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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 64

ANO DE 1944 21 DE MARÇO

III LEGISLATURA

SESSÃO N.º 61 DA ASSEMBLEA NACIONAL

EM 3O DE MARÇO

Presidente: Exmo. Sr. José Alberto dos Reis

Secretários: Exmos. Srs.
José Manuel da Costa
Augusto Leite Mendes Moreira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 50 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados, com emendas, os dois últimos números do Diário das Sessões.
Foi aprovado um voto de pesar pelo falecimento do Sr. Deputado Hintze Ribeiro.
O Sr. Presidente comunicou ter recebido vários documentos referentes ao pedido de informações do Sr. Deputado Salvador Teixeira.
O Sr. Deputado Rocha Paris enviou para a Mesa um aviso prévio sôbre as dificuldades dos municípios.

Ordem do dia. - Entrando-se na ordem do dia, prosseguiu a discussão sôbre a proposta de lei relativa ao Estatuto da Assistência Social, tendo usado da palavra os Srs. Deputados Arnaut Pombeiro, Luiz Vieira de Castro, Mendes de Matos, Oliveira Ramos e Albino dos Reis.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 50 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Luiz Soares de Melo.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
António de Almeida.
António Bartolomeu Gromicho.
António Cortês Lobão.
António Cristo.
António Rodrigues Cavalheiro.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur de Oliveira Ramos.
Artur Ribeiro Lopes.
Augusto Leite Mendes Moreira.
Carlos Moura de Carvalho.
Fernando Augusto Borges Júnior.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Henrique Linhares de Lima.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Ameal.
João Duarte Marques.
João de Espregueira da Rocha Paris.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luiz Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pires Andrade.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Mendes Arnaut Pombeiro.
Joaquim Saldanha.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Alberto dos Reis.
José Alçada Guimarãis.
José Dias de Araújo Correia.
José Luiz da Silva Dias.
José Manuel da Costa.
José Maria Braga da Cruz.
José Rodrigues de Sá e Abreu.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.

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Júlio César de Andrade Freire.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz de Arriaga de Sá Linhares.
Luiz Cincinato Cabral da Costa.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz José de Pina Guimarãis.
Luiz Lopes Vieira de Castro.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Luiz Mendes de Matos.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel Joaquim da Conceição e Silva.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Luíza de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Quirino dos Santos Mealha.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 54 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 59 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os Diários das duas últimas sessões.

O Sr. Quinino Mealha: - Sr. Presidente: o Diário da sessão anterior apresenta algumas inexactidões que desejo rectificar e que são as seguintes: a p. 262, col. 1.ª, 1. 8.ª, 63.ª e 70.ª, respectivamente, onde se lê: "aluir os alicerces", deve ler-se: "abrir os alicerces"; onde está: "e estabelece uma vida colectiva", devia estar: "e estabelecer uma vida colectiva"; e onde se lê: "hoje dignificado de serviço social", deve ler-se: "hoje significado do serviço social". Na mesma página, col. 2.ª, 1. 26.ª, 27.ª e 51.ª, respectivamente, onde se lê: "a Providência presenteará", deve ler-se: "a Providência presenteia"; onde se lê: "Colanges", deve ler-se: "Coulanges". A p. 263, col. 1.ª, 1. 4.ª, onde se lê: "insuficiência ou extensão do ganho"; deve ler-se: "insuficiência ou extinção do ganho"; e a p. 264,col. 1.ª 1. 13.ª onde se lê: "na encíclica Quadragéssimo anno," deve ler-se: "Quadragésimo anno,".

A Sr.ª D. Maria Luíza van Zeller: - Sr. Presidente: desejo que seja feita a seguinte rectificação ao Diário da última sessão: na p. 257, col. 2.ª, 1.12.ª, onde se lê: "em ordem à maior perfeição da nossa estrutura política", deverá ler-se: "da mesma estrutura política".

O Sr. Presidente: - Também desejo fazer uma rectificação ao Diário da sessão anterior, que é a seguinte: a p. 266, col. 2.ª, onde se diz: "que pela minha previsão nesse mesmo dia deve também terminar", deve ler-se: "que presumo terminará na sessão de têrça-feira".

Pausa.

O Sr. Presidente: - Consideram-se aprovados os dois referidos Diários com as rectificações apresentadas.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Acabo de ser dolorosamente surpreendido por uma triste notícia: a notícia de que faleceu esta madrugada o nosso companheiro de trabalho Sr. Deputado António Hintze Ribeiro.
Em nome da A55emblea Nacional, de que êle fez parte durante as três legislaturas e cujos trabalhos acompanhou com a maior assiduidade e seriedade, exprimo o
nosso profundo sentimento pelo desaparecimento do ilustre Deputado.

O Sr. Albino dos Reis: - Sr. Presidente: pedi a palavra para afirmar a V. Ex.ª, em meu nome - e tenho a certeza de que interpretando os sentimentos da Assemblea - , que foi com o mais doloroso pesar que a Assemblea recebeu a comunicação da morte do ilustre Deputado António Hintze Ribeiro e para me assoeiar comovidamente ao voto de pesar que V. Ex.ª acaba de emitir.

O Sr. Fernando Borges: - Sr. Presidente: é com a maior mágoa que a Câmara, estou certo disso, acolhe a triste notícia, que V. Ex.ª acaba de nos comunicar, da infausta morte do nosso ilustre colega o Deputado António Hintze Ribeiro. Era a triste notícia já conhecida, infelizmente, dos seus amigos mais íntimos, entre os quais prezava de contar-me, e que ansiosamente vinham seguindo a marcha da sua doença, de poucos conhecida. Porém, nem mesmo êsses amigos íntimos esperavam a dolorosa surpresa de um tara fatal desenlace ocorrido esta madrugada.
António Hintze Ribeiro, portador de um nome ilustre na política portuguesa - do de seu tio Ernesto Hintze Ribeiro e, ainda, do de seu pai, o conselheiro Artur Hintze Ribeiro, várias vezes Deputado e par do Reino -, procurou sempre honrar êsses nomes com devoção patriótica e a sua cooperação nos trabalhos parlamentares de que vinha fazendo parte nas três legislaturas desta Assemblea Nacional. Foi ainda várias vezes Deputado, tanto no antigo como no actual regime, representando sempre a sua terra - a importante e progressiva Ilha de S. Miguel -, por cujos interêsses trabalhou sempre com a maior devoção e carinho e onde gozava ainda hoje de um bem justificado prestígio e de uma sólida influência que tinha resistido a todas as vicissitudes da política.
O dilecto amigo António Hintze Ribeiro era, na verdade, um português de lei, homem de uma só cara e de uma só palavra. Homem de princípios e inabalável na sua fé, a que sacrificou, com grande mágoa, a sua carreira militar - que ainda recordava com saudade - perante a queda da monarquia e com o advento do novo regime.
Não amorteceu, porém, a sua fé patriótica, nem mesmo a sua devoção política, nas batalhas pela ordem que durante os últimos quarenta anos se travaram nas truculências da nossa política. Viram-no sempre a seu lado, intemerato e animado do mais puro sentimento de ordem, os que tiveram de travar essas lutas. Seu companheiro nessas lutas e velho e íntimo amigo de António Hintze Ribeiro, é com a maior mágoa que, em nome dos velhos companheiros que acolheram a triste notícia que V. Ex.ª hoje deu à Assemblea Nacional, me associo às tam justas palavras de sentimento de V. Ex.ª, como ilustre Presidente desta Assemblea, e ainda às do Sr. Dr. Albino dos Reis, em nome de toda a Assemblea. Como açoreano, permito-mo ainda exprimir o sentimento de saudade de todos os açoreanos que têm assento nesta Câmara pela tam infausta morte do seu patrício e amigo que honrou nesta Assemblea Nacional a terra açoreana, de que foi preclaro e devotado filho, e onde, especialmente na Ilha de S. Miguel, onde gozava grande e justificado prestígio e geral simpatia, será por certo pranteada a sua inesperada morte.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Comunico ter recebido vários documentos destinados a satisfazer o pedido em tempos feito pelo Sr. Deputado Salvador Teixeira.

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o Sr. Rocha Paris: - Sr. Presidente: pedi a palavra para a apresentação dum aviso prévio ao Govêrno, que é o seguinte:

I

O município, organismo natural, de formação anterior a do Estado, atravessa uma profunda crise, motivada principalmente:
a) Pelas constantes limitações da sua autonomia funcional;
b) Pelas constantes deminuições da sua capacidade de realizar ou de manter as receitas indispensáveis ao exercicio das suas actividades próprias;
c) Pelos constantes aumentos dos seus encargos e obrigações.

II

Parece-nos portanto necessária uma revisão do estatuto regulador dos seus direitos e obrigações, no sentido de:
a) Restabelecer, dentro do possivel e no seu tradicional significado, as antigas autonomias municipais, condicionando-as à tutela administrativa do Estado;
b) Devolver aos municípios a faculdade de restabelecer receitas que ultimamente lhe têm sido cerceadas, e que são indispensáveis a sua acção administrativa, por exemplo:

Receitas provenientes de taxas aplicadas ao consumo de vinhos nos respectivos concelhos;
Receitas provenientes de taxas aplicadas ao consumo de carne nos respectivos concelhos o que, actualmente, no todo ou em parte, estão adstritas a novos sectores da administração publica.

c) Reintegrar os municípios na sua função histórica de organismos fomentadores, realizadores e protectores dos interêsses locais, libertando-os, portanto, de encargos e despesas de caracter geral que lhes não devem pertencer, por exemplo:

Comparticipação na construção e conservação dos edifícios destinados aos serviços próprios do Estado (repartições publicas, tribunais, cadeias, etc., e instalação completa dêsses serviços, incluindo fornecimento gratuito de água e luz).

O Deputado João Espregueira da Rocha Paris.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à,

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua o debate sôbre a proposta de lei relativa ao Estatuto da Assistência Social. Tem a palavra o Sr. Deputado Arnaut Pombeiro.

O Sr. Arnaut Pombeiro: - Sr. Presidente: ao usar pela primeira vez da palavra nesta Câmara tenho a honra de dirigir a V. Ex.ª as minhas melhores homenagens, não apenas em cumprimento de mera praxe estabelecida, mas movido sobretudo pelo imperativo mais categórico da inteligência, que em V. Ex.ª saúda o juris-consulto eminente e o professor prestigioso, cujas aulas não tive a honra de frequentar, mas cujo prestigio intelectual e forte irradiação moral amplamente verifiquei em Coimbra durante a minha vida escolar.
Mais quero saudar ainda em V. Ex.ª o homem público de nobilíssimo caracter, que o País inteiro muito justamente venera e respeita, pelo aprumo do seu pensamento e pela calma e equilíbrio das suas atitudes.
A V. Ex.ªs, Srs. Deputados, dirijo desta tribuna os meus cumprimentos e saudações.
Sr. Presidente: a proposta de lei em discussão na Assemblea Nacional, relativa ao Estatuto da Assistência Social, representa, na marcha da Revolução, uma étape tam decisiva enquadrada no vasto campo das suas realizações politico-sociais, que não me furto a honra de também intervir no seu debate, felicitando o Govêrno pela oportuna visão do que poderíamos com propriedade chamar a integração moral e espiritual da comunidade portuguesa.
Com efeito, a base I da proposta, que define o conceito de assistência social, dá-nos a medida da extensão e importância do problema pôsto quando nos diz que tem por objectivo "valer aos males e deficiências dos indivíduos, sobretudo pela melhoria das condições económicas, morais e sanitárias dos seus agrupamentos naturais".
É toda a vida da Nação, focada através das deficiências individuais, em ordem ao bem-estar e felicidade colectivos, mas o facto de se valer ao indivíduo através do agrupamento social em que está integrado e só ao apêlo da impotência dêste responder o Estado, em ultima instancia - auxiliando-o e encorajando o na sua missão -, êste facto situa a proposta doutrinàriamente, como não podia deixar de ser, a-dentro do nosso corporativismo orgânico, base da estrutura social da Nação.
A assistência pretende suprir as falhas da previdência corporativa e, em certos casos, completa-la e amplia-la com aqueles organismos nacionais de sanidade, quer profilática, quer curativa, e outras obras, que só o Estado com as suas possibilidades financeiras e a sua autoridade pode promover e conservar - e ainda fomentando e favorecendo a florescência da iniciativa privada, que tem nas Misericórdias o mais belo padrão da caridade e filantropia da gente portuguesa, cuja obra deve ser acarinhada e impulsionada por toda a parte.
Com o robustecimento da obra das Misericórdias, com medidas acertadas e inteligentes que não retraiam a caridade mas antes a convidem a mais larga participação, teremos em grande parte resolvido o problema do suficiente apetrechamento dos hospitais da província, a cuja deficiência se deve atribuir em grande parte o congestionamento dos grandes hospitais dos três centros universitários e os graves prejuízos morais e materiais que resultam da condução dos doentes para tam longe do seu meio familiar e social.
Neste aspecto doutrinário a proposta tem o meu voto de aprovação, e espero que, dentro desta doutrina, a medida que a previdência alastre e se consolide e as Misericórdias se robusteçam e progridam, ainda que fortemente dotadas pelo Estado, no principio, o Estado tenha cada vez menos que fazer neste campo e menos funcionalismo, portanto, neste sector.
Resta-lhe, como seu principal campo, a saúde publica, que só o Estado pode eficazmente defender, como principal fonte de riqueza da Nação.
A futura criação de uma corporação de saúde publica incluída nos organismos corporativos culturais a que se refere a Constituição, no sen artigo 16.º, seria talvez uma solução a encarar.
Essa corporação, como a definiu um dos mais ilustres teóricos do corporativismo puro, teria de futuro a responsabilidade da saúde publica e organizaria o conjunto dos seus instrumentos eferentes: hospitais, clinicas, sanatórios e serviços sociais.
Sr. Presidente: mas, porque neste arranjo jurídico que vai servir de base ao vasto plano de assistência que inevitàvelmente se seguira, se atende primàriamente aos agrupamentos sociais e ao valor da sua função nacional, permito-me focar especialmente através da proposta, apesar do brilhantismo e realce que já lhe emprestou neste debate o ilustre Deputado Sr. Dr. Proença Duarte, a magna questão da assistência as populações rurais, geralmente esquecidas e nunca demasiado lembradas.

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Portugal, todos o sabem e dizem, é um país essencialmente agrícola. A grande massa da sua população vivo no campo, do campo e para o campo, e dela saem as gerações e as energias que periódicamente rejuvenescem e revigoram as cidades e o império, o exército e a marinha, penhor sagrado da independência e da continuidade nacionais.
Querê-la robusta o saudável e postulado elementar do nosso amor pátrio.
Cumpre-nos, pois, auscultar lhe os males para eficientemente os combater, restituindo-lhe aquela alegria de viver que esta na base dos maiores empreendimentos humanos.
E não podemos ignorar, Sr. Presidente, que através do Estatuto da Assistência Social se podem realizar e satisfazer grande parte dos seus mais caros anseios e mais legítimas aspirações, no aspecto físico da saúde e no campo material da existência, de tam grande repercussão na ambiência moral e espiritual da vida.
Sr. Presidente: vivem a Europa e o mundo momentos angustiosos, em que o engenho humano parede tudo querer destruir, numa ânsia patética de criar um mundo novo sôbre as ruínas e os escombros fumegantes do passado, mas em cujos projectos as peças movediças e frágeis se não acertam ainda e oscilam consoante o critério mais ou menos vertiginoso do autor.
Entretanto o nosso Govêrno lança as bases seguras duma assistência social com vista a elevação moral e espiritual da grei, na qual há-de ter, e urge que tenha, o lugar que lhe compete a grande massa camponesa da Nação, "o grande alfobre da raça", no dizer dum professor ilustre que muito lutou pela sua justa e merecida emancipação. Hora prometedora e feliz, saúdo-a com o entusiasmo do quem sente pelo campo e pela sua gente um carinho e uma ternura que lhe vêm do berço e pelos seus problemas mais instantes uma familiaridade que nasceu em muitos anos de convívio.
Uma vez que se trata, Sr. Presidente, e muito bem, numa verdadeira política de assistência, de executar o principio expresso no espirito da proposta, do que "é socialmente mais eficiente e ecoòbmicamente mais útil prevenir os males do que vir a procurar-lhes remédio", impõe-se um largo e profundo estudo das condições do vida da nossa população rural, a fim do eficientemente se lhe lançar o cinto de salvação, com todas as probabilidades de êxito e segurança.
E essa vai ser decerto, apesar do limitado mas talvez suficiente articulado da proposta que lhe diz respeito, uma das paredes mestras do plano de acção, do vasto plano de acção, que vai suscitar e promover a promulgação do Estatuto da Assistência Social, seu regime jurídico.
E porque assim e, e assim espero, e assim esperamos todos, permito-me focar, ainda que em rápido e fugidio apanhado, algumas das necessidades fundamentais, que não foram esquecidas na proposta, mas mais devem ser lembradas nos regulamentos e decretos complementares.
Sr. Presidente: está geralmente aceite e universalmente reconhecido que a habitação, a alimentação e o vestuário são elementos basilares da vida humana, e por toda a parte onde uma verdadeira política de revigoramento da raça tem lançado unhas o seu estudo tem merecido carinhos especiais, cujos resultados se não tem feito esperar.
Entre nós a Universidade Técnica, por intermédio do Instituto Superior de Agronomia, no seu Inquérito Económico Rural e no mais recente Inquérito a Habitação Rural, de que está publicado o primeiro volume, relativo às províncias nortenhas, prestou grande e meritório serviço à cultura nacional fornecendo aos estudiosos dados seguros sôbre a faceta rural do problema que o Estatuto da Assistência equaciona e foca.
Com efeito, uma análise dos três referidos elementos fundamentais da vida humana - alimentação, vestuário e habitação - revela-nos profundas deficiências e insuficiências e abre-nos largo caminho de realizações.
Uma grande parte dos nossos trabalhadores rurais vive mal. A sua alimentação, especialmente em certas épocas do ano, e escassa e quási sempre desequilibrada. Predominantemente constituída por hidrocarbonatos, tem por vezes excesso de elementos energéticos e deficiência quási permanente de elementos protectores.
O seu valor como reparadora do fôrças e criadora de energia e vitalidade e, por vezes, inferior ao seu custo, podendo o mesmo indivíduo, com um pouco mais de saber, obter melhor sustento com o mesmo dinheiro.
No litoral tenho verificado que a abundância de peixe mitiga um pouco a monotonia alimentar que caracteriza, em toda a Europa, mais ou menos, o regime alimentar do camponês, cuja base é geralmente constituída por cereais, que chegam a atingir 80 a 90 por cento do valor energético da sua alimentação.
Como preconiza, e muito bem, o parecer da Câmara Corporativa, impõe-se um estudo do problema alimentar e uma série de medidas tendentes a orientar e melhorar a sua composição e eficiência, tam certo poder-se-lhe atribuir a responsabilidade por grande numero de doenças, entre as quais a diarreia infantil e a tuberculose estão em primeiro plano.
Pelo que diz respeito ao vestuário, nós todos sabemos como o inverno é penoso e duro para os pobres trabalhadores do campo, quantos dêles vestidos com fatos obtidos por esmola e expostos, sobretudo as crianças, ao rigor das intempéries e a, ceifa das doenças pulmonares.
Por outro lado, essa indumentária não tem geralmente muda e é uma tal manta de retalhos que se torna impossível lavá-la, amontoando de mês para mês nova camada do imúndicie e agentes patogénicos. Durante a noite os agasalhos dos leitos são tam reduzidos que se limitam quási às roupas do dia.
Ora a proposta de lei em discussão não esquece estas realidades, visto que na sua base XI prevê que a insuficiência da economia familiar deverá ser suprida pela concessão de subsídios de alimentação ou agasalho.
Dando-lhe o meu caloroso aplauso, faço votos por que os camponeses da nossa terrra sejam alvo da merecida protecção e carinho.
Finalmente tratamos da habitação rural, por cujo estudo e remodelação se tem manifestado nos últimos anos um justificado movimento de interêsse em todo o mundo.
Entre nós, muito recentemente mesmo, a nossa imprensa tem ventilado o problema da casa rural, com meritória intuição do seu grande alcance no novo arranjo e equilíbrio das reservas e energias nacionais.
Com efeito, a casa rural representa um problema que urge estudar e se impõe resolver a bem da Nação.
Reconheceu o Prof. Lima Basto que o problema da habitação não tem tanta acuidade nas regiões rurais como nas regiões urbanas, sob o ponto de vista quantitativo, mas já o mesmo não sucede sob o ponto de vista qualitativo, pois se tem verificado que nas regiões rurais os alojamentos se encontram manifestamente num nível inferior ao dos centros urbanos.
N6s todos podemos verificar, Sr. Presidente, como os casebres da maior parte dos nossos camponeses são acanhados para as suas famílias, geralmente numerosas, mais numerosas que as da cidade, insalubres e desprovidos das mais elementares regras higiénicas, o que uma assistência técnica poderia remediar, pelo menos nas novas construções, e isto como realização imediata, antes de esboçado mais largo plano.
É que a casa rural, cenário indispensável e informador da família e do lar da maior parte dos Portugueses,

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merece o carinho que ùltimamente se lhe tem votado e não deve ser esquecida perante a grandiosa obra do Estado Novo em matéria de casas e bairros económicos para a população das cidades.
A sua influência na saúde da família e na robustez dos seus membros não pode ser desconhecida ou desprezada pelos nossos governantes, sempre atentos às solicitações da grei, e a saúde, na frase de um higienista inglês, se mais alguma cousa do que simplesmente estar vivo. A saúde significa vigor, eficiência e satisfação de viver».
E porque assim é, e porque um largo plano de assistência a todos deve abranger e nada deve relegar, no sentido de uma organização perfeita da sociedade politica, e que espero do desenvolvimento do articulado da base XI a solução dos principais problemas da vida rural. Com efeito, lê-se na proposta de lei:
«A deficiência da economia familiar deverá ser suprida:
a) Proporcionando meios de trabalho ou de melhoria do seu rendimento;
b) Promovendo ou subsidiando a obtenção de habitação em condições do suficiência e salubridade;
c) Concedendo subsídios de alimentação ou agasalho».
Sr. Presidente: mas eu creio que não é possível, já hoje, referirmo-nos a assistência rural sem reconhecer a existência dessas prestimosas instituições de previdência, que são as Casas do Povo, em hora feliz idealizadas por Salazar, que as mantêm bem perto do coração.
Elemento substancial da vida do campo, em dez anos conseguiram ganhar raízes fundas na alma dos trabalhadores e compreensivo incitamento e auxilio da parte dos mais cultos proprietários.
A sua obra de previdência e já de vulto e a assistência a invalidez e velhice merece os maiores louvores e incitamentos.
Numa tam vasta reforma da assistência em Portugal há que contar com as Casas do Povo e com a sua projecção na vida dos trabalhadores.
Por isso na criação dos postos de consulta e socorros, que na base XV serão acomodados as necessidades das freguesias ou lugares, sou de opinião de que êles devem coincidir com os postos das Casas do Povo já montados e em pleno rendimento.
Grande entusiasta das Casas do Povo, da sua essência estatutária e da sua obra, tenho verificado que os seus baixos são sempre consequência do mau recrutamento dos corpos gerentes.
Com bons elementos as Casas do Povo são óptimos baluartes da previdência social, que urge acarinhar, encorajar e fortalecer, separando o trigo do inevitável joio.
E porque do próprio espirito da proposta se depreendo que «não é em razão do indivíduo isolado, mas principalmente em ordem a família e a outros agrupamentos sociais, que toda a assistência deve orientar-se» - devemos concluir que as Casas do Povo receberão forte alento e vigoroso impulso com o novo direito que o Estatuto da Assistência Social consagra.
Sob o ponto de vista de assistência médica rural, creio bem que a criação de Casas do Povo em todas as freguesias do País resolve imediatamente o problema, desde que seja inteligentemente feita a distribuição dos médicos, que parece sobejarem para as necessidades e que afinal não devem chegar para uma eficaz assistência.
Sendo certo que nas Recomendações da Conferência Europeia sôbre Higiene Rural, de 1931, promovida pela Sociedade das Nações, se considera que o máximo de pessoas utilmente a cargo dum médico é de 2:000, e que êste numero poderá descer a 1:000, com os progressos sanitários e aumento das necessidades das populações - e sendo certo que a nossa província tem actualmente em média um médico para 2:399 habitantes, e largas, larguíssimas manchas sem assistência-, nós vemos como os nossos médicos, numa boa distribuição de assistência, não chegam para as necessidades do País.
Mas além dos médicos urge que as Casas do Povo incluam imediatamente nos seus serviços sociais externos pelo menos uma visitadora sanitária, que poderia, de forma elementar e desde já, acumular essas funções com as de assistente social.
Assim, a previdência rural, que dá os primeiros passos, mas já seguros e firmes, terá contribuído valorosamente para a solução do problema assistencial, em cujo plano o Estado evidentemente conta com o seu concurso e só lhe pretende suprir as faltas.
Intensifiquemos, pois, o espirito de previdência, a bem do problema da assistência, o que, nas populações rurais, as Casas do Povo estão já cumprindo valorosamente e muito mais terão a cumprir.
E visto que a Revolução continua, confiemos nas vastas realizações sociais, em que a promulgação da proposta de lei se vai inevitavelmente desdobrar.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Vieira de Castro: - Sr. Presidente: por forma nenhuma desejo, com a minha intervenção, prolongar indefinidamente um debate que se me afigura ser já suficiente para definir a posição da Assemblea Nacional perante o Estatuto da Assistência. Não haverá muito mais que dizer ou, pelo menos, não será necessário que se diga muito mais do que já aqui foi exposto. Desejo simplesmente, Sr. Presidente, fazer como que uma «declaração de voto», isto é, afirmar os motivos por que dou o meu apoio a proposta de lei que o Govêrno agora submete à apreciação desta Câmara, sendo, como sou, no meio desta enorme crise que deixa o mundo atónito e perplexo, um daqueles que, sem reservas, se decidirem já pela propriedade e pela família ... O que está realmente em causa e a primazia destas doutrinas e todos nós, os que não padecemos de tentações socializantes, entendemos que há que conservar-se fiel a certos princípios basilares e que, pela mesmíssima razão, não podemos considerar que a função assistencial deva exclusivamente pertencer ao Estado. Assim trazemos no debate sôbre o Estatuto, como, aliás, já aqui nesta tribuna se mostrou, o nosso voto de incondicional aplauso e da mais sincera aprovação a proposta do Govêrno.
No Estatuto da Assistência se contem as grandes bases em que deve assentar a transformação que de vários lados se pede e reclama - muitas vezes com fundada justiça, outras por simples espirito demagógico. Se o lermos com atenção, não deixaremos de encontrar no Estatuto todos os pensamentos e todos os votos que a nos próprios nos inspiram. Nêle se acham compendiadas as regras essenciais que orientam as nossas aspirações de uma caridade mais bem distribuída e de uma assistência que a todos chegue. Podem levantar-se acêrca da proposta que a Câmara ora discute reservas com uma aparência de legitimas. Não vejo que elas possam subsistir nem à face do texto da proposta nem perante a lealdade que devemos a nós mesmos. Dir-se-á: o Estatuto não chega. A isso responderemos: chega o Estatuto para tudo quanto se impõe e chega, sobretudo, porque o Estatuto é o possível. E o possível e que é o real. Ou vamos nós prosseguir na faina daqueles velhos parlamentos liberais em que tudo se legiferava, porque com isso se dava a multidão a idea de que assim se resolvia tudo, quando prèviamente ninguém ignorava que os melhores projectos não passariam nunca do pa-

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pel em que se achavam inscritos? Parece-me, Sr. Presidente, que é tempo de professarmos a fácil coragem da verdade. Enganar-nos-íamos a nos mesmos se julgássemos que, ainda que só com as velhas mistificações demagógicas, podíamos iludir aqueles que pedem justiça, mas não querem sentir-se ludibriados. O Estatuto da Assistência Social, que ora se estuda, não será talvez um cartaz de propaganda nem um estandarte de popularidade. Mas é, repito, o real contra o fictício.
A meu ver, o que caracteriza esta proposta, aquilo que nela verdadeiramente se nos impõe, não é apenas a sua estrita harmonia com a nossa tradição assistencial; é também o seu rigoroso equilíbrio com as nossas possibilidades materiais, a sua perfeita concordância com as realidades em que vivemos e com que temos de contar. E êsse sincronismo com a verdade o que aos nossos olhos o torna digno de todos os encómios e merecedor da nossa solidariedade de homens que, sem custo, trocam os aplausos da rua pela mais modesta tranquilidade da sua consciência.
Sr. Presidente: nós sabemos - e já aqui foi isso lembrado - que, como nos disse quem de direito, o Estatuto e principalmente a filosofia da assistência. Mas justamente porque é filosofia, o Estatuto contém todas as noções que nos são essenciais. Por êle sabemos quais os serviços que são função do Estado e cuja manutenção exclusivamente lhe cabe; por êle sabemos o que se espera da iniciativa particular, mesmo quando o Estado a haja de favorecer ou completar.
Outro principio fundamental reconhecido e proclamado pelo Estatuto e o da assistência exercida por forma a proteger e consolidar a família, como é absolutamente indispensavel que se pratique num Estado como o nosso ou numa sociedade que, acima de tudo, cuida de defender e quere guardar as instituições basilares de uma ordem verdadeiramente cristã. Assim se enunciam no Estatuto os princípios necessários a assistência a dispensar a maternidade e a primeira infância, tal como se reconhece que essa política pressupõe a resolução do magno problema da habitação. Este cuidado mostra-se na base XI, na qual se refere à necessidade de promover a obtenção de habitações salubres. Outro tanto se verifica quanto à obtenção de meios de trabalho e à concessão de subsídios de alimentação em casos de insuficiência da economia familiar. Não trata o Estatuto, é certo, da racionalização dos alimentos, segundo o estilo de certos reformadores ansiosos. Mas é que nessa matéria parece estar cientificamente provado que não há nada que contenha mais vitaminas do que o velho e tradicional caldo verde ... Não se julgue, porém, que circunstâncias como essa limitam ou reduzem as perspectivas do Estatuto em discussão. Em muitas das suas disposições existem regras para atacar males que podem revestir outro carácter, como se deduz, por exemplo, da base VII, a qual alude ao combate a alguns flagelos, como a tuberculose. Tudo figura no Estatuto com o remédio aconselhável, ou tudo fica subentendido para os desdobramentos que, em conformidade com o próprio texto, o Estatuto comporta. Tem-se notado a êste respeito que a base VII só a alguns males maiores se refere. Não me parece que a intenção do Govêrno, ao apresentar a proposta, fôsse fornecer à Assemblea Nacional o cadastro, por vezes indesejável, de todas as doenças existentes no quadro das chamadas «doenças infecciosas». A verdade é que no Estatuto ficam consignadas a necessidade e a oportunidade de combater êsses males, como se pode verificar pela sua base X.
De resto, o Estatuto reconhece que certas grandes medidas podem ser necessárias para tornar eficiente a defesa contra determinados flagelos, e dai vêm os centros do profilaxia, os hospitais gerais e especializados, os sanatórios e todos os outros estabelecimentos a que faz alusão a base XIV do Estatuto. Não há, de facto, na proposta, sôbre a qual se vai pronunciar a Assemblea, omissão de qualquer dos problemas essenciais da politica assistencial. Pode, sem dúvida, fazer-se dialéctica a propósito da sua redacção numa ou noutra base. Mas não é isso o que importa. O fundamental do Estatuto é o seu espírito. Êsse é que conta, êsse é que importa aos homens com a nossa formação e, direi até, com a nossa experiência.
Há que considerar, aliás, que qualquer grande obra de caracter social não pode ser realizada de um jacto e que só por étapes se podem alcançar os objectivos desejados. Dir-se-ia, ao ouvir certos comentadores, que tudo poderia ser definitivamente arrumado se, em face dos problemas da assistência, se decidisse adoptar um plano geral que em si encerrasse todos os remédios para, todos os males ... Nós vivemos, Sr. Presidente, na era dos planos. Não há quem não tenha o seu e quem, com papel e lápis, não julgue poder, de uma vez, resolver satisfatòriamente os infinitos aspectos do problema assistencial. O nosso Govêrno é mais modesto - e mais modesto porque sabe que tudo neste domínio não só tem de ser o resultado da experiência, mas só pode ser atingido por medidas e ensaios sucessivos. No entanto, Sr. Presidente, porque é que ao nosso Estatuto se não há-de chamar o Plano do Govêrno de Salazar? O Estatuto tem, como qualquer plano, princípios a que obedece, a enunciação das finalidades a que visa e indicação dos meios que hão-de tornar possível a sua execução. Não será isto um plano, Sr. Presidente? Não devíamos perder tempo com êste jôgo de palavras, mas eu penso, Sr. Presidente, que se se desse ao Estatuto êste moderníssimo nome de plano, tanto ao sabor da moda, a êle se não oporiam reservas de qualquer espécie.
Nos nossos dias não há, por exemplo, nada que mais corresponda aos sonhos dos povos e dos seus reformadores do que o famoso Plano Beveridge. Êle tem inspirado por toda a parte as maiores superstições. Em primeiro lugar, julgar-se-á que o plano Beveridge nasceu como um acto espontâneo e suficiente num país como a Inglaterra, que há tantos séculos, como nós, consagra a sua atenção a problemas desta natureza? Grande erro seria pensá-lo. O Plano Beveridge nem brotou de um jacto nem, sobretudo, e o ultimo passo no curso do que chamaremos a politica social da Inglaterra. Muito haveria, de resto, a dizer sôbre a índole dêsse plano, naquilo evidentemente em que o seu confronto se pode fazer com o nosso Estatuto. Em matéria assistencial, duas grandes ideas são comuns aos dois projectos, e não queremos, já agora, deixar de as assinalar. São elas: só valor social das mãis puericultoras e o valor económico das donas de casa. Simplesmente, como V. Ex.ª não ignoram, nem mesmo num país com os extraordinários recursos da Grã-Bretanha e com o seu admirável génio social, nem mesmo ali, por causas de diversa ordem, foi possível ao Govêrno adoptar em bloco um tam extenso plano. Preferiu-se-lhe outro caminho: o de seguir por étapes, em escalões compatíveis com as circunstâncias. V. Ex.ªs hão-de ter certamente noticia de que há bem pouco se publicou na Inglaterra o livro oficial que contém um outro plano: o da defesa da higiene ou da saúde nacional, com as providências precisas para a reforma dos hospitais e arregimentação de médicos e enfermeiros. Para além dêste facto, sumamente significativo, só poderemos citar as singulares analogias entre o novo plano inglês e o nosso Estatuto. No projecto britânico sôbre a saúde nacional está em plena derrota a doutrina estatista. Os principios que informam o plano inglês coincidem de tal modo com os do Estatuto em discussão que dir-se-ia terem sido inspirados na mesma fonte. Mas o nosso leva cronològicamente prioridade sôbre o alheio, como tantas vezes, de resto, tem aconte-

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cido na história portuguesa da assistência. No plano britânico acham-se todos os princípios que nós temos por fundamentais: a cooperação do Estado com as instituições chamadas voluntárias; a coordenação das instituições oficiais com as particulares; a responsabilidade das regiões pela assistência que lhes deve competir; a acção orientadora e de inspecção especializada como função superior do Estado. Aqui tem V. Ex.ªs como a experiência secular e o instinto social dêsse grande povo, que é o povo inglês, o não levou a directrizes diferentes das nossas. O mesmo pensamento nos conduz a esta conclusão comum: é que é indispensavel opor-se a todos os ensaios colectivistas em nome não só do passado, mas em nome também do senso comum e da necessidade de um justo equilíbrio social para cada povo.
Fiz propositadamente referencia particular ao Plano Beveridge porque, embora só em parte se ocupe de matéria assistencial, êle se converteu em autêntico paradigma de todas as quimeras sociais e no ideal de todos os reformadores. A verdade, porém, é que o plano não constitue uma dessas medidas isoladas que tudo pretendem remediar. Já vimos que providencias mais recentes são propostas na Inglaterra. Isto é: nenhum dos dois planos ingleses foi um simples acto de geometria, mas sim o produto de uma longa e lenta elaboração, ao qual se chegou por vias morosas e nem sempre fáceis. E no espirito dos legisladores não existiu nunca a convicção de que haviam feito obra definitiva.
Imagino, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o Govêrno, ao submeter-nos a proposta que ora apreciamos, também não pretende que o Estatuto da Assistência seja um bloco insusceptível das alterações que o tempo e as circunstâncias venham a aconselhar. A prova de que é diferente o conceito que o move está na própria letra do Estatuto, que em mais de um passo alude a necessidade de regulamentos e de disposições especiais que o completem ou, mais exactamente, o definam.
Apenas uma cousa desejamos nós: é que se mantenha o espirito do Estatuto, porque a êsse é que consideramos essencial, dentro da nossa tradição e das nossas aspirações; suficiente para, sem o abandono das normas clássicas e portuguesas, vir, mesmo no futuro, a dar satisfação às exigências do nosso País.
Sr. Presidente: da proposta do Govêrno de Salazar não queremos que ninguém possa dizer o que um critico exigente chegou a escrever, no Times, do Plano Beveridge: «por êste plano abre-se o caminho para a ruína moral da Nação, a via do enfraquecimento do espirito de iniciativa, do estimulo da concorrência, da coragem e da confiança que cada um tem em si; substitue a insistência nos deveres pela insistência nos direitos e a caridade pessoal pela caridade colectiva. E o caminho para a inacção e não um sistema de vitalidade da nossa civilização, mas antes do seu fim próximo».
Isto se não dirá do Estatuto; por isso queremos que ele viva e continuamente se acrescente com as aquisições parcelares e sucessivas que contra a vã geometria das reformas a experiência consagrar.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Mendes de Matos: - Sr. Presidente: permita-me V. Ex.ª que eu, por circunstancias que V. Ex.ª conhece, entre imediatamente no assunto sem qualquer exórdio ou preâmbulo.
Podia dispensar-me, na altura em que se encontra o debate, de subir a esta tribuna; no entanto, pensei que o devia fazer para marcar a minha posição sôbre o problema que e a linha mestra da proposta, problema que envolve outros graves problemas, problema de importância fundamental e que, por si só, compromete os grandes valores que servem de base à civilização - o valor da pessoa humana, o valor do trabalho, da família, o valor da propriedade, o valor do poder político. Tal problema senhoreia e domina toda a economia doutrinal da proposta.
Sôbre tal problema não podia nem devia eu ficar calado.
Refiro-me, Sr. Presidente, à questão de saber com exactidão a quem pertence a função da assistência. Tanto no parecer da Câmara Corporativa como na proposta atribuem-se, quer ao Estado, quer as pessoas particulares, actividades de ordem assistencial.
O problema, põe-se, porém, em outro plano, a saber: a quem pertence a prestação da assistência pròpriamente dita, ou seja a quem pertence a função de fazer assistência?
A base III responde que pertence às actividades particulares. E eu creio que esta opinião é a única que se harmoniza com os bons princípios, com a nossa tradição e com preceitos legais.
Para compreender esta doutrina, parece-me conveniente recordar e fixar com clareza o conceito da assistência. Em que consiste, pois, a assistência? Em distribuir casas higiénicas, vestuário decente, pão abundante? Em edificar creches, lactários para todas as crianças, asilos para todos os jovens, hospitais para todos os doentes, albergues para todos os velhos? É, porventura, a parte menos interessante de assistência.
A assistência resulta do direito que o homem tem à vida e dos meios necessários para a aperfeiçoar. Lendo a proposta, verificamos que na base I se afirma que a assistência social propõe-se valer aos males e deficiências dos indivíduos, sobretudo pela melhoria das condições económicas, morais e sanitárias dos seus agrupamentos naturais.
E logo adiante, na base VI, encontra-se doutrina mais perfeita ainda: «a assistência terá em conta o aperfeiçoamento da pessoa a quem é prestada e da família ou agrupamento social a que pertencer».
E adiante: «a assistência tem de aproveitar todas as faculdades excepcionais e as vocações que venham a revelar-se entre os seus pupilos, para que êstes possam valorizar-se tanto quanto seja possível». A assistência é paralela da vida e deve exercer-se em todos os planos e exigências em que ela se exprime.
Quere dizer: a assistência tem de ser uma realidade complexa para que possa assegurar ao homem as condições de êle realizar o seu próprio destino. Assim: assistência consiste no condicionalismo que permita aos assistidos viver e realizar a plenitude ela sua personalidade.
Dois planos distintos verificamos na assistência: o plano a que podemos chamar económico e o plano moral ou espiritual.
Observemos êsses dois planos: a quem compete fazer assistência económica e a quem compete fazer assistência moral ou espiritual? Primeiro: a quem compete pagar a assistência?
Evidentemente que pagar a assistência compete àqueles que têm com que pagar. Apenas convém saber se aqueles que têm com que pagar devem pagar por doação ou por imposto, por vontade e com mérito ou por impostos constrangidos. Êste é o fulcro da questão, a base mesma do problema. E, posto assim o problema, uma única solução se apresenta: a assistência, em face da própria Constituição e em face dos próprios fins do Estado Novo, deve ser paga por doação, não por imposto.

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O Estatuto do Trabalho Nacional define a propriedade «imposição da natureza racional». Quere dizer que a propriedade é uma exigência da própria natureza humana, porque por ela o homem afirma a sua soberana espiritual.
É mester, portanto, que todos os homens tenham de uma forma efectiva êsse direito.
A propriedade é não sòmente o meio que o homen tem de satisfazer as suas próprias aspirações, mas ainda o de afirmar a sua soberania espiritual.
Quando o homem perde o direito de dizer «isto é meu», pregunto: onde fica o homem?
Se a propriedade é uma exigência da natureza humana, o homem, para viver como homem, deve ter, de alguma sorte, o direito efectivo de propriedade particular.
Como fazer essa distribuição?
Vamos regressar ao democratismo económico de Esparta ou adoptar uma das formas de socialização onde só perde com a propriedade a assistência e a própria dignidade humana pela pobreza colectiva e pelo ilotismo universal? Creio que ninguém desta Assemblea perfilha estas formas regressivas. Outra é a nossa doutrina.
O homem recebeu com a terra a actividade para a fecundar e sujeitá-la a todas as suas necessidades. No mesmo dom, o homem recebeu a propriedade do solo e a propriedade do trabalho, uma e outra ao serviço do seu próprio destino.
Com a propriedade do solo, o homem afirma a sua soberania espiritual; com a propriedade do trabalho, o homem exerce essa soberania.
Mas aqueles que não tem nem a propriedade do solo nem a propriedade do trabalho? As crianças orfas, os doentes, os inválidos velhos, sem qualquer dessas propriedades, não terão também o direito de propriedade?
No nosso direito cristão encontramos esta propriedade constituída pelo sobejo de uma e outra.
Antigamente dizia-se que a assistência se fazia pelos sobejos da fortuna e do tempo e pelo coração e pelo espirito. O sobejo é, na verdade, um património dos pobres.
A quem pertence o direito de dispor dêsse sobejo?
Nós reconhecemos um duplo direito de propriedade, o direito de gôzo e direito de distribuição.
No direito de gôzo o homem dispõe absolutamente daquilo que lhe é necessário à realização dos seus fins. Quanto aos sobejos, pertence-lhe o direito de os distribuir pelos pobres, a quem pertencem. Mas os dois direitos fundem-se num só e constituem a grandeza e elevação da propriedade.
Êste direito de distribuição pertence, portanto, ao proprietário. De contrário ele será entregue nas mãos do Estado; mas se a propriedade vai abdicar desta função distribuidora do património dos pobres, abdica da sua mais elevada grandeza, indo despojar-se, assim, daquilo que porventura constitue, sob certos aspectos, a sua maior segurança. Entregar, portanto, nas mãos do Estado êste direito de distribuir, e não sòmente renunciar a mais alta prerrogativa de administrador dos bens dos pobres, que a propriedade confere, mas ocorrer o risco de perder o próprio direito de gôzo.
Nós sabemos que, através dos séculos, sempre que a propriedade transige nessa abdicação, vem imediatamente a mão do Estado invadir e tomar o sobejo, e como a assistência do Estado é uma assistência mais cara, atrás do sobejo vai o próprio objecto do direito de gôzo, o que importa, por consequência, a ruína da mesma propriedade.
Mais ainda: nós sabemos que o Estado, qualquer que seja o sistema ou o regime que revista, tem sempre a tendência para o abuso, e, sempre que êsse abuso cresce e se multiplica, e em prejuizo da própria pessoa humana que êle se exerce.
Importa, pois, erguer barreiras aos abusos do Estado. O direito de propriedade é um dêsses baluartes, de que se cerca a pessoa humana na sua defesa. É preciso, pois, não a abalar, mas conduzi-la ao cumprimento exacto da sua função assistencial.
Se o direito de gôzo e distribuição se unem na mesma pessoa, entregar parte dêle nas mãos do Estado é renunciar a todo êle, isto é de alguma sorte promover a estatização da propriedade. Pertence, pois, à propriedade pagar a assistência, não por impostos, mas por doação. Além desta função, há outras que são atribuição da propriedade, a saber: distribuição do trabalho e criação de produtos. Quando falo em distribuição de trabalho, não quero referir-me à expressão jurídica das suas relações com o Capital, mas ao trabalho que a propriedade distribue nas crises de desemprêgo sem rendimento reprodutivo e em forma de assistência.
Por outro lado, a propriedade não tem apenas a função de criar quaisquer produtos, mas aqueles que, embora sem lucro seu, melhor respondem às necessidades e exigências do bem comum.
Esta função tem características nitidamente assistenciais.
A propriedade realiza, pois, por natureza, as primeiras e fundamentais actividades assistenciais.
E, Sr. Presidente, tenho pena de não poder, por motivos que esta Câmara conhece, prestar, do alto desta tribuna, tam largamente como merecia, homenagem à lavoura portuguesa, que tem sabido compenetrar-se do seu verdadeiro papel na distribuição do trabalho, não só criando trabalhos produtivos, como também criando outros trabalhos ùnicamente como uma forma de assistência e não pròpriamente com uma função lucrativa. A lavoura de Portugal tem sabido nesta hora corresponder aos apelos do Poder no sentido de ajustar as suas produções às necessidades comuns.
A propriedade faz também, assim assistência. E quando a propriedade deixa de cumprir a sua missão perde-se; dá-se na ordem social o mesmo que se dá na ordem biológica: é a função que cria o órgão. Quando a função cessa, desaparece o órgão. Todos sabemos que as grandes convulsões que se têm dado em todo o mundo
têm sido, em muitos casos, provocadas pelo facto de a propriedade esquecer a sua função.
É preciso reintegra-la nas suas verdadeiras funções, nas suas nobilíssimas funções, para que ela se robusteça e volte a realizar as actividades de caracter essencial que lhe são próprias.
Parece-me, portanto, Sr. Presidente, que quanto à parte económica da assistência, ela pertence aos particulares e não ao Estado.
Quanto à função de assistência, isto é, quanto a prestação da assistência pròpriamente dita, a quem pertence? Ao Estado?
Creio que não, porque o fim do Estado é de facto o bem comum, ensina-no-lo o Santo Padre Pio XI, como já aqui se disse, e ensinaram-no todos os Papas e todos os sociológicos católicos e tantos outros que o não são.
Na verdade, o bem comum é o fim da sociedade ou do Estado, mas o bem comum realizável, isto é, que cada pessoa possa realizar por si própria.
O bem comum significa o conjunto de bens de ordem temporal e de ordem moral, o complexo de valores humanos, para que o homem possa por si próprio realizar o seu mesmo destino.
Nós vimos aqui, mais de uma vez, nesta Assemblea um não sei que misterioso receio por esta palavra «supletivo».
Lembro-me, Sr. Presidente, que, quando El-Rei D. Manuel II deu o regimento para os Hospitais de

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Lisboa, pôs no frontespício esta legenda: Spera in Deo, et fac bonitatem; como se dissesse: pratica o bem, exerce a caridade, despoja-te a ti próprio, dá-nos a tua própria pessoa; quanto ao Testo, confia em Deus.
El-Rei D. Manuel II não fazia mais do que exprimir o fundo da própria Igreja, de que era filho querido e dedicado.
E que nesta matéria de «supletivo» nós verificamos até mesmo o grande problema, o problema máximo da criação, o problema máximo do mundo, o problema máximo da humanidade, que é a salvação do homem no tempo e ira eternidade, Deus parece ter-se pôsto como «supletivo». E, na verdade, a própria graça de Deus não se dá senão com o carácter supletivo, e a obra de salvação é a obra de cada um de nós, é uma obra que cada um de nós tem de fazer por si próprio; cada homem é com o auxílio de Deus, e na obediência à Sua Lei, artífice do seu próprio destino.
Em bom rigor, além das funções supremas de direcção, o Estado não tem outra função senão «supletiva», visto que a pessoa humana entra em sociedade para procurar nela o que por si própria não pode conseguir.
Não sendo assim, o Estado não pode fazer assistência nem completa, nem perfeita: não pode fazer assistência completa, porque, na melhor das hipóteses, só pode fazer justiça, que poderemos chamar externa. Mas a justiça integral tem outras exigências. Para ser completa é mester que intervenha a caridade. A caridade é, não apenas a esmola, mas o complemento da justiça. E a justiça na altura, na extensão, na profundidade. E esta caridade é um direito dos pobres.
O trabalho é o exercício da própria actividade humana. Por isso o homem, quando trabalha, exerce sempre uma actividade espiritual e uma actividade afectiva. Lança no produto não apenas o músculo, o suor do rosto, mas a própria inteligência, mesmo o coração.
No produto que êle lança na comunidade vai, de alguma sorte, a sua pessoa toda.
Vai também nêle o nobre exemplo de virtude, de generosidade, de sacrifício, de amor, de desinterêsse!
Êsse homem, quando não tiver trabalho, tem direito a receber aquilo que deu.
O Estado podia dar-lhe uma assistência estandardizada.
Na ordem da assistência a estandardização é sempre uma forma incompleta, porque lhe falta a caridade; se ele deu inteligência e coração, tem direito a recebê-los quando deles precise. Essa obra só se realiza, não dando, mas dando-se, isto é, fazendo o dom de si próprio, que tal é a caridade.
Ora a caridade não pertence ao Estado, porque o Estado não tem coração. O Estado não se dá nem pode dar-se.
Nós sabemos através da história a obra grandiosa da caridade, enxugando lágrimas, criando lares; ela criou o lar da pátria e estendeu-o a todos os continentes.
É imperfeita: uma das bases da proposta com que todos concordámos nas sessões de estudo é a que respeita à assistência preventiva. A prevenção pode fazer-se no plano higiénico e económico, mas tem de fazer-se principalmente no plano moral.
Há muitos flagelos, muitas desgraças que têm à raiz apenas a transgressão de uma lei moral. Não falo já do alcoolismo, das doenças secretas, da prostituição; refiro-me a tantas outras misérias que criam tantas vítimas, melhor dizendo, que criam o sujeito da assistência. Falo agora no plano ida ordem moral. Efectivamente; entre a ordem física e a ordem moral há uma conexão íntima, uma simbiose perfeita. A pobreza do corpo arrasta muitas vezes à pobreza da alma; mas, em geral, é a pobreza da alma que leva à pobreza do corpo, quere dizer, uma grande parte dias deficiências e males que a assistência procura corrigir radicam, mais ou menos pròximamente, em deficiências? e males de ordem imoral.
Nós não somos cartesianos, nem em filosofia nem em assistência, e eu creio que o cartesianismo é um êrro ainda maior em assistência do que em filosofia.
As nossas Misericórdias realizaram uma grande obra praticando as obras de misericórdia corporais e espirituais. E que as obras de misericórdia espirituais completam as obras de misericórdia corporais, e suo delas preventivas. Na verdade, é fazer assistência preventiva, e da melhor, dar bons conselhos, ensinar os ignorantes, castigar os que erram e assim nas demais.
Ora a moral é um dos limites do poder do Estado.
A quem pertence, portanto, fazer assistência? A comunidade? Mas a comunidade é uma abstracção, e o direito da assistência é um direito positivo e concreto. Pertence, pois, à comunidade, mas nos agrupamentos naturais em que ela se realiza. O primeiro dêsses é a família; o segundo, a corporação. Pertence em primeiro lugar à família prestar assistência. A família é não só uma solidariedade de interêsses, mas de vida. E um organismo em que cada órgão comunica à vida comum, e dela recebe, a própria vida. E no coração das mãis que Deus golfa a vida e a dedicação, que são bases primárias da assistência e necessárias à conservação e aperfeiçoamento da vida.
Mesmo à face da ciência, não há lactário, creche, asilo, hospital, albergue que valha o lar ordenado e sadio, física e moralmente.
E, porque assim é, todos os códigos das nações civilizadas cometem à família os encargos de assistência.
Todos os modernos estatutos assistenciais a ela regressam. Por outro lado, a assistência na família não só evita grandes males morais, mas fortalece-a nos laços de afectos necessários à sua estabilidade, à sua ordem, a sua felicidade.
A família deve ser não sòmente um campo de assistência, mas também objecto de assistência. Com efeito, num país onde a família está caída, num país onde a família está decadente, onde há tanta família sem recursos para satisfazer as necessidades normais, onde tanta família está incapacitada de exercer a assistência, não é quási um sarcasmo atribuir à família o cumprimento de um encargo que ela não suporta? Decerto, nós temos aqui propugnado nesta tribuna a defesa da família pelo alívio dos encargos fiscais que a oprimem.
A política fiscal, escolar e do registo civil precisa de ser urgente e profundamente revista, para dar à família a necessária robustez, que lhe permita cumprir a sua função assistencial. Quando a família não puder cumprir a sua missão, não é ao Estado que competirá substituí-la, mas à corporação, que de algum modo é seu prolongamento e deve ser sempre a sua defesa.
Falo na corporação, não só no sentido corporativo mus no sentido de empresa, que é também uma solidariedade de interêsses.
A nossa linguagem cristã, hoje tam deturpada e tam mal compreendida, designa o chefe da emprêsa por esta palavra tam rica de conceito: patrão, que é apenas uma modalidade de pai, para significar que dentro da empresa que lhe cabe o dever de defender e assegurar, em todas as emergências, a vida dos que com êle cooperam na sociedade produtiva. Só depois pertence à freguesia, ao concelho, à província, por dever de vizinhança, fazer assistência.
Sr. Presidente: quero terminar com uma confirmação de tudo quanto acabo de dizer: é a confirmação da experiência.
Quando a Igreja estabeleceu a assistência sob o ponto de vista particular e corporativo, não precisou de se inspirar nos velhos exemplos do passado.

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Tê-los-ia encontrado, trágicos e eloquentes, na sujeição de Atenas a Roma, derivada em grande parte do estatismo de assistência; tê-los-ia encontrado na própria Roma, perdida pelos seus latifúndios, frios e egoístas; bastou porém à Igreja a sugestão da sua própria doutrina para criar uma assistência, cujo, função pertence às iniciativas particulares, deixando ao Estado a função supletiva, fomentadora e coordenadora.
E foi assim que se criou a assistência corporativa, que exerceram os nossos conventos, os nossos mosteiros, os nossos paços episcopais, e foi assim que se criaram trabalhos, que se criaram famílias, e foi assim que se fez a Europa, gloriosa e grande, e Portugal se projectou através do mundo - que foi fazendo assistência espiritual ao mundo, que se criou a nossa epopeia marítima. Essa organização de assistência, quem concorreu para ela? Concorreram os senhores feudais, concorreram os reis, rainhas e princesas, os senhores da finança de então, concorreu afinal o «sobejo» e foi com essa riqueza que se organizou toda a nossa gloriosa assistência tradicional.
Quando os príncipes luteranos confiscaram esses bens que eram o património dos pobres, o Estado assumiu então as funções de assistência, criando pelo imposto a caridade legal. Qual foi o resultado? O resultado foi, em França, o escândalo dos milhões das congregações, confiscados aos pobres com Valdeck-Bousseau; foi o escândalo do milhão de Crispi na Itália. E entre nós não houve escândalo de milhões, porque os não tínhamos; mas tivemos outro escândalo, que se praticou com o esbanjamento do património dos pobres, reunido há longos séculos pela caridade particular, o escândalo de uma legislação funesta, em que avulta a desamortização dos bens das Misericórdias.
Entretanto, a Inglaterra, que ensaiava o regime de assistência como função do Estado, breve reconheceu o erro em que caíra e regressou à prática tradicional da assistência particular, levada ao extremo, em todas as suas manifestações e agora mesmo, que acaba de entregar aos técnicos o projecto de «assistência médica nacional»; nêle estabelece princípios e métodos de realização largamente coincidentes com os que consigna a proposta de lei que estamos discutindo. E com razão, nesta hora de profundas e bruscas transformações sociais, hora de incertezas e instabilidades, urge, antes de tudo, fixar o que há de estável e eterno, para sôbre êle construir as realizações assistenciais que as circunstâncias vierem a sugerir ou a impor.
A proposta, tal qual está redigida, pelo método doutrinal que segue, representa uma iniciativa da mais alta importância política e da mais clamorosa urgência social. E o pensamento que comanda a acção, mas a acção terá de acomodar-se às circunstâncias em que tiver de realizar-se.
Por todos as suas características, pelos métodos de trabalho quo emprega, pela projecção profunda que oferece, a proposta mereço o meu voto.
Dou-lho, portanto, Sr. Presidente, não só pelo que ela. vale objectivamente, mas por esta circunstância particular: o mundo bate-se num conflito apocalíptico; nessa luta gigantesca não se disputam interesses políticos ou económicos; está-se jogando o próprio destino da civilização, a soberania espiritual da Europa. Nós marcamos nesse duelo a nossa posição. O Estatuto da Assistência Social contém mais que as bases que servem ao seu ordenamento jurídico, porque são a afirmação dos grandes princípios da civilização, de que nós fomos portadores através do mundo. Como homem, como sacerdote, como português, por esta nova razão, dou o meu voto à proposta que está em discussão, esperando que ela possa concorrer para uma justa distribuição de bens, em que todos os pobres possam encontrar segurança e aperfeiçoamento de vida e o País possa continuar a sua missão gloriosa de assistir, com os valores do Evangelho, a todos os povos que dêles precisem para sua paz e glória.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Está encerrado o debate na generalidade.
Suspendo a sessão por uns minutos.

Eram 17 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 18 horas.

O Sr. Presidente: - Está em discussão, na especialidade, a base i da proposta de lei sôbre o Estatuto da Assistência Social.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como ninguém quere fazer aso da palavra, vai proceder-se à votação.

Submetida à votação, foi aprovada.
Seguidamente, submetida à votação a base II, foi também aprovada.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a base III.
Sôbre esta base está na Mesa uma proposta de alteração, assinada pelo Sr. Deputado Oliveira Ramos, do seguinte teor:

«1. Compete ao Estado e às autarquias locais manter ou organizar, em regime oficial, a prestação da assistência, em matéria de sanidade geral e de outros serviços cuja complexidade, técnica de organização e funcionamento o a gravoso custo, carácter de necessidade e continuidade, indispensável uniformidade e extensão, ou outras condições de superior interêsse público, assim o aconselhem.
2. A função do Estado e das autarquias locais na prestação da assistência sob outros aspectos é normalmente supletiva das iniciativas particulares, que àquele incumbe orientar, tutelar e favorecer.
3. Devem o Estado e as autarquias locais suscitar e animar as instituïções particulares, promovendo e sustentando eles próprios, dentro das possibilidades económicas, as obras de assistência que as necessidades reclamarem e a que a iniciativa particular não ocorra, desoficializando-as logo que isso se torne possível, sem prejuízo da sua eficiência».

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

O Sr. Oliveira Ramos: - Sr. Presidente: propus para apreciação desta Assemblea a substituição que V. Ex.ª acaba de ler.
Esta proposta de substituição não é mais do que a concretização do meu ponto de vista formulado aqui na discussão na generalidade da proposta do Estatuto da Assistência Social.
Pretendo tam somente com essa alteração deixar à iniciativa governamental o condicionamento das circunstâncias em que ao Govêrno, no cumprimento de um dever que lhe cabo e que se encontra expresso no n.° 3.° do artigo 6.° da Constituição, cumpro exercer a sua acção em matéria de assistência social.
Pela proposta do Govêrno ficavam ao Estado, além dos serviços do sanidade geral, todos aqueles outros

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cuja complexidade ou superior interêsse público aconselhassem manter em regime oficial. Com a minha alteração pretendo enriquecer, se assim V. Ex.ª permite que me expresse, esse mesmo condicionalismo e estabelecer quais as circunstâncias em que o Estado deve chamar a si o dever de cumprir a prestação da assistência, por forma «a zelar pela melhoria de condições das classes sociais mais desfavorecidas, obstando a que elas desçam abaixo do mínimo de existência humanamente suficiente».
Na política do Govêrno de valorizar em todos os sectores da actividade nacional o nosso património moral, económico e humano, todos nós sabemos que o Estado tem procurado estabelecer uma hierarquia de valores e de necessidades como tem procurado mobilizar aqueles em função da satisfação destas.
Os planos de acção do Govêrno têm sido numerosos, variados, e têm abrangido, pode dizer-se, toda a vida nacional, e nunca ninguém, creio eu, se lembrou de censurar o Governo por pôr em esquema e mobilizar todas as possibilidades para realizar as necessidades fundamentais da Nação, sobretudo no que toca ao aspecto económico.
Se assim tem sido, se nós ainda neste momento aguardamos com ansiedade a iniciativa do Governo quanto a novos planos noutros sectores onde ainda não chegou a bemdita iniciativa do Estado, 4porque havemos de tratar por forma diferente o problema da assistência social, que mais que nenhum outro tem preocupado sèriamente o mesmo Govêrno?
Quem me conhece - e peço licença para invocar a minha própria experiência pessoal, porque não sou o primeiro que o faço nesta tribuna - sabe que ao tomar esta posição respondo inteiramente à minha posição de sempre e em que a Revolução me veio encontrar.
Penso assim há vinte e cinco anos; porque não hei-de pensar assim, hoje mesmo?
Todos nós sabemos que há necessidades em matéria de assistência social que exigem do Govêrno uma actuação imediata e rápida, que exigem que o Govêrno mobilize os recursos, de que só êle é juiz, para satisfazer essas necessidades, e foi precisamente nesse sentido e apenas com esse significado que eu propus a alteração à base III, estabelecendo e discriminando quais os imperativos de interêsse nacional que deviam levar o Governo a, desde já, mobilizar a favor dêsses grandes problemas de assistência social a sua actividade e os seus recursos.
Demais a mais o próprio Govêrno já confessou esta mesma política, e quando se censura a posição de não se querer reservar para o Estado, em matéria de problemas vitais para a Nação, uma função, absolutamente supletiva, esquece-se que o Governo, no relatório que precede o decreto n.° 30:389, de 20 de Abril de 1940, já aí estabeleceu também doutrina a esse respeito: a acção do Estado é supletiva, menos quanto às despesas do que quanto à actuação directa.
Foi em obediência a êste imperativo do próprio Govêrno que entendi dever propor a base que está em discussão.
Disse.

O Sr. Albino dos Reis: - Sr. Presidente: a importância da proposta de alteração apresentada pelo Sr. Deputado Oliveira Ramos à base m e a forma brilhante como o seu autor a defendeu impuseram me o dever de subir à tribuna para fazer umas ligeiras considerações sobre essa proposta de alteração.
Tanto quanto pude alcançar de um breve exame sôbre ela e do confronto com a base III da proposta de lei em discussão, parece-me que, fundamentalmente, a proposta do Sr. Deputado Oliveira Ramos diverge daquela no seguinte: emquanto que a proposta de lei em discussão, na base III, começa por afirmar o princípio de que a função do Estado em matéria de assistência é supletiva, na proposta do Sr. Deputado Oliveira Ramos altera-se essa ordem, começando por determinar-se, acentuando-a, a competência do Estado e das autarquias locais em matéria de assistência.
É certo que na proposta do Sr. Oliveira Ramos também se afirma que a função do Estado e das autarquias locais é, sob outros aspectos, supletiva.
Mas essa afirmação vem já em segundo lugar; e isso tem sua importância.
Efectivamente, parece que a proposta de alteração pretende reforçar e impor por esta maneira e ainda pelo condicionamento apertado que estabelece à acção do Estado a sua intervenção assistencial e dar maior vulto à idea de uma mais forte obrigação do Estado em matéria de assistência.
Invocou o Sr. Deputado Oliveira Ramos em favor da defesa da sua proposta a própria atitude que o Govêrno teria assumido já noutro diploma legislativo. Não tenho aqui êsse diploma, mas não ponho em duvidadas afirmações feitas pelo Sr. Deputado. Mas temos de partir do princípio de que a Assemblea está a legislar, e portanto tem de decidir se os princípios consignados na proposta de lei em discussão e a política de assistência que ela comporta merecem a aprovação da Assemblea ou se porventura é a orientação defendida pelo Sr. Deputado Oliveira Ramos aquela que deve ser seguida.
Sr. Presidente: foi feita aqui durante a discussão na generalidade uma ampla e brilhante defesa do princípio, consignado na base III, de que a função do Estado em matéria de assistência é uma função supletiva das outras actividades. Não posso acrescentar mais nada àquilo que já tam eloquentemente aqui foi dito. E, de resto, seria isso desnecessário, dado o que o Sr. Deputado Oliveira Ramos, êle próprio o reconhece na sua proposta de emenda.
Mas então, além dessa alteração, que mais interessa?
A proposta de alteração condiciona a obrigação de o Estado intervir, em matéria de assistência, à complexidade, técnica de organização e funcionamento dos serviços ou seu gravoso custo, carácter do necessidade ou continuidade, indispensável uniformidade e extensão ou outras condições de superior interêsse público.
Da proposta de lei há aqui duas condições que são comuns a esta proposta de emenda, que são a da complexidade dos serviços e a do interêsse público. Quero dizer, reconheceu a proposta de lei que para serviços de grande complexidade, e sempre que o interêsse público o exija, deve o Governo intervir na assistência. Os serviços de assistência nesse caso pertenceriam ao Estado.
Ora eu suponho que dentro destas duas condições só contém tudo. Quando os serviços sejam duma grande complexidade e, portanto, a iniciativa particular não os possa realizar de uma maneira satisfatória, sempre que o interêsse público o exija o Estado intervirá.
E parece-me que das próprias palavras do Sr. Deputado Oliveira Ramos referentes à acção do Govêrno nós não temos que hesitar em deixar a acção do Estado amplamente condicionada, como está na proposta de lei em discussão. O Govêrno será o juiz da complexidade dos serviços e será o juiz da oportunidade de intervir no superior interêsse público. Condicionar excessivamente essa acção pode, em vez de favorecer uma maior intervenção, entravá-la.
Reconheço, aliás, que a proposta de alteração do Sr. Deputado Oliveira Ramos visa uma política que está no espírito da Câmara, quere dizer, uma política de uma realização cada vez mais intensa e mais forte no domínio da previdência e no domínio da assistência. Foi essa mesma política que a Assemblea acentuou durante o debato na generalidade.

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O momento impõe, e nisso todos estamos com o parecer da Câmara Corporativa, uma acção cada vez mais forte de previdência e assistência, mas julgo que dentro dos princípios que informam a proposta de lei e dos limites por ela amplamente traçados à acção do Estado e das autarquias e à das iniciativas privadas, e dada a confiança que o Govêrno inspira e o Sr. Deputado Oliveira Ramos não regateia, poderá a Assemblea votar a base III tal qual se encontra na proposta do Governo, sem receio de que o Estado não possa levar até onde as deficiências daquelas iniciativas ou as necessidades urgentes o imponham a sua acção.

O Sr. Presidente: - Ninguém mais deseja usar da palavra?

Pausa.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se em primeiro lugar, conforme o Regimento, a proposta de substituição apresentada pelo Sr. Deputado Oliveira Ramos.

Submetida à votação, foi rejeitada.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se agora a base III tal como consta da proposta do Govêrno.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a base IV. Não há na Mesa qualquer proposta de alteração.
Ninguém deseja fazer uso da palavra?

Pausa.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a base V.
Também não há na Mesa qualquer proposta de alteração.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à votação, visto ninguém querer fazer uso da palavra.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a base VI.
Também não há na Mesa nenhuma proposta de alteração.
Vai votar-se.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a base VII.
Quanto a esta base, há na Mesa uma proposta de alteração, assinada pelos Srs. Deputados Braga da Cruz e D. Maria Luíza van Zeller.
A alteração é nos seguintes termos:

«Propomos que à base VII se adite o seguinte: e bem assim contra outros males sociais ou vícios generalizados. Medidas especiais de protecção serão tomadas em favor das menores de 21 anos em perigo moral ou moralmente pervertidas».

Está em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se, visto ninguém pedir a palavra.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a base VIII.
Não há na Mesa nenhuma proposta de alteração.
Ninguém quere fazer uso da palavra?

Pausa.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a base IX.
Também não há na Mesa qualquer proposta de alteração.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se, visto ninguém pretender fazer uso da palavra.

Submetida à votação, foi aprovada.
Submetidas sucessivamente à votação as bases X, XI, XII e XIII, foram estas aprovadas.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a base XIV. Está na Mesa uma proposta de alteração, subscrita pelos Srs. Deputados Braga da Cruz e D. Maria van Zeller, que respeita à alínea f) desta base, que diz:

Propomos que à base XIV, alínea f), se adite a palavra «preservação», ficando assim redigida:

f) Casas ou institutos de preservação ou de regeneração.

Submetida à votação, foi aprovada com a alteração proposta.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a base XV.
Está na Mesa uma proposta, subscrita pelos Srs. Deputados Braga da Cruz e D. Maria van Zeller, propondo uma ligeira alteração ao n.° 3 desta base.

Propomos que à base XV, n.° 3, se adite «em perigo moral», sendo assim a sua redacção no início:

3. Para as necessidades imediatas de pessoas em perigo moral, de alimentação, agasalho...

Submetida à votação, foi aprovada com a alteração proposta.
Seguidamente foram aprovadas as bases XVI e XVII.

O Sr. Presidente: - A discussão e votação das restantes bases constituirá o objecto da sessão de amanhã.
A ordem do dia da sessão de amanhã será desdobrada em duas partes: a primeira será a sessão de estudo para apreciação das alterações a respeito das bases XVIII e seguintes; a segunda parte será constituída pela sessão plenária para discussão e votação dessas bases.
Previno V. Ex.ªs de que há conveniência em que a sessão comece à hora regimental, às 14,30 em ponto, para que a sessão de estudo possa funcionar sem prejuízo da sessão plenária.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados que entraram, durante a sessão:

Cândido Pamplona Forjaz.
Herculano Amorim Ferreira.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Rui Pereira da Cunha.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

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Srs. Deputados que faltaram, à sessão:

Acácio Mendes de Magalhâis Ramalho.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhãis.
Alberto Cruz.
Alexandre de Quental Calheiros Veloso.
Angelo César Machado.
António Carlos Borges.
António Hintze Ribeiro.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco da Silva Telo da Gama.
Jaime Amador e Pinho.
João Antunes Guimarãis.
João Xavier Camarate de Campos.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Clemente Fernandes.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Ranito Baltasar.
José Soares da Fonseca.
Pedro Inácio Álvares Ribeiro.
Querubim do Vale Guimarãis.

O REDACTOR - Costa Brochado.

Propostas apresentadas na Mesa durante a sessão:

BASE XVIII

Proponho a substituição da base XVIII pela seguinte:

É instituído o domicilio de socorro, a fim de se graduar a ordem preferente das pessoas ou entidades que deverão prestar a assistência obrigatória, ou que terão de responder pêlos encargos perante quem a houver prestado, segundo a ordem dos vínculos familiar, corporativo, da comunidade dos vizinhos ou do Estado.
O Deputado Artur de Oliveira Ramos.

BASE XIX

Proponho que à alínea a) se acrescente o seguinte: a organismos corporativos ou instituições de seguros em favor dos seus beneficiários».

O Deputado Quirino dos Santos Mealha.

BASE XIX

Proponho a substituição da alínea a) pela forma seguinte:

a) As juntas de freguesia e câmaras municipais, em favor dos necessitados com domicílio de socorro na respectiva circunscrição.

Proponho que se adite a esta base a seguinte alínea:

e) Quaisquer pessoas ou entidades/relativamente aos necessitados de socorro urgente.

O Deputado Artur de Oliveira Ramos.

BASE XX

Proponho as seguintes alterações à base XX:

Que na alínea a), a seguir à palavra assistidos, se acrescente: «em proporção dos seus haveres o recursos em relação com o benefício recebido»;
Que a alínea b) seja substituída pela forma seguinte:

b) As pessoas a quem incumba a obrigação de prestar alimentos aos filhos ilegítimos não perfilhados, entregues à assistência pública, mediante prévia investigação, restrita tam somente àquele efeito, a regular em diploma especial;

Que se inverta a ordem das alíneas d) e e).
Que o artigo 3.° seja substituído pela forma seguinte:

A responsabilidade a que se refere a alínea b) cessa logo que o assistido tenha atingido 18 anos de idade.

O Deputado Artur de Oliveira Ramos.

BASE XXI

Proponho que na regra 2.ª e em seguida à palavra alimentos se acrescente: «ou ainda as pessoas a que se refere a alínea b) da base anterior».
Proponho a substituição da regra 4.ª pela forma seguinte:

No caso de insuficiência da economia familiar e das obrigações e garantias previstas nas regras anteriores, responderão as dotações e receitas dos serviços ou instituições que prestarem a assistência, quer próprias, quer provenientes dos subsídios referidos na alínea f) da base anterior.

O Deputado Artur de Oliveira Ramos.

BASE XXIII

Proponho a substituição desta base pela forma seguinte:

1. Para os efeitos dêste Estatuto é instituída a tutela social dos assistidos, de carácter supletivo e limitada ao seu exercício, quer pela natureza do auxilio a prestar ou das providências a adoptar, quer pelo tempo indispensável à reintegração daqueles nos quadros da vida normal, à restituição no exercício dos seus direitos e cumprimento dos seus deveres ou ainda à integração nas outras formas de tutela.
2. Esta tutela, essencialmente de facto, é deferida e exercida pelas pessoas e entidades que tomarem o efectivo encargo da prestação da assistência, correspondendo-lhe as faculdades e a representação dos assistidos na medida da necessidade, urgência e duração indispensáveis à eficiência do auxílio a prestar.
3. A jurisdição especial criada pelo artigo 6.° da lei n.° 1:981, de 3 de Abril de 1940, funcionará junto da Direcção Geral de Saúde e Assistência, com organização adequada a regular em decreto-lei, e a ela competirá a liquidação ou execução dos encargos resultantes das responsabilidades previstas nesta lei.
4. Na liquidação ou execução dos encargos referidos no artigo anterior serão observados os termos aplicáveis dos artigos 1448.° a 1451.° e 1462.° a 1465.° do Código de Processo Civil.

O Deputado Artur de Oliveira Ramos.

Propostas de aditamento

Propomos que entre as bases XXIV e XXV seja intercalada a seguinte:

BASE XXIV-A

1. A Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência poderá conceder empréstimos às entidades

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que se propuserem construir, transformar ou ampliar edifícios destinados a prestar assistência pública desde que o pedido de concessão seja acompanhado do parecer favorável dos Ministros das Finanças e do Interior.
2. A taxa dos empréstimos não excederá 4 por conto ao ano e a sua amortização não irá além de vinte e cinco anos.

Os Deputados: José Maria Braga da Cruz - Maria Luíza van Zeller. _

Propomos que à base XXV seja aditado um número 2, concebido nestes termos:

2. No caso de ser autorizada a derrama deverão ser tidos em consideração, para o fim de contribuírem por igual para a Assistência, os rendimentos colectáveis dos demais impostos directos cobrados no respectivo concelho.

Os Deputados: José Maria Braga da Cruz - Maria Luíza van Zeller.

Propostas

Proponho a supressão da base XXV.

O Deputado Quirino dos Santos Mealha.

Proponho que a base XXVI seja acrescida no seu número 1 da alínea que se segue:

d) A venda de tabacos, nacional o estrangeiro, em rama ou manipulados.

O Deputado João Duarte Marques.

Proposta de aditamento

Proponho o aditamento à base XXVI de um número 3, concebido nos seguintes termos:

3. Poderá ainda o Govêrno, no intuito de combater a baixa da nupcialidade ou da natalidade, fazer incidir sôbre os rendimentos ou vencimentos dos solteiros ou casados, viúvos ou divorciados, sem filhos ou encargos de ascendentes ou irmãos que careçam do sen amparo, taxas ou reduções destinadas a assistência materno-infantil.

Os Deputados: José Maria Braga da Cruz - Maria Luiza van Zeller.

Proposta de substituição

Propomos a substituição da base XXVIII pela seguinte:

BASE XXVIII

1. Será sempre respeitada a vontade dos instituidores de legados pios, e, na falta do seu cumprimento, os responsáveis pagarão uma multa para a assistência até provarem, por documento passado pela autoridade eclesiástica competente, o seu cumprimento, redução ou comutação.
2. Os processos respectivos serão instruídos e julgados por uma comissão composta do provedor da Misericórdia, ou, na sua falta, do director de um estabelecimento de assistência local, de um representante da Direcção Geral de Assistência e de um representante da autoridade diocesana.

Os Deputados: José Maria Braga da Cruz - M. Luiza van Zeller.

Proposta de emenda

Propomos que ao n.° 2 da base XXIX se dê a seguinte redacção:

2. As funções de orientação serão coadjuvadas pela consulta a um Conselho Superior de Higiene e Assistência Social; as da direcção e acção tutelar, exercidas através da Direcção Geral competente; as de inspecção permanente, através de uma Inspecção da Assistência Social.

Os Deputados: José Maria Braga da Cruz - M. Luíza van Zeller.

Propostas de substituição

Proponho a substituição do u.° 3 da base XXXI pelo seguinte:

O provimento dos lugares de delegados regionais é feito mediante concurso onde se comprove a sua especialização, e por meio de contrato por períodos renováveis de três anos, e poderá converter-se em definitivo findo cinco anos de bom e efectivo serviço, não podendo acumular qualquer outra função pública nem exercer clínica particular.

O Deputado Quirino dos Santos Mealha.

Propomos que as bases XXXI e XXXII sejam substituídas pelas seguintes:

BASE XXXI

1. Serão reorganizados os serviços das actuais Direcções Gerais de Saúde e de Assistência, tendo em conta as normas seguintes:
a) A actividade dos serviços directivos e tutelares será exercida através de órgãos centrais e regionais; aqueles constituídos por repartições e secções dotadas com o pessoal técnico e burocrático que vier a tornar-se indispensável; estes constituídos por delegacias com jurisdição extensiva a um ou mais concelhos;
b) Aos órgãos centrais competirá, além de outras atribuições, as de transmitir às autarquias, instituições ou serviços as directrizes, instruções e ordens superiores e promover a sua execução; empreender os estudos e realizações que interessem ao incremento e defesa da saúde pública e à educação higiénica e social das populações; suscitar as iniciativas particulares e favorecer e auxiliar as instituições por elas criadas; organizar os serviços centrais de inquérito assistencial - dos quais fará parte uma secção de polícia do costumes - e as suas delegações; informar e decidir sôbre dúvidas levantadas na liquidação de responsabilidades pecuniárias em que sejam credores estabelecimentos ou serviços de assistência pública e promover a sua cobrança coerciva; administrar o Boletim da Assistência Social e demais publicações que interessem à propaganda das directrizes da mesma assistência e efectivar o expediente do Sub-Secretariado de Estado da Assistência Social;
c) No caso de dualidade dos serviços de direcção, os seus órgãos centrais poderão, sempre que a natureza do assunto o reclamar, ser ouvidos ou dar parecer em conferência.
2. Às delegacias regionais competirá representar a autoridade dos serviços de direcção, executar as suas ordens e promover, de harmonia com as determinações superiores, a acção coordenadora das actividades locais de sanidade ou de assistência.

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BASE XXXII

1. As delegacias regionais serão instituídas progressivamente à medida que as vagas dos actuais delegados de saúde e a preparação de pessoal idóneo o tornarem possível, podendo as delegacias da assistência ser exercidas em acumulação com as da saúde ou com as da Organização da Defesa da Família ou do inquérito assistencial.
2. A nomeação dos delegados regionais dependerá de especialização comprovada em concurso de provas documentais, práticas e publicas, e as suas funções serão inacumuláveis com quaisquer outras, inclusive a clinica particular.
3. Aos actuais delegados de saúde que comprovarem a especialização referida no numero anterior será reconhecida preferência nas futuras nomeações.

BASE XXXIII

1. Serão promovidos cursos e estágios de aperfeiçoamento de pessoal médico, de enfermagem e outros agentes ou auxiliares da assistência social nos centros de assistência publica que reunam as indispensáveis condições técnicas, e bem assim autorizados e favorecidos junto de instituições particulares que comprovem as mesmas condições.
2. Os estágios de aprendizado ou de aperfeiçoamento serão estabelecidos, quanto possível, em regime de internato.

Os Deputados: José Maria Brava da Cruz - Maria Luíza van Zeller.

Propomos que a base XXXVII (transitória) seja substituída pela seguinte:

BASE XXXVII (transitória)

Os funcionários dos actuais quadros das Direcções Gerais de Saúde ou Assistência darão ingresso nos novos quadros mediante simples despacho ministerial e sem perda de nenhum dos seus direitos.

Os Deputados: José Maria Braga da Cruz - Maria Luíza van Zeller.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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