O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 183

REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 53

ANO DE 1944 3 DE MARÇO

III LEGISLATURA

SESSÃO N.º 50 DA ASSEMBLEA NACIONAL

Em 2 de MARÇO

Presidente: Exmo. Sr. José Alberto dos Reis

Secretários: Exmos. Srs. José Manuel da Costa
Augusto Leite Mendes Moreira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.

Antes da ordem do dia. - Com pequenas alterações, foi aprovado o Diário da última sessão.
Usou da palavra o Sr. Deputado Querubim Guimarãis, para apreciar e enaltecer a acção da Intendência Geral dos Abastecimentos.

Ordem do dia. - Foi discutida a proposta de lei que aprovou a Convenção Ortográfica Luso-Brasileira.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Mário de Albuquerque, José Manuel da Costa, Juvenal de Araújo e Manuel Múrias.
A Assemblea aprovou, por unanimidade e de pé, a referida proposta.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 48 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 52 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Alberto Cruz.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre de Quental Calheiros Veloso.
Alfredo Luiz Soares de Melo.
António de Almeida.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Cristo.
António Rodrigues Cavalheiro.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur de Oliveira Ramos.
Artur Ribeiro Lopes.
Augusto Leite Mendes Moreira.
Cândido Pamplona Forjaz.
Carlos Moura de Carvalho.
Fernando Augusto Borges Júnior.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco da Silva Telo da Gama.
Henrique Linhares de Lima.
Hereulano Amorim Ferreira.
Jaime Amador e Pinho.
João Ameal.
João Antunes Guimarãis.
João de Espregueira da Rocha Páris.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luiz Augusto das Neves.
João Pires Andrade.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Saldanha.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Alberto dos Reis.
José Alçada Guimarãis.
José Clemente Fernandes.
José Dias de Araújo Correia.
José Luiz da Silva Dias.
José Manuel da Costa.
José Rodrigues de Sá e Abreu.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.

Página 184

184 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 53

Júlio César de Andrade Freire.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz de Arriaga de Sá Linhares.
Luiz Gincinato Cabral da Costa.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Lopes Vieira de Castro.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Luiz Mendes de Matos.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel Joaquim da Conceição e Silva.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Pedro Inácio Álvares Ribeiro.
Querubim do Vale Guimarãis.
Quirino dos Santos Mealha.
Salvador Nunes Teixeira.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 58 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas.
Leu-se o

Expediente

Telegrama

Rogo V. Ex.ª se digne aceitar os meus mais veementes protestos contra agressão de que foi vítima ilustre Deputado Dr. Albano Magalhãis associando-me inteiramente às palavras dos oradores e atitude da Câmara na sessão ontem Capitão Duarte Marques Deputado.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os Diários das duas últimas sessões.

O Sr. Antunes Guimarãis: - Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer as seguintes rectificações ao Diário das Sessões n.º 52, de l de Março.
São as seguintes: a p. 178, col. 2.ª, 1. 58.ª, onde se lê: «E recordo-me, também, de ter afirmado...», deve ler-se: «E recordo-me, também, de eu ter afirmado...»; a p. 179, col. 2.ª, 1. 61, onde se lê: «Ora aquela importuna política de restrições, ...», leia-se: «Ora aquela inoportuna política de restrições, ...»; e na p. 180, col. 1.º, 1. 45.ª, onde se lê: «... precisos para se arrostar àqueles trabalhos agrícolas.», deve ler-se: «... precisos para se arrojar àqueles trabalhos agrícolas.».

O Sr. Presidente: - Considero aprovados os dois Diários com as rectificações apresentadas.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Querubim Guimarãis.

O Sr. Querubim Guimarãis: - Sr. Presidente: vejo nos jornais a notícia de que a Intendência Geral dos Abastecimentos vai activar a repressão do chamado «comércio negro» e ainda há pouco também a imprensa comunicava a aplicação de uma pesada multa a um ex-secretário do Grémio das Farmácias por especular com iodo.
Sugerem-me estas notícias algumas considerações, que iniciarei prestando 418 minhas mais sinceras homenagens a êsse prestantíssimo organismo que em boa hora o Sr. Ministro da Economia teve a feliz idea de criar, pondo à sua frente um homem de invulgares predicados, que tam superiormente tem sabido desempenhar-se da árdua e espinhosa missão de que foi incumbido, rodeando-se para isso de prestimosos auxiliares também.
Apoiados.
São poucos todos os louvores que se dirijam a pôr em relêvo os valiosíssimos serviços prestados ao País, desde a sua constituição até hoje, pela Intendência.
Se não fôra a sua acção pronta, enérgica e decidida, enfrentando todas as enormes dificuldades que surgem e procurando removê-las para que as deficiências de abastecimento do País não atinjam proporções calamitosas, teríamos na nossa frente doloroso quadro e os reflexos da guerra, de que a Providência e a sagacidade do Govêrno nos têm livrado, bem amargos dias nos proporcionariam.
Basta olhar para o que se passa em dificuldades de toda a ordem para avaliarmos bem do esfôrço considerável desenvolvido pela Intendência.
Luta ela, em primeiro lugar, com o espírito de ganância, bem revelador da ausência daquela consciência cívica que põe o bem comum acima do particular, mormente em períodos de tam flagrante desequilíbrio económico como o que a guerra provoca.
A especulação é, infelizmente, um mal tam generalizado, tam harmónico com as tendências egoístas da própria natureza humana, que desvaira os espíritos e corrompe as consciências, num desregramento que é a verdadeira ausência da disciplina moral que deve regular as relações entre os homens.
Todos especulam ou procuram especular nesta grave emergência, não devendo limitar-se o odioso a uma única classe.
Não. Não é só o intermediário que especula, embora bem diferente seja o grau desta especulação daquele a que subiu a especulação na outra guerra, em que as mercadorias chegavam ao consumidor depois de terem percorrido várias categorias e espécies de intermediários, obtendo-se lucros incalculáveis, por vezes, numa simples detenção de vias, neste tráfego ilegítimo.
Não especula, dizíamos, apenas o intermediário, porque especula o produtor, também furtando-se o mais possível ao cumprimento das prescrições regulamentares, e até especula o próprio consumidor, negociando por vezes, sobretudo em certas circunstâncias de insuficiência económica para a aquisição dos géneros que lhe são atribuídos, as suas senhas de racionamento.
Luta a Intendência com a falta de transportes marítimos, como já aqui se acentuou há dias, que pudessem trazer-nos dos vários pontos do nosso Império Colonial aquilo de que carecemos, nomeadamente dessa Angola feracíssima, onde tudo se produz e que, se transportes houvesse, poderia transformar-se em principal mercado de abastecimentos da metrópole (ainda há dias diziam os jornais que aguardavam o embarque, nos respectivos cais, nada menos de 53:000 sacas de feijão).
Luta ainda com a falta de transportes terrestres, de modo a poder levar dos centros abastecedores aos pontos mais distantes do País os géneros necessários, garantindo assim uma boa e oportuna distribuição dos mesmos.
E luta também com a incompreensão, até com a cumplicidade, digamos (como bem o comprova o caso recente a que já me referi da especulação com o iodo feita por um próprio membro do Grémio das Farmácias, que exercia ali o cargo de secretário), de organismos responsáveis.
Êste combate é o mais difícil e esta espécie de especulação é a mais condenável de todas pela dupla responsabilidade que envolve - a que provém do acto em si, delituoso perante a lei, e a que é inerente à função que se exerce e que provoca o descrédito de um sistema que

Página 185

3 DE MARÇO DE 1944 185

só é mau pela falência moral dos que de tal modo o executam e não pelos princípios em que se baseia.
Escasseiam no mercado legal imensas cousas que aparecem com profusão no mercado negro. É frequente, ouve-se dizer, procurar certas mercadorias e as entidades ou organismos a que se dirigem os interessados declararem que as não têm.
Mas os interessados saem dêsses locais e encontram fàcilmente cá fora quem lhes segrede, com certo ar amigo de quem presta um alto serviço, rodeado tudo de um certo mistério, camuflagem de locais, de pessoas, de nomes, de mercadorias, para assim mais fàcilmente iludirem a vigilância repressiva das autoridades, que as têm à sua disposição.

O Sr. Carlos Borges: - V. Ex.ª dá-me licença?
Eu posso avançar mais: nesses organismos aconselha-se aos que lá vão tratar das suas pretensões: «Dirija-se ao mercado negro»!
E eu posso afirmar a V. Ex.ª que isto é verdade!

O Orador: - Bem merece a Intendência se na sua acção contra o mercado negro conseguir fazer punir os prevaricadores, sobretudo quando têm maiores responsabilidades do que as de simples negociantes, mas não com penas como as de multa, que, por maior que esta seja, é bem coberta pelos lucros do negócio, mas com um sistema de repressão muito mais severo, até à própria deportação, pois, no momento que passa, considero êsse delito o mais grave de todos, especulando com as necessidades, se não com a miséria do semelhante. Termino saudando de novo o prestimoso organismo da Intendência, que ao País tem prestado assinalados serviços.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em discussão a proposta de lei sôbre a Convenção Ortográfica Luso-Brasileira. Tem a palavra o Sr. Deputado Mário de Albuquerque.

O Sr. Mário de Albuquerque: - Sr. Presidente: permita-me V. Ex.ª que lhe apresente as minhas homenagens. Não o faço no automatismo de quem reedita uma fórmula, pelo ânimo banal da praxe, mas porque V. Ex.ª tem sido para nós, nesta Casa, um alto exemplo de equilíbrio e dignidade intelectual. Razão teve aquele subtil político inglês ao afirmar um dia que para se dirigir bem qualquer cousa - quer se trate de governar um povo, quer se trate de conduzir um automóvel - a primeira condição é ser-se gentleman, pois só um gentleman tem em alto grau a noção de que não deve nem pode atropelar os outros. Frequentei há vinte e tantos anos as aulas de V. Ex.ª, mas confesso que ainda não deixei de ser discípulo ...
Srs. Deputados: o decreto que hoje vem à votação desta Câmara não é limitadamente a consagração jurídica de um cânon ortográfico; é a expressão de uma cousa muito mais ampla, um sentimento cultural de pan-lusitanismo.
Conta-se que Júlio de Vilhena, ao discutir um dia a reforma ortográfica de 1911 com o erudito José Leite de Vasconcelos, teve êste comentário admirável:

«Há entre nós um equívoco: para V. Ex.ª a reforma ortográfica é um problema filológico; para mim é um problema de direito público».

Podia ter acrescentado: é uma questão política, na acepção nobre desta palavra.
Foi o que não percebeu o legislador de 1911, animado, aliás, a êste respeito de boas intenções. Por isso resolveu a questão restritamente com uma comissão de técnicos - homens eminentes, a cujo saber todos temos de prestar homenagem, quando os filólogos deviam formar apenas um corpo consultivo. O assunto devia ter sido resolvido, antes de tudo, no campo diplomático.
Desde o velho Duarte Nunes de Leão que em Portugal se proclamava a necessidade de uma uniformização ortográfica. Decerto a ortografia não pode ser uma dogmática, que levaria à imobilidade verbal e ao feiticismo da fórmula; mas não pode ser também uma anarquia, em que extravasem todas as ignorância e caprichismos individuais.
A língua é um património comum, uma expressão de cultura, «uma fôrça em acção», como diz o psicologista Janet e repete o filólogo Vendryes.
Deixá-la completamente ao arbítrio individual seria equivalente, pouco mais ou menos, a deixar transformar e mutilar os monumentos nacionais, conforme a gana de cada um. Já alguns estrangeiros, como o Sr. Aubrey Bell, salientaram a nossa indisciplina ortográfica - que, além de ser um reflexo de indisciplina social, é um grave transtôrno para a aprendizagem e irradiação da língua.
Mas tudo isto não justifica que se tenha feito uma reforma ortográfica à revelia do Brasil, como se a língua portuguesa fôsse apenas nossa. É preciso não esquecer que a herança espiritual pertence tanto ao irmão que emigrou como ao irmão que ficou agarrado ao velho solar da raça.
Só num período tumultuário de desintegração espiritual, em que se subverteram todos os ensinamentos da tradição, Portugal se podia ter alheado e esquecido do próprio mundo que criou. Hoje, reencontrado o sentido histórico de nação, emenda-se felizmente o êrro, direi mesmo o pecado contra a lusitanidade.
Nesta hora das grandes metrópoles, dos grandes exércitos, das grandes edições, não é indiferente para a fôrça moral de uma nação e para a sua projecção intelectual e mercantil falar uma língua de esfera limitada ou uma língua que se ouça alto no mundo. Nós, portugueses, temos na unidade linguística luso-
brasileira, dadas as dimensões do Brasil e a sua colossal capacidade de população, uma garantia para a grande irradiação da nossa fala e dos nossos valores literários - há-de vir um dia em que os escritores portugueses encontrem um grande público compensador do seu labor mental.
Por seu lado, o Brasil, que se prepara para desempenhar na terra um grande papel, tem toda a vantagem em manter pela fidelidade a um padrão literário uma unidade idiomática, em todo o seu imenso território, sujeito a tantas influências diversas, e em encontrar já grandes núcleos da língua que fala espalhados pelo mundo.
Para que há-de o Brasil - preguntava já em 1926 um jornalista português a um moço escritor brasileiro - criar uma língua aparte, meu jovem amigo, se isso lhe virá de futuro dificultar a expansibilidade no mundo? Esta expansibilidade será tanto maior quanto mais fácil fôr a sua penetração. Suponha o meu amigo o Brasil magnífico procurando irradiar no mundo o seu poderoso comércio e a sua poderosa indústria. Onde terá mais fácil campo de acção? Nas terras que falarem a mesma língua, isto é, em Portugal e nas colónias portuguesas ...».

Pela grandeza ascensional do Brasil e pelo desenvolvimento de Angola podemos ter a antevisão orgu-

Página 186

186 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 53

lhosa de um Atlântico Lusíada - o Atlântico Sul -, nas duas ribas do qual lançou raízes o doce falar camoneano.
Sei que não tem faltado nas duas pátrias quem afirme, como fatalidade invencível, a separação linguística dos dois países, pois que as línguas são expressões telúricas, fôrças naturais que estuam para além de todas as convenções literárias. Creio, porém, haver por trás desta afirmação uma heresia social e um êrro crítico. Se a cultura não se pode alhear da natureza, sob pena
de se cair no verbalismo, não pode também subordinar-se absolutamente à natureza. A natureza entregue a si própria é a desordem - ela e de uma insensibilidade absoluta, de uma imoralidade transcendente, dizia Renan. Toda a cultura implica uma supremacia do homem sôbre as fôrças cegas e os impulsos naturais. De um lado está o espírito, do outro a lógica bárbara do instinto ...
Sôbre o aspecto puramente linguístico, a história encarrega-se de nos fornecer uma multidão de exemplos demonstrativos da sem-razão da afirmação. Podemos mesmo dizer que todas as grandes línguas - as línguas que se projectaram nobremente no mundo - são vitórias, político-literárias, ou, melhor, vitórias culturais sôbre fôrças divergentes. O italiano não passa de um falar local - o toscano -, fixado pelo milagre da Divina Comédia; o espanhol é o castelhano, tornado língua nacional, e o próprio francês - como demonstrou o grande mestre que se chama Fernando Brunot - é apenas a supremacia literária da burguesia de Paris, adoptada depois pela Côrte. Não se tivesse a Grécia erguido por cima de todas as divergências políticas e regionalismos linguísticos até à concepção moral e literária de Pan-Helena, e as suas vozes teriam ficado sem eco no mundo. O mesmo podemos dizer de Roma. O latim literário - o latim que guardou para os séculos o pensamento e a sensibilidade do mundo romano - diferia tanto da linguagem vulgar, não evocando mesmo os falares provinciais, que Cícero afirmava: «Se falasse em casa como falo no Senado ninguém me compreenderia».
Há entre o falar das cidades portuguesas e das cidades brasileiras diferenças mínimas, comparadas com as divergências dialectais que se encontram em quási todos os países da Europa, sem que isso os tenha impedido de formar línguas gerais, que, por vezes, como acontece com o francês, ultrapassam fronteiras políticas. Nem a distância pode servir de argumento para inutilizar a lição da história, pois, mercê da técnica moderna - a telefonia, o correio, a imprensa, o avião -, Portugal e o Brasil estão incomparàvelmente mais perto do que Roma estava das províncias remotas, e mesmo do que algumas das cidades gregas entre si. É infinitamente mais fácil ir hoje ao Brasil, receber notícias do Brasil, do que era outrora, na Idade Média ou nos claros dias do Renascimento, isto é, quando se definiram as línguas modernas, ir de um extremo ao outro da França.
Se todos nós, portugueses e brasileiros, devemos reagir contra qualquer barbarização da língua, não a devemos imobilizar artificialmente em nome de um ideal filípico de centralização, como diria Gilberto Freyre. Todas as aquisições feitas em harmonia com o espírito e a estrutura da língua são legítimas e, como tal, devem ser consideradas por todos, quer tenham entrado no idioma através do Brasil, quer através de Portugal. Assim o exige a concepção da língua transoceânica. Uma grande amizade pressupõe uma mútua compreensão.
Sr. Presidente: a convenção linguística declarou que a Academia das Ciências de Lisboa e a Academia Brasileira de Letras ficam «órgãos consultivos» dos seus governos, em matéria ortográfica. É justo. As duas Academias manifestaram a mais elevada compreensão no assunto. A elas se deve, em grande parte, êste novo abraço luso-brasileiro. Além disso, a sua estabilidade e permanência permitem uma continuidade de directrizes que não haveria com informadores de ocasião.
Mas ao lado do problema da unidade da língua há o problema da sua irradiação e da sua defesa. O Instituto para a Alta Cultura - cujas funções são múltiplas - tem desenvolvido uma actividade notável na criação de cadeiras de português junto das Universidades estrangeiras. Julgo, porém, que toda esta política da língua tem de ser coordenada.
Não basta a aproximação com o Brasil - e a Convenção reconhece-o - para o estabelecimento de uma norma ortográfica, pois o Brasil tem o mesmo interêsse que nós e, direi até, o mesmo direito e a mesma obrigação de irradiar e defender o idioma comum.
Já uma vez, depois de uma dramática conversa com Carlos Malheiro Dias, sugeri a um Ministro da Educação Nacional a conveniência que haveria em se tentar a criação de dois organismos paralelos - no Brasil e em Portugal - especialmente encarregados de estudar e coordenar a política da língua. Todos os anos reunidos alternadamente numa cidade do Brasil e numa cidade de Portugal, os delegados das duas nações definiriam as linhas gerais dessa actividade.
Pouco importa, porém, a constituição ou a escolha dos organismos encarregados desta missão; o essencial é que se entre numa política efectiva e sistemática de colaboração luso-brasileira neste capítulo e que ao lado dos técnicos, apareçam os homens de ideas gerais, conhecedores do mundo, para que o problema não fique estrangulado em discussões eruditas.
Não basta criar cadeiras de português junto das Universidades europeias. É preciso fortalecer os numerosos núcleos de língua portuguesa espalhados pelo mundo e que estão a desaparecer.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Vários estrangeiros, como o Prof. Fokker e o Dr. Heilingers, notaram a extraordinária resistência e vitalidade da nossa língua ao estudarem a influência do português no Oriente. Por seu lado, o escritor brasileiro Salvador de Mendonça pôde verificar a mesma energia no vasto formigueiro humano dos Estados Unidos, onde pululam numerosas colónias adventícias. O próprio alemão, considerado das línguas mais resistentes, é aí, diz êle, triturado mais depressa pela fôrça absorvente do meio do que o nosso idioma - idioma curtido pelo sol de todos os climas, borrifado pela água de todos os oceanos. Mas, por muito resistente que êle seja, o tempo, só tempo que tudo desbarata», acaba por vencer, se nos desinteressarmos destas colónias de sangue e das simples colónias da língua ...
Sr. Presidente: à língua portuguesa coube o papel, como diz o Prof. Afrânio Peixoto, de derramar a cultura mediterrânea no Atlântico. Por ela se puseram em contacto os vários oceanos e continentes distantes. Durante três séculos foi também a grande língua comercial do Indico, língua diplomática, língua marinha e aventureira. Através dela selaram tratos comerciais nas mais desvairadas partes do mundo e milhões de almas escutaram a voz da redenção, com a história da Jesus, sua missão, os seus milagres e a sua bondada sem limites. Formosamente o grande João de Barros a denominou o novo apóstolo e Duarte Nunes de Leão lhe chamou língua bem-aventurada ...
Poucos destinos mais belos do que os desta velha língua rural, aparentemente condenada pela estreiteza do território a um quási anonimato, mas que um dia embarcou e deu volta, ao mundo.

Página 187

3 DE MARÇO DE 1944 187

Foi pela política atlântica que se fez a libertação da língua - já um espanhol ilustre chamou subtilmente a Os Lusíadas a nossa segunda Aljubarrota. Renegar esta política e voltar as costas ao Oceano equivale para nós a trair a própria missão histórica da raça.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. José Manuel da Costa: - Sr. Presidente: a Convenção firmada entre Portugal e o Brasil, e que, para ser aprovada, vem como proposta de lei do Governo Português à Assemblea Nacional, constituo, no meio de todas as naturais amarguras e legítimas apreensões do tempo presente, um documento de transcendental alcance e de consolador e promitente significado espiritual.
Assim o entenderam as mais altas magistraturas dos dois países, assim o reconheceu o Governo da Nação, assim o vai salientar, sem dúvida, a Câmara Política a que tenho a honra de pertencer.
Propositadamente ou disse na Câmara Política: é que assegurar a unidade, a defesa, a expansão e o prestígio do idioma nacional, que é também, pela graça e em serviço de Deus e por obra de portugueses, idioma do Brasil, é acto político impressionante e tanto mais quanto maior é a confusão acima da qual vem pairar a deliciosa serenidade de um Acôrdo que, por demasiadamente discutido, irritado e incompreendido noutro tempo que não vai longo, alguma vez terá chegado a parecer impossível de alcançar-se.
E quando se alcança? Quando humanistas e filólogos, academias e institutos de cultura especulativa e desinteressada, oportuna e sagazmente compreendidos pelos dirigentes de orientação de dois países colocados em distintas posições e latitudes, fazem aceitar, como matéria de interêsse comum, para si o para estranhos, o prestigio do idioma, fundamento maior da existência da Nação, base primeira da cultura, instrumento necessário da continuidade da civilização a que deu origem e a que servo do garantia maior.
Política do idioma, política da cultura, política é esta verdadeiramente do espírito, em sentido puro e não deturpado na precipitada leviandade tantas vexes possível a coberto de vertiginosa desorientação de nossos dias.
Portugal e Brasil, apoiando-se nas suas respectivas Academias de Ciências e de Letras, não firmam uma convenção para gôsto e orgulho do eruditos ou para glória, aliás merecida, de ilustrados cenáculos; tampouco para arrumar um assunto de Estado, de há muito pendente, e que em certas ocasiões pode ter -sido motivo do impertinências e objecto de magoadas preocupações diplomáticas.
As duas grandes Nações, colocada uma onde a Europa termina, situada a outra lá onde a América mais pelo coração e pelo espírito só aproxima da Europa, condensam em tal Acôrdo o anseio de uma comunidade de pensamento, de sentido universal, põem assim têrmo a infecundas dissensões passadas, definem em relação ao presente e ao futuro a consciência de uma fôrça moral e a certeza de uma indiscutível possibilidade de projecção espiritual no mundo.
Para além da vetusta riqueza do uma linguagem que se não desgastou nem morreu no acidentado giro do oitocentos anos do vida histórica e para além da pujança e fôrça que ganhou no frescor e na juventude de uma nova e criadora camada humana, instalada em território de excepcional exuberância, encontra-se - direi eu - na mútua compreensão do Acôrdo alguma cousa que é como que a expressão confiante e viril de uma filosofia da vida! Portugal e Brasil, decididos firmemente a assegurar a unidade, a defesa, a expansão e o prestígio da língua portuguesa no mundo, defendem e prestigiam a sua própria essência, suas mesmas cultura e civilização de sinal positivo, o sinal da fé e das eternas verdades e o jeito do império que ainda resta, triunfante, na grandeza espiritual do cristianismo católico que ambos os povos sempre serviram!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Na guerra, como na paz, podem as nações em determinadas circunstâncias jogar sem querer a causa da sua própria existência; pode a conturbação profunda de certos momentos históricos determinar distintas atitudes para salvar idênticos patrimónios. Em estado de guerra o Brasil, e Portugal com sua lúcida, rigorosa, ainda que amargurada neutralidade, encontram serenamente para si mesmos horizontes de paz e de concórdia, procurando salvar essências, a fim de que não morram, e antes prevaleçam, aquelas ideas mestras que, mais do que bens próprios nacionais, nos habituámos a considerar ecuménicas expressões de um sentido espiritual da existência.
Vivem na língua portuguesa clamores do fé e actos de amor e do esperança, culminâncias de heroísmo e de tragédia, líricas ingenuidades românticas de saudade e mágoa e também rajadas brutais de intenso realismo, que nenhuma capacidade falta ao génio da língua, instrumento idêntico de meditação poética de el-rei D. Diniz ou de Olavo Bilac, de expressão em prosa de Fernão Lopes ou de Euclides da Cunha.
Mas, com sentido mais certo e mais profundo, prevalecendo em seus efeitos para além dos respeitáveis aspectos técnicos da linguística e da história literária, a linguagem unificada de Portugal-Brasil deverá ser em cada uma das Nações, no gigantesco agregado espiritual de ambas e na ampla roda do Mundo, a perfeita expressão ideal e formal de uma comunidade que ainda não sente a ruína no pêso dos anos, nem já sente a incerteza nas inquietações da juventude.
Unidade, defesa, expansão e prestígio.
Unidade da ortografia, defesa do valor e do rigor da forma, expansão o prestígio do conteúdo vivo e eterno em plenitude e maturidade, pois, senhores, em presença estamos de séria responsabilidade assumida pelos dois Governos, por suas doutas Academias, por todos os seus organismos responsáveis na instrução e na educação.
Todos estes objectivos harmónicos necessàriamente têm de ser orientados o alcançados nos próprios territórios nacionais de ambas as partes signatárias da Convenção.
Aqui - e com profunda razão o dizemos! - bem como no Brasil terá de consagrar-se um amor maior o um melhor cuidado ao tratamento que nos merece a materna língua, sem que por amor e cuidado queiramos, com caturrice o farisaísmo, dizer purismo inconformista ou renitente reserva aos constantemente novos afloramentos que sempre caracterizam uma língua viva e vivaz, ao serviço de uma civilização positiva e progressiva.
Quero eu dizer aquilo mesmo que em lucidíssimas palavras já disse um eminente escritor português contemporâneo: «aos nossos filhos deixemos, como melhor legado, depois dos ditames da moral e da honra, a língua portuguesa, viva, orgulhosa e incorrupta, para que a sua música não se dissolva no silêncio nebuloso dos séculos, mas seja eterna a sua voz do pensamento, a sua consolação de caridade, o seu frémito de paixão».

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: à circunstância de viver a minha vida no ensino da língua e da literatura portuguesas e de ter profissionalmente servido, com mais amor

Página 188

188 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 53

do que merecimento, a causa da expansão da cultura nacional em países estrangeiros eu devo agora a pesada responsabilidade de ocupar esta tribuna.
Pois aqui, e por isso mesmo, eu quero afirmar bem alto que nos países por onde andei e nos outros em que não estive, mas de que conheço as condições da nossa expansão cultural, sempre sentimos a falta do Brasil a nosso lado, essa companhia necessária e amiga que connosco testemunhasse a grandeza passada e a certeza futura de Portugal, o prestígio de seus domínios e conquistas, o orgulho de suas criações culturais e civilizadoras, a razão de ser do seu império ainda fecundo é vivo.
Sentimos várias vezes a angústia e - porque não dizê-lo? - a injúria de verificar que mesmo em algumas Universidades estrangeiras mais se procurava conhecer a língua portuguesa com intuitos comerciais no Brasil do que pròpriamente com o desejo intelectual de assimilar uma cultura e eompreender uma civilização rica de conteúdo e vigorosa de expressões criadoras.
Faltava-nos ali o Brasil, a dizer das suas perspectivas ambiciosas, da sua estuante vitalidade, da sua insaciedade de conhecer e saber e, no sentido afirmativo, a ler e interpretar as páginas geniais de Rui Barbosa, lá nas mesmas cátedras onde nós dávamos expressão de lusitanidade às estrofes sonorosas de Camões.
Mais especialmente interessado nos aspectos da expansão e do prestígio externo da língua e da cultura luso-brasileira, quero crer, Sr. Presidente, que a Convenção agora submetida ao voto desta Assemblea - e à qual me obstino em não reduzir o alcance titulando-a de «ortográfica» - é o primeiro passo, tam seguro como imprescindível, para novos empreendimentos e mais eficazes realizações.
Venham à nossa vida, à nossa cultura, à extraordinária seriedade do nosso caso moral, social e político os mestres eminentes e os mais insatisfeitos estudantes do Brasil; que êles venham, para ensinar ou aprender, dar uma alegria sua às nossas escolas de tipo clássico ou de tipo técnico moderno; façamos comuns à mesma ansiedade de saber e de valorizar o homem os nossos institutos de investigação e de estudo; enriqueçam-se de livros brasileiros (que o momento é próprio e o ambiente justifica-o), já não direi sòmente as estantes das nossas bibliotecas, mas, mais e melhor do que isso, as inteligências dos nossos estudantes dos ensinos médio e superior; perfilhemos mùtuamente o respectivo escol de valores, que ser de Portugal é ser do Brasil, na mesma inquietação de espírito, no mesmo valor de conhecimento, no mesmo desejo de viver com entusiasmo e ardor.
Também nós temos de lembrar-nos mais do rumo do Brasil, até para sermos melhores acima da mediocridade do meio, para fugirmos à observação mórbida a que naturalmente se condenam, por fatalidade, os países neutros perante um conflito apocalíptico.
Façamos do Atlântico, correndo embora todos os riscos e perigos, não já a sepultura das nossas naus, mas o berço de nosso comum renascimento, e, pensando na brilhantíssima pléiade de jurisconsultos, médicos, pedagogos e homens de letras de além-mar, ofereçamo-lhes à meditação a igual grandeza de nosso passado e de nosso presente, dando-lhes como símbolo êsse facto extraordinário de haver podido ser, na beatitude do ambiente português e no «rude e doloroso idioma, última flor do Lácio» em que Plínio Salgado escreveu a sua extraordinária obra A Vida de Jesus.

«Quando os dois reinos se separaram fizeram-no em termos que não têm precedentes na história» - disse Salazar.
E se nós assistimos hoje às mais híbridas associações, hemos de lembrar-nos de que Portugal e Brasil, até mesmo quando se separam, o fazem sob o signo «da mais tema e carinhosa solidariedade».
Por tudo isto, a ninguém é lícito estranhar que, uma vez salvaguardadas as naturais circunstâncias próprias de cada Nação, se aproximem e sigam juntos aqueles grandes blocos que encerram uma reserva igual de valores espirituais, uma cultura identicamente entroncada e um idioma comum na base de todas as suas condições de vida.
Sr. Presidente: a Convenção que estamos apreciando entrega os dois Governos ao bom conselho de ambas as Academias, que em matéria ortográfica se declaram seus órgãos consultivos.
E ao mesmo tempo uma gratidão e uma confiança, as duas mais do que legitimas, porque sem o labor académico, lento mas seguro, certamente não teria sido possível a celebração do Acôrdo. E aqui vem a jeito lembrar com emoção todos os paladinos da aproximação luso-brasileira, os mortos e os vivos, que todos falaram linguagem de entendimento, todos os que souberam resistir aos critérios estreitos que separam e com amor e alma encontraram os caminhos seguros que conduzem à solidariedade e geram o mútuo respeito.
Com elementos dessas Academias e com tantos dêsses sinceros entusiastas pela salvaguarda da riqueza espiritual de Portugal e do Brasil bem poderiam os dois Governos, quando por melhor e mais oportuno o tivessem e ao abrigo das amplas promessas que podem desprender-se da presente Convenção, bem poderiam, digo, fazer nascer uma grande criação, comum aos dois povos do mesmo génio, que substituísse outros organismos inactivos e já anacrónicos e disciplinasse, contra o tumulto das propagandas fáceis e quási estéreis, toda a comum actividade das duas Nações responsáveis pela mesma cultura e esteios da mesma civilização.
Tal instituto orientaria a idêntica ambição de Portugal e Brasil no sentido da sua expansão no mundo e poderia chamar a si a realização das sugestões endereçadas aos dois Governos pelo Embaixador Nobre de Melo na conferência que realizou em l de Outubro de 1937, no Palácio do Itamarati, sôbre o «Intercâmbio cultural».
Essas sugestões, quási todas realizáveis em grande parte, não obstante as actuais condições da vida do mundo, e, sob certo aspecto, até já insuficientes, por incompletas, em muito contribuiriam para dar expressão prática aos objectivos, da Convenção e a todo o largo ideal de realizações que dela pode transparecer e que confiadamente esperamos.
Como quer que seja, sem que esqueçamos o lúcido e bem documentado parecer que a proposta de lei recebeu da Câmara Corporativa, aqui deixamos para essa proposta um voto de aprovação, para a Convenção um voto de esperança e para o Brasil um voto de fé na sua grandeza, no seu futuro, na sua projecção luminosa, que nós melhor do que ninguém compreendemos, porque falamos idioma comum às mesmas ideas e aos mesmos sentimentos.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Juvenal de Araújo: - Sr. Presidente: na sessão de 13 de Março do ano passado tive a honra de, nesta Câmara, pedir a palavra a V. Ex.ª para me ocupar de um facto que então acabara de dar-se no domínio das relações entre Portugal e o Brasil e que, pela sua importância, bem merecia ser assinalado aqui, no seio da representação nacional.
Dias antes haviam chegado a Portugal, enviadas pela Academia Brasileira de Letras à Academia das Ciências

Página 189

3 DE MARÇO DE 1944 189

de Lisboa, as primeiras provas tipográficas do vocabulário da língua organizado pela primeira daquelas instituições, em plena concordância com o nosso vocabulário e com o fim de vigorar no Brasil com carácter nacional. Significava êste facto que, quanto a tam momentoso e agitado problema, se entrava abertamente no caminho das soluções positivas e se dava execução, não com palavras de promessa, mas com obras irrecusáveis, ao acôrdo ortográfico intercontinental da língua portuguesa de 1931.
Agora um novo acontecimento da maior expressão e magnitude vem, Sr. Presidente, como que trazer o indispensável cortamento jurídico e legal à larga obra realizada para a defesa e expansão da língua portuguesa no mundo. Quero referir-me à Convenção Ortográfica Luso-Brasileira, firmada pelos dois Governos em 29 de Dezembro último, e de que é objecto a proposta de lei que temos neste momento sôbre a Mesa.
Por esta Convenção assegura-se a estreita colaboração de Portugal e do Brasil em tudo quanto interêsse à conservação e defesa da língua portuguesa, comum aos dois Países. Portugal e Brasil obrigam-se a estabelecer como regime ortográfico o sistema fixado pela Academia das Ciências de Lisboa e pela Academia Brasileira de Letras para organização do respectivo vocabulário. Finalmente, nenhuma providência legislativa ou regulamentar sôbre matéria ortográfica deverá de futuro ser posta em vigor por qualquer dos dois Governos sem prévio acôrdo com o outro, depois de ouvidas as duas Academias.
Não é intenção minha, Sr. Presidente, descrever deste lugar o que nos dois Países tem sido, de há mais de trinta anos a esta parte, nas suas flutuações e vicissitudes, a história da política da língua. Todos a conhecemos suficientemente para avaliar da importância e da grandeza do acto presente, que, de modo tam elevado e expressivo, vem oficialmente consagrar o entendimento, a união e a solidariedade dos dois povos no que de mais profundo e permanente os pode trazer irmanados perante si próprios e perante o mundo.
Apoiados.
O meu propósito é apenas vincar em breves palavras o valor e significado do diploma, apontado já como «único na história do direito internacional público», que é nesta hora trazido à apreciação desta Câmara e, de modo particular, mostrar à Nação brasileira o aprêço e o júbilo com que a Nação portuguesa regista o seu esfôrço, a sua actuação sem reservas, toda, a sua cooperação verdadeiramente carinhosa para que se chegasse, nas negociações em curso, ao resultado que hoje recebe nesta Câmara a sua última consagração.
O Brasil sentia, é certo, que resolvia um problema do espírito, mas deu provas de que sentia solucionar do mesmo passo um indeclinável problema do coração. Outro sentimento não pode exprimir o côro de vozes, vibrantes de emoção e de eloquência, com que as suas figuras mais eminentemente representativas têm exaltado os tesouros e sublimidades da língua portuguesa e pugnado abertamente pela sua unificação; nem outro sentimento humano havia capaz de inspirar o Ministro Gustavo Capanema quando, naquele dia histórico de 29 de Janeiro de 1942, com os olhos molhados de comoção, proclama solenemente, em nome do seu govêrno, o princípio da unidade da língua portuguesa em todo o mundo e, cônscio de que com essa unidade ela se tornará num meio de maior alcance e num mais rico elemento da cultura humana, declara firmemente aceitar o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, publicado pela Academia das Ciências de Lisboa no ano áureo de 1940.
A vitória e a permanência da política de Getúlio Vargas, que, na frase dum seu comentador, «fez caracterizar as relações luso-brasileiras pela harmonia, pela compreensão e pelo entendimento», tornou possíveis as necessárias condições políticas para que todo êsse movimento de inteligências e de almas fôsse finalmente coroado do êxito que vivia, crepitante, no fundo da consciência nacional.
O mesmo podemos dizer quanto a nós, que tivemos a ventura de, na política da Revolução e, particularmente, na acção superior de Salazar no duplo domínio da política interna e da política externa, encontrar os meios adequados para resolver de forma definitiva êste velho problema, que é, afinal, dos que mais profundamente podem interessar às nossas riquezas espirituais - a nós, que, constituindo um país materialmente pequeno e pobre, temos no nosso património espiritual a nossa maior fortuna, o título da nossa maior ufania e - porque não o dizer?! - a própria luz dos nossos olhos, reflexo da luz que, em esplendores de epopeia, soubemos espalhar pelo mundo.
Mas neste momento o que pretendo, acima de tudo, é evocar a acção, tam grata para nós, que a nobre Nação Brasileira teve na solução do problema, para a saudar dêste lugar, com a certeza da mais profunda simpatia e da mais perfeita solidariedade com que a Nação Portuguesa a acompanha.
Que a língua portuguesa, em cujas doçuras se embalou o berço do Brasil e cujas magnificências têm imortalizado o verbo de tantos dos seus oradores e o canto de tantos dos seus poetas, «venha a tornar-se -no primoroso dizer do parecer da Câmara Corporativa - agente dos mais eficazes no renovo da latinidade» e, de modo especial, seja aquela língua, eterna e una, cheia de todos os segredos de beleza e de penetração com que o Brasil, ao lado de Portugal, faça ouvir no mundo de amanhã a sua voz pela causa da humanidade, pelos direitos do espírito, pelos princípios da civilização cristã - para proclamar e defender os quais pronunciamos as primeiras palavras.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Manuel Múrias: - Sr. Presidente: embora não tivesse dúvidas de que no momento em que se procede à formalidade da ratificação da Convenção Luso-Brasileira haviam de subir a esta tribuna Deputados mais apontados do que eu pelo seu saber para usar da palavra, pareceu-me que deveria vir também aqui, porque de certa maneira se me afigurou indicação a referência que quiseram fazer-me no parecer da Câmara Corporativa.
Receei que a minha ausência pudesse parecer acaso uma mudança nas ideas que defendi há muitos anos no estudo de que o eminente relator do parecer da Câmara Corporativa, o ilustre Prof. Gustavo Ramos, extraiu uma frase.
Sr. Presidente: foi há dezasseis anos. Acontecera que indo realizar a Conferência Pan-Americana de Cuba, o Ministro das Relações Exteriores do Brasil, o Dr. Octávio Mangabeira, entendeu determinar que os delegados do Brasil às conferências internacionais adoptassem como língua oficial o português. A frase, que julgo pela primeira vez se usou, e império da língua portuguesa» não quis então usá-la apenas com objectivo puramente literário, mas no seu mais amplo sentido. Tive realmente muito prazer em ver que essa expressão foi retomada há pouco tempo pelo ilustre Embaixador do Brasil em Portugal, Sr. Dr. João Neves da Fontoura, um dos signatários deste acto diplomático e político.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - De novo, porém, e depois das lições verdadeiramente académicas dos oradores que me precederam, não parece mal que eu procure, embora com muito

Página 190

190 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 53

menos autoridade, extrair desta Convenção as consequências ou as possibilidades políticas que comporta.
Julgo que se poderá acaso ficar com uma idea, que me parece deminuída, do alcance da Convenção com o Brasil se assentarmos em que se trata apenas de uma convenção ortográfica, como porventura se poderia depreender de uma leitura ligeira do próprio parecer da Câmara Corporativa e da designação oficial que lhe foi dada - de Convenção Ortográfica.
Esta Convenção tem dois fins:
O primeiro, como mesmo no preâmbulo da Convenção se diz, é o de assegurar a defesa, a expansão e o prestígio da língua portuguesa no mundo. No artigo 1.º é isso perfeitamente claro: as altas partes contratantes prometem-se estreita colaboração em tudo quanto diga respeito à conservação, defesa e expansão da língua portuguesa no mundo.
Há um outro fim, que no preâmbulo da Convenção se fixa igualmente. E é êste: regular por mútuo acôrdo e de modo estável o respectivo sistema ortográfico.
O fim proposto nesta resolução é desenvolvido, fixado e, por assim dizer, regulado nos artigos 2.º, 3.º e 4.º da Convenção.
Êste fim, porém, dentro da intenção geral de assegurar a defesa, a expansão e o prestígio da língua portuguesa no mundo, parece-me, porém, que talvez se deva considerar, Sr. Presidente, duma maneira mais clara, como a primeira consequência da Convenção.
Assegurar a defesa, a expansão e o prestígio da língua portuguesa no mundo não pode fazer-se, ou pelo menos poderemos nós esperar que se não faça, apenas por uma convenção de ordem ortográfica, até porque, como V. Ex.ªs muito bem sabem, a ortografia é apenas a expressão escrita da língua viva - da língua oral.
É evidente que há todo o interêsse, que há o mais alto interêsse político, em que todos os indivíduos que falam, escrevem e usam no seu trato cotidiano a língua portuguesa, ou porque seja a sua língua maternal, ou porque a aprenderam por necessidade e cultura, ou necessidades de comércio, é evidente, digo, que há a maior conveniência em que todos escrevam a mesma palavra da mesma forma em qualquer país que seja.
Simplesmente, não é pròpriamente das atribuições desta Câmara se uma palavra se deve asar com s ou z, mas sim declarar que se prestou um alto serviço ao País fixando um formulário ortográfico sob cujas bases científicas não cabe a esta Assemblea dar parecer, que deve todavia, tirar as consequências políticas, a lição política da decisão tomada.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas é também evidente que, quanto a ortografia, só interessa que os portugueses, os brasileiros, ou quem quere que seja, escrevam a língua portuguesa com a mesma ortografia, pela maior facilidade que assim existe de a aprender e através dela se poderem compreender todos os tesouros de cultura e outros que pela língua portuguesa, como instrumento de futuro, se realizaram e promoveram.
Mas o primeiro fim da Convenção, Sr. Presidente, é extraordinàriamente mais vasto.
Pela primeira vez, julgo, países da mesma língua se juntaram para declarar que um certo idioma é património comum: dois países se reuniram para afirmar que estão dispostos a dar-se mútuo auxílio, para que na realidade a língua que ambos falam, e que é o instrumento da sua cultura, das suas aspirações, dos seus sentimentos e das suas ideas, seja devidamente guardada e devidamente socorrida em todos os esforços de expansão.
Parece-me, Sr. Presidente, que é a primeira vez que isto se faz no mundo; e esta declaração do reconhecimento da existência dum certo instrumento linguístico, capaz de representar os valores espirituais mais elevados, julgo eu que é efectivamente a primeira conclusão política a louvar e a agradecer a quem a negociou e levou a cabo.
A língua portuguesa tem para nós um significado de tal maneira íntimo que somos levados, muitas vezes erradamente, a considerá-la como propriedade nossa exclusiva.
A grandeza do esfôrço português na expansão da língua vem de termos sido capazes, algum dia, de a fazermos também propriedade de outros; e isto, em vez de ser humilhação, julgando que outros se apropriariam da nossa própria língua, deverá ser considerado uma das razões de orgulho mais forte que uma história de oito séculos nos legou.
Acresce que a língua portuguesa nos dá razões tam fortes para ser considerada num sentido nacionalista português como num sentido nacionalista brasileiro. Mas, precisamente porque é uma língua que espalhámos pelo mundo e afixámos definitivamente em regiões enormes, temos a possibilidade de verificar como ela é já por si também, no seu estudo meticuloso, no seu estudo principalmente vocabular, um instrumento de cultura que tem um significado ao mesmo tempo nacionalista e universalista.
Não dissentirei, como disse de comêço, os problemas científicos que outros, em revistas da especialidade - ou em livros ou em jornais -, tiveram já ocasião de estudar.
Direi, porém, que há um aspecto que me interessa frisar: ao contrário do que acontece tantas vezes, em que quási todos andam à procura do galicismo, para o afastar, ninguém se lembra, por via de regra, do maior galicismo de todos, que é êste.
A certa altura se pensou que seria possível fixar a língua viva de um povo que não desistiu de ser maior cada hora. A certa altura se pensou isto, lembrando-se que no século XVII a língua francesa literária se fixou. Mas só poderia ser tomada uma posição destas perante a língua portuguesa e para com a língua portuguesa esquecendo-se que, parece-me, o carácter verdadeiramente excepcional, expressivo e nacionalista que ela, tomou se deve à recolha de vocábulos trazidos de todo o mundo com as suas mercancias. Fomos a toda a parte e a toda a parte levámos a língua, extraindo de lá, para a enriquecer, não para a empobrecer, vocábulos que são hoje considerados do mais perfeito cunho nacional. Todavia, nem tudo que recolhemos veio afectar a feição da língua que recebemos balbuciante, no comêço da vida nacional, há oito séculos.
Uma base latina, muito mais restrita do que vulgarmente se julga, meia dúzia de vocábulos anteriores aos romanos, alguma influência germânica, certo número, bastante acrescentado, de palavras de origem árabe: mas isso não constituiu, Sr. Presidente, senão uma pequena parte do vocabulário português, aquele vocabulário com que os grandes artistas da prosa ou do verso haviam de exprimir os seus pensamentos e obras.
O dicionário dos grandes escritores portugueses foi-se constituindo muito mais tarde, quando os portugueses começaram a abrir os caminhos de todos os mares, para chegarem a todas as terras, para irem até todos os povos e idiomas.
Terra de marinheiros, de lavradores e de comerciantes, talvez ainda mais do que terra de poetas, levámos, fomos a todo o mundo buscar mercadorias e, num quadro político propício, animados por uma idea política, transmitir a experiência da formação religiosa que tivemos; mas fomos também buscar palavras correspondentes às cousas novas que encontrámos e aos sentimentos novos que se iam despertando ....

Página 191

3 DE MARÇO DE 1944 191

Pois bem: quando se impôs o famoso galicismo a que aludimos, proibindo a integração na língua de palavras novas, de qualquer origem, era como se prendessem a língua portuguesa, como se faz a um homem quando se mete num colete de fôrças, sem se tratar de saber se isso seria possível ou não.
Já se não admitia que um homem de Angola ou de Moçambique adaptasse ao seu sentir e ao seu espírito um vocábulo que não encontrou forma de substituir por outro para exprimir a impressão que lhe despertou a própria terra de lá, as próprias condições do clima ou até mesmo a natureza do objecto a designar, obrigando-o a chamar por outro nome a cousa nova.
Seria realmente limitar as possibilidades de enriquecimento e expansão da língua, e foi contra isso que muita gente sentiu, sem às vezes o saber exprimir, uma espécie de rebelião. Mas para nós semelhante estado de espírito teve outra consequência mais grave: o de fechar o vocabulário da língua portuguesa àqueles vocábulos que iam aparecendo no Brasil, dando a idea aos brasileiros de que não seria possível admitir que tais vocábulos entrassem na língua portuguesa.
Outra consequência, pois, desta Convenção: é que se não faz destrinça, antes, pelo contrário, se afirma, que a língua pode ser completada e enriquecida por todos aqueles que aprenderam a falá-la, ou, melhor - e desculpem-me V. Ex.ªs a alusão -, como diz um grande escritor da língua portuguesa, por todos aqueles que mamaram a língua nacional.
A língua que nós realmente mamámos é a mesma dos brasileiros, mas é também a mesma dos portugueses da metrópole e de todo o Império, e a sua capacidade de absorpção de vocábulos de todas as origens, fundidos no cadinho da língua portuguesa, essa capacidade, repito, tanto existe na metrópole como no Brasil, tanto existe neste pequeno rectângulo da Europa, em acto e em potência (mas principalmente mais em potência do que em acto), como no Império Colonial Português.
Recordem-se V. Ex.ªs de que essa língua literária - língua de civilização -, capaz de exprimir todos os sentimentos e todos os pensamentos, existia quando o Brasil nasceu e nós o criámos. Pode dizer-se que a ocupação do Brasil se fez em primeiro lugar pelos missionários, isto é, antes que estivesse organizado administrativamente o Brasil. Os missionários e os mercadores começavam já antes disto, efectivamente, no seu labor, consciente ou inconsciente, de ensinar a língua portuguesa aos novos povos descobertos. Era o idioma que nesse momento se transformava, para ser na realidade um grande instrumento de cultura.
Todas as palavras que durante os sessenta anos imediatamente anteriores, pouco mais ou menos, se tinham criado para corresponder ao desenvolvimento da actividade marítima de Portugal existiam já na língua que nós levámos para o Brasil. Todas elas iam sendo, pouco a pouco, transmitidas à gente nova que encontrámos no Brasil, na África e nas regiões ocupadas por Portugal além do -Cabo da Boa Esperança.
Mas, voltando ao problema pròpriamente do Brasil, reparem V. Ex.ªs que verdadeiramente a ocupação territorial do Brasil se pôde fazer apenas quando se efectuou a sua ocupação linguística. Antes de o Brasil ter sido verdadeiramente uma colónia perfeita de Portugal naquele tempo, foi necessário que a ocupação se fizesse através do idioma. O primeiro esfôrço maior, o mais intencional que houve, foi decerto o de obedecer ao espirito de cruzada e transmitir aos indígenas a religião católica, porque tinha sido nesta que nós próprios nos havíamos formado e firmado antes de nascer em nós a idea de não desistirmos de vir a ser uma grande nação.
Mas, como disse, outra preocupação houve tam grande, embora não talvez tam elevada, como a de salvar as almas, mas que era quási tam transcendente como essa outra missão: foi a preocupação de fazer a ocupação linguística e transmitir aos indígenas do Brasil a língua que nós próprios falávamos.
Foi o segundo dom que os portugueses para lá levaram, sob o ponto de vista nacionalista quási o primeiro.
É evidente, Sr. Presidente, que não seria possível manter e realizar a unidade territorial do País se os portugueses não atravessassem para além da linha de Tordesilhas e não fôssem realizar a ocupação efectiva de uma região que tinha para cima de 8 milhões de quilómetros quadrados.
Para que todos pudessem falar português vejam V. Ex.ªs que prodígios de tenacidade e de subtileza não foi preciso realizar, tanto mais que, se os escassos 2 milhões de portugueses que então eram embarcassem para o Brasil, ainda o Brasil ficaria por ocupar. Tudo se fez em virtude do entusiasmo religioso e da tenacidade de trabalho efectuado pelos administradores, pelos mercadores, num quadro político que parece ter sido preparado para efectuar essa ocupação.
Poderei dizer, como já se disse, que a unidade linguística do Brasil, a sua unidade religiosa, a sua unidade territorial, são das maiores surprêsas da história, uma surprêsa que mal se compreende se realmente não pensarmos que todos os portugueses estavam de facto empenhados com entusiasmo e desinterêsse político numa aventura, que é também uma das mais belas emprêsas pensadas da história. Emprêsa devidamente pensada, mas não retiro a palavra «aventura», porque há nela qualquer cousa que a excede, o que se possa dizer premeditadamente estudada.
Agora poderíamos fazer, se quiséssemos, com alguma imaginação, mas sem necessidade de fantasias, através do vocabulário português a história da expansão portuguesa no mundo. Marcarmos a nossa ida a Ceuta e a nossa permanência com alguns vocábulos de origem árabe, muito diferentes daqueles que herdámos pela ocupação maometana da Península; com alguns vocábulos de origem africana, a nossa penetração e permanência na África negra; com alguns vocábulos de origem hindu, a nossa ida e expansão pela índia; com alguns vocábulos de origem malásia, de origem japonesa e de origem chinesa, a nossa expansão na Ásia, e com muitíssimos vocábulos da língua brasileira, o caminho percorrido por nós e pelo idioma português no Brasil, emfim, por todos os mares e através de todos es caminhos da Terra.
Julgo que é realmente êste um dos motivos maiores do orgulho que podemos ter: o de termos levado connosco tantas possibilidades de fixação. Para que não nos esquecêssemos das terras, trazíamos de lá as palavras, guardando-as como lembrança e estímulo para não acabarmos com têm acabado tantas nações que nem rasto deixaram no mundo.
Agora a língua portuguesa tem a boa fortuna, fortuna rara, de ser o instrumento da expressão de duas culturas afins, mas diferenciadas pelo temperamento e pelos interesses variados da cultura brasileira e da cultura portuguesa, dos interesses brasileiros e dos interesses portugueses, das aspirações brasileiras e das aspirações portuguesas.
Repare, porém, V. Ex.ª, Sr. Presidente, que temos vivido há mais de um século como se estas realidades profundas não fôssem evidentes e patentíssimas.
Temos vivido há mais de um século como se na verdade os dois Países e os dois povos falassem outra língua ou existisse a mesma língua para nos desentendermos nela, como um dia disse um grande poeta português.

Página 192

192 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 53

Creio que a Convenção Luso-Brasileira é o mais importante documento que se estudou e assinou entre os dois Países depois da separação.
Na, verdade, só há pouco tempo começou a salientar-se aquilo que nos é comum, aquilo que nos permite desejar e esperar que os dois Países se aproximem e entendam para defender o que é património comum dos dois. Isso se fez já de comêço. Esperamos que se possa fazer mais ainda.
Em todo o caso, é preciso não esquecer que foi necessário que realmente se tivesse dado algum acontecimento excepcional nos dois Países, isto é, que por fim os dois Países, simultâneamente, tivessem à frente dos seus destinos homens de govêrno capazes de interpretar e defender as verdadeiras necessidades espirituais dos dois Países.
Permita-me V. Ex.ª, por isso mesmo, que exprima aqui - e julgo poder fazê-lo em nome da Assemblea Nacional - a nossa profunda gratidão aos homens que negociaram esta Convenção, a nossa profunda gratidão por tudo quanto traz já e por tudo quanto esperamos dela, endereçando a dois nomes e a dois institutos a expressão do nosso reconhecimento: a Salazar, chefe do nosso Govêrno e definidor dos novos rumos de Portugal, e ao diplomata eminente Sr. Dr. João Neves da Fontoura, por serem os signatários da Convenção; e às duas Academias, a Academia Brasileira de Letras e a Academia de Ciências de Lisboa, por tudo quanto fizeram para preparar a aparente irreconciabilidade dos filólogos no objectivo a alcançar, isto é, para atingir os fins políticos que pelo idioma entre os dois Países há muito se deveriam esperar.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Não está mais ninguém inscrito.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Está encerrada a discussão na generalidade. Se algum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, na especialidade, pode pedi-la.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Visto que ninguém deseja usar da palavra está encerrado o debate.
Vai proceder-se à votação.

O Sr. Juvenal de Araújo: - Sr. Presidente: atenta a transcendente importância do diploma que acaba de discutir-se, e ainda numa especial homenagem à Nação irmã, que estará certamente no ânimo de toda a Câmara, eu oferecia à ponderação de V. Ex.ª a sugestão de que se fizesse de pé a votação desta proposta de lei.

O Sr. Presidente: - Para frisar o alto significado da deliberação que vai ser tomada, dando inteira satisfação à sugestão feita pelo Sr. Deputado Juvenal de Araújo, julgo conveniente alterar o processo de votação.
Os Srs. Deputados que aprovam a Convenção levantam-se.

Tendo-se levantado os Srs. Deputados, foi aprovada por unanimidade.

Pausa.

O Sr. Presidente: - A ordem do dia da sessão de amanhã será uma sessão de estudo da proposta de lei sôbre o Estatuto da Assistência Social.
Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 48 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
José Pereira dos Santos Cabral.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Luíza de Saldanha da Gama van Zeller.
Rui Pereira da Cunha.
Sebastião Garcia Ramires.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Acácio Mendes de Magalhãis Ramalho.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhãis.
Álvaro Salvação Barreto.
Amândio Rebêlo de Figueiredo.
Ângelo César Machado.
António Hintze Ribeiro.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Duarte Marques.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes Arnaut Pombeiro.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Braga da Cruz.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Ranito Baltasar.
José Soares da Fonseca.
Luiz José de Pina Guimarãis.

O REDACTOR - Luiz de Avillez.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×