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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES
N.º 117 ANO DE 1942 30 DE JANEIRO
II LEGISLATURA
SESSÃO N.º 112 DA ASSEMBLEA NACIONAL
Em 29 de Janeiro
Presidente o Exmo. Sr. José Alberto dos Reis
Secretários os Exmos. Carlos Moura de Carvalho
Gastão Carlos de Deus Figueira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi lido o expediente.
O Sr. Deputado Antunes Guimarãis reclamou providências para, que os concelhos de Gaia e Pôrto sejam incluídos região dos vinhos verdes.
O Sr. Deputado Pinto da Mota ocupou-se dos problemas de policiamento rural e de abastecimento de Lisboa.
O Sr. Deputado Tavares de Carvalho justificou e mandou para a Mesa um projecto de lei propondo a substituição e um aditamento ao artigo 842.º do Código do Registo Civil.
O Sr. Deputado José Cabral requereu várias informações e requerimentos que respeitam d acção da Junta Nacional do Vinho.
O Sr. Presidente designou os Srs. Deputados que hão-de constituir as comissões de estudo dos projecto» de lei dos Sn. Deputados Vasco Borges, Belfort Cerqueira e João do Amaral.
Ordem do dia. - Prosseguiu o debate sobre hidráulica agrícola, tendo usado da palavra os Srs. Deputados Nunes Mexia, Proença Duarte e Antunes Guimarãis.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas.
Srs. Deputados presentes à chamada, 54.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão, 3.
Srs. Deputados que faltaram à chamada, 13.
Srs. Deputados que responderam à chamada:
Abel Varzim da Cunha e Silva.
Acácio Mendes de Magalhãis Ramalho.
Alberto Eduardo Valado Navarro.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre de Quental Calheiros Veloso.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Álvaro Salvação Barreto.
António de Almeida.
António de Almeida Pinto da Mota.
António Augusto Aires.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Hintze Ribeiro.
António Maria Pinheiro Torres.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Artur Ribeiro Lopes.
Augusto Cancela de Abreu.
Augusto Faustino dos Santos Crespo.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Moura de Carvalho.
D. Domitila Honnizinda Miranda de Carvalho.
Fernando Tavares de Carvalho.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
João Antunes Guimarãis,
João Botto de Carvalho.
João Garcia Nunes Mexia.
João Garcia Pereira.
João Luiz Augusto das Neves.
João Maria Teles de Sampaio Rio.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Rodrigues de Almeida.
Joaquim Saldanha.
José Alberto dos Reis.
José Alçada Guimarãis.
José Dias de Araújo Correia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Dias Ferrão.
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José Pereira Aos Santos Cabral.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Júlio Alberto de Sousa Schiappa de Azevedo.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Figueira.
Manuel Pestana dos Beis.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Luíza de Saldanha da Gama Van-Zeller.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Sebastião Garcia Ramires.
Sílvio Duarte de Belfort Cerqueira.
Vasco Borges.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Álvaro de Freitas Morna.
António Rodrigues dos Santos Pedroso.
Juvenal Henriques de Araújo.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Cruz.
Alfredo Delesque dos Santos Sintra.
Angelo César Machado.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto Pedrosa Pires de Lima.
Guilhermino Alves Nunes.
Joaquim de Moura Relvas.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Maria Braga da Cruz.
Luiz Cincinato Cabral da Costa.
Luiz José de Pina Guimarãis.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas. Fez-se a chamada.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 54 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Não pode ser aprovado o Diário da última sessão porque ainda não foi distribuído. Vai ler-se o ...
Expediente
Leu-se na Mesa o seguinte:
Representação dos estudantes da Universidade de Lisboa pedindo à Assemblea Nacional a revogação do decreto-lei n.º 31:658 ou o seu adiamento até ao fim da guerra, ou um aumento de propinas que seja mais compatível com a situação económica actual - equiparação da Veterinária às outras escolas, uma subida não superior a 50 por cento para as escolas que pagam até 400/5 anuais e de 20 por cento para as escolas que pagam mais de 4005 anuais ...
Esta representação está assinada por alguns milhares de estudantes de Lisboa e tem o apoio da Academia de Coimbra, dado por intermédio dos dirigentes da Tuna Académica, do Orfeão e Teatro dos Estudantes.
Telegrama
Ao iniciar debates hidráulica agrícola manifestamos V. Ex.ª e ilustres Deputados nossa esperança defesa justos interesses proprietários violentamente atingidos
por taxas incomportáveis exploração da terra. - Joaquim Gomes Próis, António Matias Silvério, Joaquim Ferreira Silvério, Manuel Ferreira Canadas, Aires Belchior Nunes e João Marques Barreia.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para antes da ordem do dia o Sr. Deputado Antunes Guimarãis.
O Sr. Antunes Guimarãis: - Sr. Presidente: na região dos vinhos verdes são abrangidos todos os concelhos dos distritos de Braga e Viana, mas do distrito do Porto foram excluídos os de Gaia e o da sede distrital.
Contudo, nela se incluem concelhos dos distritos de Vila Real, de Viseu e de Aveiro, avançando neste último até ao distante Vale de Cambra, e reconhecendo-se aos vinhos de Lafões a designação de verdes para os exceptuar do disposto no artigo 1.º do decreto n.º 21:702, de 4 de Outubro de 1932, que só permite vender no Porto e Lisboa vinhos de posto com 11 ou mais de graduação alcoólica, e salvo os das regiões demarcadas e os verdes de Lafões».
Certa deve estar aquela delimitação, pois se os vinhos produzidos na sua vasta área possuem os características rios conhecidos pela designação de a verdes», curial se torna que a adoptem também, por isso que a de maduros» compete a produtos enólogos bem distintos.
Mas, se ao estender-se a região dos vinhos verdes às extremas do norte minhoto, aos xistos câmbricos durienses, a vinhedos quási confinantes com Lamego, e se nela se abrangem áreas encravadas noutras regiões vitivinícolas, chegando-se a permitir a designação de vir lios verdes a mansas vitórias, embora muito apreciadas, mas de transição, com que fundamento se excluem os vinhos produzidos em Gaia e no Porto, isto é, em plena região dos vinhos verdes, e aos quais não falta nenhuma rias nuas inconfundíveis qualidades?
Desta incongruência resulta que aos vinhos (alguns, sobretudo os brancos, de 1.ª categoria) produzidos naqueles dois concelhos nega-se a faculdade de serem vendidos como verdes, quando outra cousa não são; e isto porque a Comissão de Viticultura dos Vinhos Verdes não pode passar-lhes guias para a venda por não estarem legalmente na sua alçada. Por outro lado, também não podem ser vendidos como maduros (o que está certo, visto não possuírem as respectivas características), nem sob outra qualquer designação, porque o decreto-lei n.º 23:889, de 22 de Maio de 1934, proibiu que se exponha à venda ou se negoceie, por grosso' ou a retalho, nas cidades de Lisboa, Porto, e noutras localidades, vinhos com menos de 11 graus, graduação que eles na» atingem, justamente por serem verdes.
Contudo, posteriormente, isto é, em 12 de Setembro de 1936, o decreto-lei n.º 27:002 veio determinar, no artigo 2.º «que os produtores de vinhos e seus derivados rias localidades onde o Grémio dos Armazenistas de Vinhos exerça a sua acção podem vender livremente os produtos que aí colherem, não podendo estes exceder a quantidade manifestada».
É bem de ver que o espírito do legislador fora orientado pelo critério honesto de permitir a venda dos vinhos tal como a natureza os produz, uma vez que satisfaçam aos requisitos legais dos vinhos do seu tipo. Ora, segundo todas as análises e na opinião dos consumidores, os vinhos produzidos nos concelhos do Porto e Gaia têm as características inconfundíveis e apreciáveis dos vinhos verdes, e assim, como tais, segundo o espírito do citado derreto, devem poder vender-se livremente.
Apoiados.
Mas, Sr. Presidente, não o entendem deste modo algumas entidades oficiais que superintendem no assunto, exigindo-se que, para serem vendidos, deixem de ser
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verdes e se adaptem às características dos maduros, para o que teriam de sofrer tais operações e aguentar tantas misturas, que de apreciáveis vinhos verdes que eram se tornariam uma espécie de cocktail, incompatível com os créditos dos nossos vinhos e desorientadora do paladar dos consumidores.
É certo que se tem permitido alguma tolerância na respectiva circulação e venda; contudo, muitos produtores preferem vendê-los por baixo preço (que não compensa às despesas de cultura e contribuições) aos armazenistas, os quais depois os lotam para lhes elevar n graduação alcoólica e alterar determinadas características.
Ora, se a lavoura paga as suas contribuições ao Estado, corpos administrativos, grémios e outras entidades (e pesadas elas são), não é para sujeitar os seus vinhos, legítima e honestamente produzidos, a um regime de tolerância (mas sempre sob a ameaça de sanções), nem para os adulterar ou vender por tuta-e-meia a armazenistas que, afinal, seriam os únicos a lucrar.
Reclama este caso providências imediatas, para que aqueles vinhos possam,, como a lei determina, ser vendidos livremente tal como a natureza os produz.
Se o Governo atender a legítima e antiga aspiração dos vinicultores dos concelhos do Porto e Gaia, incluindo-os na região dos vinhos verdes, poria termo a uma situação equívoca e nada prestigiosa para o Estado Novo, defenderia a justiça que por todos os títulos não deve negar-se a tara importante lavoura e, evitando que os bons vinhos verdes nela produzidos tenham de perder as suas características para serem expostos à venda, velará também .pêlos interesses dos consumidores.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Pinto da Mota: - Sr. presidente: meia dúzia de cousas, que vou tratar o mais esquematicamente que puder.
Informam-me da minha terra que continuam os roubos de matos e lenhas, roubos que silo incessantes e que para alguns proprietários já atingiram uma verba importante.
Nestas condições, e na legitima defesa da propriedade, eu peco a policia rural, e para o facto associo-me às palavras que o nosso ilustre colega Sr. Dr. Antunes Guimarãis outro dia proferiu a respeito de polícia rural e da sua possível organização dentro da dotação que há pura financiar óssea serviços.
Manda a verdade e a justiça disser que êste assunto da policia rural vem sendo, lia tempos, tratado, e bem, por um grande cotidiano matinal, que o O Século.
Não costumo referir-me à imprensa, nem para censuras nem para louvores, e toda a gente compreende o porquê. Mas sou valenciano, e pôr isso tenho, além de ser justo, de ser reconhecido ao director daquele jornal e no próprio jornal, que tem encarecido de unia maneira inteligente melhoramentos que são desejáveis para a minha terra. (Retiro-me à estância do monte do Faro e estrada turística até às Furnas).
E assim não posso deixar de prestar: justiça a O Século por ter tratado de assunto tam momentoso e de interesse gemi como é obrigação da Imprensa: a defesa da propriedade pelo cabal policiamento.
Se V. Ex.ª que dá licença e a Câmara imo se cansa de me ouvir, vou ainda acrescentar algumas palavras, mus agora de agradecimento ao Sr. Sub-Secretário de Estado da Agricultura, o Sr. Prof. André Navarro.
Em resposta ou em satisfação das palavras que aqui proferi em relação a hortaliças, quis S. Ex.ª ter a bondade de me enviar ontem uma espécie de embaixador, um Sn agrónomo, com o rol do preço de todas as hortaliças que se vendem nos diversos mercados de Lisboa, acompanhado do custo dos mesmos géneros desde 1940 até Janeiro de 1942.
Estes preços são os apresentados pela Gamara Municipal de Lisboa e eu não sei o grau de justeza com que os mesmos estão registados.
Do que tenho a certeza, porém, é de que este acto do Sr. Sub-Secretário de Estado da Agricultura representa uma gentilíssima atenção não só para com a minha pessoa, mas para com a Assemblea Nacional.
Apresento, pois, ao Sr. engenheiro André Navarro as rendidas homenagens do meu penhorado agradecimento.
E, já que falei em preços, e para rematar as minhas considerações, pedia também a S. Ex.ª, caso seja possível, que me mande fornecer a base ou as bases, o elemento ou os elementos de que se utilizaram os serviços competentes para fixarem o preço do milho, do trigo, do bacalhau e da carne de porco.
Se estas informações são difíceis de prestar, desisto delas; se há facilidade em mas facultarem, seria lavor.
O Sr. Presidente: - Se V. Ex.ª quere obter essas informações tem de fazer um requerimento.
O Orador: - Eu sei isso, Sr. Presidente, mas, se vou fazer um requerimento, obrigo, por assim dizer, a darem-me uma resposta, e a verdade é que ignoro se haverá facilidade em me explicarem a base em que assentaram esses preços.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Tavares de Carvalho: - Sr. Presidente: pedi a V. Ex.ª a palavra a fim de mandar paru a Mesa um projecto de lei sobre o modo como hão-de ser formados os nomes de família dos indivíduos filhos de pais com apelidos compostos.
O § único do artigo 242.º do Código do Registo Civil dispõe, sem grande concordância gramatical, que nos registou de nascimento «o número de apelidos não será superior a três' e deverão ser escolhidos de entre os nomes de família dos pais dos registados, devendo os últimos ou o último ser o do pai».
Ora, Sr. Presidente, isto não pode ser e não pode ser porque não há só nomes de família simples, há também nomes de família compostos; e, havendo nomes de família compostos, é evidente que o indivíduo não ficará convenientemente identificado pelo registo se for inscrito apenas com meio apelido do pai ou com meio apelido da mãi: não se saberá, num dos casos, qual é a família da mãi, ou não ae saberá, no outro, qual é a família do pai. Preceituando u Constituição, sobre o instituto da família, toda uma série de medidas de carácter social, cujo cumprimento exige a identificação minuciosa do pai e da mãi, e não de um só dêles, nem sei mesmo se a letra do § único do artigo 242.º não se encontrará, nesta hora, já susceptível de ser ferida pelos rigores da inconstitucionalidade.
O registo do estado civil é, por sua natureza, identificador. Fez-se para divulgar para com terceiros u designação verbal de cada pessoa, de modo a individualizá-la na sociedade, e não se compadece, portanto, do facto de não a individualizar em toda a sua plenitude. Se minha filha viesse porventura a casar-se com algum dos muitos filhos do nosso ilustro colega Salvação Barreto, não viria nunca u saber-se com facilidade se o filho de nossos filhos seria ou não seria neto de nós dois. Com efeito, os apelidos de «Tavares de Carvalho Salvação» e «Tavares Salvação Barreto», ou então de «Tavares de Carvalho Barreto» e «Carvalho Salvação Barreto» apenas identificariam para uma banda só, e um de nós haveria que sacrificar-se, generosamente, à mais valia familiar do ou-
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tro. É que os apelidos do nossas finas famílias não , Barreto, nem Carvalho, nem Tavares, nem Salvação, famílias com qualquer dêstes apelidos há muitas; mas famílias com os apelidos, compostos pela maneira como os usamos e se tornaram conhecidos há só as nossas - salva a contrafacção dos espertos.
Devo ainda declarar, Sr. Presidente, que não sou apologista dos nomes quilométricos. Sei de alguns: sei mesmo do muitos, e sempre que pareceram ridículos, quando não são causadores de anarquia na determinação das origens familiares. Se, porém, alguns pais têm pecado por excesso no tocante aos nomes quo têm posto a seus filhos, não pode haver duvidas de que, nesse caso, também o legislador do Código do Registo Civil pecou - e gravemente -, não por excesso, mas por míngua. Há, pois, que encontrar o meio têrmo, o ponto intermédio e conveniente - e eis o que procurei atingir com o projecto de lei que vos anuncio e é o seguinte:
Projecto de lei
Tenho a honra de apresentar à Assem bica Nacional o seguinte projecto de lei:
BASE I
O § único do artigo 242.º do Código do Registo Civil, aprovado pelo decreto n.º 22:018, de 22 de Dezembro de 1032, fica substituído pelo seguinte:
§ 1.º Os apelidos não excederão a dois e serão sempre escolhidos de entre os nomes de família dos pais dos registados, devendo o último ser o do pai.
BASE II
É aditado ao aludido artigo 242.º um novo parágrafo, que passa a ser o 2.º, com a redacção seguinte:
§ 2.º Os apelidos poderão ser constituídos por um só nome ou por grupos de dois e três nomes e serão transcritos, nos respectivos registos, de modo a identificarem convenientemente as famílias do pai e da mãi de que os registados provierem.
BASE III
É permitida, dentro do prazo de seis meses a contar da data da entrada em vigor desta lei, a modificação dos registos feitos antes daquela data, no sentido de serem adaptados à doutrina que dela consta.
Sala das Sessões da Assemblea Nacional, 28 de Janeiro de 1942. - O Deputado Fernando Tavares de Carvalho.
Fico-me por aqui. Justificações e pormenores deixo-os para depois. Limito-me, por agora, a estas simples e mal vestidas palavras, rogando apenas a V. Ex.ª, Sr. Presidente, dado o adiantamento em que já vai o período desta sessão legislativa o favor do submeter ao voto da Assemblea que seja considerada urgente a matéria do meu projecto.
Tenho dito
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Vou consultar à Assemblea acerca do pedido de urgência formulado pelo Sr. Tavares de Carvalho.
Consultada a Assemblea, foi aprovada et urgência, pedido pelo Sr. Tavares de Carvalho para o projecto de lei que apresentou.
Sr. Presidente: - Proponho quo a Assemblea designe o prazo de dez dias para a elaboração do respectivo parecer.
Foi aprovada a proposta do Sr. Presidente.
O Sr. José Cabral: - Sr. Presidente: pedi a palavra apenas para mandar pura a Mesa o seguinte requerimento, que passo a ler:
Requeiro que pelo Ministério da Economia e organismos a seguir indicados me sejam fornecidos com urgência as seguintes informações e documentos:
É público e notório que a Junta Nacional do Vinho pretendeu obter, por parafinagem, a impermeabilização dos seus depósitos e empregou nessa operação parafinas ordinárias, em vez de noutras, resultando de tal erro técnico a azulagem das aguardentes armazenadas (cêrca de 15:000 pipas) e a consequente desvalorização, expressa, em alguns milhares de contos de prejuízo.
Para esclarecimento deste erro e consequente determinação de responsabilidades requeiro que sejam fornecidas as informações seguintes, pela Junta Nacional do Vinho:
1) Quantidade das aguardentes azuladas por virtude da operação de parafinagem referida, expressa em litros;
2) Seu preço de aquisição, por litro;
3) Quantidades vendidas e seu destino;
4) Quantidade de aguardente destilada , ou adquirida para fabrico de álcool;
5) Quantidade vendida e seu destino;
6) Preço da adquirida, por litro;
7) Quantidade e qualidade tia aguardente fornecida as fábricas de álcool, nos termos da lei, e seu preço de venda, por litro;
8) Preço actual de venda no sul da aguardente vínica e da destinada ao fabrico de álcool;
9) Quais os trabalhos, realizados para corrigir a azulagem da aguardente e seus resultados práticos, quais as responsabilidades exigidas por esse facto e a quem.
Pelo Instituto do Vinho do Porto:
1) Previsão da quantidade da aguardente a fornecer pela Junta Nacional do Vinho à região demarcada do Douro para benefício de mostos e lotas no ano corrente;
2) Previsão da quantidade necessária para, o mesmo fim no ano de 1942;
3) Quantidade de aguardente em poder da Casa do Douro.
(Estes elementos referem-se a 31 de Dezembro de 1941).
A entrega e medição das aguardentes comprados pela Junta Nacional do Vinho devem constar de notas de movimento, em triplicado, ficando- um exemplar na posse do vendedor, e sendo remetido outro à junta compradora e o terceiro ao armazém que a recolhe.
Destas notas devem constar todos os elementos de identificação da mercadoria, a começar pela sua graduação.
Em 1939 a Junta Nacional do Vinho comprou à União Vinícola do Dão 653:428 litros de aguardente,, no valor de 2:500 contos.
A nota do movimento que acompanhou o produto ao armazém, da Junta omitiu a menção da. graduação. Pede-se pelo referido organismo:
Relação das notas de movimento referentes a esta operação entradas na sede da Junta Nacional do Vinho é no seu armazém da Mealhada, com menção completa das quantidades, graduação alcoólica e custo.
Pela União Vinícola do Dão:
Idem, idem, do que se refira à mesma operação e esteja em seu poder.
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A transferência de grandes volumes de aguardente de armazém para armazém determina sempre perdas do produto, por quebra.
Parece que nem sempre tais quebras são contabilizadas rigorosamente, pecando umas vezes por deleito, outras por excesso, conforme as circunstâncias. Por isso se pede, pela Junta Nacional do Vinho:
1) Montante, em litros e graus-litros, da transferência operada em 1938 dos armazena de Almeirim para os de Vila Nova de Gaia, com indicação da primeira e última remessa;
2) Indicação do montante das quebras reais e das que foram contabilizadas;
3) Cópia do despacho que ordenou sindicância aos armazéns de Vila Nova de Gaia ou ao chefe, por quebras;
4) Idem da decisão que pás termo ao respectivo processo;
5) Idem do despacho que ordenou inquérito às caldeiras de Pinhel ou ao chefe responsável, em 1939, e da decisão que lhe pôs termo;
6) Cópia da informação sobre quebras dada pela secção de armazéns em 26 de Setembro de 1939 e do despacho que incidiu sobre ela;
7) Indicação do montante dos décimos de graduação não contados aos vinicultores nas entregas de vinho em 1939, em função da «margem de segurança estabelecida para as análises pelo ebuliómetro (Ordem, de 8 de Fevereiro de 1939 dos armazéns de S. Pedro, em Santarém, e ofício n.º 865/10:100/39, ao chefe de zona, de 2 de Março do mesmo ano).
Diz-se que na Junta Nacional do Vinho se fazem aquisições de material, pagando-as irregularmente por tomas de ajudas de custo.
Pede-se, pois, por este organismo:
1) Cópias do primeiro e segundo pedidos de autorização de despesa com a aquisição de pastas para material técnico de fiscalização e dos respectivos despachos, com a indicação da data do pagamento;
2) Cópia das folhas de ajudas de custo e transportes n.º 422, 432, 443 a 447, 449, 751, 761, 807 a 813 e 815, referentes ao ano de 1941;
3) Relação de todos os veículos mecânicos adquiridos até hoje pela Junta Nacional do Vinho, com indicação dos números de matrícula e custo, por unidade;
4) Indicação do total despendido até 31 de Dezembro de 1941 em reparações nesses veículos, com indicação das oficinas que as fizeram e de quanto receberam.
Todo o pessoal da Junta Nacional do Vinho fala do processamento irregular de ajudas de custo, importando para o organismo prejuízos avultados.
Pede-se pela mesma entidade:
1) Cópia da Ordem, de Serviço que regula esta matéria, talvez com data de 15 de Setembro de 1939;
2) Cópia das folhas de ajudas de custo processadas a favor do pessoal da secção de fiscalização que nos meses de Janeiro e Fevereiro esteve em Lisboa;
3) Idem do pessoal das brigadas urbanas de Lisboa e Porto referentes ao mês de Agosto de 1939;
4) Idem dos agentes David Vasconcelos, Oliveira Manais e Silva Pato referentes a Fevereiro, Março e Abril de 1941 e período da sua permanência em Penafiel e Coimbra;
5) Idem do funcionário Manuel António Rodrigues, referente a Janeiro de 1941, e da folha de serviço diário referente a este mês;
6) Idem dos regentes agrícolas Madeira, Freitas e Seabra, referentes a Junho do mesmo ano;
7) Idem do regente agrícola José Vicente de Abreu, referente a Agosto de 1937;
8) Idem do regente agrícola Martins Alves, por serviço prestado em S. Pedro do Sul, e indicação precisa do período durante o qual aí esteve com efectividade.
E finalmente:
1) Cópia do contrato de financiamento sobre vinhos da colheita de 1938 a favor do vinicultor Jacinto Seabra;
2) Cópia do aviso de prorrogação do vencimento respectivo;
3) Cópia das propostas de venda para pagamento desse empréstimo;
4) Cópia das guias de .entrega e das notas de medição,, com indicação dos dias em que os vinhos foram recebidos;
5) Cópias dos respectivos boletins de análises.
Sala das Sessões da Assemblea Nacional, 29 de janeiro de 1942. - O Deputado José Pereira dos Santas Cabral.
O Sr. Presidente: - Vou designar os Srs. Deputados que hão-de constituir as sessões de estudo dos projectos ultimamente apresentados:
A sessão de estudo do projecto de lei apresentado pelo Sr. Vasco Borges concedendo a patente de vice-almirante honorário ao Sr. Azevedo Coutinho será constituída pelos Srs. Deputados Álvaro de Freitas Morna, Álvaro Salvação Barreto, António Cortes Lobão, António Rodrigues dos Santos Pedroso, António de Sousa Madeira Pinto, Fernando Tavares de Carvalho, Henrique Linhares de Lima, João Maria Teles de Sampaio Rio e Júlio Alberto de. Sousa Schiappa de Azevedo.
Pelo que respeita ao projecto de lei apresentado pelo Sr. Deputado Belfort. Cerqueira sobre a constituição de sociedades de fomento regional, a sessão de estudo terá a constituição seguinte: Srs. Deputados Abel Varzim da Cunha e Silva, Albino Soares Pinto dos Reis Júnior, Alexandre de Quental Calheiros Veloso, António de Almeida Pinto da Mota, António Carlos Borges, Artur Proença Duarte, Francisco Cardoso de Melo Machado, Henrique Linhares de Lima, João Antunes Guimarãis, João Garcia Nunes Mexia João Garcia Pereira, João Luiz Augusto das Neves, Sebastião Garcia Ramires e Silvio Duarte de Belfort Cerqueira.
Quanto ao projecto de lei apresentado pelo Sr: Deputado João do Amaral respeitante à lei orgânica da Academia Nacional das Belas Artes, da sessão de estudo farão parte os Srs. Deputados Acácio Mendes de Magalhãis Ramalho, Albino Soares Pinto dos Reis Júnior, António de Sousa Madeira Pinto, Artur Águedo de Oliveira, Fernando Tavares de Carvalho, João Luiz Augusto das Neves, João Mendes da Costa Amaral, José Alçada Guimarãis, José Gualberto de Sá Carneiro, Luiz da Cunha Gonçalves e Luiz Maria Lopes da Fonseca. Vai passar-se á
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O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Melo Machado. Tem a palavra o Sr. Deputado Nunes Mexia.
O Sr. Nunes Mexia: - Sr. Presidente: não cumpriria o meu dever se, dada a minha qualidade de lavrador, não interviesse neste debate de tamanha importância para a classe agrícola e para a economia do meu País.
Não tenho críticas a fazer à hidráulica agrícola, se por críticas se entendei- atribuição de responsabilidades directas; considero que as situações, de incomportável encargo, logo evidenciadas pelo custo das obras por
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hectare, criadas a todos os proprietários cujas terras foram beneficiadas resultam fundamentalmente da má interpretação de uma lei em vigor.
Considero que a lei n.º 1:949 em si se presta a confusões, porquanto, muito embora ressalve, em tese, o princípio da «mais valia» e através dele os legítimos direitos dos proprietários, assenta todavia toda á sua mecânica na esperança de que os encargos criados, pelas obras de hidráulica agrícola, incluindo juros a uma taxa que considero elevada, caibam dentro do aumento de rendimento dos proprietários, e, como é da natureza humana o subjectivar os problemas, foram os estudos económicos influenciados por esses princípios e assim deixaram de ter aquela independência que era indispensável que tivessem para que as garantias a favor dos proprietários que a própria lei contém pudessem actuar no sentido previsto.
A subordinação dos estudos económicos a «premissas» que a prática está demonstrando não serem exactas, criou o mal entendido, que está no fundo desta questão e que urge esclarecer.
Dado o interesse que os problemas de hidráulica agrícola mereceram aos nossos antepassados, como o atesta muito do que ainda entre nós existe, é se levado a
pensar que as leis altamente proteccionistas que entre nós existiram derivavam- da experiência adquirida neste campo, semelhantemente ao que aconteceu noutros países, em que ainda é esse o espírito da legislação em vigor.
Porque creio que essa foi a conclusão a que noutros tempos se chegou, considero a lei n.º 1:949 como uma lei de transição, destinada a fazer uma e provas que "antes de nós outras gerações haviam já feito e assim preparar uma vez mais o caminho para um conjunto de disposições legislativas que discriminem e distribuam: pelo indivíduo e pela colectividade os benefícios e os encargos quê a cada um digam respeito.
Dos elementos fornecidos a esta assemblea pela hidráulica agrícola destaco a seguinte passagem:
Não se trata de garantir ao proprietário absentista que não perca com as obras de rega, mas sim que esta cumpra a função económica e social de dar pão suficiente ao maior número ...
e mais adiante:
Os seus resultados, embora os económicos sejam os maiores de todas as obras de fomento, são fundamentalmente sociais.
Não se vê bem a diferença na sorte do proprietário agricultor em relação ao proprietário absentista; o que parece porém não oferecer dúvidas è se depreende das próprias afirmações da hidráulica agrícola é que o maior interesse da obra reverte sempre a favor da colectividade e, mercê do aspecto tributário, muito também a favor do Estado.
Se assim é, como admitir que só os proprietários corram riscos e suportem os encargos respectivos? Da subordinação do problema ao princípio, quanto a mim errado, de que as obras competem exclusiva ou fundamentalmente aos proprietários resultou á deformação dos estudos económicos respectivos, sendo dignas de reparo várias anomalias, de que destaco algumas a título de exemplificação:
Assim, a diferença positiva verificada a favor da obra entre os lucros obtidos em 1940 pelos proprietários do paúl de Magos e os registados, como valor médio, antes da beneficiação realizada é tam deminuta e está tam à mercê de perguntas correcções que deixará de existir se na apreciação das respectivas contas contarmos com a produção orizícola indicada, não nos elementos agora
fornecidos e contidos na informação da Junta da Hidráulica Agrícola (anexo C, p. 14), mas sim no folheto anteriormente distribuído.
A igual constatação seríamos levados sé, considerada como valor razoável a renda indicada na referida informação' da Junta da Hidráulica Agrícola - 800$ por hectare - «deduzida à contribuição que então pagavam os proprietários, suponho que de cerca de 111$94, considerássemos como rendimento líquido dos proprietários, por hectare, antes da obra, a quási totalidade do saldo obtido pela diferença daquelas duas verbas, superior por conseguinte ao indicado na referida informação da Junta da Hidráulica Agrícola - 406$ -, o quê se me afigura ser viável, dada a exiguidade dos encargos de conservação de então.
É certo que alguns proprietários cobravam à data rendas inferiores a 300$, mas isso não representa, atentas as normas generalizados na região, senão uma congresso desses proprietários para com os seus rendeiros e não alterava a soma dos lucros por uns e outros registados por unidade e superfície.
A igual ou mais frisante conclusão seríamos ainda conduzidos se prudentemente considerássemos como resultado da obra não tanto o aumento de produção por
unidade de superfície, mas sim o aumento do número de hectares em produção, o que Jogo faria desaparecer grande parte da receita com que se conta para fazer
face nós múltiplos encargos criados. É que estou convencido, Sr. Presidente, de que os aumentos médios da produção por hectare conseguidos no paúl de Magos
em 1939 e 1940 em relação ao período de antes da obra são sobretudo devidos à entrada em cultura de terras relativamente novas, não sendo, na sequência, possível estabilizar esses resultados sem apreciável aumento de trabalhos culturais e aplicação de maiores quantidades de adubos, o que não vejo considerado nas respectivas contas de cultura contidas na mesma informação da
Junta (anexo C, p. 17) e cuja, despesa, global totaliza apenas 2. 793$86 por hectare.
QUADRO N.º 1
Despesas médias por hectare de arroz, em terras de 1.ª e 2.ª classes, no paul de Magos
(Ver Quadro na Imagem).
Sr. Presidente: considerações equivalentes poderia fazer com base nos estudos económicos das outras obras efectuadas, o que só não faço para não alongar inutilmente a minta, exposição. Direi, apenas de passagem, e como idea acessória, que também aspecto «previsão do custo» ou orçamentos das obras respectivas se
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apresentam sempre com excessivo optimismo, dando lugar a correcções além dos limites admissíveis na prática, a tal ponto que não vejo como sobre eles se poderiam, ter pronunciado, sem direito a reclamações posteriores, as associações de regantes, se em devido tempo se achassem constituídas, conforme preceitua a lei.
Se do aspecto económico passarmos ao aspecto técnico do problema, afigura-se-me que não de actualizar, reduzindo-as, as taxas de juro sobre que são calculadas as taxas de beneficiação das obras de hidráulica agrícola.
Também a taxa de conservação e exploração é grandemente avolumada com a parte que nela representam as despesas de administração é fiscalização, superiores sempre a 30 por cento da despesa total, casos havendo em que essa percentagem é extraordinariamente mais elevada, conforme se infere do anexo C à informação da Junta da Hidráulica Agrícola.
QUADRO N.º 2.
Despesas com a exploração e conservação do paúl de Magos:
1939:
Jornais...................... 98.840$95
Materiais e outras ......... 116.153$00 214.994$55
Administração (vencimentos)............. 41.849$15
Fiscalização (ajudas de custo) ......... 10.921$95 52.771$10 267.765$65
1940:
Jornais. ................. 173.459$16
Materiais e outras ....... 249.360$78 422.819$94
Administração (vencimentos). ......... 65.120$54
Fiscalização (ajudas de custo) ....... 44.427$30 109.547$84 532.367$78
Total......... 800.133$43
Despesas com a exploração e conservação do paúl de Cela:
1939:
Jornais..................... 12.819$15
Materiais e outras .......... 4.394$70 17.113$85
Administração (vencimentos)...31.520$00
Fiscalização (ajudas de custo) 4.538$15 36.078$15 53.172$00
1940:
Jornais ...................... 176.238$10
Materiais o outras ........... 126.162$03 302.400$13
Administração (vencimentos)...... 58.225$39
Fiscalização( ajudas de custo)....21.266$13 79.491$52 381.891$65
Total ...............................435.063$65
Despesas com a exploração e conservação dos campos do Louros:
1939:
Jornais ....................... 103.621$05
Materiais o outras ........... 105.058$01 295.679$06
Administração (vencimentos).......... 27.890$00
Fiscalização (ajudas de custo) ....... 2.515$30 30.405$30 326.084$36
1940:
Jornais ........................... 317.148$69
Materiais e outras ................ 153.015$90 470 164$59
Administração (vencimentos)......... 52.538$66
Fiscalização (ajudas de custo) ..... 12.465$98 64.994$64 535.159$23
Total .................................................... 861.243$59
Despesas com a exploração e conservação dos campos de Alvega:
1939:
Jornais................................... 4 061$00
Materiais e outras ...................... 22.317$27 26.378$27
Administração (vencimentos)............... 26.810$00
Fiscalização (ajudas de custo) ........... 3.504$50 30.314$50 56.692$77
1940:
Jornais ................................. 67.655$00
Materiais e outras...................... 243.039$98 310.694$98
Administração (vencimentos)............. 33.411$29
Fiscalização (ajudas de custo).......... 27.920$32 61.331$61 372.026$59
Total.......... 428.719$36
Desposas com a exploração e conservação dos campos de Burgãis:
1938:
Jornais .................................... 10.865$85
Materiais e outras ......................... 16.431$07 27.296$92
Administração (vencimentos). ................ 7.700$00
Fiscalização (ajudas de custo)........ 10.111$85 17.811$85 45.108$77
1939:
Jornais ........................ 7.800$05
Materiais e outras .............. 4.574$30 12.374$35
Administração (vencimentos). ... 27.315$00
Fiscalização (ajudas de custo)....4.975$10 32.290$10 44.664$45
1940:
Jornais ......................... 14.788$20
Materiais e outras .............. 5.007$00 19.795$20
Administração (vencimentos) .......19.823$05
Fiscalização (ajudas de
custo) ........ 11.261$32 31.084$37 50.879$57
Sr. Presidente: muito embora admita que essa desproporção resulte grandemente da própria natureza dos trabalhos, não me parece razoável que, tratando-se em grande parte de pessoal seu, o Estado, que largamente aproveita com a obra, debite integralmente as referidas despesas de fiscalização e administração aos proprietários, não só porque elas resultam em grande porte da falta de constituição das associações de regantes, conforme estabelece a lei e lealmente se indica na informação d" Junta da Hidráulica Agrícola, como também porque aos Proprietários, como chefes de empresa, "agindo em circunstâncias idênticas dentro das suas actividades agrícolas, nenhuma percentagem para administração e fiscalização, por (pequena que seja, se lhes desconta nas receitas agrícolas para o cômputo dos respectivos rendimentos colectáveis.
Resumindo as minhas considerações e tendo em vista criar o necessário ambiente à expansão das obras de hidráulica agrícola, parece-me justo e razoável:
1.º Que o Estado comparticipe no custo e nos ruços das obras desta natureza, segundo uma proporção prèviamente fixada pelo Governo;
2.º Que a taxa de juros do capital emprestado pelo Estado seja actualizada em face da evolução verificada
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No Mercado dos capitais, reduzindo-se assim o encargo respectivo de juros e, consequentemente, o montante da taxa de beneficiação;
3.º Que a taxa de conservação das obras, até criação das associações de regantes, seja constituído com a totalidade das despesas efectuadas com mão de obra, e aquisição de materiais, acrescida apenas de uma percentagem para despesas de administração e fiscalização idêntica à adoptada; para o mesmo fim na maioria das actividades particulares;
4.º Que seja criada uma instância de recurso que julgue com perfeita independência todas as divergências que se levantem.
Devo ainda dizer que, tendo ocasionalmente dado conhecimento destas conclusões ao Sr. Deputado Melo Machado, perfilhou-as ele e pediu-me que desta tribuna suprisse o seu esquecimento de terminar as suas considerações com um certo número de conclusões que era intenção sua igualmente apresentar.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Proença Duarte.
O Sr. Proença Duarte: - Sr. Presidente: o aviso prévio do Sr. Deputado Melo Machado trouxe de novo à discussão nesta Assembleia um assunto que vivamente já aqui foi discutido, apreciado e ponderado.
Tratava-se nessa altura de uma proposta governativa que representava o início de uma política nova no campo o fomento hidro-agrícola. Nunca se tinha apresentado' em Portugal nada de uma tão larga envergadura e as bases que foram submetidas à nossa apreciação, os princípios .que nelas se continham, mereceram indiscutivelmente a adesão e o apoio da Assembleia Nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A política de fomento hidro-agrícola foi aqui altamente louvada e elogiada. O Governo da Nação foi incitado a prosseguir e dar execução material a essa política que se encontrava consubstanciada nas bases que depois se converteram na lei nº 1:949. E pode dizer-se mesmo que a Assembleia Nacional não fez mais do que interpretar o sentimento colectivo da Nação, que via abrirem-se-lhe perspectivas novas de enriquecimento, quo antevia a criação de novas fontes de riqueza nacional.
Por isso eu disse que o assunto foi aqui apreciado e discutido vivamente, porque a Assembleia Nacional do então teve a consciência nítida e profunda da magnitude do assunto e do que ele representava para a economia e para as finanças do País.
Votaram-se e apreciaram-se com algumas alterações das bases que se converteram na lei nº 1:949. Ficou como que traçado um programa de fomento hidro-agrícola.
Veio depois o decreto nº 28:652, que regulamentou a lei e, a meu ver, interpretando perfeitamente o espírito da mesma lei.
Fui, Sr. Presidente, dos que nessa altura, deste mesma tribuna, se pronunciaram aberta e decididamente a favor do projecto de lei; e dei-lhe o meu mais caloroso aplauso e fui também um daqueles que incitaram o Governo que prosseguisse na realização daquela obra, que trazia à aprovação da Assembleia Racional.
Entendia e entendo que era preciso investir na terra uma grande parto do capital que ela deposita nos cofres do Estado sob a forma de imposto, para que a terra portuguesa continuasse a desempenhar a missão económica e social que lhe compete.
Continuo. A dizer e a afirmar que se deve prosseguir da hidráulica agrícola.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
0 Orador: - As razões, Sr. Presidente, que imperaram nessa altura no meu espírito são as mesmas que ainda hoje imperam e as considerações que então fiz só teria de mantê-las e reproduzi-las agora, se houvesse necessidade disso.
Há, portanto, para mim uma coisa que é indiscutível: é a de que é necessário prosseguir na obra de fomento hidro-agrícola, de que é preciso que se continue a realizar em Portugal uma obra de hidráulica agrícola. Essa obra, com a do repovoamento florestal que se está executando, marcará na terra portuguesa este período de rejuvenescimento e restauração, de revigoramento de todas as forças materiais e morais da Nação, e ficará a atestar aos vindouros que a geração de hoje soube cumprir neste momento a sua missão.
O aviso prévio, nos termos em que foi posto com tanto brilho pelo nosso ilustre colega Sr. Melo Machado, põe-nos em face dos resultados materiais da execução da lei. Obriga assim esta Assembleia a rever o problema nos seus princípios e a apreciar, pela primeira vez, o problema na sua execução material.
Sob o ponto de vista dos princípios que informam, a lei quere-me parecer que a Assembleia Nacional de hoje, como a de então, não terá dúvida em continuar a incitar o Governo a prosseguir na obra de hidráulica agrícola já encetada.
Sob o ponto de vista da sua execução material, da maneira como têm sido executados os princípios consubstanciados na lei, é que compete a esta Assembleia Nacional, na sua acção fiscalizadora da acção governativa e administrativa, pronunciar-se neste momento.
Parece-me que nada temos que rever nem alterar, aos princípios que já constam de diplomas Legais.
O aviso prévio quere-me parecer que foi motivado pelas reclamações dos chamados beneficiários das obras de hidráulica agrícola já levadas a efeito. Justas reclamações?
É o que tem de decidir a Assembleia Nacional.
É realmente impressionante que as reclamações surjam de todos os beneficiários e de todas as obras de hidráulica agrícola levadas a efeito. Não é só de algumas que se reclama; é de todas. O facto ó realmente impressionante, mas não devemos também deixar de ter presente que quando a acção governativa se propõe realizar grandes inovações, quer dentro do campo político, quer dentro do campo propriamente administrativo, só levantam clamores que por vezes mais tarde se constata não tinham justa razão de ser. E esta verdade parece que não pode deixar do estar presente no espírito de quem tenha de se pronunciar sobre tão grave e momentoso assunto. As conclusões a que chegarmos podam na verdade influir na disposição de espírito do País, podem de alguma maneira influenciar a opinião pública sobre a aceitação que devem ter as obras de hidráulica agrícola.
Estou na realidade à vontade para entrar de novo na apreciação deste assunto, porquanto quando se discutiram as bases que se converteram na lei nº 1:949 eu disse:
«Claro está que se amanhã, por virtude da estrutura e execução desta lei, se vir que o proprietário não pode suportar os encargos, se se vir que da aplicação desta lei resultam prejuízos de qualquer natureza, tanto do ordem económica para os proprietários, como do ordem social, e as condições da lei poderão e deverão mesmo ser modificadas.
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O quo não podemos é, com vagos receios, levantar qualquer espécie de obstáculos à obra de largo alcance social e económico como aquele que vem exarado nesta proposta de lei.
Eu previ, portanto, quo a deliberação aqui tomada tivesse ser revista, que o assunto tivesse de ser considerado de novo. E não me enganava, porque na realidade aqui estamos do novo a tratar do assunto.
Os princípios estão certos - dizia eu. Deve continuar-se a fazer obra de hidráulica agrícola.
E quanto no problema que o aviso prévio nos põe - sobre a maneira como têm sido interpretada e aplicada a lei e quanto à justiça que possa assistir aos reclamantes destas obras de hidráulica agrícola - como resolver o problema? A lei comporta em si princípios que, devidamente interpretados e postos a funcionar, levarão a esses reclamantes a justiça que lhes assiste, som necessidade, portanto, de a mesma lei ser alterada ou modificada?
Quere-me parecer, Sr. Presidente, que os termos amplos e largamente compreensivos em que ficaram redigidas as bases da lei nº 1:940 e a regulamentação da mesma, que foi feita pelo decreto n.º 28:602, permitem, sem nada se alterar, que as reclamações dos regantes, reconhecido o seu fundamento, sejam atendidas, como for de justiça.
A lei há-de ser interpretada, como todas as leis, não só através da sua letra, mas também através do seu espírito. A meu ver, os princípios jurídicos que hão-de ser postos a funcionar sobre a matéria do aviso prévio do Sr. Deputado Melo Machado são a base 6ª da lei nº 1:949 e os artigos 55.º e 56º do decreto nº 28:652.
Quais são, resumida e fundamentalmente. as razões invocadas, pelos reclamantes, ou, melhor dizendo, pelos regantes, contra as obras de hidráulica agrícola? Fundamentalmente são estas: a propriedade compreendida dentro da área da irrigação não pode pagar os encargos que a lei sobre ela faz incidir. Consequentemente, se assim é, a lei é injusta.
Mas não me parece que assim seja.
Diz a base 6ª da lei nº 1:949:
Leu
E o decreto regulamentar dispôs: .
Leu
O artigo 56.º estabelece:
Leu
Eu interpreto a lei neste sentido: o conjunto de taxas e aumentos de contribuição que a propriedade tem de suportar nunca pode levar ao regante do que a mais valia provocada pelas obras de irrigação...
O Sr. Melo Machado: - Assim é quo devia ser, mas não é.
O Orador: - Assim é que está na lei, segundo eu entendo.
E perguntar-se-á então: Mas, se se demonstra praticamente que da execução da lei, tal como ela esta sendo feita, resulta que o Estado, em taxas de regas e beneficiações, em taxas de conservação e exploração e aumento de contribuições prediais, leva ao regante mais do que a mais valia e se o regante não pode paga mais do que essa mais valia, quem suporta a diferença?...
O Sr. Carlos Borges: - 0 Estado.
O Orador: - Necessariamente. Embora a lei não o diga expressis verbis, devemos entende-la no sentido de que o Estado terá de suportar o resto, a diferença entre a mais valia e o conjunto destes encargos quo pesam sobre a propriedade.
O Sr. Melo Machado: Isso é tudo teoria, Sr. Deputado.
0 Orador:-Eu digo a V. Ex.ª que estou fazendo a interpretação da lei, e é esta a maneira como entendo que ela deve ser interpretada. Não é mera teoria.
O Sr. Melo Machado: - Tomáramos nós que assim fosse executada.
O Orador: - Por isso dividi as minhas considerações e o aspecto da questão em dois pontos.
Os princípios e o sistema legal estão certos? A execução da lei é que está mal feita?
Os princípios estão certos, a interpretação e execução da lei é que, a meu ver, são defeituosas.
E, posto o problema assim, parece-me, Sr. Presidente, que a Assembleia, dentro da sua acção fiscalizadora, pode ainda chamar a atenção do Governo para a forma como as obras foram executadas, para o excesso de despesa que essas obras provocaram, chamar a atenção do Governo para as possíveis deficiências técnicas - se é que as houve e eu não afirmo que as tenha havido - dos funcionários do Estado. Mas isso não interessa propriamente ao regante. O regante só tem de pedir que lhe deixem livre o rendimento que a sua propriedade tinha antes da beneficiação.
O Sr. Melo Machado: - A quem pede?
O Orador: -Isso é outro ponto, Sr. Deputado Melo Machado.
O regante tem de pedir que isto se faça assim.
A Assembleia Nacional pode chamar a atenção do Governo para essa carestia que se diz existir nas obras da hidráulica agrícola para os erros técnicos que se cometeram - se é que se cometeram. O ponto crucial da questão encontra-se, a meu ver, nisto: a mais valia é uma, diz a Junta Autónoma das Obras da Hidráulica Agrícola; a mais valia não é essa, mas é outra, dizem os regantes. Desde que se fixe, na verdade, qual é a autêntica mais valia, o problema há-de resolver-se dentro das disposições legais existentes.
O Estado recebe os encargos que estão consignados na lei até à mais valia. O que vai daí para cima será suportado pelo Estado.
Parece-me que isto não contraria nem a letra expressa da lei nem o seu espírito.
Quando aqui se discutiram essas bases invocaram-se, foram alvitrados vários sistemas, inclusivamente o sistema de leis estrangeiras, e parece-me que um dos princípios dominantes nestes assuntos de hidráulica agrícola é o de que o Estado tem sempre, necessariamente, de suportar uma parte dos encargos das chamadas «obras do Estado».
Nas obras de bonifica realizadas na Itália, esse país que na sua obra de paz realizou da mais notável maneira, nos tempos modernos, o aproveitamento das suas riquezas naturais, o Estado suporta quase totalmente os encargos das chamadas despesas com as obras do Estado.
O que entendo eu por obras do Estado nestas obras de hidráulica agrícola? Entendo as despesas feitas com a obra que interessa à comunidade, a todos os regantes.
O Sr. Carlos Borges;-A começar pelos estudos; a começar pele princípio...
O Orador: - A construção das albufeiras o a construção de valas mestras - chamemos-lhe assim - são indiscutivelmente obras do Estado, e assim se tem en-
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tendido, como disse, na Itália, onde se consideram como obras das quais o Governo é responsável as seguintes:
a) Drenagem e enxugo de lagos, pântanos e paúes;
b) Repovoamento florestal das montanhas; rectificação e correcção de ribeiros e torrentes;
c) Construção de albufeiras e outras obras de irrigação interessando toda a zona ou parte dela;
d) Construção de estradas e outras construções rurais interessando toda a zona da grande parte dela, etc....
Todas estas obras são consideradas como obras das quais o Governo é responsável, e numa publicação do Ministério da Agricultura e das Florestas italiano, a Bonificazione Integrale, diz-se que o Estado suporta:
«... Para os trabalhos do Estado até 84 por cento na Itália Setentrional, 92 por cento nas outras três regiões e no resto da Itália. Nos distritos de segunda categoria, pelo contrário, a despesa a cargo do Estado eleva-se a 75 e 87,5 por
cento, respectivamente.
Mas nem só estas despesas ficam a cargo do Estado nestas percentagens. Às próprias despesas que interessam particularmente e especialmente a cada uma das terras beneficiadas, como seja a preparação das terras para as culturas de regadio e suponhamos, na cultura do arroz, as despesas feitas com a movimentação das terras, com os encanteiramentos, etc; não obstante serem despesas privativas das terras, até mesmo essas despesas o listado chega a subsidiar com uma terça parte do seu valor.
O Sr. Madeira Pinto: - É como cá...
O Orador: - Como cá, não; mas também cá se comparticipam muitíssimas obras de. melhoramentos rurais. Portanto, se a lei tem de ser interpretada através da sua letra e do sen espírito, p se ela consigna o principio de que nunca o proprietário regante pode pagar mais do que a mais valia, devemos concluir que, dada a hipótese de haver maiores despesas do que a mais Valia, elas ficam a cargo do Estado.
O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª está fazendo considerações muito interessantes, o que eu, mais do que ninguém, aprecio imenso, tanto mais que elas vêm reforçar o meu ponto do vista sobre o assunto. Simplesmente, eu desejava que V. Ex.ª fizesse o favor de me dizer como chegou a essas realidades. Isso é muito bonito em teoria, 4 mas como ó que se chega à realização prática desses princípios? Como homem prático que sou, só as cousas práticas é que me interessam, muito embora aprecie imenso a teoria.
O Orador: - Esse objectivo que V. Ex.ª quis alcançar com o sen aviso prévio há-de ser, naturalmente, uma consequência a tirar do que aqui se disser, e que o Governo não deixará de ter em consideração.
O Sr. Melo Machado: - Mas o que falta ó o meio para se chegar a isso.
O Orador: - Veja V. Ex.ª que esse objectivo está tara enraizado no espirito de toda a gente que até a própria Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola o
reconheceu, e com toda a probidade o escreveu, dizendo que devem ser alterados os artigos 48.º, 55.º, 56.º e outros do decreto que regulamentou a lei n.º 1:949.
O Sr. Carlos Borges: - Mas isso não resolve, o problema.
O Orador: - Era parte resolvo. No entanto, nós vemos que aquela Junta reconheceu a vantagem que há em transferir para o Ministério da Economia a resolução das reclamações, dos regantes.
O Sr. Magalhãis Ramalho: - Parece-mo que não é bem assim, mas somente cora respeito à nomeação de peritos.
O Orador: - Até aqui quem resolvia o assunto era a Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola, sem interferência de qualquer outra entidade.
Pois agora é ela própria que propõe a alteração do artigo 28.º pela forma seguinte:
Leu.
O Sr. Carlos Borges: - Ai ó que nós queremos ir.
O Orador: - E o § 1.º do artigo 56.º estabelece.
Leu.
No entanto, o princípio que já domina o espírito da Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola é de que deve intervir na decisão das reclamações a Direcção Geral dos Serviços Agrícolas, do Ministério da Economia. E, na realidade, não se concebe nem se admite que num conflito entre a Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola e a associação de regantes, neste litígio que se estabelece entre estas duas entidades, porque têm critérios divergentes, no nosso caso concreto sobre a maneira do determinar a mais valia e qual é essa mais valia, não se concebe que seja um dos pleitoantes a decidir a questão.
O Sr. Melo Machado: - Apoiado! É isso mesmo!
O Orador: - Quem há de, portanto, decidir a questão?
Este ponto é que precisa possivelmente de ser novamente regulamentado e a competência para decidir deste pleito deve necessariamente ser transferida da Junta Autónoma pára uma nova entidade.
Entendo eu, porque se trata de um verdadeiro pleito, que a comissão de peritos e dó técnicos, que não pode deixar de ter dentro de si representantes da associação de regantes, e talvez em número igual aos representantes das repartições do Estado, deveria ser presidida por alguém que esteja habituado a presidir a diligências desta natureza e que possa proceder com toda a imparcialidade e com conhecimento da função que lhe compete desempenhar.
Seria para desejar que essa comissão fosse presidida.
Sor um juiz de direito. Mas, Sr. Presidente, na realidade o que eu vejo que motivou este aviso prévio foi uma necessidade forte de haver outra entidade que aprecie as reclamações que até aqui não têm encontrado quem as apreciasse justamente. E vejo ainda que essas reclamações surgiram e têm fundamento:
1.º Talvez porquê a lei se não cumpre integralmente;
2.º Porque se não interpreta tal como deve ser interpretada.
Não se cumpre integralmente, porquanto as associações de regantes devem estar constituídas antes de se começar a executar o projecto. Essas associações de regantes, que representariam o interesse vivo, flagrante, da terra, teriam de acompanhar a construção da obra e teriam de sugerir ideas, pois a sua experiência, a experiência de quem trabalha a terra, o instinto e o sentido de quem a trabalha e que vêra de tantas gerações atrasadas, apercebe-se mais da maneira de realizar as obras do que a própria técnica.
Apoiados.
E indispensável a colaboração dos trabalhadores da temi, da sua experiência, da sua observação directa durante largos anos daqueles pedaços de terra que ama-
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nham; mas assim se não fez, e os interesses dos regantes não foram ouvidos. Uma cousa é ouvi-los no acto de se começar a executar o projecto, outra é dar-lhes o direito de reclamarem quando as cousas já não têm remédio.
Mas a culpa não é da lei nem de quem a votou. Os princípios são bons, o sistema é perfeito.
O Sr. Albino, dos Reis: - Mas então de quem é a culpa?
O Orador: - A culpa é de quem. executou, ou de quem deixou de executar.
O Sr. Madeira Pinto: - Não está dito no relatório que o mal seja dessa origem.
O Orador: - O Sr. Deputado Melo Machado demonstrou aqui, de uma maneira clara, impressionante, a falta de rigor dos orçamentos dos projectos das obras da hidráulica agrícola já realizada. Começou por dizer que no caso do paul de Magos o orçamento inicial era: de 5:000 e tantos contos; apareceram depois os 8:000 e tantos contos quando o projecto foi remetido a Câmara Corporativa e depois de realizado custou 9:600 contos.
Claro que impressiona que organismos do Estado, com técnicos competentes, tenham podido elaborar inicialmente um projecto que importava em 5:000 contos, que depois foi alterado para 8:000 contos e cuja execução na prática custou 9:600 contos.
Eu também exerço uma profissão técnica, sou advogado: comecei pelo princípio e, apesar dos mais altos e proficientes ensinamentos que os meus mestres me deram na Universidade, confesso que, talvez por deficiência minha, quando. cheguei à prática, encontrei, como não podia deixar de ser, bastantes dificuldades. Cometi com certeza erros, não obstante toda a minha boa vontade em acertar e de todas as solicitações que aos mais competentes fazia para quê me esclarecessem e ainda hoje serei um dos que mais erros praticam no exercício da sua profissão.
Não apoiados.
Tenho porém a certeza de que exerço a minha função com toda probidade e honestidade.
Não quero porém aceitar que os erros de técnica, se os houve, e, pelo que ouvi e apesar de leigo no assunto,, acredito que os houve, não são humanamente explicáveis, porquanto se iniciava uma obra que nunca se tinha realizado e de que não havia prática, em Portugal.
Desde que as consequências desses erros não recaiam sobre a propriedade, é ao Governo que compete apreciar sobre quem elas derem recair.
Mas há-de ser sobre a propriedade que se há-de fazer a Aprendizagem, e não. através dos livros nem. dos projectos elaborados no remanso dos gabinetes.
Mas os erros de aprendizagem, como já acentuei nos considerações que venho fazendo, não podem recair sobre a propriedade.
Portanto tem razão de ser a primeira pregunta que o Sr. Deputado Melo Machado faz no seu questionário: Não estarão na lei distribuídas equitativamente as responsabilidades do Estado e dos proprietários?».
Entendo que sim; que estão distribuídas equitativamente; é uma questão de ela ser interpretada no sentido em que eu a interpretaria de lhe tivesse de dar execução.
E tudo o mais se resolve dentro desta interpretação, legal, seu necessidade de alterar, o que está legislado.
Os regantes tom razão nas suas reclamações? Terão, totalmente razão ou só parcialmente, ou não a terão, mas não há-de ser só a Junta Autónoma de Hidráulica Agrícola a fazer o estudo destes processos. Há-de ser uma entidade estranha aos dois interesses em conflito, porque também representa interesse a interferência da Junta de Hidráulica Agrícola na realização, da obra, porque pode a sua paixão pela obra que realizou não a deixar, ver claramente onde está a verdade e onde está a justiça.
É essa solução que se deve procurar, necessariamente, para que a defesa de interesses tam respeitáveis como são os da propriedade encontre acolhimento e quem lhes faça justiça.
Claro que não podemos encarar o interesse da propriedade através dum conceito puramente individualista de propriedade.
Vozes: - Claro!
O Orador: - Hão-de ser êsses interesses apreciados através dos conceitos modernos de propriedade. A propriedade tem, segundo o conceito, moderno que aceita-mos, uma função social um papel a desempenhar e quando o interesse colectivo exige que se sacrifique ao bem de todos o interesse individual, evidentemente que há que sacrificar êste interêsse individual.
Mas daqui até se estabelecerem princípios que levem ao confisco da terra vai uma grande distância. Este não o podemos aceitar; repelimo-lo abertamente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Proença Duarte: V. Ex.ª ainda têm largas considerações a fazer? É que a hora regimental esta esgotada.
O Orador: - Na realidade, Sr. Presidente, está é a conclusão das minhas considerações, conclusão que eu ia de facto anunciar já.
Parece-me que muito proveitoso resultou para a acção do Governo e para esclarecimento da Nação o aviso prévio que o Sr. Deputado Melo Machado trouxe a esta Assemblea, podendo os reclamantes ter plena confiança em que as suas reclamações serão decididas conforme for de justiça.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Antunes Guimarãis: - Sr. Presidente: vou sor muito breve.
Não resisti a pedir a palavra para voltar mais uma vez a falar sobre êste assunto dos aproveitamentos hidro-agrícolas, assunto que já tive ocasião, do apreciar quando foram aqui discutidas as bases quo vieram a transformar-se na lei n.º 1:949, em execução da qual têm sido já realizadas bastantes, obras da rega e enxugo, que tam discutidas têm sido.
O aviso prévio do nosso ilustre colega Sr. Melo Machado tem assim flagrante oportunidade.
Este assunto é-me gratíssimo, porque tende a melhorar a terra portuguesa, a promover a colonização interna, criando casais onde famílias virão a fixar-se. Estas obras não têm, de uma maneira geral, o grave inconveniente de exigirem o sacrifício de vastas áreas como acontece com ou aproveitamentos de energia hidro-eléctrica da qual, regimento, a nação está muito carecida, para que as fábricas possam trabalhar, os campos frutifiquem e nos casais haja um certo bem-estar para as populações.
Começarei por dizer, Sr. Presidente e Srs. Deputados, quo quando se discutiram as bases desta grandiosa política hidro-agrícola aprovei-as com as modificações propostas pela Assemblea Nacional. E se hoje aqui voltas sem à discussão, aprová-las-ia outra vez, mas com um
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aditamento que tive a honra de propor, mas que não logrou a aprovação da Assemblea Nacional.
Estou convencido, Sr. Presidente, de que, se êsse aditamento tivesse sido aprovado, êle teria permitido maior desenvolvimento da política hidro-agrícola, levando-a a regiões onde a propriedade está bastante dividida, como no Minho, Beiras e outras províncias, e possivelmente concorreria para evitar muitas reclamações que agora chegam até nós.
Fui ao Diário das Sessões procurar o texto do referido aditamento, o qual foi também subscrito por vários Srs. Deputados, e era assim redigido:
Também aos proprietários assiste o direito de sob a orientação e fiscalização do Estado, mandarem estudar e realizarem obras hidro-agricolas, para cuja execução, depois de aprovados os respectivos projectos, ou no caso de serem por eles adoptados os das repartições competentes, o Estado concorrerá com recursos financeiros o assistência técnica, em condições equivalentes às estabelecidas nesta proposta de lei para as obras hidro-agrícolas realizadas pelo Estado.
Duas razões me determinaram a apresentar esta proposta de aditamento: melhorar, até certo ponto, as bases que então foram discutidas. E devo esclarecer que, contrariamente ao que aqui se afirmou não marcaram o inicio da política hidro-agrícola, pois já vinha de anos atrás o estudo do interessante problema.
Quando o Sr. coronel Linhares do Lima foi titular da Agricultura foi constituída a Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola; tendo eu a honra de subscrever asse decreto juntamente com os restantes Ministros as obras sido desde, logo dotadas com 100:000 contos.
Desde então pode o Pais agradecer vários daqueles, melhoramentos, cuja execução fôra sempre precedida dum minucioso inquérito económico-social.
Mas só mais tarde, com a lei de reconstituição económica, essas obras hidro-agrícolas receberam maiores dotações e tomaram desenvolvimento considerável, orientados pela lei de reconstituição económica, a qual, como, disse foi por nós largamente discutida e melhorada.
Repito: eu pretendia que essas bases se ajustassem às realidades. Em Portugal salvo um namoro limitado de regiões onde os grandes aproveitamentos estão indicados e podem constituir iniciativa do Governo, a verdade é que existem zonas numerosas, mas de área pequena, susceptíveis do ser melhoradas, ou pelo -enxugo ou pela irrigação, e do cuja realização não deixaria- de resultar o progresso de regiões densamente habitadas, mas ainda em parte improdutivas; e que poderiam transformar-se em novos casais o aumentando o número do famílias.
Já a lei de águas, publicada em 1919, se não adaptara ás realidades, porque, embora o Estado não chamasse para si, como na lei n.º 1:949; o exclusivo da iniciativa dos melhoramentos hidro-agrícolas, apenas se previam áreas com mais de 50 hectares para obras de enxugo ou irrigação, o que raras vezes se verifica na região nortenha, nas Beiras e noutras províncias.
A política lançada em 1919 não deu o resultado que então se esporava porque as circunstancias eram muito diferentes das de hoje. Não havia o espírito de solidariedade que o Estado Novo já tom conseguido desenvolver no País, não havia recursos, nem no erário, nem nos cofres particulares, como faltava aquela confiança que hoje, felizmente é um lucro.
Na referida lei de águas, de 1919, a iniciativa das obras era reconhecida a sindicatos de lavradores, aos corpos administrativos e a sociedades. Mas os sindicatos praticamente não existiam, e hoje existem com o nome de grémios, entendendo eu que a estes organismos deveriam ser reservadas funções importantes na execução dos melhoramentos s realizar de harmonia com a lei de reconstituição económica, e com a garantia das largas dotações por ela autorizadas.
Para que a lei que veio a Ter o n.º 1:949, e fôra por nós votada, não fugisse das realidades como a lei do águas, que só provia a beneficiação de áreas superiores a 50 hectares, é que eu me esforcei por torná-la extensiva aos pequenos esquemas de rega o enxugo, como lutei por dar à lavoura: a faculdade do realizar as obras de iniciativa do Estado, com as vantagens financeiras e técnicas fixadas na lei, evitando surpresas como as que agora têm sido aqui apreciadas.
Repito, porque é conveniente salientar: aprovaria novamente as bases aqui votadas em 1937 porque entendo que a lei está bem; mas com experiência dos anos desde então decorridos, lutaria mais nada vez pela aprovação da referida minha proposta de aditamento quo acabei de ler.
Mas se à lei está bem, a sua execução parece não ter sido feliz.
Não, vou reeditar considerações feitas pelos nossos ilustres colegas, porque seria demorar muito a minha permanência na tribuna e hora já vai adiantada.
Mas parece-me que a base da avaliação que antecede as obras não corresponda das realidades.
Fiquei com a impressão de que a avaliação inicial se baseia no rendimento realizado, o que não estaria certo, porque o rendimento pode ser baixo e o valor da terra ser susceptível de alimentar, independentemente da realização dos melhoramentos projectados.
Tenho notado, porque sou do norte e sei como se pode aumentar, a produção de uma área de sequeiro, mesmo sem o auxilio de rega, se usarmos largamente dos adubos orgânicos e das subsolagens.
Ora tenho a impressão de quedos adubos orgânicos são escassamente empregados na região do sul.
O Sr. Melo Machado: - Porque faltam!
O Orador: - Mas é necessário semear matos para os estábulos, que depois se valorização nas nitreiras e muito contribuirão para melhorar, as culturas, mesmo quando a rega for impossível.
Contudo - devo declarar - , sou acérrimo defensor da política de irrigação. O que quero dizer é que pela circunstância de um determinado lote de terreno produzir escassa receita, não deveremos esquecer-nos, ao proceder à sua avaliação, de que o valor não possa subir sem os melhoramentos projectados, sendo junto que tal circunstância subirá o valor inicial, que virá a ser base essencial para o cálculo da mais valia.
Não sendo assim, a diferença entre a valor inicial e o calculado com base na produção apôs as obras seria excessivo e obrigaria o proprietário, a pagar ao Estado o que de facto não recebe e que por isso não é devido.
Verifica-se que O inquérito público determinado na lei de águas, de 1919; foi substituído pela consulta à associação de regantes, os legítimos representantes dos proprietários e, portanto, os competentes para dar parecer sobre as obras a realizar e propor modificações. Na lei de águas garantia-se o recurso para os tribunais; agora há recurso para um tribunal arbitral. Parece-me que o recurso para o Poder Judicial deve ser iniludivelmente garantido aos proprietários por meio de uma fórmula prática. È não demoro mais, apesar de o tema merecer largas considerações. Mas desejo dizer a V. Ex.ªs que estimara que na moção que vier a ser votada por esta Assemblea se exprimisse ao Govêrno a conveniência de dar maior latitude à hidráulica agrícola, tornando-a extensiva a menores áreas, aceitando a iniciativa dos proprietários, ouvindo as lições da sua experiência e, até confiando-lhes a administração de certas obras, tanto mais que a sua organização corporativa serviria de garantia à eficiência dos seus trabalhos.
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30 DE JANEIRO DE 1942 137
Faço minhas as palavras pronunciadas nesta tribuna para que se não exijam dos proprietários senão o que amanha, constituir iniludívelmente mais valia.
O Estado está empenhado em beneficiar a colectividade - e tem todo o meu aplauso -, mus importa que o faça sem arruinar, sem prejudicar os proprietários.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - O debate continua na sessão de amanhã.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA