O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 33

REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES

N.º 108 ANO DE 1941 11 DE DEZEMBRO

II LEGISLATURA

SESSÃO N.º 103 DA ASSEMBLEA NACIONAL Em 1O de Dezembro

Presidente o Exmo. Sr. José Alberto dos Reis

Secretários os Emos. Srs. Carlos Moura de Carvalho
Gastão Carlos de Deus Figueira

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a Sessão às 15 Horas e 50 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados, com alterações, os Diários das duas últimas sessões.
O Sr. Presidente anunciou que estavam na Mesa as Contas Gerais do Estado relativas ao ano económico de 1940 e que estas iam ser enviadas à respectiva Comissão.
Usaram da palavra os Srs. Deputados António de Almeida, que se referiu a disposições contidas no decretarei n.º 31:066, sobre assistência, e António Pinheiro Torres, que fez o elogio do despacho que instituiu o Socorro do Natal, e do Natal do Expedicionário, de iniciativa, do Diário de Noticias.

Ordem do dia. - Iniciou-se a discussão, em sessão plenária, da proposta de lei de autorização de receitas e despesas para o ano do 1942.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Águedo de Oliveira. Ulisses Cortês, Belfort Cerqueira e António de Almeida.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 35 minutos.

CAMARA CORPORATIVA. - Errata ao parecer sobre a proposta de lei n.º 166.

Srs. Depurados presentes à chamada, 56.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão, 3.
Srs. Deputados que faltaram à chamada, 11.

Srs. Deputados que responderam, à chamada:

Abel Varzim da Cunha e Silva.
Alberto Cruz.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre de Quental Calheiros Veloso.
Álvaro de Freitas Morna.
Álvaro Salvação Barreto.
António de Almeida.
António de Almeida Pinto da Mota.
António Augusto Aires.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Maria Pinheiro Torres.
António Rodrigues dos Santos Pedroso.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Artur Ribeiro Lopes.
Augusto Cancela de Abreu.
Augusto Faustino dos Santos Crêspo.
Augusto Pedrosa Pires de Lima.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Moura de Carvalho.
D. Domitila Hormizinda Miranda de Carvalho.
Fernando Tavares de Carvalho.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
João Antunes Guimarãis.
João Botto de Carvalho.
João Garcia Pereira.
João Luiz Augusto das Neves.
João Maria Teles de Sampaio Rio.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Csmarate de Campos.
Joaquim Rodrigues de Almeida.
Joaquim Saldanha.
José Alberto dos Reis.
José Alçada Guimarãis.
José Dias de Araújo Correia.

Página 34

34 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 108

José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Dias Ferrão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Júlio Alberto de Sousa Schiappa de Azevedo.
Luiz Cincinato Cabral da Costa.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Figueira.
Luiz José de Pina Guimarãis.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Pestana dos Beis.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Luíza de Saldanha da Gama Van-Zeller.
Sebastião Garcia Ramires.
Sílvio Duarte de Belfort Cerqueira.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vasco Borges.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Alberto Eduardo Valado Navarro.
João Garcia Nunes Mexia.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Acácio Mendes de Magalhãis Ramalho.
Alfredo Delesque dos Santos Sintra.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Angelo César Machado.
António Hintze Ribeiro.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Guilhermino Alves Nunes.
Joaquim de Moura Relvas.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Maria Braga da Cruz.
Juvenal Henriques de Araújo.

O Sr. Presidente:- Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 43 minutos.

Fez-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 50 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 50 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das últimas sessões.

O Sr. Botto de Carvalho:- Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer as seguintes rectificações ao Diário da sessão de 5 do corrente: a p. 20, col. 1.ª, 1. 38.ª, em vez de "seria" deve ler-se "devia"; e nessa mesma linha, adiante da palavra "está", eliminar a partícula "a".

O Sr. Presidente: - Visto que mais nenhum Sr. Deputado pede a palavra sobre os Diários, considero-os aprovados com as alterações apresentadas.

Pausa.

O Sr. Presidente:- Estão na Mesa as Contas Gerais do Estado relativas ao ano económico de 1940.
Vão ser enviadas à respectiva Comissão.
Tem a palavra para antes da ordem do dia o Sr. Deputado António de Almeida.

O Sr. António de Almeida: - Sr. Presidente: entre as importantes diplomas que o Governo teve urgência de publicar durante o intervalo das sessões desta, Assemblea figura um que julgo merecer especial referência neste lugar. Trata-se do decreto-lei n.º 31:666, que insere várias disposições respeitantes à assistência pública.
Por mais de uma vez, Sr. Presidente, nesta Assemblea foi chamada a atenção do Governo para os vícios e deficiências da nossa assistência; justo é, pois, que a Assemblea louve o Governo pelo passo, que se afigura decisivo, dado pelo decreto a que estou aludindo.
Nesse decreto não se encerra uma reforma da assistência, como certa opinião pública, nem sempre bem informada, aspirava ver estampada nas colunas do Diário do Govêrno, com dezenas de capítulos e centenas de urtigas e parágrafos. Bem longe disso, o decreto-lei n.º 31:066 contém apenas, além do relatório, catorze artigos. Através de um e de outro não podemos apreciar a reforma, mas o sentido em que o Govêrno vai prosseguir.
Uma reforma útil e prática não é uma simples concepção abstracta, mas uma política em execução, em movimento orientador, aperfeiçoado e corregedor do que existe, e, no mesmo tempo, fomentador e iniciador do que falta.
Sendo assim, o que esta Assemblea e o País podem apreciar no decreto é, como disse, o sentido das suas fases e das faculdades que no mesmo se compreendem.
Na assistência portuguesa há vícios e defeitos que de longe vêm e muita vez têm sido claramente definidos em discursos, relatórios e regulamentos, tanto da actual situação como de situações ou Governos anteriores.
Há trinta e seis anos, por exemplo, foi publicado o decreto que visava a reforma da assistência, o de 27 de Dezembro de 1905, precedido de um lúcido relatório em que se apontavam como defeitos mais graves e fundamentais de toda a nossa orgânica assistêncial os seguintes:
a) Insuficiência dos inquéritos acerca da situação dos candidatos a qualquer socorro;
b) Ignorância em que cada estabelecimento se encontrava dos benefícios prestados pelos demais;
c) Excessiva generalização do socorro em estabelecimentos fechados e burocratizados.
Ou, por outras palavras: falta de coordenação das modalidades da assistência; falta de conhecimento das verdadeiras necessidades; excessiva burocratização, que faz reverter grande parte das receitas mais em favor dos assistentes do que dos assistidos.
Quem ler atentamente o relatório e as disposições do decreto-lei n.º 31:666 reconhecerá que são, precisamente, estes três vícios ou defeitos, velhos de cêrca de meio século, que o Governo, pelo Ministério do Interior, se propôs, corajosamente, enfrentar.
Há que louvá-lo por essa proposição.
Não fazia sentido, na verdade, que o excesso de burocratização chegasse ao ponto de em muitas casas de assistência o número dos assistidos ser de dois para um assistente!
A limitação a 30 por cento das receitas ordinárias gastas em pessoal não pode considerar-se exagerada; estou mesmo convencido de que ela pode e deve baixar muito mais com o propósito, também manifestado e facultado no decreto, de desoficializar, na medida do possível, uma parte da nossa assistência pública, de harmonia com o espírito da Constituição.
Como bem se diz no relatório do decreto, a valorização do socorro ao domicílio e do prestado por instituições particulares será sempre condição do maior avanço social, porque só através destas podem desenvolver-se e actuar os valores de espirito e do coração, verdadeira riqueza humana e factor insubstituível de toda a assistência perfeita.

Página 35

11 DE DEZEMBRO DE 1941 35

Não quero terminar esta ligeira alusão a tão importante diploma sem fazer salientar ainda a providência contida no seu artigo 13.º, pela qual os saldos das dotações orçamentais consignadas a subsídios de assistência virão a acrescer às verbas orçamentais do novo ano económico. Se assim não fosse, as economias feitas durante o ano, por motivo de uma melhor política assistêncial, ou da correcção de abusos, poderiam, por força dos preceitos da contabilidade, vir a figurar como simples reposições.
Haverá, neste caso, defesa das receitas do Tesouro, mas poderia não haver justa defesa dos verdadeiros interesses da assistência, que reclamam a extensão crescente dos benefícios, realizada, quanto possível, por uma melhor aplicação das dotações concedidas. Para isso importava que os saldos dessas dotações pudessem ser mantidos em reserva, a fim de serem sempre aplicados com o mais justo critério e também com melhor oportunidade.
Ainda, nesta parte, me parecem dignas de aplauso as directrizes administrativas do novo decreto.
E todo ele pode resumir-se neste conceito: é preciso defender e aplicar melhor o dinheiro destinado a socorrer as verdadeiras necessidades dos pobres. Creio que neste propósito todos os bons portugueses poderão encontrar-se de acordo.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. António Pinheiro Torres: -Sr. Presidente: o despacho do Sr. Ministro do Interior instituindo o Socorro do Natal, há dias publicado, merece, pelo alto significado que tem, se ponha em destaque nesta Assembleia.
O Socorro do Natal tem por fim fornecer, por essa quadra festiva, às famílias mais necessitadas auxílios de alimentação, vestuário e agasalhos.
Neste momento de tanta miséria, agravada pelas repercussões inevitáveis da guerra, a admirável resolução do Sr. Ministro do Interior foi oportuníssima, e por isso tem o apoio unânime da Nação.
Nesta época de tanto egoísmo e indiferença, a iniciativa daquele ilustre membro do Governo tem ainda o condão de despertar em muitos, esquecidos sentimentos de solidariedade cristã.
O Socorro do Natal visa a Família - é mais um meio do que o Governo lança mão para a defender e proteger.
Decorre precisamente agora a Semana da Obra das Mães pela Educação Nacional, com o mesmo fim de auxiliar as famílias necessitadas.
Inúmeras são as obras beneficentes que o Governo protege, para assegurar a vida de milhares de portugueses.
Ao mesmo tempo, por toda a parte, nesta quadra festiva, ha movimentos de solidariedade cristã que impressionam profundamente e mostram como é boa a gente portuguesa. De entre todas essas manifestações de amor pelo próximo seja-me lícito destacar, pelo que representa de oportuno patriotismo, a iniciativa do Diário de Notícias, criando o Natal do Expedicionário.
Feliz ideia foi essa, com efeito, de prodigalizar na noite de Natal, aos soldados que têm partido para os Açores e Cabo Verde, como sentinelas do Império, a consoada dos irmãos distantes, que assim lhes afirmam a sua presença.
Concorrer com o nosso óbolo para que a quadra festiva que se aproxima seja de melhoria nos lares vazios de lume e de pão é, pois, um indeclinável dever para todos os portugueses.
A caridade foi e continua a ser apanágio da nossa gente, como com imensa ternura pôs em relevo o Sr. Ministro do Interior na sua notável conferência sobre assistência social proferida em Angra do Heroísmo por ocasião da visita presidencial.
O nosso passado e o nosso presente são garantias seguras de que o Pais saberá corresponder com fidalga generosidade ao justíssimo apelo daquele ilustre membro do Governo.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente:-Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em discussão, na generalidade, a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1942.
Tem a palavra o Sr. Deputado Águedo de Oliveira.

O Sr. Águedo de Oliveira:-Sr. Presidente: na forma dos últimos anos - parecendo já como que uma ininterrupta, praxe constitucional -, entra em discussão pública a proposta da lei de meios financeiros para 1942.
Vem depois de minuciosa e atentamente estudada pela Câmara Corporativa e doutamente relatada pelo Prof. Vieira da Bocha e de sobre ela terem incidido as análises e considerações de vários Srs. Deputados, nas sessões em que se procedeu ao seu estudo prévio.
Vem num lance crítico universal - o Mundo está passando horas decisivas e dolorosas e por certo engendrando novas sortes e nova morfologia para sua vida. No tonar dos combates ou nas horas de expectativa o coração dos povos bate tumultuàriamente, todas as almas se distendem para o horizonte e quase parece milagre que a linfa vital circule ainda à nossa roda.
Este episódio da vida pública portuguesa decorre, pois, tendo por grande fundo nas várias partes, do mundo cenografia de tragédia já mais aproximada. E não há propriamente no lar lusitano nem estado de alarme, nem apreensão mortal, que só, como noutros períodos do nosso ciclo histórico, poderiam resultar de dúvidas da nossa, consciência de povo orgulhoso da sua missão, seguro do seu papel entre as demais nações.
Pouco ou nada se poderá acrescentar ao que dissemos nos demais anos - os nossos princípios e métodos, o nosso sistema de economia financeira permanecem o mesmo.
Mas atenuam-se, esbatem-se, somem-se até certas críticos contra nós, algumas vezes formuladas, nem sempre acreditadas pela teoria ou confirmadas pela experiência. Mas formuladas ... A unidade portuguesa nunca foi mito, mas certeza sociológica inquebrantável, hoje mais forte ainda, se possível.
Não somos demais! ... nestas conflagrações de centenas de milhões em alguns espaços incomensuráveis.
Ora o facto de se abrir a discussão pública sobre a automação ao Governo para elaborar o orçamento, em forma, absolutamente similar aos demais anos, mostra a serenidade da nossa vida, a convicção das nossas ideias particulares e como não é recomendável o clima emocional e desordenado, sem o qual muitos julgam não podem as assembleias nacionais viver da representação.

É este um lance crítico. Estamos vivendo horas decisivas.

Página 36

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 108 36

O País guarda a, sua compostura e esta Assembleia segue, sem alarde, o seu caminho de legalidade!

Vozes:-Muito bem!

O Orador:-Sr. Presidente: perdem inteiramente o seu latim os que pretendiam despesas avaliadas com generosidade e receitas impostos com maior moderação- cálculos menos cautelosos, sem uma margem de segurança tão patente como a avistada- nos últimos anos.
Sem desejar estabelecer conclusões proféticas - os augures ficarão apenas com o seu Nostradarnus -, pode afirmar-se que toda a cautela será pouca, toda a previsão correrá risco de ultrapassar-se, perante o fatal encadeamento das restrições e necessidades impostas à vida económica e com repercussão sobre as finanças.
Faltarão matérias e máquinas, deixarão de sair alguns produtos, a economia interior terá de vergar, autàrquicamente, até ao possível limite.
Portanto, perderão inteiramente os suas razões e o seu tempo os optimistas que facilmente se contentavam com menos receitas, cobiçando ainda maiores despesas ...

Vozes:- Muito bem !

O Orador: - Porque devemos justiça, ao findar o ano de 1941 não seria legítimo que deixássemos na sombra uma entidade que há-de estar patente sempre em todos as discussões financeiras.
Quero referir-me, explicitamente, ao contribuinte português.
Eu devo fazer o elogio do contribuinte.
V. Ex.ª, Sr ..Presidente, colega, entre os mais ilustres, do meu ilustre professor de finanças, o malogrado Marnoco e Sousa, sabe bem como os livros da especialidade, os estudos e os ensaios, a própria exposição dos motivos da lei, consideram uma tal entidade.
O contribuinte é apenas um número singular que está como alvo imperturbável da arma fiscal.
Somente quando reclama, protesta, discute, se agita, teima ou argumenta é que surge, mas então parece mais um maçador que outra cousa.
E neste grande plano aparecem as graduações nacionais de temperamento fiscal.
O inglês reclama mas é capaz de todos os sacrifícios, desde o seu chá até às suas últimas libras.
O contribuinte alemão considera-se o mais cívico, porque nada encobre e nada tem a discutir.
O italiano discute mas sorri, torna a discutir mas consegue assim justiça, sua e relativa, justiça de composição perante um fisco severo em demasia.
O contribuinte português .... o contribuinte português é como os outros contribuintes! A Administração é que pode dizer quando ele se queixa e não deve, ou quando deve e não se queixa.
Mas este ano., em 19 de Fevereiro, ele viu a sua riqueza desfalcada, num abrir e fechar de olhos da natureza em cólera, em várias centenas de milhares de contos.
Foram enormes os prejuízos para a, maioria das empresas industriais e agrícolas.
Prefiro não tentar uma cifra, ainda que senhor de dados de vária ordem.
Pinhais e azinhais, porventura, representaram apenas, quando destroçados, uma antecipação de capital.
Mas o olival perdido, o montado de sobro arrancado, os barcos naufragados, as instalações sem conserto, essas representarão uma decapitação de bens frutíferos que diminuirá de forma apreciável o rendimento nacional durante alguns anos.
Pois bem ! O contribuinte, assim golpeado, experimentado pelo desfavor dos astros, pouco ou nada discutiu ou contestou.
Perdoe-me V. Ex.ª, Sr. Presidente, a comum expressão - o contribuinte nem tugiu nem mugiu.

E é este, parece-me, o seu melhor elogio.

Vozes: - Muito bem !I

O Orador: - Ternos alguns dados que, particular e gentilmente, nos foram fornecidos, os quais permitem recompor o panorama económico sobre o qual se ajusta, como o êmbolo num cilindro, a máquina financeira.
Volfrâmio, estanho, conservas e resinas, descontadas as sub-estimativas das declarações aduaneiras, asseguram a economia portuguesa, nos primeiros nove meses do ano corrente, qualquer coisa como um milhão de contos de mais valia, em relação a período igual do uno passado.
Preenche-se assim o vazio de outras exportações o põe-se ao serviço da nossa economia um caudal de divisas, acrescentado do que os estrangeiros deixam por cá, ou trouxeram agora.
Parte desta grande massa de capital irá desempenhar uma função reparadora - corrigir os desequilíbrios de outros anos, remediar situações deficitárias, reparar estragos afinal. Isto não tem sido posto em relevo.

Mas uma parte ameaça perder-se para a economia nacional em consumos extravagantes e supérfluos, em gozos particulares, contrários porém a uma economia geral de prosperidade do nosso povo. Tem de se juntar agora um certo afluxo de capitais estrangeiros. Se, por meio de providências, no género do decreto-lei n.º 31:649, e de mobilização racional, grande parte dos capitais disponíveis, nossos e alheios, puder ser aplicada em apetrechamento de electrificação e valorizações ultramarinas, a actual geração, na paz, na serenidade, na quietude, poderá cuidar desveladamente do futuro da que lhe suceder; que praza a Deus não herde as desditas actuais.
Sr. Presidente: nós vamos autorizar o Governo a elaborar o orçamento de harmonia com os princípios sucintamente constantes da proposta de lei.
O orçamento na sua execução pressupõe uma certa base estável.
Em regra solides financeira significa estabilidade económica.
Uma moeda com uma grande estabilidade de compra é coisa digna de admiração.
Há quem chame à rigidez dos preços derivada de uma moeda inabalável de valor a oitava maravilha do mundo.
E será.
Através da organização corporativa e da repressão tem-se procurado a estabilização possível. Em primeiro lugar para que o plano orçamental não seja ultrapassado nos seus cálculos. Em segundo lugar para que distribuição dos ganhos e lucros não se dê por forma danosa para a colectividade.
Em 9 de Outubro de 1939, aqui desta mesma tribuna, o .Sr. Presidente do Conselho deu a sua palavra de ordem para os departamentos da organização corporativa e os sectores da vida nacional - máxima normalidade da produção e do comércio; máxima estabilidade possível de custos e serviços. Mas reconhecia que certas importações e restricionismos haviam de repercutir fatalmente sobre as condições da nossa economia.
A tarefa que a classe dirigente se tem imposto - neste sentido saudável - tem sido sobre humana e tem-se conseguido muito, onde não se podia obter tudo.

Página 37

11 DE DEZEMBRO DE 1941 37

Ora é preciso disser bem alto.
Tem havido aumento de meios de pagamento - para acudir ao afluxo de capitais estrangeiros, para obtemperar às compras maciças efectuadas entre nós por beligerantes, para acudir às necessidades das transacções, visto que não só se realizam novos negócios, como negócios suplementares, derivados das condições actuais.
Há, portanto, um certo aumento de meios de pagamento, ligado a uma certa alta de preços, e, sobretudo, a um alargamento de mercados.
A situação monetária é saudável, apesar de o custo da vida ter aumentado, pelo menos, 24 por cento.
Ao contrário da outra guerra, não há inflação, sobretudo não há inflação de crédito.
A tesouraria está abastecida e o Estado não recorre, como dantes, ao Banco de Portugal.
Isto, porém, não quere disser que se abandone aos especuladores a alta dos preços. Isto, porém, não quere dizer que não se faça o mais que se puder para defender a virtude compradora do nosso dinheiro. Isto, porém, não quere dizer que se não combata que os favores da fortuna andem de mão em mão, ao Deus dará, passando de umas camadas sociais para outras.
Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: temos de evitar que o comerciante se transforme num especulador frio e calculista.
Temos de evitai- que os capitalistas poupados e previdentes, as classes activas, sejam afectadas ou despojadas pelos devedores e fornecedores.
Termos de evitar a quem dispõe de ordenados, vencimentos, receitas fixas ou com pouca elasticidade, que percam sempre mais e mais.
Temos de evitar aos salariados que sejam vítimas de atraso, uma adaptação fatal a novas condições.
Mas não é o Governo que pode tudo. Não é o Governo que há-de fazer tudo.
Há uma ética do dinheiro, como há uma conhecida psicologia monetária. O poder de compra aplica-se segundo certa disposição de espírito, está ligado aos desejos, aspirações e escolha dos indivíduos.
Ora é preciso recomendar aos que têm dinheiro e aos que compram que não se desmoralizem.

Vozes: -Muito bem !

O Orador: - Não é pedir só ao Poder que faça, que lute, que defenda! Isso é terrível pecha de providencionalismo latino.
Os que dispõem de capitais, os compradores, os que querem gastar o seu dinheiro é que têm de fazer, têm de lutar, têm de defender.

ão é chegar a uma feira e dá-lo todo. Não é chegar a um estabelecimento e despejar a algibeira. Não é realizar um negócio e fazer como o Amarante, na Marcha, de Lisboa, ou como uma personagem de Schwalbach que caricaturava um homem pitoresco da finança portuguesa. Compra-se! Paga-se ! Não se olha a dinheiro! Notas são papéis!
Esta moral monetária não é uma moral; è... a própria desmoralização.
Lembre-se quem pensa assim que, muito precavidamente, as nossas notas têm a sua base em ouro e equivalente em ouro, firmada e reforçada.
Sim! Os governantes têm de proteger a capacidade da unidade monetária, mas todos os que estão no mercado do lado da procura, os compradores, também têm de acalmar, sossegar e defender, com unhas e dentes, vamos !, o que é seu.
(Assumia a presidência o Sr. Albino dos Reis).
Um dos mais lúcidos economistas do nosso tempo, o austríaco Von Misses, escrevia : «O exagero da importância atribuída à política monetária, quanto ao poder que pertence ao Estado, em sua capacidade legislativa, só pode ser devido a uma observação superficial, no processo interno de transição do dinheiro mercadoria para o dinheiro crédito».
Deduz-se do que deixamos espraiado que nem o Estado há-de fazer tudo, em matéria monetária, ainda que o pudesse, mas que na mão de muitos está não concorrer para a desvalorização.
E depois gastam-se demasiado.
Estragam-se subsistências, não se poupa no luxo e no vestuário, queima-se gasolina à procura do cliente teórico.
Nem é necessário comer como o Pantagruel da fábula, nem vestir como a Isabel de Este, nem pagar rendas que absorvem quase o orçamento, nem usar e consumir apenas o que vem do estrangeiro.
É, sim, preciso poupar - poupar até nas sementes-, constituir reservas. E até a lavoura e a indústria também querem economias na burocracia e nas demoras, porque nalguns produtos, como o arroz, AS dificuldades não têm razão de ser.
Repito: gasta-se demasiado, mesmo que não sejamos contraídos por uma economia de guerra ou por autentica autarquia.
Infelizmente nada leva a crer que estejamos vizinhos de uma decisão rápida e próximos do fim da guerra.
Infelizmente nada leva a crer que a reorganização do mundo, ou mesmo da, Europa, se faça de jacto e que se passe, magicamente, da escassez a abundância.
Chegou a altura de findar estas considerações.
Ainda que semelhante aos anos anteriores, a proposta, condicionará um orçamento bélico - a enormidade das despesas militares o confirma - não de guerra, nem para a guerra, mas de tempo de guerra universal.
O Estado não é um simples árbitro de forcas em presença. Há-de ser orientador, disciplinante, impulsionador, muitas vezes até uma forca motriz.
Hão-de lhe ser dadas, pois, aqui. som discrepância, as autorizações necessárias. A presente proposta é um acto de confiança ao Governo e particularmente ao Ministério das Finanças.
Terá pois a confiança plena desta casa legislativa e política.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Tenho ouvido e lido muitos que, à porfia, pretendam penetrar no âmago das finanças portuguesas e que constituíram, em devido tempo, a base inquebrantável de toda a restauração nacional.
Eu próprio também disse muita coisa. Parece-me que o essencial, nesta, face, foi que Salazar, na hora mais arrevessada, deu confiança ao País naquilo em que menos a tinha: no caminho de saída da sua crise financeira quase permanente.
Não foi visionário, nem mago de multidões, nem secamente técnico, ainda que magnífico adversário de todas as desordens, mas sim polarizou em si todos as esperanças portuguesas de uma vida saudável.
O seu continuado actual é bem seu discípulo.
A obra financeira continua admirável e o País pode orgulhar-se dela e rever-se nos seus autores.
A proposta de lei de meios deve ter aprovação plena.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito e cumprimentado.

Página 38

DIÁRIO DÁS SESSÕES - N.º 108 38

O Sr. Ulisses Cortas: - Sr. Presidente: a eclosão da guerra veio surpreender-nos em pleno ressurgimento.
A restauração financeira durava há onze anos e afirmava uma solidez que parecia desafiar todas as vicissitudes.
A desordem, nas suas múltiplas manifestações, cedeu o passo à organização metódica, à disciplina consciente e consentida continuidade e perseverança do esforço de reconstrução. O País, restituído aos seus quadros tradicionais, viu afastados todos os motivos de divisão e formou um bloco homogéneo em volta dos ideais colectivos que a Revolução consubstanciara.
Uma grande obra de realizações materiais e de fomento económico abria ao País perspectivas que excediam, as esperanças mais optimistas.
Criara-se uma ordem que representava a síntese harmónica de liberdade e do autoridade, organizaram-se as actividades no domínio económico, procurou realizar-se uma maior justiça social, protegeu-se o trabalho, substituiu-se a economia materialista, inspirada pelo mito da luta das classes, pela livre concorrência e pelo espírito do lucro individual por uma economia de base espiritualista, dominada por uma ética nova e pela mística do bem comum.
A obra realizada nos diversos sectores da vida nacional obtivera uma ampla projecção externa e proporcionara-nos uma situação de prestígio como só conhecêramos nas horas de ouro da nossa história.
E o regime que o génio político de um homem soubera erguer, através de dificuldades sem conta e inspirando-se na lição dos séculos, pôde aspirar, apesar do seu nacionalismo, a uma expansão universalista e transformar-se em paradigma a propor aos povos que no meio das dores e das desorientações do presente procuram angustiadamente a fórmula política que há-de redimi-los e assegurar de novo o seu equilíbrio.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A guerra, se não mudou a face das coisas o que era impossível dada n profundidade da acção realizada e a extensão dos seus resultados-, trouxe-nos contudo dificuldades graves e impôs-nos um esforço de adaptação que exige sacrifícios e sofrimentos.
Se examinarmos os resultados colhidos nas duas gerências decorridas sob a incidência da guerra e cujos números foram já publicados, verificaremos que, não obstante a adversidade dos acontecimentos, foi possível manter o equilíbrio do orçamento e das contas, salvaguardando-se assim uma das altas aquisições da Revolução.
É certo que as principais receitas ordinárias sofreram uma forte depressão e que as despesas extraordinárias atingiram quantitativos excepcionais, ascendendo em 1939 e 1940 a mais do dobro da cifra relativa a 1937.
Manteve-se em todo o caso o excesso das receitas ordinárias sobre as despesas da mesma natureza -índice seguro do equilíbrio e da solidez da situação atingida-, prosseguiu-se sem interrupções na acção de fomento económico e de defesa e segurança nacional, acudiu-se por úteis e oportunos trabalhos públicos à crise social criada pela anormalidade das circunstancias e, apesar de tudo, foi possível encerrar as contas em ambos os referidos anos com saldos positivos que, embora inferiores aos dos anos antecedentes, totalizaram nas duas gerências cerca de 300:000 contos.
O facto poderia ter aspectos de milagre se não devesse antes atribuir-se à excelência dos princípios que norteiam a administração financeira, à previdência com que em tempo oportuno se constituíram reservas para acudir aos encargos das horas difíceis e à energia e prontidão com que, ao esboçar-se a crise internacional, se tomaram as medidas destinadas a debelá-la e que as circunstâncias postulavam.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - No actual momento histórico os factos apontados revestem-se de um valor e atingem um significado que não impõem apenas a adesão aos princípios: forçam também o nosso louvor aos homens.
Incorreríamos, porém, em imprudente optimismo se, ofuscados por tão lisonjeiros resultados, esquecêssemos que estes não representaram uma dádiva espontânea, mas o fruto de uma conquista laboriosa, obtida através de escolhos e de contrariedades, de olhos sempre postos no interesse nacional.
Registaram-se nos dois referidos anos diminuições substanciais de algumas receitas ordinárias, designadamente as provenientes de impostos indirectos, onde a queda atingiu cerca de 80:000 contos.
A depressão fez-se sentir especialmente em 1939, ano em que o total das receitas ordinárias foi dos mais baixos das cinco gerências anteriores a 1940, e manteve--se no ano seguinte, pois que, apesar de apreciável reacção, não foi possível fazê-las regressar ao nível de 1938, do qual ficaram distando à roda de 30:000 contos.
No respeitante às despesas ordinárias houve também necessidade de uma compressão severa e de uma rígida disciplina, do que resultou conter-se a sua tendência ascensional e fixá-las numa cifra que, a partir de 1937, pode considerar-se estabilizada, não obstante o encarecimento e a maior intensidade dos serviços.
Se analisarmos agora as despesas extraordinárias, constataremos que nelas só registou um agravamento considerável, em consequência do que o respectivo saldo, em relação às receitas extraordinárias, que em 1936 foi positivo, se tornou negativo nos anos seguintes, assumindo proporções em cada ano crescentes.
E, como essas despesas atingiram um volume vertiginoso, sem contrapartida correspondente nas receitas extraordinárias, tornou-se necessário fazer-lhes face, conforme a boa técnica financeira, com os saldos das receitas e despesas ordinárias, com o produto de empréstimos, de que aliás se fez uma utilização restrita nos dois referidos anos, e com os saldos de gerências findas, a que foi mester recorrer em larga escala.
Sucedeu assim que, enquanto até 1938 o montante desses saldos foi engrossando progressivamente, em virtude de se ter despendido por conta deles importâncias inferiores aos saldos finais das contas, a partir desse ano a situação inverte-se, e o seu quantitativo baixa de 2.105:700 contos para 1.328:500 contos, importância a que estavam reduzidos no fim da gerência de 1940.
Aqueles que condenaram a política dos saldos puderam, pois, verificar que, sem essa capitalização preciosa, acumulada com lúcida previdência, teríamos de preterir agora exigências sagradas de defesa e de segurança nacionais ou de suportar encargos mais duros e sacrifícios ainda mais pesados.

Vozes:-Muito bem!

O Orador: - Haverá porventura quem, atendendo ao muito que ainda resta, sustente que a existência de saldos podia e devia permitir uma diminuição da carga tributária, pelo menos no respeitante ao imposto de salvação pública, que nas actuais circunstâncias pesa sobre o funcionalismo, a braços com uma acentuada elevação do custo da vida, como um encargo incomportável.

Página 39

11 DE DEZEMBRO DE 1941 39

Mais uma vez se põe assim uma questão que não é apenas adjectiva, mas que respeita à própria substancia da doutrina.
Convirá mais seguir o caminho suave e despreocupado das facilidades ou a via árdua e dolorosa dos sacrifícios?
A primeira é desaconselhada pelas lições de um passado próximo e só pode gerar catástrofes; a última tem a consagração de uma larga experiência e constituiu a base sobre que assentou a nossa restauração financeira.
Estas circunstâncias bastam para convencer de que neste aspecto nada há a rectificar, quer na doutrina, quer nos métodos, e que só nos resta continuar na orientação traçada com redobrado vigor e inquebrantável fidelidade.
A proposta orçamental, hoje submetida à nossa apreciação, tanto quanto é possível depreender da sua sobriedade, enquadra-se nas directrizes dos anos anteriores e revela a preocupação de manter a experiência de vida segura e de equilíbrio severo iniciado com tanto êxito em 1928.
Essa proposta, é a expressão de uma política imutável nos seus princípios, firme nos seus processos, inflexível nos objectivos a atingir - política que não dissimula os perigos nem diminui as dificuldades e que, desprendida de intuitos de popularidade fácil, sabe apelar, quando as circunstâncias o aconselham, para as disciplinas salvadoras e Falar a linguagem rude dos sacrifícios necessários.

Vozes:-Muito bem!

O Orador: - Vê-se por essa proposta que, subsistindo as razões que as determinaram, se mantêm, as medidas de salvação pública a que teve do recorrer-se na grave emergência que atravessamos.
Assim, sem se descurar a tributação das actividades que a guerra tornou excepcionalmente rendosas, são mantidos o imposto de salvação pública, o adicionamento ao imposto sobre sucessões e doações do decreto n.º 19:969 e as taxas da contribuição predial elevadas no último ano em consequência da valorização dos géneros agrícolas e da mais valia dos rendimentos da propriedade urbana.
Procura-se também prosseguir na obra de reconstituição económica, destinada ao progressivo apetrechamento do País, dando-se preferência nos trabalhos a realizar aos rotativos à defesa militar e ao aumento da produção, condição essencial do abastecimento do País, no respeitante às suas necessidades fundamentais, não se esquecendo também a situação dos trabalhadores e os deveres sociais que a sua justa protecção impõe.
E, finalmente, na enumeração das obras em projecto encontram-se duas que merecem especial destaque: a da construção de edifícios e escolas primárias, a que o talento do Sr. Ministro da Educação Nacional vai seguramente, devotar-se com particular carinho, e a das construções prisionais, que corresponde a uma necessidade instante - ia a disser quase dramática - e em que a notável obra administrativa que o Sr. Ministro da Justiça está realizando vai certamente colher novos títulos a impô-la ao nosso louvor e à nossa admiração.
Tanto basta para que, em face da proposta, façamos confiadamente um acto de fé e lhe dêmos, o nosso voto incondicional e a nossa aprovação sem reservas.
Sr. Presidente: não é risonho o quadro que nos rodeia, nem isentas de sombras as perspectivas que se nos oferecem.
Sofremos em parte as consequências de actos que nos não respeitam e cujas incidências escapam ao domínio da nossa vontade.
Cumpre nesse aspecto aceitar a fatalidade de uma acção que não está nas nossas forças remover.
Mas, ao lado do que é inelutável, existe um amplo sector reservado ao nosso esforço e em que se rasgam largas possibilidades à nossa actividade construtiva.
E aí existe cabimento para todas as energias no campo da produção e do trabalho, para toda a acção inspirada por um forte sentido de solidariedade nacional, para todas as cooperações, para todas as renúncias e para todo o espírito de bem servir.
Se soubermos aceitar com disciplina e com coesão as provações, que são o traço crucial da nossa época, e nos submetermos, sem criticamos dissolventes, às directivas que o Governo nos impõe em nome do interesse patriótico, veremos, talvez em breve, clarear no horizonte esperanças e promissões, que constituem penhor do futuro e fonte viva da nossa fé.
O sacrifício é sempre o preço da redenção, e no nosso caso temos valores tão altos a salvaguardar que a grandeza dos objectivos compensa largamente a dureza dos sofrimentos.
Tenho dito.

Vozes:- Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Belfort Cerqueira:-Sr. Presidente e meus senhores: não é indiferente declarar que, ao subir a esta tribuna, o fiz para vir apreciar uma iniciativa do Governo, mas dominado pela compreensão perfeita das responsabilidades que me cabem em hora de tamanha gravidade, como o mais humilde dos componentes desta Assembleia Nacional.
Não apoiados.
No apreço da generalidade desta proposta de lei interessava-me particularmente considerar duas autorizações que são solicitadas: uma diz respeito à criação dos impostos sobre os lucros excepcionais provenientes da guerra; a outra diz respeito à promoção do aproveitamento hidroeléctrico do rio Zêzere.
A primeira destas autorizações já fora concedida, mas não tinha sido utilizada até agora. E eu suponho que, se a Assembleia Nacional verificasse a pressão especulativa a que estão sujeitas algumas das nossas actividades económicas, não só dispensaria, certamente, de manifestar ao Governo a necessidade de recorrer a esta nova tributação.
Isso, além de tudo o mais, significaria certamente uma satisfação aos princípios que informam a moralidade nacional.
O anúncio feito pelo ilustre Presidente da Assembleia Nacional da apresentação de uma proposta de lei do Governo sobre o imposto a lançar aos lucros resultantes da guerra veio atender esta aspiração e dar lugar ao esclarecimento oportuno de algumas dúvidas, que seriam legitimas e de limitações indefinidas, que a simples autorização para ser criado o imposto poderia ter sugerido.

(Reassumia a Presidência o Sr. José Alberto dos Reis).

Resta, Sr. Presidente, considerar a autorização para o aproveitamento hidroeléctrico do rio Zêzere.
No simples anunciado da proposta de lei pode estar contida a definição de uma política do Governo nesta matéria.
O Governo parece entender que os trabalhos da electrificação nacional devem ser realizados pela força do orçamento, em execução da lei de reconstituição económica, n.º 1:914.
O Estado poderá assim, e logo de início, tornar-se proprietário das instalações.

Página 40

DIÁRIO DAS SESSÕES -N.º 108 40

Notem V. Ex.ª a diferença que existe entre esta posição e aquela que se poderia verificar desde que o Estado outorgasse pura e simplesmente uma concessão e só no fim dela viesse a ser proprietário das instalações necessárias.
A proposta de lei diz respeito a um empreendimento, e isto é essencial, cuja importância é transcendente em relação a todos os outros melhoramentos que estão previstos.
No caso de ser utilizada a autorização pedida, interessa à defesa daquilo que vier a ser gasto, não só a boa técnica da realização de uma obra, como será o caso dos edifícios escolares e foi o das estradas, mas principalmente a forma administrativa de uma exploração.
Há aqui, deste modo, nitidamente, um problema administrativo, por se tratar não apenas de realizar uma obra mas de estabelecer, em última análise, um serviço público.
E neste caso, Sr. Presidente, o Estado terá sempre de considerar o carácter particular das propriedades que são votadas à promoção dos serviços púbicos.
Poderá dizer-se assim que as propriedades destinadas à promoção de um serviço público se consagram a um uso que interessa o público e que, por isso mesmo, concede ao público um determinado interesse no seu uso. E daqui resulta imediatamente um direito de fiscalização e, por consequência, a necessidade de se definir um regulamento.
Quanto mais o serviço público interferir nas necessidades públicas maior é o direito e até o dever de fiscalizar.
Deste modo será indispensável neste caso a existência de um regulamento que tenha as seguintes finalidades:
Primeiro, assegurar que o serviço se verifique sem interrupção; depois que o serviço público seja prestado em toda a extensão da área interessada, por forma a ser sempre atendido todo o consumo da energia eléctrica que nela for manifestado; e, além disso, que a qualidade do serviço em causa seja superior em qualidade a todas as possíveis reclamações.
Para isso é necessário que se crie um conjugado de condições regulamentares de modo que as propriedades votadas à realização dos serviços públicos sejam defendidas de tudo quanto for lesivo da sua conservação.
Neste caso verifica-se que o regulamento terá de exercer os seus efeitos em duas zonas essencialmente diferentes: nas zonas onde as concorrências forem numerosas, de consumo comercial interessante, e naquelas zonas das derivações excêntricas onde os consumos não interessam fundamentalmente.
É evidente que o regulamento necessário para satisfazer às finalidades atrás definidas terá então de recorrer a critérios diferentes, e pergunta-se: será o critério estatista ou o critério particular aquele que deverá de preferencia adoptar-se na regulamentação administrativa da electrificação nacional?
Num e noutro encontramos defeitos que precisamente pela regulamentação se deverão evitar. Dentro da orientação estatista é fácil e inconveniente encontrar-se a confusão entre a própria autoridade fiscalizadora e o empresário. É fácil ainda que exista uma dependência possível entre as finanças e orçamentos públicos e a orientação financeira do empreendimento; e é principalmente de recear uma ingerência política na escolha dos administradores industriais e até na distribuição da energia disponível.
Por outro lado, se for adoptado o critério de preferência pela iniciativa particular, haverá o perigo para a economia nacional de não ser satisfeito o consumo nas zonas que forem comercialmente pouco interessantes.
Verifica-se assim que a orgânica administrativa, ou melhor, a sua definição, é, previamente, indispensável.
Este empreendimento é uma parte integrante da electrificação nacional e à sua realização não é indiferente o projecto de exploração conjunta.
O programa de electrificação nacional tem de compreender inicialmente um sistema de colaboração entre os interessados, ou seja entre o Estado, as empresas produtoras e distribuidoras e os consumidores, e de considerar a integração de tudo quanto actualmente existe no plano do aproveitamento progressivo das nossas reservas tanto hidráulicas como carboníferas.
Não sei se este programa existe, mas, em qualquer caso, nele deve estar definido o possível aproveitamento do Zêzere.
No entanto, embora o Governo não tenha ainda apresentado qualquer proposta de lei sobre a electrificação nacional, não sou tentado a pronunciar-me pelo adiamento desta autorização até que no plano dela pudesse ser estudada, conforme aliás já foi critério adoptado pela Câmara Corporativa em caso similar.
Mas pergunta-se: a Câmara Corporativa, ao ter abordado este assunto no seu parecer, trouxe elementos de elucidação para a votação consciente da Assembleia?
A Câmara Corporativa afirmou que a modalidade administrativa a adoptar para a realização do empreendimento ainda não estava definitivamente assente.
Definiu a Camará Corporativa como objectivo a diminuição desejável da nossa importação de carvão e a possibilidade de se desenvolverem as indústrias electroquímica o electrometalúrgica nas zonas rurais. No entanto, mesmo se excluirmos a área florestal, a área social incultivável e os prados, ainda se poderá contar no nosso Pais continental com uma área de 4 milhões de hectares susceptível de consumir electricidade para usos agrícolas.
O rio Zêzere, com a sua suposta capacidade para produzir 300 milhões de kWh anuais de energia permanente, influiria em toda a extensão do consumo nacional, actualmente avaliado em 376 milhões de kWh anuais.
Se a indústria electro-química apresentou em 1930 um consumo de 18 milhões de kwh, o uso da energia eléctrica na agricultura seria susceptível de absorver mais 32 milhões na área considerada.
Mas a Câmara Corporativa não considerou também a possibilidade, por exemplo, de se realizar a irrigação das planícies marginais do rio Tejo, nem tampouco a indústria a estabelecer com importância decisiva na nossa economia, e que é a indústria da extracção do azoto do ar. Esta aplicação é susceptível de justificar a boa exploração económica de qualquer empreendimento e por consequência teria também de considerar-se a melhor maneira de assegurar a sua realização.
É por isso e pela acção social que poderia exercer-se com a electrificação rural que me parece ser indispensável considerá-la no estudo do aproveitamento do rio Zêzere.
No entanto, meus senhores, não interessa a qualquer empresa particular o consumo derivado da agricultura, porque ele se realiza em ocasiões especiais correspondentes àquelas que são exigidas pela prática corrente da lavoura, e às vezes com exigências quase momentâneas, de potências elevadíssimas.
E por outro lado não poderá também desejar-se que, pela adopção duma forma estatística, a energia eléctrica porventura reservada para esses fins pelo Estado possa ser distribuída apenas a alguns privilegiados como obra de filantropia política.
A Câmara Corporativa julgou suficiente uma previsão orçamental de 300:000 contos para a realização deste empreendimento. É licito duvidar-se desta cifra, porquanto em 1930 a actualização do estudos que anteriormente tinham sido feitos já elevava o orçamento para o

Página 41

11 DE DEZEMBRO DE 1941 41

aproveitamento do Zêzere e obras consequentes para cerca de 400:000 contos.
De qualquer modo, são estas -a traços muitíssimos largos- as condições era que nos vamos pronunciar sobre a autorização orçamental referente ao aproveitamento do rio Zêzere.
Devo declarar que o meu voto será de aprovação. Simplesmente no meu voto de aprovação contém-se também um voto de confiança em que o Governo não há-de utilizar a autorização concedida sem previamente ter definido uma organização administrativa paru a electrificação nacional.
Estou convencido de que nela se há-de assegurar o melhor aproveitamento das verbas que forem despendidas em proveito da economia nacional.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem ! Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. António de Almeida: - Sr. Presidente: pela segunda vez vem ti Assembleia Nacional, para ser discutida, uma proposta de lei de meios assinada pelo actual e ilustre Ministro das Finanças, Dr. Costa Leite, diploma que o Dr. Vieira da Bocha relatou com a sua reconhecida competência.
Não obstante, Sr. Presidente, tratar-se do orçamento do segundo ano de guerra -visto que a lei de autorização de receitas e despesas para 1940 foi apreciada ainda quando mal se previam as proporções catastróficas que o conflito iria assumir, e nem se podiam adivinhar os reflexos de toda a ordem que tamanha calamidade nos faria sofrer- a presente proposta de lei de meios, exceptuando a parte respeitante à execução de planos e trabalhos, constituo, em seus aspectos financeiros, reprodução quási integral da que foi aprovada para o uno que vai findar.
Esta verificação é a melhor prova da solidez e segurança das finanças portuguesas, afincada e previdentemente trabalhadas e engrandecidas até ao grau de esplendor que atingiram pela habilíssima actuação política que, felizmente e para honra e proveito da Nação, de há mais de uma trezena de anos vem promovendo o eminente estadista Dr. Oliveira Salazar.
A identidade da forma e dos preceitos contidos nos dois projectos de lei do Dr. Costa Leite -já, por sua vez, em tudo semelhantes aos que preparava o seu insigne Mestre e antecessor na pasta das Finanças- é demonstração irrefutável da excelência da política do equilíbrio financeiro seguida e da perfeição da técnica orçamentológica que Salazar instituiu e consolidou em Portugal e que tantos países estrangeiros admiram e já começam a tomar como padrão.
Por isso, e apesar dos graves encargos -algumas centenas de milhar de contos- exigidos pelo rearmamento do exército e da marinha e da deminuição das receitas aduaneiras-não houve necessidade de agravar a contribuição predial ou de aumentar a taxa de adicionamento ao imposto sobre sucessões e doações nem de acrescer o imposto de salvação pública ou sobre os rendimentos provenientes de acumulação de cargos públicos ou particulares, pressupondo-se embora, e muito legitimamente, a criação de tributos sobre lucros excepcionais resultantes da guerra.
Como nos anos precedentes, dois grandes princípios preponderam na lei orçamental para o ano de 1942: por um lado, a previsão e a aplicação de medidas precisas para assegurar o equilíbrio das contas e o regular provimento da tesouraria, mormente no tocante à redução de despesas e à suspensão ou redução de dotações orçamentais que não seja absolutamente indispensável despender; e, pelo outro, a preferência dada às realizações que importem maior ocupação de mão de obra e visem a iniciar novos trabalhos reconhecidos necessários à defesa o segurança nacionais, ao desenvolvimento da produção e à atenuação dos efeitos do conflito internacional.
E, aliás, a tam inteligentes preceitos que, em grande parte, se há-de atribuir o milagre da nossa próspera situação interna e o segredo do nosso prestígio lá fora.
Sr. Presidente: outrora, durante a era áurea da nossa Expansão, emquanto os outros países europeus se digladiavam, ferozmente, em lutas estéreis, Portugal, estranho a tais dissenções, dilatava a Fé e o Império em terras desconhecidas e cumpria a sua nobre missão de povo evangelizador e criador de nações, arauto da Civilização ocidental e cristã, de que foi um dos principais-obreiros.
Hoje, como então, perante o drama sangrento e sem igual que ameaça perder o mundo -ilusoriamente à procura de um destino melhor, que seja uma nova ordem de paz e felicidade e de concerto entre as suas desvairadas gentes-, Portugal, caminhando na vanguarda da Civilização, rasga para a metrópole e para o seu império ultramarino amplos horizontes de bem-estar económico e social e constituo modelo e exemplo de concórdia e de sã administração que hão-de, forçosamente, orientar a reconstituição do mundo do post-guerra.
Porque são, sem dúvida, o respeito e a admiração que incutimos às outras nações dos maiores fautores da paz portuguesa, a Deus devemos render infindas graças por ter-nos dado um Chefe da envergadura moral e mental de Salazar; se não fôramos guiados e conduzidos por ele já, decerto, teríamos sido envolvidos e esmagados pela onda de ruína e de dor que está alastrando pelos continentes e oceanos.
Conscientes da força espiritual e material que possuímos e da missão que nos incumbe, e do que representamos no conceito internacional, sem tibiezas nem hesitações, mas fortes de ânimo e com coragem indomável, confia n temente, prosseguimos na construção da nossa felicidade interna, daquém e dalém-mar, valorizando-nos e progredindo em todos os campos da actividade humana, erigindo o sólido e magnífico edifício do nosso futuro.
Foi com o intento de realçar este progresso incessante e grandioso e a fim de que todos os portugueses, orgulhosamente, o admirem e apreciem melhor que eu subi a esta tribuna.
Sr. Presidente: ainda se não apagou do nosso coração e da inteligência o eco das triunfais manifestações de carinho e vibrante patriotismo com que o venerando Chefe do Estado foi recebido no portuguesíssimo Arquipélago dos Açores; o significado desta viagem gloriosa reflectiu-se tam profundamente em todo o mundo que, pela sua feliz realização, muito gratos estão todos os portugueses ao Sr. Presidente da República, que, apesar da delicadeza da sua saúde, se prontificou a dar-nos mais este nobilíssimo exemplo do seu acrisolado patriotismo.
Outra notável manifestação da lucidíssima política externa de Salazar consistiu no envio de uma brilhante embaixada especial ao Brasil, de agradecimento pela luzida e ampla participação deste grande país irmão nas Comemorações Centenárias da Fundação e da Restauração da independência portuguesa.
Desde a intenção, à composição da missão especial e ao êxito que esta alcançou, tudo há a louvar e a aplaudir.
Destinada a consolidar a política atlântica que o Estado Novo português e o Brasil de Getúlio Vargas, pertinaz e inteligentemente, vêm desenvolvendo, e formada por alguns do»s mais representativos valores nacionais, a embaixada desempenhou-se do seu elevado encargo

Página 42

DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 108 42

por forma tam feliz que bem mereceu as calorosas manifestações e o sincero reconhecimento que portugueses e brasileiros lhe tributaram.
E, dos membros da missão especial, é dever salientar o seu presidente, a alta figura de intelectual do Dr. Júlio Dantas, que, com o coração a sangrar pelo falecimento de sua santa e idolatrada mãi, e quando era natural esperar acabrunhamento inibitório, heroicamente conseguia dominar a sua imensa dor e, de olhos postos no prestígio Asa Nação de que era principal representante, desempenhou-se da missão que lhe cometeram com raro brilho e felicidade.
Já antes desta memorável embaixada diplomática outra missão havia ido ao Brasil desbravar caminho à política de entendimento económico luso-brasileiro; o seu esforço contribuiu bastante para a intensificação das relações comerciais, ora em via de franco incremento.
E, em reforço de uma mais ampla e fecunda compreensão espiritual entre Portugal e Brasil, há que pôr em relevo a acção do director do Secretariado da Propaganda Nacional e a do agente geral das colónias.
O acto cultural recentemente assinado e entusiasticamente saudado pelos intelectuais dos dois países é um dos maiores passos dados a favor da consolidação da política atlântica; entre as múltiplas e proveitosas diligências promovidas pelo director do Secretariado da Propaganda Nacional, no sentido de revelar a actividade mental portuguesa, deve ser apontada a Exposição do Livro Português.
Também a exposição das numerosas e doutas publicações editadas pela Agência Geral das Colónias despertou a maior curiosidade e interesse nas elites brasileiras; na verdade, este aspecto da actividade cultural do Ministério das Colónias, que tantos encómios suscitou entre nós, merecia ser conhecido pelos nossos irmãos de além Atlântico, em cuja terra ocorreram muitos dos factos relatados naquelas obras, feitos que emprestam honra e grandeza às duas nações lusitanas.
Sr. Presidente: embora a ida de contingentes militares para as ilhas adjacentes o para as nossas colónias corresponda a simples deslocação de forças entre territórios da mesma nação, une e indivisível, Portugal de aquém e de além-mar, pela patriótica intenção que preside a estes movimentos de tropas, só há que aplaudir a actuação do Governo, que tam conscientemente nos guia na hora torva que avassala o mundo ensandecido e feroz.
Por mais este inestimável e oportuno serviço que virá a ser registado como sendo um dos mais brilhantes capítulos da história dos nossos dias, a Nação é devedora a Salazar de infinda e enternecida gratidão. .
Aproveito o ensejo, Sr. Presidente, para afirmar desta tribuna que quando, a caminho de outras terras de Portugal, vejo desfilar os nossos soldados, altivos e marciais, garbosos e cientes do sen valor e da missão que lhes compete, o meu orgulho de português parece redobrar-se.
Vai longe o tempo em que a vestimenta dos nossos militares era pobre nas matérias utilizadas e defeituosa no modelo e confecção e o apetrechamento guerreiro era do mais antiquado; graças à sábia administração de Salazar, agora temos forças que, em indumentária, adestramento e material bélico, podem equiparar-se aos mais bem vestidos e preparados exércitos modernos. Sobejavam aos nossos soldados espírito de sacrifício, qualidades de abnegação, patriotismo e bravura; porém, no nosso tempo, só a homens providos de todas as condições materiais será lícito exigir-se completo rendimento e eficiência combativa.
Sr. Presidente: se, como acabo de expor, no concernente à política externa, à preparação militar e ao apetrechamento bélico, trilhamos a única via mais conforme com o interesse nacional, e, para dentro da mais rigorosa e honesta neutralidade, continuamos a zelar pela integridade e independência da nossa Pátria, no que respeita à política interna a nossa actividade material e espiritual toma grandes proporções, que deslumbram o mundo entregue às suas loucas cobiças e ambições.
Afanosa e infatigavelmente concebemos e realizamos obras cujo importe ascende a muitas centenas de milhar de contos: tratando de intensificar os trabalhos de fomento agrícola e industrial, cuidando do beneficiamento dos portos e vias de comunicação, criando condições materiais ao ensino para bem do desempenho da sua superior missão, melhorando os nossos edifícios prisionais, erigindo hospitais, esforçando-nos, emfim, por minorar os efeitos da repercussão económica que advém da conflagração actual, conseguindo manter um nivel de bem estar e de conforto que tornam Portugal um oásis de ventura e abastança, tam ambicionado por todos quantos já foram rondados pela enorme desgraça que aniquila o mundo.
Eis, Sr. Presidente, o dilatado sumário da exposição que pretendo fazer.
Sr. Presidente: vai por todo Portugal de aquém e de além-mar uma ânsia febril de progresso. A era de renovação que Salazar deu à Nação foi bem compreendida por todos os serviços públicos; chefes e subordinados, todos se empenham em exercer, cabalmente, as suas funções, sendo notório o carinhoso e patriótico orgulho com que os realizadores se referem à sua obra.
E apraz-me dizer desta tribuna que Portugal, mercê da política do Estado Novo, já tem técnicos que, em perícia e cultura, podem ombrear com os dos mais progressivos países; neste sector da vida nacional já se encontram muitos indivíduos preparados nos centros científicos estrangeiros, onde foram enviados pelos respectivos serviços ou pelo douto e prestimoso Instituto para a Alta Cultura.

Sr. Presidente: das obras que mais prendem a nossa atenção, pelo montante pecuniário que exigem e pelos fins económicos em mira, salienta-se o aproveitamento hidroeléctrico dos nossos rios.
O aproveitamento hidroeléctrico dos rios Zêzere, Cávado e Rabagão será levado a efeito pelo Estado; às obras a efectuar no primeiro desses cursos de água aludirei em outra ocasião. Mas não basta que o Governo se encarregue de obras de tanta importância; urge que sejam dadas todas as facilidades às empresas particulares idóneas na obtenção de concessões para a construção de centrais em outros rios, por exemplo no rio Guadiana, sob pena de a nossa indústria, por carência de energia não poder ir muito além da vida modesta que leva, absolutamente incompatível com as necessidades vitais do fomento nacional.

E consolador reconhecer que as empresas particulares, estimuladas pelo exemplo do Estado, pretendem acompanhá-lo no campo do progresso ê da valorização económica colectiva. A par dos grandes empreendimentos, em via de conclusão ou já em pleno rendimento, outras empresas privadas constróem e montam centrais: a Companhia Eléctrica das Beiras - empregando mais de 30:000 contos na construção da barragem no rio Pampilhosa; a Companhia Electro-Hidráulica de Portugal - construindo quatro grandes barragens no rio Ave; u Companhia Hidro-EIéctrica Alto Alentejo; a Companhia da Lagoa Escura, etc.
Em S. Tomé construir-se-á no ano que vem uma central hidroeléctrica, destinada a fornecer energia a toda a ilha.
Sr. Presidente: os planos de regularização dos caudais e de defesa dos campos marginais dos nossos rios
com o fim de evitar as inundações e assoreamentos,

Página 43

11 DE DEZEMBRO DE 1941 43

condicionando o alargamento das áreas agricultáveis, o beneficiamento da salubridade pública e o aumento da extensão da navigabilidade - têm sido objecto de grande atenção por parte dos poderes públicos; os estudos vão muito adiantados, devendo no próximo ano dar-se começo aos trabalhos de regularização do rio Lia, tarefa a que me referirei mais desenvolvidamente quando de novo subir a este lugar.

Sr. Presidente: a política portuária da metrópole e do ultramar mereceu sempre zelosa consideração ao Governo do Estado Novo.
Mais de 300:000 contos só destinaram à primeira fase da construção o beneficiamento dos nossos portos continentais.
O porto de Aveiro importou em 21:000 contos; os resultados provenientes dêste empreendimento são já fecundos relativamente à navegação que o aproveita
- a frota bacalhoeira-, embora se pense, e muito bem, em dar-lhe condições que o transformem em grande porto comercial.
Leixões, outrora ironicamente apelidado pelos capitais do marinha mercante como porto de refúgio donde se deveria fugir durante os temporais, possue hoje excelentes acomodações para seis grandes navios comerciais.
As suas obras custaram mais de 200:000 contos; desde há dois anos que não se verificam naufrágios nem impedimentos à entrada dos navios nem voltou a haver assoreamento (até então era preciso dragar mais de 200:000 metros cúbicos de areia em cada ano).
Vai agora passar-se à realização da segunda fase da política portuária do País, encontrando-se estudados e concluídos os projectos da construção dos portos de Peniche - grande porto de pesca -, de Sezimbra, de Portimão e de Faro-Olhão.
Em 1942 iniciar-se-ão as obras do molhe sul do porto, da Póvoa de Taram, orçadas em mais de 17:000 contos ; nesse ano serão abertos concursos para vários trabalhos de portos novos, apetrechamento e ampliação de outros e conclusão dos obras que estão a efectivar-se, na importância de mais de 40:000 contos.
Mas não só na metrópole a política portuária atingiu tam elevado incremento. Nas colónias construiu-se e apetrechou-se o porto do Lobito - o melhor da África Ocidental, em que vêm sendo despendidos mais de 70:000 contos; fez-se o estudo e a organização do projecto da construção do porto de Luanda, achando-se as obras já arrematados por 48:000 contos ; completou-se a ponte-cais de Benguela e a de Novo Redondo, no valor do 5:500 contos; concluíram-se os estudos do porto de Lândana e de Mossâmedes e, bem assim, o projecto da construção de uma ponte sobre o rio Zaire. Em Moçambique ampliou-se o porto de Lourenço Marques, constrói-se o da Beira e estuda-se o de Nacala- o mais interessante plano de obras que se tem realizado no nosso Império colonial.
Em Macau fez-se o aproveitamento dos terrenos conquistados ao mar.
Entre as mais importantes e proveitosas realizações do actual e ilustre Ministro dos Colónias, deve mencionar-se a farolagem da costa - e a balizagem dos portos da Guiné e de Angola; executados no curto espaço de três anos, os trabalhos da farol agem da costa e da balizagem dos portos de Angola constituem o maior plano de conjunto até hoje organizado para a iluminação do litoral de um território nacional.
Os encargos totais com o apetrechamento e construção de uma fábrica de acetilene em Benguela -para, com a já existente em Luanda, fornecer o gris necessário às luzes instaladas- subiram n 15:000 coutos, em parte pagos pela metrópole o na outra por Angola.
Adquiriu-se um vapor para o estabelecimento das comunicações entre Cabo Verde e Guine, um rebocador de alto mar para a Guiné e ainda uma nova draga pura o porto de Mormugão.
Também no sector das vias de comunicação convém anota o continuado alargamento dos planos do radiodifusão metropolitana e ultramarina. O plano da rede telefónica e telegráfica do País, de harmonia com a lei de reconstituição económica, custará 30:000 contos, havendo-se consumido já cerca de um terço.
Nas colónias, igualmente, não param os trabalhos de aperfeiçoamento e estudo dos planos de instalações radio telegráficas, sobretudo em Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe, Angola o Moçambique.
Só o plano radiotelegráfico de Angola importará em 24:000 contos, e, em Moçambique, está prevista a aquisição de dezassete estações.
Na colónia de Angola instalaram-se mais de 5:000 quilómetros de linhas telegráficas ; em Luanda montou-se uma contrai telefónica automática.
A construção do aeródromo de Lisboa está prestes a ultimar-se, e no campo de aviação do Porto iniciaram-se os trabalhos indispensáveis à preparação do terreno e instalação.
No ultramar prosseguem os estudos e as obras de instalação dos aeroportos: da Ilha do Sal, em Gabo Verde - da Ala Littoria -, e o de Bolama, terrestre e marítimo, já utilizado pelo aviões da Pan-American; estabeleceu-se a ligação aérea de Timor com a Austrália e com as índias Holandesas e fixou-se Macau para terminus das carreiras da Pan-American para o Extremo Oriente.
Em Angola e Moçambique os serviços de transportes aéreos desenvolvem-se cèleremente; adquirem-se aviões dos mais modernos, constroem-se novos, campos de aterragem, melhoram-se os que já existem, dotando-os de estações radiogoniométricas.
E não pode seir esquecida a importância das redes dos caminhos de ferro das nossas colónias, cada vez mais ampliadas e apetrechadas com as indispensáveis condições modernas.
Só em Moçambique se activa a construção do caminho de ferro de Tete -cujos primeiros 100 quilómetros importarão em 60:000 contos- e a das linhas do Vale do Limpopo, de Quelimane e de Moçambique, e se melhora a de Lourenço Marques, em Angola não é menor a intensificação desta tarefa: estuda-se o caminho de ferro do Zaire e o prolongamento da linha de Luanda, havendo-se concluído a construção dos suas variantes; traça-se o ramal do Dondo, cujo importe subirá a 7:000 contos; prolonga-se o caminho de ferro de Amboim e o do Mossâmedes, procedendo-se também ao alargamento da linha actual. Nos trabalhos do caminho do ferro de Mossâmedes gastar-se-ão cerca de 40:000 contos.
Na índia têm-se efectuado custosos trabalhos nu linha férrea de Mornugão.
E, Sr. Presidente, se a execução da política portuária das comunicações aéreas e dos caminhos de ferro nos entusiasma pela magnitude e desenvolvimento que está assumindo, outro tanto acontece com a ampliação e beneficiamento da rede de estradas e melhoramentos rurais, que o Estado, por si só ou em regime de comparticipação com as autarquias locais, vem promovendo e realizando.
Para a construção de estradas novas da metrópole e melhoramento das actuais ficaram, cativos para o ano corrente mais de l15:000 contos, destinando-se às primeiras mais da terça parte.
Na Guiné e no Estado da índia melhoram-se as estradas, tendo-se levado a termo várias obras de arte.

Página 44

DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 108 44

Pela, projecção política, económica e social, há a considerar os obras dos melhoramentos rurais e urbanos da metrópole; vindos desde há dez anos, estes trabalhos tem alcançado os mais rendosos resultados.
Não existe povoação do País que não haja sido beneficiada por este benemérito serviço do Estado. Do abastecimento de águas (para as povoações com mais de 1:000 habitantes, a cargo da Secção de Melhoramentos de Aguas e Saneamento, incumbindo-se das restantes a Secção dos Melhoramentos Rurais), à construção de tanques e lavadouros e de cemitérios, e à abertura ou beneficianento de caminhos vicinais e aos arruamentos urbanos, de tudo se dá conta pelo Pais além.
Tudo e simples nas formalidades burocráticas a observar na petição de subsídios que as câmaras municipais, juntas de freguesia e até comissões - particulares podem requerer; era regime de comparticipação financeira, que pode ir a mais de 50 por cento -concedida pelo Estado, que dá também assistência técnica e administrativa- têm sido efectuados admiráveis trabalhos, de higiene, conforto e de civilização.
Devido aos esforços do Estado Novo, vão desaparecendo as fontes de chafurdo e os focos de infecção e insalubridade das populações, abrem-se ruas e caminhos vicinais e melhoram-se outros, leva-se saúde e felicidade aos lugares anuas afastados do País, por onde já se pode viajar em qualquer época do ano com segurança e comodidade ; e ao mesmo tempo que se combate o desemprego aperfeiçoa-se a mão de obra, - utilizando trabalhadores com aptidão especial.
Para se fazer idea do valor e extensão das obras já executadas -estradas municipais, caminhos, calçadas, águas e cemitérios- pela Direcção dos Melhoramentos Rurais, basta apontar as importâncias despendidas desde que se criaram estes serviços: 113:408 contos, dos quais 16:700 pertencem aos dez meses do ano corrente.
Na Guiné edificam-se casa para funcionários, em Macau fazem-se grandes melhoramentos urbanos, e em Angola e Moçambique constroem-se bairros para os nativos. Pelo Fundo do fomento de Angola numerosas construções tem sido efectuadas, tanto para os serviços administrativos como para residência dos funcionários em zonas de fronteira ou do mau clima.
Sr. Presidente: dos valiosos trabalhos de fomento agrícola, que o Governo vem empreendendo devem salientar-se os que se relacionam com o repovoamento florestal, pecuária e serviços afins.
Mas ao lado destes trabalhos outros se contam que hão-de, num futuro não distante, trazer avultados benefícios à economia nacional.
O levantamento da carta agrológica da metrópole é um dos grandes problemas que havemos de resolver se quisermos, ciente e conscientemente, vencer a batalha do aproveitamento agrícola do nosso território. Pois é, felizmente, neste sector que se envidam agora os maiores esforços do Ministério da Economia.
Não é bastante conhecer a constituição geológica dos terrenos para aquilatar-se do grau da sua produtividade; há-de ter-se em couta a influência do clima e de outros elementos, dado que a análogas rochas não correspondem idênticas modalidades de flora.
Só o conhecimento das manchas pedológicas ou definidoras da aptidão cultural das terras permitirá ao agricultor aproveitar racionalmente o solo, tal-qualmente o fazem os países mais progressivos.
A ciência da pedologia era mal conhecida entre nós, motivo por que houve que enviar-se à Inglaterra e a América do Norte quatro agrónomos a estudá-la. Estes, ao regressar, fizeram escola na Estação Agronómica Nacional, onde prepararam quinze técnicos pedologistas.

á se começou a trabalhar na carta agrológica metropolitana no distrito de Santarém, onde se levantaram.
20:O00 hectares; nesta região não só se procede ao estudo da constituição do solo e da influência do clima e das séries crosionáveis, como ainda se adestrará maior número de técnicos, esclarecendo-se também os agricultores.
Presentemente elaboram-se estudos pedológicos na região de Eivas; um 1942 deverão estar levantados cerca de 100:000 hectares e daqui a cinco anos mais de 500:000, havendo o direito de supor que, a progredir-se nesta escala, dentro de poucas décadas a carta agrológica do País será uma realidade flagrante e consola flora.
Cuida-se, igualmente, do levantamento da carta fitogeográfica; paru este fim estuda-se a flora primitiva do País ainda existente no Gerez, na Arrábida e na Tapada da Ajuda e as espécies dela derivadas ou não: flora arbóica., arbustiva e ervense. A base científica do repovoamento florestal de todo o País só pode ser conseguida após o perfeito conhecimento da carta fitogeográfica.
A carta fitogeográfica de Angola já se encontra levantada; nela trabalharam, devotada e sabiamente, o saudoso Prof. Carriço, Dr. Ascensão Mendonça e Grossweiler. Do valor deste notabilíssimo estudo falam com grande e merecido elogio todos os maiores botânicos do mundo.
Em Cabo Verde iniciou-se, esperançosamente, o plano de repovoamento florestal, há tantos anos desejado.
Actualmente o Governo está criando numerosos campos experimentais de estudo de cultivo do trigo em regiões de diferente clima e constituição geológica: Elvas, modelar estação de melhoramento de cereais, sob a orientação da Estação Agronómica Nacional-em terreno granítico arcaico; Pegões - no pérmico; Alandroal - no silúrico; Idanha - no miocénico lacustre de Castelo Branco; Figueira de Castelo Rodrigo - no câmbrico; Serpa - nos burros de Beja; Castro Verde - no carbónico; Serra do Caldeirão - em terrenos erosionáveis, e, finalmente, no cretaico e juraico do Algarve.
Esta, campanha de intensificação do cultivo do trigo vem sendo levada a cabo dentro da máxima economia o dos mais prometedores resultados.
Estuda-se a utilização das terras do Alentejo em regime de regadio, aproveitando as águas superficiais e subterrâneas; já se instituiu o primeiro posto em Alvalade, com condições de ser facilmente ampliado. Se os resultados forem os que se prevêem, teremos ganho a maior batalha de todos os tempos, havendo achado a incógnita do nosso maior problema do fomento agrícola - a irrigação do Alentejo, o celeiro de Portugal.
Igualmente, Sr. Presidente, no nosso ultramar promovem-se e efectuam-se trabalhos da maior importância agrícola e pecuária: desenvolvimento progressivo dos serviços de agricultura e dos de coordenação económica; estudo da irrigação dos vales inferiores dos rios Bengo, Cuanza, Cavaco e do M'Brige, na colónia de Angola, e da rega dos vales de Umbeluzi e do Limpopo, tendo-se, para tal fim, contratado sábios naturalistas estrangeiros.
Três organismos pre-corporativos do ultramar - Junta de Exportação dos Cereais das Colónias, Junta de Exportação do Algodão Colonial e Junta de Exportação do Café - têm atingido brilhantemente os seus fins, embora maior lustre pertença por emquanto às duas primeiras instituições, mais antigas do que a última.
Coordenando, fomentando e melhorando a produção indígena e europeia, criando armazéns e câmaras de expurgo, e por meio de estudos aturados e repetidos ensaios, estes organismos concorrem eficientemente

Página 45

11 DE DEZEMBRO DE 1941 45

para enriquecimento da economia das colónias e da metrópole.
Mercê das inteligentes directrizes do Ministério das Colónias - assegurando os preços mínimos de compra e a aquisição de todo o cereal-, a produção do milho do Angola atingiu, em 1940, 150:000 toneladas, no valor de 80:000 coutos; a colheita do ano decorrente, apesar dos ocidentes climáticos, crê-se que andará em volta de 120 a 130:000 toneladas.
Como a produção do milho sobe extraordinariamente e receando-se que os mercados seus consumidores nacionais e estrangeiros não absorvam o excedente, pensa-se na possibilidade da industrialização deste cereal para o fabrico de álcool.
O cultivo de trigo em Angola aumenta consideravelmente; esta colónia, que importava quási todo o cereal necessário ao seu consumo - cerca de 8:000 toneladas -, já produz o bastante para as suas necessidades e para exportar para outras províncias ultramarinas e até para a Madeira o metrópole.
Estima-se em 14:000 toneladas a colheita de 1941; do seguimento desta feliz orientação do Ministério das Colónias espera-se que, dentro de dois a três anos, a produção de trigo angolano ascenda a 20:000 toneladas.
Devido à notável política de fomento colonial desenvolvida pelo Governo, conseguiu-se que a colheita do algodão das nossas colónias venha crescendo incessantemente e alcance 22:000 toneladas (17:000 de Angola e cerca de 5:000 de Moçambique), ou sejam 92 por cento do algodão que o País necessita - 24:000 toneladas; a restante percentagem ó quási totalmente preenchida por algodão de tipo especial, não produzido no nosso ultramar.
Tanto as autoridades administrativas - fazendo a propaganda junto dos indígenas- e os técnicos -trabalhando dentro de mais rigorosas e modernas normas científicas - como as empresas concessionárias e os colonos europeus compreenderam o espírito da excelente legislação algodoeira e colaboram com a maior dedicação e entusiasmo nesta magnífica campanha económica.
Dos factores que mais contribuíram para incrementai-a produção algodoeira salientam-se os que se relacionam com os prémios pagos pela Comissão Reguladora do Comércio de Algodão em Rama - perto de 20:000 contos, desde Maio de 1938 - e com o estabelecimento dos preços mínimos para o algodão colonial.
Se a cultura do algodão foi fomentada por João Belo e engrandecida pelo Dr. Armindo Monteiro, só depois das medidas tomadas pelo Dr. Francisco Vieira Machado é que os objectivos foram completamente alcançados.
Também é digno de apontar-se o desenvolvimento crescente do fomento pecuário das nossas colónias; em Angola ampliou-se a Estação Zootécnica da Humpato, criou-se a Estação Zootécnica Central, na Ganda, e está em conclusão o edifício do Laboratório Central de Patologia Veterinária.
Sr. Presidente: e já que aludi aos nossos principais problemas de fomento agrícola, julgo oportuno falar um pouco dos trabalhos que visam incrementar o fomento mineiro metropolitano e colonial.
Fazem-se estudos sobre a possança das minas de ferro do Marão, de Moncorvo e de Guadramil e várias brigadas pesquisam em todas as regiões de Portugal; da segunda mina pensa-se que renderá minério suficiente para os nossas necessidades -100:000 toneladas anuais- durante cento e cinquenta anos.
Abalizados técnicos estrangeiros decidirão, dentro de poucos meses, das possibilidades da fabricação do ferro, em Portugal.
Temos minério e possuímos bons calcáreos e carvão de madeira; todavia, faltai-nos a energia e precisamos do estudar o problema dos transportes. Não poderemos, por escassez, utilizar nem a hulha nacional de S. Pedro da Cova - cuja possança já foi calculada - nem, presumivelmente, a da sua vizinha região de Midões; só o aproveitamento hidroeléctrico dos rios portugueses dará inteira satisfação às necessidades da indústria do ferro e de outras que se forem criando.
Em Jales, perto de Vila Real, e, sobretudo, em Valongo há minério aurífero, respectivamente com 12 e 14 gramas de teor. Na primeira mina apenas se faz o concentrado e a separação, e em Valongo já se procede à amalgamação e não demorará que se realize a cianuração - logo que chegue a maquinaria adquirida na Alemanha.
Fundiu-se há pouco tempo a primeira peça de ouro de Valongo ; o Estado adiantou à respectiva empresa 1:600 contos e 'todo o ouro ali produzido, cerca cie 20 a 30 quilogramas por trimestre, será comprado pelo Banco de Portugal.
Proceda-se, igualmente, a pesquisas de níquel e de amianto em varina - regiões de Portugal.
Nas colónias realizam-se trabalhos de prospecção mineira em grande escala nas minas de cobre do Bembe e Quibocolo, cujos trabalhos importaram em 5:000 contos ; criou-se um campo de lavra aurífera no enclave de Cabinda e prossegue-se no estudo dos jazigos de carvão asfáltico do interior do Luanda, de ferro e de manganês. O asfalto angolano já é largamente empregado na pavimentação das ruas de Luanda, emprestando à cidade um aspecto interessante e de civilização. Em Moçambique as pesquisas mineiras e os reconhecimentos geológicos, realizados directamente pelos serviços técnicos da colónia, ampliam-se incessantemente, havendo-se nomeado para tal fim uma missão especial, chefiada por um técnico estrangeiro de reputação mundial.
Não impelirei as considerações que há três anos fiz nesta Assembea sobre o aproveitamento das riquezas mineiras da África Oriental Portuguesa. Não me dispensarei, contudo, de citar os riquíssimos campos auríferos ultimamente descobertos no norte da colónia.
Sr. Presidente: trabalha-se activamente no inquérito à nossa industria continental, e técnicos portugueses e estrangeiros dos mais afamados estudam presentemente a instalação na metrópole das importantes indústrias de sulfato de amónio, da folha de Flandres, da pasta de papel, da cortiça e da metalurgia de ferro.
A inteligentíssima, política seguida pelo Ministério da Economia virá a dever-se a efectivação deste grandioso programa de realizações imediatas.
Construir-se-ão três grandes fábricas de sulfato de amónio -em Estarreja, Alferarrarede e Beja-, para abastecimento do País, com a capacidade de produção de 70:000 a 90:000 toneladas, tantas quantas são precisas à nossa agricultura; serão empresas particulares, respectivamente Sapee, União Fabril e Air Liquide, que tomarão tam pesados encargos.
A primeira fábrica produzirá 40:000 toneladas e o seu importe irá a moais de 130:000 contos; será portuguesa a maior parte do capital da sociedade, e a Federação Nacional dos Produtores- de Trigo - a entidade que mais parece do produto - contribuirá com 15:000 contos, comprometendo-se a adquirir um grande número de acções. As fábricas de Alferrarede e de Beja produzirão cada uma 25:000 toneladas.
Está claro que para estas fábricas entrarem em plena laboração necessitamos de energia eléctrica em abundância, o que, infelizmente, não possuímos ainda. Se para a fábrica de (Estarreja a electricidade poderá vir das centrais do norte, e para a de Alferrarede da Sociedade Hidro-Eléctrica Alto Alentejo, ou da central do Zêzere, quando estiver concluída, a fábrica

Página 46

DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 108 46

de Beja só poderá ser movimentada pela central instalada ao Guadiana.
É indispensável resolver, e sem demora, este último problema da produção de energia eléctrica, fundamental para a política económica, do sul do Fará; com a activação de outras indústrias todas as povoações do Alentejo e Algarve seriam abastecidas da energia vinda da central do Guadiana.
Quando as três fábricas estiverem a trabalhar, deixaremos de adquirir os adubos estrangeiros, e por consequência muitos milhares de contos ficarão em Portugal a promover a riqueza e abastança; o sulfato de amónio, então obtido em boas condições, permitirá intensificar enormemente o fomento agrícola nacional - a principal fonte da nossa economia.
Outro problema muito importante é o da produção da folha de Flandres, que o Governo tem quási resolvido e de uma maneira felicíssima também.
Estudada a instalação desta indústria na metrópole, faltavam recursos financeiros e a coragem para montá-la.
Conseguiu-se que o Fundo corporativo do Instituto Português de Conservas de Feixe entrasse na sociedade, com cerca de 15:000 contos, e que assegurasse ainda a subscrição de todo o capital necessário; só a fábrica a instalar, provavelmente em Matozinhos, importará em mais de 90:000 contos.
A indústria da pasta de papel também não tardará a ser instalada em Portugal. Um técnico suíço, dos mais categorizados do mundo, estuda o assunto. A fábrica será instalada em Santa Comba Dão, onde não faltam a água nem os pinheiros, em homenagem ao Sr. Presidente do Conselho. Custará mais de 90:000 contos, importância que será em parte suíça e na outra portuguesa.
Por falta de energia eléctrica e porque se precisa de vapor de água a fábrica funcionará a lenha.
Quanto à indústria da cortiça, já se iniciou o seu estudo, e a metalurgia do ferro vai ser considerada também.
Actualmente trabalha-se dedicadamente na reorganização das indústrias existentes; o critério da organização em pequenas e grandes unidades industriais, entre outros fins, visa a produção em condições económicos que nos permitam concorrer com a indústria estrangeira. Já isso aconteceu com a indústria de chapéus o de resinas.
Acompanhando o ritmo progressivo da metrópole, em Angola, por exemplo, desenvolvem-se as indústrias de peixe e seus derivados, das carnes preparadas e lacticínios, do algodão hidrófilo, da cerâmica, dos tabacos, do açúcar e das madeiras. As importantíssimas indústrias salineiras de Cabo Verde e de Angola estão a atingir elevado grau.
Sr. Presidente: relativamente á construção dos dois grandes hospitais escolares e aos novos edifícios da Universidade de Lisboa, assunto a que me referi aqui no ano passado, tenho a declarar que prosseguem activamente os trabalhos da segunda fase das terraplanagens necessárias à implantação do hospital de Lisboa e os da primeira fase do hospital do Porto.
As dificuldades resultantes da conflagração mundial levaram a adoptar o critério da construção em duas grandes empreitadas, havendo-se já adjudicado o fornecimento das cantarias; está em via de resolução o fornecimento de blocos de tipo especial para os pavimentos, sendo de esperar que no próximo ano se prepare o concurso da primeira fase do Hospital Escolar de Lisboa.
Quanto aos novos edifícios universitários, houve necessidade de adaptar a execução do projecto definitivo os possibilidades construtivas do momento, substituindo-se, por exemplo, as vigas de betão por outros de madeira, depois de convenientemente tratadas.
Nas colónias portuguesas também se progride bastante no campo das instalações sanitárias e hospitalares.
Em Angola instalam-se os serviços de saúde centrais e regionais, postos sanitários e delegações de saúde, e constroem-se os hospitais de Nova Lisboa - para 700 leitos, no montante de 20:000 contos - , o de Sá da Bandeira e o de Vila Henrique de Carvalho. Em Moçambique, ao lado da actividade do desenvolvimento da rede de postos sanitários, que devem prestar assistência aos indígenas, erigem-se novos pavilhões para o hospital de Lourenço Marques, dignos de nota pela sua amplitude - como nenhum outro possuímos ainda , e aperfeiçoamento absolutamente de acordo com os mais modernos princípios da ciência hospitalar.
Também, Sr. Presidente, a Junta de Construções para o Ensino Técnico e Secundário não esmoreceu em seu labor, que, no ano passado, foquei de modo especial.
Estão em curso a construção de três liceus novos e a ampliação e melhoramento de cinco, subindo estas obras, nos dez meses de 1941, a mais de 7:000 contos.
Para 1942 está prevista a construção de quatro liceus novos o a ampliação e beneficiamento de outro. No Império de além-mar, a par de grande número de escolas primárias, achara-se quási concluídos os Liceus Salvador Corroía, em Luanda - o mais belo edifício de ensino secundário de Portugal - , cujo custo total foi de 15:000 contos, e o de Diogo Cão, na Huíla; e a escola agropecúária Dr. Francisco Vieira Machado, na Humpata - a mais importante sob o ponto de vista da colonização portuguesa - , que importará em mais de 3:500 contos.
Em Moçambique também têm sido construídos numerosos edifícios escolares; encontra-se em conclusão o projecto do novo Liceu Salazar, em Lourenço Marques - que ficará sendo o mais vasto e importante edifício liceal de toda a Nação.
E Sr. Presidente, para fim do balanço geral que estou a fazer sobre o valor e grandeza dos melhoramentos materiais a receber pelos estabelecimentos de ensino de todo o Império, guardei algumas referências na obras a efectuar com a projectada e tam ansiadamente requerida cidade universitária de Coimbra.
Falei há um ano nesta tribuna, com o maior entusiasmo e contentamento, deste tam interessante plano, cuja execução é absolutamente necessária à veneranda Universidade; confesso que já ia entristecendo por não ver iniciados quaisquer estudos ou projectos.
Desvaneceram-se, no entanto, todas as minhas apreensões ao tomar conhecimento da nomeação de ilustres personalidades para formar a comissão encarregada daqueles trabalhos, crente como estou de que se entrará numa fase de amplas realizações.
Sr. Presidente: é tempo de terminar a longa exposição que venho proferindo. Mas, antes de o fazer, permita-me V. Ex.ª que diga algumas palavras acerca das medidas que, muito sábia e previdentemente, o Governo tem promovido com o humano e patriótico intento de atenuar as maléficas repercussões da guerra sobre o abastecimento da nossa população e, sobretudo, na economia de aquém e de além-mar.
São dignos de louvor todos os esforços realizados pelos Ministérios da Economia, Colónias e Interior no sentido de combaterem o açambarcamento e a expeculação com os géneros alimentícios e para facilitar a troca de produtos metropolitanos ou coloniais.
Das démarches efectivadas no respeitante à intensificação das trocas dos géneros coloniais portugueses será oportuno apresentar alguns elementos elucidativos esclarecedores da actuação governamental.
Como se sabe, a Inglaterra tem procurado não privar do seu abastecimento regular alguns países, concedendo os cônsules britânicos navicerts - landcerts - certifi-

Página 47

11 DE DEZEMBRO DE 1941 47

cados de trânsito marítimo ou terrestre com certo prazo de validade, em regra sessenta dias - de determinadas mercadorias, dentro dos contingentes previamente estabelecidos; os nossos contingentes, se foram algo ampliados para certos produtos - algodão, por exemplo, permitem-nos trazer toda o, nossa produção colonial -, para outras mercadorias ultramarinas ainda estão longe do que é justo, sendo de esperar por isso que venham a ser satisfeitos os nossos desejos.
Porque temos apenas um contingente de 6:000 toneladas de café - e ao Angola produz mais de 10:000 -, a Inglaterra decidiu comprar-nos 5:000 toneladas deste produto, para as entregar a Espanha, sendo o café adquirido ao preço de 25 libras (37$50 por quilograma), fob portos da colónia de Angola, sob condição de ser transportado em navios portugueses, pagando-nos o frete.
Um outro muito valioso serviço prestou o Estado à economia do Império e a bem da amizade Luso-Espanhol, ao facilitar a Espanha a aquisição de géneros coloniais portugueses; permitiu a efectivação desta benemerência a Inglaterra, aquiescendo em conceder os indispensáveis certificados de transito.
O nosso Governo, no intuito de cooperar no abastecimento de Espanha, e dado que esta nação tem dificuldades na saída de cambiais, abriu um crédito de 50:000 contos, garantido pelo Governo Espanhol, para compra de mercadorias coloniais portuguesas, sendo esse crédito pagável em prestações sucessivas.
Forneceremos copra, feijão, óleo de palma, rícino, milho, sisal, óleo e farinha de peixe; cabe aos barcos espanhóis a incumbência de irem buscar a maior parte dos produtos directamente às nossas colónias.
Se bem que esta excelente actuação tanto concorra para melhorar a economia do nosso Império, outros géneros, fora dos reduzidos contingentes que nos são atribuídos, ficavam & espera de ser negociados.
For isso, parece-me interessante apontar a fórmula apropriada, concebida por uma sociedade portuguesa particular para activação do intercâmbio comercial entre as nossas colónias e alguns países da Europa -Espanha, Suíça, Eire , e as nações da América; dentro da mais estrita neutralidade, os serviços britânicos do bloqueio concedem a essa sociedade os certificados de trânsito necessários para todas as mercadorias oriundas das colónias portuguesas, a reexportar na metrópole.
Para os géneros vendidos no ultramar, será sempre possível obter navicerts e landcerts, embora sejam limitados os contingentes estabelecidos pelos ingleses paru os países estrangeiros importadores.
As mercadorias ultramarinas portuguesas podem ser depositadas na metrópole em atocha, os quais nunca poderão exceder 25:000 toneladas; porém, quando houver necessidade, o Governo apoderar-se-á destes produtos para o destino que julgar mais conveniente. É do justiça, porém, que o stock dos géneros coloniais deva subir muito além do limite agora estabelecido e que os ingleses sejam mais liberais na parte formularia, sem o que a nossa economia de além-mar se ressentirá bastante.
E mercê deste interessante conjunto de circunstâncias que a exportação colonial tende a aumentar, para bem da agricultura ultramarina e do engrandecimento da economia geral da Nação.
Como se deduz do que acabo de referir, o Governo olha com o maior carinho pela colocação dos nossos produtos coloniais; se não consegue resolver as enormes e prementes dificuldades por que as colónias passam, no entanto empenha-se, denodadamente, em minorá-las. For isso lhe são devidos os maiores louvores. Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente:-A discussão na generalidade da proposta de lei de receitas e despesas continuará na sessão de amanhã.
Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 35 minutos.

O Redactor M. Ortigão Burnay.

CÂMARA CORPORATIVA

Errata

Por terem saído incompletas, publicam-se novamente as assinaturas do parecer da Câmara Corporativativa sobre a proposta do lei n.º 16(5, publicado no Diário das Sessões n.º 107, de 8 do Dezembro corrente:

Rui Enes Ulrich, Assessor e relator.
José Gabriel Pinto Coelho, assessor sem voto.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Esequiel de Campos.
Pedro Inácio Alvares Ribeiro.
João Duarte.
Jaime Porreira.
Albino Vieira da Rocha.
António Tarajo Formigal.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

Página 48

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×