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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 76

ANO DE 1944 4 DE ABRIL

III LEGISLATURA

SESSÃO N.º 73 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 3 DE ABRIL.

Presidentes: Exmo. Sr. José Alberto dos Reis

Secretários: Exmos. Srs.

José Manuel da Costa
Augusto Leite Mendes Moreira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão as 16 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia - Foi aprovado o Diário das Sessões.

Ordem do dia - Prosseguiu o debate sobre as Contas Gerais do Estado de 1942, tendo usado da palavra os Srs. Deputados Amorim Ferreira, Antunes Guimarães e Melo Machado.

O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Alexandra de Quental Calheiros Veloso.
Alfredo Luiz Soares de Melo.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Ângelo César Machado.
António de Almeida.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Cristo.
António Rodrigues Cavalheiro.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur de Oliveira Ramos.
Artur Ribeiro Lopes.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto Leite Mendes Moreira.
Cândido Pamplona Forjaz.
Carlos Moura de Carvalho.
Fernando Augusto Borges Júnior.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco da Silva Telo da Gama.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
Jaime Amador e Pinho.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Duarte Marques.
João de Espregueira da Rocha Páris.
João Luiz Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pires Andrade.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Mendes Arnaut Pombeiro.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Alberto dos Reis.
José Alçada Guimarães.
José Clemente Fernandes.
José Dias de Araújo Correia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Luiz da Silva Dias.
José Manuel da Costa.
José Maria Braga da Cruz.
José Ranito Baltazar.
José Rodrigues de Sá e Abreu.

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José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz de Arriaga de Sá Linhares.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Lopes Vieira de Castro.
Luiz Mendes de Matos.
Manual da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel Joaquim da Conceição e Silva.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Luíza de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Querubim do Vale Guimarães.
Quirino dos Santos Mealha.
Rui Pereira da Cunha.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortes.

O Sr. Presidente: - Estão presentos 64 Srs. Deputados. Esta aberta a sessão.
Eram 16 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário de sábado.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Visto não haver reclamações, considera-se aprovado.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continuam em discussão as Contas Gerais do Estado de 1942.

Tem a palavra o Sr. Deputado Amorim Ferreira.

O Sr. Amorim Ferreira: - Sr. Presidente: as referências aos serviços dos caminhos de ferro que constam do parecer sobre as Contas Gerais do Estado no ano económico de 1942 levam-me a usar da palavra neste debate, para apoiar e reforçar as conclusões apresentadas. Mas há ainda outra razão que me leva a chamar a atenção da Assembleia para este assunto.

Nesta legislatura já por duas vezes se tratou em sessão pública da marinha mercante e puseram-se em relevo os altos serviços por ela prestados à economia nacional, assegurando até ao máximo das suas possibilidades as nossas comunicações exteriores, com sacrifícios e através de perigos de toda a espécie.

Posta assim em evidência a importância dos transportes marítimos na nossa economia de guerra e de paz, pareceu-me conveniente trazer a Assembleia alguns elementos de informação sobre o problema dos transportes terrestres e a necessidade de com urgência se estudar e preparar a sua solução.

As dificuldades sentidas pelos caminhos de ferro desde o princípio da guerra, resultantes da diminuição das quantidades importadas de carvão e obrigando a reduções substanciais do serviço, agravaram-se consideravelmente com a entrada dos Estados Unidos no conflito. O problema dos transportes internos tornou-se ainda mais angustioso e difícil com a redução forçada

dos serviços de camionagem por falta de combustível, pneumáticos e protectores.

Restauradas e renovadas as estradas do País, a indústria dos transportes por automóveis pesados tomara desde 1928 grande incremento, chegando mesmo a rivalizar com os caminhos de ferro em tonelagem e percurso.
É justo reconhecer que o aparecimento da camionagem, permitindo o transporte de passageiros com relativo conforto de centro a centro de povoações e o transporte rápido de cargas pesadas a distâncias consideráveis, teve consequências de largo alcance no bem-

estar geral e no intercâmbio das várias regiões do País, trazendo ao contacto centros produtores e consumidores entre os quais não havia até então relações.

Mas a camionagem nasceu e desenvolveu-se desordenadamente, salvo raras excepções, e as suas tarifas ou visavam apenas a concorrência com os caminhos de ferro em carreiras paralelas ou não atendiam às condições especiais das regiões servidas. A prosperidade das empresas era mais aparente que real e o desastre financeiro surgia, em regra, com as primeiras grandes despesas de conservação ou renovação do material, porque as tarifas não previam estes encargos da exploração.

O decreto-lei n.º 23:499, de 24 de Janeiro de 1934, veio por um pouco de ordem no assunto, classificando as carreiras de transporte por estrada e distinguindo entre serviços úteis ou mesmo indispensáveis e serviços parasitários, concorrentes dos caminhos de ferro. Abriu-

-se assim o caminho para uma colaboração racional entre os transportes por carril e por estrada, com vantagem para os dois sistemas e sobretudo para a economia nacional.

Mas da concorrência desregrada e antieconómica da camionagem resultara o agravamento espantoso do regime já tradicionalmente deficitário dos caminhos de ferro portugueses. A diminuição de tráfego, e portanto das receitas, provocava, e até certo ponto justificava, o marasmo em que estes foram caíndo. Estabeleceu-se assim um perigoso ciclo: os caminhos de ferro não progrediam, como lá fora se verificava, porque o tráfego lhes fugia e as receitas diminuíam constantemente; e o tráfego fugia-lhes porque eles não progrediam e não se adaptavam às novas condições da vida.

A crise da camionagem veio encontrar os caminhos de ferro no período mais grave do seu declínio e precisamente no momento em que dos transportes internos dependia grandemente o possível equilíbrio da nossa economia de guerra. O esforço exigido era, à primeira vista, desproporcionado com os recursos disponíveis. A maneira como os caminhos de ferro se comportaram veio novamente demonstrar que eles são ainda o meio de transporte por excelência para grandes cargas a grandes distâncias e com velocidades que podem tornar-se superiores às de qualquer outro sistema de transporte terrestre.

A redução dos transportes pesados por estrada começa a fazer-se sentir em 1940; e logo se manifesta a acção dos caminhos de ferro no sentido de diminuir as suas consequências. Os meios de acção eram precários, mas os resultados excederam as previsões mais optimistas.

Alguns números darão ideia do esforço feito e dos resultados obtidos. Para não fatigar a Assembleia, limitar-

-me-ei a comparar os resultados da exploração dos caminhos de ferro portugueses em 1938, último ano antes da guerra, com os de 1942, sem me referir aos anos intermédios.

0 número de passageiros transportados em toda a rede foi de 23,6 milhões em 1938 e 29 milhões em 1942; o aumento foi, portanto, de 23 por cento. A eficiência do transporte avalia-se melhor ainda pelo número de passageiros-quilómetros, que foi de 713,8 milhões em 1938 e 891,5 milhões em 1942; o aumento foi, portanto, de

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25 por cento. E como esta percentagem é superior à do aumento do número do passageiros, vê-se que o percurso médio por passageiro também aumentou.

A carga total transportada em toda a rede foi de 3,99 milhões de toneladas em 1938 e 5,04 milhões em 1942; houve portanto o aumento de 26 por cento. O número de toneladas-quilómetros passou de 522,9 milhões em 1938 para 707,8 milhões em 1942; isto é, aumentou 35 por cento. O percurso dos comboios de mercadorias passou de 4,57 milhões de quilómetros em 1938 para 5,43 milhões em 1942; isto é, aumentou 19 por cento. A carga média dos comboios de mercadorias passou de 114 toneladas em 1938 para 130 toneladas em 1942.

É caso para perguntar: Como foi isto possível? Como se conseguiram estes resultados, se a extensão da rede não aumentou, se o número de locomotivas, em vez de aumentar, diminuiu, pela demolição de algumas unidades não susceptíveis do reparação, se os parques de material circulante não foram aumentados e se as locomotivas passaram a queimar toda a qualidade de combustível que foi possível obter?

Estes resultados foram possíveis graças ao aproveitamento consciente dos recursos disponíveis. Reduziram-se os serviços que podiam suportá-lo em beneficio do outras que era preciso intensificar. Aproveitou-se ao máximo o esforço de tracção das locomotivas, indo mesmo além daquilo que se podia prever.

Os números apresentados mostram o que valem os caminhos de ferro no conjunto dos factores de que depende a economia nacional e mostram também o que é legítimo esperar deles se se puserem de parte certas normas de administração, se se modernizarem os serviços, os horários, os tipos de material e a técnica da exploração comercial.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Os meios do que dispõem actualmente os caminhos de ferro portugueses são precários. A extensão total da rede é 3:560 km,6, dos quais 2:821 km,9, de via larga e 738 km,7 de via de metro. Para a exploração da rede de via larga dispõem as empresas do seguinte material, números redondos: 400 locomotivas de vapor, 12 automotoras e tractores eléctricos, 900 carruagens e cerca de 9:000 vagões, incluindo os de propriedade particular. Temos, portanto, 1 locomotiva por cada 7 quilómetros do linha explorada, 1 carruagem de passageiros por cada 3 km,l de linha e 3,5 vagões por quilómetro. Os números médios correspondentes às linhas francesas em 1937 já eram 1 locomotiva por 2 km,l, 1 carruagem por l km,2 e 12,2 vagões por quilómetro.

Pode ainda acrescentar-se que o material circulante é antiquado e grande parte dele já não satisfaz os requisitos de uma exploração moderna; há locomotivas com cinquenta e mais anos de serviço; o material de transportes de passageiros e de carga e, com raras excepções, que não contam, incapaz de confronto com o das linhas estrangeiras, e a conservação do material nos últimos anos, pelas exigências do serviço e condições actuais, tem sido pouco cuidada. As dificuldades da hora presente agravar-se-ão para o futuro se não se atender quanto antes a necessidade de as eliminar.

Apoiados.

Porque é sobretudo a pensar no futuro que se deve trabalhar. Creio não ser fantasia, desmedida esperar que no abastecimento e reconstituição da Europa, esgotada de recursos e devastada pela guerra, o porto de Lisboa tem uma função a desempenhar, e aos caminhos de ferro competirá descongestioná-lo rapidamente para que ele possa desempenhar essa função. Além destas há as necessidades nacionais, propriamente nossas, a que é preciso atender. Novos problemas, transitórios uns, per-

manentes outros, se põem para serem resolvidos. Precisamos de nos apetrechar ou, pelo menos, preparar para eles, estabelecendo com brevidade um programa de trabalhos, dos quais uma parte, pelo menos, terá de começar imediatamente, dentro das nossas possibilidades.

Apoiados.

0 estabelecimento deste programa é delicado e difícil e nele hão-de intervir os técnicos de caminhos de ferro, os representantes dos serviços de estradas, portos, marinha mercante, viação e transportes aéreos e os técnicos de ideias gerais, de que falava o marechal Lyautey.

Para completar a rede ferroviária pode servir de base, até certo ponto, o trabalho da comissão nomeada nos termos do decreto n.º 13:825, de 17 de Junho de 1927 definindo-se as linhas que devem ser estabelecidas e por que ordem, atendendo-se à vantagem económica da sua construção e não ao sou rendimento provável.

Há que estudar e preparar a aquisição e a renovação do material circulante e das instalações fixas; a electri-

ficação das linhas, designadamente das redes suburba-

nas e dos troços onde o tráfego é mais intenso; e a construção de material ferroviário em Portugal, de modo a bastarmo-nos a nós mesmos, para a renovação normal do material.

Pelo que respeita à colaboração dos caminhos de ferro com os outros meios de transporte, impõe-se completar e fazer a ligação das estações à rede de estradas; a ligação das instalações portuárias à rede ferroviária, de modo a aumentar a zona de utilização e influência dos portos; e a cooperação dos caminhos de ferro com os transportes aéreos e com a camionagem. Este último aspecto do problema é importante. Tem de se impedir a concorrência entre os vários meios de transporte, trans-

formando-a em cooperação, e regulamentar o serviço de transportes pesados por estrada, integrando-o nas normas e obrigações dos serviços públicos de interesse geral.

O programa, Sr. Presidente, é certamente vasto, mas, como muito bem diz o parecer em discussão "parece ser agora ocasião propicia para rever o problema dos transportes - e tudo indica a necessidade de encontrar uma fórmula, de colaboração útil ... para o justo equilíbrio entre as suas diversas formas". Quem o fizer prestará um grande serviço a economia nacional.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Antunes Guimarães: - Sr. Presidente: mais uma vez subo a esta tribuna para apreciar as Contas Gerais do Estado, apoiando-me, como sempre, no, por todos os títulos notável, parecer da nossa ilustre Comissão das Contas Públicas, o qual nos orienta através desse enorme amontoado de verbas e números, onde um bom guia sempre de aproveitar e agradecer, apesar do seu arrumo escrupuloso e da simplificação da escrita introduzida pelo Estado Novo no antigo labirinto da contabilidade, onde só os eleitos logravam orientar-se.

A doença que me afastou dos trabalhos desta Assembleia no final da ultima sessão legislativa impediu-me de apreciar as contas do ano de 1941; mas nem por isso deixei de ler e estudar o valioso parecer da nossa Comissão das Contas Públicas.

Iniciei a leitura do parecer agora publicado, referente às contas de 1942, há poucos dias, mas o estudo do importante diploma sobre reabilitação dos delinquentes, votado na última sessão, obrigou-me a suspendê-la.

Empreguei o domingo de ontem no estudo de quase duzentas páginas de excelente literatura, crítica inteligente e alvitres oportunos que o referido parecer arquiva,

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e que constituem título de glória para o Governo e de alta honra para esta Assembleia Nacional, que, mais uma vez, tem sobejas razões para louvar os homens que nos governam e para agradecer à nossa Comissão das Contas Públicas, da qual me permito destacar o seu ilustre relator, Sr. engenheiro Araújo Correia, tão valioso trabalho.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: as Contas Gerais do Estado não têm discussão.

Antes da sua leitura já as conhecíamos através da calma mas convincente eloquência dos seus resultados benéficos.

E traduziremos o pensamento nacional agradecendo-as, louvando-as e aprovando-as!

Sr. Presidente: no estudo do valioso parecer, além do empenho de apreender o pensamento inteligente que o ditara, preocupava-me o desejo de destacar um ou outro ponto para tema das minhas considerações nesta tribuna. Assim, fui tomando ligeiras notas à margem; mas, terminada a leitura, depara-se-me a dificuldade da escolha, tantos foram os problemas que despertaram a minha atenção.

Logo de entrada põe-se uma questão do maior vulto: Qual a nova função das Assembleias representativas ?

E, depois de se aludir "à sua constituição por espíritos de variada cultura o educação, na maior parte desconhecedores do intrincado complexo das leis económicas e sociais", afirma-se que "uma Assembleia assim constituída não está naturalmente indicada para presidir à elaboração das leis e regulamentos que hão-de estabelecer a ordem moral o material das sociedades contemporâneas".

Afirmar que os projectos de lei devem competir exclusivamente ao Poder Executivo, acrescentando-se que, "na verdade, quem deve estabelecer os princípios administrativos normais em quase todos os aspectos da vida do Estado moderno são os especialistas que constituem a burocracia"! E que "a função da Assembleia e essencialmente fiscalizadora"!

Sr. Presidente: discordo em absoluto!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Em primeiro lugar não é preciso descer-se até ao intrincado das leis económicas e sociais que guiam os homens para as apreciar convenientemente quanto à sua oportunidade e variadíssimas consequências. Esse "intrincado", que, aliás, nunca deveria existir nas leis que guiam os homens, traduz geralmente a intervenção burocrática no melindrosíssimo distrito legislativo, expressa em articulados complicados e por vezes confusos e em regulamentos que acontece excederem a amplitude das leis substantivas, quando não as contrariam, e que muitas vezes se contradizem.

Que a redacção dos articulados das leis e a feitura dos respectivos regulamentos podem competir a organismos devidamente especializados, embora a Assembleia Nacional não se demita da faculdade de os apreciar, quando entender, está certo.

Mas as bases gerais dos regimes jurídicos, como se estipula no artigo 92.º da Constituição, tem de continuar a constituir atribuição da Assembleia Nacional e não ser quase apanágio dos especialistas que orientam a engrenagem do Estado, como se diz no parecer da nossa Comissão das Contas.

Apanágio dos especialistas interpreto eu como apanágio da burocracia, e não do Governo, porque eu continuo a ser da opinião do que os Ministros não devem

ser procurados entre os técnicos, mas escolhidos entre os políticos, pois são estes os mais indicados para tão altas funções, pela sua visão de conjunto, que lhes permite abarcar todas as consequências das leis, faculdade pouco atreita à visão insuficientemente ampla, embora profunda, dos especialistas.

Sr. Presidente: colhi a impressão de que do Terreiro do Paço, com sua interessante arquitectura pombalina o numerosos automóveis de alto preço e grande consumo junto das repartições, o Tejo magnificente cheio de embarcações e as linhas sinuosas do lindo panorama da Outra Banda, acontece não se enxergarem muitas regiões do País onde, não obstante os progressos ali realizados pelo Estado Novo, ainda há muito a organizar e a construir para que se atinja aquele mínimo de condições exigidas pela eficiência do trabalho e dignidade humana.

Apoiados.

Sim, o País precisa de uma burocracia, cada vez mais indispensável e especializada, mercê da transformação que as conquistas da ciência e as exigências imperativas de ordem social o impõem.

Mas nunca poderá dispensar os políticos, vindos de todos os pontos do nosso território de aquém e de além-mar, e sempre em contacto com os interesses respectivos, para constituírem a Assembleia Nacional e também para ocuparem as cadeiras do Governo, cumprindo a estes estar sempre atentos às indicações, colhidas onde as necessidades ocorram, que os primeiros lhes transmitam, à maneira de radiogoniómetros, que avisam os navegantes sobre o rumo a seguir, para, evitando escolhos e temporais, não perderem o rumo e atingirem depressa o porto desejado.

Dessas indicações deveria resultar a génese das leis, que nelas encontrariam o embrião ajustado às realidades, constituindo, afinal, a essência da função legislativa. O resto, o já referido articulado das leis e os regulamentos, uma vez que se respeitem os princípios assim fixados pela Assembleia Nacional, poderão, sem inconveniente, constituir tarefa dos especialistas burocráticos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Este tema é tão empolgante que só com esforço o deixo para tratar de outros pontos focados no parecer.

Sr. Presidente: no capítulo das receitas depara-se logo com a seguinte frase: "A tributação tem sido benévola em alguns capítulos da matéria fiscal".

Aplaudo esta orientação do Governo. Tratando-se de um regime que, não transigindo com princípios socialistas, se propõe estimular as iniciativas privadas, mal se compreenderia que as deixasse desprovidas de recursos indispensáveis à vida próspera das diferentes actividades.

Ao referir-se a importação de cereais, lê-se no parecer:

"Mas parece que poderia bem ser muito maior a protecção do milho.

0 que na verdade acontece é que uma importante área, muito própria para grandes produções deste cereal por unidade de superfície, é hoje utilizada na cultura de outros produtos que parecem gozar de privilégios especiais. Enquanto que a protecção do milho é pequena, o rendimento dessas culturas é grande".

Acertada observação é a que assim regista a nossa Comissão das Contas no seu excelente parecer.

A política do milho, do precioso cereal que os descobridores trouxeram dos confins ultramarinos, é da maior importância para a nossa economia.

Entra como elemento primordial na alimentação humana, mantendo notório predomínio entre as populações nortenha e beiroa, apesar das tentativas de o substituírem por outros cereais.

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É poderosa a sua influência no campo zootécnico; e pode vir a constituir a razão do importantes indústrias que já começam a trabalhar no nosso País.

0 seu desenvolvimento tem sido contrariado por não terem sido considerados, como bem mereciam, os trabalhos de irrigação de iniciativa particular, especialmente os de menor envergadura, quando se aprovarem as bases da política hidroagrícola, reservada exclusivamente para grandes projectos da iniciativa do Estado. Às restrições do plantio da vinha, parte integrante dos casais agrícolas, também se deve o ter ficado por arrotear muita terra própria para cultura do milho. O tabelamento do seu preço, muito aquém do custo da respectiva lavoura, e em desvantajosa proporção com o de outros géneros, também convida os proprietários a tentarem outras culturas, tanto mais que a do milho os expõe, além de prejuízos importantes, a múltiplas declarações, constantes devassas, varejos vexatórios e, quantas vezes, o levantamento de autos que vão parar ao Tribunal Militar Especial, onde os esperam com elevadíssimas multas e cadeia.

Apoiados.

Devo reconhecer, porém, que o Ministério da Economia se tem empenhado ultimamente em fomentar aquela cultura fundamental, promulgando providências muito oportunas e dignas de louvor.

Sr. Presidente: remata o parecer da nossa Comissão das Contas com um apêndice sobre o problema hidroeléctrico, cuja leitura constituiu para mim um grande prazer.

Trata-se duma lição proficiente sobre o problema n.º 1 da economia nacional.

Merecia demoradas considerações, que o tempo de que disponho não consentiria.

Verifico que, finalmente, o rio Douro é posto em evidência como o nosso primeiro valor no campo hidroeléctrico.

O parecer confronta-o no seu potencial e no preço provável da energia ali produzida com os restantes esquemas nacionais.

Desse confronto resulta vantagem apreciável para o Douro, tanto no seu importante troço nacional como no célebre Douro fronteiriço, que numa convenção com a Espanha foi dividido, cabendo àquele país a parte compreendida entre os rios Huebra e Tormes e a Portugal a parte a montante até cerca do ponto onde ele deixa de constituir fronteira.

A parte fronteiriça, de potencial enorme, apresenta aspectos de alta transcendência que seria demorado apreciar.

Mas o Douro nacional, consideravelmente valorizado pelas obras de represamento de água recentemente realizadas em Espanha e susceptível de maior valorização por outras obras projectadas tanto em Espanha como em Portugal, bastará para as necessidades económicas do nosso País por bastante tempo.

Este tema merecia particular desenvolvimento nas minhas considerações. Mas tenho ainda um assunto sobre o qual não poderei deixar de falar, devido às palavras cheias de brilho que acaba de consagrar-lhe o nosso ilustre colega Sr. Dr. Amorim Ferreira.

Contudo, lembrarei o que na última sessão legislativa tive a honra de dizer nesta Assembleia Nacional acerca de aproveitamentos hidroeléctricos.

Quando o Ministério de que fiz parte deixou o Poder tinha-se dado a concessão do Zêzere, no lugar conhecido por Castelo do Bode, e efectuara-se o concurso, a que vieram quinze das melhores casas especialistas de todo o mundo, para os estudos do primeiro aproveitamento do Douro nacional.

Se aqueles grandiosos projectos se tivessem realizado, a electricidade não teria faltado em Portugal no momento dificílimo que agora atravessamos.

Apoiados.

Sr. Presidente: como disse, acaba o ilustre Deputado Sr. Dr. Amorim Ferreira de proferir uma magnífica lição sobre o sério problema da coordenação de transportes.

Também entre tantos assuntos de marcado relevo tratados no parecer eu destaco, pela sua manifesta actualidade, o que ali se diz acerca dos caminhos de ferro, que, não obstante os progre55es realizados noutros meios de condução, constituem um dos mais valiosos instrumentos da economia nacional.

Alude-se ao automobilismo, à aviação e foca-se a necessidade de estabelecer o justo equilíbrio entre as diversas formas de transporte.

Sr. Presidente: tem a nossa comissão das contas fundamentadas razões para assim se exprimir.

Verifica-se que em determinado momento se realize uma obra de larga envergadura nas estradas, de que resultou o progresso automobilista, mas sem que, simultaneamente, se prestasse aos caminhos de ferro a atenção que lhes era absolutamente devida.

E a indispensável coordenação no vasto sector dos transportes foi-se protelando e, assim, verifica-se que na crise de abastecimentos em que o País actualmente se debate é na insuficiência de transportes, tanto terrestres como marítimos, que nós encontramos a principal fonte de desequilíbrio.

Ninguém ignora, e o próprio Governo o tem reconhecido com justiça, que a produção nacional vem correspondendo às necessidades crescentes do nosso consumo, não se furtando a trabalhos e sacrifícios.

Por outro lado, verifica-se também o esforço dos organismos orientadores da distribuição para corrigir erros e evitar insuficiências no abastecimento do País, pois notavam-se flagrantes desigualdades de concelho para concelho e, sobretudo, das cidades para as zonas rurais.

Ainda há poucos dias tivemos a satisfação de ouvir do nosso ilustre colega Sr. Salvador Teixeira informações animadoras sobre novas fórmulas de distribuição de géneros, com que tanto o Grémio dos Armazenistas de Mercearia como a Intendência Geral dos Abastecimentos se esforçam por corrigir o que não estava certo.

Mas no importante capítulo dos transportes, apesar dos esforços das entidades que superintendem nos caminhos de ferro, no automobilismo e na marinha mercante, e muito se tem conseguido com os poucos recursos de que dispomos, registam-se grandes insuficiências, vindas de longe, e que só então poderiam ter sido satisfatoriamente remediadas.

E verificam-se grandes faltas, por não ter sido em devido tempo garantida a indispensável coordenação de todos os sistemas de viação.

Sr. Presidente: permita V. Ex.ª algumas palavras para recordar a actuação do Estado Novo em tão importante problema.

Em Abril de 1932 (há doze anos!) foi constituída uma comissão para estudar as bases de coordenação dos transportes terrestres, aquáticos (fluviais e marítimos) e aéreos, em toda a sua amplitude, e prevenindo-se todas as exigências da economia nacional em tão vastíssimo sector.

Dois meses e dias volvidos sobre a posse da Comissão o Ministro que a nomeara deixava o Ministério do Comércio e Comunicações.

Em 20 de Fevereiro do ano seguinte o general Teófilo da Trindade, que presidia aquela Comissão, e a quem o Estado Novo tão valiosos serviços ficou devendo, dirigiu ao Ministro das Obras Públicas e Comunicações um relatório sobre os trabalhos realizados, com bons alvitres acerca da coordenação de automóveis e caminhos de ferro, por isso que a Comissão entendera não dever considerar os restantes sistemas de transportes.

Contudo, ao nomear aquela Comissão, de autênticas competências, preocupava-me a necessidade de atender

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também aos transportes aquáticos (fluviais ou marítimos), por isso que se impunha, além de perfeita conjugação dos transportes metropolitanos com os atlânticos (especialmente os que interessam ao nosso império), ter em vista a rápida, barata e perfeita distribuição de todos os produtos do mar, tanto dos que concorrem para a alimentação humana, como os que deveriam contribuir largamente para a fertilização dos campos e laboração de variadas indústrias.

E pensava também na situação de aeródromos que viessem a completar o que nesse sentido já tinha sido aprovado, sob proposta minha, pelo Conselho de Ministros, isto é, o da Portela de Sacavém, que já está em funcionamento, e o da Madalena, junto da cidade do Porto, que se conjugava com a projectada ponte sobre o Douro no sítio da Arrábida e com a auto-estrada da beira-mar até à praia de Espinho, mas que, afinal, veio a ser posto de parte e substituído pelo aeródromo de Pedras Rubras, lá para os lados de Vila do Conde, e que, apesar de muito distanciado da capital nortenha, teimosamente designam por campo de aviação do Porto, talvez pela circunstância inexplicável de a Câmara daquela cidade ter sido obrigada a concorrer para a sua construção com alguns milhares de contos, que muita falta fazem aos melhoramentos citadinos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Além do problema da coordenação dos diferentes sistemas de transportes, tinha-se previsto uma justa e cautelosa compensação da baixa do tráfico ferroviário, destinando não só a sua conservação, mas a actualização do material circulante, e até à construção de algumas linhas de marcado interesse, uma parte do que, depois de atendido o orçamento das estradas, sobrasse do que o Tesouro ia cobrando, sob vários títulos, de tudo quanto respeitava aos diferentes sistemas de transportes.

A1ém do imposto ferroviário, que então andava por 30:000 contos, só do automobilismo chegaram-se a cobrar perto de 200:000 contos, incluindo os direitos aduaneiros sobre veículos automóveis e respectivos acessórios, por isso que a taxa de salvação nacional relativa a gasolina chegou a render cerca de 60:000 contos, o imposto sobre gasolina, nos termos do decreto n.º 17:813, aproximou-se de 40:000 contos, as taxas cobradas pela Direcção Geral dos Serviços de Viação andaram à volta de 3:500 contos, as receitas do Código da Estrada 2:500 contos, o imposto de trânsito orçou por 4:000 contos, o imposto de camionagem por 4:500 contos e várias contribuições industriais sobre indústrias ligadas com automóveis também oscilaram à volta de 8:000 contos.

Infelizmente razões de grande peso devem ter contribuído para que o grande factor económico dos caminhos de ferro não tenha sido tão atendido como seria para desejar. Ultimamente considerou-se a renovação de material circulante e, até, a sua actualização, tendo sido encomendadas algumas automotoras, mas os acontecimentos da guerra transtornaram a realização completa daquele louvável plano.

E assim nos veio surpreender a guerra com material insuficiente e, em alguns sectores, antiquado, e o problema da indispensável coordenação incompletamente solucionado.

Sr. Presidente: estas considerações bordam um problema quase já da história do Estado Novo, mas que demonstram o interesse com que os problemas nacionais foram desde logo considerados em todo o seu largo âmbito.

E foi por isso que, volvidos quase dezoito anos em que, sem quaisquer intervales ou paragens, todos trabalharam pelo bem-estar do povo e engrandecimento da Pátria,

nos é mais uma vez gratíssimo louvar o Governo pela sua actuação proveitosa e patriótica e render-lhe bem merecidos agradecimentos. Disse.

Vozes : - Muito bem, muito bem ! O orador foi muito cumprimentado.

Assumiu a presidência o Sr. Deputado Sebastião Ramires.

O Sr. Melo Machado : - Sr. Presidente e Srs. Deputados : vamos a ver se eu, apesar do bastante fatigado pelas emoções da sessão desta manhã, posso fazer o meu pequeno e costumado juízo das Contas Públicas.

Claro que as minhas primeiras palavras são de louvor para o nosso permanente relator das Contas, que, com beneditina paciência e enormes conhecimentos, vai todos os anos habilitando esta Assembleia a conhecer detalhadamente o que se passa na administração pública. Bem haja S. Ex.ª pelo esforço que faz, dando-nos assim a possibilidade de abranger, num simples e agradável golpe de vista, através dos olhos de S. Exa., tudo o que se passa nos diferentes sectores da governação pública.

Há logo de início um capítulo em que S. Ex.ª faz referência à actuação desta Assembleia, o que, a mim mais do que a ninguém, foi agradável ler.

Eu tenho procurado actuar nesta Assembleia dentro dos meus limitados recursos, justamente numa posição de fiscalização dos actos de administração pública. Li com especial agrado aquilo que S. Ex.ª escreveu sobre o assunto.

É que, de facto, Sr. Presidente, eu acho que a nossa acção fiscalizadora pode ter a maior importância, não tanto para criticar, mas para de algum modo orientar, sugerir e até apontar alguns erros em que porventura caia a administração pública.

Tenho podido verificar que em relação a essa acção que eu porventura com mais assiduidade tenho realizado nesta Assembleia de um modo geral - e digo de um modo geral porque parece que Deus não quer por em cada corpo uma alma, já não digo grande mas de tamanho normal - , tenho encontrado de uma forma geral uma boa aceitação para as críticas que aqui tenho feito. Não tenho sentido impedimentos e também não tenho encontrado más vontades resultantes dessa minha actuação.

Ainda há dias nós pudemos verificar como, depois de uma actuação, oportuna como sempre, do nosso ilustre colega Dr. Antunes Guimarães - sempre atento para defender os interesses dos pequenos e grandes contribuintes, mas sobretudo dos pequenos - , o Sr. Ministro interino das Obras Públicas mandou a esta Câmara, sem que nada aliás o obrigasse a isso, uma exposição, o que demonstra pelo menos atenção àquilo que se diz nesta Assembleia, e estou convencido que S. Ex.ª acabará por conhecer a razão das observações que aqui foram feitas e atendê-las naquilo que for possível.

Lançando os olhos sobre o parecer e entrando na apreciação do capítulo das contribuições, verifico que o movimento tributário continua no seu movimento ascensional. Passámos de um milhão para dois milhões e tal em cerca de dez anos, ou seja mais do dobro.

E se, de momento, este grande peso de contribuições, este aumento, se não sente, mercê da guerra e, enfim, de todas as perturbações que ela trouxe, lembro a V. Ex.ªs que antes da guerra havia uma profunda crise económica, que estou convencido de que teria levado a não poder suportar este aumento.

Mas eu sinto que se continua neste propósito de aumentar as contribuições, e digo a V. Ex.ªs porquê.

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Como V. Ex.ªs sabem, o concelho de Mafra foi cadastrado e o seu rendimento colectável passou de 4:338 contos para 9:788; quer dizer, muito mais do dobro.

É certo que o Governo diminuiu para esse concelho a taxa da contribuição predial de 14 para 8 por cento.

Todavia, o que resulta ainda assim é o seguinte: que esse concelho, que pagava 660 contos, passou a pagar 865; quer dizer, um aumento de cerca de 30 por cento, ou mais. E eu pergunto: quando terminar a guerra, com as suas consequências económicas, e se voltássemos, porventura, aos tempos antigos, o Governo pensara ainda que é possível aumentar em 30 por cento as contribuições ?!

O Sr. Carlos Borges: - Resta saber se as matrizes primitivas do concelho de Mafra foram bem feitas, porque há muitos concelhos em que as avaliações foram baixas e em que os contribuintes beneficiam largamente dessa baixa. Há outros em que as matrizes foram feitas a rigor e em que as avaliações foram feitas também a rigor e, então, a taxa corresponde precisamente ao rendimento colectável e, portanto, à contribuição que cada cidadão tem de pagar.

O Orador: - Foi justamente um dos pontos que eu foquei aqui: o facto de se terem realizado em vários concelhos avaliações que trouxeram os valores dos prédios para muito mais do que aquilo que estava nas matrizes, tendo invocado a necessidade de baixar as taxas das contribuições nos concelhos em que essas avaliações tivessem sido feitas, porque, Srs. Deputados, a justificação para as altas taxas existentes eram justamente os baixos valores das antigas matrizes.

O Sr. Carlos Borges: - Isso vai em louvor do Governo !

O Orador: - Mas foi-me então observado que seria impossível ter num concelho uma taxa diferente da vigente no resto do País. Afinal verificou-se que sempre era possível.

É claro que esta excessiva valorização da propriedade que o Governo de alguma maneira atenuou, baixando a taxa da contribuição predial, não deixa de ter uma extraordinária influência no agravamento das contribuições, pois agrava a contribuição sobre as transmissões por título oneroso, agrava os impostos sucessórios e vai até às mil e uma pequenas taxas que se pagam e que recaem sobre o valor da propriedade, como, por exemplo, as taxas para os grémios da lavoura.

Não é, por conseguinte, indiferente o tratar-se de matrizes antigas ou modernas, porque, embora o Governo tenha feito com inteira justiça, a uma baixa nas taxas das contribuições, há muitas outras que não baixaram.

Por cima disto tudo ainda encontro no parecer que se pagaram nada mais nada menos de 18:000 contos de muitas, com todo o seu cortejo de vexames, etc.

Quero ainda referir-me, Sr. Presidente, ao imposto sobre lucros de guerra.

Esse imposto, que inicialmente nos foi apresentado com a possibilidade de render 15:000 contos, diz o Sr. relator no seu relatório que rendeu 184:500 contos o que ainda ficaram 78:507 contos por pagar; quer dizer: 263:007 contos no total.

E ou pergunto, Sr. Presidente, porque foi que se disse que ele viria a render 15:000 contos. Eu não posso admitir um erro desta natureza; e então fica no meu espírito a dúvida dos órgãos que teriam conduzido à indicação daquele número.

O Sr. relator diz que acha ter sido esta tributação ainda suave, com o que não estou de acordo, e eu posso concluir, por não estar de acordo, pelo menos no que

diz respeito à maioria dos casos. De facto usando-se do critério estreito na percentagem fixada de 20 por cento sobre o movimento bruto duma casa, aumento que neste momento já deve estar inutilizado como valorização de negócios pelo aumento forçado de despesas com a obrigatoriedade de subir os ordenados dos empregados de escritório hoje, dos de comércio amanhã, e até pela desvalorização da moeda ou, se preferirem, valorização das mercadorias. Para muitos este imposto funcionou como um aumento da contribuição industrial. Não quer dizer que o ilustre relator não tenha razão, no que diga respeito a alguma indústria ou comércio em que Deus sabe se a contribuição atingirá, em proporção, o valor justo.

O Sr. Araújo Correia: - É uma questão pura e simples de má repartição ...

O Orador:- Pois é disso que me queixo.

O Sr. Querubim Guimarães: - V. Ex.ª dá-me licença?...

Há que considerar os lucros invisíveis. São muito importantes !

O Orador : - É preciso reconhecer que 20 por cento no rendimento bruto duma casa não pode ser considerado lucro de guerra, pois, quanto à justiça na tributação de verdadeiros lucros de guerra, todos estamos de acordo.

Em todo o caso a administração é perfeita e vamos singrando com felicidade no meio das tremendas dificuldades actuais, e isso é o que mais importa.

Recordo ainda que a razão deste imposto sobre lucros de guerra era para atenuar a diminuição dos direitos sobre a importação.

E eu verifico pelas contas que, se estes baixaram 106:742 contos, os da exportação renderam 299:461; quer dizer:

quase três vezes mais que aquilo que se previa.

E vem a propósito, Sr. Presidente, falar da nossa balança comercial.

Verifico pelos números que nos são fornecidos que a nossa balança comercial, que sempre se conservou desequilibrada e mal desequilibrada, se encontra agora não só equilibrada, mas com um saldo positivo.

Simplesmente, Sr. Presidente, a razão dessa situação, dessa posição, é meramente fortuita. São as grandes exportações de minério, sobretudo, que influem nestes valores, minério que com certeza não terá o mesmo valor, nem possivelmente terá exportação, depois de terminada a guerra. Quero dizer que isso me leva a considerar a necessidade de não esquecer todas as possibilidades que haja de se conservarem os nossos antigos mercados externos e fazermos toda a diligência de conseguirmos adquirir, mercê da nossa excepcional posição de momento, todos aqueles novos mercados que for possível adquirir para os nossos poucos produtos de exportação.

E digo isto, Sr. Presidente, porque ainda vi que o ano passado se puseram dificuldades à nossa exportação de vinhos para a Suíça, mercado que tínhamos conquistado condignamente e possivelmente estamos perdendo pelo facto de termos em determinado momento sustado as exportações para ali.

Eu reputo, Sr. Presidente, que neste País, onde há tão poucos produtos de exportação e em quantidade tão insignificante em comparação dos que o mundo consome, é manifestamente pouca habilidade da nossa parte não conseguirmos que aquele pouco que nos sobeja tenha colocação por exportação. Repito: é um momento oportuno que não podemos deixar de aproveitar até com alguns sacrifícios, se forem necessários, para podermos manter mercados antigos e procurar actuar de forma a conquistar mercados novos.

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Passo agora a encarar a importação.

Esta passou de 2.400:000 toneladas para 1.342:000.

Quer dizer: quase 50 por cento. E se nessa baixa podemos colher vantagens para aquilo que porventura estimule a produção dentro do País, para aquilo que em parte representa economia e concorre para a vantagem da balança comercial, essa baixa formidável explica o muito que nos falta do que é absolutamente indispensável.

Concentra-se para alguns produtos a faculdade de importar em comissões reguladoras. Não estou ainda suficientemente orientado para saber se é bem se é mal concentrar todas as importações de um país numa determinada comissão, que, regra geral, não tem de todas as necessidades do País conhecimentos suficientes.

É possível que isso tenha uma contrapartida de vantagem que eu desconheço, mas lembro-me sempre do seguinte facto: é que, apesar de todos os esforços do Governo para acudir ao desemprego, ele nada pode fazer satisfatoriamente, porque nada é tão eficiente como a iniciativa particular. V. Ex.ªs poderão verificar que depois da guerra, depois de ter desaparecido a crise económica, desapareceu imediatamente o desemprego, porque cada um de nós deu trabalho a muito mais gente do que então.

Pergunto, pois, como é que um só organismo, sem ter profundo conhecimento das necessidades múltiplas do País, pode ter capacidade para resolver todos os problemas de importação do seu sector.

Como prova de que muitas vezes não sucede assim posso apontar um simples facto demonstrativo: o de que falta absolutamente no mercado ferro de 2 3/4 por 7/8, que é usado para as rodas dos carros do Alentejo. Não se encontra 1 grama de ferro de semelhante medida no mercado.

O Sr. Querubim Guimarães: -No mercado legal...

O Orador: - Suponho que nem no outro...

Apesar de ser uma partícula insignificante deste aspecto, V. Ex.ªs estão a ver a importância que isto pode ter e tem de facto.

Temos uma larga importação do trigo, que é um dos factores que este ano está prejudicando extraordinariamente a nossa vida económica.

E aqui vem a talho d foice dizer que nunca consegui perceber qual a razão por que, tendo nós uma lei que protege a cultura do trigo, pagando-o mais caro do que o seu valor no mercado mundial em tempos normais, nos momentos em que o ter ou não ter trigo é absolutamente vital a lei proteccionista deixa de actuar, pagando-se o trigo nacional mais barato do que nos chega vindo do estrangeiro.

Uma das razões por que as nossas importações diminuíram está na deficiência da nossa marinha mercante. E infelizmente há que reconhecer que nesse capítulo algumas responsabilidades temos.

Toda a gente sabe que a Inglaterra, a Alemanha e países de grande expansão comercial, que detinham as maiores marinhas mercantes do mundo, as subsidiavam largamente.

Nós, que temos colónias espalhadas pelas cinco partes do mundo, que temos por consequência a necessidade absoluta de ter marinha mercante, não me consta que tenhamos concedido subsídios a essa mesma marinha.

O Sr. Araújo Correia: - Houve subsídios.

O Orador: - O que só tem feito é conceder empréstimos à marinha mercante.

O Sr. Araújo Correia:-Houve subsídios, embora indirectos.

O Sr. Ângelo César: - Subsídio de bandeira, garantia de passageiros, etc., mas nós não podemos resolver o problema da nossa marinha mercante enquanto não pudermos fazer os nossos navios. O problema na Inglaterra, na Alemanha, na Suécia, nos Estados Unidos, etc., põe-se de outra maneira, porque ali está resolvida a questão siderúrgica.

O Orador: - Perfeitamente de acordo, mas enquanto o auxílio a marinha mercante não for sensível havemos de continuar, como até hoje, com navios velhos, de rendimento baixo, para só chegar a uma cultura grave, como esta, sem termos nada.

Não estou a falar de ciência certa, mas, em todo o caso, há necessariamente uma explicação para o facto da termos chegado a esta guerra sem dispormos dos meios indispensáveis de importação.

A guerra é de agora, mas as colónias são tão antigas que parece já devíamos ter posto perante nós este problema de ter uma marinha mercante que merecesse este nome.

Se foi feito qualquer esforço, não sei até onde ele foi, apenas podendo constatar que tem sido insuficiente.

À tal importação indispensável a manutenção pública temos de acrescentar neste momento - e já foi muito maior- cerca de 300:000 toneladas de carvão.

E aqui, Sr. Presidente, vamos de encontro a outro problema cuja responsabilidade não podemos enjeitar e que é o problema da electrificação nacional.

A guerra passada foi há mais de vinte anos e esta veio encontrar-nos exactamente na mesma situação; e, assim, eu digo que de algumas culpas temos de nos penitenciar, porque não podemos esquecer que destes vinte e tantos anos boa parte passou sob a vigência da actual situação.

O problema da hidráulica, como força motriz, é um problema basilar, fundamental, da nossa economia. Sem termos força motriz barata não podemos realizar nada na indústria nem na agricultura. Com força motriz importada julgo que não poderemos conseguir aquilo de que a indústria e a agricultura tanto necessitam.

De maneira que, Sr. Presidente, parece ter chegado o momento, depois de termos batido no peito e confessado as nossas culpas, de não nos deixarmos cair noutro erro como este; quer dizer: que não venham os nossos netos ou - quem sabe? - os nossos filhos encontrar-se perante nova guerra precisamente na situação em que nos encontramos agora.

Suponho que não, porque estou informado de que o estudo da barragem do Castelo do Bode está concluído. A esse projecto se chama ainda um anteprojecto, mais propriamente por escrúpulo de consciência que por qualquer outra razão, pois é na verdade um projecto completo. Houve o cuidado até de ouvir autoridades estrangeiras, por se tratar, segundo nos informa também o Sr. relator, de uma barragem de grande altura, que poderia talvez trazer preocupações.

Ouviu-se o decano da Universidade de Grenoble, Maurice Gignoux, e o professor Coyne, que é um geólogo eminente. Segundo as informações que tenho, o projecto, repito, está praticamente concluído e apto a ser realizado.

O ilustre relator parece que não vê o projecto com grande simpatia.

S. Exa. trouxe-nos uns números pelos quais poderemos inferir que a energia produzida por esta barragem será porventura mais cara do que a de outro sistema que S. Ex.ª advoga; mas ainda assim mesmo, quando

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vemos o preço de custo da energia produzida por essa barragem e sabemos aquilo que pagamos hoje, que inveja, que ansiedade, não se põe no nosso espírito por ver realizada essa obra.

De qualquer maneira direi, Sr. Presidente: não pretendamos arranjar uma solução óptima, visto que o óptimo é inimigo do bom. Se esse estudo está feito, está concluído e capaz de ser executado, que se realize, porque para o muito que se encontra ainda por fazer

sempre haver forma de atenuar, se houver motive para isso, qualquer carestia de preço que resulte da execução desse estudo.

O que digo é isto: é preciso começar a resolver este problema, mas começar de facto, porque chega a parecer inconcebível que nos tenhamos mantido nesta situação apenas com interesse dos que nos exportam para cá o carvão e com dificuldades para nós e atrofia do nosso desenvolvimento económico.

Faço, pois, os meus melhores votos por que nesse campo se entre em matéria de realizações. Se porventura esse projecto é arrojado, tanto melhor, porque ao menos teríamos começado com uma obra que se impunha, para nos dar a certeza de se fazer tudo o que é indispensável que se faça.

Sr. Presidente: ainda uma outra observação.

Diz o ilustre relator sobre o trabalho da Junta Autónoma de Estradas palavras de elogio que estão no sentir de todos nós. É indubitável que essa Junta tem trabalhado por forma a bem merecer de todo o País; mas quero fazer uma observação, e observação que por circunstâncias especiais tenho tido ocasião de verificar que é inteiramente de consignar.

As estradas construídas neste País têm aumentado

extraordinariamente, e isso já justificaria a necessidade de aumentar-se a verba necessária para a sua conservação, porque é evidente que quanto mais estradas houver maior será o dispêndio na sua conservação.

Mas paralelamente aumentaram todos os encargos, aumentou o custo dessas reparações, e no entanto a verba mantém-se a mesma.

Aproveito o ensejo para chamar a atenção do Governo para a absoluta conveniência de equiparar essa verba as necessidades actuais, porque, a não ser assim, apesar de todos os esforços, apesar da boa vontade e da proficiência da Junta Autónoma de Estradas, é evidente que começarão a aparecer estradas escangalhadas, e V. Ex.ªs já sabem, por uma dura e amarga experiência do passado, que a estrada que não se conserta é uma estrada rapidamente arruinada, que não só não tem nenhuma utilidade económica, mas é um factor de desordem económica.

Feito este apelo para que o Governo encare um problema da maior magnitude como é a reparação das estradas, até mesmo pela tradição de horror que há no nosso espírito e recordação do tempo em que as estradas eram um amontoado de buracos, absolutamente intransitáveis, e para que não volte de novo ao País essa tradição, faço votos por que a verba de reparação de estradas entregue à Junta Autónoma seja de molde a poderem-se reparar todas as estradas.

Pedindo desculpa da minha impertinência, de ter alongado tanto as minhas considerações (não apoiados) e dando o meu voto à aprovação das contas, agradeço a atenção que me dispensaram.

Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - A ordem do dia da sessão de amanhã será a continuação da discussão das Contas Gerais do Estado referentes a 1942 e também a apreciação das Contas da Junta do Crédito Público.

Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 45 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

José Pereira dos Santos Cabral.
Manuel José Ribeiro Ferreira.

Srs. Deputados que faltaram a sessão:

Acácio Mendes de Magalhães Ramalho.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Cruz.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Amandio Rebelo de Figueiredo.
Artur Proença Duarte.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
João Garcia Nunes Mexia.
Joaquim Saldanha.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
Júlio César de Andrade Freire.
Luiz Cincinato Cabral da Costa.
Luiz José de Pina Guimarães.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Pedro Inácio Álvares Ribeiro.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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