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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 50

ANO DE 1944 29 DE FEVEREIRO

III LEGISLATURA

SESSÃO N.º 47 DA ASSEMBLEA NACIONAL

Em 26 de FEVEREIRO

Presidente: Exmo. Sr. José Alberto dos Reis

Secretários: Exmos. Srs. José Manuel da Costa
Augusto Leite Mendes Moreira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados, com uma alteração ao Diário n.º 48, os dois últimos números do Diário das Sessões.
O Sr. Presidente anunciou que o Sr. Deputado Magalhãis Ramalho ia dar conhecimento à Assemblea do parecer da comissão nomeada para se pronunciar acêrca da perda do mandato do Sr. Deputado Madeira Pinto.
O referido parecer, que concluía pela perda do mandato, foi aprovado por maioria, em escrutínio secreto.

Ordem do dia. - Foi aprovada, na especialidade, com uma emenda, a proposta de lei relativa aos lucros líquidos das emprêsas de navegação, tendo usado da palavra o Sr. Deputado Jaime Pinho.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 10 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 55 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Acácio Mendes de Magalhãis Ramalho.
Alberto Cruz.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre de Quental Calheiros Veloso.
Alfredo Luiz Soares de Melo.
Álvaro Salvação Barreto.
Ângelo César Machado.
António de Almeida.
António Bartolomeu Gromicho.
António Rodrigues Cavalheiro.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur de Oliveira Ramos.
Artur Ribeiro Lopes.
Augusto Leite Mendes Moreira.
Cândido Pamplona Forjaz.
Carlos Moura de Carvalho.
Fernando Augusto Borges Júnior.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
Jaime Amador e Pinho.
João Ameal.
João de Espregueira da Rocha Páris.
João Garcia Nunes Mexia.
João Pires Andrade.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Saldanha.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Alberto dos Reis.
José Alçada Guimarãis.
José Clemente Fernandes.
José Dias de Araújo Correia.
José Luiz da Silva Dias.
José Manuel da Costa.
José Maria Braga da Cruz.
José Pereira dos Santos Cabral.

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José Rodrigues de Sá e Abreu.
Júlio César de Andrade Freire.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz de Arriaga de Sá Linhares.
Luiz Cincinato Cabral da Costa.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Lopes Vieira de Castro.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Luiz Mendes de Matos.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel Joaquim da Conceição e Silva.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Luíza de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Querubim do Vale Guimarãis.
Quirino dos Santos Mealha.
Rui Pereira da Cunha.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 59 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das duas últimas sessões.

Pausa.

O Sr. Presidente: - No Diário n.º 48, p. 69, col. 2.ª, 1. 5l, onde se lê: «arbitração», deve ler-se: «votação». Na p. 70, col. l.ª, 1. 13.ª, onde se lê: «projecto de lei e agora só tem de ser discutida a proposta na especialidade», deve ler se: «decreto-lei já votado na generalidade, pelo que a proposta só tem agora de ser discutida na especialidade»; na mesma página, col. 2.ª, 1. 9.ª, onde se lê: «lei o que», deve ler-se: «lei de que».
Com estas emendas consideram-se aprovados os referidos números do Diário das Sessões.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Mendes de Magalhãis Ramalho, para dar parte à Assemblea do parecer sôbre a perda de mandato do Sr. Deputado Madeira Pinto.

O Sr. Acácio Mendes: - Sr. Presidente: a comissão nomeada por V. Ex.ª para apreciar a situação do ilustre Deputado Sr. Dr. Madeira Pinto, em consequência da sua nomeação para o cargo de adjunto do provedor da Misericórdia de Lisboa, elaborou o seu parecer, que escreveu e está devidamente fundamentado.
Êste parecer está assinado pelos três vogais que constituem a comissão e é o seguinte:

Sr. Presidente da Assemblea Nacional. - A comissão por V. Ex.ª nomeada, na sessão de 24 do corrente, para apreciar a situação do ilustre Deputado Sr. Dr. António de Sousa Madeira Pinto consequência da sua nomeação para o cargo de adjunto do provedor da Misericórdia de Lisboa, emite o seguinte parecer:
1.º Não está, nem pode estar agora em causa, apreciar se, de jure constituendo, é ou não necessária e justa, lógica e coerente com o regime jurídico da elegibilidade dos representantes da Nação e da organização da Câmara Corporativa - problemas aliás diferentes daquele sôbre que incide êste parecer e a que, por isso mesmo, podem também ser dadas diferentes soluções - e, numa palavra, se é ou não defensável e deve, consequentemente, ser ou não mantida numa futura revisão constitucional a doutrina do artigo 90.º, n.º 1.º, da Constituição vigente e do artigo 15.º, n.º 1.º, do Regimento da Assemblea, que vedam aos Deputados aceitar do Govêrno, ou de qualquer govêrno estrangeiro, emprêgo retribuído ou comissão subsidiada, sob a sanção de perda do mandato, mas trata-se, tam sòmente, de saber se, de jure constituto, o facto da nomeação dos adjuntos do provedor da Misericórdia de Lisboa está abrangido por aqueles preceitos, constitucional e regimental.
2.º Pronunciasse em sentido afirmativo a comissão pelas seguintes razões:
Determina o artigo 4.º do decreto-lei n.º 32:555, de 12 de Setembro de 1942, que os adjuntos do provedor da Misericórdia de Lisboa, bem como êste, são nomeados pelo Govêrno, e não há dúvida de que êsses lugares são empregos retribuídos, e retribuídos aliás com vencimentos fixados também pelo Govêrno, como mostram o artigo 5.º, § 2.º, e artigo 13.º do decreto-lei n.º 31:913, de 12 de Março de 1942, e artigo 9.º do decreto-lei n.º 32:555 e mapa n.º l anexo ao mesmo. Parece, pois, à comissão que, uma vez aceite a nomeação para qualquer daqueles empregos por um Deputado, ela deve importar a perda do seu mandato, por fôrça dos citados preceitos.
3.º E não devem obstar à aplicação dessas disposições legais as circunstâncias de o provimento dos referidos lugares dever ou poder ser feito por meio de contracto da Misericórdia com o nomeado e de a sua retribuição ser paga por ela.
a) Não a primeira circunstância, porque a modalidade ou processo do provimento por aquele contrato não lhe apaga a natureza e carácter de nomeação feita pelo Govêrno, quando é êste que, como no caso sujeito, determina imperativamente, dentro da lei, no despacho da nomeação, que o contratado seja a pessoa por êle escolhida livremente, isto é, independentemente da proposta ou indicação da Misericórdia (e salvas as outras excepções consignadas no § único do artigo 90.º da Constituição).
b) É também não a segunda circunstância, porque o artigo 90.º e seu n.º 1.º dispõem genèricamente, isto é, não distinguem entre empregos retribuídos ou comissões subsidiadas pelo próprio Govêrno e empregos não retribuídos ou comissões não subsidiadas por êle, exigindo ùnicamente que sejam empregos retribuídos ou comissões subsidiadas; e como onde a lei não distingue também o intérprete não deve distinguir, a não ser que afastassem a aplicação dêste princípio razões especiais e decisivas, que no caso sujeito não existem, deve entender-se que o preceito legal abrange uns e outros empregos.
4.º E se o texto da lei - primário elemento da sua interpretação, como é sabido- conduz àquela conclusão, não é diferente a que resulta do seu espírito ou ratio legis, pois a razão determinante da proibição e sanção estabelecidas pelas citadas disposições legais, bem ou mal, não há que discuti-lo agora, não foi outra senão impedir a possibilidade de a nomeação pôr nas mãos dos governos um meio de anular ou deminuir a independência e liberdade de acção dos Deputados no exercício das suas altas funções legislativas e de fiscalização política, e, a admitir-se essa anulação ou deminuição como possível efeito daquela causa, essa possibilidade tanto se verificará no caso de a nomeação não se efectuar pela modalidade do contrato temporário e ser feita para emprêgo ou comissão retribuídos pelo próprio Govêrno como no caso de a nomeação se efectuar por aquela modalidade e para emprêgo ou comissão não retribuídos por êle (se é que aquela possibilidade não se verifica em mais alto grau

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em qualquer dos dois últimos casos), pois em ambos é sempre ao Govêrno que o Deputado fica devendo a sua nomeação, que é a possível causa inibitória ou depressiva da sua dependência e liberdade de acção. E, como ubi eadem rabio legis ibi ejusdem dispositio, deve entender-se que o artigo 90.º, n.º 1.º, da Constituição e o artigo 15.º, n.º 1.º, do Regimento compreendem todos os figurados casos.
5.º A doutrina do artigo 90.º, n.º 1.º, da Constituição, que, na sua essência, se encontra estabelecida nas constituições políticas de vários países, ainda mesmo nas mais modernas, foi reproduzida, na parte que interessa a êste parecer, do artigo 20.º da Constituição da República de 1911, que, por sua vez, a importou com alterações do artigo 8.º da lei francesa do 30 de Novembro do 1875, aplicável aos Deputados e depois ampliada aos Senadores pela lei de 26 de Dezembro de 1887.
Êsses diplomas prescreviam que o exercício de toda a função pública retribuída sur les fonds de l'Etat era não só causa de inelegibilidade, mas também de incompatibilidade com o lugar de Deputado, e determinavam que os nomeados para essas funções, depois de eleitos, deviam declarar dentro dos oito dias posteriores à validação da eleição se optavam pela função retribuída, e nesse caso, bem como no de não fazerem declaração alguma, perdiam o mandato, procedendo-se ao preenchimento da sua vaga nos termos gerais da eleição de Deputados.
E era doutrina corrente entre os tratadistas de direito constitucional francês que, como aliás resultava da própria letra da lei, aquela incompatibilidade e inelegibilidade não se verificassem com as funções retribuídas pelos orçamentos dos departamentos, das câmaras ou dos estabelecimentos públicos, visto a lei se referir expressamente a funções retribuídas pelo orçamento do Estado. Mas deve notar-se que a lei de 30 de Dezembro de 1928 alterou as de 1875 e 1889, estabelecendo a incompatibilidade do mandato de Deputado e Senador não só com o exercício de funções públicas retribuídas sur les fonds de l'Etat mas também com o exercício de quaisquer outras funções públicas remuneradas do nomeações do Estado.
A nossa Constituição vigente integrou-se nesta última corrente, e tanto ela como a de 1911, ao eliminarem respectivamente dos seus artigos 90.º e 20.º a referência que as leis francesas de 1875 e 1877 faziam a funções retribuídas polo orçamento do Estado, não só propuseram fazer apenas uma diferença formal ou de redacções, mas sim essencial ou de própria mens legis, estendendo a incompatibilidade a todos os empregos, retribuídos ou não, do Estado, pois não é lícito admitir que os nossos legisladores ignorassem as disposições da legislação francesa e as correntes doutrinárias que as interpretavam.
Se as duas Constituições tivessem em vista referir-se sòmente aos empregos retribuídos pelo Estado, havê-lo-iam dito expressamente, como fazia a legislação francesa de 1875 e 1887 e entendiam os seus comentadores, que os nossos legisladores seguramente conheciam.
6.º Todos os elementos - o gramatical, o lógico e o histórico - levam pois a concluir por interpretação meramente declarativa, que os Deputados que aceitam a sua nomeação, pelo Govêrno, para os lugares de provedor da Misericórdia de Lisboa e seus adjuntos, como aliás para outros corpos não remunerados pelo Estado - e nestas condições estão, por exemplo, os de comissários do Govêrno junto de companhias e de organismos corporativos, os de presidentes ou directores dêstes organismos ou dos de coordenação económica, os presidentes das Câmaras Municipais de Lisboa e Pôrto e dos concelhos de primeira ordem, etc. -, perdem o seu mandato.
A comissão é, pois, de parecer que o artigo 90.º e seu n.º 1.º da Constituição são aplicáveis ao ilustre Deputado Sr. Dr. António de Sousa Madeira Pinto, a quem com o maior aprazimento exprime o mais elevado aprêço pelos seus comprovados méritos intelectuais e morais e deseja manifestar a sua mágoa por a Assemblea Nacional ficar privada da sua distinta e brilhante colaboração, se ela entender que deve votar a perda do mandato do Sr. Dr. Madeira Pinto pelo facto do ter aceitado do Govêrno a sua nomeação para o cargo de adjunto do provedor da Misericórdia de Lisboa.

Sala das Sessões da Assemblea Nacional, 28 de Fevereiro de 1944. - Albino Soares Pinto dos Reis Júnior - Luiz da Cunha Gonçalves - Acácio Mendes de Magalhãis Ramalho.

O Sr. Presidente: - V. Ex.ªs acabaram de ouvir ler o parecer da comissão. Esta, como verificaram, assentou em que, quer pelo que respeita à letra da lei, quer pelo que respeita ao espírito da lei, quer pelo que respeita aos elementos históricos, o Sr. Deputado Madeira Pinto perdeu o mandato pela aceitação do cargo de adjunto do provedor da Misericórdia de Lisboa.
Se algum de V. Ex.ªs quiser usar da palavra para discutir o assunto, estou pronto a dá-la.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Visto que ninguém quere usar da palavra, vai proceder-se à votação, que tem de fazer-se por escrutínio secreto.
V. Ex.ªs lançam nas urnas o seu voto da seguinte maneira:
Quem lançar na primeira urna uma esfera preta indica que o Sr. Deputado Madeira Pinto perdeu o mandato; quem lançar na mesma urna uma esfera branca indica que o mesmo Sr. Deputado não perdeu o mandato.
Na segunda urna V. Ex.ªs deitam a esfera que não lançaram na primeira, para contraprova.
Procedeu-se à votação.

O Sr. Presidente: - O resultado da votação foi o seguinte:
Na primeira uma entraram 43 esferas pretas e l6 brancas; na segunda uma sucedeu justamente o contrário: entraram 43 esferas brancas e 16 esferas pretas. Está, portanto, votado por maioria que o Sr. Deputado Madeira Pinto perdeu o seu mandato.
Julgo interpretar o sentimento da Assemblea exprimindo o nosso desgôsto por nos vermos privados da colaboração valiosa do Sr. Deputado Madeira Pinto.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Esta em discussão a proposta do lei relativa aos lucros líquidos das emprêsas do navegação.
Como V. Ex.ªs sabem, esta proposta de lei é o resultado da ratificação com emendas do decreto-lei que já foi votado na generalidade nesta Assemblea. Portanto, resta agora a discussão na especialidade.
Está pois, em discussão o corpo do artigo 1.º e seu § l.º do decreto-lei, sôbre os quais não houve nenhuma emenda.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Se ninguém quero usar da palavra, vão votar-se.
Submetidos à votação, foram aprovados.

O Sr: Presidente: - Está em discussão o § 2.º do artigo 1.º
Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Pinho.

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O Sr. Jaime Pinho: - Sr. Presidente e meus Senhores: volto a esta tribuna com a consciência segura de que, embora em breves palavras, não deixarei de tornar-
me fastidioso por um lado reproduzindo argumentos já por mim ditos nesta Assemblea, e talvez, à primeira vista, impertinente por discordar em absoluto das conclusões a que se pretendeu chegar no parecer da Câmara Corporativa sôbre a minha proposta de lei n.º 11, acêrca da distribuição de dividendos nas emprêsas de navegação.
Sr. Presidente: no parecer agora submetido à discussão da Assemblea Nacional confirma a Câmara Corporativa aquilo que aqui já se reconheceu, a clamorosa necessidade de se dotar o País com uma frota mercante inteiramente capaz.
Para se atingir esta finalidade não é só indispensável adquirir barcos novos, de razoável tonelagem, andamento rápido e consumo económico. Mais ainda: é preciso que os navios a adquirir sejam adequados às exigências normais do tráfego a que se destinam.
Assim, por exemplo, deverão as unidades destinadas às carreiras de África e das ilhas adjacentes ser dotadas de frigoríficos capazes de conduzirem para a metrópole carne congelada bastante para suprir as deficiências da produção continental.
O presente sistema de transporte de animais vivos acarreta inevitáveis (perdas, quer em unidades, quer no pêso daquelas que chegam até nós, isto além de que deteriora os navios, obriga a consideráveis despesas de guarda e sustentação e não consegue abastecer o mercado nas quantidades necessárias e na qualidade recomendável.
Deverão também os navios, nas mesmas carreiras e nas do norte da Europa, estar convenientemente apetrechados para o transporte de frutas, de modo a fazê-
las chegar ao seu destino no melhor estado de conservação.
Haverá, ainda especialmente, de cuidar-se da aquisição de navios-tanques, cuja falta se tem feito sentir tam penosamente na economia nacional, destinados ao transporte de combustíveis e outras mercadorias líquidas.
Em resumo, terão de estudar-se cuidadosamente as carreiras a explorar e as necessidades especiais de cada uma, sem se esquecer o tráfego costeiro nas próprias colónias e o entre si e ainda o estabelecimento de uma linha regular para o Brasil, nação irmã, à qual nos unem estreitos laços espirituais, políticos e económicos, e cujo futuro se anuncia largamente prometedor, com alta projecção na vida das Américas e na própria vida do mundo.
De acôrdo também com o parecer da Câmara Corporativa, entendo que se impõe a substituição, dentro de curto prazo, de, pelo menos, 70 por cento da nossa actual frota.
A estimativa de que o Fundo de aquisição de navios atingirá um pouco mais de uma quinta parte da importância necessária para esta renovação, se pode pecar, é decerto por defeito, e não por excesso.
Ainda que nos contentássemos com a solução precária de uma deficiente marinha mercante, incapaz de prover, em quantidade e qualidade, às mais imperiosas necessidades da vida nacional, o Fundo de aquisição de navios, como se diz no parecer, pouco mais produziria do que um quarto do numerário total a investir na apontada renovação.
Efectivamente, reportando-me aos próprios números apresentados pela Câmara Corporativa, da soma do Fundo de aquisição de navios, no montante de 90:000 contos, com o valor de tonelagem a vender, na importância de 84:000 contos, apuramos 174:000 contos.
Como, porém, para a substituição de 70 por cento da frota existente serão precisos ainda, conforme o parecer da Câmara Corporativa, 840:000 contos, verifica-se um déficit de 666:000 contos.
No parecer em discussão nem uma palavra se diz acêrca da maneira como se há-de arranjar dinheiro para fazer face a esta considerável diferença.
Trata-se, repito, do déficit tremendo e, ainda optimista, a meu ver, resultante da simples substituição de 70 por cento da frota actual, e já não da aquisição efectiva de uma frota inteiramente capaz.
Continuando, pregunto: Onde se vão buscar estes 666:000 contos?
Recorre-se ao erário público?
O Estado pode, em teoria, intervir por dois processos: ou fazendo a aquisição directa das novas unidades ou facilitando-a por meio de um empréstimo.
A primeira modalidade contém em si própria o vício que irremediàvelmente a condena.
É de carácter socializante.
Demais, uma experiência bem dolorosa demonstrou-nos já de sobejo a incapacidade do Estado neste domínio.
A segunda modalidade poderá, quando muito, considerar-se talvez como simples adjuvante, isto é, como um mal necessário a que se poderá recorrer para suprir a eventual insuficiência dos capitais privados e na medida de tal insuficiência.
Como solução radical, levaria a esta consequência inevitável: os juros, embora estipulados a taxa muito módica, como não podia deixar de ser, cedo causariam embaraços sérios à vida das emprêsas e acabariam talvez por sufocá-las.
Uma exemplificação com dados que reputo dignos de aprêço:
Suponhamos uma emprêsa com cinco navios de passageiros e oito de carga, sendo apenas dois dêstes de idade inferior a 25 anos.
Suponhamos ainda (e a suposição continua ainda a assentar em factos reais) que terá de renovar 34:025 toneladas referentes ao navios de (passageiros e 21:450 toneladas respeitantes aos navios de carga.
Neste momento é impossível prever ao certo qual o custo da construção naval no após-guerra.
Consideremos todavia uma redução de 35 por cento nos preços normalmente apresentados hoje pelos estaleiros navais e tomemos como base 4 e 10 contos por tonelada para a construção, respectivamente, de navios de carga e de passageiros (devo esclarecer que estes números foram considerados baixos por alguns técnicos que consultei).

Contos
Teremos, assim, que as 21:450 toneladas dos apontados oito navios de carga custarão ......... 85:800 e
às 34:025 toneladas dos indicados cinco navios de passageiros devem custar .........................340:250
ou seja um custo global de ..........................426:050
A emprêsa que tenho em mente disporia presentemente, na mais favorável hipótese, de uns .................. 85:000 no seu Fundo de aquisição de navios.
Esta importância (se atribuirmos o preço médio de 600$ por tonelada para os navios a substituir, conforme previsão, quanto a mim optimista, do parecer da Câmara Corporativa) viria a ser acrescida do produto da venda das indicadas 75:475 toneladas, ou seja .................. 45:300
quere dizer, o total conseguido seria de .............130:300
Para o numerário global necessário faltariam portanto ...................................295:750

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que seria a importância, na modalidade em consideração, a obter do Estado por via de crédito.
Qual a taxa de juro a estipular?
2,5 por cento?
Sr. Presidente e Srs. Deputados: por si só o encargo de juros a avolumar a coluna das despesas seria de, números redondos, 7:400 contos.
Qual a emprêsa que em tempos normais suportará sem grave sobressalto tam avultado encargo?
Dêste modo parece que só ao capital particular, ou, ao menos, sobretudo a êle, deverá caber a missão de acorrer às emprêsas de navegação.
À intervenção do Estado ficam reservadas outras importantes medidas, tais como: o «prémio à construção, subsídio de carreiras, etc., o que me parece descabido examinar agora.
O capital, porém, Sr. Presidente, ao contrário dos homens, não conhece patriotismo como norma de conduta habitual - pretende essencialmente e busca persistentemente justa remuneração e suficiente segurança.
A política económica não pode e não deve ignorar esta realidade fundamental da própria vida económica.
Há-de, portanto, orientar-se no sentido de atrair capitais improdutivos ou de os chamar às produtividades mais necessárias, entre as quais avulta, sem dúvida, a marinha mercante.
Em regra, as nossas emprêsas de navegação estão hoje sujeitas a limitações dos dividendos dos seus capitais, limitações quer indirectas, pela adjudicação obrigatória da maior parte dos seus lucros ao Fundo de aquisição de navios, quer directas, pela fixação do máximo da taxa dos próprios dividendos.
Não digo que desabono as limitações indirectas dos dividendos, mas digo que o Estado, havendo, outras emprêsas classificadas de interêsse público - e neste aspecto idênticas às emprêsas de navegação e sendo até o Estado directamente interessado em algumas -, tem usado para com elas de um regime e de uma liberalidade que leva a considerar de desfavor o tratamento dado a maior parte do capital das emprêsas de marinha mercante.
E digo maior parte porque êste desfavor não se aplica afinal a todas as emprêsas de navegação.
Parece-me haver um duplo ilogismo: disparidade entre a marinha mercante e as demais actividades; disparidade dentro da própria marinha mercante!
Porquê esta desigualdade de tratamento dos capitais?
Acresce, Sr. Presidente, que a injustiça desta desigualdade se agrava quando se observa a desproporção entre o que é permitido auferirem os accionistas e o que cobra o próprio Estado.
Já o salientei neste mesmo lugar, mas não me parece demais repeti-lo hoje.
O Estado recebeu mais 550 por cento do que os accionistas no ano de 1942.
Estas breves considerações devem bastar, Sr. Presidente, para justificar o essencial da minha tese, a saber: que é preciso remunerar condignamente os capitais investidos na marinha mercante, até para que novos e abundantes capitais se sintam estimulados a futuros e indispensáveis investimentos na mesma actividade mercantil.
O numerário dos depósitos à ordem nas diversas caixas de crédito actualmente é superior a uma dezena de milhões de contos.
É assombroso e compreensível, ao mesmo tempo, a imobilização de tam avultados capitais.
Ora uma boa parte dêste dinheiro, se encontrasse chamamento razoável, não poderia desde já ser atraído para a renovação da frota mercante nacional?
É de crer.
Mas é certo que com o actual sistema de repartição de lucros difìcilmente acorrerá a fixar-se nas emprêsas de navegação.
Para aliviar, apenas aliviar - pois já não falo em abolir -, a injustiça e os inconvenientes do actual sistema de desfavor usado para com os capitais investidos na marinha mercante apontei aqui, Sr. Presidente, quando foi presente à Assemblea Nacional a ratificação do decreto-lei n.º 32:616, duas soluções, uma das quais teria como base a reavaliação do capital das emprêsas.
O parecer da Câmara Corporativa, divide a sua apreciação em duas alíneas: a) e b).
Em resposta à interrogação dos dizeres da alínea a), manifesta o parecer que a solução correspondente à interpretação dada não é de aceitar em caso algum, pois equivaleria pràticamente a abolir o princípio aceite da limitação de dividendo, etc.
Afigura-se-me que êste argumento não tem fôrça bastante para invalidar a solução proposta:
Seria, necessário que o parecer tivesse primeiro demonstrado suficientemente, contra o que acabei de expor, a justiça e a conveniência da própria limitação directa, dos dividendos.
Mas poderei ainda acrescentar: A que correspondo, em boa verdade, o desdobramento do capital da Companhia Nacional de Navegação nas condições em que foi autorizado?
O antigo capital não pode receber até 45 por cento de dividendo?
Não se trata, no fundo, de um processo de iludir a limitação directa dos dividendos?
Quanto à segunda interpretação, alínea b), aumento do capital das emprêsas, a Câmara Corporativa entende que a reavaliação deve ser facultativa, a depender dos corpos gerentes.
Diz mais que essa prerrogativa já se encontra acautelada no decreto-lei n.º 32:616, pelo seu artigo 2.º, embora condicionada.
Os aumentos de capital, e implìcitamente as reavaliações, das emprêsas de marinha mercante estão dependentes de opinião momentânea dos titulares das pastas das Finanças e da Marinha.
Discordo. Às assembleas gerais, isto é, aos accionistas das emprêsas de navegação, a meu ver, deve dar-se liberdade quanto a êste capítulo.
Creio, Sr. Presidente, que nenhum dos fundamentos da minha proposta ficou abalado pelo parecer da Câmara Corporativa.
De pé está, portanto, a necessidade da reavaliação do capital, preconizada pela emenda, facultativa e regulada pelo Govêrno, mas não condicionada, evitando assim que isso se possa prestar a um novo tratamento de desigualdade para com os accionistas das emprêsas de navegação e até mesmo disparidade entre os capitais de cada uma delas.
Finalmente, também ainda está de pé a outra solução, que apontei nesta tribuna, de se abolir pura e simplesmente a actual limitação directa dos dividendos, deixando que as assembleas gerais das emprêsas de navegação - deduzidos obrigatòriamente 75 por cento dos seus lucros líquidos para amortização de material naval e Fundo de aquisição de navios - disponham livremente dos restantes 25 por cento dos mesmos lucros.
À Assemblea Nacional compete decidir sôbre a justiça ou injustiça, para não me limitar à simples conveniência ou desconveniência, da excessiva desigualdade com que vêm sendo tratados os capitais investidos em algumas das emprêsas em discussão.
Por mim, continuo a reputar que o sistema seguido é inconveniente, por não remunerar devidamente o dinheiro que lá se tem empregado e, portanto, não convidar à afluência de capitais novos.

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Acho que é também injusto - já porque se não estende a todas as emprêsas de navegação, já porque é singularidade que não conhecem as demais emprêsas de alto interêsse nacional, incluindo aquelas em que o próprio Estado é grande accionista.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Não está mais ninguém inscrito.
Vai votar-se o § 2.º do artigo 1.º do decreto-lei, em harmonia com a emenda que foi apresentada pelo Sr. Deputado Jaime Pinho.
A emenda diz o seguinte:

«Proponho que o § 2.º do artigo 1.º do decreto-lei n.º 32:616, de 31 de Dezembro de 1942, seja substituído por outro com a seguinte redacção:

Ficam por êste modo substituídas as disposições do artigo 28.º do decreto-lei n.º 20:700, de 31 de Dezembro de 1931, e alterado o artigo 1.º do decreto-lei n.º 31:094, de 31 de Dezembro de 1940, sem prejuízo da limitação do dividendo, que nunca poderá exceder 15 por cento sôbre o capital reavaliado nos termos que para êsse fim o Govêrno estabêlecer».

O Sr. Ulisses Cortês: - Sr. Presidente: está na Mesa uma proposta de emenda que se relaciona com a que está em discussão e cuja leitura peço a V. Ex.ª que seja feita.

O Sr. Presidente: - Está efectivamente na Mesa uma proposta de substituição do artigo 2.º da proposta de lei, que diz o seguinte:

«Propomos que o artigo 2.º da proposta de lei fique redigido assim:

O capital das emprêsas de navegação a que se refere o artigo anterior poderá ser aumentado em proporção do valor dos navios adquiridos com a aplicação do Fundo especial de que tratam os deeretos-leis n.ºs 20:700 e 31:094, mas em nenhuma hipótese êsse capital poderá ser alterado sem autorização dos Ministros das Finanças e da Marinha.

Sala das Sessões da Assemblea Nacional, 28 de Fevereiro de 1944. - Os Deputados: Henrique Linhares de Lima - Luiz Arriaga de Sá Linhares - Herculano Amorim Ferreira - Ulisses Cruz de Aguiar Cortês - Luiz da Cunha Gonçalves».

O Sr. Presidente: - Em todo o caso é claro que, não obstante esta nova redacção do artigo 2.º estar relacionada com o parágrafo, não posso deixar de o pôr à votação.

O Sr. Jaime Pinho: - V. Ex.ª dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Jaime Pinho: - Não me repugna que V. Ex.ª consulte esta Assemblea sôbre se autoriza a retirar a minha emenda, porque no fundo essa nova proposta traduz o meu pensamento.

O Sr. Presidente: - Consulto a Assemblea sôbre se autoriza o Sr. Deputado Jaime Pinho a retirar a sua emenda.

Foi autorizado.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se o § 2.º do artigo 1.º do decreto-lei, tal como consta do respectivo texto.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Entra agora em discussão o artigo 2.º, com a nova redacção proposta.
Nesta proposta de substituição dizia-se: «sem autorização dos Ministérios das Finanças e das Obras Públicas e Comunicações», e a razão disso é que, por um decreto que já foi publicado no Diário do Govêrno, está prevista a passagem dos serviços da marinha mercante para o Ministério das Obras Públicas e Comunicações, mas essa passagem não se torna já efectiva e só o será quando o Govêrno fizer a aplicação do referido diploma.
Portanto, para que a redacção do artigo 2.º ficasse em conformidade com o regime actual, fui necessário que, em vez de «Ministério das Obras Publicas e Comunicações», se dissesse «Ministério da Marinha».

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se nenhum de V. Ex.ªs quere fazer uso da palavra sôbre o artigo 2.º, com a redacção que acabo de referir, vai votar-se.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Está concluída a votação da proposta de lei em que se transformou o decreto-lei n.º 32:616.
A ordem do dia da sessão de amanhã é uma sessão de estudo da proposta de lei relativa à Convenção Ortográfica Luso-Brasileira.
Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

António Carlos Borges.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhãis.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
António Cortês Lobão.
António Cristo.
António Hintze Ribeiro.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Francisco da Silva Telo da Gama.
João Antunes Guimarãis.
João Duarte Marques.
João Luiz Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes Arnaut Pombeiro.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Ranito Baltasar.
José Soares da Fonseca.
Luiz José de Pina Guimarãis.
Pedro Inácio Álvares Ribeiro.

O REDACTOR - M. Ortigão Burnay.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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