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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 107
ANO DE 1941 8 DE DEZEMBRO
II LEGISLATURA
SESSÃO N.º 102 DA ASSEMBLEA NACIONAL
Em 6 de Dezembro
Presidente o Ex.mo Sr. José Alberto dos Reis
Secretários os Exmos Srs. Carlos Moura de Carvalho
Gastão Carlos de Deus Figueira
SUMARIO: -O Sr. Presidente declarou aberta, a sessão às 16 horas e 55 minutos.
Antes da ordem do dia. - O Sr. Deputado Albino dos Reis pôs em rêlevo a importante decisão do Govêrno e parlamento da Irlanda de estabelecer representação diplomática em Lisboa.
O Sr. Presidente comunicou que recebera uma proposta de lei que estabelece o imposto sôbre lucros de Guerra.
Foi autorizado o Sr. Deputado João do Amaral a depor como testemunha no tribunal da 8.º vara de Lisboa.
Ordem do dia. - Continuou a sessão de estudo da proposta de lei de autorização de receitas e despesas para o ano de 1942.
CAMARA CORPORATIVA. - Parecer sobre a proposta de lei n.º 166 autorizando o Govêrno a emitir um empréstimo consolidado de 81/2 por cento,na importância de 500:000 contos.
Srs. Deputados presentes à chamada, 51.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão, 1.
Srs. Deputados que faltaram à chamada 18.
Srs. Deputados que responderam, à chamada:
Abel Varzim da Cunha e Silva.
Alberto Eduardo Valado Navarro.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre de Quental Calheiros Veloso.
Álvaro de Freitas Morna.
Álvaro Salvação Barreto.
António de Almeida.
António de Almeida Pinto da Mota.
António Augusto Aires.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão,
António Rodrigues dos Santos Pedroso.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Ribeiro Lopes.
Augusto Cancela de Abreu.
Augusto Faustino dos Santos Crespo.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Moura de Carvalho.
D. Domitila Hormizinda Miranda de Carvalho.
Fernando Tavares de Carvalho.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Guilhermino Alves Nunes.
Henrique Linhares de Lima.
João Antunes Guimarãis.
João Botto de Carvalho.
João Garcia Nunes Mexia.
João Garcia Pereira.
João Luiz Augusto das Neves.
João Maria Teles de Sampaio Rio.
Joaquim Rodrigues de Almeida.
Joaquim Saldanha.
José Alberto dos Reis.
José Alçada Guimarãis.
José Dias de Araújo Correia.
José Maria Dias Ferrão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Júlio Alberto de Sousa Schiappa de Azevedo.
Luiz Cincinato Cabral da Costa.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Figueira.
Luiz José de Pina Guimarãis.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
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DIÁRIO DAS SSSSÕES - Nº 107
Manuel Pestana dos Beis.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Luíza de Saldanha da Gama Van-Zeller.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Sílvio Duarte de Belfort Cerqueira.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Vasco Borges.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Acácio Mendes de Magalhãis Ramalho.
Alberto Cruz.
Alfredo Delesque dos Santos Sintra.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Angelo César Machado.
António Hintze Ribeiro.
António Maria Pinheiro Torres.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto Pedrosa Pires de Lima.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim de Moura Relvas.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Braga da Cruz.
Juvenal Henriques de Araújo.
Sebastião Garcia Ramires.
O Sr. Presidente:-Vai proceder-se à chamada. Eram 15 horas e 50 minutos. Fez-se a chamada.
O Sr. Presidente:-Estão presentes 51 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 55 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente:-Vai ler-se o
Expediente
Foram recebidos telegramas dos funcionários dos julgados municipais do Seixal, Vila Nova da Corveira e Castelo de Paiva e uma exposição dos funcionários do julgado municipal de Grândola sôbre a situação da sua classe.
Ofício do juiz da 8.ª vara de Lisboa solicitando a comparência, do Sr. Deputado João do Amaral, a fim de depor num processo do carta precatória.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Albino dos Reis.
O Sr. Albino dos Reis: - Sr. Presidente: o Chefe do Estado da nobre nação irlandesa propôs e foi votado pelo parlamento daquele país, um crédito para a criação de uma legação em Lisboa.
O facto da representação diplomática da Irlanda era Portugal não pode deixar de ser só por si um acontecimento digno de ser pôsto no mais simpático relêvo diante desta Assemblea.
Mas o ilustre Chefe do Estado do Eire acompanhou êsse acto político de palavras que revelam, a mais perfeita compreensão da situação portuguesa e de comovidos votos pela conservação da paz, de que nós disfrutamos e de que a Irlanda também disfruta, no meio da tragédia da guerra que envolve a Europa e já se alarga a outros continentes.
Sr. Presidente: escusado dizer que essas palavras não nos deixam indiferentes. Mas julgo corresponder aos sentimentos do País afirmando que a aproximação da Irlanda com Portugal é grata ao nosso coração de portugueses, dadas as nossas estreitas afinidades espirituais com êsse nobre povo, que tem sabido, pela altiva afirmação, através dos tempos, dos seus direitos e dos direitos da sua consciência, merecer o nosso respeito e o respeito do mundo inteiro.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente:-Está na Mesa uma proposta de lei estabelecendo o imposto sobre os lucros de Guerra.
Vai ser enviada à Câmara Corporativa.
(Esta proposta vai publicada na íntegra no final do relato da sessão).
Encontra-se também na Mesa um pedido de autorização, emanado do juízo de direito da 8.º vara de Lisboa, no sentido de que o Sr. Deputado João do Amaral vá prestar o seu depoimento no tribunal sôbre um processo de precatória. Proponho que seja concedida a autorização solicitada.
Foi autorizado.
O Sr. Presidente:-Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente:-Continua a sessão de estudo da proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1942.
A próxima sessão será no dia 10 do Dezembro, com a seguinte ordem do dia: sessão plenária para discussão da proposta de lei de autorização de receitas e despesas.
Está encerrada a sessão.
Eram 16 horas.
O Redactor - Leopoldo Nunes
Proposta de lei enviada pelo Govêrno à Assembleia Nacional:
1. Pelo artigo 5.º da lei n.º 1:985 a Assemblea Nacional autorizou o Govrno a criar impostos sôbre os lucros de guerra e sôbre os vencimentos que, isolados ou por acumulação, excedessem determinados limites.
Criado pelo decreto-lei n.º 31:127, de 5 de Fevereiro de 1941, o imposto suplementar que tributa esta última matéria colectável, entendeu o Govêrno, até agora, ser preferível recorrer a ajustamentos de contribuição industrial e de impostos indirectos para realizar o primeiro dos objectivos mencionados, e fê-lo não só por consideração da simplicidade e economia do, sistema, como porque, se em certas actividades se sabia existirem lucros excepcionais, eles não se afiguravam com volume que não pudesse ser corrigido por aqueles meios, e em alguns casos eram aplicados - até por fôrça de disposições legais - a novos investimentos com interêsse parta a economia nacional.
Em vista, porém, do prolongamento da anormalidade internacional, da necessidade de corrigir e fazer reverter para a comunidade certos excessos de lucro devidos não
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ao trabalho ou capacidade de direcção e organização, mas à valorização excepcional de certos produtos, e, ainda, dos avultados encargos que, mau grado a política de paz até agora com tanto êxito seguida pelo País, a guerra traz às finanças do Estado, julga o Governo chegada a oportunidade de criar um imposto excepcional sobre os lucros de guerra.
2. Sem desprezar o que em outros países, nestas e noutras conjunturas, se tem feito, natural é que se procure adaptar esta transitória tributação ao nosso sistema normal de impostos directos, por forma, que, sem prejuízo da justiça, se obtenha a simplicidade e economia na administração do novo imposto, tornando-o também - por aquela mesma adaptação- mais claro e compreensível para os contribuintes.
3. Uma das maiores dificuldades a vencer nu tributação dos lucros do guerra tem sido sempre o estabelecimento do lucro normal que, por dedução no lucro total de um determinado período, há-de servir para determinar a matéria colectável daquele imposto.
A utilização para tal fim do lucro médio num certo período carece, na verdade, de ser corrigida em atenção a várias circunstâncias, como por exemplo, o carácter eventualmente deficitário de certos exercícios ,a tendência para o desenvolvimento ou deminuição de actividade das empresas e até o próprio sistema de aplicação e divisão dos lucros; há, numa palavra, que corrigir um conceito de normalidade obtido por considerações de ordem genérica, com elementos próprios da vida de cada um dos sujeitos passivos do imposto, e essa correcção é fonte de incertezas e reclamações que tornam difícil e onerosa a sua administração.
Tais dificuldades, inevitáveis em sistemas tributários que procuram como matéria colectável rendimentos reais, parece poderem evitar-se, ao menos em parte, quando, como entre nós sucede, a matéria colectável da contribuição industrial assenta sôbre o conceito de um rendimento normal, colectado por antecipação no próprio período em que é produzido.
É que, sendo assim, o conceito de lucro extraordinário obtém-se pela diferença entre o lucro real de um determinado período e o rendimento presumível que nele serviu para o lançamento da contribuição industrial, deduzida apenas do que se mostre estar dentro dos limites de oscilação que normalmente são deixados a risco do contribuinte.
Parte-se assim de um número certo - o rendimento que serviu de base a liquidação de contribuição industrial de um dado ano ou a ele corresponde, para considerar como lucro a tributar pelo novo imposto a parte do lucro real do mesmo período que exceder aquele rendimento.
4. Pode, porém, o lucro extraordinário determinado pela forma acima sumariamente descrita ser devido não a valorizações extraordinárias derivadas do estado de guerra, mas apenas a uma mais intensa actividade de negócios que produza um lucro em absoluto superior ao normal mas não desproporcionado à actividade efectivamente desenvolvida. Para tal hipótese, cuja prova é naturalmente deixada a cargo do contribuinte, parece justo estabelecer a tributação pelas taxas normais de contribuição industrial, ao passo que se fixa taxa fortemente progressiva para os lucros que, não tendo tal justificação, devam atribuir-se a valorizações de produtos que não correspondem à compensação da actividade ou iniciativa desenvolvida mas apenas a circunstâncias estranhas ao mérito de quem os auferiu e que, em certos casos, representam pesados encargos - para a comunidade.
Por outro lado admite-se ainda que os lucros que tenham sido -por disposição legal ou decisão das emprêsas- aplicados em novos investimentos industriais, tendentes ao desenvolvimento da produção, beneficiem de uma redução de 50 por cento nas taxas fixadas, favorecendo-se assim aqueles que imobilizam uma parte dos seus lucros extraordinários em aplicações que, sem deixarem de ser pura eles reprodutivas, apresentam no entanto interesse para a Nação.
5. Nestes termos, o Govêrno tem a honra de apresentar à Assemblea Nacional a seguinte proposta de lei:
Bases para um imposto sôbre os lucros extraordinários de guerra
BASE I
Ficam sujeitas ao imposto sôbre lucros extraordinários de guerra todas as pessoas singulares ou colectivas que, no exercício do comércio ou indústria, tenham realizado em 1941 rendimentos ilíquidos superiores em mais de 15 por cento aos correspondentes à contribuição industrial do mesmo ano. São abrangidos por este imposto os simples intermediários ou comissários e ainda aqueles que eventualmente tenham realizado transacções comerciais.
BASE II
Não estão sujeitos ao imposto sobre lucros extraordinários os contribuintes do grupo A, nem, dos do grupo C, aqueles a quem tenha sido atribuído rendimento ilíquido não superior a 35.000$, a não ser que os rendimentos extraordinários que tenham realizado excedam este montante.
BASE III
1.- Os lucros extraordinários determinados pela comparação a que se refere a base I poderão, mediante a apresentação dos necessários elementos comprovativos, ser divididos em duas categorias:
a) A parte de lucro ilíquido que se mostre duvida, não a alteração dos lucros unitários normais, mas a um número de transacções superior ao que tiver servido de base no lançamento de 1941 ou a novos investimentos ou instalações industriais;
b) A parte do mesmo lucro que exceder o que, pelos elementos apresentados pelo contribuinte, venha a considerar-se abrangido na alínea anterior.
2. - Os lucros considerados na categoria serão colectados pela taxa do grupo C da contribuição industrial.
A parte excedente, constituindo a categoria b), será tributada pelas taxas seguintes:
Pela parte que não exceder 20 por cento do rendimento normal .......... 20
Pela parte compreendida entre 21 e 40 por cento do rendimento normal .. 25
Pela parte compreendida entre 41 e 60 por cento do rendimento normal .. 80
Pela parte compreendida entre 61 e 80 por cento do rendimento normal .. 35
Pela parte compreendida entre 81 e 100 por cento do rendimento normal ... 40
Pela parte que exceder 100 por cento do rendimento normal ............. 50
3. - Quando o contribuinte prove ter aplicado lucros extraordinários em novas instalações destinadas ao desenvolvimento da produção, poderá ser-lhe dada, quanto
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a esses lucros, a isenção do imposto da categoria a) e a redução a 50 por cento das taxas da categoria b).
BASE IV
Quando se trate de sociedades anónimas tributadas pelo grupo B da contribuição industrial, considerar-se-á como rendimento normal de 1941 o correspondente, pelas taxas do grupo C, à contribuição paga naquele ano, e como movimento normal de transacções o que resultar da comparação com contribuintes do grupo C que exerçam o mesmo ramo de comércio ou indústria ou, quando esta não seja possível, o movimento médio dos dois últimos anos, ou ainda, quando seja superior a este último, o necessário para assegurar ao capital realizado um rendimento líquido de 8 por cento.
BASE V
1. - Os indivíduos e as empresas singulares ou colectivas incluídos em categorias que, por despacho publicado no Diário do Governo até 15 de Fevereiro, fiquem genericamente sujeitas a declaração de lucros de guerra deverão entregar na respectiva secção de finanças até 15 de Abril de 1942 uma declaração dos rendimentos ilíquidos que tenham realizado durante o ano de 1941, acompanhada dos respectivos balanços e de todos os elementos demonstrativos que sejam necessários para se apurar o lucro extraordinário definido na base III.
2. Os indivíduos ou empresas não abrangidos pelo parágrafo anterior só são obrigados à declaração quando efectivamente tenham realizado lucros abrangidos pela base III.
BASE VI
Os secretários de finanças convocarão as comissões a que se refere o artigo 1.º do decreto n.º 24:915, que, com base nas declarações apresentadas, determinarão os rendimentos extraordinários a tributar nos termos da alínea, a) e da alínea b) do § 1.º da base III desta lei.
BASE VII
Os rendimentos extraordinários determinados pelas comissões serão afixados nas secções de finanças, tendo os contribuintes o prazo de oito dias para apresentar quaisquer reclamações, que serão apreciadas pela mesma comissão no prazo de trinta dias.
BASE VIII
Poderão ser solicitados à Inspecção Geral de Finanças os exames a inspecções necessários ao julgamento de quaisquer reclamações ou ao exacto apuramento dos rendimentos extraordinários tributados por este diploma.
BASE IX
A falta de apresentação das declarações a que se refere a base V ou a sua inexactidão darão lugar a aplicação de multa, que será de 25 a 100 por cento do imposto que a final vier a ser liquidado.
BASE X
Sôbre o imposto de lucros de guerra, não recairão quaisquer adicionais.
O Ministro das Finanças, João Pinto da Costa Leite.
CÂMARA CORPORATIVA
Parecer sobre a proposta de lei n.º 166
(Autorização ao Governo para emitir novo empréstimo consolidado de 3 1/2 por cento)
Sôbre a proposta de lei n.º 166, autorizando o Govêrno a emitir um novo empréstimo consolidado de 3 1/2) por cento, a Câmara Corporativa, pelas suas secções Crédito e previdência e Finanças e economia geral, emite o seguinte parecer:
No relatório que precede a proposta de lei denuncia-se claramente o carácter da operação que se pretende efectuar. Não visa ela a acudir às urgências financeiras do Tesouro, nem mesmo a custear despesas que, pelo sen carácter extraordinário, não deveriam ser cobertas pelas receitas ordinárias. Tem unicamente unia finalidade económica.
Já no seu parecer de 2 de Dezembro de 1937 sobre a proposta de lei n.º 136, autorizando igualmente o Governo a emitir um empréstimo de 500:000 contos ao juro de 3 1/2 por cento, a Câmara Corporativa salientou o carácter mais económico do que financeiro dessa emissão. Esta definição é agora abertamente declarada pelo próprio autor da proposta de lei.
É, pois, predominantemente sob o aspecto económico que a proposta deve ser analisada e apreciada.
I
Bem velha é a controvérsia sobre as vantagens ou inconvenientes que resultam da emissão de um empréstimo público.
Por muitos economistas do século XVIII a dívida pública fora encarada como um precioso elemento de vitalidade para o país que a contraía. Um tal Pinto, que é citado por Leroy-Beaulieu, só via na dívida, do Estado um aumento da riquexa nacional. Mais modesto. Mellon, afirmava que os empréstimos só faziam passar o dinheiro da mão direita para a mão esquerda, em nada se alterando com eles a riqueza nacional. Ironicamente Voltaire afirmava que um país que devia a si mesmo não empobrecia.
Passou-se depois ao extremo oposto. O empréstimo era o sintonia da ruína dos Estados. O uso por eles do crédito só trazia o seu descrédito. Numa frase tam pomposa, como oca, de um relatório parlamentar, Garnier-Pagés proclamava em 1848 que «a República nunca daria o espectáculo do credite» do Estado passando sob as fôrcas caudinas do empréstimo»!
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Prevaleceu por fim um critério mais esclarecido. O empréstimo seria um bem se aplicado a despesas produtivas, seria um mal se gasto improdutivamente; nisto vieram a concordar todos os tratadistas financeiros.
Mas em toda esta arcaica discussão nada se dizia sobre a acção e os efeitos económicos do empréstimo. Com efeito, no domínio da economia clássica não se podia compreender nem admitir a intervenção do Estado para alterar o meio circulante do País, nem se pensava mesmo que para tal efeito o empréstimo poderia exercer uma influência decisiva.
Foi preciso chegar ao período contemporâneo, em que vigora uma economia que, quaisquer que sejam as legítimas relutâncias a vencer, é sempre mais ou menos dirigida, para entender e aceitar a emissão do um empréstimo público só por razões de ordem económica e sem obediência a qualquer urgência da tesouraria da Estado.
Dentro desta ordem de ideas começam-se então a estudar as consequências económicas dos empréstimos públicos.
Assim, no seu recente curso de finanças, Morselli encara em especial o resultado do empréstimo em tempos de abundante afluxo de poupança. Declara que em tal caso não se podem considerar maus os resultados imediatos do empréstimo no campo da actividade nacional da produção, visto que êle não irá atrair, em regra, capitais já colocados.
Mas, ainda em tais considerações, não se mede devidamente a função do empréstimo para regular as disponibilidades do mercado e fixar a taxa equitativa do juro. Ora esta missão é de capital importância.
Desde que se verifique um aumento dos meios monetários, desenha-se o espectro da inflação com todo o seu cortejo de conhecidos e bem nocivos resultados. A exis-tência no mercado de um país de capitais avultados sem emprego definitivo traduz uma ameaça constante para a estabilidade da sua vida económica. O acréscimo de emissão de notas causado pelo afluxo e compra de moedas estrangeiras não será certamente tam nocivo como aquele que provém de créditos concedidos ao Estado pelo banco emissor, porque ao menos no primeiro a emissão fiduciária apoia-se numa garantia real, em contrapartida um valor efectivo que vem acrescer as verbas do activo nacional. Mas nem por isso se evitam os efeitos conhecidos do excesso do meio circulante. Ora, se não há meio de os remediar por completo, convirá pelo menos atenuá-los, e isso é possível.
Na presente guerra vemos toda a política financeira inglesa dominada pela preocupação de afastar um dos grandes males da anterior guerra de 1914 a 1918: o aumento do consumo e portanto da procura, pela abundância das disponibilidades, a que dava lugar o inevitável acréscimo das despesas do Estado. Dêsse aumento resultava necessariamente a alta dos preços, que, por sua vez, mais vinha avolumar a cifra das despesas públicas. Maiores quantias tinham consequentemente de ser lançadas em circulação e em maior grau se repetia o mesmo fatal encadeamento de fenómenos, conduzindo à ruína final, de que o exemplo da emissão fiduciária alemã, embora propositada, oferece a máxima ilustração. Constituem estes conceitos a chamada teoria da espiral, em que cada nova emissão significa uma curva sobrepondo-se às anteriores e em que se repete sempre o mesmo traçado em planos diferentes e sucessivamente crescentes: aumento das despesas públicas-novas emissões fiduciárias-amplitudes de disponibilidades e maior procura de mercadorias - alta de preços - aumento ainda maior das despesas públicas - e assim sucessivamente.
Contra êste perigo temeroso e já tantas vezes experimentado impõe-se uma política que leve todos aqueles cujo rendimento é acrescido pelas maiores despesas do Estado, isto é, que recebem maior quantidade de notas pelos seus produtos ou serviços, a não gastarem esse excesso de recursos em objectos de consumo, a não aumentarem pois a procura de bens. Para isso é preciso levá-los economizar uma parte cada vez maior da sua receita e a empregá-la de preferência em valores do Estado, a quem se restitue assim por um lado o que dêle se recebe por outro. Terá aqui cabimento o ximile do velho economista Mellon: o público recebe mais notas do Estado com uma mão e passa-as para a outra mão, que por sua vez as restitue ao Estado em troca de títulos de dívida pública.
Para conseguir esta reabsorpção de meios monetários facultam-se todas as combinações, para que sempre haja alguma que possa harmonizar-se com as variados circunstâncias de rada portador de notas. Vai-se desde a generalização dos títulos de dívida flutuante a curto prazo e a juro antecipado até às obrigações a prazo médio e ao empréstimo de larga duração. Tudo é útil desde que sirva pana retirar do mercado recursos superabundantes e evitar a vertiginosa subida dos preços.
Portugal está felizmente longe desta situação angustiosa. Mas, com a prudência que caracteriza a sua cuidadosa política financeira, pretende o Governo, desde já e na escala restrita que as circunstâncias aconselham, intervir no mercado monetário nacional pura assegurar tanto quanto possível a sua normalidade.
Hesita naturalmente em recorrer à restauração da dívida flutuante, que entre nós foi viciosamente usada como recurso permanente de um tesouro desorganizado e cujo reaparecimento poderia dar a aparência de um regresso a antigos e maus tempos, além de criar um título de tam fácil transmissão que poderia representar um aumento dos meios monetários à disposição do público, constituindo como que uma circulação adicional ao lado das notas, quando precisamente se trata de restringir esses meios monetários.
Mas, dentro da política de incitar todos à poupança, como as circunstâncias impõem, é necessário oferecer-lhes um valor em que possam inverter as suas economias. Não deve suceder que aqueles que procuram poupar e confiar ao Estado as suas economias encontrem dificuldades em os empregar ou venham a criar, pela procura na bolsa de antigos empréstimos já colocados, uma alta da sua cotação, que cerceie paralelamente a remuneração a que têm legítimo direito.
Convém pois retirar recursos do nosso mercado e ao mesmo tempo regular o juro que lhes é devido, evitando uma depressão excessiva da respectiva taxa. Esta, baixando além de certos limites, traria um novo incentivo ao desperdício ou pelo menos ao aumento do consumo. Para obter uma remuneração ínfima não vale a pena pôr de lado quantias, que sempre poderão ser aproveitadas na satisfação das necessidades imediatas, por natureza ilimitadas. Deixar algumas destas por satisfazer paira acautelar necessidades futuras, isto é, formar capital, só é realizável desde que se assegure a êsse capital pelo menos uma vantagem compensadora, o que não sucederá com tosas de juro quási irrisórias.
E assim é que na presente proposta o Governo suspende com razão a sua tradicional política de sucessivas baixas de juro. Foi esta seguida desde 1928, em que se faziam ainda emissões a 6 1/2 por cento, até 1937, em que se atingiu a moderada taxa de 3 1/2 por cento, como se mostra no quadro que figura no parecer desta Câmara sobre a proposta de lei n.º 186. Mas na presente proposta não pretende o Governo aproveitar-se,, como seria possível, da abundância das disponibilidades no mercado para colocar um empréstimo a taxa infe(...)
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(...)rior. Vê-se bem que não o orienta neste caso a preocupação financeira, antes o Estado quere, por uma oferta de juro de 3 1/2 por cento, impedir que os capitais disponíveis e que busquem colocação possam desanimar por se verem obrigados a aceitar remunerações aquém daquele mínimo que parece razoável e suficiente.
Está assim explicada a função económica do novo empréstimo que o Govêrno pretende emitir e que, em vez de se determinar por razões de ordem financeira, até . por vezes as contraria. O nosso parecer não faz mais nesta parte do que desenvolver e esclarecer o que no relatório da proposta já está dito, afinal, pelo ilustre economista que o subscreve, com modelar concisão.
Ali se acentua claramente que o Govêrno «poderia por largo período do tempo conservar-se fora do mercado» e poderia igualmente «obter fundos em condições menos onerosas do que as actuais». No entanto, e «embora seja orientação sua contribuir para a redução das taxas de juro, reconhece o Governo que lhe cumpre empregar todos os meios ao seu alcance no sentido uno de reduzir ao mínimo o perigo da inflação, que um excesso de disponibilidades particulares pode produzir, mas também evitar os inconvenientes que podem resultar de uma queda brusca das taxas de juro».
Limitámo-nos até aqui a desenvolver o pensamento do Govêrno, tam lucidamente afirmado. Resta agora, para verificar a sua inteira procedência, passar da dedução teórica à análise dos factos e averiguar se se dão no nosso País as circunstâncias a que o Govêrno alude e às quais procura adaptar a sua acção financeira. Aqui a nossa observação deve recair naturalmente sobre os dois pontos visados: o receio da inflação e a determinação da taxa de juro.
II
Existirá em Portugal neste momento o perigo da inflação?
Cremos poder afirmar que não só há o perigo, mas que já se nota um comêço de inflação devido a causas impossíveis de evitar. Para o constatar consultemos os índices económicos de que podemos dispor, examinando, para limitação do nosso estudo, as variações referidas desde Janeiro de 1938, isto é, desde que a lei n.º 1:964, de 18 de Dezembro de 1937, autorizou a emissão ilo anterior empréstimo consolidado de 3 1/2 por cento, até ao presente.
Como elemento capital temos o seguinte movimento da circulação fiduciária, expresso em médias mensais:
( Ver tabela na imagem)
Houve, pois, num período de quatro anos incompletos um aumento de 1.538:000 contos, ou seja 71 por cento. Mas é bem sabido que hoje a circulação fiduciária não exprime só por si a situação do mercado. Há que atender igualmente à expansão da moeda de crédito. Infelizmente esta não se pode determinar com o mesmo rigor. Devem-se considerar as letras e os cheques em circulação, mas eles só revestem carácter monetário quando correspondem não aos depósitos, mas a créditos concedidos pelos bancos; no primeiro caso substituem apenas as notas, no segundo acrescem a estas, aumentando o meio circulante. Não podemos conhecer a cifra de cada uma das categorias, mas podemos encontrar sinais visíveis do seu aumento.
Assim é lícito presumir que de entre os cheques que vêm à compensação só manterá a proporção entre os cheques representativos de depósitos e os que representam créditos. Então, embora ignorando os totais respectivos, a razão do seu crescimento pode ser determinada e considerada aplicável tanto a uns como a outros. Comparando o movimento das câmaras de compensação de Janeiro de 1938 a Outubro de 1941, período que fixámos, encontra-se o seguinte:
(Ver tabela na imagem)
O aumento é, pois, de 1.423:000 contos, o que corresponde responde à percentagem de 202 por cento!
Será esta enorme expansão do meio circulante, registada sob os suas duas formas, fruto do uma maior actividade económica que a absorva e mantenha pois o equilíbrio?
Não há indicadores nesse sentido, como o prova a análise do desenvolvimento das operações de crédito dos bancos e banqueiros comerciais. Na carteira comercial regista-se o que segue:
(Ver tabela na imagem)
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Aqui as cifras só estão apuradas até Agosto e o aumento registado é apenas de 189:000 contos, ou de 13 por cento. Não é menos eloquente a conclusão a tirar do estudo dos empréstimos diversos.
[Ver tabela na imagem]
Aqui a diferença é só de 100:000 contos, ou seja 14 por cento.
E manifesta a disparidade entre o aumento de 70 por cento na circulação e de 302 por cento nas compensações e o simples crescimento de 13 ou 14 por cento nos créditos bancários. É lícito concluir que a inflação já verificada não corresponde a um aumento de créditos derivado do movimento comercial.
Não é tampouco, afortunadamente, devida ao recurso do Estado ao Banco emissor, para com o qual a sua dívida era em Janeiro de 1938 de 1.041:592 contos e em Outubro de 194.1 de 1.030:561 contos.
De onde vem, pois, este sensível aumento de disponibilidades monetárias no nosso mercado? O que é que o determina? A explicação mostra-se fácil.
Mercê das circunstâncias incertas da actualidade, Portugal tornou-se um refúgio, não só de pessoas como de capitais. É o que nos afirma a mudança no saldo positivo da posição cambial do País no período que temos considerado, a saber:
[Ver tabela na imagem]
Vê-se, pois, que as disponibilidades em moeda estrangeira acusam uma subida quási vertiginosa desde Julho de 1940 e registam um aumento desde 1938 de £ 28.961:000, ou de 157 por cento! E duro que tal fenómeno só se torna possível mediante a emissão de notas ou a concessão de créditos destinados à aquisição de tam avultadas quantias.
Nem se diga que esta próspera situação mundial resulta de modificações no nosso comércio externo. Estas não bastam, com efeito, para produzir semelhante resultado. Analisando-se em valores, pois só êsse aspecto agora nos interessa, temos o quadro seguinte:
[Ver tabela na imagem]
Vê-se pois que a nossa balança de comércio indica saldos negativos de 1.145:000 contos em 1938, 729:000 contos em 1939, 795:000 contos em 1940 e um saldo positivo de 138:000 contos nos nove primeiros meses de 1941. Há uma mudança apreciável da posição, mas que equivale a cêrca de metade do aumento notado nas disponibilidades em moeda estrangeira.
A parta restante denuncia já um movimento de inflação, embora acompanhado da existência benéfica de uma sólida cobertura.
Não se trata felizmente de uma inflação sem base ou apenas apoiada perigosamente no crédito do Estado. Traduz, é certo, um enriquecimento do País, senhor de saldos oradores mais avultados, embora com o risco de instabilidade, pois, modificadas as circunstâncias actuais, é lícito prever que parte dos capitais hoje albergados no País regresse bruscamente à sua procedência.
Mas, seja qual for a natureza e origem da inflação, emquanto esta persistir, subsiste o receio da existência de disponibilidades em excesso, com a consequente e nociva alta de preços.
Já o Banco de Portugal, tomando como base 15 de Junho de 1939, regista em Novembro um aumento de 38,9 por cento nos preços a retalho, que são os que afectam o consumidor, e nos preços por grosso um aumento em Setembro de 1941 de 54 por cento um relação a Junho de 1927. Por demais conhecidos, não encarecemos os males que daí resultam para o orçamento do Estado e para as classes consumidoras.
Acresce ainda que a provável manutenção de actuais circunstâncias por um período ainda longo claramente denuncia a probabilidade de que continuem a actuar as mesmas causas já verificadas e de que prossiga portanto a inflação.
Urge, pois, acudir-lhe, criando por assim dizer um diversão, procurando retirar do mercado parte do meio circulante. A isso ocorre o Estado, firmado no largo crédito de que felizmente goza, vindo oferecer ao público um empréstimo de 500:000 contos, em que ele poderá inverter com vantagem as suas disponibilidades. Procura-se assim criar o devido estímulo para que o público, em vez de gastar imprudentemente, fazendo subir os preços e agravando a crise, poupe, assegurando o seu futuro e ao mesmo tempo melhorando por esse modo a situação geral do País.
III
Quando em 1937 a Câmara Corporativa apreciou uma proposta de lei análoga àquela que hoje estamos considerando, exultou a política seguida pelo Govêrno
no
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sentido da baixa do juro. Insistimos então largamente sobre os benéficos efeitos da política do dinheiro barato. Parece, pois, manifesta contradição exprimirmos agora o nosso acôrdo a uma proposta que visa em certo modo a fixar a taxa do juro. impedindo o prosseguimento ria sua queda. Pois não seria mais lógico que o Govêrno, se não promovesse, pelo menos deixasse efectuar-se livremente o abaixamento da taxa de juro?
Em matéria económica, porém, não pode haver preocupações de lógica invariável, nem se devem, subordinar ao rigor dos princípios as conveniências da prática. De facto a situação é já hoje muito diversa daquela com que deparávamos em 1937.
Não é fácil precisar com absoluto rigor qual a taxa de juro em vigor no mercado nacional, pois apenas nos podemos socorrer das taxas oficiais, que não abrangem muitas transacções particulares. Ë lícito, porém, presumir-
Como se sabe, em virtude do decreto n.º 20:983, de 7 de Março de 1092, as taxas dos bancos particulares só podem exceder em."] l/2 por cento as taxas dos bancos
Particulares só podem exceder em 11/2 por cento as taxas do banco emissor.
Analisando as cifras acima referidas, podemos dizer que elas retratam uma evolução normal e até benéfica. Mas presentemente as circunstâncias ou a conjuntura, para empregar um termo mais à moda, antolham-se-nos completamente diversas. Estamos um face de uma pletora de capitais estrangeiros que afluíram ao país, não como um fruto do seu esfôrço económico, mas por razões de segurança ou garantia, sem que uma razão verdadeiramente económica a determine. Não se trata, em geral, de pagamentos definitivos efectuados por estrangeiros, mas de valores aqui albergados temporariamente e que no futuro tornarão a sair, não se transformando pois, sem espírito de regresso, em moeda nacional. Segue-se daqui o grande aumento de meio circulante no mercado nacional.
A abundância de capitais, que assim se origina, e portanto da sua oferta, ameaça fazer descer a taxa de juro a um nível excessivamente baixo. Com efeito, as razões artificiais que criaram a larga disponibilidade de capitais em nada acresceram a relativa procura. Antes as críticas causas que os trouxeram tal profusão de dinheiro são as mesmas que concorrem para desfavorecer a criação de novas empresas e para deminuir, em vez de acrescer, a procura de capitais.
Ora abaixo de um certo mínimo, a taxa de juro deixa de impelir à poupança e antes aconselha o consumo imediato. Não é razoável que um indivíduo se prive de satisfações presentes para formar um capital que quási lhe não dará rendimento e que portanto de pouco lhe servirá. A êsse perigo corresponde outro ainda maior, o da aplicação das disponibilidades às necessidades actuais, à utilização imediata, fugindo à poupança e ao lôgro que ela parece representar, se os capitais se destinam a ficar improdutivos. Virá então a maior procura, e a súbita alta de preços, com todos os seus males.
A isto obsta o Govêrno, garantindo que pelo menos 31/2 por cento se podem sempre conseguir adquirindo títulos do novo empréstimo. Persistindo tal situação, dificilmente se poderão oferecer taxas inferiores aos senhores das disponibilidades do mercado em qualquer outra apuração- recusá-la-ão certamente. O Govêrno estabiliza, pois, pelo menos temporàriamente pela actual proposta, a baixa do juro. Carece realmente de o fazer para não colocar mal a poupança em confronto com a tendência natural para alargar o consumo, desde que para isso se dispõe de recursos crescentes.
Já vimos que a ampliação dos consumos nas circunstâncias presentes nos fará cair no tal mecanismo temeroso da espiral. É preciso impedi-lo e contrariá-lo. Porque não estamos felizmente em guerra, não podemos apelar como em Inglaterra para o desaparecimento do egoísmo individual, para a dedicação patriótica pela nação em perigo, que deverá levar os particulares a privarem-se do consumo imediato para poupar mais; recursos e pôr estes, à disposição do Estado. Mais, singelamente e porventura com mais eficácia prática pretende-se fixar a taxa do juro na cotação normal de 31/2 por cento, obstando a que desça a nivéis ainda inferiores.
É mais um acto das previdente política do Govêrno, que o desafôgo da sua situação financeira lhe permita.
Tudo se conjuga pois para recomendar a utilidade económica da presente operação financeira. Para mais seja-nos lícito salientar quando é rara a situação de um Govêrno que está habituado a emitir empréstimos, não porque careça dêles, mas só para exercer uma influência salutar na conjuntura económica do momento.
É uma experiência quási sem precedentes e que faz honra à nossa administração financeira, tam justamente prestigiada em todo o mundo. Podemo-nos envaidecer com esta emissão de um empréstimo não derivado da necessidade de recursos por parte do Estado, mas traduzindo apenas a sua alta missão de orientador do mercado de capitais.
IV
Demonstrando como fica que o projectado empréstimo realiza os fins que lhe são especialmente designados, no seu duplo aspecto, só encarar as condições em que êle é emitido.
Gozará o novo empréstimo das habituais garantias prescritas na lei n.º 1:933 de 13 de Fevereiro de 1936, nos seus artigos 57.º a 60.º isto é:
a) Pagamento integral dos juros e reembolsos pela fôrça das receitas gerais do Estado ;
b) Isenção de todos os impostos sôbre o capital ou juro, inclusive os de selo, averbamento ou recibo;
c) Averbamento, assentamento, desdobramento, troca, reversão e substituição dos títulos, nos termos do regulamento da Junta do Crédito Público ;
d) Faculdade de receber os juros por antecipação no bimestre anterior ao vencimento, mediante desconto pela taxa do Banco de Portugal, quando não pese sôbre os títulos qualquer ónus ou encargo ;
e) Impenhorabilidade dos títulos, excepto quando voluntariamente oferecidos;
f) Livre importação e exportação, quer os portadores sejam nacionais, quer estrangeiros;
g) Para o pagamento dos juros e reembolsos, que serão feitos aos portadores ou àqueles a favor de quem se achem averbados, conforme se trate dos títulos no portador ou nominativos, podem ser admitidos para certificados de pequeno valor formas de autenticidade mais económicas e práticas do que as reguladas pela lei comum e são dispensados de reconhecimento as casas bancárias, bancos, corretores oficiais, instituições, corporações ou autarquias que autentiquem as assinaturas dos seus representantes com sêlo em branco;
h) A transmissão dos títulos está sujeita ao imposto de sucessões e doações; calculado em 5 por cento do juro recebido e deste deduzido no acto do pagamento, salvo se os títulos pertencerem à Fazenda Nacional ou Fundo
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8 DE DEZEMBRO DE 1941
de amortização da dívida pública, à Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência e aos fundos de reserva permanente das instituições mutualistas ou corporativas e as instituições, corporações ou legados com fins de assistência, caridade ou instrução;
i) Nos processos, operações e actos requeridos perante a Junta do Crédito Público o sêlo do papel, as despesas de publicidade ocasionadas, os emolumentos e taxas da respectiva tabela devidos pelo interessado nunca poderão exceder 1.000$ em qualquer processo e não serão cobrados, com única excepção das despesas de publicidade, na primeira inversão em dívida inscrita nem transmissão de propriedade e nas transacções efectuadas pelas entidades que indicamos no parágrafo anterior e para os títulos nele referidos.
Mas, além destas garantias, confere-se outra que não foi concedida aos subscritores do empréstimo de 1938: o compromisso de que o empréstimo não será remido ou convertido antes de dez anos. Dá-se assim mais estabilidade à colocação de capitais, que precisamente se trata de promover.
Sôbre a forma do lançamento repete-se a disposição já usada em operações anteriores, que deixa a escolha do Govêrno recorrer à subscrição Pública ou a contrato com a Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Providência ou com estabelecimentos bancários nacionais.
Sempre esta Câmara se mostrou favorável a reservar ao Govêrno plena liberdade para resolver, escolhendo das formas referidas a que melhor resultado der, em virtude das condições existentes no momento do lançamento. Limita-se, todavia, o lucro dos intermediários, determinando que o encargo efectivo do empréstimo não poderá exceder 4 por cento. Esta margem de 1/2 por cento entre o juro nominal e o juro efectivo permitirá elevar a remuneração oferecida ao público, vendendo-lhe os títulos abaixo do par. Há assim mais um incentivo para a capitalização, que tanto se recomenda e que constitue o fim último da presente proposta de lei.
É pois com convicção e elogio que a Câmara Corporativa se manifesta inteiramente favorável à adopção pela Assemblea Nacional da presente proposta de lei, não sugerindo qualquer emenda por entender que é plenamente satisfatório o seu articulado.
Sala das Sessões da Câmara Corporativa, 6 de Dezembro de 1941.
Rui Enes Ulrich, assessor e relator.
José Gabriel Pinto Coelho, assessor sem voto.
IMPRENSA NACIONAL De LISBOA