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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 24
ANO DE 1943 18 DE MARÇO
III LEGISLATURA
SESSÃO N.º 21 DA ASSEMBLEA NACIONAL
Em 17 de Março
Presidente o Exmo. Sr. José Alberto dos Reis
Secretários os Exmos. Srs.
José Manuel da Costa
Augusto Leite Mendes Moreira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a às 16 horas e 55 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões do dia 15 do corrente. Leu-se o expediente.
Ordem do dia. - Prosseguindo o debate acerca do aviso prévio do Sr. Deputado Melo Machado sobre a questão das carnes, usaram da palavra os Srs. Deputados Cincinato da Costa, Pires de Andrade e Sá e Abreu.
O Sr. Deputado Madeira Pinto enviou para a Mesa uma moção relativa ao mesmo assunto.
O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão às 18 horas e 25 minutos.
Srs. Deputados presentes à chamada, 67.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão, 5.
Srs. Deputados que faltaram à chamada, 13.
Srs. Deputados que responderam à chamada:
Acácio Mendes de Magalhãis Ramalho.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhãis.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Alfredo Luiz Soares de Melo.
Álvaro Salvação Barreto.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
Angelo César Machado.
António de Almeida.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Hintze Ribeiro.
António Rodrigues Cavalheiro.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur de Oliveira Ramos.
Artur Ribeiro Lopes.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto Leite Mendes Moreira.
Carlos Moura de Carvalho.
Fernando Augusto Borges Júnior.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
Jaime Amador e Pinho.
João Ameal.
João Duarte Marques.
João Espregueira da Rocha Paris.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luiz Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pires Andrade.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Mendes Arnaut Pombeiro.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Alberto dos Reis.
José Alçada Guimarãis.
José Clemente Fernandes.
José Dias de Araújo Correia.
José Luiz da Silva Dias.
José Manuel da Costa.
José Ranito Baltasar.
José Rodrigues de Sá e Abreu.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
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Júlio César de Andrade Freire.
Luiz de Arriaga de Sá Linhares.
Luiz Cincinato Cabral da Costa.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Lopes Vieira de Castro.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Luiz Mendes de Matos.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano
Manuel Joaquim da Conceição e Silva.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Luíza de Saldanha da Gama van Zeller.
Pedro Inácio Alvares Ribeiro.
Querubim do Vale Guimarãis.
Quirino dos Santos Mealha.
Rui Pereira da Cunha.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Cândido Pamplona Forjaz.
Francisco da Silva Telo da Gama.
Joaquim Saldanha.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Cruz.
Alexandre de Quental Calheiros Veloso.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
António Cristo.
Artur Proença Duarte.
João Antunes Guimarãis.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Braga da Cruz.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Pereira dos Santos Cabral.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz José de Pina Guimarãis.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 60 minutos. Fez-se a chamada.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 67 Srs. Deputados. Está aberta a sessão. Eram 15 horas e 55 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário da sessão do dia 15.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como ninguém quer usar da palavra sobre o Diário, considero-o aprovado.
Vai ler-se o
Expediente
Representação dos grémios concelhios dos comerciantes de ferro, ferragens e metais de Lisboa, Porto e Coimbra, pedindo a eliminação do artigo 4. do decreto-lei n.º 31:962, de 7 de Abril de 1941, que considera encobridores do furto de metais aqueles em poder de quem forem encontrados os objectos fartados se não
tiverem procurado certificar-se da sua legítima proveniência.
Esta disposição, pondera-se, obsta à compra de sucata, pela ameaça que faz pesar sobre quem se propõe comprá-la, dada a impossibilidade de o comprador se certificar, com segurança, da legítima proveniência dos objectos oferecidos.
O Sr. Presidente: - Como ninguém pediu a palavra untos da ordem do dia, vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cincinato da Costa.
O Sr. Cincinato da Costa: Sr. Presidente: ao subir pela primeira vez, nesta sessão legislativa, à tribuna, começo por apresentar a V. Ex.ª as minhas saudações. Faço-o com admiração sempre crescente, pois não é indilerente a quem acompanhou os trabalhos da outra legislatura o convívio com V. Ex.ª, sob cuja alta e douta presidência todos tomos a honra de servir o País nesta Assemblea. Para todos os Srs. Deputados os meus melhores cumprimentos.
Desenrola-se a discussão deste aviso prévio num ambiente que pode ser definido da seguinte maneira: falta do carne em Lisboa, Porto e na maior parte do País, talhos obrigados a estar abertos sem nada terem para vender, talhos que se fecham, talhos que se traspassam e matanças muito mais volumosas do que anteriormente em certos concelhos, sobretudo nos que ficam próximo dos centros urbanos.
Todos se queixam, desde o produtor ao industrial, comerciante o consumidor; todos ralham, e devemos confessar que na sua nota parle, todos têm alguma razão.
A verdade é esta: falta a carne - alimento da maior importância, que por si só movimenta a produção, movimenta toda a pecuária nacional, e traduz de verdade um dos mais complexos problemas da nossa economia rural.
Já aqui têm sido postos vários aspectos desse problema, já se tem falado em certas particularidades, que, segundo uns e outros, constituem o defeito essencial do sistema de fornecimento de carne aos principais centros populacionais e a todo o País duma maneira geral.
E foram feitas sobre o assunto largas apreciações pelo nosso colega Deputado Sr. Melo Machado, autor do aviso prévio que se discute.
Essas considerações e tudo o mais que tem sido dito, aqui e ia fora, demonstram exuberantemente a grandeza do problema e a atenção que esta Assemblea Nacional, o Governo e, de unia maneira geral, todos os economistas o estudiosos naturalmente lhe dispensam.
No entanto, ao subir a esta tribuna, eu desejaria também dizer alguma cousa sobre esses diferentes aspectos, preocupando-me mais em fazer falar os números e tirar as conclusões que êsses números nos apresentam, porque, verificando que a culpa cabe, mais ou menos, a um ou outro aspecto, julgo contribuir pela minha parte, naquilo que se pode esperar do meu esforço, neste assunto, para a resolução de uma das mais importantes questões do nosso tempo.
Assim, por exemplo, tem-se invocado - e isso faz parte do primeiro ponto do aviso prévio- que a falta de carne depende, pura e simplesmente, da não existência de gado, ou, por outra, de uma verificada deminuïção de gado no País.
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Quanto a êste primeiro ponto, eu analiso uni mapa que ilustra o depoimento que quero fazer:
Efectivos pecuários manifestados nos diferentes arrolamentos
[Ver tabela na imagem]
Conclusão
[Ver tabela na imagem]
Procurei reunir os números referentes aos arrolamentos que se conhecem: o de 1870, arrolamento que, como se sabe, foi sabiamente presidido pelo grande professe? Silvestre Bernardo Lima, seguindo-se os recenseamentos de 1920, 1925, 1934 e 1940.
Pena tenho que não se conheçam ainda, de forma positiva, os resultados do arrolamento de 1942, mas sabe-se já que houve um apreciável aumento de efectivos pecuários.
E que se verifica dos números deste mapa? Variadíssimas cousas.
Em primeiro lugar, que de 1920 a 1925 a população bovina aumentou de 26:581 cabeças; de 1925 a 1935 de 9:599; de 1935 a 1940 de 54:171, o que traduz ao tono um aumento efectivo, em vinte anos, de 90:351 cabeças;
Por outro lado, vê-se que os ovinos deminuíram, de 1920 a 1925, num total de 166:905 cabeças. (Perdoem-me se eito números, mas as conclusões que quero tirar só podem ter interesse desde que os mesmos se conheçam.}. De 1925 a 1935 há uma deminuïção de 460:143 cabeças; de 1935 a 1940 passa a haver um aumento de 666:190 cabeças, o que traduz, em vinte anos, um aumento efectivo de 39:142 cabeças.
Quanto a caprinos, verifica-se que, de 1925 para cá, têm deminuído, e ainda bem, dados os estragos que causam em muitas propriedades, o que, até certo ponto, deve justificar-se como resultado da política florestal que o Estado tem seguido, visto haver regiões onde as cabras costumavam ir pastar, em baldios e serranias, onde hoje existem importantes povoamentos florestais.
No gado cavalar não tem havido aumento sensível e até se verifica uma deminuïção de 1935 a 1940. Quanto a gado muar, houve também um acréscimo progressivo de população.
Somadas as quantidades de bovinos, ovinos e suínos, verificamos que em vinte anos (de 1920 a 1940) houve um aumento, de facto, de 385:069 cabeças.
Não deixa de impressionar, nos números a que me reporto, as subidas e descidas bruscas nos efectivos de ovinos registadas em diferentes períodos.
Tentei obter uma explicação para este facto e a mim próprio pregunto se ele se não relacionará com a cultura cerealífera.
E que, se forem postos em paralelo os números quo traduzem a produção de trigo em Portugal, verificamos - e isto tem de se compreender, porque os fenómenos económicos são sempre interdependentes - que justamente no período em que aumentou o gado ovino - 666:190 cabeças - foram, em média, mais fracas as colheitas de trigo, verificando-se justamente o contrário do 1925 a 1935, em que se compreende o período áureo da nossa cultura do trigo.
Produção de trigo no continente de 1931 a 1940:
Quilogramas
1931 ........................................ 364.242:320
1932 ........................................ 655.698:648
1933 ........................................ 448.702:056
1934 ........................................ 710.682:936
1935 ........................................ 567.777:646
1936 ........................................ 214.252:624
1937 ........................................ 394.279:649
1938 ........................................ 430.571:039
1939 ........................................ 519.119:586
1940 ........................................ 269.844:321
Observação. - Os números dos anos de 1931 a 1933 são do Anuário Estatístico. multiplicados por 0,8, para sua transformação em quilogramas. Os restantes são da Federação Nacional dos Produtores de Trigo.
É claro que seria para preguntar: Q desejará o lavrador, em período de guerra, auferir lucros iguais aos que; obtém em período de paz?
A meu ver o caso traduz-se desta maneira, posto o problema em equação: a lavoura procura sempre - e isso é justo - tirar o maior proveito dos diferentes factores que interessam à sua exploração.
Como conclusão, quanto a este ponto, demonstrar,! os números que não há uma deminuïçào de efectivos pecuários, e, assim, foi lógica a conclusão que tirou o nosso ilustre colega Sr. Melo Machado quando disse que a falta de carne não dependia da actual existência de população pecuária.
O Sr. Águedo de Oliveira: - V. Ex.ª dá-me licença? Suponho que seria interessante aproximarem-se os números a que V. Ex.ª se está referindo dos números que representam a subida da capacidade populacional do País. Assim, eu desejaria saber se a capacidade de consumo no seu acréscimo não tem ido além dos aumentos de subsistência de que V. Ex.ª se acaba de ocupar.
O Orador: - É um facto que realmente os efectivos aumentaram.
Reparo V. Ex.ª no seguinte: nós temos uma capacidade de consumo que, segundo os números apresentados, tem deminuído. Todavia, eu levarei a minha exposição para êste campo: é que unia cousa é o número de cabeças de gado, outra, é a qualidade do gado que poderia suprir, pelo seu maior peso em carne, o aumento da capacidade.
O Sr. Águedo de Oliveira: - Isso é outro aspecto. Suponho que o consumo restrito de carne que há no País chega a trazer uma solução ao desnível entre as subsistências e a população.
O Sr. Ângelo César: - V. Ex.ª dá-me licença? E apenas para felicitar V. Ex.ª, por ter dado ensejo a que o nosso ilustre colega Dr. Águedo de Oliveira se integrasse no regime dos apartes ...
Risos.
O Orador: - Os colegas podem interromper sempre que o desejem, porque, sempre que eu tiver elementos para responder, o farei imediatamente.
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Como segundo aspecto desta, questão, tem-se falado lambem nas dificuldades resultantes de serem reduzidas as aquisições de gado em Angola e Açôres.
Na verdade, quando se consulta um quadro altamente curioso que aparece no Inquérito Económico-Agrícola do Prof. Lima Basto, sobre bovinos adultos abatidos em Lisboa, inquérito altamente interessante e que foi realizado por incumbência da Universidade Técnica de Lisboa, verificamos que, efectivamente, as importações de gado açoreano (africano neste caso, pois ele proveio de Angola na sua quási totalidade e de algumas zonas de Cabo Verde de 1932 para 1934, a percentagem de gado que nos vinha destes dois centros produtores - Açores e África. - passou de 17,5 por cento para 47,4 por cento durante o referido triénio.
Idealmente impressionam estes números e por eles poderia parecer que jamais poderíamos deixar de adquirir gado, ora das ilhas, ora de África, para o nosso abastecimento de carne.
No entanto, os números de 1935 até ao presente, que reuni num mapa, provam que não tardou a haver uma deminuïção progressiva na venda de gados de Angola e, ainda que com ligeiras oscilações, de gado açoreano, destinados ao continente.
Aquisições de gado bovino de Angola e dos Açôres
[Ver tabela na imagem]
Nota. - Os números de Angola são das estatísticas da colónia.
Na sua totalidade verifica-se m es mu que de 1937 para 1939 a queda se deu de 2 para 1. Quere dizer: quando disse há pouco que há efectivo pecuário no País que nos basta, as estatísticas mostram que em anos que não podem ser considerados de guerra as importações feitas das ilhas e Angola deminuíram também 50 por cento.
O Sr. Clemente Fernandes: - Ar. Exa. dá-me licença? Isso foi derivado da desvalorização da peseta. Importávamos gado, até aí, de Espanha, em eondições normais e favoráveis. Após a desvalorização da peseta passou a dar-se o fenómeno inverso. Deu-se a importação de gado clandestino e sucedeu que oficialmente importámos muito menos.
O Orador: - Conheço bem a afirmação que V. Ex.ª acaba de produzir, mas que só pode ser verdadeira na raia do norte, porque na raia leste julgo que isso se não verificou; tanto assim é que os números de 1932 a 1935, em que não houve desvalorizações da pipeta, mais ou menos confirmam o meu ponto de vista.
Acresce que o ilustro Prof. Brito Vasques, a propósito do movimento pecuário no decénio de 1925 a 1934, afirmou que o, excedente das importações sobre as exportações do gado, no continente, totalizou em média, por ano, 24:947 cabeças, ou seja, em números redondos, 25:000 cabeças.
Hoje temos uma posição muito mais favorável, porque .não só não importamos tal quantitativo - apenas unias escassas 10:000 cabeças nos anos anteriores à guerra - como não se verifica que tenha sido abatido em Lisboa menor número de reses (a média anual no período de 1935 a 1940 foi superior a 30:000 cabeças).
Sr. Presidente: podemos assim concluir também que não houve deficiência de gado vindo dos Açores e de Angola e, portanto, que se não pode evocar êste facto para justificar a falta de carne indispensável ao nosso consumo.
Por outro lado, afirmou-se aqui que a falta de carne na percentagem necessária provém do sacrifício exagerado do vitelas, e essa afirmação tem sido largamente produzida e até difundida. Já lá fora isso causou profunda impressão. O problema não é novo.
Se V. Ex.ªs se derem ao cuidado de ler o interessante parecer, elaborado por altas figuras do nosso antigo professorado, professores Bernardo Lima, Ferreira Lapa e outros sábios zootecnistas da secção pecuária do antigo Instituto Agrícola, parecer que se encontra reproduzido no Boletim do Ministério da Agricultura de 1919, salvo êrro, quando a Câmara Municipal de Lisboa entendeu consultar o corpo docente desse Instituto sobre o que se lhe oferecia dizei- quanto ao problema do abastecimento de carnes, V. Ex.ªs verificarão que nesse parecer também se faz referência à «matança dos inocentes», frase aqui utilizada pelo Sr. Melo Machado, denominando-a, o que representa o mesmo, «a degolação dos inocentes».
À primeira vista parece que tal sacrifício representa um prejuízo enorme no nosso efectivo pecuário. Porém, o problema deve procurar explicar-se da seguinte forma: é que só será possível manter e sustentar essas vitelas desde que as possibilidades forraginosas o consintam. E, não o consentindo, segundo os mesmos professores, não resulta, praticamente, prejuízo no pêso de carne limpa, visto uma vitela dar anualmente a fracção correspondente ao pêso total adquirido pelo animal adulto ao fim de seis anos.
Pondo em paralelo o que se dá connosco, poderemos aplicar neste caso a conhecidíssima lei de Malthus, que diz que emquanto a população cresce numa progressão geométrica a alimentação cresce numa progressão aritmética.
O Sr. Querubim Guimarãis: - A doutrina de Malthus está absolutamente posta de lado, porque os factos têm demonstrado absolutamente o contrário do que ela diz.
O Orador: - Na questão pecuária talvez não tenha sucedido assim, pois não há possibilidade forraginosa para se criar tanta vitela que nasce. Antes a houvesse!
Mas, para mim, vejo ainda o problema sob outra facêta: é que os números aqui apresentados referem-se á cidade do Pôrto e aos anos de 1938, 1939 e 1940. Ora, em primeiro lugar, a cidade do Pôrto está perto do centro leiteiro constituído por toda a região de Entre Douro e Vouga. Fica-lhe também perto outra região apta à criação de gado, que é a de Entre-Douro-e-Minho, sendo sabido que, quando da crise económica de 1931 a 1935, isto é, quando o gado deixou de dar dinheiro, todos os proprietários procuraram trocar os bois por vacas, pelo que, neste caso, foi naturalíssimo que em anos posteriores tivesse aparecido nos mercados do Pôrto uma grande quantidade de vitelas.
Esta é, quanto a mim, a forma de explicar êste facto.
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O Sr. Clemente Fernandes: - E está muito bem observado.
O Orador: - Mas, se procurarmos observar os números e verificar o que eles valem, concluiremos que aios matadouros de Lisboa e Porto, em conjunto, a percentagem de adolescentes nos anos de 1915 a 1924, em relação ao total, soma 37,9 por cento dos bovinos anualmente sacrificados.
Número de bovinos abatidos e aprovados para consumo nos matadouros municipais de Lisboa e Porto de 1915 a 1942
[Ver tabela na imagem]
No período que decorre de 1925 a 1934 encontrasse unia percentagem de 50,5, outro tanto sucedendo - e é curioso a notar este facto - no sexénio de 1935-1940, ainda não afectado pela guerra, pois a proporção não foge dos mesmos 50,5 por cento.
Quere dizer: a percentagem do sacrifício dos adolescentes manteve-se rigorosamente neste período, o que traduz um aumento correspondente, depois de 1934, de adultos abatidos.
É claro que de 1941 para 1942 a percentagem baixou, mas aqui há a considerar a influência da guerra e as dificuldades que têm surgido no abastecimento dos mercados, que agora se discutem.
Tudo isto leva-me, naturalmente, a concluir que os inocentes sacrificados não podem servir de justificação para a queda vertical do fornecimento de carne.
Quanto ao desvio de gado para trabalhos agrícolas, o problema já aqui foi ventilado. Não quero de maneira nenhuma concordar com o critério de que ele justifica a falta de carne. Concordo que, em alguns aspectos, a falta de carne nos mercados tenha sido influenciada pelo desvio do gado para trabalhos agrícolas, mas o que é certo é que nas grandes regiões onde imperava a máquina quantas vezes se trocaram 90 a 100 cabeças por um tractor; isso não constitue razão justificativa, porque nelas o gado que substituiu as máquinas foi o muar e nào o bovino. E se se autorizou a exportação de gado muar para a Suíça, Espanha e França foi porque se considerou que ele não fazia falta de maior à economia do País.
Vem depois o problema das taxas. Elas já foram todas enumeradas. O Sr. Deputado Melo Machado disse que totalizam 1$70 por quilograma de carne. Não me parece, ainda assim, que seja e55e o grande motivo da falta de carne nos nossos mercados. No entanto consegui uma tabela que não deixa de ter certa curiosidade e que se refere ao rendimento e despesas que dá a carne de um boi de 500 quilogramas de peso vivo.
Ela é como segue:
Rendimento e despesas de um boi de 500 quilogramas de peso vivo abatido no matadouro de Lisboa:
Dá aproximadamente 16 arrôbas (240 quilogramas) de carne limpa, que aos preços actuais da tabela produzem:
Preço médio por quilograma 9$84(4) x 240 ....... 2.362$60
Rendimento da miudeza completa ................. 176$00
Rendimento dos chifres ......................... 12$00
Rendimento do sangue ........................... 7$50
Rendimento do coiro ............................ 320$00
_____________ 2.878$10
Despesas:
Mercado Geral .................................. 1$50
Inspecção ...................................... 5$00
Condução para o matadouro ...................... 5$00
Preparação da carne ............................ 105$00
Salgagem do coiro .............................. 4$00
Preparação do sangue ........................... 1$50
Taxa da Junta .................................. 16$80
Taxa do Grémio ................................. 24$00
Imposto indirecto da Câmara Municipal de Lisboa. 28$80
Gastos gerais do talho (1$30X240) .............. 312$00
______________ 504$20
_____________
2.373$90
_____________
Parece não estarem incluídas todas as taxas a que se tem feito referência, mas já impressiona ver que com um boi de 500 quilogramas de peso vivo as despesas somam mais de 500$.
Sôbre a sua possível redução não tenho competência para me manifestar; o que me impressiona são estes números.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Continuando na análise do problema, verifico que apenas se tem falado do gado em quantidade e se esquece do gado em qualidade, o que para mini constitue uma questão de primeira grandeza.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Nós verificamos, segundo dados antigos, que em 1878 um boi rendia 54 por cento de carne limpa, em 1910 rendia 52 por cento e em 1925 rendia apenas 48 por cento. Disso nos dá conta o Prof. Mirando do Vale, ; parecendo que à medida que o tempo vai rolando menos rende uma rês em carne limpa !
Em relação aos anos de 1932 a 1934. o peso de carne limpa de um boi abatido na cidade de Lisboa, principal centro do consumo, não excedia 227 quilogramas, conforme nos diz o Prof. Lima Basto no Inquérito já referido. Quere dizer, um peso inferior ao representado pela percentagem de 48, admitindo-se o peso vivo de 500 quilogramas.
De 1935 a 1940, segundo tabela da própria Câmara Municipal de Lisboa, o peso de carne limpa oscilou entre 218 e 247 quilogramas, donde se pode deduzir que numa base de 50 por cento aqueles 247 quilogramas foram obtidos de um boi de 494 quilogramas de peso vivo.
Conclusão: o gado que vai para o matadouro não está devidamente cevado e, portanto, é de inferior qualidade.
O Sr. Clemente Fernandes: A continuar assim, ao matadouro só vão ossos...
O Orador: - É possível.
Dois bois de boa raça e bem cevados poderiam substituir três reses naquelas péssimas condições e aqui estaria talvez uma forma de solucionar o assunto.
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Continuo, portanto, a afirmar que este assunto, abrange uni complexo problema de economia rural, da solução do qual dependerá poderem ser fornecidas reses capazes para suprir todas as necessidades do consumo.
O gado de Angola, por sua vez, é hoje - podemos afirmá-lo - muito melhor do que há uma dezena ou uma vintena de anos.
Se então, e segundo o Prof. Miranda do Vale, cada cabeça desse gado dava apenas 168 quilogramas de carne limpa, hoje o gado que aparece melhorou e já apresenta 200 quilogramas limpos.
Imaginem V. Ex.ªs que carne podem ter animais em tais condições!
São consideradas muito cevadiças as reses capazes de dar carne limpa acima de 65 por cento: são os bois das raças inglesas Durham, Hereford, Angus, por exemplo; são bois que podem, no fim da engorda, apresentar 700 a 1:000 quilogramas.
No segundo grupo, medianamente cevadiças, englobam-se aquelas reses., entre as quais a nossa barrosã, arouquesa e certos mirandeses, que dão 55 por cento, para mais.
São reses que podem dar, por 100 quilogramas de feno, 4 a 5 quilogramas de carne, aumentando, por dia, de 700 gramas a 1 quilograma.
Desta segunda categoria fazem parte as reses feitas aos seis anos.
Pouco cevadiças as que dão para menos de 56 por cento, e nada cevadiças - no dizer do Prof. Silvestre Bernardo Lima - as que dão menos de 50 por cento.
É triste constatarmos que temos sacrificado no nosso matadouro reses desta categoria: nada cevadiças.
Certamente por isto é que os mesmos mestres a que me referi há pouco dizem:
«É cousa muito singular que o bom nos não convenha e que só tenhamos dentes e estômago para roer e digerir as carnes duras e veiosas de bois velhos e trabalhados, que sejamos, emfim, os apreciadores, por excelência, da badana e do caldo magro».-
Nada mais apreciável para quem se debruça sobre os números e deles procura tirar estas conclusões!
Para mim, o aspecto da quantidade deve estar ligado ao problema da qualidade. A qualidade, por sua vez, tem fatalmente de prender-se ao preço, porque, não tenhamos ilusões, não é possível criar e engordar gado se o preço não for compensador.
Apoiados.
Nas regiões nortenhas V. Ex.ªs verificam que quem tiver a preocupação de engordar uma junta de bois e a for vender, pelo melhor preço consentido, não amealha o dinheiro suficiente para a compra de uma outra junta de gado de trabalho.
Não interessa a engorda ao proprietário nortenho, abandonando-se uma curiosa tradição.
Apoiados.
Os problemas da qualidade e do preço andam sempre inteiramente ligados.
Dirão V. Ex.ªs: mas isso é uma questão de sempre. É, na verdade, um problema de sempre e um problema de futuro.
Os preços não são compensadores por várias circunstâncias: a adubação é mais cara, o que torna as forragens necessariamente mais caras; a mão de obra é mais cara também.
Nas jornadas agronómicas ainda há pouco realizadas no Instituto Superior de Agronomia foi posto o problema dos adubos em tempo de guerra e ali se mencionou um aumento, conforme as espécies, de 39 a 86 por cento sobre os preços anteriores.
Quando se pensa nestes números, verifica-se que realmente há razões para a produção não poder engordar gados a preços fixados aquém do preço justo.
Se o gado é retido durante mais tempo para trabalho e se não é abatido, isso se deve a o criador não ter dinheiro para o substituir, dada a comprovada carestia do gado de trabalho.
Apoiados.
Focada esta primeira parte do problema, eu quereria agora referir-me a dois outros pontos mencionados no aviso prévio: o da defesa das regiões onde os lacticínios constituem a principal indústria e o da necessidade de se valorizar cada vez mais a terra pelos estrumes, melhorando as respectivas condições de produção, com proveito para todos.
Quanto à questão dos lacticínios, julgo que ela se pode pôr da seguinte maneira: nas regiões de entre Douro e Vouga queixam-se os produtores contra a existência de grandes concentrações industriais e contra a divisão dessas regiões em enormes zonas de abastecimento, a que até já chamam espaço vital; queixam-se dos lucros exagerados auferidos pelos industriais e protestam contra o baixo preço do leite, dado o valor dos lacticínios e dos respectivos subprodutos.
Eu não vou, evidentemente, analisar este problema nas suas minúcias, pois não é aqui o lugar mais indicado para o fazer.
No entanto devo dizer que não condeno essas concentrações industriais, pois que elas muito representam dentro da organização e economia nacionais, provocando melhores condições de produção no que respeita, pelo menos, ao fabrico do queijo denominado tipo flamengo.
Nós éramos um país onde se não fabricava queijo desse tipo e em 1930 ainda importávamos todo o que nos era necessário.
Pois em 1939 fabricámos já 380:366 quilogramas e só importámos 71:833 quilogramas, o que quere dizer, traduzido em escudos, que em 1930 houve uma saída de 3 milhões de escudos e em 1939 apenas 564.000$, números redondos.
Deu-se uma apreciável redução na saída de ouro e, por isso, todos nos temos que felicitar, tanto mais que as fábricas existentes utilizam mão de obra e matéria prima portuguesas.
Apoiados.
O que se torna porém indispensável é que a indústria organizada não prejudique e asfixie a produção leiteira, oferecendo-lhe apenas $70 por cada litro de leite que lhe adquire, sendo este de vaca turma. No seu próprio interesse tem de pagar o leite a um preço que seja justo e compensador, não se podendo perder de vista que as forragens estão mais caras - o saco de coconote, por exemplo, custa o dobro do valor por que se adquiria em 1939-, as farinhas, além da sua alta cotação, não aparecem no mercado e os salários subiram de 50 por cento.
Como prova de que o preço do leite é insustentável e tem de ser cuidadosamente revisto, basta saber-se que os efectivos pecuários na região já foram reduzidos de 25 a 30 por cento e, nalguns pontos, mesmo de 40 por cento. A indústria também é prejudicada com tal redução.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Queixam-se os produtores de que os industriais auferem lucros de 4$ e 5$ por quilograma de manteiga e 5$ a 6$ por quilograma de queijo, sendo de considerar ainda maiores proventos quando na mesma fábrica se produz manteiga e queijo e se aproveitam os subprodutos.
Não tento, como disse, analisar aqui esses números, pois sei que a Junta Nacional dos Produtos Pecuários entende que são exagerados os lucros apontados, não
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dando, portanto, razão aos que protestam com tal fundamento.
No entanto, como os produtores reclamam sempre, e com eles os próprios grémios da lavoura dos concelhos interessados, aos quais assiste, nos termos da portaria n.º 9:733, o direito de fixar os preços do leite por acordo com os industriais, parece-me que, neste aspecto, não há mais do que cumprir a lei.
Sendo os próprios grémios da lavoura a protestar, pregunto se realmente foram ouvidos, porque só na falte, daquele acordo a Junta pode intervir na fixação dos preços.
Quando se vê, num intere55ante estudo do engenheiro agrónomo António Seabra, elaborado na antiga Estação Agrária Central, considerado o problema das forragens, contabilizadas ao preço do mercado, que o custo médio do leite, em ensaios realizados num período de dez anos (1926 a 1936), foi de 1$21 por litro, somando só as despesas de alimentação $87, não se compreende como ainda se pode pagar leite a $70 cada litro, com a agravante de esse leite dever ter maior e natural procura, numa região onde a indústria entrou em franco desenvolvimento.
Já na sessão de 22 de Fevereiro de 1941 o Sr. Dr. Albino dos Reis se referiu, com muito mais eloquência, a este importantíssimo assunto, insistindo também no ponto ultimamente focado pelo Deputado Sr. Melo Machado de os industriais comprarem o leite a $70 para o venderem logo a seguir, sem mais despesas, a 1$.
O problema carece, portanto, de cuidadosa revisão, parecendo interessante que, tal como se faz na Madeira, se fixe sempre um preço mais alto para o leite destinado ao fabrico do queijo, pois trata-se de um produto que mais lucros dá. Na Madeira há um diferencial de $20 em litro.
Dada a importância do assunto e as reflexos que ele já vai tendo na deminuïção da população pecuária, estou certo de que o Governo e a Junta Nacional dos Produtos Pecuários o estudarão convenientemente, procurando dar-lhe pronta solução.
O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª dá-me licença? A solução desse problema interessa até à própria concentração industrial; quando não tiver leite não pode trabalhar.
O Orador: - Certamente, e existindo na região, pelo menos, duas cooperativas de produtores, não deve ser difícil conseguir elementos seguros que levem à adopção de um justo preço, respeitando-se consequentemente os interesses de uns e de outros.
Deixarão assim os produtores de afirmar que a construção de uma nova fábrica de lacticínios em Lourosa da Feira, orçada em mais de 2:000 contos, só é possível à custa dos grandes lucros que auferem os industriais.
Resta-me falar sobre o que consta do n.º 12.º do aviso prévio do Deputado Sr. Melo Machado, considerando, de facto, como problema de largo alcance económico e social a intensificação da criação racional de gado, pois é ele que permite, pelos estrumes que produz, assegurar à terra o fornecimento mais barato de matéria orgânica e dos princípios fertilizantes indispensáveis às necessidades culturais.
O nosso País é ainda hoje um país que pode ser justamente apodado de deficitário em matéria de estrume. Os entendidos afirmam que dele nos faltam 10 milhões de toneladas para as necessidades económicas da propriedade rural e não é o adubo químico que o pode substituir, como durante tanto tempo se julgou, pela simples circunstância de que este não possue a matéria orgânica que o estrume contém em forte percentagem.
O estrume do curral intervém no solo sob um tríplice aspecto: físico, biológico e químico, o que nunca se deve perder de vista, pois que, além de modificar a contextura de certos terrenos, nele vamos encontrar a flora e a fauna microbiológica, que no solo exercem, por sua intervenção, uma interessante acção melhoradora, e, por último, os elementos nobres necessários às exigências constantes das plantas cultivadas.
O adubo químico pouco mais contém do que esses elementos, sendo certo e sabido que as terras empobrecem, de ano para ano, se for exclusivo o seu emprego.
Por assim o ter entendido é que o Estado e os seus organismos de fomento vêm desenvolvendo uma persistente propaganda no sentido de se preparar estruma em maior quantidade, ensinando os preceitos técnicos a seguir para sua mais perfeita e completa utilização.
Para tal vêm os departamentos oficiais fomentando a construção de estrumeiras ou nitreiras na propriedade particular, divulgando os resultados das experiências feitas nus suas estações, escolas e postos especializados.
Da mesma forma se nota uma intensa acção oficial no sentido do melhoramento das pastagens, tanto pelo fornecimento de sementes seleccionadas como pela propaganda de novas forragens consideradas mais úteis e ricas para sustento do gado.
Não tem sido igualmente descurado o problema da construção de silos, subsidiando o Estado os lavradores que os queiram instalar nas suas propriedades, com importâncias que, salvo erro, vão até 40 por cento do preço do custo. Por meio deles se consegue o melhor aproveitamento da massa forraginosa, arrecadada em épocas de maior fartura, para ser utilizada em períodos de escassez.
Por outro lado, o Estado não deixa de reconheeer que, em certos pontos, por não poder haver estrume em quantidade apreciável, se tem de recorrer à sideração, para se conseguir ainda matéria orgânica pelo aproveitamento dos adubos verdes.
Isto no que respeita à parte agrícola, pois que no campo pecuário não tem sido menos profícua a intervenção dos Poderes Públicos.
Todos conhecem os benefícios já conseguidos, em matéria de melhoramento e selecção de raças, nas estações e postos especializados dependentes dos Ministérios da Economia e da Guerra e nomeadamente na Estação Zootécnica, na do Fomento Pecuário, nas coudelarias e até nas estações agrárias. Não se ignora também que a Junta Nacional dos Produtos Pecuários tem procurado auxiliar, na medida do possível, esta importantíssima acção de fomento, sendo de esperar que, de ano para ano, aumente o seu contributo.
Trata-se, pois, de uni problema de economia rural do mais largo alcance, no qual tanto a Direcção dos Serviços Agrícolas como a dos Serviços Pecuários têm desempenhado uma importante acção e devem continuar a desempenhá-la numa comunhão de esforços dos seus técnicos agrícolas, agrónomos e veterinários, espalhados por esse País fora.
O problema do abastecimento de carnes está inteiramente ligado a esta larga obra de fomento, sendo de esperar que no futuro não nos venha a faltar a carne de que carecemos e agora tanto nos preocupa.
Para já torna-se necessário, indispensável mesmo, ajustar as diferentes engrenagens do sistema, corrigindo defeitos e limando arestas, para se assegurar o possível abastecimento de tam precioso produto.
Mas isso compete directamente ao Governo e é nele que esta Assemblea e o País têm de confiar, porque o problema não deixará de ter adequada solução.
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Disse um dia o nosso Chefe do Governo que: «o povo que verdadeiramente quere não tem problemas insolúveis».
Este é um deles, e eom a boa vontade de sempre certamente se resolverá.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. João Pires de Andrade: - Sr. Presidente: sendo esta a primeira vez que tenho a honra de usar da palavra nesta Assemblea, quero apresentar a V. Ex.ª as minhas saudações e cumprimentos respeitosos, saudações que desejo sejam extensivas a todos os Srs. Deputados.
Sr. Presidente: teve o Sr. Deputado Melo Machado 41 idea feliz de trazer a esta Assemblea a discussão de um problema que, pela sua importância e actualidade, deve ser colocado entre aqueles que bem se podem classificar de interesse nacional.
Merece S. Ex.ª o nosso aplauso duplamente, porque, além de despertar a atenção de quantos ao assunto têm ligados os seus interesses, contribuiu para que eom o estudo a que se tem procedido se demonstre que a esta Assemblea merecem o melhor carinho todos os assuntos de que dependa o bem-estar de todos os portugueses, e praza a Deus que algum resultado prático daqui possa resultar.
Como afirmou o Sr. Deputado Melo Machado, e muito bem, o fim em vista é o de contribuir para a solução de um problema cuja urgência e importância se não compadecem eom delongas, nem soluções de carácter transitório, que permitem indefinidamente a cronicidade habitual do problema.
E só assim se compreende que o problema das carnes aqui tivesse sido presente.
Ao Govêrno deve interessar o conhecimento dos pormenores que dão causa a este estado de cousas, e que as pessoas que chamou para eom ele colaborarem melhor, mais detalhada e regionalmente conhecem; para o criador e consumidor interessa a luz que se faça em seu espírito, quanto às possibilidades de uma solução a curto prazo, ou, pelo menos, o conhecimento perfeito do melhor caminho a seguir. Do conhecimento dessas possibilidades se infere que, por vezes, se mais e melhor se não consegue é porque acima da vontade dos homens estão as determinantes da natureza, que não é fácil contrariar, nem depende de nós o afastamento de causas a que não demos origem, mas cujas consequências temos de suportar.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: o problema do comércio das carnes é de tal importância e tal vastidão que bem pode dizer-se que ele abraça toda a economia agrícola e o melindre que em si encerra, pela luta de interesses que entram em jogo, não torna fácil a apreciação, que para ser perfeita seria de uma extensão que a complacência de V. Ex.ªs e os nossos recursos não permitem.
Pelo conhecimento que temos do problema e pela maneira brilhante como o Sr. Deputado no-lo apresentou, pareceu-nos conveniente fazer a sua apreciação agrupando em quatro capítulos a sua matéria, e não ponto por ponto.
Assim, teremos:
1.º A existência e abastecimento de carnes;
2.º Dificuldades de distribuição; seus efeitos;
3.º A carne e o seu preço;
4.º Aumento de produção; fomento. Das várias espécies pecuárias que entram na alimentação humana quatro apenas nos vão merecer em detalhe as nossas referências e pela ordem da sua importância, que são: a bovina, a ovina, a suína e a caprina.
Não se quere com isto afirmar que outras não merecem já ser referidas, mas, para o caso de que nos ocupamos, são aquelas, de facto, que directamente nos interessam, e de entre elas especialmente a bovina por ser aquela que falta quási por completo no mercado.
Importa, pois, enumerar as causas que provocaram o seu desaparecimento e, se possível for, a indicação de meios a pôr em prática para que tal estado de cousa termine.
As causas são várias e de entre elas ressalta, em importância, a fuga do gado de corte do matadouro d Lisboa, a manutenção de um maior número de animais de trabalho na mão do agricultor, para suprir as necessidades dos seus trabalhos agrícolas e de transporte, ainda, a reconstituição dos seus rebanhos, que estavam reduzidos ao mínimo.
Não demoraremos na explicação destas várias causas, por elas serem já do conhecimento de V. Ex.ªs não ser esse o objectivo das nossas considerações, mas não podemos deixar de nos referir à primeira aportada.
Fuga quási completa do gado bovino dos matadouro de Lisboa e Porto, e referimos estes dois apenas por que não é ousadia afirmar-se que são eles que condicionam no País o consumo dos bovinos.
Há, por consequência, um local ou locais onde êsse gado é abatido, e são eles os matadouros limítrofes de Lisboa, os clandestinos e ainda aqueles a que o autor do aviso prévio, em termo feliz, classificou de subsidiários.
No primeiro caso é fácil a explicação, que reside na deminuïção de encargos e muito principalmente num fiscalização mais benévola, acrescida ainda de um maior facilidade de fuga de maiores quantidades de carne para o mercado chamado negro.
Para os clandestinos, a repressão severa e necessário não é capaz de lhes pôr cobro, mas é o único meio eficaz; só há que intensificá-la, levando até onde seja necessária a sua acção.
Restam-nos, Sr. Presidente, os denominados subsidiários, que um tal estado de cousas permitiu a sua existência e a necessidade de se considerarem quási legalizados. Não é, contudo, justo que essa situação a mantenha e, para remediá-la, parecia-nos que essa permissão não fosse além das suas necessidades reais, t porque o exemplo deve vir de cima, a matança deve se feita nos matadouros oficiais, garantindo-se-lhe o fornecimento diário consoante as suas necessidades.
Aos estabelecimentos militares e civis deve ser garantido esse fornecimento, mias segundo estas regras.
Ainda se podia atribuir a falta de gado de corte sua deminuïção ou pouco existência, mas, pelo contrário, apreciando as estatísticas de 1934 e 1940 ver ficamos que existe um aumento de 10 por cento neste quatro espécies, assim discriminado:
No continente:
Bovinos .............. 9,9
Ovinos ............... 6,5
Suínos ............... 3,2
Caprinos (deminuíu) ..
Nas ilhas:
Bovinos .............. 9,7
Ovinos ...............13
Suínos ...............11,4
Caprinos .............17,3
Média na metrópole ... 9,9
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Chegamos assim à conclusão de que não existe menor quantidade de gado, mas sim uma má distribuição, eom todo o seu cortejo de reclamações e efeitos, que podem ocasionar graves perturbações.
Para uma justa e equitativa repartição das quantidades existentes necessário se torna a boa vontade, nítida compreensão e espírito de sacrifício de todos aqueles que neste comércio intervêm - produção, intermediário e consumidor.
Conjugando estes três interesses, na medida do possível, talvez se consigam melhores resultados, porque entro eles só um elemento concorre para a discórdia existente, que é o preço, que para muitos só por si resolveria a questão.
Mas neste ponto, que é o mais melindroso da questão, parece-nos prudente que, eom verdadeira isenção e espírito de leal e franca colaboração, se não peça mais do que seja justo, e se limitem os desejos de auferir lucros, que, por exagerados, não podem ser permitidos. É certo que existem certas injustiças, que têm origem mais na falta de um reajustamento de preços do que propriamente na sua elevação pura e simples.
Não seria prudente nem mesmo seria de fácil justificação a elevação do preço de qualquer produto, quando nós sabemos que a capacidade do poder de compra está em muito excedida e que só um grande sacrifício a mantém nos limites actuais.
É de todo o ponto justo que êsse sacrifício se estenda a todos.
Mas se fôr feito um exame consciencioso a todos os elementos que entram na distribuição dos produtos, desde a produção até ao consumo, facilmente se conclue que esse sacrifício é somente suportado pela produção e pelo consumo, precisamente os dois elementos que é necessário e mais se tem querido proteger.
Dos lucros que são atribuídos ao intermediário e à indústria é possível e seria de aconselhar que se dividisse uma parte, embora modesta, com a produção.
É êste de há muito o nosso ponto de vista, e hoje mais do que nunca temos a convicção de que estamos dentro do campo das realidades.
E não se vá supor que admitimos qualquer erro nas contas que se apresentam ou que só nos queremos referir ao dedo do cortador, mas há factores e pormenores que escapam e que só uma grande prática, que encerra o segredo, poderia desvendar.
Justo seria que concretizássemos o que se afirma, mas isso, além de fastidioso, tornaria muito longa a nossa exposição.
Fica a sugestão; feita a experiência num ou noutro produto, estou certo de que os resultados não desiludiriam ninguém.
Resta-nos, Sr. Presidente, o reajustamento de preços, e, para não desprezarmos os bovinos, vamo-nos referir ao preço da sua carne. De sempre, o preço desta carne por arroba foi sensivelmente igual ao da carne de porco em estado de ceva, critério que nos últimos tempos se tem desprezado. A diferença hoje existente não é grande -12$-; apenas receio que ela aumente, pois parece estar provado, ou pelo menos tenta-se prová-lo, que os 142$ não são remuneradores para a engorda industrial. Talvez assim seja; não po55uímos elementos que nos provem que assim é ou o contrário.
Eu bem sei que essa diferença tanto pode ser para mais como para menos, e os 12$ cabem bem no campo de55a hipótese, mas, dada a escassez da carne de vaca, que se atribue ao seu baixo preço, justo é concluir que, se a diferença fosse para mais, talvez as cousas se modificassem, e aqui um exemplo, quási sem querermos, do que há pouco se afirmou, isto é, da possibilidade de se dar ao produtor uni pouco mais, sem o menor agravo para os preços do consumidor.
As reses abatidas nesses matadouros são pagas por preços superiores aos da tabela oficial e, apesar disso, a cume é fornecida ao preço da tabela, e não é de admitir que a deminuïção das despesas pudesse cobrir esse déficit.
Para concluir, temos o aumento de produção, o fomento.
Pregunta-se se devemos aumentar a nossa população pecuária, nomeadamente a bovina e ovina, a que não é ousado afirmar-se que sim, mas sem a pretensão de imitar o óptimo que existe lá fora. O melhoramento das possas raças e das suas condições de vida impõe-se, para o que é necessária a conjugação nesse sentido de dois esforços: a selecção das espécies, operada segundo a técnica - campo veterinário; a- sua alimentação - campo agronómico.
É necessário que entre estes dois elementos tam preciosos exista a mais estreita colaboração, porque só assim se poderá conseguir um resultado satisfatório.
Não é fácil a uma inteligência abaixo do nível medio, como a minha, compreender a razão de ser das divergências existentes, que só uma falta de compreensão dos deveres que a cada elasse competem pode explicar. Chego mesmo a admitir que a desunião existente naquela a que me honro de pertencer seja um dos motivos.
Mas tenho esperança de que será possível modificar esse estado de cousas, para o que só basta boa vontade e essa existe.
Faço votos por que isso seja em breve uma realidade.
Voltando ao assunto do aumento de produção, ele justifica-se, sem qualquer receio de excesso, jamais num mundo em que se defende a política da auto-suficiência. Num país em que o déficit, em carne e lã é crónico não è eom facilidade que se muda o rumo da vida em melhor sentido.
Pela análise dos números que traduzem o nosso déficit conclui-se que as cousas se passam como afirmámos; senão vejamos: a média anual do consumo do País, calculada pelo período de 1933 a 1940, é de 33:043 bovinos, eom o pêso de 7.600:000 quilogramas. Deduzindo a 21:443 cabeças, eom os seus 5.487:136 quilogramas, com que contribuiu o continente, encontramos o déficit, que é de 11:600 cabeças, a que cabe o peso do 2.112:864 quilogramas.
Neste déficit, que as ilhas e a colónia de Angola têm suprido, cabe uma percentagem de 30 por cento referente ao consumo de Lisboa e de 10 por cento ao resto do País.
Vê-se, Sr. Presidente, que não é de recear o aumento da produção, devendo somente acautelar-se e prevenirem-se as condições necessárias para que a sua entrada no consumo seja de molde a não sofrer as depreciações que hoje se verificam.
Mesmo se atentarmos no que respeita à, capitação por pessoa, vemos que ela é irrisória e se traduz em 50 por cento do menor consumo que se verifica nos países civilizados, traduzido da forma seguinte (por pessoa e por ano):
No continente:
Carne de bovinos ............ 3kg,900
Carne de suínos ............. 9kg,000
Carne de ovinos e caprinos .. 2kg,300
Carne de equinos ............ 0kg,520
15kg,250
Em Lisboa:
Carne de bovinos ............11kg,570
Carne de suínos .............10kg,660
Carne de ovinos e caprinos .. 5kg,600
Carne de equinos ............ 0kg,520
28kg,350
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Não será, pois, demasiada exigência o aumento de capitação, que trará como consequência o necessário aumento da população pecuária.
Propositadamente guardamos para o fim o aproveitamento do que se desperdiça em transportes e os prejuízos que lhe suo inerentes e, assim, se justificar se devemos ou não continuar como até aqui.
Sabido como é que os animais pendem em peso e qualidade algum do seu valor e conhecendo-se os processos lá fora usados, nasceu a idea da sua adaptação ao nosso País e, assim, apareceu a hipótese da construção de matadouros regionais, transportes em vagões isotérmicos, etc.
Importa saber se os prejuízos hoje verificados compensariam o custo e manutenção de tal apetrechamento, sabido como é que as perdas de poso por via férrea são para os:
Bovinos - só os da limpeza provocada pelos traumatismos sofridos.
Suínos - 5 a 6 quilogramas para um porco de 120 quilogramas.
Ovinos - 0kg,500 a Okg,700.
Por via terrestre:
Bovinos - 1 a 2 quilogramas por dia de marcha.
Ovinos - sem importância.
Não nos repugna admitir como pouco viável e sujeita a fracasso a prática de tal sistema, atendendo a que ele só teria aplicação prática dos períodos de abundância, ou seja nos meses que medeiam entre Abril e Agosto.
Desde que existisse um frigorífico em Lisboa, principal centro de consumo, seria então de boa prática o aproveitamento de determinados matadouros já existentes e o transporte rápido em vagões isotérmicos até ao frigorífico central, onde a carne sofreria as operações neee55árias à sua conservação até ser lançada no mercado em épocas de escassez.
A traços muito largos, Sr. Presidente, fica tratado o assunto, eom as sugestões que o melindre especial da nossa posição nos permitiu, o que não traduz certamente qualquer contribuição para a solução do problema das carnes, nem a modéstia dos nossos recursos permitiria pensar em tal, afigurando-se-nos que de momento o assunto deve ser estudado eom a maior urgência e por pessoa ou pessoas de reconhecida idoneidade e competência.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Sá e Abreu: - Sr. Presidente: sou um dos pequenos lavradores do Minho, onde não há que falar propriamente de grandes lavradores, ou seja das terras da antiga província de Entre-Douro-e-Minho, a que actualmente correspondem os distritos de Braga, Porto o Viana do Castelo.
Desejo também (e sem esquecer a qualidade de modesto lavrador) dar o meu contributo ao aviso prévio do ilustre Deputado Sr. Melo Machado sobre fornecimento, consumo e abastecimento de carne. Atrevo-me a tal, mesmo depois de o assunto ter sido já versado pelos mais competentes desta Casa, por ser meu intuito focá-lo num campo restrito, eom feição local e inteiramente à lavrador do Minho, som todavia deixar de ter interesse nacional. É que se o lavrador minhoto sabe sempre calar o sofrer consigo mesmo a injustiça, independentemente do seu grau de intensidade e ponto de partida, embora muito a tenha sentido, jamais pôde reter ou deixar no esquecimento o seu reconhecimento e gratidão quando, cedo ou tarde, se lhe faz justiça.
Eis, meus senhores, o meu objectivo principal.
Sr. Presidente: o Estado Novo, na realização da sua obra altamente moral e de profundo sentido histórico, acabara eom as distancias entre as populações portuguesas, e principalmente entre Lisboa e as populações rurais, tornando-as assim melhor conhecidas; e deste modo, restabelecida a confiança recíproca, ressurgira nelas a natural compreendo da existência do um interesse geral ou colectivo, dominando o interesse particular ou individual, a satisfazer pelo Estado, eom a não só desinteressada como devota coadjuvação das próprias populações, através das respectivas organizações.
O Govêrno pode contar eom os governados para a prossecução do seu fim; e estes, confiantes, bem sabem que daquele vem sempre a melhor orientação. Daí a nova Nação achar-se unida e forte - o que é bem necessário nos tempos presentes.
Sr. Presidente: o Minho já se acha junto a Lisboa. Todavia ainda precisa que Lisboa continue a lembrar-se dele, fazendo inteira justiça às suas moderadas pretensões.
Deram-lhe boas estradas, magníficos caminhos vicinais, fontanários, bebebouros para os gados, etc., com o que muito tem aproveitado toda a vida rural da região.
É um povo amante da terra, e principalmente da sua. Esforça-se por fazê-la produzir ao máximo, vindo desde há séculos sujeita a uma exploração intensiva, eom as suas melhores culturas e o mais perfeito aproveitamento. Refiro-me às culturas dos cereais e das forraginosas, feitas sem interrupção, sucedendo-se umas às outras.
O lavrador do Minho nunca largara da mão dois factores da máxima importância para a economia rural, ou seja o seu boi e as suas bouças (terras do matos eom arvoredo).
É que o Minho, terra pobre, carece de matérias orgânicas bastantes para formar n húmus, sem o qual a sua fertilidade seria impossível. É o seu boi que a fornece nas condições mais convenientes, pelo perfeito aproveitamento das forragens da região e pelo seu serviço. É por isso o animal predilecto do lavrador minhoto. Sempre o foi e creio bem que nunca deixará de o ser.
Actualmente a densidade da população bovina vai além do 43 cabeças por quilómetro quadrado no distrito de Braga e deverá ser sensivelmente a mesma em toda a província.
A lavoura do Minho, como consta da comunicação feita à Assemblea Nacional pelo Governo e fora dito pelos ilustres Deputados que me antecederam no uso da palavra, tem recebido na verdade um poderoso auxílio e incentivo para prosseguir no melhor aproveitamento da sua riqueza agrícola. Êsse auxílio tem-se feito através das Direcções Gerais dos Serviços Pecuários e Agrícolas. Os técnicos têm sido incansáveis e sempre ali acolhidos eom extrema simpatia pela população rural, que por sua vez se não poupa ao esforço que dela é exigido.
As condições sanitárias do gado vão este ano ser ainda consideràvelmente melhoradas eom a vacina contra a febre aftosa dos bovinos e ovinos e contra o mal rubro dos suínos. As próprias câmaras municipais e os grémios da lavoura têm também dado aos respectivos serviços todo o apoio e facilidades. E portanto bem se poderá dizer que no Minho se continua a obra de desenvolvimento agrícola.
A raça barrosã, predominante na região, é sem dúvida a melhor raça bovina que temos para carne. Pega lhe bem e é de sabor excelente. O bom inglês, em tempos afastados, apreciava-a muito, o que determinava uma larga exportação para o seu solar. Exportava-se o boi-
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selecção, criado e engordado para tal fim. Conseguia-se assim carne da melhor qualidade - um verdadeiro mimo. O mesmo será ainda boje possível, o até em maior escala do que ne55es bons tempos, desde que o consumidor se convença do seu valor alimentar, para a pagar pelo justo preço.
É, na verdade, uma carne de qualidade incontestavelmente superior.
Tive já ocasião de a firmar que o lavrador do Minho fura perspicaz em não largar da mão o boi e a bouça, porque é frequento haver quem fora da região penso o contrário, censurando o condenando a existência de tantas terras a bravio. Ora, se o número delas fosse reduzido, as consequências não se fariam esperar no sentido nefasto. Seria a ruína completa da lavoura pela falta dos elementos fertilizantes. É também nessas terras do mato que nas manhãs de verão o gado vai refrescar-se o aproveitar o sou bom pasto.
O contrário do exposto desequilibraria a exploração agrícola, eom males irremediáveis emquanto se não restabelecesse o necessário equilíbrio.
A vida do lavrador minhoto ó uma luta permanente para manter a fertilidade das suas torras. Passa se um verdadeiro círculo vicioso: forragens para haver gado, gado para haver matérias orgânicas, e estas para assegurar a boa produção. A quebra de um elo desta cadeia provocaria a ruína da respectiva economia agrícola.
Mas, como é sabido, o Minho comporta ainda uma maior população bovina o por isso impõe-se uma política de carnes nesse sentido.
É isto, Sr. Presidente, que pretendo o Minho, a fim de poder continuar a sua missão patriótica de bem cultivar as suas terras: basta para isso que êle seja admitido como fornecedor normal o regular dos seus bois gordos, no mercado de Lisboa, mediante o seu preço real. É, como voem, bom de contentar. Espero que a vontade lhe será feita. Estou disso convencido; e assim desde já apresento os agradecimentos.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Suspendo a sessão por alguns minutos.
Eram 17 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 20 minutos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Madeira Pinto.
O Sr. Madeira Pinto: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa uma moção, como remate natural da discussão que vem sendo feita sobre a questão das carnes.
O Sr. Presidente: - O texto da moção que acaba de ser apresentada é o seguinte:
Moção
Ouvidas atentamente as considerações produzidas durante o debate sobre o problema das carnes, constante do aviso prévio do Deputado Sr. Melo Machado, e apreciada a comunicação enviada pelo Govêrno à Assemblea;
Reconhecendo que os grandes noutros consumidores têm lutando nos últimos tempos com a falta de carne, sobretudo da espécie bovina; e, assim,
Reconhecendo a necessidade premente de atenuar quanto possível essa falta, que, além do mais, se traduz na alta dos preços cos outros géneros alimentícios, contrariando assim a política prudente do Govêrno a este respeito;
Considerando que o melhor estímulo da produção é o justo lucro, havendo, portanto, que determinar se o preço da carne e dos derivados animais, especificadamente do leite, oficialmente estabelecido, constitue justa remuneração:
A Assemblea, Nacional dá o seu apoio à política do Govêrno de luta contra a elevação dos preços e consequente encarecimento do custo de vida, realizada através do tabelamento dos géneros e das restrições do consumo;
Presta justiça ao esforço que a lavoura vem realizando para ocorrer às necessidades essenciais do consumo do País;
Confia em que o Govêrno, sem prejuízo do pensamento fundamental dessa sua política, a concilie eom os ajustamentos de preços que as circunstâncias excepcionais rio momento aconselham, que as realidades económicas aconselhem num ou noutro sector, e continue preparando a solução integral do problema.
O debate continuará e concluirá na sessão de amanhã.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 25 minutos.
O REDACTOR - M. Ortigão Burnay.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA