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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 51

ANO DE 1944 1 DE MARÇO

III LEGISLATURA

SESSÃO N.º 46 DA ASSEMBLEA NACIONAL

EM 29 DE FEVEREIRO

Presidente: Exmo. Sr. José Alberto dos Reis e José Manuel da Gosta

Secretários: Exmo. Srs. Augusto Leite Mendes Moreira

SUMARIO: — O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.

Antes da ordem do dia. — Foi aprovado o último número do Diário das Sessões.
O Sr. Presidente leu à Assemblea uma exposição do Sr.Deputado Albano de Magalhãis, referente à grave agressão de que esse Sr. Deputado foi vitima. Usaram da palavra sobre o assunto os Srs. Deputados Carlos Borges e Angelo César.
O Sr. Presidente declarou estar sobre a Mesa uma proposta de lei relativa às casas de renda económica.
O Sr. Deputado Rocha Paris usou da palavra sobre a situação dos funcionarios administrativos.

Ordem do dia. — Entrando-se na ordem do dia, a Assemblea passou a funcionar em sessão de estudo para apreciação da proposta de lei relativa à Convencção Ortográfica Luso-Brasileira.

O Sr. Presidente:—Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Alberto Cruz.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre de Quental Calheiros Veloso.
Alfredo Luiz Soares de Melo.
Álvaro Salvação Barreto.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
Angelo César Maehado.
António de Almeida.
António Bartolomeu Qromieho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Rodrigues Cavalheiro.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur de Oliveira Ramos.
Artur Ribeiro Lopes.
Augusto Leite Mendes Moreira.
Carlos Moura de Carvalho.
Femando Augusto Borges Júnior.
Franeiseo Cardoso de Melo Maehado.
Franeiseo Eusébio Femandes Prieto.
Henrique Linhares de Lima.
Hereulano Amorim Ferreira.
Jaime Amador e Pinho.
João Ameal.
João de Ëspregueira da Roeha Paris.
João Gareia Nunes Mexia.
João Mendes -da Costa Amaral.
João Pires Andrade.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Saldanha.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Alberto dos Reis.
José Alçada Guimarãis.
José Clemente Femandes.
José Dias de Araújo Correia.
José Luiz da Silva Dias.
José Manuel da Costa.
José Pereira dos Santos Cabral.

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José Rodrigues de Sá e Abreu.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Júlio César de Andrade Freire.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz de Arriaga de Sá Linhares.
Luiz Cincinato Cabral da Costa.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Lopes Vieira de Castro.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Luiz Mendes de Matos.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel Joaquim da Conceição e Silva.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Luíza de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Querubim do Vale Guimarãis.
Quirino dos Santos Mealha.
Rui Pereira da Cunha.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 62 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 2 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário da última sessão.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Considera-se aprovado, visto não haver reclamações.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Tenho de dar conhecimento a V. Ex.ªs de uma ocorrência que tem certa gravidade. Peço atenção.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Recebi a seguinte comunicação do Sr. Deputado Albano de Magalhãis:

Exmo. Sr. Presidente da Assemblea Nacional. - O Deputado Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhãis vem participar a V. Ex.ª os seguintes factos:
No dia 25 do mês corrente, pelas 15 horas, foi assistir ao desembarque de 19 pipas de vinho que se destinavam à Assistência Social da Legião Portuguesa, sendo acompanhado pelo seu camarária comandante de lança Alfredo Oscar de Magalhãis.
Quando tudo estava preparado para aquele desembarque, o arrais Manuel Barbosa, das Caldas de Aregos, pediu ao participante as guias de trânsito, para que o encarregado do pôsto fiscal verificasse a mercadoria.
Então o referido encarregado observou que as guias que devia verificar não eram essas, mas sim as que deviam ser passadas por um outro pôsto fiscal a que compete uma primeira verificação de mercadoria.
O arrais mostrou-se surpreendido, declarando desconhecer tal exigência. O guarda fiscal viu claramente que não havia má-fé - que toda a mercadoria podia ser verificada pelos documentos que se exibiam - e, então, nos termos mais correctos, aconselhou a que se fôsse ao referido primeiro pôsto fiscal solicitar que, em face daquelas guias, lhe fôssem passadas as outras que êle teria de visar.
Evitar-se-iam assim os prejuízos que a demora do desembarque causaria à Assistência Social da Legião Portuguesa.
Então o participante, acompanhado dos respectivos Srs. comandante Alfredo Oscar de Magalhãis e arrais Manuel Barbosa, dirigiu-se imediatamente àquele pôsto fiscal.
Uma vez junto do sargento da guarda fiscal que chefiava o pôsto, expôs-lhe o participante, em termos da mais completa correcção, o assunto que ali o levava.
O sargento, que parecia disposto a resolvê-lo, mudou bruscamente de opinião quando lhe foi dito que as vasilhas eram transportadas em dois barcos, dando a impressão de que se o tivessem sido só num barco passaria a guia solicitada.
No entanto invocou o regulamento a que devia obediência e disse que o chefe do outro pôsto fiscal, se quisesse, deixasse desembarcar as pipas.
Procurou então o participante mostrar-lhe a boa-fé dos barqueiros, que, sabendo que os vinhos estavam documentados com guias de trânsito, julgavam não serem precisas mais guias. Neste sentido esclareceu que, não havendo faltas que pudessem comprometer os princípios a que o regulamento se subordinava, lhe parecia poderem ser evitados os prejuízos que iam resultar para a Assistência Social da Legião Portuguesa se a recusa se mantivesse.
Como os esclarecimentos dados não o demovessem, o participante preguntou quem poderia resolver tal assunto, sendo-lhe respondido que fôssem entender-se com o comandante da secção.
Antes de sair, o participante sempre lhe disse que procedia bem se assim entendia o cumprimento do seu dever, mas, a propósito, lembrou uma passagem de um livro de Chesterton, em que se alude a certo agente da autoridade que, por cumprir mecânicamente uma ordem, matou um homem, o que de forma alguma estava na intenção de quem a deu.
Esta frase provocou uma inexplicável e súbita mutação na atitude do sargento, que, em tom arrogante, disse: «Não admito acintes».
Serenamente, o participante respondeu que longe estava de atacar quem julgava que só cumpria o seu dever, obedecendo formalmente a regulamentos. Apenas pretendeu mostrar que as leis ou ordens, quando cumpridas com critério estreito, podem por vezes atraiçoar o espírito de quem as ditou.
O sargento não se acalmou e, colérico, diz: «Não admito acintes. Devia prendê-lo».
Com toda a calma, o participante respondeu: «Isso é que o senhor não pode fazer». Reacção pronta: «Está preso».
O participante declina, então, a sua identidade como Deputado.
O sargento, mal humorado, leva o cartão de identidade para, na sua mesa, tirar as notas que deseja. Antes, porém, pretende fazer considerações sôbre a atitude do participante, que, em tom firme, intervém prontamente, declarando: «Mudaram-se as posições. Até aqui estava o senhor a falar com um simples indivíduo. Uma vez declinada a identidade, lembro-lhe que só pode tomar as notas que lhe interessarem, mas com o máximo respeito».
A nova insistência da parte do sargento, afirma-lhe com severidade: «Não lhe consinto a mais leve alusão desprimorosa, por prestígio das altas funções que exerço».
O sargento, ainda não conformado, procura continuar, o que leva o participante a declarar-lhe peremptò-

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riamente: «Em face da sua atitude e desrespeito, vejo-me obrigado a sair e levar o meu cartão de identidade».
Acto contínuo, tirou-o de cima da mesa. Agarrado imediatamente por outro guarda fiscal, o sargento vibrou-lhe de uma maneira abrupta, que deixou surpreendidos todos os presentes, uma fortíssima pancada na cabeça com uma cadeira que tinha junto à mesa e que se partiu.
Esta arremetida heróica do sargento, perante uma pessoa inteiramente indefesa, impossibilitou o participante, a sangrar por várias feridas e de gravidade, de continuar a defender a sua posição de Deputado e deixou-se ficar preso no pôsto, guardado pelo heróico sargento e por guardas fiscais, na presença, dos referidos Srs. comandante de lança Alfredo Oscar de Magalhãis e arrais Manuel Barbosa.
Continuando a sangrar com uma profunda ferida junto do lábio inferior, limitava-se o participante a solicitar que o deixasse sair para que lhe fizessem tratamento exigido pela natureza dos ferimentos. Mostrou-lhe o perigo de uma infecção, a necessidade urgente de um curativo feito por um médico, o desejo até que êsse médico fôsse da guarda fiscal, o dever mesmo que êle teria de facilitar o tratamento a qualquer pessoa, quanto mais a um Deputado, que não podia estar preso.
O sargento, que a nada se movia, respondeu que o participante não estava preso, mas sim detido, até chegar o seu comandante de secção, que tinha mandado chamar.
Passada meia hora, novamente lhe fez sentir a extraordinária situação que tinha criado a um Deputado: ali preso e sem se poder tratar de graves ferimentos recebidos.
Em tom superior, respondeu: «Nem que fôsse o Presidente da República. Quem manda aqui sou eu».
Em face desta renitente atitude, o Sr. Alfredo Oscar de Magalhãis foi esclarecer pele telefone, cujo número não lhe foi indicado no pôsto, o oficial comandante da secção dos factos que se passavam.
Entretanto o sargento, certamente já com um lampejo de consciência, mandou chamar um farmacêutico, que compareceu poucos minutos antes do Sr. oficial comandante da secção, e que não chegou a prestar os seus serviços por êste Sr. oficial facilitar a saída imediata do participante para fazer o tratamento. Passavam 45 minutos depois dos ferimentos recebidos.
Após o curativo feito no Hospital da Misericórdia compareceu o participante no comando do batalhão para prestar os esclarecimentos que lhe fôssem solicitados.
Ignoram-se até à data as providências tomadas sôbre a atitude do sargento.
Estes factos têm uma natureza de tal gravidade que se entendeu dever participá-los a V. Ex.ª para os efeitos que julgar convenientes.

A bem da Nação. - Pôrto, 27 de Fevereiro de 1944. - O Deputado Albano Camilo de Almeida Pereira Dias Magalhãis.

O Sr. Presidente: - Como V. Ex.ªs acabam de ver, estamos em presença de factos graves.
Em primeiro lugar, houve um atentado contra as imunidades parlamentares; o Deputado Albano de Magalhãis foi preso ou detido, apesar de ter declinado a sua qualidade de Deputado e exibido o seu cartão de identidade: infracção manifesta do artigo 89.º da Constituição; em segando lugar, o Deputado Albano de Magalhãis foi vítima de uma violência e de uma agressão brutal por parte de um sargento da guarda fiscal no momento em que se encontrava agarrado por outro guarda fiscal; e, finalmente, depois de agredido e de ter recebido lesões que provocaram o derramamento de sangue, esteve retido durante 40 minutos sem assistência médica, apegar de a solicitar com insistência.
Parece-me que em face destas ocorrências a Assemblea não pode deixar de lamentar profundamente o acontecimento, manifestar ao Sr. Dr. Albano de Magalhãis a sua estima e consideração, exprimir a sua repulsa pelo desacato e pela agressão de que foi vítima e significar o seu veemente desejo de que justiça seja feita, inteira e completa.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Carlos Borges: - Peço a palavra!

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra a V. Ex.ª vou mandar ler um telegrama, que acaba de ser recebido na Mesa, referente a êste incidente.

Foi lido na Mesa. É o seguinte:

Impossibilitados comparecer Assemblea transmitimos Vossa Excelência protestos veementes desrespeito, imunidades parlamentares nosso colega Albano Magalhãis ocorrido posto fiscal esta cidade Antunes Guimarãis Marques de Carvalho José Nosolini Luiz Pina José Sá Carneiro.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Borges.

O Sr. Carlos Borges: - Sr. Presidente: é realmente muito grave o facto que V. Ex.ª acaba de comunicar à Assemblea. Todos o lamentamos profundamente: por parte do agredido, porque, sendo um nobilíssimo representante da Nação, desempenhando digna e nobremente o seu mandato, tendo afirmado em várias ocasiões as altas qualidades do seu espírito e carácter, a todos merece a maior estima e consideração.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Também pela pessoa distinta, aprumada, elegante, sóbria nas suas atitudes, incapaz duma violência, duma grosseria, dum desacato, dum esquecimento daquilo que lhe é devido e do que aos outros deve.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Nós, Sr. Presidente, nós, os Deputados da Assemblea Nacional, não estamos rodeados de grandes imunidades.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - De todas as constituições que conheço, aquela que menos garantias dá aos Deputados é a Constituição sob a qual estamos vivendo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não o digo como censura, por desapontamento, não o afirmo porque não julgue que as imunidades que temos são suficientes. Penso, Sr. Presidente, que as imunidades que temos bastam, e bastam porque nós não precisamos delas, porque a correcção das nossas atitudes, a dignidade do nosso procedimento, o respeito das leis e o cumprimento dos deveres podem prescindir dessas garantias.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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O Orador: - Não são precisas. Já lá vai o tempo em que as lutas partidárias, as paixões, os conflitos de interêsses, as desavenças de toda a espécie provocavam realmente por parte dos poderes constituídos actos de violência e de opressão contra os representantes da Nação que não estavam filiados numa determinada corrente política.
Isso explicava de certo modo a necessidade de proteger com imunidades os Deputados contra possíveis violências dos seus adversários políticos.
Como nós vivemos felizmente em união nacional e procuramos a concórdia de todos os portugueses, não carecemos de protecção especial, porque, para qualquer cidadão português, a maior imunidade está na própria dignidade da sua vida e na própria correcção do seu procedimento.
Lamento o que se passou em relação ao Sr. Deputado Albano de Magalhãis, e lamento também em relação ao seu agressor individualmente, porque não acredito que nenhum dos representantes da fôrça pública, guarda fiscal, guarda republicana, polícia de segurança pública, exército e armada, esqueça nem ponha de banda o respeito pela lei e pelas imunidades, não sòmente dos Deputados mas dos vários representantes dos altos serviços públicos da Nação. É um acto individual que não tem, seguramente, a solidariedade de ninguém que pertença a qualquer dos ramos da força armada do nosso País.
Apoiados.
Não posso, nem devo, atribuir essa violência senão ao desvairamento de um homem que não tinha a nítida compreensão dos seus deveres, nem o exacto conhecimento dos direitos dos outros. É, portanto, uma agressão praticada por um homem que estava dementado ou cuja ignorância o levou a considerar como falta de respeito a inocente citação de um livro que êle não conhecia.
É um crime vulgar, mas que não pode deixar de ser punido com severidade em relação aos seus agentes para exemplo, e porque êle representa realmente um atentado aos direitos constitucionais, que não podem nunca ser esquecidos, sobretudo num Estado que vive na situação em que vivemos, de respeito absoluto de uns para com os outros.
Sr. Presidente: associo-me, pois, às palavras que V. Ex.ª acabou de proferir, solidarizo-me com o Sr. Deputado Albano de Magalhãis e peço a V. Ex.ª que, junto das estações competentes, reclame a justiça que é devida ao atentado que se praticou, para que êle seja punido com a severidade exemplar que exige e se impõe.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Ângelo César: - Sr. Presidente: pedi a palavra para afirmar também a minha repulsa contra o lamentável e - por que não dizê-lo? - estúpido atentado de que foi vítima o Sr. Deputado Albano de Magalhãis.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Pedi a palavra para afirmar essa repulsa e ainda para acrescentar em breves palavras aquilo que creio ser o sentimento vivo desta Assemblea.
A Assemblea Nacional nada pede, nada reclama.
Ela limita-se, serenamente, a afirmar a sua absoluta confiança em que neste caso, como em qualquer outro, será cumprida a lei, será feita a devida justiça.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Ninguém mais quere fazer uso da palavra sôbre esta ocorrência?
Pausa.

O Sr. Presidente: - Está no espírito da Assemblea, pelo que vejo, afirmar a sua consideração pelo colega que foi desrespeitado, desfeiteado e agredido e, em segundo lugar, significar a sua repulsa. Mas há um terceiro ponto sôbre o qual desejo que a Assemblea se pronuncie, porque há dois critérios opostos: o do Sr. Deputado Carlos Borges e o do Sr. Deputado Angelo César.
O primeiro é de parecer que eu, junto das estações competentes, reclame a rigorosa aplicação das sanções adequadas; o segundo é de parecer que nos limitemos a exprimir a nossa confiança em que justiça seja feita.

O Sr. Carlos Borges: - Peço a palavra!

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Carlos Borges: - Sr. Presidente: para que a deliberação desta Assemblea seja tomada com uma elevação tam grande que não haja possibilidade de a acoimar de qualquer intenção oculta, entendo que devo corrigir a última parte daquilo que disse há pouco e concordo em absoluto com as palavras e com os termos do Sr. Deputado Angelo César: nós aguardaremos serenamente que justiça seja feita.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Nesse caso, considero como sendo essa a manifestação da Assemblea.
Está, então, encerrado o incidente.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Está na Mesa uma proposta de lei relativa às casas de renda económica. Vai ser enviada à Câmara Corporativa para ela dar o seu parecer dentro do prazo de vinte e cinco dias.
( Vai publicada no final do relato desta sessão).
Tem a palavra o Sr. Deputado Rocha Páris.

O Sr. Rocha Páris: - Sr. Presidente: no Diário do Govêrno de 21 do mês que hoje finda foi publicado o decreto-lei n.º 33:540, notável documento que definitivamente regulariza a aposentação dos funcionários administrativos e dos assalariados dos corpos administrativos.
Pelas disposições contidas no seu artigo 1.º é concedido o prazo de cento e oitenta dias, a partir da data da sua publicação, para os actuais funcionários e assalariados com inscrição na Caixa Geral de Aposentações depois de l de Janeiro de 1937 requererem, querendo, a contagem do tempo de serviço já prestado aos corpos administrativos, em situação permanente e normal, durante a qual, por lhes não pertencer o correspondente direito, não contribuíram para a aposentação.
Além disto, pelo artigo 3.º e seus parágrafos é permitido que seja considerado abrangido pelo artigo 7.º do decreto-lei n.º 32:691, de 20 de Fevereiro de 1943, todo o tempo de inscrição nas caixas de reforma, pensões e socorros criadas ou aprovadas pelas câmaras municipais anteriormente mesmo à publicação dos decretos n.º 13:350, de 25 de Março de 1926, e n.º 13:913, de 30 de Junho de 1927, ou o tempo já contado por essas mesmas caixas, nos casos referidos no artigo 13.º do decreto-lei n.º 26:503.
No relatório que precede o decreto-lei a que me estou referindo diz-se:

«Em sessão da Assemblea Nacional, na sua última Legislatura, solicitou-se para esta matéria a atenção do Govêrno. Foi ponderada a anterior conduta dos corpos administrativos, que, diga-se de passagem, não foi sequer uniforme, e sugeriu-se que a favor dos funcionários e dos demais servidores dos corpos administrativos se criasse, no que respeita às contagens de tempo para

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efeito de aposentação, regime semelhante ao que pelo decreto-lei n.º 26:503, de 6 de Abril de 1936, já fora admitido para os funcionários do Estado. Pelo presente decreto-lei dá-se satisfação à sugestão referida, que vai de acôrdo com a política do Govêrno firmada pelo mesmo decreto-lei n.º 26:503, todo êle inspirado pela idea de se não restringirem os benefícios possíveis».

Sr. Presidente: pela leitura destas palavras conclue-se que o Govêrno atendeu a sugestão feita através desta Assemblea na sessão de 13 de Março da passada Legislatura, colocando no mesmo regime de igualdade os funcionários e assalariados do Estado e os funcionários e assalariados dos corpos administrativos, todos êles servindo afinal a Nação.
Merece portanto o Govêrno os louvores e os agradecimentos da Assemblea Nacional pela atenção que dispensou à sugestão feita.
E já que estou tratando de assuntos que se referem e interessam a funcionários e assalariados da Nação, desejo calorosamente associar me às palavras que em defesa dos reformados têm sido pronunciadas nesta Assemblea pelos meus ilustres colegas Drs. António Gromicho e Querubim Guimarãis no sentido de lhes ser também atribuído um suplemento de vencimento em conformidade com o que recentemente foi decretado para os funcionários e assalariados na efectividade de serviço.
Suponho quê, embora com tal medida fôssem aumentados os encargos do Estado - aumento plenamente justificado, porém, pela sua excepcional finalidade -, muito teriam a lucrar, no sentido duma melhor eficiência, os seus serviços, pois suponho que, se êsse suplemento se tornasse extensivo aos reformados, muitos funcionários, já cansados por uma longa vida de trabalho mas ainda longe do limite de idade, iriam naturalmente, e já, para a aposentação voluntária, cedendo assim o lugar a outros mais novos e mais aptos, portanto, para melhor servirem as suas respectivas funções.
E nesta ordem do ideas faço votos por que o Govêrno, quando o julgar possível, resolva tam importante assunto, com a justiça que sempre costuma pôr nas suas decisões.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - A Assemblea passa a funcionar em sessão de estudo da proposta de lei relativa à Convenção Ortográfica Luso-Brasileira.
A ordem do dia da sessão de amanhã é a continuação da sessão de estudo da mesma proposta de lei.
Está encerrada a sessão.

Eram 16 horas e 32 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Cândido Pamplona Forjaz.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Acácio Mendes de Magalhãis Ramalho.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhãis.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
António Cristo.
António Hintze Ribeiro.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Francisco da Silva Telo da Gama.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Antunes Guimarãis.
João Duarte Marques.
João Luiz Augusto das Neves.
Joaquim Mendes Arnaut Pombeiro.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Braga da Cruz.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Ranito Baltasar.
José Soares da Fonseca.
Luiz José de Pina Guimarãis.
Pedro Inácio Álvares Ribeiro.

O REDACTOR - Costa Brochado.

A proposta de lei apresentada durante a sessão é a seguinte:

Proposta de lei relativa às casas de renda económica

1. A resolução, em termos viáveis, do problema da habitação das classes pobres e médias foi, desde o seu início, uma das preocupações da Revolução Nacional.
A crise da habitação, sobretudo nos grandes centros urbanos, fôra, em grande parte, a resultante da queda de actividade da construção civil, devida à acção combinada da alta das taxas de juro e do regime jurídico do contrato de arrendamento, que afastou os capitais de tal colocação, em proveito de outras mais remuneradoras ou de especulações que a crescente desvalorização da moeda tornava fáceis.
A par desta causa conjuntural da crise da construção civil e, portanto, da habitação de uma população urbana crescente, havia, porém, o problema mais fundo da habitação das classes pobres, relegadas, nos grandes aglomerados, a viver em condições condenáveis sob os pontos de vista higiénico e moral.
O desenvolvimento urbano, provocando nos terrenos de construção valorizações que eram, por si mesmas, factor do encarecimento de rendas, tornava difícil a construção de casas adequadas, no tipo e no preço, às condições de vida das classes trabalhadoras e determinava, quer utilizações lamentáveis de construções existentes no centro das cidades, quer construções de emergência nos espaços livres e em prejuízo inteiro da higiene, da moral e do decôro social.
Numa palavra: escasseavam os capitais indispensáveis para que o desenvolvimento urbano se desse por uma forma equilibrada, ao mesmo tempo que o sistema de liberdade de expansão urbana criava às construções um limite mínimo de custo incompatível com os rendimentos de certas classes. Daí, a par da escassez geral de habitações, o agravamento do problema em relação às classes trabalhadoras.
As tentativas feitas para a construção dos chamados bairros sociais haviam fracassado estrondosamente pela desorganização administrativa imperante, e, além disso, tinham assentado em concepções que, por falta da necessária homenagem às realidades e da determinação das verdadeiras causas do problema, nunca permitiriam dar-lhe efectiva solução.

2. Foi esta a situação que a Revolução Nacional atacou de frente.

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Se não era viável o regresso ao regime clássico do contrato de arrendamento como meio de romper o círculo vicioso em que se havia caído, a reorganização financeira, determinando maior abundância de capitais disponíveis e a consequente baixa da taxa de juro, havia de chamar aqueles à construção civil, satisfazendo assim a procura de habitações.
Essa acção indirecta combinou-se - dando-lhe eficiência prática e encontrando nela, por seu lado, substancial refôrço - com o conjunto de medidas directas de fomento e estímulo à construção que no campo fiscal se foram tomando.
O artigo 34.º do decreto n.º 15:289 dava a isenção de contribuição predial durante dez anos aos prédios que se construíssem até 31 de Dezembro de 1930, isenção que, pelo artigo 24.º do decreto n.º 16:731, foi alargada às partes novas dos prédios urbanos.
Além disso, o artigo 103.º do decreto n.º 16:731 reduzia a l por cento a taxa da sisa pela aquisição de terrenos destinados àquelas construções e o artigo 102.º do mesmo diploma mantinha a redução à mesma taxa mínima de l por cento da sisa pela primeira transmissão dos prédios construídos, desde que esta se realizasse no prazo de dois anos a contar da data da sua habitabilidade.
O que estas medidas de estímulo à construção civil produziram conjuntamente com a modificação da política financeira operada em 1928 é ainda da recordação geral e poderia documentar-se com alguns números.
Apontam-se apenas os seguintes, extraídos do Anuário Estatístico das Contribuições e Impostos.
Em 1939, último ano das isenções de contribuição, predial concedidas pelos diplomas a que se aludiu, o número de contribuintes isentos temporàriamente daquele imposto era, nos sete bairros de Lisboa, de 4:506 e, nos dois do Pôrto, de 2:251. Em 1941 estes números baixavam para, respectivamente, 150 e 720. Admitindo que estes não correspondessem, como devem corresponder, a novas construções que já nesse ano vieram beneficiar das isenções que nêle se renovaram, antes provêm de outras causas, teremos que o número de isenções que findaram entre os dois anos foi de 4:346 em Lisboa e 1:531 no Pôrto, correspondentes a outros tantos prédios construídos, e um número muito maior de habitações, dado que em Lisboa, por exemplo, não poderá ter-se como exagêro o contar cinco habitações, em média, por cada prédio.
Êsses mesmos resultados se constatavam já no relatório do decreto n.º 18:738, de 9 de Agosto de 1930, que estendeu as isenções aos prédios construídos até ao fim de 1931, reduzindo, porém, para nove anos o prazo da contribuição predial.
Os favores fiscais foram-se renovando sempre com idêntico critério, isto é, fixando-se em 1940 o termo da isenção da contribuição predial, o que importou redução sucessiva do seu prazo com o decurso dos anos.

3. O desenvolvimento da construção urbana que as medidas a que se fez referência estimularam, o fortalecimento das finanças do Estado, a política social prosseguida através da organização corporativa e, emfim, o movimento renovador que, mercê dos novos processos de administração, foi animando todo o País, tornaram possível enfrentar o problema da habitação no seu aspecto mais difícil e delicado - o das classes pobres.
Foi essa, certamente, uma das realizações mais importantes - no volume e na transcendência - da larga política de obras públicas que se vem prosseguindo e de que foi incansável animador e obreiro o falecido Ministro Duarte Pacheco.
O decreto-lei n.º 23:052, de 23 de Setembro de 1933, definiu o regime e estabeleceu o programa das construções de casas económicas a realizar pelo Estado em colaboração com as câmaras municipais, regulou a sua distribuição e aquisição pelos moradores e assegurou o financiamento da iniciativa.
Procurou-se solução adequada e viável; tiveram-se em conta as nossas condições de vida, as possibilidades das pessoas a quem as habitações se destinavam dentro do quadro da política social empreendida, e a capacidade de realização que, por crescente, não deixava de ter limites.
Em vez de utopias que procuram realizações de fachada sem condições de profundidade, traçou-se, como no mais, o caminho de uma realização séria e eficaz que tivesse em conta, além das necessidades e possibilidades materiais, os princípios doutrinários sempre afirmados e a organização corporativa em desenvolvimento.
Concluída, como afirmação de novos processos, a paralisada construção dos chamados bairros sociais - velhos já antes de terminados -, encetou-se caminho diferente que houvesse a certeza de poder levar-se até ao fim.
Em 1938 o decreto-lei n.º 28:912, de 12 de Agosto, perante o êxito de que se havia revestido a experiência feita ao abrigo do decreto-lei n.º 23:052 - mais de 600 moradias em Lisboa -, determinou a construção de um novo grupo de 2:000 na capital.
Cumpriu-se o programa dêstes decretos e o sistema teve ainda extensões, pelo interêsse que suscitou a muitas entidades - câmaras, organismos corporativos, grandes emprêsas industriais.
Com a conclusão desta primeira fase da política de casas económicas encontram-se construídas 4:081 moradias, que asseguram, graças ao sistema de aquisição estabelecido, lar definitivo e condigno a outras tantas famílias e habitação em condições higiénicas e soerias impecáveis a aproximadamente 16:000 pessoas.
Ainda na preocupação de fazer obra adequada às condições de vida de cada classe e de fazer cessar o mais ràpidamente possível situações que se consideravam deprimentes, promoveu-se, de colaboração com a Câmara Municipal de Lisboa, a construção de bairros de casas desmontáveis, obedecendo a um mínimo já elevado de higiene e confôrto, que facultaram abrigo a grande número de famílias que ocupavam os tristemente célebres abarracamentos da capital. Obtinha-se assim uma solução provisória, mas inteiramente satisfatória quanto às condições de higiene de habitação e à assistência social prestada, que permitia apressar a eliminação daqueles abarracamentos, sem prejuízo da solução definitiva sistemàticamente procurada através da construção de novos bairros económicos e da melhoria de rendimentos dos trabalhadores.

4. Pode considerar-se concluído o primeiro período de realizações do Estado Novo neste domínio.
O regime geral de isenções para fomento da construção urbana terminou em 1940 com os resultados que se apontaram, as moradias previstas nos decretos-lei n.ºs 23:052 e 28:912 estão pràticamente concluídas e a entrega dos últimos bairros ao Sub-Secretariado das Corporações e Previdência Social não demorará.
A lição colhida neste período é de que não há senão que persistir no caminho encetado, evitando soluções de continuidade na acção do Estado. Assim se tem procedido.

O decreto-lei n.º 31:561, de 10 de Outubro de 1941, estabeleceu em termos permanentes o regime de isenções que até 1940 fomentara a indústria da construção civil, mas, porque se reconhecia a necessidade de facilitar especialmente a construção de casas de rendas mais moderadas, o prazo de isenção da contribuição predial

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tornou-se variável em razão inversa do rendimento colectável das habitações, indo de quatro a doze anos.
As isenções dos dois primeiros escalões (doze e dez anos) ficaram, porém, dependentes, nas cidades, de obediência das construções a planos de conjunto aprovados pelas câmaras municipais e pelo Ministro das Obras Públicas e Comunicações.
Marcava-se, assim, a preocupação de fomentar de uma maneira especial as construções destinadas à classe média, que se reconhecia constituírem uma faceta do problema cuja solução tinha ainda as linhas menos claramente definidas.

O decreto-lei n.º 33:278 assegurou a continuidade das construções destinadas às classes trabalhadoras, mandando edificar mais 4:000, a distribuir por Lisboa, Pôrto, Coimbra e Almada, e determinando a construção de mais 1:000 casas desmontáveis em Lisboa e no Pôrto.
O empreendimento leva-se a cabo, como na primeira fase descrita, com a colaboração do Estado e das câmaras e através da organização corporativa.
O Estado financia-o, adiantando, sem juro, metade do seu custo; as câmaras asseguram os 50 por cento restantes a um juro de 4 por cento, podendo para tanto obter empréstimos em condições especiais, e, além disso, têm a seu cargo o fornecimento dos terrenos necessários, dentro dos limites de preço exigidos pelo sistema, e, como é normal, a urbanização dos bairros. No caso, porém, de o produto das vendas não atingir o custo de aquisição da área total, o Estado pode, pelo Fundo de Desemprêgo, comparticipar as despesas de urbanização até ao montante da diferença.
Assim, os bairros de casas económicas poderão levar-se a cabo com reconstituição do capital empregado e tendo apenas como favor do Estado um empréstimo gratuito e a possível comparticipação a que se aludiu; quanto às câmaras, a colaboração dada em nada deminue a sua capacidade de realização em outros campos.
Graças a uma organização adequada e às disponibilidades financeiras do Estado, é possível prosseguir até ao fim a obra encetada, ao contrário do que sucederia se os bairros fôssem obra de pura beneficência e não reconstituíssem - àparte os favores dados na taxa de juro - o capital empregado.
Por outro lado, sem a organização corporativa não seria fácil, nem talvez possível, organizar o sistema graças ao qual os moradores adquirem as suas casas.

5. O problema das casas para a classe média, aflorado pelo decreto-lei n.º 31:561, não pode, como já aqui se reconhecia, ter solução através da acção exclusiva dos estímulos fiscais e também não pode encontrá-la na aplicação do sistema usado nos bairros económicos para as classes trabalhadoras.
Não pode resolver-se pela pura acção dos favores fiscais, quer porque os capitais encontram ainda - a despeito da preferência naquele aspecto dada - maior remuneração na construção de casas de tipo mais caro, que asseguram melhor aproveitamento do custo geralmente elevado do terreno, quer porque a solução não pode encontrar-se em termos definitivos sem que, como no decreto-lei n.º 31:561 se previa, se tenham em conta problemas urbanísticos que carecem de ser devidamente estudados e resolvidos com activa colaboração das autarquias locais.
Também não é possível encontrar a solução pela pura iniciativa dos municípios. A experiência feita mostra que só uma acção ordenada e sistemática, centralmente orientada, pode fazer colaborar todos os elementos necessários a realizações dêste tipo.
Finalmente, não seria também de aceitar, por desnecessária e pràticamente inviável, dado o suplemento de encargos que acarretaria, um sistema de financiamento em parte gratuito como o usado com os bairros económicos.
A solução, sem deixar de exigir a intervenção do Estado e das câmaras, tinha, para poder ser larga, de assentar - aparte certas isenções fiscais e a obtenção de espaço a preço comportável - em uma suficiente, embora não livre, remuneração dos capitais a empregar.

6. Esclarecidos os termos fundamentais do problema e a orientação geral a seguir para a sua solução, hão-de determinar-se antes de mais nada as características técnicas e económicas das habitações a construir.
Insiste-se na resistência à construção de grandes blocos, das grandes colmeias de casas, por se entender que há possibilidade económica de resolver o problema da habitação no nosso País com base na idea do lar - a casa própria -, evitando as grandes aglomerações, em que as condições de higiene são um prodígio de técnica, as condições de ordem moral um factor indiferente ou quási indiferente e as premissas económicas e financeiras da construção oscilam - em extremos muito próximos - entre as grandes organizações capitalistas e um socialismo confesso ou disfarçado.
A experiência feita nas casas económicas para trabalhadores mostra a possibilidade de tal orientação; não persistir nela, não procurar a solução do problema na direcção marcada pela doutrina que tende a dignificar e valorizar a família, a dar-lhe base económica suficiente, a impedir a sua desagregação pelo desaparecimento da comunidade da satisfação de um mínimo de necessidades, seria negar os princípios afirmados, renunciar, sem razão suficiente, aos nossos próprios ideais.
Por isso se define a casa de renda económica como a que, não excedendo determinados limites de renda, tem condições de acesso independente, se encontra integrada em construções com o máximo de rés-do-chão e dois pisos e tem o mínimo de divisões e acomodações indispensáveis à vida digna e confortável de uma família média.
Só em casos excepcionais, devidamente justificados, e mesmo assim com obediência a um mínimo de condições de salubridade e higiene social, se prevê a possibilidade de transigir com a edificação de blocos.
Cabe às câmaras pôr em venda - em praça pública e a preços adequados - os terrenos próprios para as casas de renda económica e ter como condições de preferência dos concorrentes a organização e bases económicas e soerias do empreendimento (em que têm primordial importância as rendas-base das habitações a construir), a idoneidade moral e financeira do concorrente e as características técnicas do anteprojecto apresentado.

7. Assente que para a edificação em quantidade suficiente do tipo de moradias que se pretende são necessários uma acção sistemática e pre-ordenada que as enquadre dentro dos planos gerais de urbanização-condição não só de disposição estèticamente conveniente das cidades e vilas como de obtenção de terrenos a preços convenientes pela adequada distribuição do espaço disponível -, e, ao mesmo tempo, um regime que assegure remuneração suficiente aos capitais empregados, há-de concluir-se que, se as construções não devem ficar a cargo do Estado ou autarquias locais, também não podem fàcilmente ser deixadas à livre acção individual.
Só organismos e emprêsas responsáveis e dotados de capitais suficientes podem tomar, perante as autarquias locais que proporcionam os terrenos, os compromissos

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de construção de bairros ou grupos de casas obedecendo às condições pre-estabelecidas; a acção puramente individual seria insuficiente para preencher de maneira metódica, como é indispensável, os programas que se forem definindo.
Há já exemplos animadores do que a acção de cooperativas têm conseguido neste campo, e espera-se que com as facilidades constantes dêste projecto de lei a êsse tipo de emprêsas venha a caber um largo papel na resolução do problema da habitação da classe média.
A par disso, e porque, como se notou já, o sistema assenta em uma remuneração suficiente, embora não ilimitada, dos capitais empregados na construção, admite-se que possam concorrer a ela: sociedades anónimas expressamente constituídas para tal fim; instituições de previdência social, que assim poderão colocar parte das suas reservas; organismos corporativos e de coordenação económica, com destino aos profissionais das actividades que coordenam; e, finalmente, grandes emprêsas que possam e queiram facultar aos que nelas trabalham habitações dêste tipo.
Alargando o quadro dos possíveis interessados no sistema, procura-se dar-lhe a maior extensão possível.

8. São estas as entidades que poderão empreender a construção de habitações do tipo previsto no projecto de lei.
Que condições se lhes facultam? Que garantias e obrigações se lhes exigem?
Em primeiro lugar dar-lhes-ão os municípios terrenos por preços compatíveis com a construção de casas do tipo e rendas definidos.
Além disso, dá-lhes o Estado - reforçando os favores fiscais concedidos de uma maneira geral às novas construções -, além da isenção de sisa pela aquisição dos terrenos e primeira transmissão dos prédios, a da contribuição predial pelo prazo máximo previsto no decreto-lei n.º 31:561, a da contribuição, industrial e a do sêlo e impostos de transmissão nos actos de constituição, dissolução ou liquidação.
Admite-se ainda a possibilidade de facultar às entidades construtoras empréstimos à taxa de juro de 4 por cento a prazo máximo de vinte e cinco anos.
Com estas garantias e facilidades natural é que não se deixe às sociedades constituídas para êste fim liberdade de dividendos: fixa-se-lhes um máximo em função da taxa de desconto do Banco de Portugal com um acréscimo de l 1/2 por cento, salvo quando esta fôr inferior a 3 1/2, caso em que o limite máximo será de 5 por cento, o que parece assegurar suficiente remuneração ao capital.
As casas construídas nos termos propostos podem destinar-se ao arrendamento e venda ou só ao arrendamento. Estão no primeiro caso as edificadas por cooperativas ou sociedades anónimas especiais e, no segundo, as restantes.
Quanto ao arrendamento, êle tem de ser feito com renda que se contenha dentro da renda-base oferecida pelo construtor no momento de aquisição dos terrenos, e que não pode exceder os limites fixados no artigo 10.º do projecto; mas, admitindo a possibilidade de êle se efectuar por importância inferior àquela, reconhece-se ao proprietário o direito de, mediante o preaviso de sessenta dias, a elevar até à importância da renda-base.
É justo que, quando as condições gerais forcem o proprietário a arrendar os prédios por quantia inferior à que serviu de base à compra do terreno, lhe seja facultado realizar - quando se torne possível - êsse montante.
Ao inquilino de moradias independentes construídas por sociedades anónimas ou cooperativas é, por outro lado, reconhecido o direito de em qualquer altura do arrendamento as adquirir pela importância de vinte vezes a renda-base.
Procura-se, pois, a maior elasticidade de soluções dentro do mínimo de condições exigidas pelas facilidades que se concedem.
Há, finalmente, que tomar as medidas, impor as obrigações e estabelecer os princípios de fiscalização que assegurem o sistema contra o uso indevido dos favores que concede
Limita-se a utilização das casas de renda económica aos que tenham rendimentos que não excedam seis vezes a renda-base respectiva; proíbe-se a sua sublocação total ou parcial; impedem-se as modificações materiais que tirem às casas características que as definem; define-se a forma por que as câmaras municipais deverão fiscalizar o cumprimento dos preceitos legais; estabelecem-se, finalmente, as sanções consideradas necessárias.

9. Exige o sistema quê se submete à apreciação da Assemblea Nacional uma estreita colaboração entre o Estado e as câmaras municipais. A experiência mostra que essa colaboração é indispensável ao êxito de realizações dêste tipo; essa demonstração está feita, felizmente, pela eonstatação dos êxitos já obtidos com ela..
Integra-se êste projecto no conjunto de medidas que vêm sendo tomadas pela Revolução Nacional para resolução do problema de habitação, pois só na continuidade dessa política se julga pode ter solução o caso especial que ora se visa, com a esperança de que frutifique como outros empreendimentos em pleno curso, constituindo uma das realizações mais importantes da política social do Estado Novo.
Os elementos fundamentais do sistema e a sua ordenação estavam já definidos pelo falecido Ministro das Obras Públicas, Duarte Pacheco.
Quem subscreve limitou-se a dar-lhe a forma definitiva e a juntar-lhe estas palavras de introdução.

O Govêrno tem a honra de apresentar à Assemblea Nacional a seguinte

Proposta de lei

BASE I

Consideram-se casas de renda económica as casas que forem construídas nos centros urbanos ou industriais ao abrigo da presente lei e obedeçam, cumulativamente, às condições seguintes:
1.ª Serem construídas por sociedades cooperativas ou sociedades anónimas para o efeito especialmente constituídas, ou ainda por organismos corporativos ou de coordenação económica, instituições de previdência social, emprêsas concessionárias de serviços públicos ou grandes emprêsas industriais;
2.ª Serem edificadas em boas condições de higiene, solidez e duração, de harmonia com os regulamentos de construção civil em vigor ou regulamentos especiais que forem aprovados pelo Ministro das Obras Públicas e Comunicações;
3.º Terem acesso próprio e directo a cada fogo, quando se não tratar de moradias independentes;
4.ª Possuírem sistemas de distribuição de água e de drenagem de esgotos, ligados às rêdes públicas dos centros urbanos ou a rêdes privativas, tratando-se de centros industriais;
5.ª Terem, no máximo, rés-do-chão e dois pisos e contarem por habitação o mínimo de três (habitações de 2.ª classe) ou cinco divisões (habitações de 1.ª classe), além de cozinha, despensa, casa de banho e retrete;

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6.ª As rendas-base não excederem os seguintes limites:

a) Habitação de l.ª classe:

Em moradia independente ....... 300$00
Em parte de casa .............. 400$00

b) Habitação de 2.ª classe:

Em moradia independente ....... 300$00
Em parte de casa .............. 240$00

BASE II

Em casos especiais e mediante autorização do Ministro das Obras Públicas e Comunicações, ouvido o do Interior, poderá ser permitida a construção de casas do renda económica constituindo agrupamentos ou blocos convenientemente localizados e estudados por forma que resultem asseguradas boas condições de salubridade do conjunto.
Cada bloco ou agrupamento nestas condições deverá dispor de amplo logradouro comum, com arruamento ou arruamentos de serviço; excepcionalmente, quando a localização o justificar, deverá ainda prever-se que inclua os estabelecimentos comerciais indispensáveis à respectiva população residente.

BASE III

As sociedades anónimas ou cooperativas constituídas para os fins dêste diploma, ou que dentro dêle queiram integrar-se, deverão requerer, a aprovação dos seus estatutos ao Ministro das Finanças, que a concederá por alvará.
§ 1.º Do título constitutivo das sociedades constará sempre que aos seus accionistas ou sócios não poderão ser distribuídos dividendos ou quaisquer lucros superiores a 5 por cento ou à taxa de desconto do Banco de Portugal acrescida de 1,5 por cento, se superior àquele limite.
§ 2.º Os actos voluntários modificativos ou extintivos destas sociedades não produzirão quaisquer efeitos emquanto as respectivas deliberações não forem homologadas por despacho do Ministro das Finanças.

BASE IV

As casas de renda económica poderão ter os seguintes destinos, consoante as entidades que hajam procedido à sua construção:

) As construídas por sociedades cooperativas: arrendamento e venda a pronto ou a prestações aos seus sócios;
b) As construídas por sociedades anónimas: arrendamento ou venda a qualquer pessoa dentro de um ano da data do certificado definitivo a que se refere a base XV;
e) As construídas por organismos corporativos ou de coordenação económica: arrendamento a empregados e assalariados das respectivas actividades coordenadas;
d) As construídas por instituições de previdência social: arrendamento aos seus inscritos ou outras entidades ;
e) As construídas por emprêsas concessionárias de serviços públicos e grandes empresas industriais: arrendamento aos respectivos empregados e assalariados.
§ único. As construções a que se referem-nas alíneas e), e d) dependem de autorização prévia dó Sub-Secretário de Estado das Corporações e Previdência Social, que poderá fazê-la depender das condições que julgue convenientes.

BASE V

As vendas a que se referem as alíneas a) e b) da base anterior só poderão ser feitas ao preço máximo de 20 vezes a respectiva renda-base:
a) A pessoas que satisfaçam as condições exigidas pela base XIX, quando as casas se encontrem devolutas;
b) Aos arrendatários, no decurso do contrato de arrendamento.
§ 1.º Os arrendatários de moradias independentes terão o direito de em qualquer altura do arrendamento fazer a sua aquisição nos termos previstos nesta base.
§ 2.º No caso de venda a prestações aplicar-se-ão as tabelas de juros e amortização que forem aprovadas pelo Ministro das Finanças.

BASE VI

As câmaras municipais deverão prever nos planos de urbanização dos centros urbanos sujeitos à sua jurisdição zonas destinadas à construção de casas de renda económica.
§ único. São tornadas extensivas às expropriações de terrenos destinados à construção de casas de renda económica as disposições do decreto n.º 23:052, de 23 de Setembro de 1933, e mais legislação complementar.

BASE VII

As câmaras municipais realizarão praças públicas para venda de terrenos destinados à construção de casas de renda económica.
§ 1.º Estas praças serão anunciadas com a antecedência de, pelo menos, três meses, e dos anúncios constarão o preço da alienação por metro quadrado de terreno, a planta geral do arranjo previsto e a documentação a apresentar pelos concorrentes, a qual incluirá sempre:
Anteprojecto das construções a executar;
Bases económicas da realização;
Rendas-base para cada classe e tipo de construção.
§ 2.º O concurso será documental e constituirão motivos de preferência:
1.º A organização social e económica do empreendimento;
2.º A idoneidade moral e financeira da sociedade;
3.º As características técnicas do anteprojecto.
§ 3.º A apreciação das propostas será feita por comissão constituída por quatro membros, delegados, respectivamente, do Ministério do Interior, do das Obras Públicas e Comunicações, do Sub-Secretariado de Estado das Corporações e Previdência Social e da câmara municipal. A decisão da câmara será submetida à homologação do Ministro das Obras Públicas e Comunicações.

BASE VIII

Os agrupamentos de casas de renda económica considerar-se-ão encorporados nas áreas municipalizadas dos respectivos concelhos, competindo às câmaras municipais a conservação dos seus arruamentos e logradouros públicos.

BASE IX

São isentas de sisa as primeiras transmissões de terrenos destinados à construção de casas de renda económica, e bem assim as primeiras transmissões das casas operadas ao abrigo da base V e seus parágrafos.

BASE X

As casas de renda económica serão isentas da contribuição predial por doze anos.

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§ único. Se durante êste período a casa fôr adquirida pelo respectivo morador, o benefício da isenção só persiste se a casa continuar a ser habitada pelo adquirente ou seus herdeiros, em caso de ausência forçada daquele, por locatário ou adquirente que obedeça às condições exigidas por esta lei, o que será comprovado perante o Ministro das Finanças.

BASE XI

As sociedades anónimas ou cooperativas que se constituírem para os fins do presente decreto-lei gozarão das seguintes isenções:
l.ª Dos impostos do sêlo e de doações e sucessão e de sisa nos actos necessários à sua constituição, dissolução e liquidação;
2.ª Da contribuição industrial.
§ único. Serão gratuitas as publicações dos actos sociais, que obrigatòriamente hajam de fazer-se no Diário do Govêrno.

BASE XII

Para fomentar a construção de casas de renda económica poderá a Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência conceder empréstimos às entidades construtoras.
§ 1.º A taxa de juro dos empréstimos a que se refere esta base não será superior a 4 por cento ao ano e o prazo de amortização não excederá vinte e cinco anos.
§. 2.º O pedido de concessão de empréstimo será acompanhado de parecer favorável do Ministério das Obras Públicas e Comunicações do Sub-Secretariado de Estado das Corporações e Previdência Social e da câmara municipal do respectivo concelho;

BASE XIII

Os projectos das casas de renda económica serão submetidos à aprovação das câmaras municipais dos respectivos concelhos, que a poderão negar quando não obedeçam às características estabelecidas neste decreto-lei ou quando, à sua execução se oponha o plano de urbanização da área onde a construção se projecta. A aprovação das câmaras municipais será submetida à homologação do Ministério das Obras Públicas e Comunicações pelo Serviço de Construção de Casas Económicas, da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais.
§ único. Da aprovação de cada projecto será passado certificado gratuito e livre do imposto do sêlo, que servirá de licença para construção da edificação ou edificações a que disser respeito; dêste documento constará o prazo para execução da construção, prazo que poderá ser prorrogado até ao máximo de igual período a pedido dos interessados, quando estes aleguem motivos atendíveis.

BASE XIV

Compete às câmaras municipais a fiscalização da construção das casas de renda económica edificadas dentro dos respectivos concelhos.
§ único. Se a construção não fôr realizada dentro dos prazos para tal estabelecidos nos termos do § único da base anterior, a entidade responsável pagará a sisa legal sôbre o respectivo terreno e incorrerá em multa até dez vezes o valor da mesma sisa, operando-se ainda a transmissão, do terreno para a câmara do respectivo concelho, se esta o desejar, mediante o pagamento do preço inicial da compra.

BASE XV

Concluída a construção de uma casa de renda económica, procederá a câmara municipal, com a assistência de um delegado do Serviço de Construção de Casas Económicas, à respectiva vistoria da habitação. A licença de habitação, passada em impresso especial e visada pelos técnicos da câmara e por aquele delegado, constituirá o certificado definitivo da classificação de casa de renda económica para os efeitos da presente lei. Tanto a vistoria de habitação como o certificado definitivo serão isentos de quaisquer taxas ou impostos.
§ 1.º Do certificado constará sempre a respectiva renda-base, estabelecida inicialmente.
§ 2.º Se houver motivos que o justifiquem, e mediante autorização da câmara municipal dada sob parecer favorável do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência -, poderá o senhorio alterar ulteriormente a renda-base até ao limite fixado no n.º 6.º da base I, fazendo-se o correspondente averbamento no certificado.

BASE XVI

As casas de renda económica deverão ser inscritas na respectiva matriz logo após a sua conclusão, averbando-se a data em que termina a isenção a que se refere o corpo da base X; o rendimento colectável será calculado sôbre as respectivas rendas-base, fixando-se em 10 por cento a percentagem a deduzir para despesas de conservação.

BASE XVII

As casas de renda económica serão, para todos os efeitos, abrangidas pelas disposições em vigor sôbre conservação de prédios nos concelhos respectivos.
§ único. As licenças das obras serão concedidas gratuitamente durante o período em que a casa estiver isenta da contribuição predial.

BASE XVIII

O arrendamento das casas de renda económica será sempre feito por contrato escrito, visado pela secção de finanças do concelho ou bairro respectivo por intermédio da câmara municipal da localidade.
§ 1.º Os contratos de arrendamento serão lavrados pelo prazo de um ano, tàcitamente renovável.
§ 2.º A renda contratual não excederá nunca a respectiva renda-base.
§ 3.º É proibido o arrendamento com antecipação de renda.
§ 4.º Se durante o arrendamento o senhorio pretender alterar a renda contratual, deverá avisar o arrendatário com a antecedência mínima de sessenta dias, por meio de carta registada com aviso de recepção, e terá de promover o correspondente averbamento no contrato, nos mesmos termos exigidos para o arrendamento inicial.

BASE XIX

Não poderá tomar ou manter de arrendamento, por si ou por interposta pessoa, uma casa de renda económica quem aufira rendimentos superiores a seis vezes a respectiva renda.
§ 1.º Entende-se como rendimentos do inquilino o conjunto dos salários ou vencimentos e bem assim quaisquer proventos de bens próprios dos membros do respectivo agregado familiar.
§ 2.º Para efeitos de fiscalização do cumprimento dêste artigo deverão os inquilinos das casas de renda económica declarar no acto de realização do contrato e, posteriormente, em Janeiro de cada ano o montante dos rendimentos que auferem, nos termos do parágrafo anterior.
§ 3.º Estas declarações serão feitas aos proprietários das casas, que as transmitirão às câmaras para efeitos de fiscalização.

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§ 4.º As secções de finanças prestarão às câmaras municipais toda a possível colaboração na fiscalização a que se refere o parágrafo anterior.

BASE XX

Logo que se verifique que os rendimentos do inquilino de uma casa de renda económica excedem o limite fixado na base anterior, ser-lhe-á intimado o abandono da casa dentro do prazo de seis meses; na falta de cumprimento, a câmara municipal interessada promoverá o seu despejo.

BASE XXI

É proibida a sublocação total ou parcial das casas de renda económica, sob pena de multa igual à renda anual da casa e despejo em caso de reincidência.

BASE XXII

As câmaras municipais organizarão o cadastro das casas de renda económica construídas nos seus concelhos, com fichas de modêlo único para todo o País, aprovado pelo Ministro das Obras Públicas e Comunicações.
§ 1.º Para os efeitos de actualização do cadastro, serão efectuadas vistorias periódicas e gratuitas, no mínimo de duas por ano a cada ccasa.
§ 2.º De cada vistoria será lavrado auto, anotando-se as respectivas conclusões na ficha do prédio vistoriado.

BASE XXIII

Quando se verificar que uma casa de renda económica deixou de ter as características que a presente lei lhes impõe, lavrar-se-á auto para efeitos de procedimento.
§ 1.º Consoante a falta fôr imputável ao senhorio ou ao inquilino, será aquele ou êste intimado pela câmara municipal a repor a casa de harmonia com o projecto aprovado.
Quando se verificar que as alterações introduzidas beneficiam a casa e cabem dentro das condições estabelecidas na base I, poderão as mesmas ser legalizadas pelas câmaras, com o acõrdo do Serviço de Construção de Casas Económicas, incorrendo no entanto o responsável na multa devida pôr execução de obras sem licença camarária e na obrigação de apresentar projecto discriminado das alterações executadas, para junção ao processo da casa.
§ 2.º Na falta de cumprimento por parte do inquilino, proceder-se-á ao seu despejo; quando o senhorio não cumprir a intimação recebida, ser-lhe-á aplicada multa de 1.000$ a 5.000$ e em caso de reincidência a mesma multa em dôbro.
§ 3.º Das decisões tomadas pelas câmaras municipais ao abrigo da presente base caberá sempre recurso para o Ministro das Obras Públicas e Comunicações, que resolverá em definitivo.

BASE XXIV

Quando se verificar que a renda efectivamente cobrada é superior à renda-base, será o senhorio multado em importância igual ao dôbro do montante total do excesso que se prove ter sido cobrado, no mínimo de 6.000$; em caso de reincidência perderá o senhorio a propriedade da casa, a qual reverterá para a câmara municipal, sem prejuízo do regime jurídico estabelecido nesta lei.
§ único. A aplicação da primeira sanção será feita nos termos da base XXIII; a penalidade correspondente à reincidência será aplicada também pela câmara municipal, que a notificará ao proprietário, cabendo recurso, no prazo de dez dias, para a respectiva auditoria administrativa, que julgará em definitivo, devendo o auditor pronunciar a sua sentença dentro de trinta dias da interposição do recurso.

BASE XXV

Os despejos promovidos ao abrigo da presente lei serão executados por simples mandado da autoridade administrativa local, que, em caso de necessidade, os poderá ordenar com intervenção da frôça pública.

BASE XXVI

As multas aplicadas nos termos dêste diploma constituem reedita das câmaras municipais, à excepção das que resultem de transgressão das bases XXI e XXIV, as quais revertem a favor do Fundo de casas económicas.

BASE XXVII

Os Ministros do Interior, das Finanças e das Obras Públicas e Comunicações e o Sub-Secretário de Estado das Corporações e Previdência Social resolverão por despacho, dentro da respectiva competência, as dúvidas e omissões suscitadas na aplicação da presente lei e aprovarão, por portaria, os regulamentos necessários à sua perfeita execução.

Lisboa, 29 de Fevereiro de 1944. - O Ministro das Obras Públicas e Comunicações, interino, João Pinto da Costa Leite.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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