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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 114

ANO DE 1942 23 DE JANEIRO

II LEGISLATURA

SESSÃO N.º 109 DA ASSEMBLEA NACIONAL Em 22 de Janeiro

Presidente o Exmo. Sr. José Alberto dos Reis

Secretários os Ex.mos Srs. Carlos Moura de Carvalho
Castão Carlos de Deus Figueira

SUMÁRIO:- O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 58 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões da sessão anterior.
A Assemblea concedeu autorização ao Sr. Deputado Antunes Guimarães e negou-a ao Sr. Deputado Farila Vieira para deparem como testemunhas em processos nas comarcas do Porto e Lisboa, respectivamente.
O Sr. Deputado Melo Machado ocupou-se das deficiências do policiamento rural e da necessidade unidade de o intensificar.
O Sr. Deputado Antunes Guimarãis tratou da situação em que se encontram os pequenos proprietários de moinhos e azenhas.
O Sr. Deputado Pinto da Mota falou sôbre os problemas do comércio do milho e do sal no norte do País e da venda de peixes e abastecimento de Lisboa.

Ordem do dia. - Realizou-se a Segunda sessão do estudo aviso prévio do Sr. Deputado Melo Machado, sôbre hidráulica agrícola.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 16 horas e 20 Minutos.

Srs. Deputados presentes à chamada, 53.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão, 4.
Srs. Deputados que faltaram à chamada, 13.

Srs. Deputados que responderam à chamada:

Abel Varzim da Cunha e Silva.
Acácio Mendes de Magalhãis Ramalho.
Alberto Cruz.
Alberto Eduardo Valado Navarro.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Álvaro Salvação Barreto.
Ângelo César Machado.
António de Almeida.
António de Almeida Pinto da Mota.
António Augusto Aires.
António Cortês Lobão.
António Hintze Ribeiro.
António Maria Pinheiro Torres.
António Rodrigues dos Santos Pedroso.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Artur Ribeiro Lopes.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto Cancela de Abreu.
Augusto Faustino dos Santos Crespo.
Carlos Moura de Carvalho.
D. Domitila Hormizinda Miranda de Carvalho.
Fernando Tavares de Carvalho.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
João Antunes Guimarãis.
João Botto de Carvalho.
João Garcia Nunes Mexia.
João Garcia Pereira.
João Maria Teles de Sampaio Rio.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Saldanha.
José Alberto dos Reis.
José Alçada Guimarãis.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria Dias Ferrão.
José Pereira dos Santos Cabral.

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José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Júlio Alberto de Sousa Schiappa de Azevedo.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Figueira.
Luiz José de Pina Guimarãis.
Manuel Pestana dos Beis.
D. Maria Luíza de Saldanha da Gama Van-Zeller.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Sebastião Garcia Ramires.
Sílvio Duarte de Belfort Cerqueira.
Vasco Borges.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Carlos Mantero Belard.
João Luiz Augusto das Neves.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alexandre de Quental Calheiros Veloso.
Alfredo Delesque dos Santos Sintra.
Álvaro de Freitas Morna.
António Carlos Borges.
Augusto Pedrosa Pires de Lima.
Guilhermino Alves Nunes.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim Rodrigues de Almeida.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Dias de Araújo Correia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
Luiz Cincinato Cabral da Gosta.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.

Eram 15 horas e 56 minutos. Fez-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 53 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 58 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em discussão o Diário da última sessão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado pede a palavra, considero-o aprovado.
Está na Mesa um pedido do juiz de direito da 3.ª vara judicial do Pôrto para ser autorizado o Sr. Deputado Antunes Gnimarãis a depor como testemunha numa acção ordinária.
Proponho que seja concedida a autorização.
Consultada a Assemblea, foi concedida a autorização.

O Sr. Presidente: - Está também na Mesa um pedido do juiz de direito da 5.ª vara de Lisboa para ser autorizado o Sr. Deputado Favila Vieira a depor como testemunha numa acção ordinária.
Tenho a informação de que esse depoimento não oferece interesse o por isso proponho que seja negada a autorização pedida.
Consultada a Assemblea, foi negada a autorização.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Melo Machado.

O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: à medida que se agravam as circunstâncias do mundo, pela loucura dos homens, nós sentimos esse agravamento através das faltas que cada dia estamos sofrendo.
O Ministério da Economia lançou uma campanha para se produzir e poupar.
O Governo e o País voltam-se para os lavradores, para que estes abasteçam os mercados de tudo quanto é absolutamente indispensável à alimentação. Um e outro reconhecem que o lavrador, que trabalha incansavelmente curvado sôbre a terra, sujeito às ásperezas do clima, com o espirito preocupado pelas dificuldades sem nome que o rodeiam, que não tem horário de trabalho nem descanso semanal, é, afinal de contas, o fiador da alimentação do País.
Li há pouco, a propósito das reclamações da lavoura acêrca do preço do trigo, que o lavrador pode muito bem, de vez em quando, perder algum dinheiro. Má teoria esta, Sr. Presidente, porque ninguém, que eu saiba, trabalha ou produz para perder, e, de qualquer maneira, perder na agricultura significa sempre deminuïção de produção, porque corresponde à necessidade de adubar pior, cultivar pior, emfim, produzir menos.
Fez bem, por consequência, o Ministério da Economia em garantir aos produtores da batata um preço que se julgou remunerador; e a agricultura, que sempre cumpriu o seu dever e que o cumprirá agora melhor do que nunca, consciente das suas responsabilidades e dos seus deveres, correspondeu de tal maneira a essa campanha que já se esgotou por completo toda a batata especialmente seleccionada para semente. Daqui se conclue que o Govêrno encontrou resposta condigna por parte da lavoura.
Oxalá, Sr. Presidente, que a outra parte da exortação, «poupar», encontre da parte do público uma aceitação correspondente.
Quero ainda fazer referência às palavras que ontem aqui foram pronunciadas pelo Sr. Deputado Dr. Antunes Guimarãis sobre a policia rural.
De facto, há uma necessidade enorme de que se faça uma eficiente polícia rural. Além dos casos que S. Ex.ª apontou, a verdade é que igualmente aqui, para o sul, o que sucede é verdadeiramente espantoso. Assaltam-se as propriedades, entra-se nas adegas para roubar as peças metálicas dos tonéis, invadem-se os telheiros onde estão as máquinas agrícolas e roubam-se os metais mais valiosos, tornando-as inúteis para o trabalho, furtam-se as caldeiras de destilação, assim como os arames que vedam as propriedades, e isto tudo, que não pode ser levado debaixo do braço, é roubado por uma quadrilha organizada, que tem os seus receptadores.
Neste momento, em que o Governo fez o manifesto de todo o cobre existente no País, eu pergunto qual é a acção da policia, que não consegue descobrir uma organização desta natureza, feita para furtar, impunemente, objectos que necessitam de transportes em larga escala.
A polícia rural, Sr. Presidente, evidentemente que é necessária. Mas, se se pensa que a lavoura há-de pagar mais para isso, direi que é impossível, porque a defesa da propriedade pertence ao Estado, e não há de cada um pagá-la da sua algibeira.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Antunes Guimarãis: - Sr. Presidente: volto ao tema dos moinhos. Apelam para mim muitos interessados, e tantos eles são por esse País tora, sobretudo nas regiões nortenha e beiroa, onde as ribeiras, despenhando-se das montanhas, dispõem de potencial que gerações sucessivas, no seu esforço secular, vêm aproveitando para a moagem de cereais, trituração do linho, serração de madeiras e outras indústrias pequenas, mas utilíssi-

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mas, por constituírem complemento muito proveitoso da lavoura.
Factor valiosíssimo na regularização dos cursos do regime torrencial, os múltiplos açudes construídos para a instalação de moinhos, lagares de azeite e outros engenhos hidráulicos permitem armazenar grandes volumes de água e retêm detritos da erosão. Assim, defendendo do assoreamento os campos situados a jusante, exercem também benéfica influência no clima e atenuam as enxurradas hibernais. Nas levadas por êles criadas reside a melhor garantia da produtividade dos lameiros, onde cresce erva para o gado, visto poderem ser limados dia e noite, e os campos de lavoura têm asseguradas na estiagem as regas indispensáveis para que as colheitas compensem o trabalho duro nelas realizado.
Essas levadas formam viveiros de espécies piscícolas, entre as quais se destacam as tratas, de apreciável valor alimentício e razão principal da pesca desportiva, factor valioso de turismo, mas que ainda não logrou ser convenientemente acautelado. Por todas estas razões, a que importa juntar a da sua incontestável função social como elemento fixador de famílias de obreiros, os moinhos e azenhas não deveriam ser apreciados exclusivamente pelo critério técnico, que os olha (com vidros de aumento) como concorrentes da moagem, mas justificam as palavras que nesta Assemblea política tem sido pronunciadas em sua legítima defesa.
Se lograssem extingui-los, como tanto receiam os muitos milhares de moleiros portugueses, quem olharia pela conservação dos açudes, que tam úteis são, como fica dito, à economia nacional? Logo se arruinariam e voltariam ao regime torrencial muitos cursos de água, com todas as suas deletérias consequências. E para onde iriam muitos milhares de famílias cuja actividade actualmente neles se exerce?
Apoiados.
Decentemente chegou ao conhecimento dos moleiros que a Comissão Reguladora das Moagens de Ramas os obriga a munirem-se com livros para registo das entradas de trigo, milho e centeio e das saídas de farinha, os quais deverão ser escriturados dia a dia, não sendo toleradas diferenças superiores a 10 por cento.
Terão de pagar pela farinha produzida as taxas legais, isto é, $02 por quilograma da de trigo, com a redução de 25 por cento para a de centeio e de 50 por cento para a de milho. Também anunciaram que os moinhos para uso próprio, isto é, os que laboram para os seus proprietários e respectivas casas agrícolas (assalariados alimentados pelos patrões), não estão sujeitos ao pagamento daquelas taxas, mas ficam obrigados a participar mensalmente a respectiva laboração e em tudo ficam sujeitos à Comissão Reguladora das Moagens de Ramas e seus agentes!
Já é complicar o que nascera bem simples!
Apoiados.
Ora vejamos a lei: o decreto n.º 26:690, de 16 de Junho de 1936, estabelece, no artigo 3.º, ficarem subordinados àquela Comissão as fábricas, moinhos e azenhas que laborem trigos para o fabrico de farinhas em rama destinadas ao consumo público e das casas agrícolas.
E no artigo 6.º determina-se que as fábricas, moinhos e azenhas designados no artigo 3.º serão imediatamente registados nos celeiros dos produtores de trigo do concelho ou área em que se encontrem situados, com a indicação dos que laboram para o consumo público e das casas agrícolas, ou sòmente para seus donos ou arrendatários.
Conjugando os dois artigos, conclue-se que as moagens são divididas, para efeito de subordinação à Comissão Reguladora das Moagens de Ramas e pagamento de taxas, em duas categorias: as que laboram para consumo público e das casas agrícolas; e as que laboram somente para seus donos ou arrendatários.
E, desta forma, só as primeiros estão sujeitas ao pagamento de taxas e ficam subordinadas à Comissão Reguladora das Moagens de Ramas.
A confirmar o que acabo de afirmar, veio posteriormente o decreto n.º 31:452, de 8 de Agosto último, que no seu artigo 20.º determina: «As emprêsas que pretenderem fabricar farinhas de centeio e milho para o consumo público devem requerer a sua inscrição na Comissão Reguladora das Moagens de Ramas».

aqui está, Sr. Presidente, como um diploma que fora recebido pela lavoura e pelos moleiros como esperançosa promessa de que a antiquíssima moagem de farinhas em rama, realizada principalmente nos velhos moinhos e azenhas das nossas ribeiras e nos pitorescos moinhos de vento da beira-mar e das colinas, não seria absorvida pela grande indústria de farinha espoada e que o milho e o centeio lograriam, finalmente, ser defendidos dos preços de ruína a que, por vezes, eram expostos, por mal conduzidas concorrências de farinhas de outros cereais e pela abundância e baixas cotações do milho colonial, por aqui se vê, dizia eu, como, mercê da sua execução e, recentemente, da sua generalização à moagem do milho e do centeio, se vai transformando era fonte de sérias preocupações, de incómodos, despesas e novos tributos para muitos milhares de famílias merecedoras de que as não perturbem no seu trabalho - tributos que chegam a igualar e, segundo me dizem, a exceder a importância da respectiva contribuição industrial.
Pois se no decreto-lei n.º 31:452, que regula a moagem de farinhas em rama de milho e de centeio, se diz taxativamente - artigo 20.º- que «As emprêsas que pretenderem fabricar farinhas de centeio e de milho para o consumo público devem requerer a sua inscrição para êsse fim na Comissão Reguladora das Moagens de Ramas», por que razão vem agora este organismo exigir tal formalidade aos proprietários, mesmo que nada tenham com a indústria?-como a exige também dos proprietários de moinhos que só laborem para seus donos ou arrendatários.
Pelo visto, pretende lançar-se um principio novo na legislação, qual o de os proprietários de prédios que forem alugados para fins industriais passarem à situação de uma espécie de procuradores gratuitos dos respectivos inquilinos, mas com a responsabilidade da exactidão das declarações que forem obrigados a fazer, como a da moenda mensal, que só os moleiros podem avaliar. Seria uma nova excepção intolerável, por iníqua, a juntar-se à que já responsabiliza os proprietários de moinhos pelas contribuições industriais que os seus inquilinos moleiros deixarem de pagar.
Cumpre ainda notar que no mencionado artigo 20.º do decreto-lei n.º 31:452 o Govêrno empregou a palavra empresas, que, a meu ver traduz o pensamento, inteligente e bem ajustado às realidades, de não serem abrangidos nas suas disposições os pequenos moinhos e azenhas, quási sempre entregues a analfabetos incapazes da tal escrita, para registo de entradas de cereais, saídas de farinha é o restante cortejo de exigências, agravadas, como fica dito, com novo e pesado tributo sobre actividades modestas, mas de notória projecção económica e social.
Disse.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Pinto da Mota: - Sr. Presidente: volto a usar da palavra para o tema milho, sal, etc., e volto por um motivo de lealdade parlamentar: quero agradecer ao Sr. Ministro o ter publicado uma segunda portaria

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em que generalizou a requisição do milho a todo o País e em que se diz, de uma forma mais circunstanciada, as condições em que pode ser negociado. O resto não depende do Sr. Ministro, mas estou convencido de que pelo caminho do bom senso se há-de chegar no que eu disse aqui, isto è: não acabar com as feiras e os mercados e que os negociantes de milho possam, continuar a exercer a sua actividade.
Desta maneira mexe-se o menos possível no maquinismo comercia e na estrutura económico. Requisita-se, mas não se toca na iniciativa, o que dará em resultado não suceder como tem acontecido num pais próximo do nosso e na Rússia.
A Espanha talvez esteja sofrendo devido a um partido novo que lá há e que tudo quere consertar em matéria social e económica, o que tem dado origem a que a produção deminua, a do trigo principalmente, a qual também se encontra em déficit na Rússia, onde igualmente mexeram no maquinismo comercial e na estrutura económica.
Este país, que tinha uma grande abundância de trigo, que era o celeiro da Europa, passou a ser deficitário.
Se quiserem, pois, que haja milho é preciso que se respeitem certos melindres e direitos fundamentais, e estou convencido de que, se a Federação Nacional dos Produtores de Trigo quiser tratar o assunto com mãos hospitaleiras, tudo correrá bem.
O desequilíbrio de todo êste assunto - abastecimentos e sua circulação e distribuição - não provém senão do contrabando, o qual, lógica e racionalmente, tem de ser atacado com energia e boa vontade e de todas as maneiras.
Claro que há-de fazer-se o manifesto, mas a Federação deverá ter em atenção que os concelhos precisam de se abastecer, e que para isso é que o costume tradicional e a necessidade deram origem às feiras e mercados, e aos comerciantes da especialidade, os quais até por habilidade têm de ser aproveitados, pois que são os que melhor conhecem os lavradores e suas possibilidades de fornecimento.
Quero também referir-me ao sal. Dirigi aqui os meus elogios e os meus agradecimentos ao Sr. Ministro da Economia, mas vejo que, praticamente, as medidas tomadas por S. Ex.ª ou mandadas tomar não deram resultado. O sal continua sendo vendido por um preço exorbitante, mais caro ainda do que o preço que aqui apontei.
Apesar disso não vejo nos jornais nenhumas notícias de sanções contra esses abusos, de onde concluo que se concorda com eles, ou, por outra, que os abusos não são abusos, e o que foi mal regulado foi o preço.
Desculpem-me V. Ex.ªs de eu falar assim, mas a verdade é que se o preço não foi bem regulado, tenho de dizer que foi mal regulado - não posso ser agradável.
Há certos sectores do front económico que estão merecendo muitas censuras públicas e usando e abusando da calma e da paciência do povo português.
Num dos artigos sôbre «Produzir e poupar», a que há pouco fez referência o Sr. Deputado Melo Machado, vi que se dizia que houvesse paciência porque não era demasiado que não houvesse stocks. Fiquei pensativo, porque não percebo como é que não havendo stocks se pode regular preços. Não sou comerciante, nunca o fui e já não estou em idade de encetar essa carreira; porém, o que me parece é que qualquer comerciante tem de vender de maneira que o artigo que vende possa ser substituído. Se não há stocks, esse artigo não pode ser substituído, o nestas condições o preço não pode ser fixado.
Também devo dizer com toda a lealdade que os senhores do peixe fresco, que tanto a mal levaram as minhas observações feitas nesta Assemblea, já fizeram pràticamente o possível para melhorar a situação, fixando um preço mais barato. Ainda há hesitações, o preço não pode, considerar-se ainda ideal, mas alguma cousa se fez para melhorar o caso.
O que é preciso é reduzir a distância económica, a distância que vai entre o produtor e o consumidor: é preciso reduzir os obstáculos intermédios (e um dêles é o leilão) e o que se tem de pagar para o Estado, que é função do preço.
Julgo quo para o abastecimento da cidade o peixe devia ser vendido fora do que hoje se costuma fazer para a lota do consumo público, em melhores condições. Julgo até que, tratando-se agora de uma reforma da Direcção Geral de Assistência, não era mau que o assunto fôsse encarado e estudado para o efeito de a Misericórdia, que manobra e abastece as cozinhas económicas, poder servi-las com mais largueza e que a compra do peixe para a Assistência e para as classes populares pudesse ser feita em melhores condições de preço, e, consequentemente, fosse vendido mais barato.
O abastecimento da cidade ressente-se de uma espécie, como dizer, de falta de importância que se liga a estes assuntos, aliás dignos da maior atenção. Por exemplo, em questão de hortaliças, verifica-se que elas estão caras e deficientes em quantidade. E, todavia, voltam para as respectivas hortas todos os dias muitas carroças carregadas de legumes .,. porque não os quiseram; já não forum precisos para o quantum de quem, regula semelhante negócio.
Isto faz-se desde a minha mocidade, quando eu podia entreter-me a voltar para casa à hora em que as carroças rodeavam a Praça da Figueira.
Ora, se houvesse uma outra maneira de abastecer, haveria mais hortaliça e naturalmente mais barata.
Vou expor a V. Ex.ª e a Câmara um episódio que se deu com os limões e que bem demonstra que o abastecimento é mal feito e que, apesar dos grémios, não se consegue eliminar a camada que está entre o produtor e o consumidor e que é suficientemente poderosa para fazer o preço e dirigir o mercado.
Os limões chegaram a estar a 3$ ou mais por unidade. Houve um senhor proprietário dos arrabaldes possuidor de muitos limoeiros que se lembrou de fazer dinheiro com os limões. Mandou cá os seus empregados com carroças de limões e não conseguiu vender um. Os limões recolheram à propriedade. Veio ele próprio resolver dificuldades. Depois de muitas canseiras, só pôde colocar no comércio mil limões, ao preço de tostão cada um.
Por aqui se vê quê há uma camada intermediária entre o consumidor e o produtor que faz os preços, prejudica o abastecimento e manga com o consumidor.
O abastecimento da cidade! Há que consignar que há calma e paciência.
Nós estivemos de 4 a 11 deste mês sem carne; não houve nenhum protesto clamoroso. Houve aí, sim, um protesto ruidoso, um movimento de pobres peixeiras, das que representam simpàticamente o último capilar circulatório dos abastecimentos, que vão levar a um 5.º andar a sua mercadoria, e que reclamaram porque lhes fizeram exigências que elas não comportam; e nada mais. O povo e a cidade cultivam a disciplina.

O Sr. Presidente: - Peço a V. Ex.ª o favor de concluir.

O Orador: - Eu ainda nte queria voltar para o Sr. Ministro das Finanças. Mas nesse caso fica para amanhã.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: A Assemblea passa a funcionar em sessão de estudo.

A ordem do dia da sessão de amanhã é ainda a continuação da sessão de estudo do aviso prévio do Sr. Deputado Melo Machado.
Está encerrada a sessão.
Eram 16 horas e 20 minutos.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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