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REPUBLICA PORTUGUESA SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES

N.º 103 ANO DE 1941 21 DE FEVEREIRO

II LEGISLATURA

SESSÃO N.º 98 DA ASSEMBLEA NACIONAL Em 20 de Fevereiro

Presidente o Exmo. Sr. José Alberto dos Reis

Secretários os Exmo. Srs.
Gastão Carlos de Deus Figueira
Carlos Moura de Carvalho

SUMARIO:-O Sr. Presidente declarou aberta a sessão ás 15 horas e 50 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi lido o expediente. Usaram da palavras os Srs. Deputados Botto de Carvalho e Pire» de Lima, ocupando-te, respectivamente, do problema da protecção à infância e da maneira como e exercida a assistência pública.

Ordem do dia. - Entrando-se na ordem do dia, foram discutidas e aprovadas a proposta de alteração ao Regimento e Contas Gerais do Estado de 1939, tendo usado da palavra os Srs. Deputados Cancela do Abreu, Braga na Cruz, Antunes Guimarãis, Melo Machado e Pinto da Mola.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas o 48 minutos.

Sr. Deputados presentes à chamada, 60.
Sr. Deputado que entraram durante a sessão, 6.
Srs. Deputados que faltaram à chamada, 6.

Srs. Disputados que responderam á chamada:

Abel Varzim da Cunha e Silva.
Acácia Mendes do Magalhãis Ramalho.
Alberto Cruz.
Alberto Eduardo Valado Navarro.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alexandre de Quental Calheiros Veloso.
Alfredo Delesque dos Santos Sintra.
Álvaro de Freitas Moma.
Álvaro Salvação Barreto.
António de Almeida.
António de Almeida Pinto da Mota.
António Augusto Aires.
António Cortês Lobão.
António Hintze Ribeiro.
António Maria Pinheiro Tôrres.
António Rodrigues dos Santos Pedroso.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Ribeiro Lopes.
Augusto Cancela de Abreu.
Augusto Faustino dos Santos Crespo.
Augusto Pedrosa Pires de Lima.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Moura de Carvalho.
D. Domitila Hormizinda Miranda de Carvalho.
Fernando Tavares de Carvalho.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco de Paula Leite Pinto.
Henrique Linhares de Lima.
João Antunes Guimarãis.
João Botto de Carvalho.
João Garcia Nunes Mexia.
João Garcia Pereira.
João Luiz Augusto das Neves.
João Maria-Teles de Sampaio Rio.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim Saldanha.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Alberto dos Beis.
José Alçada Guimarãis.
José Dias de Araújo Correia.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria Dias Ferrão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.

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Júlio Alberto de Sousa Schiappa de Azevedo.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz Cincinato Cabral da Costa.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Figueira.
Luiz José de Pina Guimarãis.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Pestana dos Reis.
Manuel Rodrigues Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Luíza de Saldanha da Gama Van-Zeller.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Sebastião Garcia Ramires.
Sílvio Duarte de Belfort Cerqueira.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Artur Proença Duarte.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
João Xavier Camarate de Campos.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vasco Borges.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Ângelo César Machado.
António Carlos Borges.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Guilhermino Alves Nunes.
Joaquim Rodrigues de Almeida.
José Gualberto de Sá Carneiro.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 44 minutos. Fez-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 60 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 50 minutos.

Antes da ordem do dia

Expediente

Foi lufa na Mesa uma exposição da Associarão Lisbonense dos Proprietários, manifestando a sua concordância com as considerações feitas pelo Sr. Deputado João Antunes Guimarãis na sessão de 6 do corrente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, untes da ordem do dia, o Sr. Deputado Botto de Carvalho.

O Sr. Botto de Carvalho: - Sr. Presidente: dias depois do ter vindo a lume aquela admirável pastoral colectiva em que o ambiente moral português era focado por tam superior forma um trágico ciclone varreu o território português de sul a norte. E, por entre a imensa devastação, contam os jornais, nu lezíria do Tejo, onde principalmente a tragédia foi realidade, rodeados pelas águas, trementes de pavor e de frio, os homens erguiam os olhos e clamavam: Deus salve as nossas almas!
Depois, na hora de espanto que se seguiu, viu-se a Nação, representada pelo seu Govêrno e pelos que a compõem, a braços com consequências de que ninguém ainda hoje pode completamente medir o alcance.
A ruína é enorme, por ora imprevisível, tanto no prejuízo sofrido pelo Estado, como no prejuízo sofrido pulos particulares - fortuna que em cota parte jamais
se poderá refazer e que, no restante, quantos anos serão precisos ainda para que de novo se possa acumular e produzir, nas rendas que vinham dando, os bens que se possuíam e numa hora se desfizeram.
Sr. Presidente: que Deus tenha salvo as almas dos que pereceram e que o Estado e os particulares, num movimento de absoluta compreensão do excepcional momento presente, salvem para o País as riquezas que possam ser salvas e fomentem a reconstituição das que se perderam!
Mas êste vendaval, que prejudicou tam profundamente a vida económica do País, quero crer, para mini, que, por excepcional, não tem a magnitude dos prejuízos causados por um vendaval já antigo e distante e deixados na vida portuguesa, um vendaval distante que destruiu nos seus mais sólidos alicerces muitos dos princípios morais da Nação, afectando directamente o mais precioso capital de que uma nação pode dispor.
Refiro-me ao problema da infância, deixado ao abandono por virtude de uma inconsciência política e social de muitos anos e que a Revolução Nacional não teve ainda tempo de enfrentar e de resolver no seu conjunto. E no entanto o problema afigura-se-me de capital importância. Direi mais: reputo-o hoje o mais importante problema da vida portuguesa, pela sua projecção futura. Eu sei, e já dêste lugar mais do que uma vez rendi a homenagem e prestei a justiça que era devida, que muito se tem feito, isto é, muito se tem estudado e alguma cousa se tem resolvido. Mas parece-me que é preciso encarar em conjunto o problema e em conjunto resolvê-lo, sem o que todas as resoluções não conseguirão nem evitar o mal nem remediá-lo.
O problema consiste inicialmente na situação em que se encontra no nosso País uma parte da infância. Ainda há poucos dias um ilustre Deputado chamou a atenção para êsse aspecto do problema: a percentagem de crianças abandonadas, desprotegidas, e quantas delas filhas de quem poderia materialmente socorrê-las e as não socorre, e numa situação para a qual a lei não tem a sanção, o remédio necessário.
Surge, depois, o problema a que quero chamar da educação pre-primária, problema de alcance moral, social e pedagógico.
Não basta, a meu ver, que o Estado organize e promova a educação da criança simplesmente a partir da idade que se considerava e erradamente se considera a idade escolar.
Hoje já não é segredo para ninguém que o problema da educação pre-primária tem um lugar primordial na preparação dá juventude. E senão basta ver em Portugal os resultados dessa obra admirável, mal compreendida e mal conhecida por todos, até mesmo pelas entidades oficiais, ou talvez até a principiar por estas, dos jardins-escolas João de Deus, escola profundamente nacional, escola arraigada e estruturalmente portuguesa e que ao País, em várias cidades, vem prestando um serviço inestimável.
Mas, uma vez alcançado pela criança o período considerado escolar, encontramo-nos em face de um problema que provoca e justifica, inúmeras queixas; e o curioso é que essas queixas se entrechocam. São as queixas dos professores contra a falta de assiduidade e labor e contra a educação dos alunos; são as queixas das famílias dos alunos contra a organização da escola. E eu digo, Sr. Presidente, que nem uns nem outros podem ter inteira razão, mas que necessàriamente uns e outros hão-de ter uma cota parte dela, porque me não parece, por exemplo, em relação à actual percentagem de reprovações, que ela tenha explicação suficiente apenas na falta de assiduidade e de estudo dos alunos.

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O problema dos programas, o problema das organizações das turmas, o problema dos métodos de ensino e dos livros adoptados podem perfeitamente ser, e eu repito, podem perfeitamente ser uma das causas dêste mal-estar.
Mas por outro lado, a forma como a vida social está organizada, entregando-se a criança a uma autonomia absolutamente condenável, explica, por sua vez, as queixas dos professores.
Não vai muito distante o tempo em que já se sabia que, emquanto se estudava, o principal era estudar. Hoje, como norma de vida familiar, o estudo é apenas o acessório de uma desorganizada vida social.
Evidentemente que essa admirável organização, essa genial organização que é a Mocidade Portuguesa, masculina e feminina, não pode isoladamente preencher a sua função. Eu vou mais longe afirmando que, desde que ela se não enquadre num plano geral de conjunto, pode ser, por vezes, um elemento prejudicial.

O Sr. Presidente: - Peço a V. Ex.ª o favor de abreviar as suas considerações, porque a hora já passou.

O Orador: - Sr. Presidente: terei de terminar. O problema é tam vasto que todo o tempo é pouco para êle. O quási nada que eu disse é no entanto suficiente para que eu espere de S. Exas. os Srs. Ministro da Justiça e Ministro da Educação Nacional, ainda com a colaboração de S. Ex.ª o Sr. Ministro do Interior, que êste problema seja estudado no seu conjunto e no seu conjunto resolvido. E que, ao menos, entretanto, se torne realidade o prometido Código da Infância e se julgue finalmente oportuno pôr em execução a lei que esta Assemblea Nacional votou há tanto condicionando a frequência das crianças nos espectáculos público. E muito pouco, é quási nada, mas seria alguma cousa.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Augusto Pires de Lima: - Sr. Presidente: das cadeiras desta Câmara saiu para as cadeiras do Govêrno um ilustre Deputado, o Sr. Dr. Diniz da Fonseca, o qual se encontra hoje à frente de um dos mais importantes departamentos do Estado - a Assistência Pública.
Compete à Assemblea Nacional colaborar com o Govêrno. Não entendo, porém, Sr. Presidente, que essa colaboração se deva limitar ao elogio do que é bom ou do que foi bom feito. Devemos criticar, ou pelo menos apontar, os erros ou as deficiências de actuação e devemos também procurar elementos que auxiliem e ajudem o Poder Executivo.
Eu sei que ao Sr. Dr. Diniz da Fonseca não faltam méritos e sobejam qualidades de trabalho e de inteligência, tendo além disso o auxílio do Dr. Braga Paixão, que, pelas suas qualidades, mereço especial referência. Não teve ainda tempo, mas o problema a que me refiro é dos que merecem uma atenção urgente.
Há tanto para fazer e tanto por fazer na Assistência, há uma tal dispersão de esforços, uma tal disseminação de actividades, que mo parecia útil e necessário um debate de onde pudessem surgir críticas construtivas e elementos que permitissem a quem governa uma orientação. É tarde, porém, êste ano, e ficará, portanto, para depois o aviso prévio que penso fazer sôbre êste assunto. Limitar-me-ei por agora a chamar a atenção para algumas injustiças que me parece deverem ser reparadas.
Tenho a impressão, Sr. Presidente, que a Assistência Pública não é eficiente porque está por demais burocratizada, obedeço a um formalismo incompatível com um auxílio pronto e ainda porque é exercida por muitas entidades.
Presta-se assistência através das Misericórdias; através dos governos civis; através da Legião Portuguesa; através do Sub-Secretariado das Corporações, pelos respectivos organismos corporativos, como por exemplo a F. N. A. T.; através do Ministério da Justiça, pelo Patronato das Prisões; através da polícia de segurança, da União Nacional, das juntas de freguesia, das Casas dos Pescadores; das Casas do Povo e, principalmente, do Comissariado do Desemprêgo - de mil entidades, emfim. Não quero afirmar com isto que, por serem muitos a ajudar, a assistência não existe. Mas podemos afoitamente dizer que a dispersão de esforços importa uma deminuição de eficiência e uma consequente falta de coordenação, tornando-se ao mesmo tempo reparável que não estejam no novo Sub-Secretariado todos estes serviços.
Além disso, a mecanização e a burocratização, a escrituração complicadíssima, prejudicaram sensìvelmente certas iniciativas, como a da Campanha de Auxílio aos Pobres no Inverno, que êste ano quási suspendeu a sua actividade.
A distribuição das verbas que o Estado concede aos vários organismos ressente-se também da falta de um comando único. Há injustiças sensíveis, e algumas mesmo clamorosas, das quais, como quási sempre, é maior vítima o norte do País.
A oficialização da Assistência para que tendera a reforma de 1911 só teve aplicação prática em Lisboa. Discordo do sistema, e sempre me pareceu que o Estado, oficializando, burocratizava, tirando portanto às Misericórdias a sua missão tradicional.
Mas ou Lisboa entra no regime geral ou o resto do País, que paga também os seus impostos para a Assistência, se vê séria e irremediàvelmente prejudicado.
Para não cansar a Assemblea permito-me só citar alguns, números ao acaso, que demonstram melhor do que qualquer outro comentário as injustiças que aponto.
São os seguintes:
Subsídios concedidos a estabelecimentos de assistência pública (capítulo 6.º, artigo 196.º, n.º 1), alíneas c), d), e), f) e g) do orçamento ordinário do Ministério do Interior para 1940):

Lisboa .......... 44:797.000$000
Coimbra ......... 6:314.000$000
Pôrto ........... 6:050.000$000

Vejamos agora as populações respectivas de cada uma das cidades, segundo o recenseamento de 1930:

Habitantes
Lisboa ............. 594:390
Coimbra. ............ 27:333
Pôrto .............. 232:280

Distrito de Lisboa ........ 906:582
Distrito do Pôrto ......... 810:253

Pois bem: para êste número de habitantes existem no Hospital Geral de Santo António, do Pôrto, 900 camas e nos Hospitais Civis de Lisboa cêrca de 4:000.
Pode objectar-se a esta diferença de auxílio que a cidade do Pôrto contribuo, ou, melhor, contribuía através da caridade particular com cêrca de 15:000.000$, ou seja quási o triplo do concedido pelo Estado. Mas segundo se vê no relatório da respectiva Misericórdia, essas contribuições de particulares tendem a deminuir assustadoramente, devido à crise que atravessam o comércio e a agricultura e, além disso, os rendimentos da Misericórdia, devido ao abaixamento de rendas dos prédios rústicos e urbanos e à falta de juros dos títulos brasileiros, descem também.

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E não é justo que se entregue só num distrito do País toda ou quási toda a caridade aos particulares.
No hospital do Pôrto estiveram durante o ano de 1939 sempre à espera de voz, entre 700 a 800 doentes.
Como se procurou remediar êste estado de cousas e a desproporção de assistência entre as duas principais cidades de Portugal?
Contribuindo, ou, melhor, estudando a construção dos hospitais escolares. O de Lisboa, completo, com cêrca de 1:400 camas; no do Pôrto só uma ala com cêrca de metade das camas do da capital, ou sejam 700 camas... O de Lisboa já começado; o do Pôrto para começar um dia... Existindo já uma diferença sensível e não proporcional do número de habitantes entre as duas cidades, é incompreensível o critério agora seguido, ou, melhor, o critério que vai seguir-se, visto que não me consta que tenha começado ainda a construir-se o Hospital Escolar do Pôrto.
Nas sopas económicas distribuídas nas duas cidades verifica-se também o seguinte:

Ano de 1936:

Distrito de Lisboa - 4.961:918 sopas;
Distrito do Pôrto - 270:731 sopas;

o que dá aproximadamente 5,4 por habitante em Lisboa o 0,33 no Pôrto.

Ano de 1937:

Distrito de Lisboa - 1.174:050 sopas, ou seja 1,2 por habitante.
Distrito do Pôrto - 571:720 sopas, ou seja 0,7 por habitante.

O preço das respectivas sopas no Pôrto e em Lisboa merece também reparo, para que se mostre a maior desigualdade que existe ainda na concessão das verbas de assistências às duas cidades.

Valor das sopas em 1936:

Em Lisboa - $72 por cada sopa.
No Pôrto - $29 por cada sopa.

Valor das sopas em 1937:

Em Lisboa - 3$12 por cada sopa.
No Pôrto - $26 por cada sopa.

Qual o motivo desta diferença? Desconheço-o, mas julgo valer a pena averiguá-lo.
Quereria ainda, Sr. Presidente, referir-me à assistência escolar, à prostituição, às «ilhas» da cidade do Pôrto, à mendicidade, à assistência médica, à distribuição dos lucros das lotarias emitidas, à tuberculose - só neste ponto, por exemplo, haveria a dizer que na província do Douro Litoral devem existir 9:606 tuberculosos e 100 camas para estes mesmos doentes no único hospital existente -, à loucura, aos albergues nocturnos, à lepra, ao funcionamento de certos hospitais, etc.
Reservar-me-ei para o fazer no próximo período legislativo e no aviso prévio que anunciarei nessa altura.
Termino, portanto, enviando para a Mesa um pedido para que me sejam prestados alguns esclarecimentos e ainda solicitando do Govêrno o possível e urgente remédio para a desproporção que apontei entre as verbas concedidas ao Norte e ao Sul.
Não peço menos para Lisboa. Parece-me no entanto justo que o Pôrto, pelo facto de se sacrificar mais através dos particulares, não deverá por êsse motivo receber do Estado proporcionalmente menos.
Disse.

Vozes: - Muito bem!

O requerimento do Sr. Deputado Pires de Lima é o seguinte:

Requeiro que pelas repartições competentes me sejam prestadas as seguintes informações:

1) Número de funcionários públicos tuberculosos assistidos pelo Estado em regime de internamento e sua distribuição pelos vários sanatórios e hospitais;
2) Preços nos vários sanatórios por classe e verbas despendidas com medicamentos;
3) Distribuição das verbas de assistência feitas pela Direcção Geral respectiva e organismos a que foram concedidas em 1940;
4) Número de doentes mentais internados no País por conta do Estado e resultado do inquérito feito através dos governos civis para se saber o número dos mesmos doentes existentes em Portugal;
5) Quais as verbas concedidas à C. A. P. I. e o que gastava essa organização em funcionalismo.

Lisboa e Sala das Sessões da Assemblea Nacional, 20 de Fevereiro de 1941. - O Deputado, Augusto Pedrosa Pires de Lima.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em discussão, em primeiro lugar, o parecer apresentado pela Comissão sôbre a proposta de alteração ao Regimento, da iniciativa do Sr. Deputado Cancela de Abreu e de outros Srs. Deputados.

O Sr. Cancela de Abreu: - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: parece-me de fácil justificação o conteúdo da proposta que, assinada por alguns ilustres Deputados e por mim, tive a honra de, há dias, enviar para a Mesa e que V. Ex.ª se dignou marcar para discussão na sessão de hoje.
Como V. Ex.ªs ouviram ou leram, trata-se de um pequeno aditamento ao Regimento desta Assemblea.
Êste prevê, por innovação recente, a realização de sessões de estudo das propostas e projectos de lei e da matéria dos avisos prévios. Seria supérfluo e deslocado voltar a fazer, a propósito da proposta em discussão, a defesa ou a exposição das vantagens que, de maneira geral, caracterizam as sessões de estudo.
Mas pode preguntar-se:
Porque não se estabeleceu também, desde logo, a sua realização para a única modalidade excluída da actividade da Assemblea na ordem do dia? Na verdade, só podendo os trabalhos da ordem do dia versar sôbre projectos de lei, propostas de lei, avisos prévios e ratificações de decretos-leis, apenas para esta última não ficou prevista no Regimento a realização de sessões de estudo.
Essa omissão pode, talvez, atribuir-se à presunção de que, estando apenas prevista, no artigo 109.º da Constituição ou no seu § 3.º, para casos de «urgência e necessidade pública», a publicação de decretos-leis durante o funcionamento da Assemblea Nacional, seria rara, excepcional, a vinda de decretos-leis à ratificação da Assemblea. Essa razão, em qualquer caso, seria fraca e precária.
Outra razão, talvez melhor, seria a de que, para êsses casos excepcionais e de natureza especial, poderia considerar-se que só o Govêrno, senhor das circunstâncias emergentes, estava em condições de bem os apreciar e bem os resolver. Mas também parece, mesmo nesta hi-

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pótese, que só vantagem pode advir, algumas vezes, do estudo aprofundado por parte dos Deputados, tanto mais que êle não perturba a vigência do decreto-lei publicado.
O certo, porém, é que a prática nos tem mostrado, sobretudo ùltimamente, que são mais frequentes do que à primeira vista deixava supor a letra do artigo 109.º da Constituição, e talvez de natureza menos especial e menos emergente, os decretos-leis publicados durante o período das sessões legislativas.
Por outro lado, e, direi mesmo, em consequência, a Assemblea tem mostrado interêsse em apreciar devidamente e em pormenor a oportunidade, a economia e a especialidade de muitos decretos-leis sujeitos à sua ratificação, alguns dêles de grande importância, larga repercussão e manifesto interêsse administrativo ou político, nem sempre com carácter evidente de urgente necessidade pública.
Nestas condições, julgo nada mais ser preciso dizer, Sr. Presidente, para que se considere justificada a possibilidade de, em certos casos, se realizarem sessões de estudo de decretos-leis sujeitos à ratificação da Assemblea.
Disse.

Vozes: - Muito bom!

O Sr. Presidente: - Como ninguém mais quere usar da palavra, vai passar-se à votação.
A Comissão propõe, em primeiro lugar, que se adite ao texto do corpo do artigo 25.º do Regimento o seguinte: «Também podem ser objecto de sessões de estudo os decretos-leis sujeitos à ratificação da Assemblea, sempre que o Presidente assim o determine, por sua iniciativa ou a requerimento de cinco Deputados».
Vai votar-se êste aditamento.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Propõe a Comissão, em segundo lugar, que ao texto do § 1.º do mesmo artigo se adite: «Quando só trate de decretos-leis, esta designação terá lugar logo que fôr determinada a realizarão das respectivas sessões de estudo».
Vai votar-se êste aditamento.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à discussão das Contas Gerais do Estado. Tem a palavra o Sr. Deputado Braga da Cruz.

O Sr. Braga da Cruz: - Sr. Presidente: a eficiência dos serviços da administração pública em Portugal já pode, mercê de vários factores, e designadamente das excelentes publicações do Instituto Nacional de Estatística. ser apreciada bem objectivamente e sem que haja de considerar-se através do exame das qualidades das pessoas que a tais serviços presidem.
E isto não é para desprezar, pois que há pessoas de notabilidade indiscutível que, por não estarem em plena conjugação com os serviços que dirigem, não podem dar a êstes a eficiência que se torna necessária.
Aplicando êste método objectivo, não quero deixar de dar o merecido elogio aos serviços da contabilidade pública, serviços que quási sempre são atacados, serviços que muitas vezes não se vêem compreendidos e que, na realidade, são como uma sinalização que é posta nos estreitos caminhos da administração pública. E é muito para desejar que tais serviços, procurando levar ainda mais longe a perfeição da sua organização, consigam elaborar o seu regulamento geral, como tanto se torna necessário.
Não há, certamente, nenhuma atribuição concedida a esta Assemblea mais importante do que aquela que é dada para apreciação e julgamento das Contas Gerais do Estado.
É que através da apreciação das contas é tomado contacto com todas as variantes da administração pública; e é aí que se vê a verdadeira eficiência dos respectivos serviços.
As Contas Gerais do Estado de 1939 uma vez mais vieram mostrar a grande importância da política dos saldos, belo fundo de reserva tam apreciável em tempos normais e mais apreciável ainda em tempo de guerra e de calamidade pública.
No ano de 1939 verificou-se uma baixa de certo modo já bastante elevada na cobrança dos impostos, que veio a verificar-se essencialmente nos impostos indirectos, e que atingiu um montante de 80:000 contos; e poderemos afirmar que esta baixa é já um resultado manifesto do conflito europeu.
E se na realidade há a manter e conservar a política dos saldos, se certas receitas começam a deminuir, surge então o problema de onde devem vir as novas receitas para compensar aquelas que vão faltando.
Já no ano anterior o muito ilustre relator do parecer das contas, ilustre Deputado Sr. engenheiro Araújo Correia, a quem aproveito a oportunidade de dirigir os meus cumprimentos e felicitações pelo excelente parecer que se dignou apresentar à, comissão das contas públicas de que tenho a honra de fazer parte, lembrava outras vias, como, por exemplo, o aumento dos impostos directos, por contribuição sôbre os lucros dos tabacos, fósforos e petróleo.
É realmente difícil ir tocar em outras fontes de receita, porque algumas delas acham-se já verdadeiramente num ponto que não pode ser excedido.
Refiro-me, por exemplo, à contribuição predial, e apesar de nela ter havido uma baixa de 6:684 contos, devida s redução da percentagem, como é do conhecimento de todos, vejo que não é possível elevar esta fonte de receita, sendo necessária talvez até uma certa baixa para que possa eliminar-se a desigualdade da carga tributária que actualmente existe.
Verificamos ainda, por exemplo, que cada hectare de terreno está inscrito nas matrizes do distrito de Braga com o rendimento colectável de 240$ e nas matrizes do distrito de Beja com um rendimento de 47$.
Nesta altura lembro-me do espírito que ditou a lei das sesmarias, e estou a ver as dificuldades das culturas no Minho, devidas ao seu sistema orográfico.
Demais os rendimentos colectáveis inscritos nas matrizes prediais não estão ali inscritos por defeito, mas antes podemos afirmar que se acham inscritos por excesso, sendo tais rendimentos manifestamente exagerados.
Apenas alguns números para comprovar a afirmação que acabo de fazer:
Em 1935 o rendimento colectável urbano no continente e ilhas era de 369:000 contos. Logo no ano imediato, em 1936, êsse rendimento colectável passa a 915:000 contos e, em 1939, êsse rendimento atinge a cifra de 1.009:000 contos.
Permito-me, Sr. Presidente, chamar para êste facto a atenção de V. Ex.ª e da Assemblea, porque o salto efectuado de 1935 para 1936 é de tal maneira elevado
- 369:000 contos para 915:000 contos - que quaisquer considerações sôbre o assunto me parecem desnecessárias.
E relativamente ao rendimento colectável da propriedade rústica, será por acaso o problema aí menos sintomático do que representa o rendimento colectável urbano?
Não é.

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O rendimento colectável da propriedade rústica era, em 1928, de 370:000 contos e logo no ano imediato, em 1929, passou para 6-31:000 contos, achando-se em 1939 representado pela importância de 953:000 contos.
Perante êstes números, abstenho-me de fazer quaisquer outras considerações.
Passada assim, em rápida revista, a contribuição predial, vou referir-me ligeiramente ao que diz respeito à contribuição industrial.
Esta contribuição é, por certo, inferior ao que deveria ser, mas ela só pode elevar-se após a revolução dos métodos industriais que fatalmente virá a produzir a urgente solução, nesta Assemblea tantas vezes pedida, do problema da electrificação nacional e do desenvolvimento da indústria mineira.
Neste sector também se me afigura necessária uma maior protecção aos pequenos industriais, nem sempre pelo fisco respeitados, do que é frisante exemplo a contribuição liquidada aos moinhos e azenhas - 1:272 contos - em comparação com a de 2:689 contos lançada, um fabrico de farinhas.
Mas aquilo que se me afigura mais grave é o que respeita ao imposto sôbre sucessões e doações.
Êste imposto, liquidado em 1937, foi de 113:000 contos, em 1938 foi de 136:000 contos e em 1939 foi de 119:000 contos.
Tais números ditos assim pouco ou nada significam, mas o que muito significa, o que muito importa, o que é altamente importante dizer-se é o desdobramento dêles, e, assim, vemos que em 1939 êsses 119:000 contos do imposto sôbre sucessões e doações estão assim desdobrados: a favor de descendentes, 57:847 contos, a favor de ascendentes, 3:701 contos, a favor de cônjuges, 12:070 contos, a favor de irmãos, 12:837 contos, a favor de parentes colaterais até ao 3.º grau, 12:676 contos, e, a favor de estranhos, 20:209 contos.
À cabeça do rol, quási sendo a metade de todo o imposto, figura o imposto liquidado em transmissões a favor de descendentes, imposto que começou, e foi dito, como sendo um simples elemento estatístico, mas que hoje atinge uma verba com que não posso de forma alguma conformar-me (Apoiados), porque reputo que essa verba assim liquidada chega a ser manifestamente anticonstitucional, e há que ser coerente, para que se não diga: «Olha apenas para o que eu digo, mas não olhes para o que eu faço».
O Estado é, e tem de ser, uma pessoa de bem, e tem de respeitar as doutrinas em que assenta, e, assim, no artigo 14.º da Constituição, declarando que em ordem à defesa da família pertence ao Estado regular os impostos de harmonia com os encargos legítimos da família, não respeita ainda tais princípios no imposto sôbre sucessões e doações. E eu pregunto se é justo, se é legítimo, se é possível, que em 1941 a legislação que regula o imposto sôbre sucessões e doações ainda se mantenha no estado em que se encontra, indo buscar aos descendentes, que se acham então precisamente em uma das ocasiões mais críticas da sua vida, metade da totalidade do imposto sôbre sucessões e doações ...
Mas, Sr. Presidente, eu julgo que alguém com mais autoridade do que eu, com muito mais autoridade do que eu, já pôs o problema em equação.
S. Exa. o Sr. Presidente do Conselho, no seu discurso de 5 de Setembro de 1940, publicado semi-oficialmente no Boletim do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, vol. VII, p. 429, declarou que era preciso tratar com cuidado a gente humilde, para quem manifestos, matrizes, etc., «são cousas terrìvelmente obscuras e misteriosas que escuta com pavor e incompreensão e lhe amarfanham a alma, porque por vezes destroem a vida».
Estas palavras de S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho são uma luminosa síntese, são uma demonstração do muito que há ainda a fazer e que ainda não está feito.
E, continuando, Sr. Presidente, ligeiramente farei ainda algumas considerações sôbre certos rendimentos mencionados nas Contas Gerais do Estado.
Quero dizer alguma cousa sôbre a rubrica das taxas, porque, tendo disto conhecimento directo - porque o tenho, neste inquérito que há mais de trinta anos venho fazendo através da vida dos tribunais -, não poderia deixar de referir-me à receita que é cobrada sob a rubrica de serviços judiciais e de registo: de 1930 a 1931 renderam 11:857 contos; em 1937 passaram para 19:815 contos ; em 1938 passaram para 20:660 contos, e em 1939 chegaram a atingir 21:455 contos.
Estas receitas arrecadou-as o Estado; e o Estado quanto é que gastou com as despesas referentes àqueles serviços?
Gastou, em 1930-1931, 17:427 contos; em 1937, 17:336; em 1938, 17:400; em 1939, 17:162.
Isto é, gastou nisto menos do que recebeu.
Nesta altura, Sr. Presidente, eu, para ser coerente com o que já tive ocasião de dizer neste lugar, em sessão de 15 de Dezembro de 1936, permito-me formular um pedido a S. Ex.ª o Sr. Ministro da Justiça, no sentido de que, num futuro mais ou menos próximo, seja estabelecida a fixação de ordenados condignos a todos os funcionários de justiça.
Num relatório, creio que de um diploma referente a execuções fiscais, dizia-se que havia necessidade de se encontrar novo regime de fixar as remunerações, estabelecendo os ordenados, em vez do anacrónico sistema do regime dos emolumentos.
E eu, nesta altura, Sr. Presidente, queria trazer a êste lugar, porque são dignas de ser ouvidas, as reclamações de muitos milhares de humildes funcionários de justiça que não recebem aquilo a que inquestionàvelmente têm direito.
Não faz sentido que êsses funcionários de justiça, estando todos os dias a ver fazer justiça a outros, não tenham ninguém que lha faça a êles próprios; e não faz sentido que alguns dêles estejam nalgumas comarcas a receber quantias verdadeiramente irrisórias!
Alguns há, Sr. Presidente, que não chegam a receber 60$ por mês. Dá-se até o caso de em algumas comarcas ser preciso fazer uma pequena sociedade de todo o funcionalismo da justiça para todos juntos irem a qualquer casa prestamista ou a qualquer banco onde possam arranjar dinheiro para pagar os seus compromissos.
E eu pregunto se não é altamente atentatório à dignidade da função judicial um tal estado de cousas.
Referi-me há pouco, Sr. Presidente, à desigualdade da carga tributária; e, como tenho directo conhecimento de alguns factos, não posso também deixar de os trazer para aqui.
O Minho atravessa um período de graves e grandes dificuldades. Se é certo que em todo o País se amealha pouco e que os depósitos representam o que não foi utilizado no consumo normal, o Minho foi forçado a consumir tudo o que tinha, e nada conseguiu amealhar o depositar.
Não olha com inveja para as outras regiões - pede apenas tratamento para a sua anemia.
E há dois factos que podem induzir em êrro. O primeiro, a dívida à Caixa Nacional de Crédito; o segundo, o movimento das execuções fiscais.
Não é o Minho que mais deve à Caixa Nacional de Crédito, mas sim o sul do País. Mas em 31 de Dezembro de 1939 havia no distrito de Braga 491 processos de execuções fiscais, na importância de 256 contos; e

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em Viana do Castelo 2:079 processos, mi importância de 403 contos.
Isto mostra que quem pôde pagar honradamente o fez, não protelando pagamentos, como em outras regiões as estatísticas mostram.
Tem o Minho o horror à dívida, sofre privações sem conta, sujeita-se a um nível de vida baixíssimo, mas paga quando o pode fazer.
Todavia, êste estado de cousas não pode prolongar-se, porque acarreta o definhamento da raça, patentemente demonstrado nas inspecções militares.
Certo estou de que o Govêrno não deixará de atender ao momentoso problema da vida de penúria no Minho, acudindo com urgentes medidas àquele lindo rincão de Portugal.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Antunes Guimarãis: - Sr. Presidente: terminei a leitura do parecer da comissão encarregada de apreciar as contas públicas de 1939 justamente no momento em que me dirigia para esta Assemblea. Mas tive o prazer de o ler integralmente e pena tive que êle não tivesse sido distribuído a tempo de, não só o ler, mas de poder estudá-lo, ponderá-lo demoradamente, para sôbre êle fazer as apreciações que bem merece.
Nós estamos perante as contas públicas de 1939, isto é, das contas de mais um ano de administração inteligente e acertadíssima. Ao compulsar o notável diploma que nos apresenta aquelas contas verifica-se o grande esfôrço de realizações úteis do Estado Novo, em seguimento de uma obra que vem de 28 de Maio de 1926 e que há-de ficar memorável na história da administração pública portuguesa.
Mas não posso deixar de dizer algumas palavras acêrca dêste parecer, que prestigia o seu ilustre relator, como honra os seus colaboradores na comissão de apreciação das contas do Estado. E devo dizer a V. Ex.ªs que entendo que a Assemblea Nacional se deve também sentir dignificada com um parecer desta importância e dêste valor, em que, além da apreciação das contas, para verificar a sua exactidão e se os dinheiros públicos foram empregados dentro das disposições legais, se se relacionam não só com os anos anteriores, mas com os resultados já conhecidos da administração do ano de 1940 e, até, do corrente ano.
Além disso fazem-se no parecer comentários acertados ao trabalho dos diferentes ramos da administração pública, e, dentro do espírito da mais patriótica colaboração, procura-se corrigir certas orientações, apresentando alvitres inteligentes, muito de aproveitar.
Ditas estas palavras de merecido louvor e de muito agradecimento aos nossos ilustres colegas que apreciaram as contas de 1939, eu vou, de corrida, apreciar alguns dos pontos dêste tam douto parecer, mas, porque não tive tempo para coordenar elementos que me permitissem fazer um discurso, limitar-me-ei a rápidos comentários a alguns dêles, sendo certo que não faltam ali elementos para larga dissertação.
Logo a p. 10 encontra-se uma observação que reputo felicíssima, a qual se refere à orientação seguida em Lisboa, no Pôrto e até noutras cidades, para alargamento da área de urbanização, quando melhor seria valorizarem-se os bairros antigos.
Efectivamente tem-se tido em pouca atenção o valor importantíssimo de certas zonas antigas de alguns burgos, não se pensando em actualizar milhares e milhares de prédios, que representam o esfôrço de muitas gerações e que, assim, são votados ao abandono, com prejuízo para os respectivos proprietários e para a estética citadina.
Assiste-se, por assim dizer, à deslocação das cidades, criando-se novos bairros, distantes da parte central, onde estão situados edifícios públicos, quando seria mais interessante e valioso, como se alvitra no parecer, garantir eficaz assistência técnica e financeira em condições aceitáveis económicas aos respectivos proprietários para que não fôssem inutilizados importantes capitais desde séculos ali colocados, e proporcionando a uma grande parte da população, à que mais precisa de viver perto do seu comércio, da sua indústria, ou das suas repartições, habitação condigna, de preço acessível, e sem exigir perda de tempo e dispêndios por vezes incomportáveis em transportes.
Hoje há a tendência para a abertura de grandes ruas, de extensas avenidas, muitas delas destinadas o ficarem desertas, por falta de casas e, quando ali existem, por falta de inquilinos.
No Pôrto há para cima de 7:000 habitações devolutas.
Uma vez que a orientação do Estado Novo tem sido no sentido do regresso à terra, porque se há-de insistir numa orientação que leva a crer deslocar para as cidades todos os habitantes de Portugal?
Onde se impõe uma política de fixação de famílias é nas aldeias e não nas cidades.
Diz o ilustre relator, com profunda mágoa minha, que da verba destinada a melhoramentos rurais para valorização das aldeias por forma a poderem ali fixar-se habitantes apenas se aproveitou pouco mais de metade.
Na verdade, quando todos estamos empenhados em defendermo-nos do urbanismo e as zonas rurais estão, de maneira geral, carecidas de caminhos, de fontes com água boa e carecidas de muitos outros elementos capazes de concorrer para o seu povoamento, causa dó e é de pasmar que essa verba, aliás pequena, não tenha sido completamente aproveitada, tanto mais que não faltam nas aldeias de todo o País iniciativas particulares no sentido de dotar as suas terras com os elementos de higiene, de comunicações, e até de confôrto, hoje indispensáveis à vida.
Nos primeiros tempos da nova política dos melhoramentos rurais simplificavam-se as formalidades ao máximo, concediam-se facilidades de toda a ordem; mas, a pouco e pouco, exigências de ordem técnica foram surgindo, pedindo-se planos complicados e caros, só ao alcance de engenheiros. E, como se tais exigências técnicas não bastassem, os subsídios são muito condicionados na sua aplicação, estabelecem-se prazos para a conclusão dos trabalhos, que nem sempre são compatíveis com as possibilidades locais, e exigem-se comparticipações fora do alcance das pequenas autarquias, o que leva muitas vezes os povos, ansiosos de bem-estar, a dispensar os subsídios do Estado e a arcarem sòzinhos, algumas vezes com a colaboração das câmaras municipais, com os encargos da realização de melhoramentos, que deviam aproveitar os benefícios da lei dos melhoramentos rurais, dispensando os povos de esforços com que mal podem.
Neste parecer cita-se a grande desproporção das despesas dos serviços centrais dos melhoramentos rurais com os subsídios distribuídos pelo País e as obras realizadas.
Assim é, infelizmente.
Lembro-me bem que quando essa política foi iniciada no Ministério do Comércio e Comunicações tais despesas eram insignificantes, e nem por isso se deixou de empregar convenientemente as verbas que figuravam no orçamento e tirar delas todas as vantagens possíveis, para benefício das populações das aldeias portuguesas e prestígio do Estado Novo.
É justamente na melhoria dessas zonas, para as vitalizar, que o esfôrço do Govêrno se deverá desenvolver, porque é a obra essencial do Estado Novo.

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Outros sectores onde esta situação muito tem trabalhado já vinham de trás. Assim, a grande rêde das estradas nacionais, os caminhos de ferro e as obras portuárias tiveram início no período conhecido por «fontismo», em que o nosso fomento foi dirigido por um estadista de rara envergadura, como foi Fontes Pereira de Melo.
Bem sabemos que em todos êsses campos a acção do Estado Novo tem sido colossal, não se limitando a conservar, mas realizando muitas obras novas de grande préstimo e de que a Nação estava de há muito absolutamente carecida.
Mas a obra de todas a mais importante, que é realização do Estado Novo, é a da valorização da maior parte do País, desde sempre esquecida, e constituída pelas freguesias rurais, onde os caminhos, na sua quási totalidade, já tinham milénios e as fontes eram de mergulho, onde os lusitanos bebiam juntamente com o gado, onde tudo faltava e o povo vivia mais abandonado que nos sertões africanos.
Foi preciso que surgisse em Portugal o Estado Novo para olhar pelos que tinham sido tam esquecidos, para aproveitar as fontes mais importantes e seguras do renascimento de Portugal.
Mas, ainda sem fugir desta secção, isto é, das populações rurais, devo dizer a V. Ex.ª que não só se têm criado dificuldades à integral aplicação das verbas destinadas a êstes melhoramentos, como noutro sectores da administração pública se esquece, por vezes, o bem-estar das populações.
Ainda há poucos dias eu atravessei o Alto Minho, na região de Vieira do Minho, onde, como disse na última sessão legislativa, se realizou um grande aproveitamento hidroeléctrico. Com grande pasmo meu, verifiquei que as servidões, os caminhos que foram inutilizados com a inundação, de cêrca de 200 hectares de terreno, ainda não tinham sido substituídos, estando as servidões por restabelecer. Aqueles pobres povos carecem agora de meios de comunicação entre as diferentes aldeias das suas freguesias, carecendo de fazer trajectos extensos para chegarem aos seus campos ou seus montados. Preguntando a razão da demora, disseram-me que ainda não está feito pelos serviços hidráulicos o respectivo plano de caminhos a construir pela emprêsa concessionária. E já lá vão cêrca de três anos!
Outro assunto:
Uma referência há, a p. 17, à mistura do milho ao trigo para panificação. É uma previdência digna de todo o elogio. O Govêrno, de facto, ordenando essa mistura, não foi, segundo creio, apenas para remediar a insuficiência da colheita do trigo, mas, muito patriòticamente, esforça-se por criar o tipo de pão nacional, do pão português. Assim garantirá aplicação remuneradora, para alimento humano, dos diferentes cereais do nosso País, entre outros, o centeio ou o milho, que são culturas que interessam a maior parte da população agrícola de Portugal.
Congratulo-me com essa orientação e faço votos por que o Govêrno não regresse ao pão de trigo estreme e siga a política do pão nacional com os nossos cereais. Da mistura de farinha de milho com a de trigo não têm resultado inconvenientes para os consumidores; e até tenho a certeza de que a maior parte dêles não notaram qualquer alteração no paladar do pão devido à mistura de 20 por cento de farinha de milho, percentagem que talvez possa subir e permitir maior preço para o milho.
Voltando ao alvitre, muito inteligente, da valorização de prédios antigos, convenço-mo do que não bastará uma boa assistência, técnica, nem financiamentos comportáveis para convencer os proprietários.
Para que se abalancem a melhorar prédios antigos, preciso seria que o Govêrno acabasse de uma vez com os restos do antigo inquilinato, que tanto oneram a propriedade urbana, elementos de litígio e de desvalorização dos prédios. A lei do inquilinato já não tem razão de ser, porque apenas aproveita a quem já não precisa da assistência que aquela lei lhe garantia, porque abundam as casas devolutas.
Mas também seria conveniente obter uma certas facilidades no despejo. Hoje o despejo é caro e complicadíssimo. Há leis que são orientadas pelas melhoras intenções, mas que depois são iludidas e constituem fonte de uma exploração que tende hoje a generalizar-se: os inquilinos exigem que se lhes pague para saírem das casas, sendo o senhorio obrigado, para se defender, a apelar para os tribunais. Além disso, como o recente Código de Processo Civil os dispensa do depósito das rendas por pagar, deixam a acção seguir. E, depois de vencido o pleito, o senhorio ainda tem de pagai-as custas devidas pelo inquilino, se quere que o despejo se realize. E, muitas vezes, ainda alegam alguma moléstia, para ali se conservarem por algum tempo.
Tenho a maior consideração pelos inquilinos, porque numa grande parte do ano também sou inquilino. Mas há que distinguir, há que joeirar. No meio do trigo há muito joio. Há muito inquilino que festa a fazer disto uma exploração inaceitável.
Apoiados.
Portanto, farei votos por que o Govêrno finde de uma vez com a insuportável lei do inquilinato e que adopte nos despejos a fórmula simples e rápida que êle emprega para os inquilinos do Estado ou das casas económicas.
Apenas serão atingidos inquilinos que não são dignos de consideração, porque procedem quási sempre do má fé ao recorrer aos meios que as leis infelizmente ainda lhes facultam.
Alude-se no parecer, ao tratar dos portos, ao pôrto de Leixões e ao do rio Douro, dois grandes elementos de progresso e de valorização económica de todo o norte de Portugal, para afirmar que seria preferível não fazer tudo conjuntamente.
S. Exa. conhece bem o problema de Leixões, porque, quando era Ministro do Comércio e Comunicações e eu presidente da Junta Geral do distrito do Pôrto, numa visita que fez a Leixões, ouvi-lhe dizer que reconhecia o grande valor daquele pôrto e tinha uma verdadeira
obsessão - foi o têrmo que empregou - por dotar o norte com aquele melhoramento tam indispensável.
Ora o que se resolveu, quando mais tarde eu sobracei a pasta do Comércio e Comunicações, está longe do plano aprovado para aquele pôrto. Assim, das três docas projectadas construíu-se apenas a doca n.º l, e essa reduzida no seu comprimento de 750 metros para 500, construção já concluída e que acaba de prestar grandes serviços durante o recente ciclone, porque os navios ali ancorados nada sofreram, o que não sucedeu a outros que estavam ancorados fora da doca, na bacia, e garraram, entre os quais se conta um vapor brasileiro e um grego. Também se deliberou construir o paredão de protecção, e provado está que a bacia sem aquele abrigo não garante segurança, como, infelizmente, ficou demonstrado há dias.
Da área em que se projectava um grande quebramento de rochas, para conseguir fundos suficientes, apenas no canal de acesso à referida doca n.º l se realizou tam indispensável melhoramento.
O que ali falta ainda são armazéns, como ainda só impõe a aquisição de aparelhagem e outros elementos de trabalho.

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E como havia carência de trabalho, foi o Estado Novo que conseguiu, finalmente, levar até lá o caminho de ferro de via larga.
V. Ex.ª refere-se, também, no parecer, ao rio Douro, e, de facto, êste rio é vital para o comércio do Pôrto, pois é nas suas margens que existem os armazéns do vinho do Pôrto e existem muitos armazéns e um importante comércio. As suas margens carecem de urgentes obras, para a respectiva regularização, para garantir facilidades e segurança ao trânsito, e serem dotadas de algumas docas para protecção dos navios.
Tenho a certeza de que a população do Pôrto estimaria muito mais que os 18:500 contos que estão a ser despendidos na estrada marginal do Esteiro de Campanhã ao Infante D. Henrique fôssem empregados em beneficiar e regularizar as margens do rio Douro, desde a Alfândega até à Foz, tanto do lado do Pôrto como de Vila Nova de Gaia, legítima e antiga aspiração de todos quantos dependem da navegação no rio Douro. A referida estrada marginal vai ser rematada por um túnel de ligação do tabuleiro inferior da ponte de D. Luiz com a Rua Infante D. Henrique. Pois a ligação que o Pôrto deseja, e com razão, é a do tabuleiro superior daquela ponte com o largo fronteiro à Estação de S. Bento, que poderia fazer-se por uma galeria. E deseja, porque dela carece absolutamente, a ponte da Arrábida sôbre o rio Douro, como outros melhoramentos de que muito carecido está aquele burgo e que bom seria o Govêrno assegurar-lhe.
Também me não passou despercebido um outro ponto importante do douto parecer, qual o das dotações universitárias, e fazendo o confronto das destinadas à Universidade do Pôrto com as de Coimbra e Lisboa, notei serem muito deminutas as do instituto universitário da grande cidade nortenha.
Estimaria muito que as Universidades de Coimbra e de Lisboa vissem as suas dotações mais elevadas ainda, porque as que lhes são atribuídas, apesar de mais elevadas que as do Pôrto, são insuficientes, especialmente na parte que é destinada a material e aos laboratórios. Hoje não se pode estudar só por livros ou ouvindo as lições dos mestres, por mais sábias que sejam. O ensino precisa de ser acompanhado de lições práticas, mas as dotações para êsse fim são absolutamente insuficientes não só nas Universidades mas nos liceus, e, notòriamente, no que respeita ao ensino técnico em geral.
O ilustre relator numa passagem do seu parecer diz que não basta que o Govêrno faça grandes obras, pois é indispensável que a iniciativa e o esfôrço do povo o acompanhem.
Sr. Presidente: vou terminar as minhas considerações reeditando palavras que tenho pronunciado muitas vezes desta tribuna, quase tantas vezes quantas aqui tenho subido.
O Estado Novo não deve estorvar iniciativas, mas estimulá-las, ampará-las, acarinhá-las.
Ainda há pouco me referi aqui não só à falta de estímulo à iniciativa, como à inutilização de muitas que tinham conseguido vingar, desenvolver-se e até prosperar. Referi-me ontem à projectada supressão de postos de desnatação e outras pequenas oficinas relacionadas com lacticínios.
Em lugar de supressão ou fusão de fábricas ou oficinas entendo que o que cumpria ao Govêrno era concorrer, por meio de uma intensa assistência técnica e financiamentos aceitáveis, no sentido de transformar essas pequenas oficinas, quando insuficientemente insladas, em elementos dignos do nosso tempo, para que nêles se trabalhe bem e higiènicamente, nunca pensando na sua fusão e muito menos na sua supressão, o que corresponderia à supressão de campos de actividade de que carecemos cada vez mais, para evitar o desemprêgo e, sobretudo, para evitar que o desfalecimento invada aqueles portugueses que ainda insistem em concorrer para o progresso da sua Pátria, apesar de todos os entraves da burocracia.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: as minhas palavras têm de ser de louvor e de agradecimento pelo magnífico parecer que a comissão de contas nos apresentou.
Permito-me endereçar ao seu relator os meus louvores e os meus agradecimentos, porque realmente S. Ex.ª vem, de ano para ano, melhorando êste parecer e tornando-o cada vez mais interessante e mais recheado de números utilíssimos, de modo a proporcionar cada vez mais a esta Câmara a possibilidade de um estudo profundo sôbre as contas do Estado.
Se algum reparo tenho a fazer, se algum pesar tenho a manifestar, é o de êste parecer ter vindo excessivamente tarde.
Manifesto a minha mais absoluta concordância com a introdução dêsse parecer.
Não basta que a Assemblea viva com dignidade; acho que é indispensável que viva com utilidade, e nada pode ser mais útil do que a apreciação de todo o trabalho do Estado e a fiscalização da sua administração. Por isso, escusado será dizê-lo, tem sido sempre essa a minha norma nesta Câmara; as palavras que se encontram na introdução dêste parecer estão em absoluta concordância com a minha maneira de pensar.
O exame das contas do Estado proporciona-nos um golpe de vista sôbre toda a Administração. Parece-me que, se queremos realmente ser um órgão fiscalizador da administração do Estado, êste é o momento principal, o melhor momento para fazer essa fiscalização, mas é evidente que um assunto de tanta complexidade como êste não pode ser estudado sôbre o joelho, não pode ser profundado em dois ou três dias, porque quási tanto tempo é o necessário para ler com proveito êste magnífico trabalho.
De maneira que a Câmara tem-me hoje aqui nesta tribuna com uma preocupação que não me costuma apoquentar, que é a ri e não ter tido tempo para meditar nas palavras que tencionava proferir. Todavia, eu, que tenho sustentado aqui sempre êste princípio e que tenho procurado corresponder a êle, de querer fiscalizar a administração do Estado, não me sentiria bem com a minha consciência se não viesse discutir as contas que são apresentadas à nossa apreciação.
Se eu fôr, porventura, mais incompetente do que costumo ser habitualmente, V. Ex.ªs desculparão, porque a culpa não foi inteiramente minha, pois sabem que o tempo que ficou, mesmo para quem tem faculdades de estudar com competência, foi pouco, quanto mais para mim, que não tenho essa competência.

Vozes: - Não apoiado!

O Orador: - São palavras muito amáveis de V. Ex.ªs, mas não as posso aceitar.
É claro que do exame das contas resulta logo verificar-se a boa administração do Estado. Evidentemente que não é necessário elogiar a administração do Estado Novo; essa convicção está no nosso sentir; toda a gente já tem isso como basilar. Não é, pois, preciso elogiar o Govêrno. Mas é natural que se aproveite o ensejo - que, aliás, neste ano não nos tem sido largamente proporcionado - para fazermos os nossos reparos.
E quando se diz reparos, não se diz reprovação ou censura: diz-se simplesmente esclarecimentos.
Apoiados.

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Sr. Presidente: eu não tenho idea de que esta Assemblea alguma vez votasse aumentos de taxas de contribuições. Não tenho idea; posso estar em êrro, mas suponho que não, porque daria logo conta disso, visto que, como já disse, voto sempre contra todos os aumentos de contribuições, a não ser que razões superiores me levem a aprová-los.
Ora eu vejo pelo parecer das contas que essas contribuições, pelo menos as directas, já vão num aumento de 250:000 contos em relação a 1931. De maneira que no meu espírito fica um pouco esta dúvida: se nós não votámos aumentos de taxas, como é que o rendimento do Estado cresce desta forma?
Parece-me que não estaria talvez no pensamento desta Assemblea a idea de um aumento de impostos, visto que nós não votámos aumentos de taxas. O facto, porém, é que houve êsse aumento.
Porque uma das prerrogativas desta Assemblea é justamente a de votar os impostos, eu desejaria que, quando votássemos taxas iguais, isso significasse cobrarem as mesmas importâncias de impostos.
A contribuição predial, que é a que tem sofrido menos alterações, e que até por vezes tem tido deminuição de taxas, essa mesma já subiu vinte e tantos mil contos.
Verifica-se, assim, que, embora não se aumentem as taxas, vão sendo pouco a pouco alterados os valores, e o que não se consegue de uma maneira, consegue-se, um pouco sub-reptìciamente, por outra.
Também foram incluídos na contribuição predial urbana prédios rústicos que dantes não pagavam contribuição. V. Ex.ªs sabem muito bem que antigamente as adegas, as casas dos caseiros e as abegoarias não pagavam contribuição; tudo isso, porém, foi depois avaliado, para se lhe aplicar colecta. Essa contribuição urbana, portanto, reflecte-se em grande parte na contribuição rústica.
Neste assunto enxerta-se um outro que está sempre a provocar reclamações - é a questão da forma como as avaliações são feitas. Há, salvo honrosas excepções, comissões permanentes de avaliação que são uma autêntica vergonha. Não é, de facto, admissível que façam parte de uma comissão avaliadora, como tantas que tenho ouvido referir, taberneiros, sapateiros e barbeiros, que podem ser uns pequeninos proprietários agrícolas, mas aos quais falta não só a competência mas até a isenção necessária para poderem fazer um serviço desta natureza.
E tanto assim é, Sr. Presidente, que chegam até mim queixas dêste sentido: de que há comissões avaliadoras que aumentam o número de hectares em quantidades verdadeiramente extraordinárias, porque de cada hectare recebem a importante quantia de trinta e tal escudos. E, verificado o êrro manifesto na avaliação em número de hectares, pode ter sucedido, mas não me consta, que essas comissões tenham sido demitidas e que os seus membros tenham sido obrigados a repor o dinheiro que indevidamente receberam.
Tem êste assunto um outro aspecto. Verifiquem V. Ex.ªs no parecer que, em presença do rendimento colectável por hectares, há distritos no País muito sobrecarregados e outros que o estão bastante menos.
Já aqui se referiu o Sr. Braga da Cruz, se não estou em êrro, falando do distrito de Braga, a 240$ por hectare e Beja 47$. Suponho que para se achar êste número se não excluem os baldios, as serras inaproveitáveis, etc., o que era realmente difícil, embora fosse muito interessante, por ser mais exacto.

O Sr. Braga da Cruz (interrompendo): - E a seguir a essa citação eu disse na altura que não podia deixar de apreciar o espírito da lei que ditou a lei das sesmarias.

O Orador: - Muito bem.
Mas esta diferenciação talvez não faça tanta impressão a V. Ex.ªs se virem mais adiante um mapa muito interessante que divide por distritos os depósitos bancários; vendo-o, verificaremos Braga com 9:341 e Beja com 37:557.
Há ainda uma desproporção em favor do distrito de V. Ex.ª, mas já não é tam grande como à primeira vista se afigura.
Também se diz neste parecer -recordo a V. Ex.ªs que estamos apenas referindo-nos a 1939 - que as novas avaliações tinham incidido sobretudo no distrito de Évora, onde o rendimento colectável tinha subido, nada mais, nada menos, que 15:000 contos.

O Sr. Araújo Correia: - No total do País.

O Orador: - No total do País, claro. Mas essencialmente em Évora, como V. Ex.ª diz no seu parecer, visto que para outros distritos ficaram apenas 2:000 contos.
E eu volto à minha idea: se nós não votámos aumentos de taxas, se há alguns contribuintes muito sobrecarregados e outros, porventura, pouco sobrecarregados, como é que ninguém beneficia dêste aumento? Como é que êstes concelhos, que pagavam uma determinada quantia, continuam com a mesma taxa que tinham até então? E o que sucederá se o Estado continua a avaliar nesta proporção ? Se se habitua a receber as importâncias respectivas, 4 quando é que êle se resolverá a dispensar essas receitas?
V. Ex.ªs sabem que é mau o Estado habituar-se a receber determinadas quantias, porque é muito custoso que êle faça, depois, o movimento contrário.
De maneira que o que se impõe, em primeiro lugar, é que as avaliações sejam feitas escrupulosamente.
Entendo que a propriedade agrícola não pode estar na matriz pelo seu valor exacto, e isso porque ela paga sempre contribuição, quer ganhe, quer perca, quer tenha bons anos, quer tenha maus anos.

O Sr. Nunes Mexia: - Há mais: a propriedade tem uma função social eminente, função essa que tem de desempenhar antes e acima de tudo.

O Orador: - Tem V. Ex.ª muita razão. Mas, visto que ela não paga sôbre lucros, mas sim sôbre uma quantia certa, devia ter uma certa folga entre o valor por que paga a contribuirão e o seu valor real.
A propósito disso, eu, que desejo esclarecer esta questão das avaliações, aproveito a ocasião para mandar para a Mesa o seguinte requerimento:

«Requeiro que pelo Ministério das Finanças me sejam fornecidos os seguintes dados:
Qual o número de avaliações, por concelhos, efectuadas por indicação das secretarias de finanças em prédios rústicos nos últimos três anos e quais os seus resultados nas alterações das matrizes para mais ou para menos;
Qual o número de avaliações, também por concelhos, ordenadas pela Direcção Geral das Contribuições e Impostos nos últimos três anos, e quais os seus resultados na alteração dos valores matriciais para mais ou para menos;
Quais os concelhos totalmente avaliados, quanto pagavam de contribuição e quanto ficaram pagando;
Qual o número de avaliações requeridas pelos contribuintes e qual o seu resultado no aumento ou deminuição de valor matricial».

É evidente que a resposta a êste requerimento servirá para estudo no próximo ano.

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Se observarmos os mapas sôbre os depósitos em casas bancárias, poderia porventura o facto de ter havido um aumento de 1.400:000 contos dar-nos a impressão de que realmente a economia do País estava em franco progresso. Simplesmente, Sr. Presidente, isso não era uma impressão exacta, porque eu sei que a economia deste País está mal. Está mal porque está mal a economia agrícola, e quando a economia agrícola está mal não suponho que possa haver prosperidade, que possa estar bem a economia geral do País.
A economia agrícola está vivendo de expedientes, está vivendo de balões de oxigénio. Com o explicar, pois, êste aumento de depósitos bancários? Suponho, Sr. Presidente, que essa demonstração não é difícil. Há hoje muito mais gente que já deposita o seu dinheiro nos bancos, sobretudo porque em cada concelho há delegações da Caixa Geral de Depósitos, que é um estabelecimento do Estado que merece absoluta confiança, e então já muitíssima gente, muito proprietário, vai pôr na Caixa as suas economias, já chega a muitos, mais do que antigamente, o convencimento de que é inconveniente guardar o dinheiro em casa no fundo das arcas. E essa uma das razões. Mas há outras que explicam o assunto. É que é verdade que a agricultura produz hoje mais do que anteriormente. Já o Sr. Ministro da Economia, quando Ministro da Agricultura, demonstrou que tinha crescido muito a produção agrícola, embora a economia dos lavradores não tivesse aproveitado com êsse acréscimo; e porque cresceu, evidentemente que êles também gastam proporcionalmente mais nos seus amanhos, e consequentemente os depósitos têm do ser mais avultados, de forma a estarem prontos a acorrer às despesas de cada dia.
Aqui têm V. Ex.ªs como eu explico neste período de sete anos o aumento de depósitos bancários. Isto não significa aumento de riqueza pública, como tam facilmente poderá parecer à primeira vista.
Discutido êste assunto, passo a referir-me aos melhoramentos rurais.
Já aqui foi dito, e está no parecer, que os melhoramentos rurais, que foram realmente uma iniciativa muito brilhante do nosso ilustre colega Sr. Dr. Antunes Guimarãis, são uma das melhores cousas que têm sido feitas pelo Estado Novo. As suas consequências são verdadeiramente extraordinárias na economia e bem-estar das populações rurais. Por êste motivo é verdadeiramente de lamentar que um objectivo desta natureza, que tem à sua disposição uma verba de 20:000 contos, não seja perfeitamente preenchido, pois no final do ano verifica-se que apenas se despenderam com êle 10:000 contos.
Foi aqui dito, e é verdade, que os processos para os melhoramentos rurais são muito complicados. Pelo conhecimento directo que tenho do assunto posso dizer que há um caso, em que já foram apresentados muitos e, variados projectos, em que a Câmara Municipal já possìvelmente gastou grande parte da importância que poderia ser aplicada nas obras e sua conclusão, e tudo continua por fazer porque um projecto é uma vez rejeitado por um motivo, outras vezes por outro. Ao menos a repartição respectiva podia dizer o que é que quere, e evitar-se-iam assim despesas absolutamente inúteis e evitar-se-ia também que as populações estivessem eternamente à espera de um melhoramento, muitas vezes descrentes já da eficácia do remédio que se pretende dar.
Não devemos ainda esquecer que a lei dos melhoramentos rurais serve à maravilha para atenuar a questão do desemprêgo.
Mas aqui enxerta-se uma outra questão.
Uma câmara pede ao Ministério das Finanças autorização para contrair um empréstimo, baseada em que tem as suas finanças em ordem, que os seus débitos são quási nulos. Êsse empréstimo é justamente para acudir ao pedido de melhoramentos rurais a executar na época mais propícia ao desemprêgo, que é o inverno.
O que é que sucede?
Sucede uma cousa que não percebo: é que o Ministério das Finanças declara que só permite uma parte do empréstimo, porquanto os empréstimos só são permitidos para obras novas.
E aqui pregunto eu: não será muito mais útil reparar eficientemente um caminho do que auxiliar a fantasia de tantas câmaras municipais na construção de fantásticas avenidas ou palácios custosos?
Pode ser pouquidade minha, mas confesso que não percebo.
Não constam deste parecer - certamente porque não foram dados ao ilustre relator os elementos necessários - aqueles que dizem respeito as contas do desemprêgo, e êste assunto tem uma grande importância, porque nós estamos vivendo num período de escassez do trabalho.

O Sr. Braga da Cruz: - Também não fazem parte das contas do Estado.

O Orador: - Infelizmente, e estou convencido, repito, que isso se deve à circunstância de o ilustre relator não os ter obtido, embora fôsse muito útil a publicação de tais elementos.

O Sr. Araújo Correia: - Fizeram-se esforços para isso.

O Orador: - Mas V. Ex.ª não conseguiu obtê-los, o que lamento, porque se trata de um sector muito importante da vida do Estado, e nós sabemos que há muita gente, e até gente culta, que supõe que o organismo do desemprêgo não tem contas.
Ora isso não é verdade, mas tal suposição deve-se, certamente, ao facto de as contas não serem divulgadas.

O Sr. Araújo Correia: - Sou de parecer de que deveriam ser enviadas à Assemblea Nacional.

O Orador: - Isso seria óptimo e um valioso elemento de fiscalização, tanto mais que me consta que há nesse sector um saldo importante.
Eis aqui mais uma cousa que não compreendo.
Num período de desemprêgo, que é uma questão candente e verdadeiramente aflitiva, nós não podemos conceber que na repartição respectiva haja um saldo avultado de dinheiro. São cousas que certamente terão a sua explicação, mas como elas não nos são dadas continuamos na dúvida e continuamos a não perceber.
Sr. Presidente: ainda, sôbre um outro assunto quero fazer umas pequeninas considerações.
Vejo, já quando se trata da apreciação das receitas e despesas extraordinárias, que na execução do plano de reconstrução dos correios e telégrafos se gastaram perto de 13:000 contos em vinte e seis edifícios. E não estão aqui todas as verbas, porque noto, por exemplo, que das contas não consta ainda o edifício de Alcobaça, que custou 550 contos, e outros de outras terras estão aqui por muito menos, visto que as contas se referem a 1939 e êstes edifícios foram concluídos em 1940.
Mas o que me preocupa mais é o seguinte: é que nesse plano de reconstrução dos correios e telégrafos a verba destinada a edifícios é de 66:500 contos. Ora se nós em vinte e seis edifícios já gastámos 13:000 contos, se continuarmos nesta proporção, que anda à roda de 300 contos por edifício, não sei como é que consegui-

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remos meter todas as construções necessárias nas verbas a esse fim consignadas.
E já agora lerei a V. Ex.ªs uma nota que solicitei num outro ano e que me foi fornecida mais tarde, relativamente à verba de conservação e limpeza de edifícios. Ao tempo deram-me uma nota referente aos de Alcobaça, Alenquer e Merceana, dizendo que o edifício de Alcobaça, que custou 550 contos, recebia 9$ para despesas de limpeza, nada se despendendo quanto aos de Alenquer e Merceana.

O Sr. Braga da Cruz: - Essa indicação de 9$ refere-se à despesa diária?

O Orador: - Suponho que é a despesa mensal.
Estou convencido de que esta verba já deve ter sido alterada. Não posso admitir que num edifício que custou 550 contos se gastem apenas 9$ mensais para a respectiva limpeza.
Outro reparo que tenho a fazer quanto a estas construções é o seguinte: verifico que se usa e se abusa do cimento armado. Ora o cimento armado implica o emprêgo do ferro, que está, como costuma dizer-se, pela hora da morte e é um artigo de importação. Nesta altura relanceio os meus olhos para os magníficos monumentos, que têm séculos de existência, e que foram construídos com a belíssima pedra portuguesa e com a argamassa também nacional.
Êsses monumentos ainda estão de pé, e eu não sei se os novos edifícios de cimento armado conseguirão resistir tantos séculos como êles. Continuo a preguntar se, a não ser em casos em que seja absolutamente necessário, haverá vantagens em construir por êsse processo, quando, repito, o ferro está pela hora da morte, representando a sua utilização a drenagem de muito dinheiro para o estrangeiro.
Há ainda um outro assunto sôbre o qual muito gostaria de falar. É o que se refere à hidráulica agrícola. Simplesmente não tenho neste momento todos os elementos necessários para poder discuti-lo. Em todo o caso, verificando que na hidráulica se gastaram, já 114:339 contos, julgo que o assunto deve merecer a atenção da Assemblea Nacional.
Eu, que discuti conforme soube e pude o projecto da instituição da hidráulica agrícola em Portugal, comprometo-me com V. Ex.ªs para no próximo ano trazer a esta Assemblea o resultado do meu estudo. Suponho que o assunto deverá interessar extraordinàriamente as regiões agrícolas interessadas, e que importa sumamente à economia nacional, visto que o seu sucesso ou insucesso se deve necessàriamente fazer sentir na nossa economia, que é a economia de um país pobre.
Dito isto, Sr. Presidente, eu renovo os meus louvores a êste admirável parecer e faço votos por que no próximo ano êle venha mais a tempo de ser por todos nós estudado profundamente.
Também dirijo palavras de louvor à excelente administração do Estado, que vem, ano a ano, a tempo e a horas, prestando as suas contas em termos tam claros e tam preciosos que nos permitem a análise profunda de toda a administração pública.

O Sr. Presidente: - V. Ex.ª acaba de lamentar que o parecer do Sr. relator das Contas Gerais do Estado não fôsse apresentado há mais tempo, de modo a poder ser examinado mais detidamente pelos Srs. Deputados.
Lembro a V. Ex.ª que as Contas Gerais do Estado relativas a 1939 deram entrada nesta Casa há cêrca de dois meses, de maneira que foi necessário um certo prodígio de trabalho para que o Sr. engenheiro Araújo Correia, em tam curto prazo de tempo, elaborasse o seu parecer. E mesmo assim só lhe foi possível fazê-lo porque começou a trabalhar sôbre dados que as repartições lhe tinham fornecido anteriormente.

O Orador: - Não tive a intenção de censurar o Sr. engenheiro Araújo Correia, nem lhe nego os meus louvores pelo seu notável trabalho; simplesmente lamentei o facto de o parecer não nos ter sido distribuído há mais tempo.
O Sr. relator teve muitas e boas razões para demorar o seu parecer e não tem culpa alguma da demora, mas isso não significa que quem o quere estudar não seja prejudicado.
Era isto o que eu tinha a dizer.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Álvaro Morna: - V. Ex.ª dá-me licença?
Ouvi com a maior atenção as brilhantes considerações de V. Ex.ª e só por isso não quis na altura própria interrompê-lo. Mas não desejava que V. Ex.ª deixasse a tribuna na ilusão de que, por mais de uma vez manifestou, nunca autorizou nesta Assemblea qualquer aumento de imposto. V. Ex.ª autorizou pelo menos um - o do imposto de salvação pública. É natural que V. Ex.ª se não lembre porque não o paga. Mas eu, que o pago, é que não me esqueci.

O Orador: - Eu, por mim, não o autorizei...

O Sr. Álvaro Morna: - Perdão, V. Ex.ª autorizou porque deu o seu voto à lei de meios. Autorizou V. Ex.ª como membro da Assemblea, autorizou-o a Assemblea.

O Orador: - A Assemblea sim, mas lembro a V. Ex.ª que, tendo êsse imposto rendido 53:000 contos, há uma grande margem para a verba de 250:000 contos que citei.

O Sr. Pinto da Mota: - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pinto da Mota.

O Sr. Pinto da Mota: - Sr. Presidente: o facto de me caber a palavra nesta altura da sessão obriga-me a começar em latim. O caso pode lembrar o que disse Cícero a Catilina: Quousque tandem, Catilina, abutere patientia nostra?
Vou abusar da paciência de V. Ex.ªs A culpa, porém, não é minha.
No parecer em discussão encontram-se, a p. 185, as seguintes linhas, que peço licença para ler:

«De um modo geral pode dizer-se que neste período de sete anos o Minho amealhou pouco em Braga e consumiu economias em Viana.
Como explicar, por exemplo, o extraordinário aumento em percentagem dos depósitos em Castelo Branco e a baixa no distrito de Viana do Castelo?
Há-de haver fortes razões a explicar o retrocesso de Viana do Castelo, a crise das ilhas e as pequenas percentagens de aumento de Braga e Faro. O conhecimento dessas razões tem de facto grande interêsse, porque pode revelar males susceptíveis de remédio ou dificuldades que urge remover».

Eis o que me fez subir a esta tribuna: para concorrer com o meu contributo «para dizer ao ilustre Deputado Sr. Araújo Correia, relator do parecer, as razões por que, a meu ver, os distritos de Viana do Castelo e de Braga estão nestas tristes condições.
Ainda o distrito de Braga mascara um pouco o déficit da «casa rústica», porque nêle há uma grande actividade industrial, e o somatório dessas cousas não deixa ver bem a situação real.

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O Sr. Braga da Cruz: - Actividade industrial hoje em grande crise.

O Orador: - Mas num grau muito inferior a Viana do Castelo.
Em Viana do Castelo é que se vêem as condições miseráveis a que chegou a lavoura e o lavrador.
Subi a esta tribuna porque tenho a obrigação moral de o fazer, depois da intervenção que na sessão legislativa de 1938-1939 a favor da lavoura minhota e dos lavradores minhotos tive a honra de fazer. Fiz nessa ocasião uma espécie de S. O. S.; clamei; chamei a atenção dos poderes públicos e cheguei a dizer que o Minho estava em péssimas condições. Julgo que cheguei a pedir a supressão do imposto sucessional. É uma lutuosa excessivamente pesada, que está ajudando a arruinar a propriedade minhota, ruína que cada vez mais manifesta características de gravidade.
Devo dizer que sinto um pouco de orgulho com as conclusões a que V. Ex.ª, Sr. Deputado Araújo Correia, chegou com a grande autoridade que tem nesta matéria, pois é um dos mais distintos economistas do País; e sinto orgulho por ver que V. Ex.ª chegou, no seu exame e sôbre documentos oficiais, às mesmas conclusões a que eu cheguei pela observação directa.
Antigamente o milho era valorizado em 500 réis por alqueire de 20 litros e era raro que sofresse uma desvalorização anual de 50 réis. E para sofrer o aumento de l tostão era preciso que o ano fôsse deficitário. Por essa ocasião o jornal operário masculino era de 12 vinténs e o feminino muito menos de 8. Hoje o milho está entre 12$, 15$ e 16$ o alqueire também de 20 litros. A situação melhorou um pouco, mas a amplitude da oscilação é maior que dantes devido ao encharcamento provocado pelo milho colonial, que foi e é o causador das perturbações e do desequilíbrio do mercado, obrigando a uma média que fica abaixo do preço do custo.

O Sr. Presidente: - Como a hora já vai muito adiantada e eu desejava que as contas públicas fôssem votadas na sessão de hoje, pedia a V. Ex.ª para resumir o mais possível as suas considerações.

O Orador: - Eu vou resumir.
Vinha eu dizendo que a interferência do milho colonial durante cinco anos foi de tal ordem que o preço do milho metropolitano nunca subiu de 11$ e chegou a atingir o preço vil de 7$50.
Isto durante cinco anos é o suficiente para acabar com quantas disponibilidades possa haver. Gastaram-se as disponibilidades.
Atrás dessas disponibilidades foi o ouro, que saiu para o pagamento dos encargos, e, acabadas aã disponibilidades e o ouro, entrou-se no empréstimo. E esta a razão por que os números que V. Ex.ª encontra são negativos.
O milho colonial foi um facto desagradável, porque as colónias, além do mais, servem para a expansão económica da metrópole, e não é a metrópole que deve servir para a expansão económica das colónias.

O Sr. António Augusto Aires: - Segundo as estatísticas, Portugal necessita em média de 65:000 toneladas de milho todos os anos, porque o milho que produz não basta para o seu consumo. Esta é a quantidade de milho exportado principalmente de Angola para Portugal.

O Orador: - Eu não sei de estatísticas, nem preciso de saber disso. O que é certo é que o mercado do milho estava equilibrado e deixou de o estar em consequência da entrada do milho colonial. Ora «onde falam factos ralam barbas».
Como é que entrou o milho colonial? Entrou protegido pelos grandes cotidianos, manobrados não sei por quem.

O Sr. António Augusto Aires: - Já disse a V. Ex.ª que êle entrou por não se produzir no País o milho necessário ao seu consumo.

O Orador: - Chamam, até só milho colonial «o milho português». Eu não sei se o é ou não. Pode até acontecer que seja mais português do que o outro.
Ainda hoje li nos jornais que o galo de prata de Monsanto estava inclinado e que parecia querer emigrar do respectivo poleiro. Aquele galo porque é que cantou? Cantou porque uma comissão, a que chamam por aí a nossa «Academia Goncourt», entendeu que Monsanto era a aldeia mais portuguesa de Portugal.
Ora já havia Portugal e o Estado Português e Monsanto estava ainda nas faixas da moirama. Porém, um dia essa «Academia» proclamou Monsanto como sendo a mais portuguesa de todas as aldeias, e deu-se o que há pouco referi a V. Ex.ªs Até me parece que Monsanto, em vez de aldeia, é uma vila ; mas isso, se põe, não tira.
Desta forma já não me admira que digam que o milho colonial é mais português do que o milho do Minho. Estou já acostumado a esta e a outras cousas. É claro que não podemos aguentar o dumping americano, que se acrescentou com a facécia da farinha de pau, que é qualquer cousa de respeito.
Não tenho tempo para fazer a página contemporânea relativa ao milho colonial e, sobretudo, relativa à farinha de pau. O que eu queria era relegar à benemerência pública todos aqueles cavalheiros que têm contribuído para a desgraça da minha província, e para fazer com que o lavrador ande descalço e rôto e não possa sequer prover às despesas de conservação, não possa, por exemplo, erguer os telhados das suas casas quando êles abatem. Isto marca o início da desgraça duma região.
Não há dúvida de que a vinda do milho colonial fez baixar o preço do milho metropolitano, e só depois de o Sr. Dr. Albino dos Reis, eu e outros termos feito uma reclamação nesta tribuna é que o preço do milho deixou de baixar àqueles limites vis, a que tinha baixado, de 7$50, quantia que não chega para pagar o jornal de uma mulher.
Na minha região o vinho, que chegou a vender-se pelo preço médio de 30$, ou sejam 600$, passou a qualquer cousa de menor valia.
Ainda não nos podemos queixar ...

O Sr. António Augusto Aires: - Sobretudo das colónias, que, felizmente para a metrópole, lhe consomem mais de 50 por cento do vinho de pasto que produz.

O Orador: - Já que V. Ex.ª tam amàvelmente me interrompe, eu devo dizer ainda o seguinte:
Com relação ao milho colonial, afirmo que muitas vezes êsse milho não é colonial; é africano, mas não é colonial.
Ainda há dias, a propósito de casamentos, nós não quisemos mestiçagens; pois também com o milho não devemos aceitar mestiçagens.
Devo dizer a V. Ex.ªs que no Minho as indústrias auxiliares, como a criação e engorda de gado, por exemplo, não dão nada. Quere dizer: o lavrador do Minho, hoje, nem mesmo tira para as despesas de conservação, e é por isso que telhado que cai já se não levanta.

O Sr. Álvaro Morna: - V. Ex.ª dá-me licença? V. Ex.ª fala na lavoura do Minho.
Ora nós não podemos atender apenas à lavoura do Minho, mas temos de atender à lavoura do País e das

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nossas colónias. Se entra milho colonial no País é porque se torna necessário, porque isso pode originar e origina a consequente baixa de preços, de que beneficiam as classes pobres para que o milho não venha acima dum determinado custo.
Se entra milho colonial no Pais é porque êle se gasta, porque é preciso e porque o milho que se produz no continente não é suficiente. Assim como entra milho entra arroz e outros produtos essenciais ao consumo do País.
O milho, apesar de tudo, não está por um preço tam baixo como V. Ex.ª o põe.
De resto, na minha região, no centro do Pais, o milho não está pelo preço que V. Ex.ª diz, porquanto o alqueire de 13 1,8 está por 10$50 e 11$. Não compreendo que no Minho o alqueire de 20 litros esteja por 12$.

O Orador: - Eu não disse isso: disse que êle oscilava entre 11$ e 15$ ou 12$ e 16$, quando dantes não era senão entre 40 ou 50 réis durante o ano.

O Sr. Álvaro Morna: - Isso não altera o fundamento da observação que faço ao que V. Ex.ª vem dizendo.

O Orador: - Desde que o milho oscila dessa forma, chega-se a um valor médio, e é com êsse valor que se pagam as rendas. Por consequência, há uma deminuição de rendimento para quem tem milho.
Bem sabemos que o pão é uma questão de ordem pública; bem sabemos que o preço do pão tem de ter limites máximos, mas é preciso na marcação dêsses limites atender-se a que o lavrador tem de tirar dêle o dinheiro preciso para comer e vestir, e não pôr o problema de forma que êle seja ùnicamente o escravo dos outros, o moujik dos outros.
Pagasse hoje quarenta e três vezes mais do que no tempo em que girava o ouro e a prata e em que havia confiança, abundância, estabilidade. Sou ainda do tempo em que para se trocar uma libra em prata era preciso dar um tostão de ágio. Nesse tempo as libras não eram carecas, nem eu.
Risos.
Não deve haver grande receio de acabar, por exemplo, com o imposto sucessório. O Sr. Mussolini suprimiu êsse imposto.
E eu recordo-me de ler no jornal em que vi essa notícia que êle foi compensado, mesmo sob o ponto de vista fiscal, na supressão que fez.
Ora, a verdade é que Viana paga muito, paga muito mais.
Antes de terminar, vou ainda ler a conclusão a que chegou o Sr. relator:

«Que os distritos do Minho - Braga e Viana do Castelo -, com grande capitalização de depósitos por unidade de superfície, embora menor por habitante, devido a elevada população, atravessar um período de dificuldades - os depósitos deminuíram mesmo em Viana do Castelo, o que até certo ponto é alarmante.
Os únicos distritos no continente e ilhas em que houve decréscimo de depósitos de poupança, na Caixa Geral de Depósitos, foram os de Viana do Castelo e Braga.
Ter havido grande decréscimo de depósitos, especialmente comerciais, embora se notassem em certas regiões do País deminuições, que resultaram de insucessos bancários derivados da crise e de outros motivos.

Esta conclusão implica logo maior estudo sôbre a situação das ilhas e do Minho».
Esta conclusão propugna maior estudo a propósito dos milhos, e eu faço votos por que com tal estudo se chegue a benéficos resultados para o Minho.
Sr. Presidente: não pode haver prosperidade neste País sem que a lavoura esteja desafogada. Em parte alguma do mundo se deu o contrário. Na própria Rússia, Trotsky teve de confessar que só uma lavoura próspera podia dar prosperidade àquele país.
Ora, Sr. Presidente, nós somos um país essencialmente agrícola e temos de cuidar afincadamente da lavoura.
Todos os dias estamos a falar em civilização cristã e em nacionalismo, mas é preciso toda a coerência, é preciso que o nacionalismo e o cristianismo nos possuam de forma a manifestar-se em reflexos.
É cristão fazer suar sangue às províncias do Minho? Porquê? Para quê? O Minho está angustiado, o seu suor é de angústia e de sangue e reclama providências dos poderes públicos. Para Verónica não tenho grande qualidade, mas de qualquer maneira ponho êste sudário à contemplação dos competentes.
E agora que vejo aqui um relatório desta forma e dum homem excessivamente prudente nas suas conclusões, fico com certa alegria por ter a convicção de que poderão conseguir-se alguns resultados positivos, ou eu não tenha junto de mim e a meu favor pessoas de tanta qualidade.
Tenho dito.

Vozes:- Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Como não está mais ninguém inscrito, considero encerrado o debate.
Vai proceder-se à votação.
Está na Mesa a seguinte proposta de resolução subscrita pelo Sr. Deputado José de Araújo Correia:

Tenho a honra de submeter à aprovação da Assemblea Nacional as seguintes bases de resolução:

A) A cobrança das receitas públicas ordinárias e extraordinárias, durante a gerência compreendida entre l de Janeiro de 1939 e 31 de Dezembro do mesmo ano, adaptou-se, tanto quanto possível, às condições económicas e sociais do País;
B) As despesas públicas durante esse período deram satisfação às obrigações normais e extraordinárias do Estado e foram feitas de harmonia com as disposições da lei;
C) O produto dos empréstimos contraídos teve a aplicação estatuída nos preceitos constitucionais;
D) A utilização de parte dos saldos de anos económicos findos contribuiu para o refôrço da defesa do País e auxiliou o seu desenvolvimento material;
E) Foi mantido na gerência de 1939 um rigoroso equilíbrio orçamental e é verdadeiro e legítimo o saldo de 133:583 pontos, apresentado nas contas respeitantes a êste ano;
F) As Contas Gerais do Estado do ano económico de 1939 merecem plena aprovação.

Submetida à rotação, foi aprovada a proposta de resolução.

O Sr. Presidente: - A ordem do dia da sessão de amanhã será, em primeiro lugar, a discussão e a votação das Contas da Junta do Crédito Público e, em segundo lugar, a ratificação do decreto-lei n.º 31:147, publicado no Diário do Govêrno de hoje, que abre um crédito para despesas provenientes da reparação de estragos e prejuízos causados pelo ciclone de Fevereiro de 1941, incluindo a intensificação de obras públicas para atenuação de crises de trabalho.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 48 minutos.

O REDACTOR - Costa Brochado.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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