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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES

N.º 120 ANO DE 1942 4 DE FEVEREIRO

II LEGISLATURA

SESSÃO N.º 115 DA ASSEMBLEA NACIONAL
Em 3 de Fevereiro

Presidente o Exmo. Sr. José Alberto dos Reis
Secretários os Exmos. Srs. Carlos Moura de Carvalho
Gastão Carlos de Deus Figueira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o último número do Diário das Sessões.
O Sr. Presidenta declarou estarem na Mesa, para ratificação da Assemblea, os seguintes decretos-leis: n.ºs 31:850, 31:861, 31:868, 31:854, 31:855, 31:856, 31:865, 31:866, 31.-867, 91:867, 31:868 e 31:869.
Como não houvesse nenhum Sr. Deputado inscrito para antes da ordem do dia, passou-se à

Ordem do dia. - Prosseguiu o debate acerca do aviso prévio sobre hidráulica agrícola, tendo usado da palavra o Sr. Deputado Madeira Pinto, Magalhãis Ramalho e Melo Machado.
O debata foi encerrado com a aprovação de unia moção apresentada pelo 8r. Deputado Albino dos Reis.

O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 6 minutos.

Srs. Deputados presentes à chamada, 49.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão, 8.
Srs. Deputados que faltaram à chamada, 18.

Sn. Deputados que responderam à chamada:

Abel Varzim da Cunha e Silva.
Acácio Mendes de Magalhãis Ramalho.
Alberto Eduardo Valado Navarro.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alexandre de Quental Calheiros Veloso.
Alfredo Delesque dos Santos Sintra.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Álvaro Salvação Barreto.
António de Almeida.
António de Almeida Pinto da Mota.
António Augusto Aires.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Hintze Ribeiro.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Ribeiro Lopes.
Augusto Cancela de Abreu.
Augusto Faustino dos Santos Crespo.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Moura de Carvalho.
D. Domitila Hormizinda Miranda de Carvalho.
Fernando Tavares de Carvalho.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
João Botto de Carvalho.
João Garcia Nunes Mexia.
João Maria Teles de Sampaio Rio.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Saldanha.
José Alberto dos Reis.
José Alçada Guimarãis.
José Maria Dias Ferrão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Júlio Alberto de Sousa Schiappa de Azevedo.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz Cincinato Cabral da Costa.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Figueira.
Manuel Pestana dos Reis.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.

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D. Maria Luíza de Saldanha da Gama Van-Zeller.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Sebastião Garcia Ramires.
Sílvio Duarte de Belfort Cerqueira.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vasco Borges.

Sr s. Deputados que entraram durante a sessão:

Álvaro dê Freitas Morna.
António Rodrigues dos Santos Pedroso.
Joaquim Rodrigues de Almeida.

Sr s. Deputado» que faltaram à sessão:

Alberto Cruz.
Angelo César Machado.
António Maria Pinheiro Torres.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto Pedrosa Pires de Lima.
Guilhermino Alves Nunes.
João Antunes Guimarãis.
João Garcia Pereira.
João Luiz Augusto das Neves.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim d« Moura Relvas.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Dias de Araújo Correia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Braga da Cruz.
Luiz José de Pina Guimarãis.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 15 horas e 55 minutos.
Fez-se a chamada.

Sr. Presidente: - Estão presentes 49 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário da sessão de ontem.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado pede a palavra, considero-o aprovado.
Estão na Mesa paxá serem submetidos à ratificação da Assemblea os seguintes decretos-leis:

N.º 31:850 - Eleva de vinte e cinco anos para trinta e cinco a idade fixada para os candidatos ao exume como externos do curso elementar de pilotagem que, à data da publicação do presente diploma, hajam efectuado parte u navegação exigida aos praticantes para alcançarem a carta de terceiro piloto. - Publicado no Diário do Governo de 15 de Janeiro de 1942;

N.º 31:851 - Substitue o artigo 81.º do decreto-lei n.º 23:764, alterado pelo decreto-lei n.º 26:605, na parte referente às condições exigidas aos inscritos marítimos para haverem as categorias de oficiais náuticos - Revoga o decreto-lei n.º 26:605. - Publicado no Diário do Governo de 15 de Janeiro de 1942; n.º 31:852 - Altera o quadro dos sargentos é das praças da armada, fixado pelo artigo 5.º do decreto-lei n.º 30:260. - Publicado no Diário do Governo de 15 de Janeiro de 1942;
N.º 31:854 - Designa o dia 8 de Fevereiro próximo para a realização da eleição do Presidente da República. - Publicado no Diário do Governo de 16 de Janeiro de 1942;
N.º 31:855 - Determina que continuem em vigor a lei de 21 de Julho de 1912 e a lei n.º 918, de 20 d* Dezembro de 1919, que autorizaram a Câmara Municipal de Lagos a lançar o imposto de l por cento aã valorem sobre determinadas mercadorias exportadas do concelho. - Publicado no Diário do Governo de 16 de Janeiro de 1942;
N.º 31:856 - Autoriza o Ministro a mandar aplicar a pauta mínima, durante o ano de 1942, às mercadorias que interessem, ao abastecimento do País. - Publicado no Diário do Governo de 16 de Janeiro de 1942;
N.º 31:858 - Prorroga por mais dois anos o prazo a que se refere o artigo 1.º do decreto-lei n.º 30:907 (nomeação da direcção da Junta Nacional dos Lacticínios da Madeira). -= Publicado no Diário do Governo de 16 de Janeiro de, 1942;
N.º 31:865 - Regula a venda de lenhas e madeiras das matas nacionais. - Publicado no Diário do Governo de 22 de Janeiro de 1942;
N.º 31:866 - Cria no quadro da Secretaria da Assemblea Nacional o lugar de fiel do Palácio de S. Bento e anexos.-Publicado no Diário do Governo de 23 de Janeiro de 1942;
N.º 31:867 - Permite ao Ministro tornar a prática de actos de comércio dependente da inscrição prévia de quem os pretenda praticar nos organismos que forem designados e quando tal inscrição não for já exigida por lei especial. - Publicado no Diário do Governo de 24 de Janeiro de 1942;
N.º 31:868 - Mantém por mais dois anos a redução da taxa de sisa sabre as transmissões de imobiliários por título oneroso previstas no artigo 2.º e § único do decreto-lei n.º 26:816. - Publicado no Diário do Governo de 26 de Janeiro de 1942;
N.º 31:869 - Insere várias disposições relativas à notação dos elementos estatísticos referentes n actividade judicial-Revoga o decreto-lei n.º 26:030. -Publicado no Diário do Governo de 26 de Janeiro de 1942.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Não há nenhum Sr. Deputado inscrito para antes da ordem, do dia.

Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Madeira Pinto.

O Sr. Madeira Pinto: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: ao abrir-se a sessão desta Assemblea de 23 de Janeiro de 1935 comunicou V. Ex.ª, Sr. Presidente, que recebera do Governo várias propostas de lei e, entre elas, uma sobre reconstituição económica.
Subscrevia-a o Ministro das Finanças de então, Sr. Dr. Oliveira Salazar.
Dizia-se no preâmbulo dessa medida que o Governo, saneadas as finanças públicas, vistos os saldos acumulados das contas de gerência de 1928 a 1934, que excediam 700:000 contos, auscultadas as possibilidades futuras no tocante a recursos materiais e morais, julgara chegado o momento de intensificar a obra de reconstituição económica do País, já principiada; dando-lhe especial amplitude no campo da defesa nacional e no da transformação económica e atacando, desde logo, os problemas que no artigo 1.º da proposta se enunciavam.

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Figuravam entre eles as obras de hidráulica agrícola, irrigação e povoamento interior.
Ia ter finalmente princípio de solução um problema dos maiores, senão o maior, de Portugal, como já dissera Sertório de Monte Pereira, problema que a monarquia liberal ensaiara, que a república parlamentar democrática abordara, mas que continuava quáse intacto. Nem admira que assim tivesse sucedido. Fomento hidroagrícola supõe investimento, ainda que a título transitório, de capitais avultados, e antes de 28 de Maio o erário estava exausto, os governos não tinham estabilidade que permitisse obra cuidada e fecunda nem liberdade de acção de conjunto que lhes facultasse atender só ao maior bem nacional.
Tendo estabelecido pela ressurreição financeira a condição sino que para resolver o problema e dispondo das demais por estarem na base da Constituição Política, o Estado Novo, com perfeito sentido das superiores conveniências nacionais, inscreveu o problema de fomento hidroagrícola entre os primeiros da reconstituição económica a realizar.
Transformada a proposta a que me referi na lei n.º 1:914, de 24 de Maio de 1935, numa das primeiras sessões de Janeiro de 1937 vinha a esta Assemblea, já com o parecer da Câmara Corporativa, que o Governo directamente solicitara, a proposta de lei de fomento hidroagrícola. Depois de largamente discutida, aqui foi convertida na lei n.º 1:949, de 15 de Fevereiro desse ano, só regulamentada pelos decretos n.ºs 28:652 e 28:653, ambos de 16 de Maio de 1938, respeitando o segundo especialmente às associações de regantes e beneficiários.
Como V. Ex.ªs sabem, o problema foi resolvido, esquematicamente, pelo modo seguinte: o Estado, por intermédio da Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola, estuda, realiza e custeia as obras de fomento hidroagrícola (aproveitamento de águas públicas ou particulares para rega, ennateiramento ou colmatagem; drenagem e enxugo de terras e defesa contra inundações; e adaptação ao regadio das terras beneficiadas); e reembolsado pelos proprietários ou utentes das terras das despesas efectuadas no prazo de cinquenta anos, por meio de uma anuidade fixa, a cobrar com a contribuição predial, á que se chama a taxa de rega e beneficiação» e que não pode exceder a mais valia resultante das obras efectuadas.
As despesas de exploração e conservação das obras ficam também a cargo dos beneficiários, que pagam ao Estado uma taxa anual denominada «taxa de exploração e conservação):
Executaram-se algumas das obras estudadas e aprovadas as de Magos, Cela, Loures, Burgãis e Alvega -, e, quando começaram a ser exigidas aos interessados as respectivas taxas, foi um coro unísono de clamores: as despesas feitas eram de tal monta diziam os donos dos prédios enxugados ou irrigados que as terras não podiam suportá-las, e ou se arrumavam com o pagamento ou lhas arrebatava o fisco pelas execuções. E dirigiram-se representações ao Governo, a imprensa fez-se eco das reclamações dos interessados e a opinião pública impressionou-se com a desventura dos homens a terra, a quem a sorte é adversa em tantas conjunturas.
Sr. Presidente: o nosso ilustre colega Sr. Deputado Melo Machado medularmente lavrador, em contacto permanente com. as canseiras e ás contingências da exploração- agrícola, e levado pelo que S. Ex.ª, com elegância, chamou «este jeito de olhar mais longe pelo interesse do País», julgou dever de consciência provocar nesta Assemblea o esclarecimento do assunto mediante a apresentação do aviso prévio que temos discutido.
E é de justiça registar que, até pela forma interrogativa empregada, S. Ex.ª o formulou com perfeito sentido do melindre do problema que o Governo de Salazar inscreveu entre os primeiros a atacar no plano da reconstituição económica e que o desenvolveu com inteiro conhecimento de causa, com elevação, e sem nunca deixar, como, aliás, é «eu costume, de ir direito ao fim proposto e de chamar as cousas pelos seus nomes. Das suas virtudes não é esta a menor. Daqui lhe dirijo os meus cumprimentos.
A Junta de Hidráulica Agrícola enviou a esta Assemblea, sobre a matéria do aviso prévio, uma informação que aqui tem sido apreciada, e o debate vai adiantado.
Do que temos ouvido poderemos tirar já algumas conclusões seguras?
Creio que sim.
A primeira é a de que a política de reconstituição económica que o Estado Novo tem desenvolvido e de que se ufana merece o louvor e a gratidão de todos nós e deve prosseguir.
A segunda é a de que a lei de fomento hidroagrícola, aliás aprovada por esta Assemblea, estabeleceu os princípios que o Governo julgou por então mais consentâneos cora as realizações que se propunha e que não parecem de condenar.
A terceira é a de que nem tudo tem corrido bem na execução da lei, de que tem havido faltas lesivas dos legítimos direitos e interesses dos proprietários ou utentes das terras.
A este respeito proponho-me versar especialmente um facto que, embora já tocado por alguns Srs. Deputados, ainda não foi considerado em todos os seus aspectos.
Quero referir-me ÀS associações de regantes, que constituem na mecânica da hidráulica agrícola uma das peças mais importantes.
Vejamos, Sr. Presidente, o que é e que funções tem a associação de regantes.
Nos termos da base IX da lei e dos artigos 1.º a 3.º do decreto n.º 28:653, é uma associação agrícola, a que pertencem obrigatoriamente os proprietários ou utentes das terras beneficiadas, dotada de personalidade jurídica, a cuja direcção preside um agrónomo dos serviços agrícolas do Ministério da Economia e a que também pertence um engenheiro representante da Junta de Hidráulica Agrícola.
As funções das associações de regantes suo muitas e muito importantes. Nos termos da citada base IX da lei e do artigo 6.º do também citado decreto regulamentar, nada menos do que dezasseis lhes são atribuídas e delas se destacam as seguintes: pronunciar-se sobre os planos de aproveitamentos hidroagrícolas e de exploração das terras formulados pela Junta e designadamente sobre as suas vantagens higiénicas, demográficas, económicas e sociais; propor as modificações convenientes aos referidos planos, para serem atendidas no que possa interessar ao seu maior aproveitamento paca a comunidade e para os associados; promover a exploração e conservação das obras efectuadas e dos aproveitamentos hidroeléctricos delas resultantes; pronunciar-se sobre os programas de trabalhos para a conservação das obras; efectuar o lançamento e cobrança da taxa de exploração e conservação e das outras receitas; propor as alterações no arranjo das propriedades beneficiadas pelos aproveitamentos e colaborar com o Ministério da Economia nos estudos e trabalhos necessários à realização dessas alterações. E não enumero mais para não enfadar V. Ex.ª
Para que as associações de regantes possam exercer 'estas e outras importantes funções, determina a lei que elas sejam constituídas logo que tenham sido aprovados os projectos definitivos das obras pelo Ministro das Obras Públicas, e para isso deve a Junta levar tal apro-

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vação ao conhecimento da Direcção Geral dos Serviços Agrícolas, a fim de esta entidade promover imediatamente a constituição da associação respectiva, incumbindo imediatamente um agrónomo de proceder a certas indagações e de praticar as diligências necessárias para a referida constituição.
É o que preceituam por forma clara e terminante a base IX da lei, os artigo» 10. e 11.º da decreto n.º 28:652 e o artigo 5.º do decreto n.º 28:653.
Para o efeito da exploração e conservação das obras, que é função normal e primacial da associação, manda o artigo 41.º do primeiro daqueles decretos que a Junta lhe faça entrega das mesmas obras logo que estejam concluídos.
Ora bem.
Consta da informação da Junta que dos onze aproveitamentos hidroagrícolas planeados só dois estavam, no fim de 1940, em apreciação (campos do Mondego e vales de Campilhas e S. Domingos); dos nove restantes - quatro estavam em exploração total (Magos, Cela, Loures e Alvega); um em exploração parcial (Burgãis); dois em construção (vale do Sado e campina da Idanha), e dois aprovados (veiga de Chaves e campina de Silves, Portimão e Lagoa).
Pois em nenhum dos nove empreendimentos já em exploração ainda em construção ou definitivamente aprovados se tinha naquela data constituído a respectiva associação de regantes, pelo que, afora o mais,, em nenhum dos cinco em exploração elas estavam, como em do seu direito, na posse das respectivas obras para gerir em a sua exploração e conservação.
E ainda hoje, Sr. Presidente, em começos de 1942, a situação é a mesma nem uma única associação de regantes está constituída.
Confessa-o expressamente a Junta na informação enviada a esta assemblea, documentos O, D, E, F e G, a propósito das obras em franca exploração, escrevendo: «Não teve ainda cumprimento, certamente por razões ponderosas e justificadas, & doutrina do artigo 11.º do decreto n.º 28:652, na qual e a nosso entender estila as factores mau eficazes para, a boa, e integral aplicação da lei n.º 1:949 ...».
Que razões fortes e ponderosas se é que a presunção da Junta se verifica foram as que impediram a constituição das associações de regantes a tempo e horas e que se lhes facultasse o exercício das importantes funções que a lei Lhes confere?
Mistério que a esta Assemblea devia ter sido desvendado! Culpa dos próprios interessados, dos homens da terra, não foi certamente, porque de outro modo a informação 'da Junta no-la teria revelado. Culpa de quem, então? Se não foi a Junta, se não foram os beneficiários, não parece difícil a resposta depois da referência que fiz aos preceitos legais que regulam o assunto.
Eis o que, sem dúvida, não está bem; os homens da terra, ao menos neste particular, têm razão.
Já aqui se disse creio que foi o Sr. Deputado Cortês Lobão que se a tempo e horas as associações de regantes tivessem sido organizadas nada do que se passou se teria passado. Não estou absolutamente seguro perdoe-me o ilustre Deputado de que assim fosse; quando muito não teriam cabimento as minhas considerações no assunto.
E não vá pensar-se que a farta não teve já consequências muito de considerar, e, o que é pior, consequências que vêm a recair sobre os próprios, donos ou utentes das terras a quem não foi facultada a constituição das associações.
Quais foram essas consequências? Di-lo-nos, Sr. Presidente, a Junta na sua informação; Por aquela falta teve a Junta de assumir o encargo da exploração e conservação das obras; mas, como não tem organização técnica adequada para tal efeito; visto que a função pertence normal e regularmente às associações de regantes, e só em último extremo ou caso anormal cabe à Junta, segue-se que a conservação « exploração dos obras tem sido forçosamente muito mais coxa do que seria quando exercida nos termos normais da lei, ou seja por intermédio daquelas associações.
Se as associações tivessem sido constituídas oportunamente continua a informação da Junta -, ter-se-iam pronunciado sobre as dotações de água, o que certamente eliminaria exigências útil e economicamente evitáveis; ter-se-iam pronunciado sobre os programas do» trabalhos de conservação, o que pelo menos pouparia aos interessados surpresa de pagamentos no tocante a obras indispensáveis a uma eficaz. exploração; teriam efectuado o registo da produção anual das- terras e das despesas culturais e teriam bases para reclamar, censurar ou louvar com consciência; poderiam ter elaborado oportunamente os contratos adequados à exploração da terra, onde se consignaria a equitativa distribuição dos diachos; poderiam alcançar crédito paru suas despesos, nos termos do decreto n.º 28:653; habilitariam o Ministério da Economia, pelos balancetes trimestrais da receita e despesa da exploração, com os elementos necessários pura se ajuizar da economia da obra. Todos estes males, pois, como a Junta informa, resultaram tia falta de constituição das associações de regantes.
Todos estes males e ainda - acrescentarei eu - o de não terem podido os donos ou utentes das terras pronunciar-se de início sobre os planos de aproveitamento das obras nem propor as modificações convenientes aos referidos planos, o que não é do menos importante.
Não admira, pois, que da exploração e conservação das obras pela Junta adviesse notável agravamento de encargos para os beneficiários, agravamento que aqui já foi classificado de muito pesado.
Podem os encargos de exploração e conservação das obras concluídas computar-se até ao fim do ano passado em uns 4:000 contos.. Especialmente as despesas de administração e fiscalização entram naquele total em percentagem incomportável, como aqui 3á salientou o Sr. Deputado Dr. João Mexia. A este respeito Burgãis oferecei-nos este quadro sombrio: em 1938, para, números redondos, uma despesa de 17 contos de jornais e materiais, 19 contos de administração e fiscalização; em 1939, contra 12 contos daquelas despesas, 32 contos destes gastos, e em. 1940, para 19 contos de umas, 31 contos de outros, j o que representa para gastos de administração e fiscalização, respectivamente, 40, 75 e 32 por cento, aproximadamente, dás despesas totais! Não bastava que estabelecido na base IX da lei 11.º 1:949, de 15 de fevereiro de 1937, o princípio de deverem as associações de regantes constituir-se logo depois de autorizadas as obras só quinze meses depois ele tivesse sido regulamentado, dando-se entrementes curso às obras; ainda depois de regulamentado o preceito se havia de desprezar. ; E já vai a caminho de quatro anos a regulamentação!
Sr. Presidente: a outro aspecto deste assunto quero ainda referir-me, e esse tem a de chocante contradição.
Pôs a Junta em destaque na sua informação o» inconvenientes que advieram da falta de constituição das associações de regantes, afirmando que nelas residiam os factores mais eficazes para a boa e integral aplicação da lei n.º 1:949. Frisou, especialmente, a Junta que a exploração e conservação das obras ficou muito mais cara por não ter sido oportunamente confiada, como a lei prescreve, à associação de regantes.
Parece que assim, a ter de apresentar quaisquer alvitres, a Junta devia, propugnar por que, sem de-

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mora, se constituíssem as associações de regantes, por que, «em demora, lhes fossem entregues as obras concluídas para cuidarem da sua exploração e conservação e que os prejuízos resultantes do não cumprimento da lei lhes não fossem imputados.
Pois não. Manifestando a opinião cie que, «para mais eficaz aplicação da lei n.º 1:949, lia que aperfeiçoar a regulamentação estabelecida no decreto n.º 28:662», a Junta alvitra que se modifique entre outros aquele artigo 41.º no sentido de ficar ela Junta à testa da exploração e conservação da» obras durante os três primeiros anos e só depois elas sejam entregues às associações de regantes.
Entregues à Junta, que, como ela confessa, não tem organização técnica que permita uma eficiente conservação e exploração das obras, a Junta, que, no domínio do que está previsto na lei, só em caso extremo e anormal deverá assumir tal encargo, a Junta, que terá de explorar e conservar as obras em condições forçosamente mais caras do que a associação de regantes!
Confesso que não entendo. E continuo a preguntar: quando se constituem as associações de regantes? Quando se cumpre a lei?
Ao discutir-se nesta Assemblea a proposta que veio a converter-«e na lei n.º 1:949, o nosso colega Sr. Dr. Correia Pinto, aqui sempre lembrado, referindo-se às considerações discordantes ou .reticentes que o Sr. Deputado Melo Machado então fez quanto a certas disposições, disse: Não quero responder directamente ao Sr. Melo Machado. Quem lhe vai responder há-de ser o tempo».
Quanto às associações de regantes, o tempo já respondeu ...
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Magalhãis Ramalho: - Sr. Presidente: está correndo os seus termos e em plena fase da sua instrução o processo da política da hidráulica agrícola, que, servindo-me da linguagem processual, é um dos mais importantes incidentes da causa, já agora célebre em todo o mundo, do ressurgimento português. Á ele trago, pois, também o meu depoimento, embora sem valor.
Não apoiados.
Segundo as próprias palavras do ilustre Deputado Sr. Melo Machado, a quem muito me apraz testemunhar neste momento e deste lugar o meu grande apreço, o seu aviso prévio tem como finalidade chamar a atenção do Governo para os defeitos que apõem em crise a actuação do regime legal da hidráulica agrícola, levantando clamorosos protestos dos interessados, & medida que cada obra se vai concluindo».
Têm esses protestos, total ou parcialmente, fundamentos legítimos?
São apenas manifestações, ocasionais e sem carácter de gravidade, daquela resistência, activa ou passiva, que em todos os tempos o misoneísmo opõe a todas as inovações e designadamente às sociais?
Sintomatizam, dada a sua generalização, a organização, mais ou menos artificial e transitória, duma frente única contra a efectivação de algum dos objectivos que a política da hidráulica agrícola se propõe atingir?
Haverá um pouco de tudo isso na etiologia dos protestos?
Eis o que só faz mester averiguar, e um estudo ponderado, por quem de direito, do problema, utilizando todos os meios de inquérito que possam garantir a segurança das conclusões, há-de alcançar, disso estou certo, essa averiguação a que a Assemblea Nacional já está dando a sua cota parte de colaboração.
No avião prévio do Sr. Deputado Melo Machado visam-se defeitos que poderemos chamar essenciais ou orgânicos, isto é, da própria estrutura normativa da lei e dos princípios dominantes que a informam, e defeitos que poderemos denominar funcionais ou fisiológicos, derivados da inexecução ou má execução da lei.
Pertencem à primeira classe os defeitos focados na 1.ª o 5.ª preguntas do aviso; à segunda classe os atingidos pelas 2.ª, 4.ª e 7.ª preguntas.
Os visados pela 3.º e 6." preguntas poderão enquadrar-se na primeira classe, dadas certas circunstancias, ou na segunda classe, na falta dessas circunstâncias.
Vejamos o primeiro defeito essencial ou orgânico apontado pelo Sr. Melo Machado não estar feita com equidade na lei a distribuição das responsabilidades dos proprietários e do Estado -, que, pode dizer-se, é o «eixo» sobre que e em volta do qual se efectua todo o movimento do aviso prévio.
Tem-se insistido em que o custo das obras é demasiadamente elevado, e o facto não é indiferente, porque u taxa de rega é função desse custo.
A Junta Autónoma informa que o custo dos planos e projectos não chega a atingir metade da percentagem legal de 5 por cento, e que a construção das albufeiras - a mais dispendiosa das obras tem em Portugal um custo inferior ao que tem noutros países de condições hidrometeorológicas semelhantes às do nosso.
Isso poderá significar que as obras no nosso Pais são menos caras do que noutros, mas não que não sejam ainda assim caras, porque em toda a parte são de elevado custo.
Mas na posição que tomarei perante o problema da hidráulica agrícola esse aspecto da questão parece-me que exorbita do âmbito do aviso prévio, porque, mais ou menos elevado que seja o custo das obras, o problema que se põe na sua 1.ª pregunta, e portanto há a discutir, é se ó justa a incidência exclusiva ou unilateral dos encargos sobre os proprietários, pois é esse o principio estabelecido na base vi da lei n.º 1:949, è essa questão ficará sempre do pé, quer a obra seja cara ou barata, embora no primeiro caso revista uma maior acuidade.
Não é, pois, fundamental esse aspecto do problema; por isso, e porque é uma questão essencialmente de ordem técnica, não o discutirei.
Paru responder a 1.ª pregunta precisarei de enunciar os objectivos da hidráulica agrícola, embora essa enunciação seja já um lugar comum, uma vulgaridade já cansada, para estabelecer as premissas dos conclusões a que desejo chegar.
Abstraindo agora do aspecto militar, os aspectos preponderantes da hidráulica agrícola, no que concordam todos os escritores da especialidade - nacionais e estrangeiros -, com a consagração legislativa de todos os países que procuram dar solução ao problema, são: o aspecto agronómico, pelo aumento e aperfeiçoamento da produção e facilidades do seu escoamento, pela sua adaptação às necessidades nacionais e aos mercados, sem se cair na superprodução; o aspecto agrário, pela melhor divisão dá propriedade, alcançada por meio do emparcelamento, sem degenerar contudo no regime latifundiário, com os inconvenientes da cultura excessivamente extensiva, ou pelo seu parcelamento, com as vantagens da cultura intensiva, sem cair nos inconvenientes do regime minimifundiário; o aspecto demográfico e social, pelo aumento da população, saa fixação rural, colonização interna, terá benéfica influência no absentismo e urbanismo, deminuição do desemprego, aumento de salários e do poder de compra, melhoria do padrão de vida, de condições materiais e morais, e finalmente o aspecto financeiro, pelo aumento das contribuições, predial, sisa e imposto sobre sucessões e doações, contri-

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buição industrial, derivado de novas actividades industriais ou comerciais ou do desenvolvimento das já existentes, etc.
Aspectos que constituem, em síntese, o chamado objectivo económico-social da hidráulica agrícola, e que tornam esta um útil instrumento de estabilidade social.
E não são outros os objectivos da hidráulica agrícola no nosso País.
Di-lo a lei n.º 1:049 na sua base I e, expressis verbis, o declarou o relatório que a precede e o da lei n.º 1:914, de reconstituição económica, quando afirmam que o seu objectivo económico-social e o que sobreleva.
O direito de propriedade é ainda uma instituição de direito natural, uma das certezas ou constantes da nossa vida. jurídica e social, na doutrina e na Lei, mas esse direito e o interesse individual, que é o seu fundamento, não são ilimitados, arbitrários e intangíveis, como na concepção romanista. Tem um limite -a sua legitimidade, e esta legitimidade uma condição não que nem - a sua subordinação ao bem da comunidade, ao interesse da organização social em que o indivíduo se integra, porque sem esta não é mais do que um zero.
Dal a função social da propriedade e o direito e o dever de o Estado suprir, pela sua intervenção directa, a incapacidade dêsse factor da produção, quando reclamada pelas deficiências das suas iniciativas e das suas aptidões sociais.
Subordinação do interesso individual e do direito de propriedade ao interesse colectivo é o que está no programa doutrinário dos novos conceitos sociológicos e na Constituição; mas o que lá não está, e ó cousa inteiramente diferente, é a sua negação, a sua eliminação, o seu aniquilamento, a sua anulação.
Na base da política da hidráulica agrícola não pode, pois, o Estado seguramente deixar de ver, sem cerrai-os olhos a luz e inflectir as próprias directrizes doutrinárias e fundamentais da sua acção, o proprietário, a sua personalidade, o complexo Sés seus direitos, o seu interesse económico-social, porque toda a organização social não pode abstrair, de que o seu fim não é, em última analiso, outro senão o maior bem-estar material ë moral dos seus membros e elementos integrantes.
Estes os princípios e as novas concepções dominantes no mundo actual e o quadro dentro do qual tem de mover-se o Estado.
Já aqui se disse, e é bem sabido, que desde longa data o problema da hidráulica agrícola vinha sendo posto em equação por todos os nossos economistas, sem que os seus trabalhos tivessem contudo projecção em medidas legislativas.
A única tentativa séria, e de ordem legislativa sobro política de hidráulica agrícola marcou-a o decreto n.º 5:787, de 10 de Maio de 1919; mós essa abortou.
Aqui, como em toda a parte, a hidráulica agrícola não atraía os capitais e as iniciativas particulares, que se canalizam de preferencia para aplicações de maior rendimento e de resultados menos lentos do que a agricultura e, por outro lado, as empresas colectivas que noutros países se organizaram para a execução e exploração dos grandes melhoramentos hidroagrícolas faliram ruidosamente.
A experiência estranha não podia, pois, animar desejos de ser tentada em Portugal, e não o foi de facto.
A intervenção directa do Estado na resolução do problema da hidráulica agrícola, chamando a si & pesada e dispendiosa empresa da preparação o realização dos melhoramentos hidroagrícolas, impunha-se, pois, e continua a impor-se como imperativa e insofismável necessidade económico-social, sob pena de faltar IV sua missão tutelar o propulsora dos superiores interesses nacionais e do bem comum, que proscreveu do campo sociológico o velho conceito individualista e policial do Estado gendarme mero mantenedor da ordem, inerte e passivo perante as actividades ou inactividades particulares.
Nesse terreno estamos todos de acordo: o prosseguimento da política da hidráulica agrícola ó um imperativo doutrinário da Revolução Nacional.
Mas dal não há o direito do concluir, como concluem alguns, que devem pesar somente sobro o Estado todos os encargos dos melhoramentos hidroagrícolas, porque, além do beneficio económico-social que deles dimana para a colectividade, há que ter em vista o lucro patrimonial, o beneficio individual que directamente trazem ou devem trazer para os proprietários.
Não têm, porém, mais razão os que pretendem sustentar que os encargos das obras devem incidir só e unilateralmente sobre os proprietários, porque, a par e através do beneficio económico ou patrimonial por files recebido directamente, se realizou também o benefício económico--social que das obras resultou para a Nação, e que é o seu objectivo preponderante; e perde-se de vista que as obras hidroagrícolas ficam e bem não no domínio dos proprietários, mas sim no domínio público, e quo dos melhoramentos hidroagrícolas advém lucros fiscais para o Estado, não inferiores, mas antes muito superiores aos recebidos pelos proprietários, e que dão larga margem para a repartição dos encargos.
A justiça relativa, distributiva e social e ato um critério abstracto de justiça absoluta exigem, pois, que os encargos das obras não onerem só e unilateralmente os proprietários, do mesmo modo que não são só para eles os benefícios pagos por esses encargos.
Apoiados.
Chega-se a esta conclusão com o maior rigor silogístico. O silogismo põe-se assim em termos que me parecem irrefutáveis. O Estado expressão jurídica da Nação organizada não pode, por definição, deixar de contribuir paru as despesas das obras e serviços de acentuado interesse económico-social para a Nação (premissa maior); ora os melhoramentos ou obras da hidráulica agrícola não de predominante e acentuado interesse económico-social para a Nação (premissa menor); logo (conclusão) o Estado não pode deixar de comparticipar nos encargos das obras da hidráulica agrícola.
Apoiados.
Aqui, como em muitos outras cousas, a melhor solução, ou, como se diz nas matemáticas, a solução elegante, terá de ser, pois, eclética - in médium, consistit virtus; quere dizer: os encargos devem incidir bilateralmente sôbre os regantes e o Estado.
Apoiados.
E, de resto, este o princípio estabelecido na quási totalidade das legislações estrangeiras, e o critério perfilhado pela Junta Autónoma, como honesta e lealmente declara nos seus esclarecimentos.
Tenho aqui ouvido com insistência, e é verdade, que na mecânica da lei o instituto da mais valia tutela eficazmente os proprietários, pondo-os sempre ao abrigo e de prejuízos, porque nunca os encargos podem, igualá-la ou excedê-la, e se o excedermos esse excesso será automaticamente perdido pelo Estado, que o pagou e não é dele reembolsado. E, concluem, não há pois, necessidade de se modificar o princípio legal do pagamento dos encargos unicamente pelos proprietários.
Não há dúvida de que a taxa de beneficiação não pode igualar nem exceder ú mais valia, porque assim o determinaram a base vi da lei n.º 1:949 e o artigo 55.º do decreto n.º 28:652.
E parece também não poder havê-la quanto no aumento de contribuição e a própria taxa de conservação, que sito também abrangidas por essas disposições, e tanto que a Junta Autónoma as toma em consideração para » cálculo da mais valia, como se verifica pela fórmula

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que adopta para a determinação desta, pratica que, de resto, é harmónica com o decreto-lei n.º 28:290, de 21 de Dezembro de 1937, que manda aplicar a base VI da lei n.º 1:949 às despesas de conservação pagas pela Junta Autónoma.
Mas a conclusão que se pretende tirar do princípio da base vi da lei n.º 1:949 e artigo 55.º do decreto n.º 28:652 quanto à desnecessidade da modificação do* princípio da incidência de todos os encargos somente sobre os proprietários é que me parece não ser legítima, e isto por duas razões: 1.ª, porque a comparticipação do Estado nos encargos, tal como a defendo, é um princípio de aplicação geral e permanente, derivado, por um critério racional, de justiça e até de sã moral, do facto de os melhoramentos hidroagrícolas terem também como objectivo e objectivo predominante o interesse económico-social, e esse objectivo subsiste sempre em qualquer caso, mesmo naquele em que os proprietários não tenham prejuízo com o pagamento dos encargos; 2.a, porque o que a lei proíbe e impede é que os encargos igualem ou excedam a locais valia, mas não proíbo nem impede que eles sejam tais que, com a minúscula diferença de alguns escudos, a absorvam, e, nesse caso, já que fica reduzido o benefício económico da obra para os proprietários? Quási a zero, porque ficam só com o rendimento que a terra lhes dava antes da obra, e os resultados desta constituem então somente o benefício económico-social para a colectividade.
Mas, então, presunto: se o proprietário não foi prejudicado, mas também não foi beneficiado tam infinitamente, pequena foi a diferença entre os encargos e a mais valia, o que é que justifica que ele pague ao Estado todo o custo das obras e ainda o aumento das contribuições? Se o Estado nada gastou em proveito do proprietário, com que direito é que lhe há-de exigir o custo da obra? j Se o proprietário depois da obra ficou na situação económica que já tinha antes dela, o que é que legitima a obrigação de pagar um benefício que não teve?
Nesse caso o reembolso do Estado não será o pagamento de uma dívida, roas uma pura doação; e se não pode negar-se-lhe o direito de exigir que lhe seja pago o que lhe for devido, nada autoriza a conferir-lhe o de exigir que o proprietário lhe faça essa doação.
Apoiados.
Vejamos agora, Sr. Presidente, o segundo defeito orgânico da lei:
Em tese, a todo o aumento patrimonial ou de riqueza corresponde aumento de rendimento colectável e, portanto, a ente, logicamente, um aumento de contribuição.
Mas precisamente deste postulado fincai deriva necessariamente como corolário que o aumento de contribuição só deverá verificar-se quando se verificar também o aumento de rendimento colectável, emquanto este último aumento não se verificar, não há matéria nova colectável, não ha base fiscal para u aumento do imposto.
Ora, se é certo que a horticultura ou as culturas arvenses, por exemplo, podem produzir aumento de rendimento logo no primeiro ano de exploração, outras há, como, por exemplo, a pomicultura, que demandam prazos mais ou menos longos para produzirem aquele aumento, não se justificando portanto que os proprietários, no segundo caso, passem a pagar o aumento da contribuição logo após a entrada dos terrenos em regadio, como exige a lei.
Trata-se, pois, nessa exigência, de um defeito orgânico da lei.
Passemos agora aos defeitos que chamei funcionou ou de execução da lei, do seu modus faciendi.
Haverá [pouco cuidado na execução cios orçamentos, visto que são sempre largamente excedidos? É a 2.ª pregunta do aviso prévio.
Por maior que seja a competência e previdência dos técnicos e o cuidado com que fazem as estimativas das obras que projectam, por muito que eles pontifiquem nas suas especialidades, não têm contudo o dom da infalibilidade, que é privilégio de outros pontífices, e sempre ou quási sempre os orçamentos de qualquer obra são excedidos na nua execução, por inevitáveis erros de previsões, por superveniente necessidade ou conveniência de modificações ou alimentos, etc.
A ultrapassagem dos cálculos orçamentais não é, pois, um facto especifico dos orçamentos de obras hidroagrícolas, pelo qual possa inteiramente responsabilizar-se sem injustiça a incompetência ou incúria dos técnicos, mas um facto comum ou geral nos orçamentos de todas as obras.
Há, porém, ainda nos orçamentos a que se refere o aviso prévio circunstâncias especiais muito para ponderar.
Quando foi criada a Junta Autónoma, em 1930, não havia ainda no País, pode dizer-se, postos hidrométricos faiara medição das quedas das chuvas, para medições dos caudais e coeficientes de escoamento, cadastros, inventários de terras irrigáveis, cartas apropriadas, reconhecimentos de locais para albufeiras, experiências e estudos apreciáveis, numa palavra, quási nada sobre que os técnicos pudessem trabalhar. E quando faltam esses dados fundamentais e certos, obtidos por informações e trabalhos morosos e de confiança, recorre a engenharia a previsões ultra prudentes baseadas em números baixas, que têm inconvenientes graves para a elaboração dos projectos e sua execução - são autorizados engenheiros que o afirmam.
E, pôsto que a Junta Autónoma fosse depois suprindo gradualmente essas lacunas, deviam ser ainda deficientes os materiais, estudos e quadros burocráticos quando teve de elaborar os seus planos.
Não dispunha a Junta de uma equipe ou elite numerosa de técnicos e por isso o decreto-lei n.º 22:786, de 29 de Junho de 1933, autorizou o Ministério das Obras Públicas a mandar, como mandou, missões d« técnicos da Junta Autónoma ao estrangeiro.
E não há no que deixo dito sombra de desprimor para os quadros burocráticos, cujo presidente sei que tem, pessoalmente, uma distinção natural «m nada inferior à sua alta distinção de ilustre professor « engenheiro, porque os 'especialistas, seja do que for, não se improvisam, não nascem por geração espontânea, não «urgem, feitos inopinadamente, de um jacto, como, se a minha memória não me trai, Marte surgiu, já armado com todas as insígnias bélicas, de um dos membros inferiores de Júpiter. Por outro lado, os serviços públicos da hidráulica agrícola só vieram a ter uma mais perfeita e a sua definitiva organização pelo decreto n.º 25:049, de 16 de Janeiro de 1935, completado mais tarde pela lei n.º 1:949, de 15 de Fevereiro de 1937, o pelo decreto n.º 28:652, de 16 de Maio de 1938.
Veria, pois, perfeita explicação, por todas essas razões, que os orçamentos das obras projectadas pela Junta Autónoma nesse período de transição viessem a carece de correcções ou modificações ulteriores, se é que delas careceram por esse motivo. Foi o que se deu com os primeiros melhoramentos hidroagrícolas em todos os países que os têm realizado. Mas, quanto aos orçamentos de que se trata, circunstâncias especiais se deram que devem ter sido a principal causa das modificações. É que só depois de elaborado pela Junta Autónoma foi mandado organizar o cadastro, de grande dispêndio, pelo decreto n.º 28:652; foram feitas expropriações ao» proprietários, que receberam, sem protesto,

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aliás, as indemnizações respectiva», sabendo contudo que «Ias avolumariam o reembolso do custo das obras ao Estado, e foram efectuadas várias obras pedidas pelos próprios proprietários, como tudo a Junta Autónoma explica com números nos seus esclarecimentos. Êsses senões não têm evidentemente carácter de permanência, são ou foram de carácter transitório, como aã suas causas.
O segundo e terceiro defeitos funcionais podem agrupar-se pela sua estrita conexão e são visados pela 4.ª e 5.ª preguntas do aviso: não haverá optimismo nos estudos económicos e ter-se-á respeitado integralmente o artigo 65.º do decreto n.º 28:652 (mais valia.)?
Perante a técnica e os processos de trabalho estabelecidos na lei para o sector da Junta que tem a seu cargo os estudos económicos, parece que o abstracto ou em tese a resposta à 1.ª pregunta deverá ser negativa e à 2.º afirmativa. Com efeito, por um lado a Junta informa que tem adoptado s prudente precaução de basear os seus cálculos de produção e rendimentos em coeficientes de valorização mais baixos do que os adoptados nos países em que a hidráulica agrícola é uma realidade; e, por outro lado, a lei estabelece, em disposições pormenorizadas, para esses cálculos bases múltiplas e o menos precárias possível classificação agrológica das terras segundo os critérios preconizados pela ciência, avaliação da produção pela quantidade, qualidade, preços dos géneros, possibilidade da sua colocação nos mercados, distancias destes, facilidades e custos dos transportes e, finalmente, informações pessoais e documentais colhidas in loco dos próprios regantes.
E não pode negar-se que os elementos fornecidos pelos próprios regantes ou beneficiários, se podem pecar, não será por excesso, mas sim por defeito ou por erros involuntários derivados de uma escrita de administração incompleta e irregularmente feita ou arrumada, que é a regra na média e pequena propriedade, e até, por vezes, da completa falta de escrita, ou por intencionais e cautelosas reservas resultantes de uma espécie de deformidade profissional determinada pelo interesse particular, e que é uma tendência quási geral e irreprimível dos produtores noa manifestos quantitativos e qualitativos das suas produções e dos seus rendimentos, quando lhes são oficialmente exigidos, o que de resto não poderá dizer-se que não seja humano. Poderá haver, e há por certo, quem, sendo dotado de uma formação psíquica de requintada eleição ou de uma ultraparadisíaca inocência, fuja ou resista a essa tendência, mas a asses se poderão aplicar as palavras do poeta latino - aparent rari montes in gurgite vasto.
E a fórmula adoptada pela Junta Autónoma, como esclarece, para o cálculo da mais valia pode dizer-se o mais perfeita possível, incluindo a1 taxa de conservação e o aumento da contribuição.
A adopção dessa fórmula e das indicadas bases oferece, não há negá-lo, grande garantia, da segurança dos cálculos económicos da Junta Autónoma.
Mas se, apesar disso, ainda houve erro, a lei dá-nos proprietários o direito a quatro sucessivas reclamações, que, indubitavelmente, fortalecem aquela garantia. E da eficácia dela é prova o facto de terem sido atendidas pela Junta Autónoma, em Maio de 1941, quatro das cinco reclamações sobre a mais valia ç taxa de rega, porque as outras que foram dirigidas à Presidência do Conselho respeitam à taxa de conservação dos anos de 1939 e 1940 e só terão oportunidade quando for posto em reclamação cadastro respectivo.
São inegavelmente necessário» todas essas garantias; mas serão suficientes? Se com elas não é fácil a subsistência, dos erros contra que se reclamou, ela não é todavia impossível por virtude de a apreciação e julgamento das reclamações, nas suas três primeiras fases, serem da competência da própria Junta, que, por hipótese, os haja cometido, e por a quarta reclamação, que é para o Ministro das Finanças, só poder fazer-se de cinco em cinco anos. Nesta parte o defeito da lei é orgânico.
Vejamos agora os possíveis defeitos da terceira classe, quo são os apontados nas 3.ª e 6.º preguntas do aviso: Será compreensível que a taxa de conservação iguale ou exceda a de rega? Estará demonstrada a possibilidade de, com os encargos exigidos aos proprietários, se realizar colonização interna por meio dos casais agrícolas nos casos em que pela lei o Estado queira e haja de fazê-la?
A taxa de rega é fixa e paga em cinquenta anos e a de conservação é variável e representada pelo cociente da divisão da despesa das obras de conservação, feita em coda ano, pelo número de hectares por elas beneficiados, de modo que pode haver anos em que seja mais baixa do que a de rega, e até nula ou quási nula, mas é perfeitamente compreensível e justificável que em algum ou alguns anos a necessidade de obras de conservação ou reparações extraordinárias de maior envergadura e custo eleve a respectiva taxa acima da anuidade da taxa de rega, o que é legal e racional, porque a taxa de conservação não tem com a de rega qualquer relação de dependência ou. subordinação a esta.
Mas no coso em discussão há circunstancias muito especiais que explicam satisfatoriamente a elevação da taxa de conservação.
Ela respeita aos dois primeiros anos de exploração hidroagrícola (1939 e 1940), em que, pela própria natureza das obras, aqui como em toda a parte, a necessidade da sua consolidação, mais dispendiosa nesse período, mais avoluma o seu custo. E, por outro lado, a conservação nesse período teve de ser feita pela Junta Autónoma, por não estarem ainda organizadas as associações de regantes, o que' aumenta sensivelmente todas as verbas da respectiva despesa. Bosta frisar que na verba global de 3:038 contos em que importou a conservação das obras naquele período pesa em mais de um quinto, ou 20 por cento, a despesa de 567 contos relativa a administração e fiscalização (vencimentos e ajudas de custo), quê será eliminada ou grandemente reduzida logo que estejam organizadas as associações, a que a lei entrega a conservação das obras e confia a intervenção directa na elaboração dos respectivos projectos.
Trata-se, pois, e pelo menos em grande parte, de um defeito funcional ou de inexecução da lei, que é também transitório.
Mas as razões que justificam a comparticipação do Estado nu custo inicial da execução das obras aconselham e justificam, em tese, também e por igual essa comparticipação na despesa das obras de conservação? Quem defender esse ponto de vista terá de considerar, pois, também como um defeito orgânico da lei o princípio da obrigação de os proprietários pagarem por inteiro a taxa de conservação.
Quanto n 6.º pregunta relativa à colonização interna -, não pode ainda dar-se-lhe resposta, por falta de suficientes dados experimentais, podendo apenas tomar-se ante esse problema - acrescenta a Junta Autónoma uma posição de benévola expectativa em face das experiências de outros países. E poderíamos citar a esse respeito o exemplo dos Estados. Unidos da América.
Mas uma questão me parece poder pôr-se desde já se os encargos que oneram os proprietários, por demasiado pesados, os levarem a não fazer ou a abandonar a exploração, parece lógico concluir que o resultado será b mésirio para os beneficiários dos casais agrícolas. E as medidas do artigo 62.º do decreto n.º 28:652 para

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o primeiro caso entrega das terras às associações de regantes ou ao próprio Estado - não resolveriam o problema da colonização interna por meio dos casais agrícolas. Esse defeito é orgânico em parte, porque derivará do princípio da injusta distribuição dos encargos, mas será também de execução na parte em que resulte de erros de fixação desses encargos, se os houve.
Finda aqui, Sr. Presidente, a parte crítica da minha exposição, «m que apreciei os defeitos do regime legal de hidráulica agrícola. Passo agora à sua parte orgânica.
Conhecidos os males ou defeitos do regime legal da hidráulica, ou leito o seu diagnóstico, há que instituir-se, como na medicina, a terapêutica para os curar ou melhorar.
Quanto aos encargos, defendo, como já expus, o princípio da sua distribuição bilateral pelo» proprietários e pelo Estado.
Mas até onde deve ir a comparticipação do Estado nos encargos e qual o modus faciendi?
A Junta fixa o limite de 10 por cento da mais valia à redução da taxa de rega; não será ficar demasiado perto? A Câmara Corporativa, no seu tom douto parecer sobre a proposta de lei n." 1:949, fixava-lhe o de 30 por cento. Na Itália e nos últimos aproveitamentos hidroagrícolas de Espanha, como já aqui foi dito, vai de 50 por cento e mais, além de outras facilidades concedidas aos proprietários não será ir longe de mais?
Será preferível a comparticipação do Estado efectivar-se, como estabelecem algumas legislações estrangeiros, excluindo do reembolso do Estado o custo dos estudos e planos preparatórios das obras, ou de certas obras dos melhoramentos hidroagrícolas?
Não é isso o que nos interessa discutir no momento. Essas questões «ao já de pormenor, de modalidades da execução do princípio da distribuição bilateral dos encargos, e o que importa é a fixação deste princípio dentro do próprio quadro em que o aviso se movimenta.
Só o Governo, conhecedor das possibilidades do Estado e das realidades da política da hidráulica agrícola, deverá ser juiz nessas questões e determinar em quo termos deve ficar na sua mão essa manivela de comando.
Apoiados.
Julgo, em segundo lugar, urgente e indispensável & organização das associações de remontes pelo seu importantíssimo papel no êxito da política da hidráulica agrícola, como mostra o elenco das suas muitas atribuições, feito minuciosamente no artigo 6.º do decreto n.º 28:653, e entre as quais se destaca a sua intervenção directa na determinação e registo da produção e dos seus rendimentos, na fixação e lançamento da taxa de conservação, nu organização e execução dos planos desta e da exploração, distribuição e horários de água e processos de cultura, iniciativa de campos experimentais, etc.
A sua organização pode ser um factor decisivo na justiça da actuação da Junta Autónoma, na posição esta perante os proprietário e na defesa dos interesses destes.
Em seguida, Sr. Presidente, para fortalecimento da confiança plena e isenta de quaisquer apreensões nos resultados dos estudos económicos, e por uma questão de princípios e técnica jurídica do instituto do recurso, parece que deverá dar-se nos interessados o direito de o interpor das decisões da Junta Autónoma sobre as suas reclamações para outra entidade ou instância idónea, ou, pelo menos (e talvez isso seja preferível, por menos perturbador dos serviços da hidráulica agrícola), determinar-se que a instrução das reclamações possa fazer-se também com os resultados de vistorias realizadas por peritos que não sejam nomeados pela Junta Autónoma ou só por ela, como ela sugere.
Finalmente, justo e conveniente se me afigura também que se conceda aos proprietários uni prazo razoável, após a entrada dos terrenos em regadio, paru começarem a pagar o aumento da contribuição predial, embora nesse ponto não se vá tam longe como em certos países, que chegam a alargar esse prazo até ao limite de vinte anos, e que a taxa de conservação se sujeite ao mesmo regime, se continuar toda a cargo dos proprietários.
Em tese seria defensável o princípio de o aumento da contribuição só começar a pagar-se a partir da época em que se verificasse o aumento de rendimento colectável que o justifica, relativamente a cada cultura, mas a sua execução ofereceria grandes e até invencíveis dificuldades e inconvenientes práticos, pelo que é preferível o estabelecimento de um prazo certo.
Com essas modificações parece-me que serão limadas as arestas mais vivas do regime legal da nossa hidráulica agrícola e da sua execução, na parte em que é defeituosa, e se evitarão as decepções e os fracassos que têm assinalado os suas primeiras experiências noutros países.
E necessário é que assim seja, porque o exemplo é o melhor apóstolo do êxito ou do insucesso das doutrinas ou instituições exemplificadas, e que se evitem, quanto possível, as queixas e reclamações justificadas.
O clamor e a extensão que têm assinalado essas queixas e reclamações, o antipodismo das alegações da Junta Autónoma e dos proprietários sobre pontos fundamentais, o fôsso intransponível que separa factos, afirmações, ilações e resultados trazidos dos dois lados ao processo em curso têm impressionado muitos espíritos. Confesso que não são essas circunstâncias que mais impressionam o meu.
Quem por dever profissional estiver em contacto com litígios de vária espécie, designadamente de carácter patrimonial, e ainda mais particularmente de carácter fiscal, está habituado a observar que, frequentemente, são equidistantes da exactidão as alegações de ambas as partes e sabe que, por uma lei psicológica de quási constante aplicação, o litigante que tem de receber procura exagerar aquilo a que se julga com direito, ao inverso do que tem de pagar, que emprega todos os esforços para reduzir ao mínimo a sua obrigação.
E certo é também que o clamor e a generalização dos protestos contra inovações nem sempre dão a medida da sua justiça, e não são, por vezes, mais do que táctica e armas de combate a que se recorre parada formação, mais ou menos artificial, de um falso ambiente favorável ao triunfo de causas precisamente pouco justas.
Mas não infalibilizemos os serviços públicos ou os seus agentes, nem dogmatizemos as suas afirmações, como também não podemos acolher sem prudentes reservas as dos reclamantes.
Não posso, porém, perder de vista que, das cinco reclamações já decididas, quatro foram atendidas, o que, se por um lado marca a isenção da Junta Autónoma e a eficácia das garantias de defesa que a lei dá aos proprietários, por outro deve ter-se como prova da realidade dos erros que originaram essas reclamações e da justiça destas; e essa realidade e alguns números legitimam a presunção da possibilidade da justiça, pelo menos em parte, das reclamações ainda não julgadas e da existência dos erros que lhes servem de fundamento.
Mas a experiência da nossa hidráulica agrícola é curta; está ainda distante da sua fase de maturação e não deu ainda todas as provas. E, segundo aquela impecável fórmula do Sr. Presidente do Conselho, que encerra todo um. programa sábio, honesto e prudente de processos de administração pública - estudar na dúvida e realizar na certeza -, não é tarde ainda para tomar posições definitivas.
E, porque nunca o Governo deixou de honrar escrupulosamente o largo o justificado crédito de esperanças e de fé que lhe foi aberto pelo País, durei o meu voto

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a qualquer moção em que a Assemblea exprima a sua confiança na acção do' Governo pelo que respeita à ponderada revisão da sua política de hidráulica agrícola, fazendo-o árbitro da necessidade ou conveniência e oportunidade do reajustamento das soluções desse magno e transcendente problema nacional.
Terminei, Sr: Presidente, o meu depoimento e, tendo-o feito, julgo ter servido os superiores interesses da Nação e cumprido o meu dever de seu representante, embora o mais desautorizado de todos.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: noutro dia, ao findar o meu aviso prévio, instado pelo Sr. Presidente, fi-lo com relativa precipitação, e resultou que. eu não disse à Assemblea quais eram, na os meus pontos de vista sobre a questão. Felizmente que eu os tinha exposto na sessão de estudo, porquê, senão, V. Ex.ª diriam que eu estava aqui, agora, afinal, a repetir o que já disseram, nesta tribuna, os oradores antecedentes.
De facto, o que eu preconizava era que o Estado tomasse pára si uma cota parte das despesas que, estou convencido, lhe pertencera por direito e dever, que fossem ouvidos os proprietários na apreciação dos estudos económicos, que se criasse unia instancia de recurso para decidir dos conflitos entre a Junta e os proprietários e, finalmente, que se arranjasse um período transitório em que se não exigíssemos aumentos tributários.
Como V. Ex.ªs vêem, não faço mais do que repetir as palavras do meu ilustre colega Sr. Magalhãis Ramalho, o qual acaba de dissertar brilhantemente sobre o assunto, mas eram estas as proposições que tinha tenção de apresentar, se não fôsse, repito, a precipitação com que terminei o meu aviso prévio.
Quando peço que o Estado tome sobre si unia cota parte das despesas, não digo nada de novo, pois já aqui se disse como a Espanha procede, pagando o Estado metade das despesas e emprestando a outra metade aos proprietários por um prazo de vinte e cinco anos, a um juro deveras deminuto. Também já aqui se afirmou que a Itália paga as obras principais, e informo V. Ex.ªs de que nos Estados Unidos as Obras de hidráulica agrícola são financiadas por meio de emissões de obrigações por cuja amortização e juros respondem as respectivas obras.
Os Estados, auxiliam por diversas, formas; alguns tomam as obrigações como fundos do Estado; de entre estes Washington e Oregon perderam muito dinheiro com estas inversões. Na Grécia, que tem um regime absolutamente semelhante ao nosso, o Governo está autorizado a tomar sobre si 50 por cento das despesas.
Não tenho, praticamente, necessidade de rebater quaisquer argumentos quer se tivessem produzido aqui nesta tribuna contra a minha argumentação, porque afinal quási todos os oradores estiveram de acordo com os meus pontos de vista, com pequeninas diferenças que não importam pura o resultado geral.
Diz-se que a lei está bem, mas, em todo caso, cada um de nós vai apontando um ponto ou outro em que ela deve ser modificada. Não admira, porque não era fácil que a lei tivesse saído perfeita de um jacto, e é natural que, à medida que a prática as vá justificando, se vão introduzindo aquelas modificações que se julgarem indispensáveis.
A execução não tem sido perfeita, disse-se aqui. E parece que não, de facto porque, pelo menos na questão das mais valias, não se respeita uma cousa que me parece elementar: que há terras que já eram irrigadas.
Podem as terras ter mais água, um melhor sistema de enxugo, e então compreendia-se que elas pagassem uma. percentagem relativa ao custo das obras; mas já não se compreende que aquelas terras que já eram irrigadas paguem o mesmo que as que ò não eram.
De resto, todas as afirmações, que tom aqui sido feitas, de que a lei não tem sido integralmente cumprida justificam absoluta e completamente o meu aviso prévio.
Esse aviso prévio era absolutamente indispensável para esclarecer esta situação, que, quanto a mim, era delicada e podia ser absolutamente prejudicial.
Mas tanta razão eu tinha nos meus pontos de vista que até a própria Junta de Hidráulica Agrícola, neste documento que nos enviou, traz projectos de modificação da lei, que são, afinal de contas, a concordância com grande número dos meus pontos de vista.
Não acho que este documento fosse feliz nem elegante.
Diz-se aqui, e já alguns oradores o disseram também, para desfazei- a impressão causada pela minha afirmação de que entre o custo dos projectos e o custo da obra havia uma grande diferença, diz-se que, tomando os números do plano que foi apresentado à Câmara Corporativa, essa diferença já não era tom chocante.
Devo dizer que não vim aqui atacar pessoas.
O processo destas obras da Junta de Hidráulica Agrícola começa com o parecer do Conselho Superior de Obras Públicas, parecer sem o qual nenhuma destas obras sei podia ter executado.
Ora este documento ignora completamente o Conselho Superior de Obras Públicas e eu, ao estudar êste assunto, tinha de começar pelo princípio.
O principio dêste processo são os estudos e os orçamentos presentes ao Conselho Superior de Obras Públicas e foi por eles que os proprietários formaram o seu juízo, e eu, ao estudar êste assunto, tinha de toma-lo pelo principio e não pelo meio.
Faz-se aqui a afirmação, no mapa n.º 1, que hoje nós trabalhamos na construção de albufeiras mais barato que ninguém, mas eu penso que, tendo ainda apenas começado, era preferível, com mais modéstia esperar que os factos justificassem a afirmação.
A p. 5 deste mesmo documento afirma-se que os resultados das obras de hidráulica agrícola são sempre lentos, o que está relacionado com o meu ponto de vista.
Não é pois possível que aos proprietários se exija o pagamento imediato de todos os encargos, sem excluir, mesmo o dos aumentos tributários.
Uma das cousas que mais me impressionaram foi a diversidade dos números. Tenho em meu poder as plaguettes que foram publicadas em 1940. Os números que vêm na resposta que nos foi enviada referem-se a 1941. E encontro uma cousa estranha, que é, por exemplo, haver obras cujos números são rigorosamente iguais em ambos os documentos, diferindo, todavia, nos resultados.

O Sr. Presidente: - As plaquettes têm carácter oficial?

O Orador: - É tudo quanto há dê mais oficial, pois são da Junta dê Hidráulica Agrícola.
Na obra dá Burgãis, por exemplo, os números que se referem ao valor da produção, rendimento líquido e contribuições antas da realização da obra são precisamente os mesmos na plaguette e na resposta que nós foi enviada, mas o lucro da exploração, que era de 122.175$, é agora de 130.320$. Porquê ? Parece que, sendo ais premissas as mesmas, a conclusão devia ser idêntica. Nos números que se referem A obra concluída encontramos as seguintes divergências: os hectares beneficiados, que eram 181, diz-se agora que são 168,4. Sendo inferior ro numero de hectares e mantendo-se o custo da obra, parecia que a taxa de rega devia aumentar. Pois sucedeu

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4 DE FEVEREIRO DE 1942 165

que baixou de 1.036$44 por hectare para 930$07. Porquê? As contribuições, que eram calculadas em 1940 em 155.600$, passam para 90.391,574. Na obra da Cela as contribuições, que eram de 120.771$44, passam agora para 30.199£87. Um terço da quantia anterior. Apesar disto o aumento do lucro presumível é de 1480 por hectare.
Em Loures, vê-se a p. 30, a área beneficiada era de 700 hectares e passou para 736,5, isto é, houve um aumento de 5 por cento. Todavia, para o mesmo custo da obra a taxa de rega, que era de 301.644$, passa para 257.707698. As contribuições passam de 116.4806 para 20.748S40!
Apesar de tudo isto, tendo-se mantido a produção prevista, 1.456.0005, o aumento do lucro líquido baixa de 65.156$ para 36.593£62, ou sejam 49468 por hectare.
E pregunto a V. Ex.ª o que representa este lucro de 48(868, se isto é tangível, depois de eu ter demonstrado a V. Ex.ªs haver um êrro de contas sobre o valor dos produtos hortícolas, erro de contas que os proprietários de Loures estão dispostos a confirmar de qualquer maneira e até no tribunal, se for preciso e se se pretender que as suas afirmações não são verdadeiras. Pregunto se não basta que haja uma pequena dificuldade de cultura ou um prejuízo um pouco mais sensível e imprevisto para que este lucro de 48368 desapareça imediatamente, sem deixar ao proprietário nenhuma espécie de defesa.
Não admira que os proprietários reclamem.
E aproveito o ensejo para lavrar o meu protesto por se ter mandado a esta Assemblea um documento público e oficial contendo afirmações que ofendem o brio profissional de um proprietário reclamante.
Não me parece que fôsse o momento nem o sitio adequados para manifestações deste género.
Com toda esta trapalhada de números não é possível saber-se onde está aquele mínimo de ignorância e o máximo de boa fé a que se refere o mesmo documento que nos foi enviado.
A p. 5, e referindo-se ao paul de Magos, pretende-se demonstrar que mesmo o proprietário absentista, de quem se falou com notável desprezo, teve vantagens depois da conclusão das obras.
E então faz-se aqui uma conta, em que se reconhece que pelos 234 hectares já regados cedidos à Companhia das Lezírias recebia esta uma renda de 520$, atribuindo-se aos restantes, como afirma a Companhia das Lezírias, o valor de 400$ pela renda. O valor de 520$ não sei como se encontra, quando a Companhia das Lezírias declara que o valor das rendas das terras de arroz era o dobro do valor das terras restantes. Mas eu aceito isto como bom, embora não o saiba explicar.
Mais adiante, para se justificar uma diferença de 32$ entre o que diz a Hidráulica Agrícola que rendem essas terras e o que diz a Companhia das Lezírias que as mesmas rendiam, faz-se a seguinte conta: diz-se que a Companhia das Lezírias cobra agora 1.400$ de renda, pagando a taxa de rega. 749$37, e a contribuição de 218$55.
Simplesmente estes 218$55 não são a expressão da verdade, porque representam apenas a divisão do cômputo geral das contribuições para todos os hectares; como porém a Companhia das Lezírias tem os seus terrenos classificados de 1.ª classe, a contribuição não é de 218,§55, mas sim de 279$95.
E tanto a Hidráulica Agrícola sabe que isto ó assim que, a p. 16 do documento, aparece-nos este número de 279,5195.
Estava absolutamente longe do meu intuito a idea de prejudicar fôsse no que fôsse o prosseguimento das obras do hidráulica agrícola. Pelo contrário, o que prejudica porventura a aceitação destas obras são os inconvenientes que tom surgido na sua realização e que determinaram no espirito público um certo receio pelas consequências dessas obras.
Vou ler a V. Ex.ª uma pequena passagem de uma reclamação de Chaves, que diz o seguinte:

«Os lavradores do Vale de Chaves já numa reunião pública, convocada pelo Grémio da Lavoura e presidida pelo Exmo. presidente da Câmara, afirmaram, por quatrocentas e noventa e nove vozes contra uma, que não queriam ver realizada a obra de rega, defesa e enxugo.
Apesar de tudo, há indícios de que sé pretende levar por diante a realização de tal iniciativa.
Não se compreende muito bem que se insista e persista em realizar uma obra muito cara em beneficio de uma classe que formalmente a rejeita».
Estas são as consequências da forma como se apresentam as obras de hidráulica agrícola, e isto ó que pode, na verdade, concorrer para que sejam prejudicados os intuitos que houve na promulgação desta lei.
O que eu defendo é que as obras sejam feitas de uma maneira útil e prática para o Pais e aceitável para os proprietários, como inteligentemente essa obra devo ser compreendida.
Basta-me, Sr. Presidente, agradecer a V. Ex.ª e à Assemblea o interesse que dispensaram ao meu aviso prévio, assim como as referências amáveis e excessivas que V. Ex.ª e os oradores que entraram neste debate me dirigiram.
Procurei tratar de unr assunto de primacial, importância económica e política; procurei demonstrar como a acção fiscalizadora desta Assemblea pode ser da maior utilidade para a administração do Pais. Não sei se consegui realizar o meu objectivo, mas, certamente, a elevação com que todos os oradores que vieram a esta tribuna trataram dêste assunto conseguiu aquilo que eu porventura não pude conseguir, e que foi a confirmação de que a nossa acção fiscalizadora é uma acção útil, necessidade e indispensável.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Considero encerrado o debate. Está na Mesa uma moção, que passo a ler. É a seguinte:

Ouvidas as considerações do Sr. Deputado Melo Machado sobre os resultados económicos das obras de hidráulica agrícola realizadas no Pais e já em exploração, assim como as que foram produzidas na generalização do debate, a Assemblea Nacional, reconhecendo a necessidade de se continuar e desenvolver a política do fomento hidroagrícola, mas tendo em consideração os factos enunciados durante a discussão, relativos à existência de encargos economicamente incomportáveis pelas propriedades beneficiadas, sugere ao Governo a conveniência de se verificar com urgência se estão sendo devidamente interpretadas e executadas as disposições da lei n.º 1:949, especialmente:

a) Pelo que respeita à base VI, que firma o justo princípio de os proprietários ou regentes não serem, em qualquer momento, onerados com encargos superiores aos benefícios que realmente usufruem em consequência das obras e que tornem antieconómica a exploração dos terras beneficiadas, sem deixar de se considerar que a cobrança do aumento das contribuições não deve fazer-se durante determinado período transitório, correspondente à transformação da cultura;
b) Pelo que respeita à base x (n.ºs 1.º e 4.º), cujas disposições estabelecem a oportuna submissão dos projectos ao estudo das associações de regantes e a exploração em conservação das obras.

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166 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 120

E, em face das reclamações que se têm formulado, a Assemblea Nacional alvitra também a constituição de uma instancia superior que julgue os recursos interpostos das decisões da Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola sobre a matéria.

Esta moção está assinaria pelos Srs. Deputados Albino Soares Pinto dos Reis Júnior, António de Sousa Madeira Pinto, João Garcia Nunes Mexia, Acácio Mendes de Magalhãis Ramalho, Sílvio Duarte de Belfort Cerqueira, Artur Águedo de Oliveira, Francisco Cardoso de Melo Machado, António Cortês Lobão, Augusto Cancela de Abreu, António Augusto Aires e Luiz Cincinato Cabral da Costa.
Vai votar-se.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - A ordem do dia da sessão de amanhã constará de duas partes.
A primeira parte será constituída pela ratificação dos seguintes decretos-leis:

N.º 31:801 - Reorganiza o Instituto António Aurélio fia Costa Ferreira. -Publicado no Diário do Governo n.º 300, de 36 de Dezembro de 1941;
N.º 31:802 - Inscreve no orçamento a verba anual destinada a subsidiar a Escola Comercial do Ateneu Comercial de Lisboa. - Publicado no Diário ao Govêrno n.º 300, de 36 de Dezembro de 1941;
N.º 31:833 - Autoriza a Casa da Moeda a prorrogar o prazo do contrato com a Empresa Nacional de Aparelhagem. Eléctrica, de 17 do Outubro de 1940. - Publicado no Diário do Governo n.º 304, de 31 de Dezembro de 1941;
N.º 31:834 - Autoriza a Casa da Moeda a requisitar, por antecipação, à 2.ª Repartição da Direcção Geral da Contabilidade Pública várias importâncias a fim de satisfazer diversos encargos. - Publicado no Diário do Governo n.º 304, de 31 de Dezembro de 1941;
N.º 31:835 - Autoriza a Casa da Moeda a prorrogar o prazo do contrato com a firma Manuel Reis Morais e Irmão para o fornecimento de uma máquina de impressão. - Publicado no Diário do Governo n.º 304, de 31 de Dezembro dê 1941.
N.º 31:836 - Mantém em vigor, durante o 1.º trimestre do ano de 1942, o disposto no decreto-lei n.º 30:202. - Publicado no Diário do Governo n.º 304, de 31 de Dezembro de 1941.
N.º 31:804 - Fixa o dia 8 de Fevereiro para a eleição do Presidente da República. - Publicado no Diário do Governo de 16 de Janeiro de 1942.
A segunda parte «era constituída pela sessão de estudo da proposta de lei relativa aos lucros extraordinários de guerra.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 5 minutos.

O REDACTOR - Luiz de Avilez.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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