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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES

N.º 118 ANO DE 1942 2 DE FEVEREIRO

II LEGISLATURA

SESSÃO N.º 113 DA ASSEMBLEA NACIONAL
Em 30 de Janeiro

Presidente o Exmo. Sr. José Alberto dos Reis
Secretários os Exmo. Srs. Carlos Moura de Carvalho
Castão Carlos de Deus Figueira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi lido o expediente.
O Sr. Presidente designou os Srs. Deputados que hão-de constituir a comissão de estudo do projecto do lei apresentado ontem pelo Sr. Deputado Tavares de Carvalho.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Botto de Carvalho, que focou vários aspectos relativos à circulação e conservação, das estradas, e Cortês Lobão, que se referiu & próxima reeleição ao S. Ex.ª o Sr. Presidente da República.

Ordem do dia. - Prosseguiu o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Mela Machado (hidráulica agrícola), tendo usado da palavra os Srs. Deputados Aguado da Oliveira e Cortês Lobão.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados presentes à chamada, 45.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão, 9.
Srs, Deputados que faltaram á chamada, 16.

Srs. Deputados que responderam à chamada:

Acácio Mendes de Magalhãis Ramalho.
Alberto Eduardo Valado Navarro.
Albino Soares Finto doa Reis Júnior.
Alexandre de Quental Calheiros Veloso.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Álvaro Salvação Barreto.
António de Almeida.
António de Almeida Pinto da Mota.
António Augusto Aires,.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Hintze Ribeiro.
António de Sousa Madeira Finto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Artur Ribeiro Lopes.
Augusto Faustino dos Santos Crespo.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Moura de Carvalho.
D. Domitila Hormizinda Miranda de Carvalho.
Fernando Tavares de Carvalho.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
João Botto de Carvalho.
João Maria Teles de Sampaio Rio.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Rodrigues de Almeida.
Joaquim Saldanha.
José Alberto dos Reis.
José Alçada Guimarãis.
José Dias de Araújo Correia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Dias Ferrão.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Júlio Alberto de Sousa Schiappa de Azevedo.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz Cincinato Cabral da Costa.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Manuel Pestana dos Reis.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Luíza de Saldanha da Gama Van-Zeller.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Sílvio Duarte de Belfort Cerqueira.

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Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Abel Varzim da Cunha e Silva.
Álvaro de Freitas Morna.
António Rodrigues dos Santos Pedroso.
Augusto Cancela de Abreu.
João Garcia Nunes Mexia.
José Pereira dos Santos Cabral.
Luiz Figueira.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vasco Borges.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alberto Cruz.
Alfredo Delesque dos Santos Sintra.
Angelo César Machado.
António Maria Pinheiro Torres.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto Pedrosa Pires de Lima.
Guilhermino Alves Nunes.
João Antunes Guimarãis.
João Garcia Pereira.
João Luiz Augusto das Neves.
Joaquim de Moura Relvas.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Maria Braga da Cruz.
Luiz José de Pina Guimarãis.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Sebastião Garcia Ramires.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 56 minutos. Fez-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Estilo presentes 45 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os Diários das duas ultimas sessões.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Consideram-se aprovados os Diários, visto não haver reclamações.
Vai ler-se o

Expediente.

Leu-se na Mesa a seguinte exposição:

Sr. Presidente da Assemblea Nacional - Excelência - A Associação Comercial de Lisboa (Câmara de Comércio), a Associação Comercial do Porto, a Associação Industrial Portuguesa e a Associação Industrial Portuense vêm expor a Assemblea Nacional, por intermédio de V. Ex.ª, seu ilustre Presidente, as seguintes considerações, que os legítimos interesses do comércio e da indústria lhes ditam acerca da proposta de lei que em 6 de Dezembro de 1941 S. Ex.ª o Ministro das Finanças submeteu à discussão e voto desta Assemblea, órgão constitucional do Poder Legislativo, criando o imposto sobre lucros de guerra.
E por se tratar de matéria tributária, as Associações Comerciais e Industriais signatárias têm a certeza de poder desde já reafirmar que o comércio e a indústria, com a mesma isenção com que têm devotada e patrioticamente cooperado para a obra de ressurgimento nacional, que deve as suas bases e realizações a um grande homem de Estado, e com o mesmo espírito com que têm afrontado, mais do que quaisquer outras classes, as pressões da. crise que a guerra provocou, não se recusam a suportar a cota parte que, em emergência tam grave como esta, cabal e legitimamente lhes pertença nos sacrifícios que a vida da Nação exija.
Esta mesma atitude das actividades comerciais e industriais, cujo valor o Governo tem reconhecido, autoriza-as, no entanto, a declarar que o encargo tributário estabelecido na proposta de lei, em vez de recair, como se diz no seu relatório, sobre os lucros excepcionalmente fruídos mercê das circunstâncias do estado de guerra, conduz a um aumento incomportável da contribuição industrial, que ao mesmo tempo ultrapassa aquela finalidade e fere gravemente a vida das empresas comerciais e industriais.

I - Diz o relatório da proposta de lei que cem vista da anormalidade internacional, da necessidade de corrigir e fazer reverter para a comunidade certos excessos de lucros devidos, não ao trabalho ou capacidade de direcção e organização, mas à valorização excepcional de certos produtos, e ainda dos avultados encargos que, mau grado a política de paz até agora com tanto êxito seguida pelo País, a guerra traz às finanças do Estado, julga o Governo chegada a oportunidade de criar o imposto excepcional sobre os lucros de guerras.
Nada mais justo, na verdade, do que contribuírem proporcionalmente para as necessidades imperiosas do Estado - entre as quais as da defesa nacional em toda a extensão do território sobre que se exercem os direitos da soberania portuguesa - aqueles a quem a própria crise económica provocada pela guerra faculta inesperados e extraordinários lucros.
Mas, assim posta a razão do imposto, parece que na proposta de lei se deveria começar por fazer a discriminação do que deve entender-se por lucros de guerra.
Tal se não fez. Segundo a base I, o imposto não vem recair unicamente sobre lucros extraordinários devidos à «valorização excepcional de certos produtos», em negócios eventualmente proporcionados pelas circunstâncias Ba crise provocada péla guerra, mas, tomando por base. o rendimento colectável sobre que incide a contribuição industrial, abrange duma maneira geral iodo o comércio e toda a indústria, como se todo o comércio e toda a indústria tivessem auferido os lucros excepcionais chamados de guerra. E, no entanto, essa discriminação era possível porque existem elementos de facto que permitem uma caracterização fiscal desses lucros excepcionais.
Efectivamente só há lucros extraordinários de guerra nos assambarcamentos e especulações (aliás já punidos nas disposições do decreto n.º 29:964) ou em alguns ramos de certos produtos de exportação quando a sua valorização resulta ou depende das necessidades dos mercados externos, derivadas do estado de guerra.
Dado, porém, o regime actual de fiscalizações, autorizações e licenças especiais que, através dos organismos corporativos e de coordenação económica, condicionam o exercício do comércio e da indústria, é possível determinar com relativa objectivação os casos em que lucros extraordinários de guerra hajam sido ou sejam realizados.
O que de modo algum é lícito pressupor-se é que todo o comércio e toda a indústria os têm auferido e auferem e firmar nessa pressuposição a generalização de um imposto que, pelo seu carácter excepcional, só deve ser aplicado nos casos restritos em que esses lucros se verifiquem.
Impõe-se, portanto, a revisão das bases I e II da proposta de lei no sentido de se discriminar o que por

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lucros de guerra deve entender-se, fazendo recair unicamente sobre estes o imposto especial sobre lucros extraordinários derivados da «valorização excepcional de certos produtos».
A não se proceder assim, ao passo que fugirão ao pagamento do imposto os não comerciantes e não industriais que com lucros de guerra se têm locupletado, acabarão por lhe ficarem sujeitos todos os comerciantes e industriais que, em esmagadora maioria, não só não tiveram lucros de guerra, mas muitos deles até tiveram graves prejuízos de guerra.

II - Alegam-se no relatório da proposta de lei como fundamento do imposto os encargos que a guerra traz às finanças cio Estado e que «natural é que se procure adaptar esta transitória medida ao nosso sistema normal de impostos directos».
E inscreveu-se desde logo no Orçamento Geral do Estado para 1942 a receita de 16:000 contos proveniente do imposto sobre lucros de guerra, já nas bases da proposta de lei e antes de «ata ser aprovada, advertindo-se que se espera que a realidade venha a exceder a previsão», e inscreveu-se também e cumulativamente um aumento de 5:000 contos para a contribuição industrial, para a qual se prevêem 190:000 contos.
Ora, se o Governo julga indispensável buscar receitas à contribuição industrial para laser face a diversos encargos e carências, como os resultantes da abolição do imposto de salvação pública e da quebra de 160:000 contos nos direitos de importação, e, como já asseverámos, o comércio e a indústria não lhas recusam dentro dos naturais limites em que isso lhes seja possível, seria sem dúvida preferível que a questão assim fosse posta, ajustando-se as necessidades dó Estado, nesta crítica conjuntura, à capacidade tributária das empresas que vivem sob as circunstâncias da mesma crise que oprime as finanças públicas.
O sistema fiscal da proposta conduz a um agravamento da contribuição industrial, levado a tais proposições que o tornam, como se disse, não só incomportável na capacidade dos contribuintes, mas contraproducente sob o ponto de vista de, mediante ele, se recolher para o Estado o reforço de receitas de que necessita. A aprovação da proposta de lei nos termos em que se encontra redigida, com incidência não só no ano transacto de 1941, mas no corrente ano e seguintes, implicaria que grande número de empresas contribuintes por ela atingidas - não se peca por exagero ao afirmá-lo - teria necessariamente de prevenir-se para uma cessação das suas actividades.

III - Segundo a proposta de lei, a matéria colectável do novo imposto virá a obter-se pelo confronto entre o rendimento ilíquido presumido para o ano de 1941 e o rendimento ilíquido efectivamente realizado durante êste ano.
Ora, é de lembrar que o artigo 47.º do decreto n.º 17:781, de 13 de Abril de 1929, dispôs que os contribuintes do grupo O seriam colectados pelos seus lucros presumíveis, determinados pela importância das transacções, e que, revogada esta disposição pelo artigo 28.º do decreto-lei n.º 24:916, de 10 de Janeiro de 1935, o artigo 5.º deste último fixou que a contribuição industrial passaria a ser determinada pelo rendimento ilíquido presumível de cada contribuinte proveniente do seu comércio e indústria.
Não se definia, porém, nestes decretos o que por lucro ou rendimento ilíquido devia entender-se paru efeitos fiscais.
E como desta omissão se originaram «incertezas e reclamações», interveio então a Direcção Geral das Contribuições e Impostos, declarando, por circular n.º 58,
de 21 de Fevereiro de 1935, que rendimento ilíquido presumível é, para o comércio, a diferença entre o preço de compra e o preço de venda, e para a indústria a diferença entre o custo da produção e o da Venda, considerando-se apenas quanto àquela o custo da matéria prima, mão de obra, combustível e energia.
Em face desta declaração, às comissões fiscais apenas restava procurar uma solução que conciliasse os interesses do Estado ao princípio fundamental, e até racional, em matéria de tributação, de que esta, para ser justa e útil, deve ser proporcionada à capacidade do contribuinte e ao que este de facto deve pagar ao Estado.
E que o rendimento ilíquido não é por forma alguma proporcional ao lucro líquido. A sua relação com este varia de casa para casa e, principalmente, de um sector industrial ou comercial para outro. A um pequeno rendimento ilíquido pode corresponder um bom lucro, e « frequente uma firma ter grandes rendimentos ilíquidos e não apresentar lucros ou até acusar prejuízos.
Por outro lado, a doutrina da circular não era nem é defensável, porquanto não entra em linha de conta com despesas forçosas do comércio e da indústria, como as de transportes, licenças camarárias, contribuições ao Estado, os seguros, a assistência, as cotas sindicais, desemprego, serviços de água, luz e telefone, juros e descontos bancários e tantas e tantas outras cuja dedução no lucro ou rendimento bruto é absolutamente necessária para se determinar o rendimento ou lucro líquido e, consequentemente, o justo rendimento colectável presumível.
Na verdade, se o pagamento da percentagem de cerca de 22 por cento para o Estado - não falando nos impostos a pagar aos municípios - incidisse «Obre o lucro ilíquido sem dedução desses encargos e despesas, nenhumas actividades comerciais e industriais teriam podido suportar desde 1935 até hoje as taxas da contribuição industrial.
Em face disto, e por assim o reconhecerem, as comissões fiscais têm-se servido das declarações prestadas pelos contribuintes do montante dos encargos com o seu pessoal e com a renda da casa, partindo da presunção e que o rendimento ilíquido tributável há-de ser pelo menos igual a esse montante, e têm procurado sobre este limite base estabelecer o rendimento colectável em relação a presumíveis lucro» líquidos.
Assim é que o rendimento colectável fixado por essas comissões não é, de facto, o rendimento ilíquido, mas uma importância que se supõe proporcionada à capacidade tributária da empresa.
Por outro lado ainda, verifica-se também que em vários e importantes sectores industriais o rendimento ilíquido é fixado tendo em atenção determinados elementos de produção das fábricas. E nestes casos a matéria colectável deixa também de ser afinal o rendimento ilíquido e o imposto passa a incidir sobre a capacidade de produção.
Concluindo e em resumo: a contribuição industrial não tem recaído praticamente sobre o lucro ilíquido.
E o Estado não o pode ignorar porque as comissões operam nos quadros dos seus próprios serviços fiscais e são constituídas por dois funcionários do Estado e um representante das actividades contribuintes.
Ora a proposta de lei enveredou por caminho oposto, estabelecendo como base do agravamento da contribuição industrial o lucro ilíquido (alíneas a) e b) da base III) e os rendimentos ilíquidos (base I), sem definir o que deve entender-se por uns e outros e sem atender ao prudente critério - o único defensável - que as comissões fiscais vêm seguindo para determinar o rendimento colectável.

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A consequência da aplicação da doutrina fiscal da proposta, tal qual se expressa, seria que os contribuintes iriam pagar duas, três, é mais vezes o valor contribuição industrial de 1941, com a agravante de que o aumento tributário iria dar-se em 1942, ano das mais sombrias realidades económicas.
E não se nos afigura admissível que o comércio e a indústria hajam de pagar, além das contribuições, par a 1942 - que muitos dificilmente poderão satisfazer -, mais um agravamento excepcional lançado retroactivamente sobre as contribuições já pagos em 1941, agravamento cujo montante ainda se ignora e que não pode deixar ide ir incidir também sobre as contribuições de 1942 - em plena crise comercial e industrial e em condições d« tal acuidade que ninguém já as pode encarar sem a mais séria preocupação.
A não se seguir o critério que as comissões vêm pondo em prática è se se aplicassem as disposições da proposta de lei, bem depressa se verificaria que numa época de menos transacções, menos lucros, mais encargos, em que a relação normal dos preços de compra e de venda para o comércio, e dos preços de custo e de venda para a indústria desapareceu e em que a quebra de quantidades importadas e exportadas nos compete, a procurar produzir e poupar o Estado contribuiria contraproducentemente, como se disse, para o esgotamento da capacidade tributária.
De resto, o abandonar-se a tributação sobre lucros presumíveis para passar a aplicá-la sobre lucros certos só poderia admitir-se quando ela recaísse sobre lucros líquidos apupados, e tal não nos parece de aconselhar, não só porque o Estado, dada a situação de grave crise da hora presente, deveria ver deminuído em muito o montante da receita da contribuição, industrial, mas também porque se iriam submeter, de uma maneira geral, todo o comércio e toda a indústria - numa conjuntura cheia de preocupações e de inquietações - à contingência, de perigosas e, por vezes, vexatórias devassas às escritas, princípio este que até hoje não foi introduzido na nossa legislação fiscal, e cuja aplicação, quando porventura p for, não poderá deixar de ser acompanhada outras medidas que a cerquem das indispensáveis garantias.

IV - O sistema fiscal da proposta de lei tampouco se ajusta à situação, económica, do comércio e da indústria, porque de facto estancos em face do desenriquecimento progressivo das actividades, comerciais e industriais do País. A proposta de lei, parece confundir valorização excepcional de certos produtos, com valorização, geral de mercadorias, pois, encarando êste último fenómeno económico emergente da crise concluiu, da alta dos pregos a existência normal de lucros extraordinários.
Ora a crise causado pela guerra mostra dia a dia que o poder, de compra, do consumidor interno se manteve sensivelmente equiparável ao de 1939, mas que a um maior valor de matérias primas e produtos motivado na alta de preços, corresponde uma menor quantidade de produtos transaccionados donde se vê quam errado é introduzir-se na alínea a) da base III da proposta de lei o número de transacções como factor determinativo ao lucros.
Na realidade, pode dizer-se que tais lucros deixaram praticamente de existir. As estatísticas da balança de comércio provam que estamos perante um considerável aumento do valor das mercadorias.
Assim a 1.470:698 toneladas exportadas em 1939, no valor de 1.339:287 contos, corresponderam, em 1940, 1.139:847 toneladas, no valor de 1.637:913 contos, e em 1941, de Janeiro a Outubro, 636:410 toneladas, já no valor de 1.961:507 contos, e de Janeiro a Novembro 698:029 toneladas, no valor de 2.314:229 contos. Quere dizer: menos de metade da tonelagem exportada em 1939 rendeu em 1941 muito mais de 50 por cento do que nesse ano. E nas importações observa-se semelhantemente que a 2.298:989 toneladas, no valor de 2.081:527 contos, em 1939 corresponderam, em 1940, 1.898:704. toneladas, no valor de 2.582:707 contos, e em 1941,: de Janeiro a Outubro, já 1.305:803 toneladas, no valor de 1.982:824 contos; de Janeiro a Novembro 1.442:440 toneladas, no valor de 2.203:133 contos. O preço médio da tonelada importada subiu nos mesmos períodos de 903$ em 1939 para 1.285$ em 1940 e pura 1.393$ em 1941, e o da tonelada exportada de 908$ em 1939 para 1.420$ em 1940 e para 3.044$ em 1941.
É pois evidente que a valorização, na maior parte dos casos, nunca tem coberto nem, pode cobrir suficientemente, desde 1939, os desembolsos que o comerciante e o industrial vêm fazendo com o objectivo de repor os seus stocks.
Já em 1939 as Associações Comerciais e Industriais de Lisboa e do Pôrto, prevendo o que iria dar-se, advertiam:
«Não deve confundir-se alta injustificada com alta justificada de preços. O comerciante carece para o exercício regular da sua actividade de restabelecer os seus stocks. E se se proibisse que o comerciante acompanhasse a elevação do preço das mercadorias necessárias para o restabelecimento dos; seus stocks, ele só poderia fazer face ao novo estado de cousas ou elevando extraordinariamente o seu capital ou deminuindo desmedidamente ó seu potencial económico, com todas as desastrosas consequências que de tal advêm.
Há artigos que, devido à elevação do seu custo, aos transportes, aos seguros contra riscos de guerra e às altas nos preços das divisas, só podem, ser adquiridos neste momento a preços que vão de 100 por cento e mau sobre o preço das últimas compras. Se, por exemplo, os comerciantes tivessem de vender os suas existências pelos preços que praticavam na última semana de Agosto do ano corrente, ver-se-iam na contingência de não poderem abastecer o mercado, pela impossibilidade de proceder a novas compras «importações em quantidades suficientes, pois o numerário apurado só chegaria, em muitos casos, para adquirir cerca de 50 por cento e menos do volume do stock vendido».
Assim, toda a margem de lucro normal e até porte dos capitais estão absorvidos em existências em regra muito menores ao que eram antes da guerra. Porque o que se verifica é que as existências em, 1941, inferiores e «m geral mesmo muito inferiores ao que eram em 1939, correspondem, a um muito maior valor nos balanços, sem que isso signifique; lucros, antes indique reais prejuízos. E assim se explica como já ao termo da Grande Guerra se verificou e como ao cabo desta virá a verificar-se que o capital investido no comércio e na indústria foi em grande parte ingloriamente perdido.
A quebra assaz patente, no movimento da nossa balança de comércio agrava-se com a deminuição do número de transacções e com restrições ruinosas no trabalho fabril.
Com efeito, no campo industrial, como sucede no campo comercial, a vida da maior parte das empresas é eriçada de dificuldades.
Desde a declaração do estado de guerra que o Governo tomou medidas tendentes a evitar; os aumentos injustificados de preços, quer por intermédio de comissões reguladoras e de disposições tomadas pelos Grémios, quer em virtude de leis è organismos criados para esse fim. Quando porventura há aumento de lucros provenientes de excesso de produção, ele é inteiramente obsor-

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vido pela alta de salários, de fretes e de muitos outros encargos que recaem sobre os produtos manufacturados. E assim são numerosas as indústrias que, em vez de lucros, só têm tido prejuízos de guerra.
E em virtude da carência de matérias primas, combustíveis e outros produtos indispensáveis à, laboração das fábricas, muitas indústrias estão paradas e outras em vésperas de completa paralisação e de despedir ó seu pessoal parcial ou totalmente, aspectos económico e social em cuja gravidade é desnecessário insistir.
Os rendimentos de quási todas os indústrias (e não deve ser esquecido que algumas vivem em regime tributário especial) não têm tido um ritmo normal, Havendo até algumas que tiveram maior produção no princípio da guerra e que hoje se encontram em franco declínio. As perspectivas de produção para 1942, sobretudo para as que dependem de matérias primas estrangeiras, são verdadeiramente angustiosas, situação crítica que igualmente se apresenta para muitas indústrias transformadoras de exportação.
Nestas condições, também, como no comércio, não pode. supor-se na indústria a existência de lucros que comportem o duro agravamento da contribuição industrial a que daria lugar a execução da proposta de lei. Podemos portanto concluir com segurança e verdade que a base tomada na proposta de lei para a tributação de lucros comerciais e industriais extraordinários não corresponde à sua finalidade e deve ser substituída ou alterada por forma que considere com justiça a realidade da situação que o comércio e a indústria atravessam em plena crise.

V - As Associações Comerciais e Industriais signatárias, pelos fundamentos que concretamente acabam de expor, julgam indispensável, a bem do próprio interesse do Estado, que as bases da proposta de lei sejam revistos modificadas para que o «eu objectivo - a tributação dos lucros de guerra - seja atingido e para que o comércio e a indústria possam, dentro da sua capacidade tributária, contribuir para fazer face aos «encargos que a guerra traz às finanças do Estado».
Com este fim apresentam à consideração da Assemblea Nacional os seguintes conclusões:

1. - Que sejam discriminados na proposta de lei os limites em que devem ser determinados os lucros extraordinários obtidos mercê das circunstâncias da crise provocada pela guerra.
2. - Que, só podendo os lucros extraordinários de guerra ser obtidos em transacções efectuadas com determinados produtos de exportação e seus trânsitos - nomeadamente os minérios -, sejam eles indicados às secções de finanças pelos organismos corporativos e de coordenação económica que regulam os actividades dos respectivos ramos de comércio ou indústria.
3. - Que sobre esses lucros extraordinários de guerra, assim determinados, incidam as percentagens progressivas de que trata o n.º 2.º da base III.
4. - Que, para que a proposta de lei corresponda ao princípio de uma justa tributação, é indispensável que ela contenha disposições segundo as quais não deixe de considerar-se que as comissões fiscais, ao estabelecerem o rendimento ilíquido presumível sobre que recai a contribuição industrial, tiveram sempre como objectivo fixar uma importância proporcionada a capacidade tributária das empresas e que se aproxima do rendimento líquido real. E para isso não pode deixar de ter-se como assente que uma empresa comercial ou industrial que só «puré haver tido em 1941 um lucro ilíquido real igual ou inferior ao que teve em 1940 não deve em caso algum ser abrangida pela tributação especial de lucros de guerra.

5. - Que para fazer face tanto quanto possível à ruinosa situação económica causada pela, valorização das mercadorias na reposição dos stocks se constitua no passivo dos balanços dos estabelecimentos comerciais e industriais uma «reserva especial para efeito de cotações», a qual, quando os produtos voltem aos valores normais, seria, totalmente absorvida sem prejuízo paira o equilíbrio económico dos empresas, devendo essa reserva ser deduzida ao calcular-se a matéria colectável da contribuição industrial emquanto durar o estado de guerra e a crise económica que ela provoca:

Tais são, Exmo. Sr. Presidente, as considerações que a Associação Comercial de Lisboa (Câmara de Comércio), a Associação Comercial do Porto, a Associação Industrial Portuguesa e a Associação Industrial Portuense trazem à Assemblea Nacional no acto da discussão da proposta de lei que cria o imposto sobre lucros de guerra.
Orientadas num espírito construtivo e de colaboração, elas conduzem à conveniência de que a proposta de lei seja cuidadosamente revista e modificada no sentido de que, em harmonia com as conclusões acima apresentadas, a tributação sobre lucros de guerra seja paga só por aqueles que realmente os tiveram, e não por todo o comércio e toda a indústria, que de uma maneira .geral - repetimo-lo - não têm tido tais lucros.
Só um esforço paralelo e sinérgico de governantes e governados, dos que conduzem e dos que produzem, pode na verdade afrontar a situação e criar contra ela as resistências necessários.
Crêem o comércio e a indústria que as sérias dificuldades e riscos da hora presente hão-de ser vencidos com fé, com inteligência e com trabalho, e, solidários, agora como sempre, com o Estado nas necessidades totais da vida nacional, o comércio e a indústria confiam em que os sacrifícios que legitimamente lhes sejam cabidos não ultrapassem - sobretudo agora que os horizontes se cerram de cada vez mais - os limites em que os admite e consente a situação de crise que a economia nacional atravessa.
Solicitando a V. Ex.ª dê conhecimento desta nossa representação aos ilustres Deputados da Nação, apresentamos-lhe, Sr. Presidente da Assemblea Nacional, os protestos da nossa mais elevada consideração.

Lisboa, 21 de Janeiro de 1942. - A bem da Nação. - Joaquim Roque da Fonseca, presidente da Associação Comercial de Lisboa (Câmara de Comércio) - António de Oliveira Calem, presidente da Associação Comercial do Porto - Francisco Cortês Pinto, vice-presidente, em exercício, da Associação Industrial Portuguesa - Mário Borges, presidente da Associação Industrial Portuense.

O Sr. Presidente: - A sessão de estado do projecto de lei apresentado ontem pelo Sr. Deputado Tavares de Carvalho será constituída pelos seguintes Srs. Deputados: António Carlos Borges, António de Sonsa Madeira Pinto, Carlos Moura de Carvalho, Fernando Tavares de Carvalho, João Xavier Camarate de Campos, José Alçada Guimarãis, José Gualberto de Sá Carneiro, Luiz Maria Lopes da Fonseca e Ulisses Cruz de Aguiar Cortas.
Tem a palavra para antes da ordem do dia o Sr. Deputado Botto de Carvalho.

O Sr. Botto de Carvalho: - Sr. Presidente: a obra de reconstrução das estradas nacionais e municipais e ã obra de pavimentação das ruas das principais cidades e vilas do Pais foi, sem dúvida, uma das primeiras manifestações

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do poder realizador do Estado Novo e uma das que, logo de inicio, marcaram por forma mais impressionante para o espírito público a verdade de que uma nova era se tinha iniciado.
O Govêrno compreendeu, com grande sentido de oportunidade, a alta importância quê advinha para a economia do País duma rêde de estradas que permitisse fáceis e rápidos meios de transporte.
Simplesmente, Sr. Presidente, as estradas fizeram-se boas e traçadas segundo os princípios estabelecidos pela técnica respectiva precisamente para que os meios de transporte: que delas se deviam normalmente utilizar pudessem circular não só em perfeitas condições de segurança como com perfeito aproveitamento das suas possibilidades próprias.
Acontece, porém, que nestes últimos tempos a atitude Assumida por várias entidades, umas públicas, Outras particulares, em relação às vias públicas implica necessariamente uma absoluta falta de respeito, chamemos-lhe assim, pela vida humana e pelos legítimos interesses daqueles para cujo serviço as estradas se destinam. Dir-se-á que se passou a considerar a estrada não como cousa utilizável, meio destinado a atingir-se um fim, mas apenas como uma finalidade sem outro interesse que o da sua construção e manutenção.
É do conhecimento de V. Ex.ª, Sr. Presidente, é do conhecimento, de toda a Assemblea, o que tem acontecido» ultimamente nas estradas do País, em consequência dos obstáculos de vária natureza quê, sem qualquer sinalização, nelas têm sido colocados.
Qs acidentes ocorridos em consequência de se deitar areia sobre as estradas asfaltadas ou alcatroadas são tam graves que, infelizmente, têm já provocado um elevado número de mortos e de feridos.
O simples facto de se cobrir uma estiada com areia torna completamente impossível, nesse troço, o domínio do veículo, a segurança dos que nele viajam. Apoiados.
Mas se, como vulgarmente acontece, esse facto se der numa curva, sem qualquer sinalização, por forma a o obstáculo só poder ser apreciado quando já se está em cima dele, as consequências são manifestamente das mais graves.
Ora esta prática de se deitar areia nas estradas dá-se, nalguns casos, por mera inconsideração; mas noutros, como chegou ao meu conhecimento, ela dá-se para fins de todo ò modo censuráveis. Não pode à custa de Vidas humanas tentar remediar-se deficiências ou erros de construção.
E a inconsideração é tal que vai ao ponto de se continuar a deitar areia nas estradas numa época em que, por falta de calor, esse artifício já não pode sequer produzir os efeitos pretendidos.
Um outro exemplo: na estrada marginal recentemente construída, entre Lisboa e Cascais traçaram-se ultimamente, para regulamentação do trânsito e diz-se, para segurança da vida dos que a percorrem, linhas que demarcam as faixas de rodagem. K»n consequência, os veículos, circulando pela sua mão, devem seguir, sob pena de sanções, pela faixa situada ao lado direito, isto é, pela que fica situada junto ao passeio.
Pena e porém que, estando a proceder-se à construção dos passeios marginais, essa faixa de rodagem seja o local escolhido para se colocarem montes de areia, de terra, de pedra, selhas com água, tudo sem a mais pequena sinalização; estes obstáculos são colocados precisamente na faixa de rodagem, por onde o veiculo deve obrigatoriamente circular. Se mais acidentes se não dão, isso. deve-se exclusivamente à excepcional perícia da maioria dos condutores portugueses.
Mas este mesmo facto se observa nas ruas de Lisboa, as quais, além do resto, têm uma errada e deficiente iluminação no que se refere ao problema da circulação. Em vez de servir para tornar visíveis os obstáculos, a iluminação de Lisboa só serve, em muitíssimas ruas, para impedir, chegando a provocar ilusões de óptica, a visão dos obstáculos, do trânsito, dos peões, induzindo em erros de funestas Consequências.
Um condutor cuidadoso ou tem por vezes, de parar ou de acender os faróis.
Como é proibido na cidade de Lisboa, sob pena de multa, acender os faróis o condutor mais cauteloso deve, a cada instante, abrandar e parar.
Apenas, os automóveis não se destinam a parar, constantemente; ao contrário, destinam-se a andar, com velocidade que seja prudente, mas dentro da velocidade normal possível que deve ser aproveitada.
E esta circunstância leva-me a fazer referência a um outro facto. Vivemos num momento em que ô indispensável, a bem da economia geral, poupar gasolina.
É sabido que um automóvel tem um regime de consumo variável consoante a velocidade a que anda e em que anda.
Um automóvel em prise tem um consumo de gasolina muito inferior a um que marche em primeira velocidade.
Portanto, parece-me indispensável chamar à atenção de quem de direito para a necessidade duma regulamentação do trânsito de Lisboa, de harmonia com as actuais circunstâncias.
A própria sinalização da Avenida da. Liberdade carece de ser modificada, porque, tal como existe, provoca prejuízos inúteis, implicando um aumento de consumo de gasolina.
Mas esta necessidade de regulamentação de trânsito em bases novas provém de outro facto importantíssimo. Tal como o Código da Estrada se encontra redigido e o trânsito está regulamentado em Lisboa pela forma, principalmente, como tais disposições se interpretam no meu país o condutor de veículos tem uma responsabilidade ilimitada; a par dela, os peões, com toda a sua indisciplina e inconsciência, não têm responsabilidade de espécie alguma.
Sobretudo nas ruas da capital ao peão é permitido, sem sanção, transitar por qualquer parte, desrespeitando uma regulamentação teoricamente feita; pode, sem sanções, criar todas as dificuldades, provocar todos os acidentes a responsabilidade, ou pelo menos a presunção da responsabilidade, com todas as consequências, é sempre atribuída aos veículos que seguem pelo sem caminho, dentro das normas que lhes estão estabelecidas.
Chegamos a esta conclusão: dir-se-ia que os automóveis e os outros veículos de tracção mecânica se fizeram para andar a passo e que só os indivíduos que caminham a pé têm o direito de correr à frente deles, pelo meio deles e, quantas vezes, de encontro a eles.
Porque o problema tem uma importância que ultrapassa o que posso dizer nestes escassos minutos permito-me chamar para ele a atenção de quem tem por função ponderá-lo e resolve-lo.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Cortês Lobão: - Sr. Presidente: sabe V. Ex.ª e sabe a Assemblea que o Sr. Ministro do Interior regressou a Lisboa, depois da patriótica viagem que fez através do País, visitando todos os distritos, para esclarecer os respectivos habitantes sobre a forma de se proceder à eleição presidencial do próximo dia 8:
Assisti, num desses distritos, às conferências feitas por S. Ex.ª e devo confessar à Assemblea que, se aquilo que vi é a repetição do. que sucedeu em todos os outros distritos, a votação presidencial do dia 8 de Fevereiro vai ser um triunfo e uma apoteose à obra patriótica de dois

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grandes chefes - o Sr. Presidente da República e o Sr. Presidente do Conselho.
O entusiasmo com que vibraram aqueles povos, aclamando os nomes do Sr. general Carmona e do Sr. Dr. Oliveira Salazar, mostrou-me à evidência que de facto o Pais reconhece que a obra destes dois grandes patriotas se completa. Formam ambos um bloco único. Um, pelo sen patriotismo, pela sua inteligência, pelo seu aprumo e pela sua sábia política, permitiu que o outro conseguisse levar o Pais ao ressurgimento e à salvação:
Tenho, pois, grande prazer em declarar aqui que aqueles povos acordaram e viram quanto devem ao Sr. Presidente da República e ao Sr. Presidente do Conselho. Eles viram que esses dois homens constituem como que uni bloco, que é indispensável manter. Assim, o Sr. Presidente da República tem direito a apoteose que certamente lhe vai ser feita no próximo dia 8 de Fevereiro.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente:-Tem a palavra o Sr. Deputado Águedo de Oliveira.

O Sr. Águedo de Oliveira: - Sr. Presidente: li e reli garanto a V. Ex.ª cuidadosamente toda a documentação facultada, alinhando as palavras, transpondo os números, estabelecendo confrontos, tirando ilações.
Não misturei os projectos com as realizações, e estas com os algarismos que expressam ò seu funcionamento. Por isso estou habilitado apenas a fazer aquilo que posso chamar algumas demonstrações cautelosas, direi melhor, alguns princípios de demonstração cautelosa.
Não passarei, portanto, das generalidades. Quem escutar atenciosamente encontrará apenas um ponto de partida para. a formação de um critério. Os trabalhos impressos, as reclamações, os protestos, formam legião, contrapõem-se certamente, ocupam o polo oposto da estatística oficial, das informações oficiais que suo fornecidas e assinadas pelas mais distintas competências da especialidade deste País. Evidentes aquelas muitas* vezes, dignas de todo o «rédito estas sempre.
É natural, portanto, que depois de ter visto tudo eu tivesse sido tomado de uma certa perplexidade.
Claro que o processo parlamentar do aviso prévio suponho eu não pode responder a todas as interrogações, não pode responder a todas as inquietações do nosso espírito. V. Ex.ª, Sr. Presidente, está lembrado de que, quando se discutiu o Regimento, eu reclamei aqui, desta tribuna, que nós pudéssemos levar o processo parlamentar até ao inquérito in loco. Na verdade, suponho que só um inquérito dessa ordem podia dar satisfação completa a todos as preguntas que acodem ao espírito de toda a gente que pensa ou se interessa pelo caso.
Mas, seja como for, se este aviso prévio confirmar os múltiplos benefícios preconizados de sempre à hidráulica agrícola, a vantagem será universal. Se este debate fizer evaporar do espírito de muitos regantes, presentes e futuros, as apreensões, certamente que se passará de um estado de hesitação, sobre a doutrina para um estado de opinião absolutamente defensável e necessário ao desenvolvimento de uma obra tam transcendente. Se o debate juntar, como eu creio que junta, os benemerências do Estado Novo às benemerências da hidráulica Agrícola, também julgo que nada há perdido, porque então tudo será ganho.
Desde o primeiro orador até ao último, todos temos estado de acordo em que a questão não pode ser vista com critério estreito, com um objectivo restrito; não pode ser vista através de um critério liberal e individualista, quer da propriedade, quer do Estado. Ninguém dirá, portanto, que nós tenhamos atacado este problema mirando, realmente, de cima de um abismo e de um ponto de vista distanciado o actual estado de cousas jurídicas e sociais; também ninguém dirá que a função crítica que aqui se exerce o tivesse sido por forma não inteiramente construtiva e que essa função também não se tenha podido exercer absolutamente nestes tempos difíceis de reserva e discrição. Repito o que se disse: foi por forma construtiva e orientadora.
Está em jogo o património de muitas gerações.
Vejo-me obrigado agora a socorrer-me de algumas citações.
Julgo isso indispensável para esclarecimento inteiro deste debate.
A hidráulica agrícola foi, desde sempre, no País uma reclamação universal, e, assim, já em Janeiro de 1885 a comissão nomeada por portaria dessa data, cada sua memória acerca do aproveitamento do Alentejo, estudava, e ao mesmo tempo recomendava, a valorização de rios, a ligação de bacias hidrográficas ...
Leu.
Estes meios eram. considerados absolutamente indispensáveis para fomento não só da riqueza agrícola como de toda a riqueza nacional.
Oliveira Martins em 27 de Abril de 1887, no celebrado projecto de fomento rural, considerava os melhoramentos hidráulicos do sul do reino. incontestavelmente como uma das condições da sua colonização e referia-se à incúria da nossa administração relativamente às águas públicas, apontando a prática espanhola e acrescentando:
Leu.

No artigo 102.º do mesmo projecto o nos artigos seguintes apontava-se a regulamentação das concessões das águas públicas e depois dizia-se:
Leu.
Uma das mais altas competências da economia agrícola nos últimos cinquenta anos, o professor Sertório de Montepereira, dizia no seu livro A Produção Agrícola:
Leu.
Todas as questões económicas deste País se- reduziam à grega.
O professor Filipe de Figueiredo, num estudo sobre o solo e o clima, confirmava a tese dá Sertório.
O engenheiro Ferreira da Silva escreveu mais tarde sobre o aproveitamento das águas, e, pondo as premissas do problema económico ou social resultante das diferenças de produção do solo, entendia que a solução positiva estava no aproveitamento das águas.
O engenheiro Mário Vieira de Sá, numa monografia interessante sobre a terra alentejana, escreveu também o seguinte:
Leu.
O engenheiro Ezequiel de Campos também escreveu sobre este assunto o seguinte:
Leu.
Por outro Iodo, acrescentava ainda:
Leu.
Em 1920 Bento Carqueja, no Futuro de Portugal, recomendava:
Leu.
Também o falecido economista Quirino de Jesus e o Sr. Ezequiel de Campos em 1923 encontravam, a solução da crise portuguesa no povoamento e cultura normal de 150:000 a 200:000 hectares, e diziam:
Leu.

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O professor Ferro Mayer, em 4 de Fevereiro de 1926, numa conferência realizada no Instituto Botânico da universidade de Coimbra, preconizava:
Leu.
E, sem desdouro para ninguém, ao discutir-se aqui á lei n.º 1:949, o Sr. Dr. Mário de Figueiredo, que está, por motivos políticos, 'afastado desta Assemblea, afirmou:
Leu.
Portanto, era uma reclamação universal.
Os clássicos e os Deputados que fizeram ouvir aqui a sua voz, clamando a salvação pública pela água, os políticos de todos oa matizes, desde a monarquia integral até à Seara Nova, todos à porfia, viam na irrigação oficial, nos canais, nas albufeiras, nos diques, nos condutores de água, a prosperidade certa e segura não só agrícola, como económica, deste País.
Podemos citar ainda políticos como P. Sequeira, Elvino de Brito, etc., que se bateram por esta mesma ideas.
Muitos escritores defenderam as mesmas ideas.
Havia, por outro lado, uma experiência adquirida e ganha no nosso País. A produtividade acentuada de várias quintas minhotas, certas leiras de Trás-os-Montes e da Beira sujeitas ao regime de regadio, os pomares estremenhos e as hortas algarvias, uma experiência feita pelo industrial Fialho, tudo isso concorria para que, a par dos teóricos e doutrinários, houvesse já uma prática saudável no nosso País.
Existiam, de resto, causas geoclimatéricas que tornavam o nosso viver agrário insuficiente e de uma irregularidade desconjuntante: chuvas torrenciais, seguidas de dias de longa seca, e não uma chuva bem chovida, como dizem os lavradores. Intensa radiação solar, energia calorífera excessiva. Grandes secas no estio. Portanto, talhados naturalmente para a vinha, o olivedo, o sôbro e outras plantas lenhosas.
Não tínhamos, pois, disposições apropriadas à cultura cerealífera e às forragens que é como quem diz: ao pão e à carne.
Portanto era, como acentuei, uma reclamação universal para as nossas terras sub-úmidas, de camada arável descarnada, de areias pobres,- ou de arguas pesadíssimas, e nenhum Governo, nenhum bom Governo digno desse nome, podia resistir a este imperativo categórico, a flua consciência formulada por todos quantos tinham estudado os problemas económicos e agrários deste País. Nada podia ser tentado de proveitoso e útil parecia sem que se começasse por aqui.
Aparecia, pois, a rega como a própria quinta essência da política económica. E, além disso, acrescentava-se acessoriamente que a água traria ainda a resolução do problema social.
Claro que a Revolução Nacional tinha de empenhar-se nesta obra formidável, da qual se presumia resultar não só a prosperidade nacional, mas a solução até do problema demográfico. Ela não podia quedar-se à entrada dum pântano, esmorecer na primeira barragem, sentar-se depois de irrigada uma faixa de território.
O Govêrno, portanto, digno desse nome tinha de converter em realidade o tema de sempre, protestado à toda a hora. Tinha de fazer obra de vulto, larga, formidável, para três ou quatro gerações. Converter em realidade o que, reclamado sempre, não passava do risco das mentes visionárias.
Claro que o Estado liberal não tinha força nem meios para realizar uma obra desta envergadura. Faltavam-lhe os meios, porque nem o imposto o dava, nem o' crédito o permitia.
E ainda com o ódio ao bacharel em direito, todos esperavam uma equipe de engenheiros e agrónomos que viesse realizar o magno problema da economia portuguesa.
Pois bem: foi exactamente um homem de direito, uni doutor, que, com as suas reformas financeiras, tornou possível a realização dos encargos, dos projectos, dos anseios, das aspirações e ambições de tantos. Portanto deixemo-nos de literatura.
A carência de iniciativa particular na amplitude e transcendência das obras de rega, o fracasso sistemático de todas as tentativas, mostravam que só um grande financeiro à frente da direcção do Estado é que poderia ousar esta obra, tomando o encargo não só de a programar, mas de a executar.
O resto é sabido e demasiadamente conhecido. Não é preciso louvar pessoas nem actos, não é preciso fazer a história do que se passou.
Mas quando esta obra foi começada, ali, não muito longe, para além da fronteira, havia uma economia contígua, semelhante, uma economia que se desenvolvia, não direi simetricamente, mas com similitudes notáveis da nossa economia.
Não obstante a nossa individualidade político-social forte, a verdade é que a Espanha tem connosco, em matéria agrária e em matéria económica,. pontos de contacto, semelhanças de viver colectivo. Suponho que de preferência ao que se passa nos Estados Unidos, no México, na Alemanha, havia que atender aos exemplos espanhóis, visto que estes últimos confrontos não resistem a uma crítica geográfica.
Havia que atender àquilo que se tinha passado em Espanha. E qual era a lição espanhola?
Na Espanha havia uma tradição de regas formidável deixada pelo» árabes,- como dificilmente se encontra em qualquer outro país.
Houve lá uma miragem de hidráulica agrícola. Supôs-se que a «luerta valenciana» seria transportável para todos os cantos e recantos da Ibéria. Fizeram-se planos sucessivos em 1902, 1909, 1916 e 1918, etc., mas esses planos, eram antes catálogos de albufeiras incompatíveis e muitas vezes desconexas.
Uma oligarquia de .engenheiros espalhou-se pela Espanha inteira à procura de um caudal de iniciativas. Foram cometidos grandes erros técnicos, erros administrativos e erros económicos-, e daí derivaram resultados como estes: albufeiras que quási não regam, albufeiras que. nunca se enchem e albufeiras que estão convertidas em pântanos e inteiramente ao abandono, obras de rega dispendiosa em terras inferiores, que custam proibitivamente e que retêm pouca água, ou então que requerem despesas formidáveis em diques contínuos, que saem a 2:400 pesetas por hectare, o que lá é considerado como um preço elevado.
Da apreciação do conjunto, tal como ele é exposto por aqueles que têm estudado o assunto, tira-se este ensinamento: onde já se regava, onde já havia água, gosto da água, paixão pela água, dedicação da água e técnica da água, havia sucesso.
Resultou falência sempre que o critério social foi predominante acima do critério económico. Falharam, a bem dizer, todas as tentativas sociais.
Na Espanha de antes do nacionalismo os preços evolucionaram para custos enormes. Leu.
Daqui, cautelosamente, se podem tirar alguns ensinamentos. Valia a pena ter considerado e examinado seriamente os exemplos. Claro que entre nós digo-o em abono da verdade não se viu os engenheiros cederem às exigências políticas dos influentes locais, mas a obra social, quando despida de base económica, será uma obra social invertebrada, um monstro antediluviano, pesadão, sem força, sem movimento, incapaz de alimentar-se a si próprio.
Estes exemplos contíguos recomendam portanto o quê? Passos cautelosos, medidos, procurando-se acima

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de tudo a vantagem de carácter económico, consideração pelo que rega, a fôrça legal, ou de paixão ao terrunho.
Mas Toais adiante havia a lição italiana, a Itália, país de clima mediterrâneo mas muito semelhante ao nosso.
A Itália merece o nosso [respeito e merece a nossa admiração. A relativa pobreza do solo italiano, o clima mediterrâneo o regime torrencial, em tudo muito semelhante «o nosso, tornam triste mas combativa a vida do íncola. E então uma obra formidável de devoção ao trabalho foi completada pela fixação do homem à terra.
Se eu quisesse dar, embora resumidamente, todos os detalhes desfia obra, diria que nu uma obra na Itália que resultou. As obras são sobretudo de enxugo e defesa e de sistematização, abrangendo a rega. O regime financeiro é o de comparticipação. As obras do Estado são obrigatórias « de custo indivisível. A» obras de interesse particular podem ser subsidiadas. A parte técnica é sempre assumida, em custo, pelo Estado. Para o contribuinte regante há abatimentos, deduções, facilidades, a regra. O regime financeiro é complexo, pois, muito complexo mesmo. As obras particulares são subsidiadas e & parte técnica é que é assumida pelo Estado, havendo facilidades para com o contribuinte.
A peça mestra do sistema é o consórcio de proprietários. Os consórcios reúnem-se todos e formam com a Associação Nacional dos Proprietários um bloco que desempenha lugar proeminente na vida social e administrativa.
Por outro lado, todas as obras de valorização do solo, quer de rega quer de outras, formam um todo orgânico e sistemático. São obras de valorização integral da terra, obras que não só valorizam o solo pelo povoamento como pela defesa contra as cheias, etc. Todas estas obras têm fins em vista, como seja a eliminação dos pântanos e a intensificação da cultura da terra, a redução do paludismo, a correcção do solo, o acréscimo de comunicações, a transformação dos prédios; quer e dizer, têm finalidades complexas. Não aparece a obra de irrigação independente de outras obras públicas. E redundam num incremento enorme de produção. E porquê? Porque se passou do zero económico para o máximo. Começa por se trabalhar em centenas de terras abandonadas, as grandes faixas de terreno aos 40:000 hectares alternam com as pequenas obras de rega nos povoados de alguns hectares ou- algumas dezenas de hectares e as sociedades de regantes empenham-se em obras mais latas, que a do aproveitamento da água: constróem silos, estabelecem câmaras de refrigeração, adquirem selectores de sementes, fazem exposições.
Não quero dizer que na Itália não haja também queixumes.
Há proprietários que se queixam de que a carga fiscal é por vezes incomportável. Mas a grande virtude é resultante do facto de ali se ter partido do nada para uma exploração intensiva do solo, beneficiando terrenos que até aí eram impróprios para a cultura.
O problema da rega, na sua complexidade, transcende o quadro particular. A liquidação dos encargos parece parcial.
Ora este exemplo aproximado mostra uma certa modéstia em relação à carga específica desproporcionada do regante contribuinte português.
Permito-me ainda chamar a atenção para certa porte do relatório, a qual não está escrita por forma bem nítida e da qual se depreende ter havido da parte da Junta de Hidráulica Agrícola uma mutação de critério.
Assim é que a Junta considera de ora avante como primacial na obra de construção hidráulica a electrificação do País; diz mesmo que de ora avante a obra de
aproveitamento hidráulico «era o. fautor mais importante da electrificação nacional.
O inêxito da exploração eléctrica aparecerá pois compensado pela vantagem que deriva da sua associação com a exploração hidroeléctrica. Mas o diabo feito ... represa. Os textos não são claros.
Terá o regante de pagar também a electrificação? Entrarão nos descontos do peso da electrificação apenas as máquinas? Presumindo-se a incerteza do resultado da electrificação, a Junta desconta já a capacidade da operação de rega para suportar a carga deste primeiro empreendimento?
Temos portanto um novo rumo, uma nova orientação, mais ampla e complexa.
Sr. Presidente: vou agora referir-me a um ponto diferente e não sei se dele se poderá tirar uma conclusão muito firme.
O preço por hectare do custo das obras atinge entre nós um certo nível.
Parece-me mesmo que o custo das obras, a julgar pelo seu preço por hectare, neste país, atingiu já um nível importante.
A irrigação do Vale do Limpopo creio que custou 2.000$ por hectare.
No sul de Espanha tem-se irrigado entre 7.800$ è 9.000$.
A União Sul-Africana irriga por 7.000$ por hectare.
Na França e na Argélia oscila o preço entre 11.800$ e 29.000$.
No México anda por 6.600$.
Nos Estados Tinidos, por 18.600$.
Na Itália, por 15.300$.
Portugal tem uma média que anda muito próxima de 16.600$. Desde os 6.793$ de Alvega aos 30.800$ da Idanha haverá um limite? j Onde começa o caro e onde acaba o barato?
Bem sei que importamos o ferro e a maquinaria, mas o resto produz-se e faz-se aqui, e temos de não perder de vista que somos um país de recurso limitados, de baixo nível de vida, de modesta remuneração de mão de obra e onde o poder comprador colectivo também não é muito alto.
O engenheiro Lopes Galvão considera exagerado o preço por hectare irrigado, desde que este fosse superior a 9.000$.
Vejo no quadro n.º 1 que por menos de 10.000$ só podem ser irrigados os campos de Alvega e de Loures:

O Sr. Melo Machado: - Mas isso é só enxugo.

O Orador: - Em primeiro lugar, e economicamente, não deve ser elevado o custo das obras, porque é apenas o contribuinte que, paga tudo, e só ele.
O Estado apresenta uma conta totalizadora. Não digo que seja a hipótese, mas pode vir a dar-se; pode fazer pagar o erro, o força maior, a fantasmagoria. Portanto, conviria que as obras iniciais fossem lucrativas; conviria começar-se pelos empreendimentos de resultados económicos mais seguros e vantajosos.
Em segundo lugar e juridicamente a lei fala em terras beneficiadas - não cito os artigos, que não vale a pena; chama, taxa de rega e beneficiação; estabelece acentuado interesse económico e social. A lei chama muitas vezes beneficiários aos regantes.
Ora isto quere dizer que suo eles os beneficiados, ainda que o possam ser os outros e a Nação. Logo a lei supõe um benefício individual e social. Não admite, portanto, a lei uma queda, um prejuízo da exploração.
Porque há-de haver certeza de benefício económico para o regante? E porque - suponho eu - o benefício económico está na lei, como regra de direito. O inverso

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seria contra-senso. For outro lado, o Ministro que em 1930-1931 geria a pasta das Finanças no seu relatório dizia ó seguinte: e deve começar-se a execução da lei com. prudência. Deve começar-se em condições de se obterem resultados apreciáveis a curto prazo. Demais a mais a nossa lei fundamental, nos artigos 29.º e seguintes, consagra o principio da iniciativa individual, e do lucro, estímulo da empresa privada, pilar inabalável da economia corporativa. Também em alguns diplomas legais se fala em alargamento e engrandecimento da, acção da lavoura pela valorização do solo.
Mas a repartição dos custos como está feita atinge esta geração e a seguinte; chama-se de reembolso. Logo, se á obra for só de colonização, porque, pagá-la apenas o contribuinte actual e não o da segunda e terceira gerações?!
Quando a obra fosse manifestamente social e determinadamente pouco económica, parece que o processo a seguir devia ser o de empréstimo, e não o de imposto.
Apoiados.
O outro ponto que me parece curioso salientar é relativamente à passagem do sequeiro ao regadio.
Ora a passagem do sequeiro ao regadio implica, em regra duas cousas: uma crise de adaptação e uma decepção.
Vejamos: crise de adaptação:
Diz o Deputado Melo Machado: há abalo económico. Digo eu: há renovações técnicas, utilização diversa da mão de obra, aprendizagens, experiências a fazer. Ë necessário plantar; é necessário extirpar; são precisas sementes, nova maquinaria; sobretudo são necessários novos processos.
Três ou cinco anos para o período transitório não seria demasiado. Em Portugal irrigam-se terrenos já cultivados algumas vezes. Quere dizer: uma certa experiência secular, um certo condicionalismo económico põem já essas propriedades nó estado de óptimo aproveitamento.
Não se pode, sob o ponto de vista da economia nacional, ir mais longe senão com grandes inversões de capital e trabalho.
A própria lógica económica, portanto, o próprio cálculo económico dizem, pelo raciocínio, que nos dois ou três primeiros anos não são de esperar grandes resultados.
As produções certamente serão absorvidas pelos chamados desembolsos iniciais.
Também há muitas vezes decepção da passagem do sequeiro ao regadio. E porquê? E que não deve haver a miragem no regadio de que em pouco tempo vamos ter os polders de sul da Haia, dos jardins de Guernesey, dos pomares especializados de Thomery e da Califórnia. Nada disso. Nem tudo será colocado em Londres, Paris ou Nova York, que podem pagar por todo o preço asses produtos, meios imensos com o poder de compra suplementar das suas indústrias.
Tenho também de falar de algumas ilusões de quem passa dos livros à triste realidade.
O Visconde de Eza pensava que, ao iniciar-se a obra de fomento hidroagrícola espanhola, se passava para um aumento de produção de 2 biliões de pesetas.
O Congresso de Riegos de 1913, se não estou em erro, supunha que a população cresceria, quási acto contínuo, de 1 para 4.
Uma autoridade portuguesa muito distinta supõe que os resultados económicos nunca serão menos do que de 1 para 4. E muitas vezes em trabalhos descontam-se percentagens de 5, 6 vezes de l para 10 em produto bruto, 3 para 5 e mais em lucro final, pagos que sejam todos os tributos.

O Sr. Presidente: - V. Ex.ª conclue as suas considerações no espaço de 5 minutos, de que dispõe ainda para usar da palavra ?

O Orador: - Só V. Ex.ª mo permite, levarei um quarto de hora para terminar as minhas considerações.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª 15 minutos.

O Orador: - Muito obrigado a V. Ex.ª. Eu suponho, e não ponho nisto nenhuma nota de optimismo, que nunca chegaremos em culturas irrigadas a obter as cifras formidáveis lá de fora. E porquê? Porque, como aqui já foi dito e eu devo repetir, essas cifras formidáveis só se atingem com as plantas medicinais, com as flores para perfumes, com o tabaco, com a beterraba sacarina, numa intensificação de capitais, em culturas forçadas, ao pé de mercados importantes.
Acho, por isso, que devemos contar com dificuldades de início e até com decepções de vária natureza.
A terra é fria, ralaça, irónica, não tem as pressas mortais dos seus filhos, mesmo quando lhe lavam as faces crêspas.
Em princípio, suponho que a taxa de rega e de beneficiação deve exceder a taxa de exploração e conservação. E porque? A taxa de rega e de beneficiação é uma amortização em cinquenta anuidades e portanto representa uma reintegração do capital técnico feita a razão de 2 por cento ao ano. Porém as despesas de exploração o conservação suo custos adicionais, elementos passivos do rendimento.
Se um ano excede aquelas) isso é admissível, mas não o será se sistematicamente as exceder. Se, porventura, esta taxa se mantém com uma elevação notável e persistente, isso pode querer dizer que não há uma discriminação perfeita entre, o custo da obra o a despesa da sua conservação. Ora eu vejo muitas vezes a taxa de conservação e exploração vir para um múltiplo que chega a 6 e 7 vezes.
A Junta diz que deve ser elevada, por haver necessidade de trabalhos destinados a consolidar as obras já executadas e a afinar os elementos dá obra de modo a obter as melhores condições de exploração. O que me parece portanto que se devo evitar é o mau acabamento, a fraca consolidação, o remendo da última hora, que se traduzirá num acréscimo da taxa de exploração e conservação.

O Sr. Melo Machado: - Apoiado.

O Orador : - Relativamente à questão da mais valia, asse problema já aqui foi demoradamente discutido, e todos nós que fizemos parte da Assemblea em -1937 temos na memória quais os intuitos que houve em vista. É preciso atender a que na execução de uma lei não se pode deixar de ter em consideração o espírito com que a mesma lei foi elaborada.
Assim, o Sr. Dr. Pacheco de Amorim dizia que o cômputo se faz de momento pelo valor das anuidades já pagas e pelo valor actual. O proprietário só poderá ser expropriado dos haveres beneficiados - nunca dos restantes.
O Sr. Dr. Mário de Figueiredo acrescentava que não se pode exigir mais do que aquilo que o proprietário recebeu, correspondentemente.
E ainda em outro trecho disse que o Governo julga desnecessário considerar a doutrina da mais valia, porque parte do princípio do que nunca é possível, em face dós estudos realizados, que o montante, aos encargos

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absorva a mais valia. Mas agora a prática veio apresentar três hipóteses:
1.ª Os encargos podem absorver a mais valia totalmente e até trazer uma deminuição do rendimento, o que não é justo;
2.º Pode haver um desencontro de opiniões, isto é, a Junta da Hidráulica Agrícola dizer que há mais valia o regante sustentar o contrário, o que é o reino da confusão;
3.º A Assemblea Nacional pôs uma hipótese limite, uma excepção possível, e, se nos ficarmos nas queixas, temos um episódio vulgar, para o qual a lei devia Ter disposto mais avisadamente. Isto não passava pelo nosso espírito em 1937.
Garante a sabedoria que o sucesso não está em bem começar. Não desesperemos cedo da obra de hidráulica agrícola. Ela é uma obra de largo, larguíssimo prazo. Posta em limites mais amplos, sem encargos violentos nem exageros de oprimíamos, eliminado o anti-económico, ela servirá as gerações futuras deste Pais, onde tantos somos o já mal nos acomodamos.
Completada com pequenas obras de rega, ela corresponderá enfim às instancias, aos anseios, aos sonhos políticos dos que a não souberam ou não puderam realizar.
Também não menoscabemos a técnica, pedindo-lhe apenas certeza de construção, certeza objectiva. Uma visão compreensiva, menos violência fiscal, maior perfeição construtiva, tudo será pago sobejamente pelo património futuro daqueles que vierem.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Cortês Lobão: - Sr. Presidente: desejo, em primeiro lugar, prestar as minhas homenagens ao meu ilustre colega Sr.. Melo Machado e felicitá-lo pela forma como expôs o assunto do sen aviso prévio.
Foi duma clareza que certamente impressionou a Câmara.
Os namoros que S. Ex.ª aqui apontou, sobretudo, impressionaram-me tanto que me. obrigaram a estudar o assunto. Quando foi anunciado o aviso prévio, e que não tencionava entrar no debate.
Não esqueço que tenho a minha cota parte de responsabilidade na lei n.º 1:949 e que, quando ela veio a esta Assemblea em 1937, a defendi com . o maior interesse, considerando-a uma lei de altíssima importância para a agricultura, de um grande alcance económico e social, vendo nela uma lei que se traduzia num grande aumento de riqueza para o meu País.
Eu, que votei a lei com o maior interesso sob este aspecto, fiquei alarmado quando o aviso prévio foi apresentado pelo nosso colega Sr. Melo Machado, porque me convenci que ou a lei estava mal feita ou então não era executada como devia ser. Isso me levou a estudar as dúvidas apresentadas por aquele nosso colega.
Como é que a lei se apresenta? O Estado considera de utilidade pública,, manda estudar, aprova o estudo, faz a obra, executa-a e é entregue - depois do beneficiada a terra - aos respectivos proprietários, reembolsando-se o Estado da importância quanto a mais valia. Sendo assim, parece-me que não há receio para o proprietário de. ser prejudicado, porque lá está estabelecida a mais valia, e então parece & primeira vista que praticamente não deverá interessar ao proprietário beneficiado que a obra custe cem, que custe quinhentos ou que custe mil, desde quo só lhe ó exigida a importância que. o Estado estabelece se houver mais valia.
Mas depois de analisar o problema, fiquei com a mesma impressão.
Porquê?
Pelo seguinte, que passo a expor:
Sr. Presidente: em todas as obras que estão feitas há no estudo da parte económica uma razão que nos leva a encontrar os preços, possivelmente elevados para o cálculo da mais valia. .Praticamente ó a passagem do sequeiro para o regadio, como uma transformação de exploração.
Os respectivos proprietários estão habituados à rotina da sua exploração antiga e não se adaptam de forma nenhuma b passagem para a exploração que lhes é indicada, que lhes é exigida para poder dar o rendimento indispensável numa cultura feita sob o regime da regadio.

O Sr. Melo Machado: - Posso afirmar a V. Ex.ª que não há nenhum desses casos em exploração. Todas essas obras são obras já irrigadas em grande parte.

O Orador: - Não estou bom de acordo com V. Ex.ª As outras obras são trabalhos de enxugo. Em Magos, por exemplo, encontra só uma parte, regada e outra não,
encontram-se pousios.

O Sr. Melo Machado: - As informações que dou a V. Ex.ª seu do conhecimento local.

O Orador: - Eu respeito absolutamente a vossa informação, mas pelas informações dos serviços; que as colheram no local, é a quem as pedi os elementos que tenho são os que acabei de citar:

O Sr. Melo Machado: - Mas vem ai nossas informações que no paúl de Magos já se regava.

O Orador: - São, contudo, 535 hectares que suo melhorados; portanto há mais do irrigada que não ora irrigada o a produção aumentou, muito. Mas os proprietários, habituados à exploração atrasada, não podem compreender quo boje a exploração tem de ser intensiva. E foi baseado na, exploração intensiva quo os serviços fizeram o estudo económico como deve ser feito.
V. Ex.ª desculpo-me, mas tenho de aceitar, as informações dos serviços como certas.

O Sr. Nunes Mexia: - É que talvez haja uma confusão quanto à palavra e irrigação». Irrigação, no sentido clássico do termo, pressupõe a existência de conveniente drenagem. No caso porém do paúl de Magos, onde a drenagem continua sondo deficiente, a sua exploração está-se fazendo, através da cultura de arroz, dentro da modalidade denominada por «alagamento»... É um pouco diferente.

O Orador: - É uma opinião, que V. Ex.ª tem e ou respeito. Mas então cai pela base o estudo.

O Sr. Nunes Mexia: - Não disse isso. Por esta obra fornece-se de facto ao paúl do Magos mais água, por alagamento, do que aquela que ele antes tinha a sua disposição.

O Orador: - Agradeço as informações de V. Ex.ª A barragem que estava estudada era para 6 milhões de litros e foi reduzida para 3 milhões. Foi a informação que me deram os serviços.

O Sr. Melo Machado: - Não chega bem a 3 milhões.

O Orador: - É aproximado.
Como V. Ex.ª sabem, o estudo do paúl de Magos fui iniciado em 1933, antes de a actual Junta de Hidráulica

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Agrícola estar organizada. Portanto esse estudo sofreu várias alterações até à sua, execução. Durante esses estudos foram feitas no local sondagens que se relacionavam com o problema em 1934, se a memória me não falha.
A actual Junta, devidamente autorizada, iniciou as obras, cujo projecto vinha da anterior.
Quando se executava a borragem notou-se que numa parte do local onde estava sendo construída tinha lôdo a uma certa profundidade, e portanto para que a barragem se pudesse aguentar era necessário fazer uma consolidação. Foi não percalço. Era isso da responsabilidade do serviço?

O Sr. Melo Machado: - O que não ó com certeza é da responsabilidade dos proprietários.

O Orador: - Nestas obras há sempre os imprevistos, e este imprevisto deu-se.

O Sr. Carlos Borges: - As sondagens foram feitas até à profundidade aconselhada pelos técnicos.
Eu não sou técnico, mas parece-me que num caso destes seria necessário adoptar todas as medidas de defesa e fazer sondagens até onde fosse possível. É o que diz a minha razão.

O Orador: - Mas o trabalho foi executado em virtude de projecto já feito em 1933 e 1934.

O Sr. Carlos Borges: - Isso é uma discriminação de responsabilidades entre as pessoas que intervieram na organização do projecto.

O Orador: - Como disse a V. Ex.ª, o trabalho foi executado sobre o projecto já referido, mas, como apareceu êste imprevisto, houve necessidade de consolidação, o que encareceu um pouco mais o custo da barragem.
O nosso colega Sr. Melo Machado disse aqui que toda a gente reclama. Assim é; mas a verdade é que essas reclamações são motivadas porque uns não querem encarar o problema debaixo do ponto de vista de aproveitamento das terras, regadas e outros querem continuar a explorar a terra da mesma forma por que o tom feito.

O Sr. Melo Machado: - Com isso é que eu não posso concordar.

O Orador: - Isto é o que eu penso.

O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª está a pensar como quem não viu e só cura por informações.

O Orador: - Não euro por informações. No relatório êste ponto encontra-se tratado e não ha dúvida de que terá de se caminhar no sentido de modificar os processos que tem sido usados na cultura para se conseguir a finalidade da lei - intensificação das culturas.

O Sr. Proença Duarte: - O paul de Magos representa indiscutivelmente uma maior riqueza nacional porque trouxe para a área de cultura uma porção de terra muito grande que até então não era cultivarei.

O Sr. Melo Machado: - Mas não é isso o que o orador está a dizer.

O Orador: - O que se torna necessário é que a exploração seja feita dentro do espírito da lei para que da terra se tire o máximo rendimento.
Mas ainda sobre o paúl de Magos:
Como é que se pode tirar tudo quanto se deve duma, terra de regadio se não houver á conservação indispensável?
Não é possível ali, pois num relatório dum dos proprietários do paul do Magos, que aqui tenho, se faz a declaração de que foram despendidos, com a limpeza de valas, desde 1932 á 1940, cerca de 70 contos.
Como é possível, com uma despesa destas, preparar as terras para a cultura intensiva que a lei manda?
Não é possível.
Estas obras de hidráulica agrícola soo sempre, sem dúvida, caras, mas tem de ser encaradas sob o aspecto que eu aqui foquei porque, quem não olhar paro ele não vê o problema como deve ser visto.
Se se tivessem constituído, as associações de regantes, estou convencido do que parte destas reclamações não eram feitas. E porque?
Porque as associações; de regantes teriam acompanhado as obras, discutindo-as, especialmente na parte económica:
Estou convencido, repito, de que, se tal se tivesse feito, os atritos teriam sido mínimos.
Porque se não fez? Não sei.
Razões houve possivelmente.

O Sr. Carlos Borges: - V. Ex.ª chama atritos aos erros?

O Orador: - Não, senhor, não considero erros. Eu parto do principio de que uma exploração nestas condições exige um trabalho intensivo pira se poder tirar da terra ô máximo que ela pode dar.
É preciso não esquecermos este aspecto: deitar água na terra é fixar braços nessa terra.

O Sr. Carlos Borges:- Ou tirar água da terra.

O Orador: - Estamos de acordo. É o caso de Cela. Portanto, tirar ou deitar.
Estando isto certo, pregunto: o que é preciso fazer para fixar braços na terra?
A resposta está dada.

O Sr. Carlos Borges: - Estamos todos de acordo.

O Orador: - Todos sabemos que um alqueire de terra no Minho pode sustentar uma família, irias que no Alentejo sessenta alqueires não sustentam um casal.
Para poder produzir como quere a lei é preciso intensificar a cultura, e para intensificar a cultura é preciso ir buscar o máximo que a terra produz.
Estou convencido de que, quando agora se reclama, não se encarar problema assim. E ó sob esse aspecto que foi estudado;
Eu não posso tirar a conclusão de que os números dos servidos estejam errados, porque Os técnicos que estudaram o assunto devem merecer-me confiança.
Porque é que não hei-de aceitar os números apresentados pelos técnicos, se alguns desses técnicos são distintos agrónomos, um dos quais já aqui foi citado pelo nosso colega Aires?

O Sr. Proença Duarte: - Esses números, por vezes, tom mais um carácter fiscal do que um carácter real em relação à exploração agrícola. É o tal critério fiscal que predomina ha determinação j do rendimento dos nossos prédios. E, possivelmente, lios números destes estudos económicos O defeito é esse. Essa é a explicação porque há uma profunda divergência entre a mais valia apresentada pelos serviços e a mais valia Apresentada pelos regantes e a razão por que. está se aproxima mais da verdade do que a mais valia apresentada pelos serviços que fazem, os estudos económicos.

O Sr. Carlos Borges: - Se V. Ex.ª, Sr. Deputado Cortês Lobão, admite que são exactos os números da

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Junta, porque é que há-de pôr era dúvida os números fornecidos pelos chamados beneficiários das obras, se estes têm elementos de informação muito mais seguros e só têm contra eles o facto de se pôr em dúvida a exactidão das suas reclamações? O conhecimento rigorosamente exacto parece que o tem quem cultiva a terra e não quem a avalia.

O Orador: - Podíamos estar de acordo, mas não estamos.

O Sr. Carlos Borges: - Eu só vejo uma cousa: a unanimidade das reclamações é que me deixa impressionado.

O Orador: - Se formos buscar informações aos beneficiados, V. Ex.ª vai encontrar valores muito diferentes e até para o mesmo local.

O Sr. Proença Duarte: - No mesmo local varia profundamente a produtividade da terra.

O Orador: - Fará o mesmo proprietário, que é o caso do paúl de Magos.
Mas pregunto: como solucionar então? Parece-me que seria de facto indicado verificar o que ha de verdade nuns ou noutros.
Isso, claro, compete ao Estado e não me cabe sugerir aqui o modo de o fazer.
Como eu parto do principio de que o problema deve ser encarado sob os aspectos que acabei de focar, entendo que havia toda a vantagem.
Ora os serviços terão possivelmente exagerado nos preços que estabeleceram para apreciação da parte económica, mas será possível que não haja também exagero dos proprietários. Vejamos, por exemplo, os números aqui apresentados para o caso do paul de Magos.
No cálculo dos rendimentos são assim indicados:
Valor das despesas culturais, por hectare, no paúl de Magos:
Depois das obras:
Pela direcção da Companhia das Lezírias, em 15 de Janeiro de 1941 - 4.000$.
Por dois directores da mesma Companhia, publicado na Foz em 30 de Maio de 1941 - 3.500$ a 4.000$.
Por um director da Companhia, publicado no Século em 20 de Julho de 1941, passa de 4.500$.
Por um director da Companhia, em folheto, em Julho de 1941 - 4.250$.
Antes das obras:

Por um director da Companhia - 3.000$.

O Sr. Carlos Borges: - V. Ex.ª sabe que as despesas são variáveis...

O Orador: - Mas estes números referem-se a um período, de uns poucos de meses seguidos - Janeiro a Julho de 1941, conforme acabo de ler.
Quando é que estão certos os números já mencionados?
Acho que as obras estão bem feitas e que são obras sempre caras em qualquer parte do mundo. O problema económico foi posto nesta Assemblea, e isso tudo me leva à conclusão que de facto- pode haver exagero nos estudos económicos feitos pelos serviços e aceito-o quando mo provarem.
Como solucionar a questão?
Pelo que li, e pelas informações que tirei do que me foi exposto pelos serviços, não me considero habilitado a considerar as taxas exageradas ou que é incomportável a exploração nas condições apresentadas pela hidráulica .agrícola. Falta a informação de uma entidade que devia ser criada juntamente com a obra, mas que o não foi. Refiro-me às associações dos regantes, que só agora estão a ser criadas.
Os critérios nos cálculos divergem muito nos serviços oficiais e nos interessados, mas eu julgo que o critério dos serviços mais se aproxima do que pretende a lei.
Os serviços tom os seus técnicos, e, emqnanto não me provarem que os seus números estão mal, eles servem-me.

O Sr. Melo Machado: - Mas eu fui buscar as próprias contas fornecidas pela Junta de Hidráulica Agrícola. Assim, por exemplo, referi que na Cela a taxa de conservação estava prevista para 52 contos; pois custou 500 e tal.

O Orador: - Mas V. Ex.ª parte duma previsão; ora para os cálculos deve procurar-se o custo real da obra.
Quanto a mim, previsão é uma cousa, o orçamento e a obra são outra.
Os projectos que estão a ser executados foram aprovados pela Câmara Corporativa e os seus valores e importâncias não se afastam muito do que custaram.

O Sr. Melo Machado: - Isso não tem nada com o caso.

O Orador: - Eu parto do valor que a obra custou e, evidentemente, é do custo da obra que os serviços partiram para achar as taxas.

O Sr. Melo Machado: - Eu falo a V. Ex.ª de estudos económicos...

O Orador: - Indique-me então V. Ex.ª uma qualquer das obras.

O Sr. Melo Machado: - Eu citei, por exemplo, o paul de Cela, onde houve a perda de cento e tantos contos.

O Orador: -Com relação ao paul de Cela, encontro aqui o seguinte: aprovado pelo Govêrno, com o parecer da Câmara Corporativa, custo da obra 3:603.9085; porém, custou 4:843.3506, porque a pedido dos beneficiários foram feitos vários melhoramentos, no valor de 427.3506.
Foi com estes cálculos que foram estabelecidas as taxas.
A obra foi feita; fizeram-se melhoramentos a pedido dos beneficiários. Se o custo dessas obras subiu, foi porque os beneficiários pediram asses melhoramentos.
Insisto: V. Ex.ª parte de uma previsão; eu parto de a projecto que foi estudado e aprovado.

O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª desculpe-me, mas está obcecado pela sua argumentação ao dizer que essa obra vai render mundos e fundos e que o proprietário pode pagar todas as taxas.
O que eu digo é que a taxa de conservação, que estava calculada em 52 contos, passou a 500.

O Sr. António Augusto Aires: - Possivelmente disse aumento deve ser resultado de obras realizadas nesse ano para efeito de conservação da própria obra.

O Orador: - É possível que assim seja.
Tudo isto anda em volta do facto de se não ter encarado como devia ser problema da exploração económica das tenras beneficiadas.
A solução para isto não depende, evidentemente, de nós, mas sim do Governo, se assim o entender. Por minha parte continuo a considerar os números como certos, até me provarem o contrário.

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A lei tem, sem dúvida nenhuma um grande alcance social e económico.

O Sr. Presidente: - V. Ex.ª quere aproveitar os 15 minutos que ainda posso conceder-lhe para uso da palavra?

O Orador: - Sim, Sr. Presidente. Talvez não seja até necessário utilizá-los na totalidade.
Sr. Presidente quem analisar êste problema sob um aspecto diferente, daquele por que o encaro, chega à conclusão de que de facto os encargos para os proprietários são incomportáveis.
Vou terminar mas vejo que o Governo continua a interessar-se de uma forma especial pelo assunto, pois no orçamento do Ministério das Obras Publicas para o ano corrente, na parte referente a obras da hidráulica agrícola, eu verifiquei que à respectiva Junta estão destinados 41:500 contos. Isto deu-me inteira satisfação, porquê verifiquei que a lei. convém, ao País, pois, se assim não fosse, certamente não, teria sido inscrita uma tara importante quantia para trabalhos dessa natureza.
Por outro lado, isto ainda mostra o interêsse que o Governo tem em que as obras da hidráulica agrícola continuem, e confesso que me sinto satisfeito por verifica, que a lei está certa e continua a ser cumprida com interesse e carinho.
Entretanto continua de pé êste problema da parto económica.
Sr. Presidente: pus como entendia e julguei que devia ser posta a questão.
Mas certamente continuam as duvidas e não posso neste ponto estar de acordo com o meu colega Sr. Melo Rachado. Não posso, porém, deixar de insistir em que, se há exageros, compete ver a quem eles cabem. E é a própria Junta que no seu relatório diz que alguém que não seja ela deve ir verificar as reclamações. Esta atitude da Junta mostra que ela trabalha com lealdade e honestidade e, segundo a minha opinião, com competência. Quem trabalha assim não em receios.
Tenho, portanto, dado a minha comparticipação para o esclarecimento do assunto. Possivelmente foi fraco o meu contributo, mas dei-o da melhor maneira que soube.
A lei está certa; é revolucionária na boa acepção da palavra. Assim, deve ser cumprida è deve continuar.
É o próprio Estado que nos diz que deve continuar a cumprir-se, porque, de contrário, o Sr. Presidente do Conselho e o Sr. Ministro das finanças, nesta altura, não entregavam à hidráulica agrícola, para 1042,41:500 contos se não tivessem o problema certo.
Até me provarem que os elementos fornecidos pelos serviços não estão certos eu não posso deixar de os aceitar. Mas para isso deve alguém que não pertença à Junta nem aos interessados, averiguar onde estão as duvidas.

O Sr. Proença Duarte: - Os regantes nunca podem deixar de ser ouvidos.

O Orador: - Eu comecei por dizer que, se a lei tivesse sido cumprida como devia ser, os regantes teriam sido ouvidos por intermédio das suas associações, que a lei cria, embora a lei também diga que a Junta pode resolver quando não houver associações dê regantes. Mas o não haver associações dê regantes não é da responsabilidade da Junta.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O debate continuará na sessão de segunda-feira.
Está encerrada à sessão.

Eram 18 horas e 15 minutos.

O REDACTOR - M. Ortigão Burnay.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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