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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES

N.º 109

ANO DE 1941

12 DE DEZEMBRO

II LEGISLATURA

SESSÃO N.º 104 DA ASSEMBLEA NACIONAL

Em 11 de Dezembro

Presidente o Ex.mo Sr. José Alberto dos Reis

Secretários os Ex.mos Srs.
Carlos Moura de Carvalho
Gastão Carlos de Deus Figueiredo

SUMARIO:-O Sr. Presidente declarou aberta a sessão ás 15 horas e 45 minutos.

Antes da ordem do dia. - Vai aprovado, com emendas, o último número ao Diário das Sessões.
Foi autorizado o Sr. Deputado Mário do Albuquerque a depor como testemunha.

Ordem do dia. - Prosseguia a discussão da proposta de lei de autorização do receitas e despesas, tendo usado da palavra os [...]. Deputados Araújo Correia, Melo Machado, Antunca Gimarais Proença Duarte e Nunes Maria.

Srs. Deputados presentes à chamada, 54.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão, 7.
Srs. Deputados que faltaram á chamada, 9.

Srs. Deputados que responderam à chamada:
Abel Varzim da Cunha e Silva.

lberto Cruz.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Alexandre de Quental Calheiros Veloso.
Álvaro Salvação Barreto.
António de Almeida.
António de Almeida Pinto da Mota.
António Augusto Aires.
António Cortês Lobão.
António Maria Pinheiro Torres.
António Rodrigues dos Santos Pedroso.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Artur Ribeiro Lopes.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto Cancela de Abreu.
Augusto Faustino dos Santos Crêspo.
Augusto Pedrosa Pires de Lima.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Moura de Carvalho.
D. Domitila Hormizinda Miranda de Carvalho.
Fernando Tavares de Carvalho.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Guilhermino Alves Nunes.
Henrique Linhares de Lima
João Antunes Guimarãis.
João Botto de Carvalho.
João Garcia Nunes Mexia.
João Garcia Pereira.
João Luis Augusto das Neves.
João Maria Teles de Sampaio Rio.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarata de Campos.
Joaquim Rodrigues de Almeida.
Joaquim Saldanha.
José Alberto dos Reis.
José Dias de Araújo Correia.
José Maria Dias Ferrão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Júlio Alberto de Sousa Sohiappa de Azevedo.
Luiz Cincinato Cabral da Costa.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Figueira.
Luiz José de Pina Guimarãis.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.

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Manuel Pestana dos Reis
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Sebastião Garcia Ramires.
Sílvio Duarte de Belfort Cerqueira.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vasco Borges.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Eduardo Valado Navarro.
Alfredo Delesque dos Santos Sintra.
Álvaro de Freitas Morna.
António Carlos Borges.
José Alçada Guimarãis.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Luíza de Saldanha da Gama Van-Zeller.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Acácio Mendes de Magalhãis Ramalho.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Angelo César Machado.
António Hintze Ribeiro.
Joaquim de Moura Relvas.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Gualberto de Sá Carneiro.

osé Maria Braga da Cruz.
Juvenal Henriques de Araújo.

O Sr. Presidente:-Vai proceder-se à chamada. Eram 15 horas e 39 minutos. Fez-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 54 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 45 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: -Está em reclamação o Diário da última sessão.

O Sr. Belfort Cerqueira:- Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer as seguintes rectificações ao Diário: na p. 40, col. 1.ª, 1. 24.ª e 25.ª, onde se lê: «concede», deve ler-se: e concedem »; na mesma página, mesma coluna, 1. 32.ª, onde se lê: «neste caso», deve ler-se: «no caso considerado!; na mesma página, mesma coluna, 1. 45.ª e 46.ª, onde se lê: «exercer», deve ler-se: «promover» ; na mesma página, col. 2.ª, 1. 63.ª, onde se lê: «estatística», deve ler-se: «estatista»; na p. 41, col. 1.ª, 1. 2.ª, a cifra «400:000 contos» deve ser corrigida pata «360:000».

O Sr. Presidente: -Visto que mais nenhum Sr. Deputado pede a palavra sobre o Diário, considero-o aprovado com as alterações apresentadas, ;
Pausa.

O Sr. Presidente: - Está na Mesa um pedido de autorização para o Sr. Deputado Mário de Albuquerque depor como testemunha. .
Proponho que seja concedida a autorização pedida.
Foi concedida.

O Sr. Presidente:-Vai passar-se à .

Ordem do dia

O Sr. Presidente:-Tem a. palavra o Sr. Deputado Araújo Correia.
O Sr. Araújo Correia: - Sr. Presidente: apresentar uma proposta de substituição que modifica sensivelmente a economia de uma das mais importantes disposições da lei de meios.
Para justificar essa proposta terei de expor, na generalidade e com certa amplidão, o que me parece ser um dos magnos problemas da vida portuguesa.
Peço a V. Ex.ª e à Câmara desculpa do tempo que vou tomar e paciência para me ouvirem.
Na vida moderna todos os agentes económicos têm de ser cuidados com inteiro conhecimento e nítida idea do lugar que ocupam no processo da produção. Mas nenhum deles desempenha hoje papel tam importante como a energia eléctrica, quer ela resulte da transformação de combustíveis sólidos, líquidos ou gasosos, quer derive do aproveitamento da força hidráulica de rios.
Sendo o subsolo português pobre de jazigos carboníferos, tanto em quantidade como em qualidade de combustível, naturalmente se desviaram para os rios os olhares dos que procuravam encontrar fórmula que permitisse abastecer o País de energia. Com efeito, a configuração orográfica do continente pressupõe logo a existência do quedas altas, e a pluviosidade, acentuada no norte e no maciço central, indica abundância de água. Vi como os dois factores essenciais para a produção de energia hidroeléctrica suo a altura da queda e a quantidade de água, iniciaram-se há muito estudos no sentido de determinar com suficiente aproximação quais os recursos hidroeléctricos do País.

Mas o mero conhecimento dos possibilidades de produção de energia hidroeléctrica é apenas um factor a considerar num problema que tem muitas facetas.
À existência de energia estão ligados os mais importantes aspectos da vida nacional, e por virtude de circunstâncias excepcionais, entre nós, não interessa ao problema da electricidade apenas um dos seus aspectos - o da indústria, o da iluminação pública e particular ou o de uso domésticos.
De soluções adequadas e económicos devem resultar altíssimos benefícios para a transformação da principal fonte de actividade portuguesa -que é a agricultura - porque a energia eléctrica barata pode ser a base em que assente, no futuro, a modificação do Alentejo, a mais vasta zona agrícola do País e ao mesmo tempo a de menor densidade demográfica.
Produzir energia não constitue, pois, um problema simples que deva ser resolvido isolado de outros que dele podem ser consequência. E defini-lo, ou tentar resolvê-lo, sem atender a esses outros, é contribuir para complicar uma questão que, se não for convenientemente esclarecida, poderá trazer o estiolamento no futuro de importantes actividades nacionais.
Sr. Presidente: sendo Portugal um País de possibilidades hidroeléctricas relativamente largas, e, de carência grave em matéria de combustíveis, è lógico supor que já haja perfeitamente realizado um inventário sério dessas possibilidades - um inventário que nos permita dizer com aproximação o caudal de cada rio, o quantitativo de energia que ele pode fornecer, o preço de custo da energia, os locais dos melhores aproveitamentos, tendo em conta a geologia, a retenção da água e a sua importância no regime dos rios, a- altura da queda, os mercados consumidores, a energia sobrante para usos electrolíticos e outros, as centrais de reserva necessárias no verão, os usos industriais e agrícolas e a proximidade dos mercados, toda uma vasta série de elementos, facilmente colhidos e estudados, que, postos em face uns dos outros, nos poderiam mostrar, sem receio de cometer erros graves, que em última análise são sofridos pela Nação, a prioridade deste ou daquele aproveitamento.

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Apesar de há mais de trinta anos fie discutir neste Faia o problema da hulha branca, ninguém poderá hoje dizer, firmado em bases técnicas e económicas, seriamente fundamentadas, que existe esse inventário e que por consequência a prioridade do aproveitamento cabe a este ou àquele sistema - que devem ser utilizados neste ou naquele aproveitamento os dinheiros públicos.
Não se pode argumentar contra a não existência desse inventário com a falta de elementos ou com a morosidade na sua execução.
Desde 1928 que vêm sendo instalados por todo o País postos udométricos que determinam a altura das chuvas. Já se encontram executados os levantamentos topográficos, pelo menos com suficiente aproximação, de quási todos os rios ou ribeiras nacionais, e a iniciativa particular tem feito registos e pedidos de concessões, acompanhando-os de estudos que fornecem elementos importantes para o traçado de um inventário dos recursos hidroeléctricos portugueses.
Todos esses elementos, conjugados com o consumo presente e as probabilidades no futuro, e tendo em atenção o custo, por unidade de energia, no local e nos centros consumidores, a natureza do consumo -se agrícola ou industrial -, determinariam, sem receio de grandes erros, a prioridade para a execução deste ou daquele aproveitamento.
Mas uma vez esta estabelecida, um outro factor aparece logo a empanar a luminosidade das conclusões, quando vistas apenas pelo lado económico e técnico.
Ligado ao problema hidroeléctrico nacional está o próprio regime dos rios portugueses -que em certas épocas do ano se despenham em torrentes das serranias-, quer tenham a sua origem em Portugal, quer a tenham em Espanha. E assim pode muito bem acontecer que um outro factor político-económico venha desviar do primeiro plano certo aproveitamento recomendável por sua utilidade económica -para dar lugar a outro que, não se afastando muito, ajuda a regularizar o regime incerto e ruinoso do rio- e corrija o seu carácter torrencial.
As cheias que todos nós conhecemos, por seus efeitos devastadores no Tejo e no Mondego, são realidades que, por si, podem levar a preferências e desviar as atenções de um bom aproveitamento para outro que, não sendo economicamente tam recomendável, pode contudo ter de ser adoptado por atenuar ruínas e perigos.
Sem perder de vista estas considerações de ordem genérica, e para ilustrá-las no tocante ao nosso País, vejamos alguns aspectos do problema:
Em 1939 consumiram-se em Portugal 375.622:000 unidades, ou 447.973:000, se se incluírem os consumos de centrais e as perdas nas linhas.
Em centrais hidroeléctricas produziram-se 183.171:000 unidades e nas termoeléctricas 264.801:000, das quais 156.531:000 no distrito de Lisboa e 34.803:000 no do Porto. Cerca de 21,6 por cento desta última energia resultou de combustíveis nacionais e cerca do 78,4 por cento, ou 207.540:400 unidades, vieram de combustíveis estrangeiros. Daqui resulta que os recursos nacionais produzem actualmente cerca de 54 por cento do consumo total.
Fundamentalmente, pois, o problema hidroeléctrico tem de ser encarado no sentido de satisfazer o consumo de 46 por cento da energia originária de combustíveis estrangeiros, ou seja, aproximadamente, 207 milhões de unidades.
Estes 207 milhões de unidades acham-se repartidos por todos os distritos de Portugal, mas concentram-se mais nos de Lisboa e Setúbal. Ao primeiro cabem 148.060:000 unidades e ao segundo 28.079:000
E, por consequência, no centro do litoral que se concentra o consumo da energia proveniente de combustíveis estrangeiros, e é esta zona que é necessário atender em primeiro lugar. Pode, por conseguinte, prever-se que, se fosse possível, de um momento para outro, substituir os consumos de energia estrangeira por energia nacional, seria necessário produzir 200 milhões de unidades, em números redondos, na zona central do País, ou em outra onde ela existisse em condições de poder ser mais economicamente aproveitada.
Este é, Sr. Presidente, o primeiro aspecto do problema. Ele é de ordem estritamente económica. Pressupõe a existência dos capitais necessários para a adaptação dos actuais consumidores ao uso da energia hidroeléctrica e implica a produção dessa energia em condições de custo idênticas ou inferiores às que agora prevalecem.
A bacia hidrográfica do Tejo está naturalmente indicada para fornecer o centro litoral do País com o quantitativo de energia de que ele carece-se lá puder ser obtida essa energia em boas condições de custo. E, se for possível conjugar a obtenção de energia com outros aspectos do problema do Tejo e da economia nacional, ter-se-á reduzido ao mínimo o encargo naturalmente grande de um aproveitamento em larga escala.
Assim, a bacia hidrográfica do Tejo nacional tem de ser considerada como um todo, de modo a que dela se extraia o máximo rendimento e em condições que caibam dentro dos recursos financeiros nacionais. Há que atender às necessidades da agricultura além-Tejo, às cheias do próprio Tejo e à elasticidade e custo da obra, que deve ser encarada tendo em conta o desenvolvimento e a possibilidade de adaptar o consumo actual à nova fonte de produção, não vá o preço do custo tornar impossível o uso da energia a fins industriais e agrícolas.
A bacia hidrográfica do Tejo, em Portugal, no ponto de vista de força motriz, é constituída pelo próprio rio e por seus afluentes, Pônsul, Ocreza, Zêzere e Nisa. Este é o sistema que tem de ser considerado no conjunto. Ë dele que há-de vir a energia necessária à zona litoral, se não houver outro que a possa fornecer em melhores condições, e a que há-de, num futuro próximo ou longínquo, conforme a inteligência e o saber dos nossos homens públicos, alterar grandemente as zonas alentejanas.
Quais as possibilidades hidroeléctricas deste sistema? Que quantitativo total pode ele fornecer? Que aproveitamentos, dentro de todo o sistema, são mais económicos, mais elásticos, mais seguros e melhor satisfazem ao carácter torrencial do próprio rio e de seus afluentes?
Respostas a estas preguntas constituem a súmula do primeiro aspecto do aproveitamento da bacia do Tejo.
Tentemos, raciocinando alto, lançar alguma luz sobre a questão.
A ribeira de Nisa encontra-se integralmente aproveitada. O Pônsul, pela hidráulica agrícola, está a ser regularizado, pelos menos parcialmente, com a construção de uma barragem destinada a represar água para fins agrícolas. Bestam o Zêzere, o Ocreza e o Tejo. São os três rios de maior caudal, os mais torrenciais e os que podem fornecer maior quantidade de energia. Contando com as cabeceiras do Zêzere e pressupondo cuidado, saber e bom senso nos estudos e execução das obras, não é exagerado computar em 600 a 700 milhões de unidades o total da energia que o sistema pode oferecer - talvez toda ela em condições de utilização económica.
Como aproveitar este vasto reservatório de energia sem esquecer os factores a que já se aludiu atrás, relativos ao consumo e custo, às disponibilidades financeiras, às cheias no Ribatejo, aos recursos agrícolas da margem sul, às características do sistema hidrográfico,

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e a que se poderão agora juntar as possibilidades de navegação até à fronteira e as exigências da defesa nacional?
O Tejo, a montante de Alvega, corre entre margens pedregosas, formadas de granitos, xistos e quartzites, nas alturas de Ródão, A conjugação das cheias torrenciais que vêm de Espanha com as dos seus principais afluentes, o Zêzere e o Ocreza, que provêm da Estrela e Guardunha, causa as grandes cheias do Ribatejo. Para aã corrigir torna-se necessário corrigir o próprio Tejo e estes dois grandes afluentes.
As máximas cheias de inverno não são, no dizer de (intendidos, aquelas que produzem maiores estragos: há quem as suponha mesmo benéficas.. No dizer de um especialista: «as grandes cheias nem é possível nem conveniente que deixem de entrar nestes campos, uma vez que o não façam por forma tumultuosa e desordenada, sob pena de a região feracíssima que borda o rio perder 90 por cento do seu valor». A corrente deve ser moderada, as águas clarificadas de modo a provocarem e favorecerem o depósito de nateiros que vêm em suspensão. E isto consegue-se, não pela retenção total das cheias, que de resto é impossível, mas peta criação de obstáculos quo moderem a velocidade das grandes torrentes - e ao mesmo tempo evitem as chamadas àzielas ou pequenas cheias de outono e principalmente da primavera- que estragam, sem compensação, as culturas feitas. E, assim, o que é necessário é proceder a obras que evitem que grandes massas de águas acorram ao mesmo tempo e de repente.
De tudo se couclue que se as grandes torrentes de Espanha, do Ocreza e do Zêzere fossem dominadas pela construção de uma série de barragens se alteraria profundamente o regime das cheias.
Este, Sr. Presidente, é um aspecto do problema. O outro diz respeito u própria navigabilidade do Tejo. Não sobra o tempo para traçar agora a sua importância histórica, a sua influência e as suas possibilidades. Basta dizer que não há obstáculos sérios que impeçam essa navegação por barcos relativamente grandes até montante de Abrantes depois de regularização conveniente do rio. O problema mais difícil está para cima, quando o leito se torna pedregoso e apertado.
Finalmente, o terceiro aspecto reside na defesa, nacional. A armazenagem de grandes volumes do água constituo perigo sério e grave, sobretudo em zonas sujeitas a cheias. Qualquer empreendimento tem de considerar a possibilidade de um dia poder haver uma rutura -voluntária ou acidental-, e o desprendimento de enorme massa de água viria a arruinar sem remédio uma extensa e rica zona muito povoada.
Estes aspectos -o das cheias,, o da navegação, o da defesa nacional-, além dos que se referem ao custo de energia e mercados consumidoras,- constituem no fundo o problema do aproveitamento da bacia hidrográfica do Tejo português.
Estudos demorados, feitos até hoje na bacia do Zêzere, culminaram, depois de terem sido encorados várias soluções, na construção de uma barragem em Castelo do Bode, não longo de Constância. As suas características principais são:

Altura da barragem - 113 metros.
Agua armazenada (total) - 1:100 milhões de metros cúbicos.
Capacidade útil - 875 milhões de metros cúbicos.
Potência disponível 83:900 KW.
Despesa total (antes da guerra) - 250:000 contos.
Produção anual - variável entre 168 e 336 milhões de kWh.
Volume total de betão - 718:600 metros cúbicos.
Volume das escavações - 174:500 metros cúbicos.
Extensão da albufeira à cota de 121 metros - 59
quilómetros.
Área inundada - 3:450 hectares.

Continua a haver opiniões divergentes sobre a construção desta barragem, mas suponho que na opinião da maioria, e tendo em conta apenas o aspecto económico do custo por unidade de energia, esta é a melhor solução, se te considerar apenas o baixo Zêzere. Os seus inconvenientes, nos outros aspectos, são patentes e graves.
Não ajuda a navegação do rio Tejo acima de Constância. Não é elástica, visto ter de ser feita de uma assentada e ter de produzir logo de começo o máximo ou quási o máximo das sitas possibilidades, sob pena de perder as características económicas que porventura possua. A queda é inteiramente formada por uma: barragem que fica sendo talvez a mais alta da Europa e que armazena para cima de um bilião de metros cúbicos do água. Qualquer rotura nessa barragem teria como resultado o desprendimento de enorme volume de água, com consequências que ninguém, no presente momento, pode avaliar, tam terríveis elas seriam para a vasta, rica e densamente povoada zona do Ribatejo.
O seu custo envolve o gasto de 250:000 contos, conforme orçamento antigo feito sobre um anteprojecto. Baseado em estimativas semelhantes, calculadas sobre projecto definitivo de empreendimento parcialmente executado e com máquinas encomendadas também antes da guerra, posso informar que, se aquela cifra for multiplicada por dois, o custo se avizinhará mais da realidade. Ponhamos 500:000 contos mas isto representa apenas uma estimativa, porque no momento actual não é possível fazei orçamentos, mesmo aproximados.
Estes são os principais aspectos da obra do Castelo do Bode: inclásticos, não ajuda a navegação do Tejo para cima de Constância; armazena volume de água perigoso num local que domina uma das mais ricos e povoadas zonas do País. Parece ser económico, mas muito menos do que o que os estudos preliminares mostram; ajuda a resolver o problema da energia na zona central do País e concorre para melhorai o regime das cheias do Tejo, a jusante da sua confluência, em Constância.
No ponto de vista técnico, a sua execução, tanto quanto se pode avaliar do exame do anteprojecto, não parece sei impossível, se bem que não haja prática de obras deste género no País. Obras hidráulicas que têm de suportar grandes pressões e necessitai de descarga de grandes, volumes de água em cheias, assentes sobro xistos e gneisses do tipo dos de Castelo do Bode, suo muito delicadas. Pode acrescentar-se a existência de uma falha no fundo do vale, localizada por intermédio das perdas de água.
Há quem tenha a opinião de ser possível aproveitar o baixo e médio Zêzere por uma série de barragens menos perigosas, que levariam ao mesmo objectivo. A solução não foi convenientemente estudada e sobre ela nada de positivo se pode dizer.
Resta, na bacia hidrográfica do Tejo, o próprio Tejo e o Ocreza. O Tejo corre entre margens fragosas desde Alvega até à fronteira. O Ocreza desagua perto de Barca da Amieira e vem desde a Guardunha entre margens mais pedregosas ainda do que as do Tejo. As cheias num e noutro destes rios contam-se entre as mais prejudiciais de Portugal e no Ocreza são, pode dizer-se, instantâneos. De um momento para outro enchem de quási uma dezena de metros o leito do rio.
A regularização do Tejo e do Ocreza, com uma série de quatro ou cinco barragens, produziria cerca de 300 milhões de unidades de energia, certamente mais, se convenientemente estudado o sistema, do que é possível

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obter em Castelo do Bode. Não se podem dar orçamentos, lias as vantagens que adviriam da execução deste sistema resumem-se assim: é perfeitamente elástico; sendo constituído por quatro ou cinco barragens, a construção de cada uma pode ser feita na medida das necessidades do País; actua fortemente, quando completo, no regime de cheias, porque cria, obstáculos no Tejo e num dos seus afluentes mais caudalosos; não tem o perigo de roturas de grandes massas de água porque pode avaliar-se no máximo de 250 milhões de metros cúbicos a armazenagem de uma barragem com cerca de 50 metros de altura, e, como esta é a que corresponde à cabeceira da retenção das águas, os efeitos da rotura seriam facilmente atenuados pelas duas ou três que ficam a juzante; resolveria de vez a possibilidade de navegação do Tejo no seu troço mais difícil, entre Abrantes e a fronteira, e permitiria o financiamento gradual conforme as necessidades do consumo.
Não se sabe exactamente se o custo de energia por unidade é maior ou menor do que o de Castelo do Bode. Há razões para crer, porém, que será inferior. Contudo, sobre isso nada se pode dizer, como se não pode determinar com exactidão a estimativa total da obra, pelas razões já apontadas atrás.
O sistema Tejo-Ocreza cabe perfeitamente dentro das possibilidades técnicas portuguesas.
Resta dizer que tanto um como outro aproveitamento foram registados por entidades particulares. A concessão do primeiro - do Zêzere - já caducou. O sistema Tejo-Ocreza foi alvo de diversos pedidos, mas não há, no presente momento, qualquer concessão. Mantêm-se actualmente apenas pedidos da concessão, que podem ser negados se os interesses superiores do Estado, que a tudo sobrelevam, isso indicarem. Os dois sistemas estão, assim se pode dizer, em idênticas circunstâncias no ponto de vista jurídico.
Ora, concluindo, não sendo os recursos financeiros nacionais ilimitados, nem as possibilidades de consumo sem fim, exercendo a produção da energia eléctrica tam profunda influência na vida de um país, pareceu-me conveniente descrever aqui os dois principais sistemas hidroeléctricos da bacia hidrográfica do Tejo. Não me pronuncio nem por um nem por outro, porque não considero os estudos do sistema Tejo-Ocreza suficientes para poder emitir uma opinião definitiva.
Se os dois vierem a ser feitos, o que presumo será realidade num futuro mais ou menos longínquo, o total de energia que deles pode resultar, incluindo a temporária, será talvez superior a 900 milhões de unidades. Mas isso pressupõe naturalmente industrialização avançada, sobretudo em actividades que possam usar com proveito económico a energia temporária.
Entendo, porém, que o sistema que for mais elástico e tiver em conta a navegação e oferecer perigos menores o atender ao mesmo fim, no que diz respeito a cheias, e produzir gradualmente quantidades de energia da infama ordem de grandeza e custo deve ser cuidadosamente considerado antes de resolução definitiva.
Nesta tribuna já emiti opinião sobre o financiamento pelo Estado de obras deste tipo. Não considero política do fomento apenas a dos portos, caminhos de ferro e estradas.
A execução de aproveitamentos hidráulicos financiados directamente pelo orçamento é, porém, novidade na vida financeira portuguesa.
A iniciativa particular não conseguiu até hoje suprir falias neste aspecto da vida económica talvez por não ler sido bem compreendida, e a intervenção do Estado impunha-se há muito tempo.
A falta dessa intervenção e iniciativa levou às dificuldades actuais, que, contudo, não podem agora ser resolvidas, porque tomará muitos anos a execução de qualquer dos aproveitamentos do sistema hidrográfico do Tejo - quer ele seja o do Zêzere, ou o do Ocreza. Sr. Presidente: todas estas longas considerações levam a um fim. Não tendo em consciência opiniões formadas sobre as vantagens de um e de outro esquema na bacia do Tejo e não havendo qualquer inconveniente na demora de alguns meses, que é o que levará o estudo do sistema Ocreza-Tejo, não posso votar a alínea E) da proposta de lei tal qual está redigida, e proporia por isso a sua substituição por esta:

E) Aproveitamentos hidroeléctricos na bacia hidrográfica do Tejo.

Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Mela Machado: - Sr. Presidente: a uniformidade anual desta proposta, que, pode dizer-se, é sempre a mesma todos os anos, constitue para mim o seu melhor elogio. Todavia esta uniformidade dá uma certa dificuldade a quem todos os anos vem ocupando-se da sua discussão, em arranjar cousas novas para dizer a respeito de um assunto que, afinal, é sempre o mesmo.
O ilustre relator da Câmara Corporativa é quem arranja sempre maneira de em cada ano melhorar o seu parecer, e o deste ano vem tam recheado de elementos que tudo aquilo que me foi necessário para estudo do assunto o encontrei no parecer da Câmara Corporativa. Em matéria de elogio desse parecer não sei dizer mais nem melhor.
Há oito anos que apresento nesta tribuna as preocupações do contribuinte perante a lei fiscal e as suas injustiças, derivadas essencialmente de matrizes defeituosas, corrigidas por factores arbitrários que deixam permanecer intactas as injustiças existentes ou alteradas por novas avaliações, feitas por quem não conseguiu, na sua execução, dar-lhe o carácter de justiça que as tinha determinado.
È esta a grande tragédia do contribuinte, sem falar nas pequeninos cousas, nas desatenções para com o contribuinte e até nas disposições traiçoeiras da lei, que parecem ali colocadas de propósito para o fazer cair em falta.
Ternos conseguido muito com esta nossa acção? Pouco? Nada?
O balanço não será necessariamente animador, e seria porventura para desistir, se essa palavra existisse no meu dicionário quando estou convencido de que tenho razão.
Para não estar a repetir constantemente o enunciado de cousas já ditas, direi a V. Ex.as que continuo a não compreender por que razão as avaliações feitas a requerimento daqueles que têm de pagar a contribuição de registo por título oneroso só actuam na alteração das matrizes quando o contribuinte não tem razão.
E um tal princípio de uma justiça que não encontro maneira de o compreender.
Continuo a não perceber por que não se fixa dia determinado para o encerramento dos cofres das tesourarias públicas.
Ainda este ano esses cofres foram encerrados para a contribuição predial em 29 de Setembro, e eu assisti no meu concelho ao desapontamento dos contribuintes que chegaram a 30 absolutamente convencidos de que, chegados no último dia do prazo, vinham todavia a tempo de saldar as suas contribuições, quando, afinal, ouviram .dizer que estos já estavam relaxadas.

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São prejuízos de tal monta que bem me parecia que se fizesse esta tam insignificante alteração na lei, estabelecendo dias absolutamente certos e determinados, de modo que não houvesse possibilidade de enganos para encerrar o pagamento nesses dias.
Cousas mínimas, cousas insignificantes?
Suponho que estas cousas não se fanem pela mesma razão por que não se cunha uma moeda de vinte e cinco centavos para acabar com a batalha do meio tostão, que faz maus figados a meia Lisboa, sendo certo que a amoedação dá lucro ao Estado.
Cousas mínimas, cousas insignificantes, mas parece-me que nada ó mínimo nem insignificante quando significa falta dê espírito de justiça e de respeito pelos direitos do contribuinte, que é, afinal, quem sofre e quem paga.
Apoiados.
O ano passado, numa das últimas sessões, fiz um requerimento para que me fossem, fornecidos os números referentes às avaliações requeridas pelos proprietários ou pelos secretários de finanças e ainda os números referentes aos concelhos totalmente avaliados.
V. Ex.as sabem que a linguagem seca e inexpressiva das estatísticas serve para todas as divagações e dá argumento para todas as opiniões.
De maneira que eu não vou discutir os números que logo na primeira sessão, com uma pontualidade de agradecer me foram, fornecidos, e digo isto porque, apesar de ter dado quási um amo de espaço, na verdade era um trabalho difícil e moroso, e não posso, repito, deixar de manifestar o meu reconhecimento por esses números terem chegado exactamente na hora própria. Assim, vou dar resumidamente a V.Ex.as o resultado desses números.
Nas avaliações requeridas pelos secretários de finanças no ano de 1938 foram avaliados 1:526 prédios. Desse, número, 1:513 viram aumentados o seu rendimento colectável em 6:767 contos e apenas 13 conseguiram uma redução de 5 contos, números redondos.
Em 1939 foram mandados avaliar 4:631 prédios, e desses, 4:617 viram o seu rendimento colectável aumentado em 13:519 coutos e apenas 14 viram o seu rendimento deminuído em 5 contos.
Em 1940 foram mandados avaliar 2:932 prédios, dos quais 2:898 viram acrescido o sou rendimento colectável em 13:137 contos e apenas 34 deminuídos em 25.725$.
Como V. Ex.(tm) voem, nestas avaliações requeridas pelos secretários de finanças é tudo pela medida grande ...
Devo dizer ao Sr. Deputado Aguedo de Oliveira, que ontem fez aqui o elogio do contribuinte a que até, para salientar êsse elogio, aludiu ao facto de inúmeros proprietários prejudicados pelo ciclone a grande maioria, para me servir da frase de S. Ex.a, «não tugiu nem mugiu» que esses fizeram muito bem porque os que tugiram, em lugar de serem beneficiados, viram a filia contribuição aumentada!
Mas houve proprietários corajosos, em número muito maior do que aquele que eu poderia, supor, e isto por conhecimento directo que tenho dos factos, porque quando se requero uma avaliação o resultado é quási sempre negativo o quási sempre há um conselho amigo do secretário de finanças que nos diz: «Veja lá em que se mete». De maneira que ou fiquei verdadeiramente surpreendido ao ver o número ide prédios cujos proprietários requereram avaliações para o efeito de deminuição de valor matricial, e, assim, em 1938 avaliaram-se nestas circunstâncias 17:733 prédios, dos quais -1:599 viram o seu rendimento colectável aumentado em 230 contos e 14:134 deminuído em 2:129 contos.
Em, 1939 foram avaliados 16:689 prédios, dos quais 3:508 viram o seu rendimento colectável aumentado em 145 contos e 13:131 deminuído em 1:970 contos.
Em 1940 o resultado das avaliações foi o seguinte: 15:187 prédios foram avaliados, tendo 3:519 subido de valor em 151 contos e 11:668 baixado 1:747 contos.
Em todo o caso, dêste panorama antagónico resulta o seguinte: um aumento efectivo no valor do rendimento colectável de 27:008 contos.

E aqui estará porventura a resposta a uma pregunta que fiz nesta Assemblea o ano passado: Por que será que, sendo a taxa da contribuição sempre igual, o seu rendimento cresce sempre?
Há ainda, Sr. Presidente, os concelhos totalmente avaliados. Não são muitos; são oito, rigorosamente. Entretanto, há aqui três concelhos o de Montemor-o-Novo, que viu quási duplicada a verba principal das suas contribuições, e os de Coruche e Torres Novas, a que sucedeu outro tanto - que quero destacar.
Apenas um concelho, destes que aqui estão mencionados como totalmente avaliados, conseguiu ver deminuída a sua contribuição, e esse foi o de Ariana do Castelo.
Em todo o caso é interessante notar que no próprio concelho de Montemor-o-Novo, onde as contribuições tinham duplicado, encontramos que as avaliações requeridas pelos proprietários conseguiram em 1939 que sessenta e três prédios desse concelho obtivessem uniu redução de 321.000$, o que parece significar que não foram feitas com cuidado as avaliações em Montemor-o-Novo, visto que logo no ano seguinte deram lugar a reclamações, que foram atendidas.
Nos outros concelhos não encontro na estatística que me foi fornecida qualquer elemento, mas suponho que com o susto tivessem perdido a fala ...
Há no entanto aqui, tanto numas avaliações como noutras, uns casos curiosos, para os quais quero chamar a atenção, de V. Ex.as
Por exemplo, nas avaliações requeridas pelas repartições de finanças encontro aqui num concelho cinco propriedades cujo rendimento colectável aumentou em 37$89. Vejam V. Ex.as como esta balança é de um rigor tal que é capaz, neste caso iam extremamente variável como é o rendimento de uma propriedade agrícola, de encontrar, para causticar os proprietários de cinco prédios, o insignificante aumento de 27$ 89 no rendimento colectável!
E V. Ex.as não se esqueçam de que, quando o requerente decai, quem paga as custas é ele. Mas, para não ficarem os dois sistemas em desigualdade, verifico que também nas avaliações requeridas pelos contribuintes houve uma, entre muitas outras - eu cito uma -, no distrito do Porto, concelho de Valongo, em que o rendimento de uma propriedade subiu $26.
Eu só admiro, Sr. Presidente e Srs. Deputados, como há entidades no Ministério das Finanças que sancionem casos deste género !
Dito isto, que são apreciações sobre estes elementos, quo me foram fornecidos pelo Ministério das Finanças, está terminada a minha observação neste particular. Quando mo referi à coragem do contribuinte em requerer estas avaliações esqueci-me de dizer a V. Ex.as uma das razões por que acho que é preciso ter coragem para o fazer. E esta: um exportador de frutas de um concelho próximo do meu que em virtude da guerra não exportava frutas nenhumas -o creio que não pode haver qualquer dúvida sobre o assunto, e se a houvesse existo um organismo, corporativo com autoridade bastante para a esclarecer-, supondo que haveria, espírito de justiça, requereu a anulação parcial da sua contribuição industrial, visto que deixava de exercer a sua indústria, pois não lhe parecia justo pagar a sua com-

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tribuição por inteiro. O que resultou disto foi pagar mais 3 por cento, por cento ter sido atendida a sua reclamação.
Aí têm V. Ex.as se é ou não preciso ter coragem, pois não basta o contribuinte ter razão para conseguir que lhe seja feita justiça.
Além do imposto sobre a contribuição predial, há um outro que parece inocente, que é o imposto complementar, que nunca vem mencionado sequer nesta lei de meios, o que não impede que ele tenha um peso grande sobre o contribuinte.
Começa esse imposto no rendimento de 11.000$, como se fosse realmente de considerar uma abastança suficiente para merecer os rigores do fisco uma importância que não chega a 1.000$ por mês, mas começa em 0,18 por cento e sobe tam rapidamente que certamente V. Ex.as lhe conhecem bem o peso.
Portanto, quando se fala da taxa do imposto de contribuição predial há sempre que associar-lhe este inocente imposto complementar. Isto faz-me lembrar os vinhos claretes criados na areia, que parecem muito inocentes mas que suo marinheiros! (Risos).
É o que sucede com este imposto complementar.
Já que falámos de valores matriciais, volto mais uma vez a falar no imposto sucessório.
Não esqueçamos que este imposto começa a cobrar-se a partir do valor de 100$. Quere dizer, considera-se fortuna passível de imposto sucessório 100$. Isto é, a meu ver, uma autêntica enormidade.
Não seria possível, pelo menos para os descendentes e para cônjuges que tivessem cinco ou mais filhos, até, digamos (quero ser muito modesto), ai fortuna de 20 contos, tendo em atenção o princípio constitucional que se baseia na família, e no respeito que devemos ter por essa instituição, prescrever a isenção do imposto sucessório, que causa, sobretudo nas famílias numerosas de escassos haveres, estragos irreparáveis?
Deixo, visto que não é possível constitucionalmente fazer uma proposta neste sentido, este meu desejo u consideração de quem de direito, desejo em que certamente me acompanharão aqueles honestos chefes de família portugueses que têm honradamente cumprido o seu dever, acrescentando ao património demográfico nacional o número dos portugueses ...

O Sr. Cancela de Abreu:- Tenho toda a força moral para apoiai- V. Ex.ª nesse particular.

O Orador:-Tivemos o prazer de verificar, pelo parecei da Câmara Corporativa, que uma das cousas que preocupou o Governo desde que começou a guerra, e que era a deminuïção dos rendimentos alfandegários, entrou numa fase melhor, e tanto ou tampouco que nos três últimos meses houve a possibilidade de compensar-se a deminuïção sofrida anteriormente, e que porventura terá sido já totalmente saldada. Isso deixa-nos prever que esse aumento de rendimento possa continuar.
Aproveito, com a independência que me dá o facto de não ter sido, não ser, nem já agora poder ser funcionário público, e com o direito que me dá o facto de ter sido eu, quando se apresentou aqui o imposto de salvação pública, quem impugnou a sua oportunidade, visto que o aspecto nesta matéria de rendimento não é tam mau que o próprio Governo não admita nesta proposta a atenuação de tal imposto, para fazer os meus rotos por que o imposto de salvação pública seja abolido ou sensivelmente deminuído, pelo menos para aqueles funcionários cujos ordenados não chegam e não chegavam, já anteriormente à guerra, para a sua decente manutenção, e que agora, com o aumento sensível do custo da vida, se vêem em dificuldades dolorosas.

Apoiados.

Faço, por consequência, votos, Sr. Presidente, eu, que nenhum interesse tenho na matéria, faço votos, repito, para que essa deminuição, ou anulação, seja um facto.
De resto, verifiquei por essas lutas que vêm na imprensa, dos saldos de tesouraria, que eles já passaram da classe dos 300:000 para a classe dos 500:000, e isso dá-me esperança de que o voto que emito possa ser satisfeito.
Há ainda nesta proposta uma questão da anais alia importância, ou por outra, números ido mais alto interesse, que se referem à hidráulica agrícola, com a qual há já um dispêndio de 150:000 contos.
Tenho tanto que dizer sobre este assunto que já o ano passado, quando discutimos as contas públicas, me reservei para apresentar este ano um aviso prévio, e afirmo a V. Ex.as que esse aviso prévio será apresentado amanhã, e que me reservo para então tratar, com a maior extensão que lhe puder dor e pela melhor forma que as minhas faculdades me permitirem, esse problema, que considero como sendo da maior importância para o País.
O que há, Sr. Presidente, de novo na proposta deste ano é a autorização para o Governo, por meio da proposta de reconstituïção económica, tratar do problema do Zêzere. .
V. Ex.as ouviram já desta tribuna duas exposições sobre o assunto, aliás muito autorizadas: uma do Sr. engenheiro Belfort Cerqueira e outra, do Sr. engenheiro Araújo Correia, que me precedeu no uso da palavra.

devo dizer a V. Ex.as a seguinte: a idea da barragem do Zêzere é-me extremamente simpática, por duas razões: a primeira, porque acho de necessidade absoluta que se resolva o problema hidroeléctrico em Portugal. Essa borragem do Zêzere; que me não atrevo a discutir tecnicamente, terá a vantagem de poder, segundo os dados que me deram as repartições competentes, não só fornecer uma grande quantidade de energia eléctrica, como socorrer aã outras empresas hidroeléctricas, que em geral no verão ou não têm energia para fornecer ou se socorrem de máquinas termoeléctricas.
O aspecto do consumo da electricidade não me preocupa, porque justamente Lisboa e os seus arredores, como aqui já foi dito, têm um consumo enorme, que é alimentado por carvões, importados.
Além disso, esse consumo cresce 10 por cento em cada ano, e ninguém contestará que nós estamos na infância da indústria, que a nossa indústria só espera a existência da energia barata para se poder desenvolver.
Há uma série de projectos para indústrias novas, como ainda ontem o Sr. Deputado António de Almeida referiu, todos eles interessantíssimos, mas que certamente nunca poderão realizar-se emquanto a energia eléctrica tiver o custo de hoje. E eu, que não sei distinguir tecnicamente se é mais aconselhável a barragem do Zêzere ou de qualquer outro rio, regozijo-me por ver que o Governo pensa realizar uma obra deste vulto e desta importância, e tenho a certeza de que se ele pensa nisso é porque, considerando todas as vantagens e todos es inconvenientes, tem o propósito de optar pela melhor solução.
É evidente que não me repugna aprovar a proposta do Sr. Deputado Araújo Correia, para que, em lugar de darmos autorização para se fazer a barragem do Zêzere, concedamos autorização ao Governo para tratar do aproveitamento hidroeléctrico do Tejo. Mas, além deste aspecto da energia eléctrica, há uma outra cousa que me interessa extraordinariamente nesta questão. E que, se não resolvemos o problema das inundações do Tejo - que não são provocadas só pelas águas dos afluentes deste rio e têm origens mais longínquas, visto

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que a maior parte das águas do Tejo vêm de Espanha-, em todo o caso lançamos uma boa pedra para começar a regularizar este problema.
Mas mais, Sr. Presidente, a verdade é que só com esta obra o curso estival do Tejo melhora extraordinariamente, e isso não só permitirá a irrigação durante os meses de verão, como também permitirá que as propriedades ribeirinhas façam a sua pequena irrigação, na qual eu começo a ter um pouco mais de confiança do que na grande.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Sr. Antunes Guimarãis:-Sr. Presidente: todos os anos subo a esta tribuna para pronunciar algumas palavras sobre a proposta de autorização de receitas e despesas e acêrca do parecer da Câmara Corporativa.
Subo sempre com satisfação a êste lugar, porque venho capacitado de que vou apreciar diplomas que são a expressão de uma administração acertada e que, desde há muito já, garante a restauração financeira do Portugal e o sen progresso proveitoso no campo económico.
Hoje, Sr. Presidente, sinto a mesma satisfação do accionista que vai apreciar um relatório que, previamente, ele tem a certeza de apresentar uma administração inteligente, acertada e profíqua.
Nesta proposta usa-se, como sempre, de linguagem breve, muito sóbria, mas que diz tudo. E se atendermos ao grave momento de agora, mostro-nos o milagre realizado de o nosso Pais, nas circunstâncias terríveis que atravessamos, como reflexo do temporal que domina o mundo, conseguir apresentar um orçamento de receitas em que as contribuições principais não são alteradas: por exemplo, a contribuição predial continua com as taxas anteriores.
O Sr. Deputado Melo Machado acaba de apontar, sobre esta tributação, casos muito para lamentar e para atender, mas é justo afirmar que, nas circunstancias actuais, é muito de apreciar que essas taxas não tenham de sofrer qualquer alteração, pois os contribuintes só com sacrifício aniquilador as suportariam.
Todos nós sabemos que ocasião tam difícil não é asada para se deminuir contribuições.
Mas, tendo-se referido o Sr. Deputado Melo Machado também ao imposto sucessório, devo dizer que a aspiração de todos nós, como representantes da Nação, é a de que o Estado, logo que surjam condições favoráveis pára isso, o reduza ou suprima mesmo, muito principalmente para descendentes. Mas, emquanto essa solução ideal não for viável, reedito agora o meu alvitre do ano passado: que o Governo, a exemplo do que sucede com outras contribuições como a que incide sobre os usu-frutos, como o reembolso de verbas despendidas em certos melhoramentos, como as dos aproveitamentos hidroagrícolas permita o pagamento do imposto sucessório em muitas prestações, tantas quantas o erário consinta, porque isso facilitaria o seu pagamento, sem condenar, quantas vezes!, os herdeiros, os continuadores de uma estirpe de portugueses, a empenhar ou ter de vender o património recebido de seus pais.
Verifico ainda, pelo parecer que acompanha a proposta de autorização apresentada pelo Sr. Ministro das Finanças, que felizmente Portugal pode cobrir quási totalmente o déficit que se tinha verificado nas receitas aduaneiras com certos aumentos de exportações. Isto mostra que o nosso Pois teve possibilidade de, no momento difícil de agora, proporcionar aos trabalhadores portugueses elementos de trabalho e até de riqueza, más legitimamente, porque os lucros da guerra, sobro os quais vai incidir um imposto que já tinha sido aprovado em principio nesta Ássemblea Nacional, são, na sua maioria, resultantes do aproveitamento de riquezas nacionais, mediante o trabalho honrado de muitos portugueses, lucros que vão também contribuir para aumentar as receitas do Estado, em momento em que outras tendem a declinar, tendo eu a certeza de que a fórmula de tributação há-de ser justa e oportuna.
Há uma afirmação nesta proposta de lei que muito me satisfez: é a de que o Governo não suspenderá as obras de reconstrução económica, continuando a dar preferência àquelas que representem a colocação de braços de portugueses e que visem o maior progresso económico e bem-estar da população.
Mas diz o Governo que para conseguir tudo isso precisará de fazer economias e vai reduzir as despesas. Afirmação digna de todo o louvor. Trata-se de capitulo em que há muito que fazer, porque ainda há bastante a cortar, como certos automóveis de serviços públicos que circulam constantemente, e até muitas vezes nos dias em que tais veículos não podem ser utilizados por muitos particulares que os usam como instrumento de trabalho, com que ganham o que vão levar à tesouraria. Chega-se a recear que certas pessoas se deshabituem de andar a pé, tam frequente é vê-las de automóvel.
Há instalações excessivamente luxuosas, em manifesta desproporção com a modéstia das actividades que lhes dizem respeito; e outras despesas que sem inconveniente poderiam ser evitadas. Todos os louvores ao Governo pelos cortes que na execução de tam oportuna política vier a ordenar.
Ditas estas palavras acerca da proposta, que tem desde já o meu voto, vou referir-me ao parecer da Câmara Corporativa, que todos os unos leio com muita satisfação, porque me permite fazer - digamos - uma- rápida excursão através da obra grandiosa realizada pelo Estado Novo, muito especialmente no capitulo da reinstituição económica, em execução da lei votada pela Assemblea Nacional e publicada com o n.º 1:914.
Teria esta excursão de ser muito demorada para apreciar tudo o que de valioso nela se encontra, mas sou forçado a seguir rapidamente por força do Regimento. No seu conjunto u excursão será agradável, e até confortará o espirito de soldados do Estado Novo; contudo não deixarão de surgir, aqui e ali, algumas covas... A maneira como o parecer está redigido, em capitulas bem separados, lembra-me os miradouros das estradas a convidar o viajante a parar para observar.
Terei de me suspender em alguns dêsses miradouros para admirar quási sempre, e até para aprovar e aplaudir, mas uma ou outra vez terei de comentar, possivelmente com algumas discordâncias, mas que deverão ser interpretadas como desejo de prestar leal colaboração ao Governo, isto é, procedendo sempre no sentido construtivo.
Apoiados.
Entremos, pois, no vasto sector da reconstituïção económica.
Na parte que respeita aos Ministérios da Guerra e da Marinha só tenho que aplauda, pois todas as despesas que o Governo faça para valorizar, com bom armamento, o nosso exército, sempre pronto a sacrificar-se com heroísmo pela Pátria, ó digno dos maiores louvores.
Apoiados.
A seguir vêm as obras dos portos, em execução de um decreto publicado em Setembro de 1929. Li com prazer que o ilustre relato cita muitos benefícios que para as diversas instalações portuárias resultaram de uma das primeiras afirmações do Estado Novo em matéria de grande fomento. Este capitulo daria para uma sessão, tal a sua influência na economia nacional, mas o Regimento é inflexível na limitação de tempo atribuído a cada orador. Passo adiante: correios, fotógrafos e telefones. Apenas lamento que, depois dos grandes pré-

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juízos originados pelo ciclone, que inutilizou muito material, obrigando a Administração Geral a grandes dispêndios, as dificuldades do mercado internacional tenham um reflexo muito prejudicial no desenvolvimento da rode telefónica, e, assim, ainda estejam muitas terras por atender, não se podendo realizar em relação a algumas regiões o que estava devidamente previsto no programa da rode telefónica. E há falta de circuitos entre terras importantes, do que resulta as chamadas demorarem muito a ser atendidas, chegando-se até a esperar horas por uma ligação, mesmo que se recorra à tarifa elevada de urgência.
Contudo, devo reconhecer a boa vontade o inteligência que presidem a êste sector da administração pública, no qual se mais se não faz é porque, como disso, as circunstâncias resultantes da crise que domina o mundo se juntou o ciclone com todos os seus prejuízos.
Quanto ao plano da radiodifusão nacional, não farei mais comentários pura juntar àqueles que na sessão legislativa passada tive de pronunciar acorra da lei que agora orienta esses serviços.
Somente esclarecerei que o primeiro decreto sobre radiodifusão data de 14 de Novembro de 1930, pois da leitura do parecer pode depreender-se que só em 1933 tam importante problema mereceu a atenção do Governo.
Também se foca na lei do meios o problema da urbanização. Verifica-se que continuam a abrir-se muitas avenidas, destinadas na maior parto a ficar sem habitações, esquecendo-se a conveniência da valorização das zonas centrais, onde os edifícios não satisfazem, muitas vezes, as exigências modernas. Contudo, pela sua situação são os que mais convêm aos que têm empregos no centro das cidades, e que, se tiverem de viver a grande distância, ou perdem muito tempo, ou são obrigados a despesas de transporte que não estão em proporção com seus reduzidos honorários.
Entendo que o Governo deve fazer uma política de valorização dos contros das cidades, sobretudo em Lisboa e Porto, mas adoptando uma fórmula de financiamento quo estimulo a construção de bons prédios nesses centros. A isenção do contribuição predial para construções e prédios melhores é da boa política, a qual deveriam seguir-se outras no sentido de facilitar os despejos, e fixar as matrizes em valores justos.
Segue o importantíssimo capítulo da instrução primária, que o Governo procura generalizar a todo o Pais com a Rode Escolar dos Centenários, em que vai despender, em comparticipação com as autarquias, a elevadíssima verba de 500:000 contos.
Trata-se de obra digna do grande Ciclo dos Centenários, obra que será completada com a construção de cantinas escolares, as quais, conforme só diz no parecer, são destinadas a atrair subsídios dos bemfeitores para a sua manutenção.

O Sr. Melo Machado:-V. Ex.ª dá-me licença? Eu concordo absolutamente com as palavras de elogio, que V. Ex.ª está proferindo. A minha dúvida ó se os câmaras municipais poderão suportar os encargos que advêm dessa proposta.

O Orador:-Estou absolutamente de acordo com a observação de V. Ex.a, porque sei que os rendimentos das câmaras municipais são muito reduzidos. Mas estou a apreciar a oportunidade de tam grande obra, e sei quo o Governo, qualquer que seja a fórmula a adoptar pura distribuição das verbas despendidas, não deixará de a realizar.
O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª dá-me licença? Isso ó feito, por assim dizer, como um empréstimo forçado das camarás municipais. O Govêrno empresta-lhes o dinheiro para fazer comparticipações; mas elas não ficam desobrigadas de pagar capital e juros.

O Orador: - Mas o Governo sabe muito bem que para equilibrar a administração central ó indispensável valorizar a administração local, isto é, as autarquias. De outra maneira teríamos uma administração desequilibrada; e o Estado Novo esforça-se por conseguir o equilíbrio.
Tenho a certeza de que o Governo, se verificar que foi além do que razoavelmente podia exigir as câmaras municipais, estudará a maneira de as compensar, para que da Rede Escolar dos Centenários não resulte o desequilíbrio dos orçamentos municipais.
Repito: congratulo-me, como português, por verificar quo no Ciclo dos Centenários se vai preencher uma das nossas graves lacunas, garantindo o ensino a todas as crianças portuguesas e organizando cantinas, para que se alimentem e não andem quási nuas.
Contudo, entendo que o esperar-se tudo da generosidade particular para a manutenção das cantinas está fora das realidades e das possibilidades.
Tenho já redigido, para ser oportunamente apresentado a esta Assemblea, um projecto do lei para a criação de lavouras da escola, que, à minha maneira minhota, designo «Casal da Escola», solução que se mo afigura prática o que, se merecer a aprovação desta Assemblea, ficará ligada também ao grande Ciclo dos Centenários, para que às crianças portuguesas, simultaneamente com o alimento espiritual, seja garantido o pão de cada dia e recebam certos ensinamentos de lavoura que lhes estimule o amor à terra.
Segue-se um capítulo que me é particularmente grato: o dos melhoramentos rurais.
Não farei sobre o assunto quaisquer considerações, porque teria de reeditar o que V. Ex.as me têm ouvido afirmar repetidas vezes.
O meu desejo é que as verbas que têm sido atribuídas a êsses serviços, e que se destinam à valorização de zonas que estavam esquecidas, sejam completa e utilmente aproveitadas, de maneira a justificar que o Governo vá alargando sucessivamente as quantias incluídas no respectivo orçamento, para assim corresponder à grande ânsia de progresso e bem-estar das populações rurais, ânsia traduzida na generosidade com que oferecem terras, com quo executam trabalhos gratuitos e fazem carretos também gratuitos, e muitas outras formas de boa colaboração, no desejo de tirarem suas aldeias do atraso em que desde muito se encontram.
Entramos agora no capitulo dos aeródromos. Fala-se mais uma vez no aeródromo do Porto. Esta designação está errada; não se trata de aeródromo do Porto, mas do aeródromo de Pedras Rubras.
Também nesta região existe o aeródromo da Ota v ninguém lhe chama o aeródromo de Lisboa.
O aeródromo de Pedras Rubras tem uma finalidade militar, mas o Governo determinou que a Câmara do Porto comparticipe das respectivas despesas, quando para o da Ota nada, se exigiu à Câmara de Lisboa.
O aeródromo cujo local foi aprovado pelo Governo a que tive n honra de pertencer é o da Madalena. Êsse é que pode vir a ser um aeródromo comercial, e portanto pode designar-se «aeródromo do Porto».
Este aeródromo integrava-se numa tríade de melhoramentos que foram propostos ao Governo a que pertenci, como uma nova ponte sobre o rio Douro, no lugar da Arrábida, visto as ligações do norte com o sul estarem dependentes unicamente da Ponte de D. Luiz, que já conta perto de sessenta anos.
Da Arrábida partiria então uma auto-estrada para servir o projectado aeródromo da Madalena, a qual passaria pelas lindas praias nortenhas de Francelos.

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Miramar, Agrida; Granja e Espinho, isto é, a Costa das Rosas.
Ouvi dizer que o ilustre titular das obras públicas já ordenou o estudo da nova ponte. Bem haja.
Passemos aos edifícios para hospitais escolares uns cidades de Lisboa e Porto. Melhoramentos urgentes e de reconhecível valor, porque há doentes e faltam camas para os receber. Mas eu volto a reeditar o que já disse desta tribuna sobre a situação do local escolhido para n do Porto. A cidade deseja o seu hospital escolar na zona citadina, onde vivem os infelizes que hão-de constituir seus futuros clientes. Esse hospital, segundo foi determinado, vai ser construído junto da estrada da circunvalação, na Asprela, a uma distância de 7 ou 8 quilómetros do centro da cidade, isto é, da zona habitada por esses infelizes. Conviria que fosse construído em local mais central, próximo da estação de caminho de ferro, e bem servido de outros meios de transporte, ao alcance dos doentes, das suas famílias, dos médicos e dos estudantes.
O local escolhido, e onde já se realizam terraplanagens, estaria bem indicado para uma aldeia do tuberculosos incuráveis.
E lembro que junto da cidade do Porto existem dois sanatórios, ambos por concluir, um em Monte Alto e outro no Monte da Virgem. Seria da maior vantagem e de toda a justiça que o Governo os mandasse concluir quanto antes, porque, desgraçadamente, não faltam tuberculosos abandonados, o que, além de constituir grande perigo de- contágio, se apresenta como nota tristíssima que cumpre evitar o mais rapidamente possível.
O Sr. Melo Machado referiu-se ainda a outro capítulo, que agora tenho debaixo dos olhos. E o dos aproveitamentos hidroagrícolas, com que o Governo visa a valorização de grandes áreas de pouca produção, ou por excesso de água ou falta de rega. Paro também neste miradouro, más apenas para ligeiras considerações, uma vez que o ilustre Deputado anuncia um aviso prévio sobre tam magno como momentoso tema.
Sou do Norte, não conheço bem o valor da propriedade no Sul, mas fiquei surpreendido com as verbas atribuídas aos trabalhos de valorização da cada hectare. Nos pontos onde essa verba foi mais baixa andou por 7.000$, mas casos há em que atingiu cerca de 48.000$. . A restituição de tam elevadas quantias, mesmo distribuídas por cinquenta anos, e com juro muito baixo, constituem ónus gravíssimo para os proprietários; e não sei se tal encargo será comportável perante os rendimentos prováveis desses terrenos. Conheço a zona norte, e declaro que só muito excepcionalmente se encontraria terreno com produção suficientemente rendosa para fazer face a tam pesado reembolso, agravado ainda com despesas de conservação, de contribuições- e outras inerentes à lavoura.
O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª é de uma região onde se rega. Por consequência, tem uma autoridade especial sobre o assunto.

O Orador: - Oxalá me engane... Mas uma vez mais lamento que a minha proposta de aditamento, a quando da discussão da lei dos aproveitamentos hidroagrícolas, garantindo as mesmas vantagens de financiamento e assistência aos melhoramentos de iniciativa dos proprietários, sempre que os respectivos projectos merecessem aprovação dos técnicos oficiais, não tivesse sido aprovada. Ë que os proprietários apenas procurariam melhorar o que fosse economicamente valorizável. Assim, deparo agora com números que me parecem muito elevados para que a lavoura remunere.
Mas, adiante: preciso referir-me ao Zêzere, magno problema que teve as honras de ser apreciado ontem pelo ilustre engenheiro Sr. Belfort Cerqueira e hoje pelos nossos ilustres colegas Srs. engenheiro Araújo Correia e Melo Machado.
Todos focaram aspectos interessantíssimos, e do Sr. engenheiro Araújo Correia ouvimos uma proficiente conferência sobre hidroelectricidade da bacia hidrográfica do Tejo.
As considerações de S. Ex.a dispensam-me de longa paragem neste assunto, mas fixarei o ponto focado pelo Sr. engenheiro Araújo Correia sobre o perigo que constituiria para toda a região do Tejo a jusante da sua confluência com o Zêzere a construção de um dique com 113 metros de altura, armazenando para cima de mu bilião de metros cúbicos, sujeito a muitas contingências, como tremores de terra, ou, no caso de guerra, a ser alcançado por bombas.
Uma das melhores várzeas de Portugal, constituída pelos campos que marginam o Tejo, sofreria danos incalculáveis, a que teriam de juntar-se os muitos centos de milhares de contos gastos no dique e na central. Alvitrou S. Ex.a que em lugar de uma represa de tal vulto se construíssem várias ...
As considerações de S. Ex.ª juntarei alguns reparos que surgiram no meu espírito quando o Sr. engenheiro Araújo Correia nos falou nessa vasta área que ia ser inundada. Assim, tendo o dique cerca de 113 metros de altura e o embalse mais de l bilião de metros cúbicos, o vale do Zêzere precisaria de ser inundado numa extensão de perto de 60 quilómetros.
É certo dizer-se no parecer que se trata de uma zona pouco produtiva. Mas pode ser pouco produtiva neste momento e vir a ser muito produtiva quando as margens forem devidamente aproveitadas.
Disse há pouco que sou do norte, e por isso não ignoro o esforço tenaz e perseverante realizado através dos séculos por toda essa população laboriosa para o aproveitamento das encostas que definem os diferentes vales do norte do País, desde o vale do Minho, onde os socalcos sobem quási até aos cumes, ao vale do Douro, onde o esforço secular é representado pelos degraus revestidos das vinhas durienses, que tanto valorizam essa admirável zona, que noutros tempos devia ter sido como presentemente é o Zêzere.

ecordo-me, meus senhores, de que Eça de Queiroz, no seu admirável livro A Cidade e eu Serras, com que se despediu da vida, referiu-se precisamente a essa margem do rio Douro, para nos mostrar um dos trechos mais belos de Portugal, dizer o que se poderia fazer, se ali se aliassem os elementos da técnica com as belezas e fertilidade da natureza. Passa-se essa admirável cena no Solar de Tormes, do concelho de Baião, sobranceiro ao rio Douro.
Por baixo dele tudo são socalcos, e acima, quási até aos píncaros dos contrafortes do Marão, continuam os socalcos, onde os cereais medram ao lado das oliveiras, das vinhas o dos pomares, e as casas modestas e os solares grandiosos lá estão a atestar o triunfo do esforço dos habitantes.
Depois das considerações do Sr. Deputado Araújo Correia, pregunto: será de boa economia inundar 6O quilómetros do vale do Zêzere?
Não perderemos assim tantos quilómetros de terra portuguesa, onde, quando a população aumentar, poderão viver muitos portugueses?
Orienta-me aquele critério que aprendi quando mo formei em medicina na Universidade de Coimbra: antes de fazer uma amputação, o médico estuda muito e muito para evitar o sacrifício de qualquer parcela Ao organismo.

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Mas aqui trata-se mais do que um organismo. Traía-se da Pátria Portuguesa. Não seria preferível poupar essa grande extensão que no futuro pode vir a constituir um rincão admirável, como o do Minho e Douro, e que acabo de citar?
E esse bilião de metros cúbicos de água não virá a ser preciso amanhã para regar grandes extensões da Beira ainda estéreis e os socalcos que um dia hão-de vir a ser habitados por falta de espaço nas zonas onde a população agora se acumula?
E não haverá, como disse o Sr. engenheiro Araújo Correia, o perigo de expor toda a campina tejona às consequências de um possível cataclismo!
Não seria preferível estudar aproveitamentos hidroeléctricos com as mesmas vantagens mas sem tam grandes inconvenientes?
Man há ainda outro ponto: êsse tam grande armazenamento de águas não será nocivo ao indispensável ennateiramento das várzeas e até para a sua indispensável colmatagem?
Estes assuntos são muitas vezes apreciados sob o ponto de vista técnico ; mas nós, que constituímos uma Assemblea política, temos obrigação de os apreciar no seu aspecto económico, em toda a sua amplitude.
Não devemos esquecer o aproveitamento da bacia do Douro, porque ali quem teve de sacrificar vastas áreas de terras foram os nossos vizinhos, que conseguiram armazenar para cima de uni bilião de metros cúbicos de água em Ricobayo, águas que passarão depois no curso português do rio Douro.
Não seria preferível pensar-se na havia hidrográfica do Douro, onde os inconvenientes seriam infinitamente menores e as vantagens económicas possivelmente maiores?
A concessão do Zêzere, no tempo do Governo a que pertenci, foi condicionada pela cláusula de que os concessionários se submeteriam a todas as condições que viessem a regulamentar a rede eléctrica nacional, isto é, a nossa electrificação.
O que interessava ao Ministro de então é que, a ter de se construir o Zêzere, era preciso que dai resultassem grandes vantagens, não só para Lisboa mas para toda a vasta e rica região que viria a ser alcançada pela energia da poderosa central do Castelo do Bode, em condições de preço vantajosas para usos citadinos, para a indústria e lavoura.

O Sr. Presidente:-V. Ex.a já excedeu os 45 minutos. ..

O Orador: - Perdoo V. Ex.a, mas vou procurar terminar os poucas considerações que ainda tenho a fazer.
A energia eléctrica em Lisboa é cara.
Verifica-se isso pela leitura de um trabalho intitulado Uma Casa Electrificada, da autoria do Sr. engenheiro Ferreira Dias, presidente da Junta de Electrificação Nacional, professor do Instituto Superior Técnico e Sub-Secretario de Estado do Comércio e Indústria.
Trata da electrificação da sua casa em Lisboa, onde tudo funciona por electricidade.
É a demonstração inteligente e muito interessante das vantagens de se electrificar unia casa. Fá-lo S. Ex.ª de maneira que afirma a sua proficiência e alto espírito prático, e termina por dizer que mensalmente lhe custa a energia eléctrica consumida 266$27, na sua casa, que é situada em Lisboa.
E num quadro muito elucidativo mostra-nos quanto custaria a mesma energia noutras cidades, começando pelo Porto, onde o dispêndio seria apenas de 150$46, isto é, pouco mais de metade.
Grande encargo representam para a cidade do Lisboa as actuais tarifas de energia eléctrica.
No Porto as cousas passam-se diversamente.
Embora, naquela cidade haja profundo respeito actividades privadas, tem-se entendido que os elementos basilares de trabalho e conforto, tais como a energia eléctrica para motores o iluminação, a água e os transportes urbanos, devem cabra1 ao Município.
E, coerentemente com aquele princípio, as diferentes vereações têm rescindido as concessões que oneravam os munícipes, paxá que eles possam colhei1 os benefícios u que tom todo o direito. Desta forma conseguiram baratear a energia eléctrica, a água, que custa menos $30 por metro cúbico que em Lisboa, e, se os ajudarem, não deixarão de colher idênticas vantagens com o resgate dos transportes colectivos urbanos, até agora explorados pela Companhia Carris de Ferro do Porto.
A cidade do Porto suporta presentemente um encargo que muito dificulta o seu comércio e constitue motivo de incómodos e aborrecimentos para toda a gente: é o imposto de barreiras, que sucedeu à velha portagem, como esta veio após os direitos cobrados às portas (da cidade) no tempo do bispo D. Hugo, quando surgiu A nacionalidade. Bonde esse vexatório imposto cerca de 10:800 contos, se não me engomo.
Ora o Município, para prescindir desse ónus, tam aborrecido para os moradores do Porto e tam prejudicial para o seu comércio (que está em declínio), tinha pensado em sobrecarregar as licenças e impostos municipais. Mas tal (recurso não seria comportável, porque o comércio e a indústria não estão em condições de pagar mais.
Surgiu o alvitre, na cidade do Porto, de utilizar os três grandes factores que a Câmara conseguiu chamar a si água, energia eléctrica e transportes urbanos -, para, sem prejudicar os munícipes, libertar aquela cidade do imposto de barreira.
Peço, pois, ao Governo que colabore com a Câmara Municipal do Porto para que ela possa prosseguir na sua inteligente política de tam comprovada defesa dos interesses municipais e, sem agravar com novos impostos o comércio e indústria, consiga receitas compensadoras do imposto de barragem, o qual deve, para bem de todos, deixar de existir quanto antes.

Vozes:- Muito bem!

O Sr. Presidente:-Lembro a V. Ex.ª que já está excedido o prolongamento de tempo que lhe concedi para continuar a usar da palavra.

O Orador:-Havia ainda muitas considerações a fazer, mas eu obedeço à indicação de V. Ex.a, Sr. Presidente, e vou terminar dizendo que corroboro o que diz o douto e muito interessante parecer da Câmara Corporativa, nos seus últimos períodos: «A execução do plano da lei n.º 1:914 prossegue na sua marcha gloriosa, apesar das dificuldades derivadas da guerra. A Câmara Corporativa é de parecer que deve ser aprovada a proposta de lei.
Estou de acordo; e felicito-me porque o nosso Pais tenha podido seguir essa marcha gloriosa no meio de tantas dificuldades que vão pelo mundo, mercê da Providencia Divina, a que, para bem do todos, se juntou a Providência do Governo.

Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Proença Duarte.

O Sr. Proença Duarte:-Sr. Presidente: a lei de meios - previsão de receitas e despesas e programa de realizações paro aproveitamento e fomento da riqueza

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nacional - que; o Governo - elaborou e submete à apreciação da Assemblea Nacional anua cia-nos que se prosseguirá no futuro ano na política de equilíbrio das contas publicas e de valorização de toda as fontes de riqueza da Nação e- correlativo apetrechamento material conforme o plano constante1 da lei de reconstituição económica.
Assim sé afirma, a despeito dos conturbados tempos que o mundo vive, que os princípios fundamentais que inspiram a acção governativa do Estado Novo são, em todos os cátodos e através de todas as emergências, os únicos que devem orientar e determinar a acção dos governos que, com elevada consciência da sua missão, sempre têm, em Vista o acréscimo do património espiritual estar material dos povos a que se dirige, realizados um e outro através da justiça, na ordem e na paz.
E estes princípios que francamente informam a proposta dê lei em discussão, como informam toda a actividade, legislativa e governativa do Estado Novo podemos afirmar se traduzirão em ,benéficas realidades para o povo português como o demonstram os resultados obtidos até aqui.
Sr. Presidente; o meticuloso, e altamente elucidativo parecer ,da Câmara Corporativa ,relatado pelo Sr. Procurador e, distinto professor Dr. Vieira; da Bocha, põe em devido destaque quanto, o Governo tem cumprido, tudo quanto o propôs e anunciou em, leis anteriores, designadamente na lei de reconstituïção económica.
Assim tem o, Govêrno ,dignamente correspondido ao voto, de, confiança, ilimitada que o povo português repetidamente lhe vem outorgando
Assim mesmo não, faríamos, política de verdade se aqui disséssemos que todas as classes e actividades têm hoje vida fácil e despreocupada, ou até, que haja uma equitativa retribuição para as diferentes, actividades. Mas isso, deve também dizer-se, é mais devido a inelutáveis causas de ordem externa.
Com verdade podemos dizer que já há. quem esteja liando angustiosamente com- dificuldades quási insuperáveis, como acontece, com determinadas categorias de funcionalismo público, as de mais baixa remuneração.
O Governo, que sempre se tem revelado atento a todos os problemas da vida nacional, não deixará de considerai, estas, situações e levar-lhes algum alívio, até mesmo para que se verifique, uma, equitativa distribuição nos sacrifícios a que todos temos de; nos submeter, por virtude da calamidade que assola o mundo, que atinge até os que para, ela em nada contribuíram.
Só o Governo pode conhecer os; .meios, de que se deve socorrer, para realizara;, equidade e justiça, perante o sacrifício comum indispensáveis à coesão e paz social.
Como o fará?
Se o Governo constatar que novos fontes de receitas públicas surgiram, mercê- das circunstâncias anormais criadas pela guerra poderá talvez aliviar a carga tributária que impede sôbre êsses pequenos ordenados, proporcionalmente àquele acréscimo de receitas.
Assim fazendo poderá continuar a propagar e exigir que; nos serviços públicos se matenha aquele alto nível de moralidade e educação profissional indispensáveis ao bom funcionamento da administração pública, que corresponda ao heróico esforço da sua acção governativa.
Outra actividade nacional, Sr. Presidente, tem de ser particularmente observada e amparada, a fim de que possa cumprir esforçada e integralmente a função primacial que lhe cabe de manutenção do povo português neste momento difícil de bloqueios e dificuldades de permutas internacionais; dos géneros indispensáveis
a vida.
Quero referir-me à indústria agrícola principal fonte da riqueza e vida da Nação.
A agricultura, não pode ter nem tem a pretensão de que a guerra seja para ela momentosa, fonte de enriquecimento.
Mas também não se lhe deve criar um condicionamento quê seja causa de ruína.
Se tal acontecesse, mal iria a todas as demais actividades.
E um facto nitidamente constatado que, lavoura, que vem suportando uma série ininterrupta de quatro ou cinco anos maus, se mostra, esmorecida com a cultura de ,certos géneros indispensáveis, como o trigo e o arroz, e hesita em persistir nessas culturas, que se lhe apresentam como aventura certa de prejuízo, por considerar, que os preços fixados a esses géneros de primeira necessidade são insuficientes paira cobrir, o aumento das despesas da mesma cultura. Terá ela razão?
Já D. Luiz de Castro, em Março de 1917, dizia numa reunião, na Associação Central de Agricultura:
«O ano passado semeou-se metade do trigo do costume por causa do baixo preço fixado pelo Governo, e por isso, apesar do bom tempo, houve- escassez. A miséria bate à porta ; não se cultiva, tudo vai para o abismo».
Mas o certo é que o .problema da lavoura não pode resolver-se apenas com o aumento do preço dos seus géneros, até mesmo porque nem tal aumento tem repercussões funestas na vida das demais actividades da Nação, na vida económica em geral e nas finanças publicas.
É indispensável que os outros sectores da administração pública, colaborem na resolução deste problema.
Os diferentes organismos de coordenação económica e as repartições públicas têm, de sen colaboradores deste sector de produção, e não fonte de embaraços, dificuldades e morosidade na resolução do que lhe interessa. Para a terra deve reverter uma boa parte dos dinheiros públicos, não só para a enriquecer mas também para que os seus elementos naturais de fertilidade se não escoem com as torrentes e não morram por excesso ou por escassez de unidade, e isto para que pelas estradas e caminhos notavelmente, reconstruídos e melhorados possam realmente circular, as riquezas em que a terra se desentranhe.
Alguma cousa se tem feito em matéria de hidráulica agrícola, mas é preciso fazer muito mais para que os fios, ribeiros e regatos sejam desassoreados e deixem de provocar o empobrecimento dos campos marginais, como está acontecendo.
Se não são possíveis desde já as grandes realizações, que se dotem os serviços hidráulicos respectivos com as verbas suficientes para a limpeza dos ribeiros, a regularização das margens., as pequenas reparações, de valas, valados e tudo o mais que dá lugar ao areamento e alvercamento das terras, causa do seu empobrecimento
Que os nossos técnicos de engenharia e da agricultura sejam enviados para o campo, em boa colaboração ,a realizar estes trabalhos, pôr-se em contacto com a terra e sentir a verdade e aspereza dos seus amanhos e o quanto de esforço e canseiras são necessários para as fazer produzir, e assim tenham uma noção real e exacta da vida agrícola antes de recolherem ao remanso do seu gabinete burocrático a assumir funções de comado.
Além do mais, esta orientação terá a enorme vantagem de absorver tantos diplomados com estes cursos técnicos que se encontram, desempregados, ansiosos por trabalhar e pôr em real movimento os conhecimentos adquiridos.
Estabelecer-se-á assim também um maior contacto entre a técnica e a prática; de cuja íntima colaboração só podem resultar recíprocas vantagens.

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A mocidade de Portugal vive na ânsia da «acção». É preciso dar-lhe saída e expansão.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Nunes Mexia: - Sr. Presidente; atenta a importância para o País do prosseguimento da política de arborização, focada no parecer da Camará Corporativa, foi nas sessões do estudo este assunto incluído no número daqueles que seriam tratados nesta tribuna.
Vem assim a campo a apreciação do trabalho realizado pelo Estado e pelos particulares, da posição em que nos encontramos sob o ponto de vista florestal e dos objectivos que se põem para o futuro.
Florestou o Estado em 1940 cerca de 4:700 hectares e dispõe-se a arborizar no próximo ano corça de 5:200 hectares.
Despenderam-se em 1940 na administração, na conservação das matas existentes e nos trabalhos de sementeira e plantação cerca de 11:540.000$.
Estes os números que se podem extrair do referido parecer da Câmara Corporativa e que me parecem dignos de louvor se atendermos a que as estimativas de despesa com as sementeiras e plantações foram respectivamente de 450$ e 1.000$ por hectare, quando em países como a Inglaterra o simples subsídio de arborização concedido aos particulares regula por hectare entre 4 a 8 libras, consoante as essências empregadas. Com estas realizações não procura certamente o Estado obter no futuro um rendimento apreciável do capital investido, porquanto a arborização das serras e dunas é sempre muito cara e visa, para além do aspecto económico imediato, o concorrer para a melhoria do clima, para a fixação do solo e para a regularização dos nossos rios.
Reproduzindo as considerações feitas no relatório que precede o decreto-lei n.º 27:207, de 1936, actualiza-se no parecer da Câmara Corporativa uma crítica à Estação Agrícola do Rio Ave que me cumpre afirmar não ser justa, porquanto exactamente nos últimos anos muito se tem intensificado a sua acção (325:000 crias de peixes lançadas nos rios em 1940, contra 62:000 em 1932), o dessas muitas de carpas e de outras espécies, que muito interessa utilizar na luta contra o sezonismo.
Voltando ao aspecto restrito da arborização, estamos pois em via de revestir de floresta as nossas montanhas e as nossas dunas, o que, aliado às massas florestais que já possuímos e que só por si ocupam cerca de 26 por cento da nossa superfície continental, deveria concorrer do uma maneira decisiva para o robustecimento da nossa economia.
Sucede, porém, Sr. Presidente, que ao passo que quantitativamente a nossa posição é invejável, outro tanto não acontece com o aspecto «qualidade», ou, mais objectivamente, com o rendimento que das nossas massas florestais auferimos.
Se exceptuarmos os montados de sobro, em que aparte abusos que urge reprimir, e ameaças de parasitas e de doenças que é mester afastar, se tem conseguido generalizar normas definitivas, quer sob o aspecto cultural, quer sob o aspecto da exploração, tudo o mais, incluindo os montados de azinho, presentemente desvalorizados pelo «burgo» em mais de um terço do seu valor, está longe de proporcionar ao País aquela soma de utilidades que era lícito esperar.
Não nos dão os nossos pinhais, ocupando cerca de 1.200:000 hectares, ou seja 12,7 por cento da área do País, cousa que se pareça com a «possibilidade» técnica de 5 metros cúbicos de madeira por hectare e por ano e não nos dão as madeiras que exportamos e as que vendemos no mercado interno valores aproximados, daqueles por que outros países vendem as suas madeiras.
Para este estado de cousas concorre, é certo, o valor relativo das nossas árvores por comparação com as variedades existentes noutros países, mas a nossa desvantagem provém também da falta de ordenamento e de planos de exploração dos nossos povoamentos que a extrema pulverização da propriedade, em certas zonas do País, torna difícil de estabelecer, e sobretudo resulta da falta de industrialização das nossas madeiras.
Considere-se o valor global das nossas- exportações em 1940 de 119:748.311$ e divida-se pela área ocupada por todas as nossas essências, excepção feita da do sôbro e do azinho, e teremos, quanto a exportação, um rendimento por hectare inferior a 10$, que, mesmo corrigido com o valor das madeiras e outros produtos consumidos no mercado interno, não altera grandemente o problema, pois em pouco mais valoriza a terra do que o faria o simples aproveitamento da pastagem e isto não obstante a grande valorização conseguida nos resinosos, de que exportámos em 1940 produtos no valor de 58:468.629$.
Ao passo que, por exemplo, a Finlândia, possuindo madeiras de alto valor para a exportação, industrializa cia própria cêrca de 16.300:000 metros cúbicos e só exporta cêrca de 3.500:000 metros cúbicos, valorizando assim enormemente grande parte dos 44.000:000 de metros cúbicos, que constituem a sua «possibilidade» ou crescimento anual; ao passo que outros países, como a Suécia, tudo industrializam já, Portugal muito pouco industrializou ainda e constitue grande parte da sua exportação com madeira em toros, que assim fracamente valoriza.
Não me parece provado que nos não seja possível, neste campo, produzir mais e melhor e que se houvéssemos, mesmo nalgumas zonas, de substituir o pinheiro, do que não estou ainda convencido, nos não fôsse possível utilizar, para esse efeito, outras espécies, como, por exemplo, o próprio sobreiro.
Não me parece, também, provado que tenhamos de limitar às actuais aplicações a madeira de eucalipto, que, valorizada industrialmente, poderíamos produzir num quantitativo, por hectare, de duas vezes e meia a quantidade conseguida com o pinheiro, como não creio que sejam tam deminutas, como se diz, as possibilidades de expansão de alvores de reconhecido valor industrial, como o choupo.
Não me parece igualmente provado que tenhamos de renunciar à reconstituïção dos nossos soutos e à criação de novos, louvando neste sentido as primeiras iniciativas dos serviços florestais.
Não me parece, ainda, provado que tenhamos que nos resignar o, obter dos carvalhos que mais abundam no País - Quercus Lusitanica e Quercus Toza - os miseráveis rendimentos que eles hoje os dão e que nos colocam, quanto a valor, em posição de estranha inferiorização, só comparável com os espécies condenadas a extermínio.
Sei que a nossa latitude geográfica e a sua avidez de luz conferem a esta árvore uma forma copada, rio que resulta o quási desaparecimento do fuste, mas não creio que uma adequada densidade lhe não corrija grandemente essa característica.
Fere a minha sensibilidade que, depois de ter servido para a construção das naus que nos deram um império, esta árvore só sirva hoje para lenha e pouco mais.
Do que deixo dito pretendo concluir que só industrializando progressivamente as nossas madeiras poderemos ir constituindo base de partida para uma criteriosa escolha de essências e para a exploração racional e incomparavelmente mais valorizada das nossas massas florestais.
Foi a industrialização progressiva da cortiça que criou as condições indispensáveis, um como que segundo

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clima favorável à expansão, entre nós, do sobreiro; será ainda a tecnologia que orientará para um futuro melhor a floresta em Portugal, permitindo a sua valorização o resolvermos problemas pendentes, como, por exemplo, a substituïção nas encostas declivosas, sem tamanha quebra de rendimento líquido, da cultura, cerealífera pela cultura florestal.
Urge, quanto a mim, dotar o País com os órgãos de estudo e de acção, em íntima ligação com os serviços florestais, que um tal programa exige, utilizando, se tanto for necessário, a colaboração de técnicos que noutros países montaram ou dirigem estes ramos de indústria e promovendo a especialização de técnicos nossos.
Longe pois de reputar excessiva a dotação contida na proposta de lei e destinada a novas sementeiras, louvo inteiramente a acção do Govêrno.
Sr. Presidente: ao Govêrno me dirijo também solicitando um conjunto de medidas que logre romper o círculo vicioso em que nos debatemos: o de não industrializarmos as nossas madeiras, por não serem das mais aptas, e o de não criarmos povoamentos adequados, porque para tanto não possuímos mercado que absorva e valorize os respectivos produtos.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Está encerrado o debate na generalidade.
A ordem do dia da sessão de amanhã constará de duas partes:
1.ª parte - Discussão na especialidade da proposta de lei n.º 165.
2.ª parte - Sessão de estudo da proposta de lei n.º 106, que autoriza o Govêrno a emitir um novo empréstimo consolidado de 3 1/2 por cento.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 15 mandos.

O REDACTOR - Costa Brochado.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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