir o alcance daquele generoso apelo, do Diário de Notícias, eu peço, como Deputado e como cidadão, ao Governo da Nação que, ao atendê-lo, decida, como questão prévia que se não compadece com dilações, nem delongas, o resolver antes, eficientemente, praticamente, a dramática, a trágica situação da infância portuguesa desprotegida.
Disse.

Vozes:- Muito bem!

O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: Almeida Garrett, nas Viagens da minha terra, dizia «que fazer dar trigo aqui aos nateiros do Tejo, que é como quem semeia em manteiga, é uma lavoura que a faz Deus por sua mão regar e adubar e tudo»
Quão distantes estamos, Sr. Presidente, destas bucólicas e literárias afirmações!
O ribatejano sofre novamente este ano uma crise angustiansíssima. Nada mais, nada menos, do que 60:000 hectares foram na cheia do ano passado cober-

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tos pelas águas. Este ano essa extensão é maior ainda, porquanto as águas subiram A um nível superior.
Se a situação dos ribatejanos era excepcionalmente grave, este ano é mais ainda, e a razão é simples: é que a lavoura ficou extremamente depauperada pelas péssimas colheitas do ano passado.
A lavoura este ano está como o jogador que pôs sobre uma carta todo o dinheiro que lhe restava ; simplesmente essa carta para o ribatejano falhou.
E pergunto: com que coragem, sobretudo com que recursos, vão esses pobres meus colegas re-semear novamente e no risco de perderem outra vez as suas sementeiras?
O ano passado a cheia, deu-se em fins de Março ; não era provável que houvesse nova cheia. Neste uno as cheias vieram cedo, e por isso não sabemos se se repetem.
São, pois, muito graves as consequências do terrível flagelo que investiu o Ribatejo. E, infelizmente, ainda lá estava de pé aquele aterro da linha do Setil, contra o qual falei aqui o ano passado, em pobres mas sinceras palavras.
Recordo-me das promessas do Sr. Ministro das Obras Públicas e Comunicações, de que esse terrível obstáculo ia ser removido. Infelizmente uma nova cheia sobreveio e nada estava removido. Mas tenho a certeza de que não foi por falta de vontade; certamente as dificuldades provenientes da guerra, para a importação dos materiais indispensáveis, devem ter sido a razão que motivou esse assunto não estar ainda resolvido.
Mas tenho quase a convicção, pura não dizer a certeza, de que ele está muito prestes a ser resolvido.
A Companhia Portuguesa dos Caminhos de Ferro, com uma notável teimosia digna de melhor aplicação, voltou novamente a tapar os rombos feitos pela água, numa indicação clara de que havia necessidade de lhe dar vazão, justamente naqueles pontos onde todos os anos em que há cheias esse aterro é arrombado. Teimou novamente em consolidar esses rombos, e o resultado está novamente a vista, o aterro foi novamente arrombado e os prejuízos que isso causou à lavoura das lezírias do Ribatejo foram enormes.
É certo que se houvesse maior espaço de vazão a cheia não se deixaria de dar, mas a retenção da água, em virtude desse aterro, dá uma maior extensão aos desastres.
Ninguém que conhece o Sr. Ministro das Obras Públicas, a sua inteligência, a sua actividade, a sua energia e decisão, poderá ter dúvidas de que S. Ex.ª pense em deixar por resolver um problema de tanta magnitude.
O facto de num país tão pequeno se deixar que 70:000 hectares do seu melhor e produtivo terreno possa estar pouco a pouco a transformar-se não num instrumento de prosperidade pública, mas num instrumento de ruína para aqueles que o cultivam, é um destes problemas que não pode de forma alguma deixar de ser resolvido e que tem a sua hora própria, quando à frente da pasta das Obras Públicas está um homem com as qualidades que todos nós conhecemos.
Tenho a certeza absoluta de que foi este o último ano em que isso sucedeu. Não porque deixe de haver cheias, mas sim porque os homens com a sua acção e a sua vontade hão-de remediar uma tal situação, que não pode prolongar-se.
Se não há ferro em Portugal, creio que as pedras e o cimento, que são materiais de origem nacional, podem bem servir para fazer as obras necessárias no sentido de se resolver um problema de tão grande importância.
Sinto uma grande pena pela situação dos meus colegas lavradores do Ribatejo, e essa situação, uma vez que não possa ser escoada a água das inundações, é verdadeiramente angustiosa.
Daqui dirijo um apelo ao Sr. Ministro da Economia para que atenda às circunstâncias muito especiais em que se encontram os lavradores do Ribatejo, que precisam de um auxílio absolutamente diferente do que tem sido prestado até hoje, pois a sua situação económica absolutamente aterradora.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Cancela de Abreu:-Assinada também pelos Srs. Deputados Madeira Pinto, Tavares de Carvalho, Sá Carneiro, Alçada Guimarães, Melo Machado o José Amaral, tenho a honra de mandar para a Mesa uma proposta de aditamento de um novo artigo ao Regime da Assembleia Nacional.

É a seguinte:

Proposta de aditamento de um novo artigo

Artigo 25.º- bis O Presidente, por sua iniciativa ou requerimento de cinco Deputados, pode determinar realização de uma ou mais sessões de estudo de qualquer decreto-lei sujeito à ratificação da Assembleia.
Único. A designação dos Deputados a que se refere o 1.º do artigo anterior terá lugar, neste caso, quando for anunciada a realização dessas sessões de estudo.
Lisboa, Sala das Sessões da Assembleia Nacional 5 de Fevereiro do 1941. - Os Deputados: António Sousa Madeira Pinto - Fernando Tavares de Carvalho A. Cancela de Abreu - José Gualberto de Sá Carneiro José Alçada Guimarães - Francisco de Melo Machado e João do Amaral.

O Sr. Melo Machado (para requerimento):-Sr. Presidente: requeiro que me sejam urgentemente fornecia pela Junta Autónoma de Hidráulica Agrícola todos os seus relatórios já publicados.

O Sr. Presidente:- Vou indicar os Srs. Deputados que hão-de constituir a sessão de estudo do projecto de lei do Sr. Cancela de Abreu. São os seguinte:
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior, António Cortez Lobão, António de Sousa Madeira Pinto, Artur Rodrigues Marques de Carvalho, Augusto Cancela de Abreu, Augusto Pedrosa Pires de Lima, Francisco de Pais Leite Pinto, Manuel Rodrigues Júnior, Sebastião Garcia Ramires e Silvio Duarte de Belfort Cerqueira.
Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente:- Temos, em primeiro lugar, a rectificação do decreto-lei n.º 31:103, publicado no Diário do Governo de 15 de Janeiro de 1941, que permite empresas ou entidades com sede no estrangeiro efectuam por intermédio das agências legalmente estabelecidas no continente da República e ilhas adjacentes, a seu requerimento e mediante autorização do Ministro, depois de ouvida a Inspecção do Comércio Bancário, o pagamento dos juros e dividendos dos respectivos títulos desde que esses estejam devidamente selados.
Tem a palavra o Sr. Deputado Antunes Guimarãis

O Sr. Antunes Guimarãis: -Sr. Presidente: este decreto demonstra a atenção que ao Governo merecem os interesses legítimos dos portugueses, onde quer que eles se verifiquem, aquém ou além fronteiras, e portanto digno não só da nossa ratificação, mas do maior louvor.
Já noutro sector de interesses muito avultados o Governo demonstrou também cuidado especial em gara

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tir-lhes, para sua defesa, a indispensável assistência. Foi quando o Governo - no seguimento de diligencias já efectuadas por iniciativa dos portadores de títulos brasileiros, e em que um banqueiro portuense, o Sr. Cupertino de Miranda, se esforçara junto do Governo Brasileiro por conseguir que aquele paíss pagasse aos portadores do referidos títulos os juros respectivos - deliberou enviar grande nação brasileira um ilustre representante seu, Sr. Dr. Emidio da Silva, o qual conseguiu, com grande reconhecimento e aplauso dos numerosos portadores de fundos externos, que o governo Brasileiro retomasse o pagamento dos respectivos cupões, embora consideravelmente reduzidos.
Exige o Governo neste decreto-lei, e dentro de normas anteriormente estabelecidas, que os títulos aqui referidos sejam devidamente selados. Ora, mercê de combinações diplomáticas recentes, os cupões dos títulos pagáveis em
Londres para serem negociados em Portugal têm de, acompanhados dos respectivos títulos, ser entregues no Banco de Portugal, onde terão de ser devidamente sela-os, se essa formalidade ainda não tiver sido preenchida.
É para este ponto que eu queria chamar a atenção da assembleia Nacional. É que muitos valores de vários países hoje na posse de portugueses têm cotação consideravelmente reduzida em relação ao respectivo valor nominal. Assim é que, por exemplo, os títulos brasileiros, os quais grande quantidade pertencem a portugueses, em hoje a cotação reduzida a 4, 5 e 6 por cento.
Ora, como o selo exigido pela lei é de l por cento do valor nominal, verifica-se que, se esta exigência da selagem for mantida com tão elevada percentagem, os respectivos portadores terão de despender a importância da liquidação dos cupões para cumprirem a lei.
Em face da crise que a todos assoberba e das dificuldades que, de uma maneira geral, pesam na economia de quase todas as famílias, aproveito a oportunidade da apreciação deste decreto-lei para solicitar do Governo que, a manter-se essa selagem obrigatória, estabeleça uma fórmula mais equitativa, que não incida sobre o valor nominal dos títulos, mas sobre a respectiva cotação, que mesmo é dizer sobre o seu valor real.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Mais nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra sobre o decreto-lei n.º 31:103?
Pausa.

O Sr. Presidente:- Visto que mais nenhum Sr. Deputado pede a palavra, vai proceder-se à votação.
Submetida á votação, foi aprovada a ratificação pura simples.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a ratificação o decreto-lei n.º 31:104, publicado no Diário do Governo de 15 de Janeiro último, que promulga a reforma, aduaneira do império colonial.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado pede a palavra, vai proceder-se à votação.
Submetida à votação, foi aprovada a ratificação pura simples.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a ratificação ,o decreto-lei n.º 31:106, publicado no Diário do Governo de 6 de Janeiro último, que determina que passem denominar-se Valflor a povoação e a freguesia de Vale de Ladrões, do concelho de Meda.
Pausa.
O Sr. Presidente: - como nenhum Sr. Deputado pede a palavra, vai proceder-se à votação.
Submetida à votação foi aprovada a ratificação pura e simples.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a ratificação do decreto-lei n.º 31:107, publicado no Diário rio Governo de 18 de Janeiro último, que insere várias disposições relativas ao casamento dos militares em serviço activo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sá Carneiro.

O Sr. Sá Carneiro: - Sr. Presidente: o decreto-lei n.º 31:107, publicado no Diário do Governo de 18 de Janeiro findo, insere várias disposições relativas ao casamento dos militares em serviço activo.
Nos considerandos que precedem este diploma frisa-se que ele visa a suscitar a inteira observância de algumas disposições de lei, há muito caídas em inexplicável desuso, relativamente ao casamento de militares e, ao mesmo tempo, actualizar outras em harmonia com as exigências da sã constituição da família, dando a todas a necessária eficiência.
Suponho que ninguém negará a conveniência e oportunidade de um diploma que versasse este assunto e que tivesse até o objectivo de uniformizar o regime das autorizações para casamento dos militares do exército e dos militares da armada. Sob este aspecto não posso deixar de dar o meu vivo aplauso ao Governo pela boa intenção que norteou este decreto.
Mas a minha discordância começa no ponto em que, segundo penso, o decreto-lei n.º 31:107 se aplica apenas aos militares do exército. Poderia supor-se, pela leitura isolada do artigo 1.º, que fala dos militares em serviço activo, que o diploma abrangia tanto os militares do exército como os da armada. Mas como no artigo 2.º se determina que a licença para casamento será concedida aos oficiais pelo Ministro da Guerra e aos sargentos pelos comandantes de região, suponho fora de dúvida que este diploma foi publicado para ser aplicado apenas aos oficiais do exército. Quero dizer: se a ratificação fosse concedida teríamos um regime para os oficiais do exército e outro para os oficiais da armada.
O decreto-lei n.º 31:107 diz que não podem contrair casamento os militares com menos de vinte e cinco anos de idade que tenham a patente de tenente.
Ora o diploma que regula o casamento dos oficiais da armada - o decreto n.º 16:349, de 10 de Janeiro de 1929- estabelece disposições que não são perfeitamente idênticas às que se encontram insertas no decreto sujeito à ratificação desta Assembleia.
Coincidem os dois decretos quanto ao requisito da idade - vinte e cinco anos. Todavia, enquanto o n.º 31:107 formula outras condições, o n.º 16:349 estabelece apenas estoutra - prova documental da moralidade da mulher com quem se pretende casar.
O artigo 4.º do n.º 16:349 regula expressamente, no seu único, o casamento de militares da armada com mulheres divorciadas com filhos menores ou filhas solteiras, ainda que maiores, estabelecendo a exigência suplementar de provarem que, além do necessário para satisfazerem os encargos derivados do divórcio com filhos, têm, juntamente com a consorte, meios suficientes de subsistência e tratamento em relação ao grau que ocuparem na hierarquia militar.
Isto significa que, se fosse concedida a ratificação, os oficiais do exército não poderiam casar com divorciadas, ao passo que os da armada o poderiam fazer, desde que satisfizessem as exigências especiais do decreto n.º 16:849.

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Ora suponho que a subsistência de dois regimes ó inadmissível. Apoiados.
Discordo também do disposto no artigo 3.°, § 2.°, do decreto-lei n.° 31:107.
Poderá dizer-se que não ó normal que haja um alferes com mais de vinte e cinco anos; mas o caso pode dar-se. E, se esse alferes quiser casar com mulher digna, não há razão para não se autorizar o casamento.
O artigo 4.° diz:
«Os oficiais do exército que requeiram licença para casar deverão provar que a futura consorte aportuguesa originária, nunca tendo perdido essa nacionalidade, filha de pais europeus ...».
Quanto ao primeiro ponto, estou de acordo. O preceito ó idêntico ao do artigo 142." do decreto n.° 29:970, de 13 de Outubro de 1939, referente aos funcionários do corpo diplomático e consular.
Mas relativamente à obrigatoriedade de o casamento ter de se realizar com filhas de pais europeus ó que eu discordo.
Apoiados.
Não vou até ao extremo de sustentar que não são portugueses os habitantes do nosso Império. A portuguesa filha de pais portugueses, embora nascidos em qualquer ponto do Império, pode casar com oficiais do exército.
Não posso, todavia, compreender que não se permita o casamento de oficiais do exército português com senhoras brasileiras.
Acho que é um contra-senso tal proibição quando se pretende fazer cada vez maior aproximação entre as duas Pátrias.
Não foi ainda esquecida, nem jamais o será, a união espiritual entre Portugal e Brasil, bem revelada nas gloriosas festas centenárias
Ecoa ainda nesta Assemblea e viverá eternamente na nossa lembrança a oratória admirável dos nossos irmãos brasileiros.
Chegamos agora ao ponto referente aos militares divorciados.
Se o fim do decreto era — e estou convencido de que é — prestigiar ainda mais o exército, parece-me que êle deveria proibir também o casamento aos militares divorciados.
Apoiados.
Devo confessar que sou católico e que, como português e católico, votaria uma proposta de lei em que o Governo proibisse a admissão do divórcio; mas o que não faz sentido é que um militar do exército não possa casar com mulher divorciada, quando os seus colegas da marinha o podem fazer e quando aos próprios militares do exército é lícito matrimoniarem-se com senhoras solteiras ou viúvas.
?E poderá a lei vedar aos militares o casamento com divorciadas, se com elas podem registar-se os próprios padres católicos?
Passemos agora à parte final do artigo 4.°, em que se põe a condição de ambos os nubentes possuírem meios de subsistência em relação ao grau que ocuparem na hierarquia militar.
Logo prima facie surge esta objecção. O Governo reconhece que os vencimentos dos militares não bastam para condigna manutenção do seu lar, o que ó grave.
O decreto n.° 26:643, de 28 de Maio de 1936, não permite autorização para casamento das professoras primárias sem prova de o pretendente ter bom comportamento moral e civil e que o pretendente possue vencimentos ou rendimentos, documentalmente comprovados, em harmonia com os vencimentos da professora. Isto é admissível. Outro tanto não acontece com a exigência de as noivas dos militares terem fortuna, não só por isso
não dignificar o noivo, como também porque impede as raparigas pobres de casarem com militares do exército.
O diploma que até aqui regulava o casamento deles era o decreto de 10 de Dezembro de 1851, que exigia a idade mínima de trinta anos.
Mas o artigo 3.° facultava o casamento aos militares com idade menor, mas com mais, de vinte e um anos, quando provassem que, juntamente com a sua consorte, tinham o rendimento líquido anual de 300:000 réis, proveniente de bens de carácter dotal.
Também o artigo 3.° do decreto n.° 16:349, para os militares da armada, faculta o casamento aos maiores de vinte e um anos que provarem que, com a consorte, têm além dos seus vencimentos, o rendimento líquido anual de 6.000$, pelo menos, proveniente de bens seus.
A situação da fortuna pode abrandar a exigência da idade — e nada mais. Creio que estes argumentos constituem razão bastante para se negar em absoluto a ratificação, mesmo com emendas.
Poderá talvez ver-se incoerência nas minhas palavras, desde que eu comecei por afirmar a oportunidade deste decreto. Mas, Sr. Presidente, como se diz no próprio diploma ratificando, não se trata de legislação nova. Temos meios que permitem ao Sr. Ministro da Guerra negar autorização para casamento aos militares do exército.
Nestas circunstâncias, não vejo que vantagem exista em se manter em vigor um diploma que ó desnecessário.
O Sr. Ministro da Guerra tem autoridade mais que bastante para negar autorização a militares que pretendam consorciar-se com mulheres sem a necessária idoneidade.
Eis por que voto contra a ratificação.
Tenho dito.

Vozes: — Muito bem, muito bem!

O Sr. Belfort Cerqueira: — O decreto-lei n° 31:107, considera determinadas limitações ao direito de os militares contraírem matrimónio com quem quiserem.
Devo começar por reeditar a mesma dúvida que apresentou o Sr. Deputado Sá Carneiro quanto à interpretação do texto do decreto no que diz respeito aos militares que são abrangidos pelas suas disposições.
De facto o artigo 1.° diz tratar-se de todos os militares em serviço activo, e desta maneira surge naturalmente a dúvida sobre se se trata dos militares só do exército ou também dos militares da marinha.
O artigo 2.° estabelece quem são as autoridades de quem fica dependente a autorização para os militares poderem contrair matrimónio, sendo essas autoridades o Ministro da Guerra e os comandantes das regiões militares, e não se compreende portanto que os militares da marinha fiquem subordinados, para obterem a indispensável autorização, às autoridades do exército.
No artigo 3.° continua a ser lícita a confusão, pois que no n.° 1.° se estabelece qual o limite mínimo de idade exigido para que os militares se possam casar, sem distinguir que pertençam ao exército ou à marinha; mas logo no n.° 2.° se refere à patente de tenente — que é do exército — como sendo a menor que os oficiais devem possuir para poderem casar.
Devo dizer, porém, que não é qualquer destas dúvidas que justifica a minha vinda a esta tribuna, mas principalmente o facto de discordar do condicionalismo a que ficam sujeitas as futuras consortes dos Srs. oficiais do exército.
Nesta Assemblea, essencialmente política, não pode surpreender a ninguém que sempre que eu tenha de pronunciar-me o faça de acordo com os princípios da União Nacional, onde indevidamente (Não apoiados) tenho a honra de ocupar uma posição de dirigente. Só nesse es-

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pirito, que aliás se acomoda perfeitamente às regras moais que informam a minha orientação política, eu estou a apreciar este decreto e particularmente o condicionalismo a que estão sujeitas as futuras consortes dos Srs. oficiais do exército.
Sem querer demorar-me na reserva a que seria conduzido pela consideração da exigência de filiação europeia para as futuras consortes dos Srs. oficiais, que me parece conter um sabor pronunciadamente racista, e por isso mesmo divergente da ortodoxia mais corrente das nossas tradições cristãs, também não encontro facilmente um critério (excluído do arbítrio) para relacionar os meios suficientes de subsistências com «o grau da hierarquia militar».
No entanto, não posso abster-me de manifestar o meu mais perfeito entendimento e a minha concordância mais completa quanto à novidade, que o decreto contém, de considerar impeditivo para a realização do casamento o facto de um dos nubentes estar em situação de divorciado.
Parece que essa disposição reconhece, até certo ponto, a doutrina que não admite o divórcio como meio de dissolução do casamento, e não consente, por esse motivo, que outro casamento se contraia na sobrevivência de ambos os cônjuges. Mas isto parece ser a condenação afinal do que tem sido lícito e pode regularmente ser produzido por força do que determina o Código do Registo Civil.
Cria-se assim um autêntico regime de excepção para os militares, e isso julgo ser inadmissível perante o princípio constitucional que considera a ordem jurídica fundada na igualdade de todos os portugueses perante a lei. Além do mais, é contrário também ao que dispõe o artigo 8.º deste mesmo decreto-lei n.º 31:107, o onde se admite que os Srs. oficiais continuem a contrair casamento civil, portanto de acordo com o Código do Registo civil.
Assim, não se compreende que seja permitido aos oficiais divorciarem-se, dando viabilidade a situações que for uma lei são consideradas de direito e por outra são consideradas inadmissíveis. Pelo Código do Registo Civil os Srs. oficiais podem divorciar-se, e nessa situação tornar a contrair casamento, mas não o poderão fazer com quem esteja eventualmente na mesma situação em que eles se encontrem. Julgo que é preciso, até certo ponto, restabelecer a lógica neste decreto. E isso não me parece muito difícil desde que se faça por um lado desaparecer o aspecto excepcional que a lei apresenta e por outro que a Assembleia resolva definir a qual dos Principios, por coerência, a lei deve obedecer.
Quanto a mim, só posso rejeitar este decreto enquanto (...) não fizermos. E, recordando a defesa que é devida pelo Estado à família, e na convicção de que a Assembleia venha a considerar a necessidade de se optar por um desses sentidos, eu antecipo o meu voto, manifestando o desejo de que a indissolubilidade do casamento a transforme em lei para todos os portugueses.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Tavares de Carvalho: - Sr. Presidente: estou para o decreto-lei n.º 31:107, que ora é submetido à apreciação desta Assembleia, na mesma situação em que a Academia das Ciências de Lisboa, se encontrou já uma vez perante certa obra que, em dada oportunidade, foi oferecida ao seu julgamento: na situação de quem o acha bom, no sentido de bem concebido e menos mal executado, mas de quem, apesar disso, também lhe nota certos «deslizes de semântica» ... Se Bréal não tivesse sugerido esta palavra medonha e não tivesse produzido sobre o fenómeno linguístico um ensaio admirável, talvez que os nem a Academia nem eu nos
Manifestássemos pelo modo como ela então se manifestou e pelo modo como eu agora me sinto inclinado a manifestar-me. Mas resta a consolação de que a minha sentença vai ser, conforme se verá, muito menos intransigente do que a da Academia.
O diploma que respeita ao casamento de militares em serviço activo justifica-se por duas ordens de conveniências: a conveniência de ressuscitar algumas disposições de lei caídas em inexplicável desuso; a conveniência de actualizar outras em harmonia com as exigências da sã constituição da família. Sob este aspecto, isto é, à luz dos motivos inspiradores da providência legislativa, não há dúvida de que o diploma é impecável; não há nada, com efeito, mais relevante do que dar novamente vida ao que, sem justo motivo, foi morto e colocado à sombra do esquecimento, e nada será, com certeza, mais superiormente belo do que contribuir, por todas as formas, para o nivelamento das condições de ordem moral sobre que há de assentar a constituição da família portuguesa. Mas sobre isto apresenta-se a letra do texto e é aqui, na parte propriamente objectiva do diploma, que se me deparam algumas duvidas quanto ao sentido de certas ideias ou quanto à intenção com que foram empregadas certas palavras.
Convém salientar, antes dê anais, que o princípio determinante do actual decreto-lei não tem estado fora do ritmo da nossa ordem jurídica; já o Código do Registo Civil de 1911 se lhe referia ao preceituar, no antigo 186.º, que o funcionário do registo civil exigirá as necessárias licenças aos militares em serviço activo; e ainda agora o Código do Registo Civil em vigor, que é o aprovado pelo decreto n.º 22:018, de 22 de Dezembro de 1932, reproduz, no artigo 297.º, a mesma disposição com expressões iguais ou equivalentes. Mas a verdade é que a legislação militar não se mostrava convenientemente regulamentada. O direito especial existente era insuficiente e antiquado e apresentava-se, além disso, também disperso que bem se tomava necessário o aparecimento de uma nova providência que, ao menos, não permitisse o abandono dos princípios legais à invocação do desuso para justificação do seu não Cumprimento.
Ao ler, porém, o artigo 4.º, quando nele se estabelece que a futura consorte não poderá ser divorciada, entrei a matutar sobre o assunto e logo se me levantou uma grande dúvida no meu espírito; e a grande dúvida é esta: se o divórcio representa uma instituição que está em vigor no País, pois consta de um diploma que ainda não foi revogado, e se o Estado Português se baseia, conforme a Constituição, na igualdade dos cidadãos perante a lei, será constitucional proibir-se às divorciadas que se casem com militares? Não haverá aqui uma negação no princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei? Porque será que as divorciadas não servem para casar com militares e hão-de servir para casar com civis? Mas há mais: é que a proibição é só para as mulheres; os militares, os próprios para que a lei foi elaborada, poderão ser divorciados e não subsistirá para eles o inconveniente que subsiste para as mulheres. Porquê? Não parecerá aqui outra insistência na negação do princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei?
Devo observar que a ressalva, feita no único do artigo 5.º da Constituição, ao conceito de igualdade perante a lei, quando se refere às diferenças resultantes da natureza da mulher e do bem da família, não inutiliza nem jurídica nem socialmente o meu ponto de vista:
Juridicamente, porque não há diferenças entre o estado civil de divorciado de um cidadão e o estado civil de divorciada de uma cidadã; socialmente, porque não está demonstrado que a proibição do casamento de militares com divorciadas seja um estímulo para a sã constituição da família! De resto, se a mulher em tais condições é má, é mesmo péssima, para casar, então é

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porque será boa, é porque será mesmo óptima, para não casar ...
Pensei depois que a ideia do legislador talvez visasse a evitar que militares se casassem com mulheres cuja reputação não fosse tida como absolutamente irrepreensível, e, neste sentido, não seria eu, que tenho pelos exércitos a mais profunda das considerações (e aproveito a ocasião para prestar ao português as minhas melhores homenagens), que discordaria de qualquer preceito legal com objectivo tão salutar e tão ajustado às circunstâncias. No entanto, não devia ter sido essa a intenção do legislador, visto que no artigo 5.º do diploma em discussão se diz que, «paru efeitos da concessão da licença deverá atender-se à situação social da mulher, ao seu passado e de sua família...». Ora eu julgo (apesar do não ser juiz) que o bom ou mau passado de uma mulher não resulta do seu estado civil, mas sim dela própria ou, senão exclusivamente dela, no menos das influências de que é ou foi vítima ou beneficiária; e, por isso, não vejo razão para esta falta de humanidade do legislador para com as divorciadas (que muitas vezes o são mais por culpa dos maridos do que por outras causas), até porque a desonestidade tanto mora na divorciada, como na casada, na viúva, e mesmo na solteira. Não deve, portanto, ter sido o passado da mulher o facto influente no espírito do legislador, ao ser por esta determinada a restrição do artigo 4.º quanto à circunstância de ser divorciada a mulher do militar. Se não foi o passado, seria então o futuro?
Confesso que a ideia do futuro me sorriu, embora alimentada por um lampejo de esperança, que foi ainda mais efémero do que a própria vida. Realmente, podia muito bem a intenção do legislador ter sido orientada no sentido de contribuir por mais esta forma para a sã constituição da família portuguesa, não consentindo que ela assentasse sobre um casamento que tinha sido celebrado à margem do ritual católico, com todos as lamentáveis consequências que do facto inevitavelmente resultam. Mas a breve trecho me convenci de que o meu raciocínio não tinha sido mais feliz do que das outras vezes, dado que suo inúmeros os casos de mulheres divorciadas cujos casamentos foram apenas realizados civilmente e para as quais continuavam, portanto, abertas as portas da Igreja, e que, se fosse este o pensamento do legislador, então teria este adoptado, por certo, o expediente de o declarar com todas as letras, limitando a restrição tão somente às mulheres cujo estado civil as impedisse de se casarem religiosamente...

Seguro de que ainda desta vez não me fará dado atinar com o intuito do legislador, e de que tinha esgotado as várias combinações e raciocínios que a novidade jurídica me permitia, já me havia resolvido a desistir de aprofundar mais detalhadamente o problema quando, de súbito, me assaltou ao espírito a ideia de que talvez, no fim de tudo, a intenção do legislador tivesse até a sua origem num acto de superior inteligência para a determinação da nova ordem política, de larguíssimo alcance para a organização da nova ordem jurídica e de profundo conhecimento do figurino psíquico das nossas mentalidades.
Admiti, confesso, nesse momento que a cláusula talvez constituísse em última análise um passo de hábil infiltração de novo sangue nus veias já um pouco enfraquecidas pelo envelhecimento de certas doutrinas individualistas, e que a qualquer outro se preferira p sistema ora adoptado, em vista de certas tendências verificadas durante a legislatura passada nesta Assembleia. Pensei e admiti, confesso, essa hipótese, mas não sei nada. Não sei evidentemente nada. É claro que, se assim for, o problema muda muito de figura. Em todo o caso, peço vénia ao Governo para sugerir a V. Ex.as que não será talvez desacertado, em face de certas estipulações do nosso estatuto nacional, aceder-se ao estado do valor legal do preceito da restrição feita à mulher divorciada; e esta circunstância me serviria de ponto de apoio para me decidir, conforme as palavras do Regimento, no sentido da ratificação do presente decreto-lei com emendas, ainda que isto só se figure, perante a minha sensibilidade, através da necessidade de se ouvir a Câmara Corporativa sobre a viabilidade jurídica do novo princípio do diploma em debate, e já agora sobre a legitimidade dê outros princípios postos em relevo pelos meus ilustres antecessores no uso da palavra.
Mas não me apraz terminar estas considerações sem vos fazer uma confidência: suponho adivinhar que nesta altura talvez V. Ex.as estejam todos convencidos de que eu sou um entusiasmado defensor do divórcio. Peço a V. Ex.as que não pensem isso. Nunca me pronunciei a favor de semelhante instituição, e aproveito agora a oportunidade para declarai- que, se ela me parece necessária em casos muito especiais, também a considero de consequências funestíssimas para a indispensável estabilidade da família, e para deixar ainda bem expresso que a repudio em absoluto nos matrimónios de que haja filhos menores. Para mim a questão é muito outra.
É apenas um caso de coerência institucional e de disciplina de ideias: ou o divórcio é inconveniente, e então acabe-se com ele; ou o divórcio existe, qualquer que seja o motivo, no ordenamento jurídico das nossas leis, e então respeite-se!
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Botto de Carvalho: -Sr. Presidente: também eu, ao subir a esta tribuna, louvo com inteira completa sinceridade o espírito que presidiu à elaboração do decreto-lei n.º 31:107, presente a esta Assembleia Nacional para ratificação. Basta ler o preâmbulo deste decreto-lei para se conhecer a intenção e louvá-la.
Se no entanto o posso fazer pelo que respeita à intenção, entendo não o dever ou não o poder fazer no que respeita à forma como foi posta em execução neste decreto-lei, «m que fie condiciona o casamento dos militares. E não é, devo confessá-lo, o princípio do condicionamento que me choca.
Estabelece-se como condições indispensáveis para que o casamento se possa realizar o seguinte: uma idade mínima de vinte e cinco anos; depois uma patente mínima, quanto aos oficiais, de tenente; e em seguida um certo número de requisitos, entre os quais: que consorte seja portuguesa originária não tendo perdido essa qualidade, que seja filha de pais europeus e anão seja divorciada.
Eu tenho muita pena de não poder compartilhar desta opinião já exposta nesta tribuna pelo meu ilustre colega Sr. Sá Carneiro, mas entendo que, quer tenha sido o não esta a intenção do legislador, a interpretação lateral do que está escrito força-me a considerar como não podendo casar com oficial português qualquer senhora ainda portuguesa, que não seja filha de país europeu.
Ora eu tenho de considerar, necessariamente, com não europeus aqueles que, embora cidadãos portugueses não sejam oriundos ou naturais da Europa, isto é, os pais portugueses naturais de qualquer das colónias, por exemplo, os de Macau, os da índia ou da África; apesar de portugueses não são europeus; e eu pergunto a mim próprio se o legislador terá devidamente considerar esta circunstancia, visto que me parece que a mesma opinião já exposta nesta tribuna poderá ser porventura a intenção do legislador, não sendo, em minha opinião o que se contém neste diploma.
E, porque é esta a interpretação que necessariamente devo dar, suponho que se torna desnecessária

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prender o tempo e a atenção de V. Ex.as (Não apoiados) insistindo nas razões por que não posso de nenhuma forma estar de acordo com uma disposição que -vai de encontro a toda a política de unidade do Império . . .

Vozes: — Muito bem!

O Orador: — . . . que é um dos padrões mais altos de glória desta situação.
Depois exige a lei que a mulher portuguesa que haja de casar com um militar não seja divorciada.
Já foi o assunto largamente debatido, mas devo ainda referir-me a êle porque me parece de uma flagrante e transparente injustiça a diferenciação de critérios que logo ab initio se estabelece.
De facto não compreendo que a lei imponha à noiva que não seja divorciada e passe em silêncio a situação do noivo a tal respeito.
Se, porventura, a lei pretendesse tirar do facto de ser divorciada a conclusão de indignidade da noiva para poder casar com um oficial do exército, então seria o próprio diploma legal a -estabelecer uma situação moral contrária à consequente de uma sentença proferida de harmonia com a própria lei do divórcio, que é ainda lei do Estado.
E aqui um parêntese, que me parece indispensável: não discuto neste momento, ao analisar este decreto, o problema de saber-se se deve ou não existir lei do divórcio; esse problema é muito mais vasto, leva-nos muito mais longe, ©, se algumas considerações pessoais devo formular agora, declaro que comparticipo inteiramente do ponto de vista do relatório da Câmara Corporativa, em que se diz, e muito bem, que, preferível a acabar-se de repente com a lei do divórcio, é criar-se um ambiente moral que não necessite do divórcio.
Não posso, e é a minha 'experiência de profissional do foro que mo impõe, deixar de considerar que no divórcio, se umas vezes a mulher é a culpada, noutras ela foi, ela é e será exclusivamente a vítima. E emquanto em Portugal existir a lei do divórcio — e não defendo que ela deva subsistir eternamente — não há o direito de recusar a essas vítimas de uma saciedade mal constituída, mal administrada e mal orientada que possam honestamente e, vamos, cristãmente reconstituir a sua vida em bases de maior e mais sã felicidade.
Mas surge no decreto um outro ponto de vista que, esse tanto como os outros, me afligiu, para não dizer que me afligiu mais.
Exige este decreto que o oficial do exército e a sua noiva possuam meios de subsistência em relação com o grau que êle ocupar na hierarquia militar.
Ao entrar neste capítulo, devo fazer uma declaração prévia. Não me interessam nem quero que me influenciem as legislações estrangeiras que regulam a matéria, porquanto cada país tem o seu nível de vida próprio, o seu ambiente peculiar, e as leis que são boas e certas para um país podem ser, e são quási sempre, erradas em relação a um outro.
Pregunto: ?sou ou não forçado a aceitar, sob pena de negar toda a orgânica social e económica do Estado, que um oficial do exército em idade de casar, segundo a própria doutrina do decreto, isto é, com vinte e cinco anos e tenente, ganha ou não o suficiente para constituir família?

Vozes : — Muito bem, muito bem!

O Orador: — Sou forçado pelas circunstâncias a ter de partir deste ponto inicial: até prova em contrário — e então o remédio seria outro— êle tem de possuir necessariamente meios de subsistência, pelo que aufere
do exercício da sua profissão, para poder, embora modestamente, nesta modéstia que constitue a vida portuguesa, constituir família.

Vozes: — Muito bem, muito bem!

O Orador: — Evidentemente que seria desejável, e sobretudo agradável para êle, que a noiva pudesse concorrer para o casal com alguns rendimentos. Mas eu pregunto à consciência da Assemblea Nacional, que representa a consciência do meu País: ?desde quando é que em Portugal se teve como timbre o casamento de conveniência? ?Desde quando é que o rapaz português, para unir o seu destino ao de uma rapariga boa, pura e sã, preguntou primeiro quais eram os rendimentos que ela tinha?
Se não ó este talvez o timbre, a característica essencial de todos os povos nem de todos os países, todos nós sabemos que felizmente — graças a Deus posso dizê-lo — é esta a velha característica da gente da minha terra. Casa-se por amor, não se casa por interesse.

Vozes : — Muito bem, muito bem!

O Orador: — ?E, se se casa por amor, qual é o bragal da noiva, qual é a fortuna que os pais lhe dão, qual é o dote que ela traz? O seu carácter, a sua educação, os sentimentos em que foi criada.
?Com que meios contribue a noiva para o casal?
!Com a sua dignidade, com o seu trabalho no lar, com a sua honestidade, com a sua dedicação e com o admirável espírito de sacrifício e de renúncia da rapariga portuguesa!

Vozes: — Muito bem, muito bem!

O Orador: — Nunca um oficial do exército foi menos digno, menos honrado, ou menos competente por ter casado com mulher pobre; nunca ela o envergonhou na sua vida, apenas por o ser.

Vozes: — Muito bem, muito bem!

O Orador: — Mas no artigo 5.° o decreto vai mais longe:
«... deverá atender-se à situação social da mulher, ao seu passado e de sua família...».
Que se exija para a noiva um certo número indispensável de requisitos morais, estamos de acordo. Mas eu pregunto ?o que entende o legislador por «passado da família da noiva»? E pregunto se se pretende fazer nesta emergência com que os filhos paguem as possíveis culpas de seus pais.
Sr. Presidente: não me parece que, apesar do espírito admirável que presidiu h elaboração deste decreto, a sua letra seja a mais conforme com os interesses da constituição desse núcleo basilar de toda a vida social portuguesa: a família.
Depois desta crítica que lealmente e de boa fé eu fiz, há uma cousa para a qual não posso deixar de chamar a atenção da Assemblea Nacional: estabelece-se no artigo 14.° do decreto um período transitório, dizendo-se que até ao dia 30 de Abril próximo poderão, pelo Ministério da Guerra, ser autorizados os casamentos, mesmo sem observância de alguns dos requisitos nêle estabelecidos.
Pensem V. Ex.as na desorganização que necessariamente se vai provocar com este regime transitório, sem quaisquer vantagens, sem quaisquer benefícios, ou sem que por esse meio se nobilite ou engrandeça a honra do exército ou a instituição da família.

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Sr. Presidente: como muito bem foi indicado pelo meu ilustre colega Dr. Sá Carneiro, existe em vigor uma lei.
Essa lei não caiu em desuso e muito menos, como diz o preambulo do decreto, em inexplicável desuso. V. Ex.a, Sr. Presidente, melhor do que eu, sabe muito bem que as leis nunca caem em desuso por motivos inexplicáveis; só caem em desuso pela força das circunstancias, porque deixaram de ter eficiência, porque deixaram de ser necessárias ou porque os seus requisitos só não adaptam às circunstancias supervenientes.
Votando, como voto, a rejeição da ratificação deste decreto não afronto por qualquer forma as admiráveis intenções do legislador; apenas manifesto lealmente a opinião de não me parecerem estas disposições as mais conformes, não só com os princípios basilares, com as necessidades de defesa e fomento da instituição da família, como com a honra do exército; e, mais ainda, até mesmo com as circunstancias e as contingências do momento especial, sob o ponto de vista económico e sob o ponto de vista social, quo o mundo está atravessando.
Isto não quer dizer que eu não entenda necessário que • a lei antiga se modifique ou regulamente e que, profundado o assunto, um novo decreto ou uma nova proposta de lei não venham a ser elaborados.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Sr. Abel Varzim: - Sr. Presidente: subo a esta tribuna para manifestar a minha discordância com o decreto-lei que veio à ratificação da Assembleia Nacional e que tem estado a ser tão brilhantemente discutido.
A minha discordância não provém tanto de não compreender que seja necessário estabelecer certas medidas de disciplina para a profissão de militar, porque sendo ela uma vocação, sendo ela uma vida do sacrifício e de trabalho em benefício de uma causa comum que é a Pátria, certamente exigirá daqueles que a ela se dedicam uma soma do sacrifício maior do que ao comum dos cidadãos.
Portanto a minha, discordância não provém deste ou daquele ponto de regulamentação do casamento dos militares. Aquilo que me repugna, a mim, à minha consciência de católico, e à consciência dos católicos é, fundamentalmente, a regulamentação das condições económicas ou sociais do casamento.
A consciência católica, que data de há dois mil anos, lutou durante séculos pela abolição da proibição do casamento dos escravos. Conseguiu que lhes fosse concedido o direito ao casamento. Lutou depois durante séculos pela abolição de todas as penas de carácter social que impediam o casamento entre nobres e plebeus ou que não permitiam a união daqueles que estivessem em desigualdade de categoria social.
Durante dezassete ou dezoito séculos a consciência dos católicos travou uma batalha e conseguiu, vencê-la ainda há bem pouco tempo; e neste ponto operou a revolução mais igualitária que se fez em toda o história: perante o casamento não há distinções de classes, do idades, de condições, de raças, de sangue; todos tem o direito fundamental de contrair matrimónio. Esse direito foi-lhes dado pela natureza, ou, melhor, por Deus, e não pode o Estudo ou qualquer poder do Estado restringi-lo.
E é nesse sentido que me repugna aceitar este ou qualquer outro decreto que Tenha dificultar a constituição da família segundo aquele princípio da liberdade fundamental da pessoa humana.
Depois não vejo realmente vantagens muito grandes para a dignificação da família, como pretende justificar-se o decreto, na regulamentação das condições sociais ou económicas dos nubentes. O que importa à dignidade da família e ao seu bem-estar é a união dos esposos, que eles formem. «carne una», dois numa só carne. E essa união só se pude fazer pela felicidade não consta que sejam as condições económicos ou suciais a garantir dessa felicidade.

Vozes : - Muito bem !

O Orador: - Aliás o problema deveria ser posto de uma maneira diferente. A dignificação da família faz-se pela dignificação da mulher, pela recondução da mulher ao seu lar. E é universalmente aceite que é o homem quem deve granjeur o sustento da família.

O Sr. Cancela de Abreu: - É o seu melhor estímulo

O Orador: - Se queremos dignificar a família não devemos exigir, para que ela se possa constituir, que ambos os esposos, ou um só deles, tenham meios financeiros para a sustentar; o que é necessário - e é por isso que este movimento humano que se chama catolicismo luta há dois mil anos - é que sejam dados ao homem os meios suficientes para o sustento da, família que o seu trabalho, a sua profissão, lhe garantam o poder de acudir aos encargos normais do seu lar.
O nosso pensamento é o de que o Estado e a economia devem garantir a todos os trabalhadores intelectuais e manuais um salário suficiente para as suas necessidade familiares. E, portanto, para salvaguarda da família para dignificação da vida militar ou de outra qualquer para prestígio e garantia da categoria social dos militares, parece-me que uma só medida seria de aconselhar: a de que eles começassem a ter soldo maior medida que iam aumentando os seus encargos familiares. E é aqui que está a minha discordância a este decreto, não porque seja um decreto que regulamente o casamento dos militares, mas porque é um decreto que repugna à consciência católica de todos nós. Eu ia aduzir um outro argumento: que há o dever de respeitar a consciência de cada um. Para um católico o casamento é um sacramento, e um sacramento é um acto que diz respeito apenas à pessoa humana e a Deus; a Igreja serve apenas de intermediária neste consórcio do humano com o divino. Não pode admitir-se que o Estado vá além da sua missão e venha dificultar a realização de um sacramento.
Mas como para muitos este argumento de nada vale limito-me ao primeiro: como católico, como padre, como trabalhador do levantamento social da nossa terra, preferia que se não criassem obstáculos económicos e sociais ao casamento, mas sim que se dessem condições sociais e económicas àqueles que se casam e constituem família e que depois sabem cumprir o seu dever propagando espécie humana, nesta admirável obra do matrimónio que é colaboração com Deus na Criação.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Angelo César: - Subi à tribuna para nela afirmar simplesmente que considero procedentes as razões aqui aduzidas contra a ratificação do decreto-lei n.º 31:10 e também para lhes acrescentar em dois ou três minutos - este é o crédito de silêncio que peço à Assembleia o seguinte:
O salário familiar é básico nu construção do Estado Novo (artigo 14.º, n.º 3.º, da nossa Constituição Política).
Assim, desde que, enfrentando o problema do matrimónio dos oficiais do exército, o Estado querer resolve-lo, deve, para beneficio da família, não pedir à mulher que carreie para o lar o dinheiro que há-de sustentar o

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seus filhos, mas protegê-la com a instituição do salário familiar.
?Não parecerá, pelo menos, inconstitucional que, em vez de assim proceder, o Estado repelisse no diploma legal em discussão a possibilidade de ser adoptado tal salário ?
Mas, para mim, a inconstitucionalidade do decreto-lei em discussão resulta da aplicação simples do § único do artigo 5.° da Constituição.
Segundo o decreto-lei, as mulheres pobres não podem casar com tenentes ou outros oficiais.
Se não tiverem, em títulos da dívida pública, em imóveis, móveis ou quaisquer bens, réditos equivalentes ao soldo do oficial escolhido — não casam, não casam mesmo!
Podem casar com um indivíduo não oficial? Apesar de a desigualdade ser restrita, nem por isso deixa de ser
desigualdade, que o referido preceito constitucional repele.
Por mim não compreendo outra interpretação do princípio innovado, mas V. Ex.ª Sr. Presidente, e V. Ex.as, Srs. Deputados, melhor do que eu poderão apreciá-lo e decidi-lo.
Tenho dito.

Vozes: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — O debate continuará na sessão de amanhã.
Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 34 minutos.

O Redactor — Costa Brochado.

Imprensa Nacional de Lisboa

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