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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 22

ANO DE 1943 16 DE MARÇO

III LEGISLATURA

SESSÃO N.° 19 DA ASSEMBLEA NACIONAL
Em 15 de Março

Presidente o Ex.mo Sr. José Alberto dos Reis

Secretários os Exmos Srs.
José Manuel da Costa
Augusto Leite Mendes Moreira

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 45 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário da última sessão.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Albano de Magalhãis, Araújo Correia, Cincinato da Costa e João Duarte Marques.

Ordem do dia. - Usaram da palavra os Srs. Deputados Melo Machado, Pamplona Forjas e João Duarte Marques acerca do aviso prévio sobre a questão do abastecimento de carnes.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 45 minutos.

Srs. Deputados presentes à chamada, 63.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão, 10.
Srs. Deputados que faltaram à chamada, 12.

Srs. Deputados que responderam à chamada:

Acácio Mendes de Magalhãis Ramalho.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhãis.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Alfredo Luiz Soares de Melo.
Álvaro Salvação Barreto.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
Angelo César Machado.
António de Almeida.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Hintze Ribeiro.
António Rodrigues Cavalheiro.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur de Oliveira Ramos.
Artur Ribeiro Lopes.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto Leite Mendes Moreira.
Cândido Pamplona Forjaz.
Carlos Moura de Carvalho.
Fernando Augusto Borges Júnior.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
Jaime Amador e Pinho.
João Duarte Marques.
João Espregueira da Rocha Paris.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luiz Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pires Andrade.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Mendes Arnaut Pombeiro.
Joaquim Saldanha.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Alberto dos Reis.
José Alçada Guimarãis.
José Dias de Araújo Correia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Luiz da Silva Dias.
José Manuel da Costa.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Ranito Baltasar.
José Rodrigues de Sá e Abreu.
José Soares da Fonseca.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz de Arriaga de Sá Linhares.
Luiz Cincinato Cabral da Costa.

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Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Lopes Vieira de Castro.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Luiz Mendes de Matos.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano
Manuel Joaquim da Conceição e Silva.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Luíza de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Querubim do Vale Guimarãis.
Quirino dos Santos Mealha.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Artur Proença Duarte.
João Ameal.
José Clemente Fernandes.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Júlio César de Andrade Freire.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Rui Pereira da Cunha.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alberto Cruz.
Alexandre de Quental Calheiros Veloso.
António Bartolomeu Gromicho.
António Cristo.
Francisco da Silva Telo da Gama.
João Antunes Guimarãis.
João Xavier Camarate de Campos.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Maria Braga da Cruz.
José Pereira dos Santos Cabral.
Luiz José de Pina Guimarãis.
Pedro Inácio Álvares Ribeiro.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 35 minutos. Fez-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 63 Srs. Deputados.
Está aberta a cessão.

Eram 15 horas e 45 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário da última sessão.

Pausa. f

O Sr. Presidente: - Não havendo reclamações sobre o Diário, considera-se aprovado.
Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Albano de Magalhãis.

O Sr. Albano de Magalhãis: - Sr. Presidente: é com muita mágoa que hoje sou obrigado a usar da palavra.
Fui ontem desagradàvelmente surpreendido com uma notícia, que quási todos os jornais publicaram, a pretender rectificar a informação que eu tinha dado nesta Assemblea sôbre a taxa de crédito agrícola.
Essa notícia redigida pouco mais ou menos nos mesmos termos diz o seguinte:
«Na sessão de anteontem da Assemblea Nacional o Sr. Dr. Albano de Magalhãis, referindo-se à situação da lavoura, disse, por lapso, que a taxa de crédito agrícola da Caixa Geral de Depósitos era de 5 por cento. Para melhor esclarecimento do público, etc.».
Ora eu creio que a origem dos erros que, porventura, possamos cometer nas informações que damos só pode ser explicada por nós próprios, e, como se declara que eu disse por lapso, pode concluir-se legitimamente que fui eu quem mandou esta nota ou autorizou a tua publicação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Outrem não pode classificar os meus erros de lapsos.
Reivindico para mim exclusivamente esse direito, assim como a responsabilidade de os esclarecer ou desfazer em qualquer emergência que entenda oportuna.
E desde já quero fazer a afirmação categórica a V. Ex.ªs - pelo que sinto que devo a mim próprio e pelo prestígio das funções em que estou investido - de que sou incapaz de mandar qualquer notícia para um jornal a rectificar qualquer posição que tenha tomado, ou informações menos cortas, sem primeiro, neste lugar, reconhecer o erro perante V. Ex.ªs

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mais devo declarar que não tenho que fazer quaisquer rectificações.
O que ninguém jamais deveria era ampliar a minha afirmação a outros créditos diferentes daquele a que eu expressamente aludi, e que é o crédito agrícola hipotecário. Os outros créditos não têm a importância agrícola que este reveste, porque é pelo crédito agrícola hipotecário ou, melhor, polo crédito a longo prazo que a lavoura pode conseguir os meios de desenvolvimento da sua indústria.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E chamei propositadamente ao crédito hipotecário sobre propriedades rústicas crédito agrícola, embora isto possa produzir um certo escândalo a pessoas que estão presas a determinada terminologia, porque o crédito essencialmente agrícola é para mini o que é feito a longo prazo para aumento da lavoura.
Direi mesmo até que a quási totalidade dos lavradores vive à margem dos outros créditos agrícolas, de características muito especiais.
Direi mais ainda que alguns desses créditos a que faz referência a notícia são créditos de natureza comercial e que especialmente, ou até quási, só beneficiam o comércio, como os que emergem dos certificados dos vinhos do Porto.
Reafirmo o que disse: o crédito agrícola hipotecário obtido na Caixa Geral de Depósitos é superior a 4 1/2 por cento, e eu mesmo já tinha rectificado na própria sessão, por transigência com o ilustre Deputado Sr. engenheiro Araújo Correia, que me deu uma informação aqui contrária a outras que tinha recebido, dignas de fé, anteriores e posteriores ao anúncio do meu aviso prévio, demonstrativas de que a lavoura paga 5 por cento e mais. E o que me interessa é o que a lavoura paga.

O Sr. Angelo César: A quem interessa não é a V. Ex.ª, á à Caixa...

O Orador: - A Caixa para receber e à lavoura para pagar...
Sr. Presidente: lamento que a rectificação fôsse publicada nos jornais sem ser trazida a esta Assemblea para tudo ser devidamente esclarecido.

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Os jornais que publicaram esta notícia procederam iniludlvelmente de boa fé. Quem foi que mandou esta nota?
Bom seria que se pudesse responder a esta pregunta, para que nenhum de nós voltasse a ser vítima de factos desagradáveis como este.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Aproveito, Sr. Presidente, estar no uso da palavra para enviar para a Mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que pelo Ministério das Finanças me sejam entregues os relatórios da Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência dos anos de 1938, 1939, 1940, 1941 e 1942 e informação do número de localidades onde existem as caixas de crédito agrícola.

O Sr. Araújo Correia: - Sr. Presidente; as taxas publicadas nos jornais, que são as taxas realmente aplicadas ao crédito agrícola na Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, rectificam a notícia dada poios mesmos jornais, que afirmaram ser de 5 e superior a 5 por cento a taxa do crédito agrícola.
Qualquer pessoa, com garantias hipotecárias e para fins agrícolas, pode obter crédito à taxa de 4 1/2 por cento por prazos que se estendem por anos.

O Sr. Cincinato da Costa: - Sr. Presidente: desejo tratar nesta Assemblea de um assunto que na última sessão legislativa mereceu igual intervenção do Sr. Deputado Melo Machado. Quero referir-me à isenção do direitos que o Governo concedeu à importação de sulfato de cobre.
Por decreto publicado em 25 de Fevereiro de 1942 pelas pastas das Finanças e da Economia (decreto n.° 31:891) foi isento de direitos de importação, pelo prazo de seis meses, o sulfato de cobre classificado pelo artigo 356 da nossa pauta aduaneira.
Nós considerandos desse decreto reconhece o Governo que, dada a necessidade de ser adquirido nos mercados externos sulfato de cobre, em vista da impossibilidade de flor importado o cobre necessário para o seu fabrico, se tornou imperioso isentar de direitos esse sulfato, indispensável à viticultura, o que de facto se fez. E acrescenta-se nesse preâmbulo que o sulfato de cobre, quando importado, fica bastante sobrecarregado, não podendo grande parte da lavoura adquiri-lo, o que poderá originar graves prejuízos à economia nacional.
Sucede, porém, que esse decreto apenas concede isenção de direitos pelo prazo de seis meses, a partir do Fevereiro do ano passado; quere dizer que tal beneficio só foi aproveitado na última campanha vinícola.
Por isso, e como o sulfato de cobre vai ficar este ano muito mais caro, permito-me sugerir ao Governo a conveniência de igualmente o isentar de direitos na presente campanha, bastando para tal prorrogar-se o prazo a que se refere o aludido decreto.
Eu disse, Sr. Presidente, que o sulfato de cobre vai ficar este ano muito mais caro. De facto assim é, pois já se tornou público que o seu preço será de 7$50 o quilograma, o que, acrescido das despesas de transporte e distribuição, fará com que o seu preço de custo mais venha pesar na economia vinícola nacional.
Sabendo-se que as vinhas estão cansadas, tanto pela forma como decorreu o ano como pela escassez daquele precioso fungicida, de que resulta a evidente necessidade de elas serem tratadas com mais cuidado, parece-me absolutamente oportuno que o Governo mais uma vez conceda esta justa regalia, juntando a tantos outros mais um relevante serviço prestado à viticultura nacional.
Se o Ministério da Economia e a Junta Nacional do Vinho, prestante organismo de coordenação económica, que foi superiormente incumbido de adquirir o sulfato de cobre indispensável às necessidades nacionais, ainda este ano não se pouparam a esforços para servir a viticultura, parece-me, Sr. Presidente, que se completaria a obra realizada - e que a mesma viticultura agradece - concedendo-se mais uma vez a isenção de direitos para aquele fungicida, isenção que, aliás, o Governo foi o primeiro a aprovar no ano findo.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Duarte Marques: - Sr. Presidente: reconhece-se que o Governo trabalha incansavelmente por dar à Nação uma vida tam normal quanto o permitem as circunstâncias. Mas também se pressente que por vezes parece existir uma onda de mau senso - não se sabe onde - com o firme propósito de não só não contribuir para que aquele patriótico esforço resulte, como ainda o de provocar quanto possível uma desorientação, como se desejos houvesse de um descalabro ciclónico.
Por isso não se cala hoje a minha voz de legionário, dando assim sinal de uma permanente vigilância, que se julga adormecida, mas não está.
Sr. Presidente: as colunas humanas, coerciva e policialmente comprimidas, que às portas dos estabelecimentos esperam torturantemente o momento de alcançar o rateio de alguns géneros que por vezes se não verifica definem um lamentável aspecto social, que, além de uno corresponder à verdade, é contrário aos bons costumes, a boa moral, ao temperamento da gente portuguesa e totalmente prejudicial ao momento que passa.
Não entro em apreciações porque todos nós, Sr. Presidente, as vivemos, apreciamos e sentimos, mas saliento somente que o prestígio da autoridade e dos seus agentes não se alcança quando essa autoridade se vê coagida a usar da força para a prática de um acto contrário à nossa sensibilidade, mas sim em saber utilizar essa força no desvio de obstáculos ou na execução de medidas tendentes a facilitar o modo de viver, mormente quando as circunstâncias nos empurram para situações estranhas à nossa vontade.
Suportam-se com «resignação» as maiores dificuldades da vida, mas não devemos permitir que com indiferença deshumana se abuse dessa «resignação» no sentido de resolvê-las com o tempo. A acção tem de ser imedita.
Neste caso a resolução pertence inteiramente à entidade mais hábil e resoluta, e que tome sobre si o acto humanitário de promover o desaparecimento urgente ou evitar mesmo aquilo que a nós próprios nos envergonha e nos vexa, por ser revoltante sob todos os aspectos.
Tenho assistido com paciência ao desenrolar da persistência teimosa de um facto que tem toda a nossa repulsa, e aqui todo o meu protesto, dando-lhe o tempo que julguei necessário para actuação do sentido mais lento, evitando assim que a minha voz se ouvisse.
Tal não aconteceu, e, como esperava, antes pelo contrário, o mal mais se agravou.
O momento não é para pedir responsabilidade, mas para soluções imediatas; e, assim, Sr. Presidente, limito-me somente a chamar a atenção de quem de direito para acabar em definitivo e no mais curto espaço de tempo com o espectáculo deprimente e ineficaz da bicha e sem qualquer interesse, quer para o comprador, quer para o vendedor, resolvendo o caso pela lógica, com senso, embora a solução represente um somatório sacrificante de trabalho intensivo. Por isso mesmo é que

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abençoado seja esse sacrifício, porque dele beneficia a colectividade.
Sr. Presidente: não cabe aqui - porque o rudimento é ridículo - pormenorizar qualquer alvitre de solução urgente, ainda que transitório, porque todos eles consistem apenas na resolução de um simples, mas trabalhoso, problema de mecânica prática, aliada ao bom senso e posto em equação através do sentimento de humanidade, e de resto a minha actuação não deve ir além do limite da função.
Entretanto é conveniente frisar que, se negro tem de ser o pão que se há-de comer, que o seja para todos; mas, para o efeito, não exageremos também, e assim não se tornará necessário coarctar a liberdade individual para uns em disfrutar a fortuna com que Deus os abençoou; exige-se apenas o respeito para os outros em usufruir ao máximo o direito à comodidade na aquisição do seu quinhão quando lhe aprouver, única alegria de uma regalia com que Deus lhe premiou o direito à vida.
Até aqui exigia o respeito por nós próprios que da parte a quem competia a solução de há muito a iniciativa devia ter substituído a indiferença, como a energia a apatia, porque, ainda que a sua acção fosse errónea, ela seria perdoável pela louvável intenção de acertar; mas hoje exige o decoro público, a ordem social, que o caso das bichas se não repita e seja já substituído por qualquer outra forma de distribuição lógica, razoável e sobretudo humana.
Para finalizar, repito, Sr. Presidente: trata-se apenas de um problema de mecânica e bom senso, obedecendo ao sentimento humano de ser útil ao próximo, embora reconheça que o seja de muito trabalho e sacrifício, como o são todos os problemas sociais com objectivos meramente humanitários.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Melo Machado, para fazer a demonstração do seu aviso prévio sobre a questão das carnes.

O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: a função legislativa que é cometida a esta Assemblea pelo artigo 91.° da Constituição não tem grande campo para exercer-se. Por se entender inconveniente a concorrência legislativa com o Governo, têm rareado os projectos de lei apresentados pelos Srs. Deputados e, por outro lado, também não têm sido muito numerosas as propostas de lei enviadas à nossa apreciação.
O que nos resta, pois? A fiscalização da acção governativo, e dos seus órgãos executivos. Paralelamente, nada nos impede de estudar os grandes ou pequenos problemas nacionais, dando com esse estudo um aviso de oportunidade ao Governo e bases para a sua futura resolução.
Com esse fim não há no nosso Regimento nada mais eficiente do que o aviso prévio; um aviso prévio dá muito trabalho, demanda muito estudo, mas suponho que não estamos aqui para outro cousa e que nos cumpre prestigiar, tornar viva e real a existência da Assemblea.
E aqui está, Sr. Presidente, porque eu venho apresentando os meus avisos prévios, que, à falta de melhor, não nos dão alguns dias de trabalho, útil, e digo útil porque V. Ex.ªs, Srs. Deputados, com o seu saber, trabalho e valiosa colaboração, lhes emprestam uma elevação que eu, por miais que quisesse, não seria capaz de lhes dar.

Vozes: - Não apoiado, não apoiado!

O Orador: - A que vimos desta vez? A tratar de um problema actual, um problema nunca resolvido em tempo de paz e que o período de guerra veio agravar extraordinariamente: o problema das carnes.
Não venho trazer novas soluções ou ideas. Em Portugal os problemas estão todos estudados e revistos; estão encontradas soluções inteligentes, argutas mesmo e realizáveis, mas o que não estão é resolvidos.
Antes da guerra o abastecimento de carne, pelo menos à cidade de Lisboa, não tinha ainda encontrado solução satisfatória; depois da guerra preferiu-se ao lucro, que gera a abundância, a limitação de preços aquém das realidades económicas, cujos resultados estão à vista.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O assunto é, pois, não só actual, mas momentoso e instante!
E vou passar à sua discussão, agradecendo antecipadamente a generosa atenção de V. Ex.ªs e a sua preciosíssima colaboração.
Para não perder tempo, Sr. Presidente, visto que o assunto é vasto e os minutos são contados, vou passar à discussão do meu aviso prévio, ponto por ponto, como é meu costume.
A falta de carne é geral, mas é especialmente em Lisboa que ela mais se faz sentir.

Vozes: - No Porto é mais...

O Orador: - Peço desculpa, mas não é. O Porto está no centro da região produtora, não tem as mesmas faltas que Lisboa.
Mas vamos ao nosso assunto. Entre as várias razoes e vários motivos desta carência há dois que podem parecer estranhos, mas que lhe estão intimamente ligados: quero referir-me ao ciclone e à falta de combustíveis líquidos.
O ciclone, obrigando a ir buscar lenha e madeiras a sítios inacessíveis às camionetas, obrigou a um emprego muito maior de bois de trabalho.
A falta de combustíveis líquidos intensificou essa necessidade.
A utilização mais intensa da tracção animal valorizou felizmente - e eu adiante explicarei a V. Ex.ªs a razão deste advérbio - o gado de trabalho.
E, assim, os proprietários protelam até ao último momento a entrega do seu gado à matança, já que a desproporção entre o preço de gado de trabalho e o destinado a ser abatido é muitíssimo grande.
Parece que não há menos gado, Já que o alto preço do gado de trabalho estimula a produção; mas nós não podamos firmar as nossas considerações em hipóteses, e para as firmar temos de recorrer às estatísticas. A estatística de 1940 diz-nos o seguinte:

Para mais:

1:033 cabeças de gado muar;
674:368 cabeças de gado ovino;
68:029 cabeças de gado bovino.

Para menos:

5:290 cabeças de gado cavalar;
52:380 calaças de gado caprino;
29:549 cabeças de gado asinino.

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Eu ponho sempre de remissa, Sr. Presidente, a inteira veracidade destes números, dado que todos nós sabemos como são imperfeitos estes inquéritos e que os seus resultados resultam da comparação com outros cuja imperfeição era ainda maior.
Penso que estes números trazem em si um índice de menos veracidade. Quero referir-me à afirmação neles contida de que Lá menos 29:000 burros..., o que não deve ser verdade!
Risos.
Quem conhece as diferentes regiões agrícolas do País terá notado que no Ribatejo e no Alentejo tem deminuído de forma notável o número de vacadas. No norte, até há poucos anos, conservava-se pelo menos estacionária a criação de gado bovino e só ultimamente, em razão da maior procura de gado de trabalho, que intensificou a melhoria de preços, essa criação se desenvolveu com mais intensidade.
Em todo o caso estas minhas afirmações serão negadas ou confirmadas pêlos ilustres Deputados do norte que me estão ouvindo. Os números que acabo de citar dão-nos todavia uma certeza: e é a de que nas províncias do Ribatejo e do Alentejo se vai dando a substituição do gado bovino pelo gado ovino.

Vozes: - Exactamente. No norte verifica-se a mesma cousa.

O Orador: - Deles se pode concluir também que não há menos gado, parecendo mesmo que há mais, não sendo, portanto, essa a explicação da carência quási absoluta da carne que existe na capital, o maior e o mais mal servido mercado do País, circunstância esta que no dizer do professor Sr. I)r. Brito Vasques é uma tradição que vem quási desde os primeiros tempos da nacionalidade.
Se se não trata de falta de gado, ^como explicar então esta carência quási absoluta?
Os dois fenómenos que há pouco citei a Y. Ex.ªs dão uma parte da explicação, mas não a dão toda.
Para encontrarmos a explicação mais completa temos de recuar no tempo a essa data de 1870-1884, período áureo da criação e engorda de gado bovino em Portugal, período em que se exportaram para Inglaterra cerca ri e 30:000 cabeças por ano. Essa exportação acabou em 1885 e de então para cá, com várias alternativas, evidentemente, a produção começou a declinar.
Entregue o consumo inteiramente ao mercado interno, a política de preços seguida com critério estreito veio trazer no consumo, principalmente no mercado de Lisboa, quási que exclusivamente o gado cansado polo trabalho e esgotado pela função lactígena.
O célebre contrato de 1902 foi o dobre de finados da criação bovina em Portugal. O arrematante, mercê de circunstâncias várias, pôde fazer uma larga importação de gado de Espanha, cumpriu o contrato, é certo, fez uma grande fortuna, mas deixou profundamente mal ferida a economia agrícola do País.
Os erros económicos praticados anteriormente em larga escala ferem fundo e longe, e assim as consequências desse erro reflectem-se ainda no momento actual, tanto mais que a política de preços seguida desde então foi persistentemente infeliz.
Como admirarmo-nos que, depois de uma tam larga série de erros cometidos em tempo de paz, tivéssemos chegado à guerra absolutamente desprevenidos?
Desde todos os tempos nunca vimos que as medidas coercivas sem base e razão económica dessem resultado satisfatório, mas mais nos admira que a lição da última guerra, tam recente, também tivesse sido esquecida.
Quando o abastecimento público pode estar em perigo o que importa acima de tudo é a existência do que é indispensável à sua satisfação. Esta miragem do género barato que não há afigura-se-nos a solução mais cara do problema do abastecimento público.
Apenas um exemplo: há dois anos ainda era preciso de certo modo moderar as sementeiras de arroz, no receio de que uma superprodução causasse a queda catastrófica do preço. Pois, Sr. Presidente, desde o ano passado que essa produção começou a cair. O que se passou em tam pouco espaço de tempo foi apenas isto: a produção deixou de ser suficientemente remuneradora. Já o temos dito nesta tribuna: a lavoura tem de ser uma realidade económica ou não poderá subsistir.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A par da situação da lavoura não posso deixar de referir-me, por ser de inteira justiça, à situação dos proprietários de talhos, obrigados a ter abertas as suas casas, a pagar contribuições e rendas e ao seu pessoal, sem que lhes forneçam o artigo indispensável ao seu comércio.
Por muito que nos lembremos do peso do dedo do cortador, parece-me que esta situação não é nem defensável nem justa.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: a agravar esta situação há ainda aquilo a que chamaremos os matadouros subsidiários do Estado, que são cerca de vinte, que não estão sujeitos às regras nem aos preços da Junta Nacional dos Produtos Pecuários. A tanto pode obrigar o caminhar-se de encontro às realidades económicas. O problema das carnes tem sido sempre um problema de preços. A ceva não paga e isso explica mais que suficientemente o declinar da criação do gado bovino.

O Sr. Clemente Fernandes (interrompendo): - A ceva não só não paga como é antieconómico, visto um boi magro valer muito mais que um boi gordo.

O Orador: - Um lavrador meu amigo, que é no mesmo tempo um veterinário distinto e um homem de espírito, apresentou-me um exemplo flagrante desta verdade indiscutível. Dizia-me ele: veja o meu amigo se vale a pena engordar um boi para ter apenas o dinheiro suficiente para comprar uma onça de tabaco, um livro de mortalhas e uma caixa de fósforos em cada dia.
Fazendo as suas contas, ele demonstrava o seguinte: no tempo antigo, em que se pagava 1 arroba de carne por 90$, se fosse possível criar um boi com 30 arrobas - o que é uma excepção porque o normal são 14 a 16 arrobas -, e sem deitar contas a nenhumas despesas, o produto da venda desse animal no fim de três anos dava o dinheiro suficiente para comprar em cada dia uma onça de tabaco, um livro de mortalhas e uma caixa de fósforos!
Se V. Ex.ª fizerem a conta aos preços de hoje, e em relação ao peso normal, que á de l6 arrobas, encontrarão que nem para isso chega.
Quando o problema se põe com esta clareza não vale a pena perder tempo e fazer sacrifícios para querer manter uma indústria destas, e isto explica o declínio que se tem vindo acentuando.
Em plena guerra, em lugar de procedermos como, por exemplo, a Inglaterra, que marcou para determinados produtos agrícolas preços remuneradores até dois anos depois da guerra, isto no intuito de dar estímulo e segurança ao lavrador, nós preferimos a limitação de preços e a política de exigir à produção sacrifícios, que é a melhor e a mais segura maneira de reduzir essa mesma produção.

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Entretanto poder-se-ia, preguntar o que faz o Estado e o que fazem as câmaras municipais em matéria de sacrifício das suas receitas para aliviarem o preço das carnes? Podia preguntar-se, mas a verdade é que o exame deste assunto, se bem que os números globais sejam impressionantes, levou-me à convicção de que não está nele a solução do assunto.
É certo que a Junta Nacional dos Produtos Pecuários cobrou no ano de 1941 cerca de 3:500 contos sobre carnes.
Mas V. Ex.ªs têm números mais impressionantes ainda. Têm, por exemplo, que a Câmara Municipal do Lisboa chegou a cobrar cerca de 10:000 contos por ano. Ultimamente, porém, em 1942, só cobrou 3:699 contos, e nos três primeiros meses de 1943 cobrou apenas 563 contos.
Estes números globais são impressionantes; mas vou ler a V. Ex.ªs quanto é que paga cada quilograma de carne:

Taxa do Grémio................................ $10
Taxa de Junto................................. $07
Imposto indirecto (C. M. L.).................. $13
Fundo de previsão............................. $20
Fundo de caução............................... $06
Taxa de utilização do matadouro............... $32
Sobre-taxa para conclusão do novo matadouro... $20

Se não erro a conta, dá isto 1$07 por cada quilograma de carne, o que, evidentemente, não é cousa de assustar ninguém, nem me parece que esteja aqui, repito, a solução do problema.

O Sr. Querubim Guimarãis: - V. Ex.ª pode fazer o favor de me dizer quanto rendeu para o matadouro essa taxa de £20?

O Orador: - Em 1940 rendeu 3:613 contos, em 1941 3:084 contos, em 1942 1:320 contos e em 1943 90 contos.

Vozes: - Mas qual foi o total?

O Orador: - Foi de 8:000 contos, digamos.

O Sr. Angelo César: - Já dá um matadouro razoável...

O Sr. Cincinato da Costa: - E ao todo, desde que existe essa taxa, quanto é que ela rendeu?

O Orador : - Isso não sei.

O Sr. Cincinato da Costa: - Perto de 28:000 contos1

O Orador: - Pregunto, porque não se acaba com essa instituição anacrónica e inútil que é o Mercado Geral de Gados?
Direi a V. Ex.ªs que ali se paga porque se encosta o vagão, se paga por cada cabeça que desembarca; paga-se por entrar e sair o portão, paga-se pelo alojamento de cada dia, paga-se pelo que come e pelo que bebe, paga-se pela pesagem; e, sobretudo, como disse o veterinário Sr. Canas da Silva numa conferência que eu li, no fim de oito dias cada animal perde 10 quilogramas de carne.
Nunca compreendi e nunca me foi explicada a razão de ser da existência desta instituição!

O Sr. Querubim Guimarãis: - E não haverá taxa de enterramento para os que morrem?

O Orador: - Com certeza que há!
Eis a traços largos o panorama actual, que mais não é que o reflexo de um passado pouco feliz.
Em todo o caso, para o momento actual, não vejo remédio fácil se não nos dispusermos a encarar corajosamente, as realidades económicas.
Se não fora a alta de preços do gado de trabalho - e aqui está a explicação do meu advérbio felizmente -, a criação do gado bovino em Portugal teria recebido neste momento um golpe de morte e as consequências desse facto afigura-se-me que seriam gravíssimas.
Mas não há que olhar só ao momento presente: é indispensável encarar o futuro e resolver de uma vez para sempre este eterno problema das carnes, cuja existência não enaltece de forma nenhuma a nossa capacidade de realização. Na verdade, se este mau funcionamento, se esta crise de carne, sobretudo no mercado de Lisboa, data, segundo diz o Prof. Brito Vasques, dos primeiros tempos da nacionalidade, devemos confessar que é vergonhoso não ter ainda sido resolvido.
O tempo, porém, vai passando, Sr. Presidente, e não há remédio senão abordar agora o segundo ponto.
As estatísticas de capitação - e eu peço muitas desculpas a V. Ex.ªs, mas não fui capaz de encontrar estatísticas mais recentes, tendo de me referir às de 1930 a 1934, citadas numa conferência do Prof. Fiadeiro - mostram que, numa relação de 20 países, Portugal está no último lugar. Porá dar uma idea e para não estar a maçar V. Ex.ªs com uma leitura prolongada, cito, por exemplo, que a França consta nossas estatísticas com 43kg,5 de capitação, a Bélgica com 49kg,2, a Suíça, que é um país pequeno como o nosso, com 47kg,3, a Itália com 16kg,1 e Portugal com 9 quilogramas.
Se encararmos apenas o mercado de Lisboa, direi a V. Ex.ªs que o consumo da carne de vaca, até 1890, era superior a 9 milhões de quilogramas (inquérito do Sr. Dr. Miranda do Vale), até 1911 passou a ser de 7 milhões de quilogramas, de 1912 a 1915 de 6 milhões, de 1916 a 1931 caiu ainda para 5 milhões de quilogramas, de 1932 em diante subiu lentamente, mas só em 1939 e 1940 excedeu os 7 milhões.

O Sr. Querubim Guimarãis: - Talvez seja devido à campanha dos vegetarianos!...

O Orador: - Talvez!... E caíu novamente em 1941, certamente já por efeito da guerra, para 3 milhões e tal.
Se tivermos em consideração o acréscimo da população da cidade, reconheceremos facilmente o enorme retrocesso que tem sofrido a alimentação pública da capital, e cujas consequências os médicos que me escutam poderão esclarecer.
Em todo o caso é absolutamente impressionante que uma capital, crescendo em população pela forma que todos nós conhecemos, veja a sua capitação de carne cair constantemente desta forma.
Ora, desde que falte a carne, que é o produto mais útil e mais barato para a alimentação, é evidente que essa falta recai sobre os outros géneros, e que se intensifica a procura de todos os outros produtos alimentares que a podem substituir, que todo consomem em maior quantidade e obtêm maior procura, já que é indispensável comer para viver.
Aqui ocorre-me dar um pequeno esclarecimento e é que se se mantém baixo o preço da carne, no pensamento de não permitir o aumento do custo da vida, acabamos por verificar que o baixo preço da carne, ocasionando a sua falta, aumenta o custo da vida, porque aumenta o preço de todos os outros géneros. Assim, a consequência que se tira é oposta àquela que se pretendia obter.

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De tudo quanto temos dito, Sr. Presidente, verifica-se a necessidade de desenvolver a criação de gado bovino (produzir) e que também é possível poupar acabando com o sistema indefensável dos longos transportes por estradas até aos matadouros centrais, dificultando a viação acelerada e dando lugar a consideráveis perdas de peso no gado assim transportado.

O Sr. Clemente Fernandes (em aparte}: - E até poderíamos acabar com o transporte em caminho de ferro, já porque é caro, já porque nele às vezes as rezes morrem, sendo ainda conveniente utilizar os matadouros que se fizeram em Bragança e Chaves, centros produtores por excelência.

O Orador: - Um momento, Sr. Deputado.

Que é necessário produzir, di-lo a escassez de carne, periódica mesmo em tempos normais no mercado de Lisboa.
Que não deverá faltar consumo, mostra-o a vergonhosa capitação que há pouco citei.
Mas, dado mesmo que o consumo não possa ser desenvolvido senão lentamente, se pudermos intensificar, todavia, a criação de gado, até chegarmos pletóricos ao fim da guerra, não faltaria, consumo numa Europa, verdadeiramente esfaimada, desprovida quási por completo de recursos alimentares.
Ao meu espírito não se põe, portanto, nenhum receio de fomentar, neste momento, a criação do gado bovino.
Mas, voltando porém aos matadouros centrais, direi que o transporte em enormes distâncias de gado a pé pelas estradas provoca uma perda de peso sensível, que o ilustre veterinário Dr. Tiago Ferreira, em conferência publicada no Boletim da Direcção Geral dos Serviços Pecuários, avalia nos seguintes termos:

«Se pudéssemos fazer a determinação objectivamente, temos por certo que a soma chegaria a 1.500:000 quilogramas, se não fosse mesmo mais longe, Seriam, portanto, 100:000 arrôbas de carne, ou 6:250 reses, que desapareceram! Quere dizer, um prejuízo de 8:000.000$ para a economia nacional, computando em 80$ a arroba de carne, um tudo nada abaixo do preço médio no Matadouro de Lisboa».

1.500:000 quilogramas! A carne suficiente para abastecer a capital durante três meses.
Um prejuízo de 8:000 contos para a economia nacional!
Pregunto, Sr. Presidente, se esta quantia não seria mais do que suficiente para resolver este problema dos matadouros regionais.
Não é necessário encarar a construção de grandiosos matadouros, e aqui tem o ilustre Deputado que há pouco me interrompeu a resposta ao aparte que me fez.
Julgo que podem ser aproveitados alguns matadouros existentes e outros cuja construção as próprias necessidades locais impõem. De qualquer maneira, estou convencido de que, se queremos resolver este problema, o assunto dos mercados regionais há-de ser daqueles que hão-de pesar na referida resolução.
Sr. Presidente: como o tempo vai correndo, vou passar ao quinto ponto do meu aviso prévio.
As nossas raças mirandesa, arouquesa e barrosã são esplêndidas.
Isso mais nos impõe a obrigação de velarmos pelas suas altas qualidades e melhorá-las se isso for possível.
E esta uma função do Estado, realizada através da Direcção Geral dos Serviços Pecuários, e devo dizer a V. Ex.ªs que tive o prazer de constatar que esse serviço actua nesse sentido com cuidado, com inteligência, com economia, por processos simples, mas conducentes a resultados satisfatórios...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- ... chega-se a isso por meio de concursos e de distribuição de reprodutores.
Se, todavia, a acção desse organismo é mais evidente nalguns sectores do que noutros, é porque as dotações orçamentais são muito reduzidas.
Tem 60.000$ para os concursos e 300.000$ para a aquisição de reprodutores.
Isto, para quem conheça destes assuntos, para quem saiba quanto custa um bom reprodutor, dá imediatamente indicação da insuficiência destas verbas, se queremos conseguir o melhoramento das nossas raças.
Em todo o caso, tenho o prazer de prestar a minha homenagem a um departamento do Estado que trabalha neste particular com inteira satisfação.
Também devo dizer a V. Ex.ªs que a Junta Nacional dos Produtos Pecuários começa agora a concorrer para êste fim com algumas verbas modestas. Como as contas deste organismo referentes a 1941 englobavam um movimento de 149:000 contos, espero que esse organismo, até mesmo, digamos, para se absolver de alguns pecados, possa dar o seu concurso a tam útil e necessária obra.
Risos.
Declaro a V. Ex.ªs que presto sempre a minha homenagem às pessoas que trabalham e tenho a convicção de que quem trabalha o faz sempre na boa intenção e no desejo de fazer o melhor que possa.
Muitas vezes se censuram os organismos corporativos de culpas de que eles não são responsáveis.
Apoiados.
Não podemos esquecer, Sr. Presidente, que esses organismos recebem orientação, indicações e ordens que não podem deixar de cumprir; por consequência não é justo muitas vezes atribuir-se-lhes responsabilidades que não têm.
É claro, há sempre alguma cousa que dizer; é possível que no decorrer desta discussão eu tenha de pôr um ou outro apontamento indicativo de que nem sempre as cousas correm como deviam correr, mas estou certo, Sr. Presidente, de que basta a quem tom boa vontade, sinceridade de intenções e honestos propósitos, apontar essas deficiências para que elas sejam remediadas. Repito, tenho por quem trabalha e por quem está à frente desses organismos o respeito e a consideração que todos aqueles que trabalham honestamente desejam que os outros sintam pelo seu trabalho.

Vozes:- Muito bem, muito bem!

O Orador: - É sabido que têm sido as ilhas e Angola que têm ocorrido ao déficit de carne da capital: as ilhas enviaram para cá ultimamente cerca de 8:000 cabeças, rigorosamente 7:890; Angola enviou quási sempre sensivelmente menos do que as ilhas, mas encontro uma cousa curiosa - é que em 1935 enviou 8:419 cabeças, apesar de que nos outros anos conservava sempre uma situação de inferioridade em relação às ilhas.
Em todo o caso deve dizer-se que o gado importado de Angola era magro, pequeno e a carne de péssima qualidade. Todavia os cruzamentos realizados ocasionaram tal melhoria que o Prof. Brito Vasques em 1935 pôde dizer numa conferência sobre o abastecimento de carnes à cidade de Lisboa o seguinte: «Uma companhia enviou de Angola duas centenas de bovinos que se podiam comparar com as nossas melhores reses continentais».

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Isto demonstra, pelo menos, Sr. Presidente, todo o «feito que pode ter o melhoramento de raças feito com inteligência e com critério.
Quere isto dizer que Angola e as ilhas podem, em tempo normal, prover as deficiências do nosso abastecimento, se não pensarem que hão-de colocar aqui toda a produção e se organizarem em moldes inteiramente novos a sua exportação, porque, emquanto esta se realizar como até aqui, a sua exportação será necessariamente limitada.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Voltaremos a êste assunto quando discutirmos o n.º 11.
As razões porque não não vem gado do norte são as que já estão expostas para explicar a falta de carne e não vale a pena estar a repeti-las.
A excessiva valorização de carne de vitela parece-me absolutamente prejudicial se pretendemos aumentar a criação de gado bovino. Nas estatísticas encontramos os seguintes números, que podem lançar luz sôbre esta questão: em 1933, na cidade do Pôrto, o mais importante mercado do norte no centro da região essencialmente produtora de gado bovino, mataram-se 14:578 reses adultas e 24:527 vitelas; em 1938, 17:491 adultos e 30:014 vitelas, e em 1939 mataram-se 16:658 adultos e 29:006 vitelas. Com esta grande matança de inocentes parece-me difícil aumentarmos a nossa produção de gado bovino. Penso também que o elevado preço de vitela em relação aos adultos pode dar, dá certamente, uma selecção ao contrário, pois o pequeno proprietário vende a sua melhor vitela, porque é a que lhe dá mais dinheiro, e fica com a pior para criar.
A confirmar esta minha afirmação está o facto de a Direcção Geral dos Serviços Pecuários ter dado ordem aos veterinários municipais para, sempre que apareça um animal excepcional, não o deixar abater, adquirindo-o para reprodutor.
Se quisermos aumentar o nosso gado vacum, e tudo indica que êsse é o caminho a seguir, há que melhorar o preço do gado adulto, deixando naturalmente uma diferença para a carne de vitela, que tem os seus apreciadores, mas não tam grande grande que seja um incentivo à sua matança em massa.
E passemos ao oitavo ponto.
O que se passa nas regiões onde o aproveitamento do leite é a principal indústria não é de molde a dar satisfação aos produtores.
V. Ex.ªs sabem que um animal destinado a dar leite tem de ser bem tratado; sabem também que escasseiam hoje quási todos os produtores indispensáveis à manutenção dêsses animais e que todos estes produtos são hoje muitíssimo mais caros do que eram dantes.
Nessas regiões fez-se uma concentração industrial. A concentração industrial tem, evidentemente, as suas vantagens, mas tem também os seus inconvenientes.
Uma concentração industrial tem, evidentemente, as vantagens, mas tem também os seus inconvenientes. Uma concentração industrial é de algum modo uma espécie de monopólio. Ora os monopólios, Sr. Presidente, carecem de uma fiscalização intensiva, para que as naturais tendências para o abuso não se traduzam em tornar muito maiores os inconvenientes do que as vantagens.
Infelizmente parece-me que é esta Segunda hipótese que se verifica!
Eu tive o cuidado de consultar cêrca de dez grémios da lavoura da região aveirense. Não há uma voz discordante; todos êsses grémios se queixam da mesma cousa. Os industriais, armados com a sua situação privilegiada, defendem-se vigorosamente junto das instâncias oficiais; são poucos e defendem-se bem. Os lavradores são muito e, apesar dos grémios da lavoura, parece que se defendem mal, pois todos êles se queixam exactamente da mesma cousa: mantém-se hoje o preço de $75 por litro de leite, que é absolutamente incompatível com as despesas actuais.

Uma voz: - $70! $05 é para o carrêto.

O Orador: - Isso é uma modalidade que V. Ex.ª conhece e eu desconhecia. Assim é pior; é um preço absolutamente incompatível com as circunstâncias actuais.
Há ainda outro facto absolutamente impressionante: é que o industrial pode receber êsse leite a $75 o litro e vendê-lo, acto contínuo, a outro colega a 1$, ganhando $25 sem ter trabalho nenhum.

O Sr. Clemente Fernandes: - ou vendê-lo até para Lisboa ao preço de 1$30.

O Orador: - É evidente que êste facto, por si só, pode causar a indignação e a revolta de quem sustenta um animal para dar leite e que não encontra nenhuma compensação do seu trabalho.
Quais são as consequências dêstes factos? Inevitavelmente o abandono da criação. Diz-mo o Grémio da Lavoura de Oliveira de Azeméis quando afirma que no seu concelho desapareceram, em três anos, 1:300 vacas.
Há dias, numa conversa de combóio, ouvi a um lavrador dessa região dizer que os pobres homens proprietários das vacas consomem o leite, por não valer a pena vendê-lo por um preço tam baixo, dando-lhes mais resultados do que adquirir outros géneros de alimentação.
E qual é o reflexo de tudo isto? É que não há manteiga no nosso País. Estou convencido de que êste mal se há-de ir agravando e precisa de ser olhado atentamente, porque a falta de gorduras é quási completa: há pouco azeite, não há manteiga e a respeito de toucinho e de banha também a abundância é pouca.
Nestas circunstâncias parecia-me absolutamente indispensável encarar êste problema com o interêsse que merece. As regiões interessadas têm pedido às instâncias oficiais providências e têm alvitrado a criação de cooperativas, cousa que parecia até estar de harmonia com a nossa legislação.
Contaram-me até num grémio da lavoura que um delegado da Junta Nacional dos Produtos Pecuários costuma dizer: tenham paciência, meus amigos, a lavoura há-de ser sempre a eterna sacrificada.
Ora não me parece que num país essencialmente ou forçadamente agrícola esta opinião seja de manter.
Permitam V. Ex.ªs que eu trate agora o décimo ponto, deixando o nono para analisar conjuntamente com o décimo primeiro.
O gado ovino e caprino, êste último aliás tam prejudicial à nossa vegetação, refaz-se com grande facilidade, visto que precisa apenas de um ano para se criar, ao passo que o gado bovino precisa de três anos para se tornar adulto, de forma que qualquer êrro no fomento da criação dêstes animais leva anos a reparar.
Assim, eu não posso compreender a política de preços que se tem seguido, que favorece particularmente a criação do gado ovino e caprino, em prejuízo da do bovino.
O carneiro paga-se a 9$20 cada quilograma; a cabra, que é a carne mais ordinária que existe, a 8$20, ao passo que a carne de vaca se paga apenas a 8$ a de 1.ª e a 7$67 a de 2.ª
Eis o que me parece inteiramente fora da razão, não só porque a carne de vaca é a melhor, como também porque a criação de ovinos se tem desenvolvido já estraordinariamente - um aumento de 674:368 cabeças, dizia o inquérito de 1940 -, como ainda porque para

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uma boa exploração agrícola importa a existência de equilíbrio na exploração pecuária.

O Sr. Presidente: - V. Ex.ª está no uso da palavra há uma hora. Portanto, a hora regulamentar está esgotada, mas o Regimento permite-me que eu conceda a V. Ex.ª mais um quarto de hora para completar as suas considerações, o que faço com muito prazer, visto que V. Ex.ª não tem sido nada supérfluo, limitando-se a ir direito aos factos e a expô-los.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Agradeço muito a V. Ex.ª e creio que não levarei tanto tempo a conlcuir as minhas considerações.
Graças ao nosso elima, é na primavera, principalmente no Ribatejo e Alentejo, que os nossos gados atingem maior peso. Aflue, portanto, nesse momento ao mercado em maior abundância. Esse é o momento em que as tabelas são mais baixas, o que não parece nem justo nem conveniente, já porque os preços são inferiores, ao que seria necessário para fomentar a criação, já porque não parece justo prejudicar umas regiões em relação a outras. Este sistema conduz a um resultado paradoxal: pior preço no momento em que o gado é melhor! Não me parece que isto seja processo a seguir.
O remédio para esta anomalia, como para o transporte e comércio de gado das ilhas e colónias, é só um: o frio.

O Sr. Carlos Borres (interrompendo): - Mas não há em Lisboa um frigorífico?

O Orador: - Uni momento, Sr. Deputado, já lá vamos.
Também este remédio é já conhecido e preconizado e há muito que jaz algures, certamente sem vantagem de qualquer natureza, antes com prejuízo da comunidade, um frigorífico que podia remediar para Lisboa a desigualdade de fornecimento entre a primavera e o inverno. Nas ilhas e nas colónias há que proceder da mesma forma. A economia de transporte e eliminação das perdas de peso seria compensação mais que suficiente para as despesas a realizar. Não consta, decerto, que qualquer país exportador de carne o faça, enviando gado vivo.
Nem a Argentina, nem o Brasil, nem a Austrália, nem a Nova Zelândia, nem qualquer país exportador de carne usa semelhante processo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Chego assim quási ao final do meu aviso prévio.
O aparecimento dos adubos químicos e dos tractores agrícolas parecia conduzir ao abandono cada vez maior da criação de gado.
A adubação química, como teoria nova, teve apaixonados entusiastas e chegou-se mesmo a crer que era possível aumentar a produção quási até onde se quisesse, pois a questão estava em mais ou menos adubo. Pouco a pouco, porém, a experiência foi trazendo a reflexão e demonstrando que, se o adubo é excelente como correctivo, o base da produtividade da terra está na matéria orgânica.
Se queremos aumentar a nossa produção cerealífera temos de intensificar a produção por unidade de superfície, e isso só o conseguiremos enriquecendo as terras em matéria orgânica Há, pois, que intensificar a criação de gado, especialmente o bovino. Para se conseguir esse objectivo só há um caminho a seguir: o estímulo do preço. A boa organização do comércio e dos transportes, o aperfeiçoamento das raças conjuntamente com a acção dos nossos técnicos agrícolas e veterinários, conduzindo à criação de pastagens perfeitamente adaptadas ao nosso clima, ao melhoramento das plantas forraginosas, à construção de silos, conseguirão porventura mais tarde o abaixamento dos preços.
Mas, Sr. Presidente, é indispensável não esquecer nunca, repito aqui, o bordão de quási todas as minhas considerações nesta tribuna: a lavoura precisa ganhar para produzir.

Vozes:-Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Comunico a V. Ex.ªs que se encontra na Mesa uma comunicação, enviada pelo Governo, a respeito da matéria do aviso prévio do Sr. Deputado Melo Machado.
Porque esse documento é bastante longo e vem acompanhado de vários quadros, não vou cansar a atenção e V. Ex.ªs com a sua leitura, tanto mais que vai ser publicado no Diário das Sessões, onde V. Ex.ªs terão ocasião de tomarem dele conhecimento.

O Sr. Duarte Marques: - Sr. Presidente: roqueiro a generalização do debate do aviso prévio do Sr. Deputado Melo Machado.

O Sr. Presidente: - Defiro o requerimento de V. Ex.ª
Está generalizado o debate.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pamplona Forjaz.

O Sr. Pamplona Forjaz: - Sr. Presidente: conquanto não seja lavrador, nem esteja directamente ligado aos interesses da lavoura, ocupo actualmente um cargo que me obriga a estar ao par desses interesses, porquanto é à Junta Geral do distrito de Angra do Heroísmo que compete providenciar sobre o desenvolvimento e o fomento pecuário das três ilhas que formam o mesmo distrito.
Nessas condições, parece-me que podem ter alguma utilidade para a resolução do assunto de que aqui se trata alguns números e algumas informações que vou comunicar à Assemblea.
Para tanto, referir-me-ei apenas ao que mais directamente nos diz respeito: a quatro dos pontos do aviso prévio do Sr. Deputado Melo Machado - os n.ºs 4, 6, 8 e 11.
Começo pelo n.º 6: possibilidade de as ilhas contribuírem para suprir as deficiências do continente.
Pelo que se refere especialmente às ilhas, devo dizer que o distrito de Angra é ainda o que maior contingente fornece para o abastecimento do mercado do continente.
Em 1941, último ano em que a exportação foi normal, forneceu 3:870 cabeças de gado ao mercado de Lisboa.
Dessas 3:870 cabeças exportadas pelo distrito de Angra, ou seja pelas Ilhas Terceira e S. Jorge, 2:707 fórum exportadas exclusivamente pela Ilha Terceira.
Actualmente a exportação é quási nula, porque razões extraordinárias que todos nós conhecemos obrigaram a restringir essa exportação, visto ter aumentado desmedidamente o consumo local não só na Ilha Terceira como sobretudo na Ilha de S. Miguel, que, para esse efeito, está actualmente a ser abastecida pela Terceira.
O que importa, pois, é fomentar o aumento dos rebanhos nessas ilhas e ao mesmo tempo pôr o lavrador na situação de exportar o seu gado em condições favoráveis para o abastecimento da capital.
Vejamos porém o que acontece quanto às condições em que actualmente ó feita a exportação: por números que tenho presentes posso afirmar que o preço é de 130$ a arroba.

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Considerando a média de 15 arrobas por cabeça, verifica-se que, depois de deduzidas todas as despesas, revertem para o lavrador 94$ a 98$ a arroba, havendo, portanto, uma perda, conforme o pêso, de 20 a 33 por cento. Deve dizer-se ainda que o gado sofre no transporte para Lisboa uma quebra de pêso em média de arrôba e meia e por vezes superior a 2 arrôbas - ou seja 260$. Além disto ainda é preciso por vezes pagar a alimentação do gado até ao dia da matança, sem que se consiga recuperar o peso inicial. Quere dizer, portanto, que o lavrador das ilhas está em condições de manifesta inferioridade em face do lavrador do continente. Se pusermos em paralelo com o que acabo de dizer o gado das colónias, que, segundo informações há pouco ouvidas, custa em média pouco mais de 200$ por cabeça na origem, veremos logo que o lavrador das ilhas não estaria em condições de concorrer favoravelmente com esse gado para o abastecimento da capital.
Cônscia dos seus deveres, a Junta Geral do distrito de Angra do Heroísmo procura hoje fomentar o desenvolvimento dos rebanhos, sobretudo pelo aperfeiçoamento do sistema de criação actualmente usado.
E permita V. Ex.ª, Sr. Presidente, que eu lembre as dificuldades tremendas com que as juntas gerais, em especial a de Angra do Heroísmo, lutam, dadas as funções que têm a seu cargo, funções que no continente são distribuídas por vários organismos. Aquela Junta Geral dispõe apenas de um veterinário (o intendente de pecuária) e de um agrónomo para três ilhas com economias muito diferentes e comunicações raras e difíceis. É um assunto que merece a mais cuidada das atenções, para que se possa chegar a uma solução favorável do assunto. Portanto à pregunta do aviso prévio se as ilhas poderão suprir as deficiências da metrópole não me custa responder que isso será possível em escala cada vez maior, desde que se habilitem os organismos administrativos competentes com os recursos financeiros e técnicos que lhes permitam desenvolver essa acção.
Neste assunto posso afirmar que falo por experiência própria, visto conhecer directamente as dificuldades com que esse organismo luta quando pretende enfrentar problema de tam magna importância.
Quanto ao quarto ponto do aviso prévio (se é possível aumentar a produção de carne e se será elemento de ponderar a perda de peso na condução de gado vivo aos matadouros centrais) acabei de responder, citando os números que V. Ex.ªs puderam ouvir referentes às despesas e à perda de peso que uma cabeça de gado sofre ao ser transportada desde a origem até ao mercado.
O terceiro ponto que desejo frisar é o que se refere ao n.º 11 do aviso prévio: possibilidade de a indústria do frio poder solucionar o problema. A indústria do frio, se fosse aplicada, teria algumas manifestas vantagens, entre elas a de o transporte se fazer sem risco de traumatismo ou morte, infelizmente não raro.
Haveria ainda a vantagem de não haver perda de peso. Mas eu pregunto se em épocas normais e nos meses da abundância a população do continente iria dar depois preferência à carne congelada quando tivesse à sua disposição carne fresca.
Além disso ressuscita-se aqui o caso de o gado das colónias, de baixo preço na origem, chegar à metrópole por preços, ao que me consta, sensivelmente inferiores, em relação ao do gado das ilhas. Preparado em frigoríficos para vir para a metrópole, chegaria aqui em condições certamente mais favoráveis, porque se evitariam todas as perdas e prejuízos a que está sujeito o gado vivo em tam longa viagem.

O Sr. Clemente Fernandes: - É questão da criação dum fundo de compensação para dar ao lavrador aquilo que é justo.

O Orador: - Eu estou apenas a fornecer uns elementos de estudo, para poderem ser depois apreciados.

O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª dá-me licença? Parece que o gado de Angola chega aqui com uma diferença de 10$ na arrôba.

O Orador: - Ainda há pouco me afirmaram que custa 200 e tantos escudos por cabeça na origem...
O frete duma cabeça de gado da Terceira para a metrópole é de 277$. Outras despesas acessórias elevam o encargo da transferência para 400 e tantos escudos, encargo independente do pêso do animal.
Porém, este cálculo, aplicado a animais de 14 ou 15 arrôbas, pode permitir a V. Ex.ªs imaginarem o desfalque que o lavrador sofre quando se trate de animais de mais pequeno porte, 10 ou 12 arrôbas.
O último ponto a que desejo referir-me é o que diz respeito ao n.º 8 do aviso prévio do Sr. Deputado Melo Machado, isto é, se teriam sido acautelados nas regiões onde os lacticínios são a principal indústria os interesses dos produtores.
Permito-me fazer uma breve história retrospectiva para justificar o que vou dizer.
Um pouco antes da outra guerra fundou-se em Angra do Heroísmo uma indústria de lacticínios e até de carnes de porco preparadas, organizada por um indivíduo de largas vistas e largo saber, já falecido, o industrial Alfredo de Mendonça, o qual conseguiu levar as suas indústrias a um tal estado de aperfeiçoamento que lhe trouxe largo crédito, a ponto de estarem em vias de conquistar vastos mercados exteriores.
Veio a guerra, veio a política de agradar às massas, a política de restrição dos preços do produto e chegou-se a fazer o que ainda há bem pouco tempo ouvi referir ao gerente de uma dessas fábricas: num dia abriram-se várias latas de manteiga que a autoridade obrigou a vender por cêrca de metade do preço de custo, não para satisfazer os interesses dos consumidores, mas os dos partidos que impunham essa política de baixos preços, política que foi cansa imediata da ruína da indústria.
E digo mais. Sobretudo na Terceira, onde não foi possível ainda seguir o caminho que seria para desejar, visto haver ao lado da indústria particular um grande número de produtores agrupados em cooperativas e com fábricas instaladas, se não se tomarem as providências rápidas desejáveis, e há tempos já prometidas, caminha-se para a ruína da indústria dos lacticínios e talvez para a ruína geral da economia da Ilha.
Na outra guerra, como disse, foi essa política de preços baixos, sem se atender aos legítimos interesses dos industriais, mas apenas aos interesses de alguns consumidores e exportadores, que provocou situação tam ruinosa que o industrial em questão - o único que então existia-, desgostoso com a guerra que se lhe fazia, se desfez dessa indústria, ocasionando ficar ela na mão de um que hoje a maneja como quere.
Se não se fôr para uma regulamentação que evite abusos, caminha-se para estes dois pontos concretos: ou a indústria da Terceira fica na mão de um potentado, com todos os inconvenientes inerentes a um monopólio, ou toda a indústria caminha para a ruína.

O Sr. Melo Machado: - Êsse senhor fez a concentração sozinho ...

O Orador: - Lá não se fez a concentração, mas pode fazer-se o agrupamento de todos os industriais desde que haja a regulamentação da indústria. Não há perigo se ela ficar na mão dos que actualmente exercem de facto a indústria, mas já o há se a indústria ficar na mão de um só.

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De facto o lavrador hoje sente-se bem, porque de há certo tempo para cá se provocou uma guerra tal de preços que os outros industriais não têm recursos para a enfrentar e suportar por longo prazo.
Pregunta-se no aviso prévio se estão acautelados os interesses dos produtores. Nesta ocasião estão acautelados, porque eles estão recebendo pelo leite ou natas o triplo do que recebiam antes da guerra, mas o que é certo é que todos os industriais estão trabalhando com um prejuízo de 2$ por quilograma de manteiga vendida no mercado local. Posso dizer isto a V. Ex.ªs com números certos. Quem conduz a guerra não se lhe importa perder ali muitos contos, porque se pode ressarcir noutras partes...
Nada mais tenho para dizer. Se por acaso alguns dos Srs. Deputados que se interessam pela questão quiser números certos - e não os eito para não alongar as minhas considerações -, estão à sua disposição.
Ao terminar apenas desejo novamente solicitar do Governo da Nação que, através do Ministério da Economia ou de outros organismos competentes, se não demorem as seguintes providências: uma, a organização inteligente, que aliás parece já ter sido estudada há cerca de dois anos, da indústria de lacticínios do distrito de Angra do Heroísmo, do qual uma das ilhas vive exclusivamente dessa indústria, que, juntamente com a exportação de gado, chegou a movimentar no distrito, em 1941, cerca de 15:000 contos; outra, que não se demorem as providências necessárias para se habilitarem as juntas gerais das ilhas, e designadamente a do distrito de Angra do Heroísmo, com recursos financeiros e técnicos indispensáveis para poderem fazer dos Açores uma reserva de valor muito apreciável para a economia do continente.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Duarte Marques: - Sr. Presidente: O problema das carnes foi posto pelo ilustre Deputado Sr. Melo Machado com o carinho e positivismo com que S. Ex.ª costuma focar todos os assuntos.
Verifica-se entretanto e em síntese que para a solução de emergência no actual momento parece haver a existência de dois obstáculos que convém focar:
Deficit proveniente de a produção não satisfazer a capacidade de consumo;
Um não perfeito ajustamento de tabelas.

Apreciando o primeiro:

Só o racionamento directo ou indirecto o pode resolver, desde que a entidade encarregada de tam melindroso e complexo serviço baseie o estudo nos princípios fundamentais, a saber:
Só é aplicável o racionamento nos centros onde se verifique a sua necessidade.
Os postos de abastecimento devem estar fornecidos das quantidades correspondentes às zonas ou bairros que têm de servir.
No racionamento directo as cadernetas são familiares, no indirecto serão apenas de identificação.
A burocratização dó controle é o aniquilamento do sistema.
O serviço exige isenção, espírito de sacrifício, honestidade, jurisdição, rigorosa disciplina, boa vontade, em resumo - «Servir».
Quanto ao não ajustamento de tabelas:
E mais que louvável o ponto de vista governamental: «aguentar titânicamente a balança económica da Nação», mas para o efeito o sacrifício tem de ser total.
De um lado o esforço do Governo, do outro o esforço da produção.
O esfôrço do Governo traduzido em tabelas e em regras, o esfôrço da produção sujeito àquelas tabelas e seguindo as regras para uma melhor e maior produção.
Entre o Governo e a produção, o organismo regulador e distribuidor; e por último o consumidor concorrendo com o seu esfôrço de bom acatamento para o trabalho de conjunto.
Sucede porém que se verifica existirem pequenas arestas a emperrarem um pouco a marcha natural das cousas, arestas que, salvo melhor opinião, serão de fácil limagem, considerando como real a boa vontade de acertar.
Vejamos:
Existe a tabela do consumo, e, entre esta e a tabela do produtor, vai uma necessária série de taxas, descontos e espólios obrigatórios, que permitem o bom funcionamento dos serviços de abastecimento, mas cujo somatório vai prejudicar do certo modo os interesses do produtor, porquanto fôra só a estes pedido o sacrifício do desconto global ao valor real do produto.
Daí um natural e lógico atrofiamento da fonte de fornecimento, dando lugar a manifestações do mercado negro e outras como necessidade imediata de momentaneamente se resolverem alguns pormenores de abastecimento e a título meramente mais que improvisado e transitório.
No entanto esta situação não se pode manter, por ser contrária aos mais elementares princípios de disciplina social.
Considerando o facto em si, nós concluímos que a tabela do consumidor não pode nem deve ser alterada - assim o exigem os altos interesses da Nação -, mas com um pouco de boa vontade é possível estar plenamente convencido de que a redução isolada das taxas, dos impostos, dos descontos, melhor distribuição dos espólios, será solução que possa em volume global ir beneficiar a tabela do produtor, sem a menor influência na balança económica nacional, mas suficientemente bastante para atenuar o sacrifício que à lavoura é pedido.
Tenho dito.

Vozes:-Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - O debate continuará na sessão de amanhã.
Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 45 minutos.

O REDACTOR - Luiz de Avillez.

Comunicação enviada pelo Governo à Assemblea Nacional a respeito da matéria do aviso prévio do Sr. Deputado Melo Machado:

Ministério da Economia - Junta Nacional dos Produtos Pecuários. - Sr. Ministro da Economia. - Excelência:

I

1. Na crise de abastecimento de carne há dois aspectos a encarar: quantidades disponíveis para o consumo público e a sua distribuição equitativa.
No tocante ao primeiro aspecto, o exame do quadro n.º 1 permite-nos concluir que, de facto, houve em 1942 uma queda geral do consumo de carnes: cerca ce 28 por cento em relação a 1938, 35 por cento em relação a 1939, 34 por cento comparado com o con-

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sumo de 1940 e de 30 por cento em relação às matanças em 1941.
A crise não afectou porém igualmente o abastecimento de todas as espécies; o quadro seguinte dá a medida, em percentagens, da redução de consumo de 1942 em relação a cada um dos quatro anos anteriores:

[Ver tabela na imagem]

A baixa foi pois muito mais acentuada nos bovinos, tanto adultos como adolescentes.

2. A falta de carnes para satisfazer as necessidades do consumo e, portanto, o desequilíbrio entre as disponibilidades do produto e a capacidade efectiva de compra, resulta da acção conjunta de vários factores, entre êles:
1.º A redução da oferta de gado bovino, de origem metropolitana, para corte, em consequência do prolongamento do seu período de utilização no trabalho agrícola e nos transportes;
2.º A queda do volume habitual da importação do gado procedente das colónias e ilhas adjacentes;
3.º O aumento da procura da carne derivada da escassez de outros géneros, designadamente o peixe fresco e salgado.
Examinemos, sumàriamente, estes factores:
a) A carne de bovinos adultos consumida no país provém, fundamentalmente, dos gados que a lavoura anualmente retira da exploração agrícola por terem chegado ao limite económico da sua utilização como motores animais.
A fixação dêste limite, ou seja a oportunidade de efectuar a substituição dos animais de trabalho, é, necessáriamente, condicionada pelos factores seguintes:
1.º Custo do gado novo de substituição;
2.º Possibilidade de prolongar a utilização do gado existente ao serviço.
Sempre que o gado recriado com destino ao trabalho não chega para satisfazer as apontadas necessidades se substituição do efectivo bovino nos serviços da lavoura o seu custo sobe necessàriamente, pelo desequilíbrio entre a procura e a oferta.
Ora, na actual emergência, o fenómeno verificou-se, agravado pela convergência de duas circunstâncias superáveis: anterior redução da recria e falta cada vez mais acentuada de combustíveis.
b) Em 1938 deu-se uma crise acentuada nos preços de gado bovino.
Foi sobretudo afectado o gado adolescente, cujo preço caíu a menos de metade do seu valor habitual.
Em consequência desta queda de preços foi entregue ao consumo uma massa apreciável de gado, que, normalmente, se destinaria à recria, o que veio comprometer a produção do gado de trabalho.
Este facto, só por si, explicaria a carência dêste gado e os preços elevados que atingiu.
A falta de combustíveis líquidos veio por sua vez agravar a situação já anteriormente criada, obrigando a lavoura a aumentar o seu efectivo bovino a fim de suprir a falta de energia mecânica tanto nos trabalhos agrícolas como nos serviços de transportes.
Ora, não podendo a recria, pelas razões do contigente normal de substituição, muito menos o pôde fazer para acudir a tam grandes exigências da procura.
A lavoura recorreu pois à única solução que se lhe apresentava - prolongar, embora forçadamente, a utilização do gado bovino até ao limite extremo da sua capacidade de trabalho.
É evidente que as disponibilidades para consumo foram portanto reduzidas na medida em que aquela retenção se deu, deixando de afluir aos matadouros todo o gado de algum modo susceptível de ainda se manter em trabalho.
c) Abatem-se habitualmente para o consumo do País cêrca de 100:000 cabeças de gado bovino adulto por ano.
Só a cidade de Lisboa consumia por via de regra 29:000, das quais, eram importadas anualmente cêrca de 11:500.
O consumo de Lisboa representa pois 29 por cento do consumo geral do País e a comparticipação do gado importado eleva-se a 40 por cento no abastecimento da capital.
O recurso seria naturalmente o de suprir a falta de reses da metrópole aumentando a importação de gado de Angola e dos Açôres. Sucede, porém, que as dificuldades de transporte e o aumento das necessidades de consumo nas ilhas quási estancaram estas fontes de abastecimento.

Gado bovino importado de Angola e Açôres

[Ver tabela na imagem]

3. Os factos e circunstâncias que ficam relatados servem para explicar a carência do produto em relação às necessidades do consumo ou às exigências da procura. Quando tal acontece - não chegarem os géneros para satisfazer as necessidades de todos - tem de optar-se por uma destas soluções: ou deixar livres os preços, com ofensa da justiça na distribuição dos bens do consumo e com mais consequencias que do facto naturalmente derivam, ou distribuir as quantidades disponíveis segundo uma regra de equidade, de modo que os sacrifícios toquem a todos.
A primeira era a solução ou expediente do liberalismo económico, de antemão condenada. A Segunda era a fórmula do nosso sistema económico-social, a que nos foi superiormente apontada e consta da circular n.º 316, de 13 de Março de 1942, aos Srs. governadores civis, emanada do Gabinete de S. Ex.ª o Ministro da Economia e de que se junta cópia.

4. Em relação a esta orientação, determinou-se a restrição das matanças de gado bovino, para fazer baixar a possibilidade da compra ao nível das disponibilidades da oferta.
Pretendia-se, pois, alcançar o equilíbrio entre a oferta e procura, para que os preços formados se ajustassem aos tabelados.
E, de facto, se aos negociantes fôsse reduzida a possibilidade de matança na mesma medida em que a oferta do gado baixasse, estava atingido o equilíbrio.

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Por outro lado, fixando os preços de venda da carne ao público em todo o País, limitava-se o poder de compra dos talhantes e tirava-se-lhes toda a possibilidade de acompanhar qualquer movimento de alta de preços que, apesar de tudo, ainda pudesse vir a dar-se.
Ter-se-ia por conseguinte acudido ao mesmo tempo:
a) Ao problema da distribuição;
b) A fuga descomandada dos preços;
c) A alta reflexa do custo da vida (aumento de preços de peixe, da criação, etc.).
A Junta tinha então de vigiar o jogo dos factores capazes de provocar a alteração dos preços dos gados e das carnes.
Quanto aos preços do gado, a estabilidade conseguir-se-ia pela acção conjugada das (restrições de matança e do tabelamento das carnes; pelo que respeita aos preços de venda ao público, só pela rigorosa fiscalização das tabelas se poderia deter a alta que tudo fazia prever.
Como se vê, embora o tabelamento da carne tivesse dupla importância no funcionamento do sistema, as restrições do consumo eram também especialmente necessárias.
O plano da Junta executar-se-ia, no tocante às restrições, pela limitação de matança imposta em cada matadouro por intermédio dos seus delegados, veterinários municipais; quanto ao cumprimento das tabelas, através da fiscalização, exercida sobretudo pelas câmaras municipais.

5. Iniciada a acção da Junta, os resultados só poderiam afastar-se do êxito previsto:
a) Se as restrições fossem insuficientes ou iludidas;
b) Se o poder de compra dos talhantes se elevasse além do limite previsto nas contas do talho que serviram de base ao tabelamento.
Este aumento do poder de compra só se faria sentir desde que:
a) As tabelas não fossem cumpridas;
b) Os despojos atingissem um preço superior àquela em que se haviam valorizado nas contas do talho; ou.
c) Quando surgisse um novo mercado onde, à margem da fiscalização e da venda legitimamente organizada, se pudessem praticar preços superiores aos estabelecidos.
Ora as dificuldades com que a Junta tem lutado derivam exactamente de se terem verificado as circunstâncias acima enunciadas.
Assim:
a) As restrições de consumo não têm sido uniformemente respeitadas. Em muitos concelhos foi consentido ou imposto o desrespeito desta medida, tendo-se mesmo chegado a impedir ou entravar a acção dos delegados da Junta, como se não existissem as prescrições do decreto-lei n.º 29:749 e como se não se tratasse de um problema que transcende a competência dos municípios.
Um dos casos mais flagrantes é o que se passa no concelho de Oeiras, onde, desde Julho de 1942 até Janeiro passado, foram consumidos 311:792 quilogramas de bovinos adultos, quando o consumo em igual período de 1940-1941, época de abundância, tinha sido exactamente de 147:096 quilogramas.
Pelas medidas de restrição impostas esse concelho não deveria ter gasto mais de 95:988 quilogramas - verificou-se pois um excedente de 215:804 quilogramas.
E é evidente que o consumido a mais num concelho foi provocar o agravamento da crise dos restantes.
Por outro lado, os talhantes a quem permitiram o aumento do volume das vendas ficaram em condições do disputar aos restantes o gado oferecido nos mercados. Estes últimos, por sua vez, recorreram à elevação do preço para assegurar o seu abastecimento. O aumento de preços provocado por esta forma só foi possível pelo
desrespeito localmente consentido das tabelas de venda ao público.
Para compensar o acréscimo de despesa provocado pela alta dos gados os talhantes socorreram-se ainda da subida dos preços dos despojos.
b) Sendo o nosso País deficitário em coiros, estes entraram a escassear rapidamente em consequência:
Da queda da importação resultante do estado da guerra;
Da redução da produção nacional, aliada à falta de importação de gado vivo.
A alteração dos preços dos coiros foi porém remediada pela requisição do produto, o qual por esta medida voltou a ser pago pelos preços pre-estabelecidos.
Estando vedado o recurso de elevar os preços dos coiros, procuravam os talhantes compensar-se excedendo mais ainda as tabelas da carne, no que não foram devidamente reprimidos pelas autoridades a quem isso competia.
Surgiram ainda, a agradar a situação, já de si difícil de dominar, alguns negociantes que, por abaterem clandestinamente, portanto sem os encargos legais, e colocando os produtos - carne e coiros - em mercado ilícito por preços exorbitantes, conseguiam sem dificuldade adquirir os gados para o seu comércio, pagando-os tam caros quanto fosse necessário.
Contra a acção perniciosa destes elementos perturbadores tomou o Governo as providências que constam dos decretos-leis n.ºs 32:334 e 152:407.

6. Se as quantidades disponíveis não dão - em virtude das causas enunciadas - para satisfazer as necessidades normais da população, e emquanto as restrições de consumo impostas não forem rigorosamente observadas, os meios mais afectados pela crise hão-de ser Lisboa e Porto. As razões são as seguintes:
a) A entrega do gado aos talhantes faz-se nestas cidades por intermédio das comissões de abastecimento de carnes, que adquirem o gado aos comerciantes e à lavoura, para o entregarem aos referidos talhantes ao preço da tabela;
b) Nos outros concelhos do País o talhante é por via de regra o adquirente do gado para o seu talho.
Desta dualidade de situações resultam vantagens, mesmo ilegítimas - como as derivadas de diferenças de peso e outras -, que se reflectem em maiores facilidades de compra do gado para os talhos da província.
É certo que espalhadas pelo País há 43 comissões da abastecimento de carnes, que funcionam de forma idêntica as referidas; simplesmente, nos centros de pequeno consumo, onde os talhantes são em número bastante reduzido (cerca de meia dúzia, ao passo que em Lisboa há mais de 400), é sempre fácil ao negociante sabor qual o talho que recebeu a sua rês e, por entendimento com o talhante cobrar deste, directamente, a margem entre o preço oficial e o do mercado ilícito.
É preciso, pois, manter as restrições de consumo, fazê-las observar em toda a parte e assegurar, com base nós circunstâncias apontadas, a necessária correlação de preços, para que a população daquelas cidades tenha tratamento equitativo.
e) Levados talvez por dificuldades imperiosas de realizar o seu abastecimento, algumas cooperativas de serviços oficiais, e mesmo departamentos do Estado, resolveram a certa altura passar a efectuar matanças de conta própria.
Para tanto, contrataram com negociantes de gado o fornecimento de reses ou de carne a preços diferentes dos estabelecidos oficialmente.
É claro que os fornecedores de tais entidades trabalham com maior elasticidade de preços, encarecendo os gados quando os disputam entre si e deixando atrás do

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seu aparecimento nas feiras o irremediável agravamento dos preços.
Gera-se por esta forma um círculo vicioso, em que se entra pelo mercado ilícito por não se encontrar carne nos talhos e em que não há carne nos talhos porque se mantém o mercado ilícito.
Pode portanto concluir-se: o organismo de coordenação executou até ao limite da sua competência a orientação que lhe foi traçada como a mais conforme à defesa económica da Nação e à equidade. Parece, pois, que não deve caber-lhe a responsabilidade de não dominar inteiramente os acontecimentos.

7. Pregunta-se agora se convirá aumentar a capitação do consumo.
A questão pode ser encarada pressupondo condições normais ou nas actuais circunstâncias.
Comparando o nosso consumo com o dos outros países da Europa, antes da guerra, verifica-se que ocupamos uni dos lugares inferiores da escala, senão o mais baixo. É evidente que o problema tem de ser visto à luz de outros critérios: vantagem económica de aumentar a produção, aplicação racional do arraçoamento segundo os preceitos da higiene alimentar, consumo do outros proteínas de origem animal. Parece, no entanto, fora de dúvida que o consumo de carne pode e deve aumentar de futuro.
No momento presente, porém, não sendo possível aumentar rapidamente a produção, a não ser nas espécies de mais fácil reprodução, que são também as de menor rendimento, a política a seguir é a de manter as restrições na medida aconselhada pela experiência. Impõem-na as próprias necessidades alimentares -dada a incerteza acerca da duração da guerra - e a de assegurar o trabalho agrícola e parte apreciável dos transportes quando faltem combustíveis líquidos.

II

8. A intervenção do Estado em matéria de fomento é condicionada essencialmente pelos factores seguintes:
a) Organização do mercado, com o fim de assegurar a colocação da mercadoria a preço compensador;
b) Aumento da produção de forragens de maior valor alimentar;
c) Melhoramento das espécies pecuárias;
d) Equipamento técnieo dos serviços.
Pode dar-se uma idea sumária da acção desenvolvida nos últimos anos pela forma seguinte:
a) Para a realização do objectivo enunciado em primeiro lugar foi publicado o decreto-lei n.º 29:749, que retirou da acção dispersa das câmaras a competência para fixar preços e regular o abastecimento pelas razões expostas no relatório daquele diploma.
A intervenção deu lugar a uma melhoria apreciável de preços, que tinham caído excessivamente.
b) Pelo que respeita ao aumento de produção de forragens muito se deve já à acção da Campanha da Produção Agrícola, exercida no sentido de alcançar o melhoramento dos prados pela cultura das melhores espécies forrageiras, completada pela divulgação e alargamento da prática da ensilagem, a que particularmente se refere a portaria n.º 10:232.
e) O melhoramento das espécies pecuárias tem sido promovido pela criação e manutenção de animais nos estabelecimentos zootécnicos, nos quais se constituem núcleos de selecção, donde irradiam reprodutores que a lavoura utiliza no melhoramento dos seus rebanhos.
A par destes animais tem o Estado adquirido directamente à lavoura reprodutores, recrutados de entre os melhores exemplares da raça, hoje distribuídos pelos postos regionais de cobrição ou entregues a entidades de reputada idoneidade, com compromisso de observarem os preceitos técnicos que respeitam à selecção e ulterior destino da descendência.
Estes reprodutores e os que provêm das estações zootécnicas têm servido para se constituírem nas próprias Casas da Lavoura, sob directa assistência técnica, novas fontes de recrutamento de sementais, sucessivamente melhorados, e por este processo se procura caminhar mais depressa na difusão de benefícios.
Dentro do possível também o Estado adquire a descendência daqueles reprodutores e promove a sua recriação na lavoura, mediante o pagamento das despesas de alimentação. Êste regime tem Frutificado com apreciáveis resultados e tem permitido o progressivo alargamento da acção do Estado na manutenção de reprodutores de boa ascendência e, portanto, de valor funcional mais seguro.
Por outro lado, procede-se à inspecção de todos os reprodutores existentes nos postos particulares de cobrição, quer no ponto de vista sanitário, quer no de valor zootécnico; organizam-se concursos pecuários, directamente, promovidos ou subsidiados pelo Estado, cuja realização importa o dispêndio anual de verba» especialmente consignadas a esse fim.
Presta-se à lavoura a possível assistência técnica, exercida directamente com o fim de orientar a selecção pela escolha de reprodutores, determinação do seu valor funcional, divulgação de normas de alimentação racional, tratamento e alojamento higiénico dos gados, etc.
A Junta Nacional dos Produtos Pecuários desde 1940 - início da sua actividade - contribuiu, para estímulo da produção, com cerca de 100 contos, destinados a concursos pecuários, e 160 para as campanhas da produção agro-pecuária, além de 1:000 contos, que representam praticamente bonificação de preços ao produtor.
De entre as ruças bovinas que povoam o continente podemos distinguir apenas unia - a barrosã - em que a vocação creatopoiética se vinca com relevo em relação às restantes funções: leite e trabalho.
Esta particularidade tem levado os serviços oficiais a dispensar à rês barrosã. cuidados especiais no sentido de a seleccionar, melhorando-a como produtora de carne, sem perder de vista, bem entendido, a sua utilização no trabalho - função de que não pode ser afastada.
Ao tabelar o preço do gado bovino a Junta Nacional dos Produtos Pecuários distinguiu sempre o gado barrosão com uma melhoria em relação aos restantes.
d) Em matéria de apetrechamento dos serviços o Estado mantém um certo número de estabelecimentos zootécnicos de fomento e investigação, a saber: a Estação Zootécnica Nacional, como estabelecimento central, a que tem eido dado largo desenvolvimento e onde se realizam estudos de natureza técnico-económica da exploração e selecção das espécies pecuárias; a Estação de Fomento Pecuário de Lisboa, especialmente encarregada de se ocupar do melhoramento doa bovinos leiteiros, dos suínos, dos ovinos da região e dos animais de capoeira. A Coudelaria de Alter, anteriormente destinada à produção cavalar, está sendo transformada por este Ministério na grande estação de fomento pecuário do sul, onde vão ser particularmente tratadas as questões relativas à exploração dos gados alentejanos.
Além destes estabelecimentos, existem ainda os Postos Zootécnicos de Viana do Castelo e Miranda do Douro, exclusivamente destinados ao melhoramento e recria de bovinos.
Pela organização do Ministério está prevista ainda a instalação de uma estação de fomento pecuário no

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norte, com a qual se tem em vista completar o quadro dos estabelecimentos zootécnicos que se reputa indispensável à actividade dos serviços pecuários.
A par disso, promoveu-se a preparação cuidadosa de técnicos tanto nos estabelecimentos científicos do País como nos centros de estudo do estrangeiro.

9. O aumento de produção tem-se verificado em todas as espécies alimentares e na medida das possibilidades actuais.
Observando o que se tem passado em relação a cada uma das espécies, verificamos que:
a) Nos bovinos, de 1934 para 1940, verificou-se o aumento de 54:171 cabeças e o último manifesto, efectuado em 31 de Dezembro do ano findo, embora não esteja ainda completamente apurado, permite já, pelos elementos colhidos, prever um novo e acentuado aumento.
Êste último é consequência das restrições de matança, que, embora desigualmente distribuídas, como acima se viu, se verificam desde 1941 e do incremento dado à recria.
b) Em relação aos ovinos o aumento dos efectivos foi mais acentuado. Na verdade, segundo o último arrolamento, verifica-se um acréscimo de 666:190 cabeças desde 1934 a 1940, ou seja aproximadamente 111:000 cabeças por ano.
O fomento da criação de ovinos tem dupla importância para o País, uma vez que, esta espécie é chamada a concorrer, por um lado, para o preenchimento do deficit da produção de carnes, emquanto que, por outro lado, é dela que dependente exclusivamente a nossa auto-suficiência em lãs.
E sobretudo neste último sentido que a acção do Estado tem sido orientada e só as necessidades do abastecimento em lãs podem marear o limite até ao qual se deve levar o desenvolvimento e o melhoramento desta espécie.
No tocante aos caprinos a orientação não tem sido a mesma, pela necessidade de defender o repovoamento florestal dos danos causados por esta espécie.
c) Na produção de gado suíno gordo (é este que importa considerar no problema do abastecimento) há que encarar isoladamente a produção agrícola e a ceva industrial.
Na produção agrícola o primeiro aspecto da questão é o dos preços:
Vê-se pela leitura do mapa apenso que o movimento tem sido de valorização e estímulo e está sobejamente conhecido o incremento ultimamente verificado na criação desta espécie.
O segundo aspecto é o das disponibilidades para consumo:
O número de cabeças de gado suíno engordadas pela lavoura depende praticamente da maior ou menor produção dos montados de sôbro e azinho.
Infelizmente, depois das últimas montanheiras abundantes de 1938-1939 e 1939-1940, tanto a de 1941-1942 como a de 1942-1943 têm sido anormalmente reduzidas.
No tocante à engorda industrial, têm-se feito todos os esforços possíveis no sentido de promover o seu desenvolvimento e, apesar da extraordinária falta de forragens e dos preços alcançados pelo gado magro, o número de cabeças em regime de ceva na posse dos engordadores e dos industriais é seguramente superior ao dobro do habitual.
Apesar das dificuldades presentes, pode dizer-se que outra seria a situação do País neste momento se não fosse a acção de fomento desenvolvida nos últimos tempos.

III

10. Das restantes questões postas no aviso prévio permitimo-nos destacar ainda as seguintes:
A) Importação de gado de Angola e dos Açôres;
B) Perda de peso no transporte das reses aos matadouros;
C) Diferença entre o preço de inverno e da primavera ;
D) Falta de gado bovino no norte;
E) Defesa dos interesses dos produtores de leite destinado à indústria de lacticínios.
A) Importação de gado de Angola e dos Açôres. - O quadro referente ao movimento da importação de gado angolano e açoreano é suficientemente elucidativo; por ele se verificará que, até n, eclosão do actual conflito, a participação do gado bovino colonial e insular no abastecimento da capital atinge em média 11:500 cabeças anuais, isto é, cerca de 40 por cento do consumo total.
Na presente emergência, porém, o aumento do consumo local, pelo acréscimo das forças militares da guarnição para as ilhas, e a falta de transportes para as províncias do ultramar anulam a possibilidade de comparticipação daquelas e torna inexequível a destas.
A fim de facilitar as condições de boa expedição de gados e para regularizar quanto possível as remessas de gado angolano, celebrou a Junta Nacional dos Produtos Pecuários com os importadores daquele gado um acordo, de que se junta cópia, o que tem sido cumprido na medida consentida pelas actuais dificuldades de transportes.
B) Perda de poso no transporte das reses aos matadouros. - Êste problema tem de ser encarado em função de muitos factores, dos quais os principais são:
A espécie e o meio de transporte.
Os problemas técnicos e económicos que se prendem com a concentração das matanças.
O transporte a pé, tam frequente no nosso País, ocasiona perdas, tanto mais elevadas quanto mais rápida for a marcha, menor for a espécie, menores forem as possibilidades de alimentação em viagem e quanto maior for o calor no período em que ele se efectua.
Esta forma de transporte é, no entanto, muitas vezes necessária, dadas os pequenas distâncias a percorrer, a insuficiência da rêde ferroviária e o pequeno número de cabeças habitualmente deslocadas em cada vez.
O transporte em caminho de ferro pode chegar a ocasionar perdas insignificantes se for rápido e efectuado com meios adequados (vagões-estábulos e outros adaptados ao transporte das várias espécies).
É certo que, qualquer que seja o meio de transporte, este motiva sempre uma perda de peso e, portanto:
Uma perda do produto - o que afecta o abastecimento; e
Uma perda de valor - o que afecta a economia.
Resta porém saber:

1.º Se a perda do produto é tam grande que afecte consideràvelmente o abastecimento normal;
2.º Se a matança efectuada nos locais de origem do gado não cria também, por sua vez, problemas de perda de produtos e sua desvalorização.

Encarando agora o problema no aspecto geral respeitante ao abastecimento do País, verifica-se que para suprimir os transportes a longa distância haveria necessidade de criar matadouros regionais nos locais de produção.
Nestes efectuar-se-ia a matança dos gados produzidos localmente, de onde viriam depois a partir as carcassas e os despojos comestíveis para o consumo dos grandes centros populacionais.
Ora só a cidade de Lisboa e a zona abrangida pelos concelhos limítrofes representa o caso, típico e único

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no nosso País, ao qual se poderia adaptar um tal regime de abastecimento.
De um modo geral e com raríssimas excepções, que só se mantêm por curtos períodos na roda do ano, todos os restantes centros de consumo se abastecem com os gados de produção local ou adquiridos em regiões próximas.
Os matadouros regionais funcionariam portanto só para o abastecimento local e para o de Lisboa.
Verifica-se, porém, que não há no País nenhuma região capaz de manter um ritmo constante e uniforme de oferta de gados, condição essencial para o funcionamento de matadouros desse tipo.
Além de que estes matadouros revestem uma feição nitidamente industrial e requerem, por isso mesmo, larga capacidade de laboração e apetrechamento mecânico complexo e caro. A sua instalação importa, portanto, a resolução de uma série de problemas, cujo enunciado, só por si, dá bem a medida das suas dificuldades.
a) Exigência de meios especiais para o transporte de carnes e subprodutos comestíveis;
b) Dificuldade da utilização de retorno dêsses transportes especiais;
c) Preparação de pessoal técnico e operário altamente especializado;
d) Falta de continuidade na entrega dos gados;
e) Encarecimento do custo de laboração, pelas razões apontadas.
Não parece, pois, que no caso vertente a solução deva ser encaminhada no sentido da instalação de pequenos matadouros regionais.
C) É sabido que em épocas normais a oferta de gado bovino na primavera excede a capacidade de consumo no mesmo período, pelo que uma parte desse gado vem a ser consumida nos períodos seguintes do verão e outono.
Este procedimento ocasiona, como é evidente, uma perda de peso apreciável ou, o que vem a resultar o mesmo, um encargo inútil de manutenção.
O problema só poderá encontrar as soluções seguintes:
Proceder a reservas das forragens superabundantes na primavera;
Promover o armazenamento da carne sobrante, conservando-a pelo frio;
Transferir a ceva para os períodos de carência, de modo a ajustar as disponibilidades da oferta com as necessidades do consumo.
Nunca houve nos períodos de outono o inverno engorda industrial do bovinos em larga recaiu; no entanto, parei de algum modo compensar e estimular essa prática, foi autorizado um aumento de preço da carne no período outono-invernal dos anos de 1940-1041.
A solução, porém, consistirá em apetrechar o matadouro de Lisboa com instalações frigoríficas adequadas à constituição de reservas de carne produzida na primavera, para ser lançada no consumo no período de escassez.
O frigorífico exercerá nestas condições a dupla função de fomentar a produção e regularizar o abastecimento.
De facto, desde que se possa abater todo o gado- engordado na primavera, a lavoura terá assegurada a colocação de maiores quantidades produzidas no período mais abundante de forragens e, portanto, em melhores condições económicas. Por outro lado, guardando o excedente da produção da primavera, poderia suprir-se ou atenuar-se o deficit das quadras de escassez.
O que acaba de dizer-se pressupõe a existência de bovinos para corte em quantidade suficiente para o aproveitamento das forragens.
No caso presente, em que, pelas razões já apontadas, o número de bovinos destinados ao talho se mostra mais reduzido, a função do frigorífico fica também limitada à conservação do que, por efeito das restrições impostas, se possa guardar para a época de mais difícil abastecimento.
D) Se as restrições de consumo fossem observadas igualmente e em toda a parte, parece indubitável que se poderia contar com certa quantidade de cabeças de gado vindas do norte, porque, ao contrário do que pode pensar-se, os efectivos de bovinos nos distritos nortenhos não deminuíram, antes aumentaram no período de 1934 a 1940 e têm aumentado também daquela data em diante.
Quanto à carne de vitela, não se verifica o inconveniente apontado de a valorizar, quer se encare o preço em si, quer se atenda à proporção com o dos bovinos adultos.
Na verdade, o preço das reses adultas aumentou mais do que o das vitelas, orientação esta que vem sendo seguida desde o começo da actuação da Junta, exactamente com o propósito de fomentar a criação.
E) No tocante à defesa dos interesses dos produtores de leite oferece-se-nos dizer o seguinte:
Os preços que vigoravam antes da guerra, nos anos de 1937 a 1939 inclusive, oscilavam entre $30 e $80 por litro. Porém, a média que se obtém entre estes valores extremos não corresponde de forma alguma ao preço médio da valorização do leite na produção, porquanto o valor máximo indicado apenas era praticado no efémero período de menor produção, que muito excepcionalmente atingia dois meses.
E tanto assim é que se computava em cerca de $40 a $45 o valor médio por litro para toda a produção anual.
O último preço fixado foi de $75 para o leite proveniente das raças turma e holandesa, o que representa um benefício de $30 a $35 em relação aos praticados antes da guerra.
Além disso, o leite das raças autóctones, por virtude do seu maior rendimento industrial, foi fixado em $90 por litro, o que corresponde a um aumento de $45 em relação aos referidos preços praticados antes da guerra.
Estes preços foram fixados tendo em atenção os factores económicos que intervêm no custo de produção e a necessidade de não agravar demasiadamente o custo dos produtos entregues ao consumo.
Por outro lado, procura-se assegurar através da organização si equidade nos preços e o melhor aproveitamento da matéria prima.

Tais são as explicações e esclarecimentos que, em conformidade com a superior orientação de V. Ex.ª, entendemos que devíamos prestar.

A bem da Nação. - Lisboa, Junta Nacional dos Produtos Pecuários, 12 de Março de 1943. - O Presidente.

MAPA N.º 1

Consumo total do País discriminado por espécies no quinquénio de 1938-1942

[Ver tabela na imagem]

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16 DE MARÇO DE 1943 219

MAPA N.º 2

Evolução dos efectivos pecuários por espécies de 1934 a 1940

[Ver tabela na imagem]

MAPA N.º 3

Variação dos efectivos bovinos de 1934 para 1940 nos distritos do norte

[Ver tabela na imagem]

MAPA N.º 4 Preço de venda da arroba do gado suíno gordo no Matadouro de Lisboa

[Ver tabela na imagem]

(a) Êste preço é deduzido de 6$ para o gado pôsto no Montijo.

MAPA N.º 5

Consumo comparado de carnes de todas as espécies e de bovinos

(Em toneladas)

[Ver tabela na imagem]

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220 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 22

Ministério da Economia - Gabinete do Ministro. - Exmo. Sr. governador civil do distrito de ... - Encarrega-me S. Ex.ª o Ministro da Economia de transmitir a V. Ex.ª os esclarecimentos e instruções seguintes:
1.º A carência de carne que se tem feito sentir nalguns concelhos, e mais acentuadamente em Lisboa e Porto, atribue-se:
a) A deminuïção dos efectivos pecuários, por se ter abatido excessivo número de vitelas, consequência da crise económica dos últimos anos;
b) Ao facto de se não ter importado gado de Angola nos últimos meses do ano transacto e no corrente, devido à falta de pastos naquela província ultramarina e de ter sido suspensa a concessão de navicerts;
c) Suspensão de embarque de gado dos Açores, devido ao acréscimo de consumo das forças expedicionárias;
d) Aumento de consumo, determinado pela melhoria do estado económico do País, designadamente nalgumas regiões.
Estas as causas principais, a que poderíamos acrescentar a tendência que se nota para maior utilização do gado bovino na agricultura e nos transportes.

2.º Considerando agora o aspecto especial dá distribuïção, verifica-se o Seguinte:
a) A Junta Nacional dos Produtos Pecuários tem na base do seu sistema que os preços a pagar ao produtor devem ser referidos aos de Lisboa e Porto - os dois grandes mercados de consumo;
b) Assim, os preços do gado destinado a outros mercados seriam iguais aos de Lisboa ou do Porto, menos a diferença de transporte e das quebras;
c) A relação entre os preços de Lisboa e Porto era determinada tendo em atenção as condições de produção das duas grandes zonas, dominadas por esses mercados, e a necessidade de em certas épocas do ano completar o abastecimento de Lisboa com carne bovina do norte.

3.º Se o sistema se tivesse mantido tal como foi delineado, teríamos:
a) O preço da carne na venda ao público era em cada mercado igual ao de Lisboa ou do Porto, com as deduções seguintes:

1) Economia em transportes e redução nas quebras;
2) Diferença nas despesas gerais dos talhos, taxas e encargos comerciais.

b) O produtor teria um preço que era independente do mercado a que fosse destinado o gado, como se explicou nas alíneas a) e b) do n.º 2.º

4.º As razões por que é anais acentuada a falta de carne em Lisboa e Porto e das diferenças que se notam de concelho para concelho, no tocante ao abastecimento, são as seguintes:
a) Porque em Lisboa e Porto a propriedade dos coiros era atribuída ao talhante e não ao fornecedor. A sua valorização, na medida em que foi autorizada, serviu naquelas cidades para compensar o talhante da redução operada nas vendas e, em relação aos outros mercados, para aumentar o preço ao produtor;
b) E, depois de a Junta ter tentado estabilizar os preços dos coiros, ficou ainda a desigualdade entre os concelhos em que havia comissões de abastecimento - que tomavam conta dos coiros ao preço fixado- e aqueles em que não foram criadas tais comissões;
c) Outra causa está na intervenção das autoridades administrativas, que, mesmo depois dos decretos n.ºs 20:748 e 29:749, têm alterado os preços, como meio de assegurar o abastecimento nas respectivas áreas.
A continuarem as cousas assim, tudo se passaria como se o problema fosse abandonado a si mesmo: alta sucessiva de preços até ao limite em que a mercadoria, racionando-se por si, só fôsse acessível a poucos.

5.º Estas brevíssimas notas servem apenas para fazer compreender melhor as bases da solução que foram indicadas à Junta e que ela procura pôr em prática no mais curto prazo possível:
a) A Junta terá de estender a sua acção a todos os concelhos do País;
b) A matança será reduzida em tôdos os matadouros de uma percentagem igual, conforme as determinações da Junta e emquanto for julgado necessário;
c) A Junta será a única adquirente e distribuidora dos coiros. A distribuição será feita às fábricas ao preço estabelecido, segundo a cota de rateio atribuída a cada uma;
d) Às decisões da Junta não podem ser alteradas pelas autoridades municipais, embora lhes pertença observar, por intermédio dos Srs. governadores civis, tudo o que julgarem conveniente para a boa execução do serviço;
e) Revisão de preços, de modo a assegurar a identidade de condições de fornecimento dos diferentes mercados.
Desta forma obter-se-ão os resultados seguintes:

1) Repartir equitativamente pelas populações o sacrifício da restrição de consumo emquanto for necessário;
2) Manter a estabilidade dos preços de venda ao público.

Por outro lado, espeta-se que sejam agora coroados de êxito os esforços feitos, desde há longos meses? parti o fornecimento regular de gado de Angola, de carne em conserva e congelada, até ao limite da capacidade dê transporte dos nossos barcos. Se não surgirem novos obstáculos, a importação manter-se-á mesmo no período em que, por haver sobras de gado no continente, era costume reduzir as importações.

Em conformidade com as indicações recebidas de S. Ex.ª o Ministro do Interior, a acção das autoridades administrativas, em matéria económica ou de abastecimento, será orientada directamente pelo Ministério da Economia.
Nestes termos, rogo a V. Ex.ª que transmita às autoridades suas subordinadas o disposto sob os n.ºs 1.º a 5.º do capítulo anterior, com expressa recomendação de observarem a matéria indicada sob o n.º 4.º e de prestarem à Junta a cooperação que lhes for solicitada.
Se V. Ex.ª entender que é conveniente transmitir às autoridades toda ou parte desta nota, pode fazê-lo, se não preferir instruí-las em reuniões convocadas por V. Ex.ª
A bem da Nação.
Gabinete de S. Ex.ª o Ministro da Economia, 13 de Março de 1942. - O Chefe do Gabinete, João Quintela Pessoa Lopes.

Ministério da Economia - Junta Nacional dos Produtos Pecuários:

I

Entre a Junta Nacional dos Produtos Pecuários, representada pelo seu vice-presidente, Sr. Dr. Júlio Marques de Morais, e a Manutenção de Gado de Angola, Limitada (Manugal), com sede na Rua da Conceição,

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16 DE MARÇO DE 1943 221

45, 1.º, Lisboa, representada com procuração pelo Dr. Joaquim Pratas, morador na Rua Aquiles Monteverde, 38, 2.º, Lisboa, celebra-se o seguinte acordo de compra e venda de gado bovino angolano, nos termos das cláusulas e condições seguintes:

II

O gado deverá ser apresentado no Matadouro Municipal de Lisboa durante o prazo de validade deste acordo.

III

O preço será de 132$ por cada arrôba de peso limpo para o gado classificado pela Junta Nacional dos Produtos Pecuários em 1.ª qualidade.

IV

O preço do gado classificado em 2.ª qualidade é de 127$ por cada arrôba de peso limpo.

V

O preço do gado classificado em 3.ª qualidade é de 122$ por cada arrôba de peso limpo.

VI

Os preços estabelecidos nas condições anteriores compreendem, segundo o uso, a carne, a pele e todos os restantes despojos comestíveis e industriáveis.

VII

A Junta Nacional dos Produtos Pecuários obriga-se a mandar abater, n as condições das cláusulas anteriores, o gado por ela considerado em suficiente estado de ceva e aprovado pelos inspectores veterinários municipais.

VIII

A Junta Nacional dos Produtos Pecuários obriga-se ainda a mandar abater todo o gado dentro do prazo de quinze dias, a contar da data da sua chegada a Lisboa.

IX

O gado considerado em suficiente estado de ceva será pago nos termos das cláusulas III, IV e V deste acôrdo.

X

O gado retirado do consumo público, pela Inspecção Sanitária, será pago pelo Fundo de seguro em conformidade com o estabelecido para o gado metropolitano, cobrando-se para esse efeito a respectiva taxa, que incidirá sobre toda a carne.

XI

O gado que não seja considerado pela Junta Nacional dos Produtos Pecuários em suficiente estado de ceva poderá ser engordado pelo vendedor, que o apresentará quando o julgar conveniente.

XII

Todas as despesas de manutenção do gado referido na cláusula anterior são de conta do vendedor.

XIII

O gado que não seja considerado em suficiente estado de ceva e que o vendedor deseje fazer abater será pago dentro da categoria que lhe couber, se for aprovado para consumo, e por 50 por cento da indemnização do Fundo de seguro, quando rejeitado.

XIV

A Junta Nacional dos Produtos Pecuários obriga-se a pagar de sua conta a alimentação de todo o gado que não mandar abater nos termos da cláusula viu, com execpção daquele cuja occisão fôr demorada por decisão do vendedor.

XV

A Manutenção de Gado de Angola, Limitada, obriga-se a aceitar e aproveitar inteiramente todas as praças que a Junta Nacional da Marinha Mercante destinar para transporte de bovinos de Angola para Lisboa, nos barcos que ofereçam condições para o transporte de gado vivo, à excepção do Pungue, Cabo Verde e Malange, que eventualmente poderão utilizar-se nos meses de verão.

XVI

A cláusula anterior só obriga o vendedor desde que a praça seja comunicada com oito dias de antecedência, si contar da data da saída do transporte de Lisboa para Angola.

XVII

A Manutenção de Gado de Angola, Limitada, informará mensalmente a Junta Nacional dos Produtos Pecuários do número de cabeças prontas para embarque que possue em cada um dos portos do Lobito e Mossâmedes, procurando, dentro do possível, carregar segundo os itinerários mareados pela Junta Nacional da Marinha Mercante.

XVIII

O vendedor deverá, quando os serviços veterinários da colónia assim o entenderem, manter em depósito em Angola uma reserva constituída pelo número de cabeças de gado que for fixado por aqueles serviços e que possa permitir embarques mensais de cerca de 400 cabeças, ou sejam aproximadamente 5:000 cabeças durante o prazo de validade deste acordo.

XIX

O vendedor obriga-se a submeter o gado na origem a um período de ceva que terá a duração mínima de trinta dias, em regime de semi-estabulação, fiscalizada pelas autoridades veterinárias de Angola e pelo delegado da Junta Nacional dos Produtos Pecuários.

XX

Durante a ceva o vendedor deverá ministrar ao gado uma ração diária de 3 quilogramas de farinha de milho e 10 quilogramas de feno por cabeça, ou outra de valor alimentar equivalente, aprovada pelos serviços veterinários da colónia e pelo delegado da Junta Nacional dos Produtos Pecuários.

XXI

O vendedor obriga-se a só embarcar o gado aprovado pelas autoridades veterinárias da colónia e que o delegado da Junta Nacional dos Produtos Pecuários considere em bom estado de ceva e em condições de suportar a viagem até Lisboa, com normal aproveitamento da ração que a bordo lhe fôr ministrada.

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222 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 22

XXII

Durante o transporte e manutenção do gado em Lisboa o vendedor deverá distribuir uma ração diária mínima de 3 quilogramas de farinha de milho e 10 quilogramas de feno por cada rês, ou outra adequada e de valor nutritivo equivalente aprovada pela Junta Nacional dos Produtos Pecuários.

XXIII

Os preços podem ser revistos de três em três meses, desde que haja alteração superior a 3 por cento dos elementos que entraram na fixação dos preços agora estabelecidos e que constam de um mapa anexo a este acôrdo. Quando se verifica alteração no frete, seguro marítimo e de guerra, será imediata a alteração correspondente no preço a pagar pelo gado em Lisboa.

XXIV

Este acôrdo entra em vigor na data da sua assinatura pelos respectivos outorgantes e é válido até 30 de Junho de 1943.

XXV

A partir de Janeiro, porém, as quantidades previstas poderão ser reduzidas, 'a pedido dos fornecedores, se por motivo de epizootia ou seca devidamente reconhecidas pelos serviços veterinários de Angola estes verificarem a impossibilidade de efectuar a totalidade dos referidos fornecimentos.

XXVI

Este acôrdo será transformado em contrato logo que a Manutenção de Gado de Angola, Limitada, esteja munida dos necessários poderes a conferir pelos sócios ausentes.

XXVII

A prorrogação ou rescisão do presente acôrdo além de 30 de Junho de 1943 será feita com, pelo menos, noventa dias de antecedência.

Lisboa, 22 de Abril de 1942. - O Vice-Presidente da Junta Nacional dos Produtos Pecuários, Júlio Marques de Morais. - O representante da Manutenção de Gado de Angola, Limitada, Joaquim Pratas.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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