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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 77

ANO DE 1944 5 DE ABRIL

III LEGISLATURA

SESSÃO N.º74 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 4 DE ABRIL

Presidente: Exmo. Sr. José Alberto dos Reis

Secretários: Exmos. Srs.

José Manuel da Costa
Augusto Leite Mendes Moreira

SUMÁRIO - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 11 minutos.

Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão do parecer sobre as Contas Gerais do Estado de 1942, tendo usado da palavra os Srs. Deputados Carlos Borges, Querubim Guimarães, Marques Mano e Araújo Correia.

Foram aprovadas, por unanimidade, Contas, mediante uma proposta de resolução apresentada pelo Sr. Deputado Araújo Correia

O Sr. Presidente encerrou a sessão
às 18 horas e 15 minutos

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Alfredo Luiz Soares de Melo.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Amandio Rebelo de Figueiredo.
Ângelo César Machado.
António de Almeida.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cristo.
António Rodrigues Cavalheiro.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur de Oliveira Ramos.
Artur Ribeiro Lopes.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto Leite Mendes Moreira.
Carlos Moura de Carvalho.
Augusto Leite Mendes Moreira
Fernando Augusto Borges Júnior.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco da Silva Telo da Gama.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
Jaime Amador e Pinho.
João Ameal.
João de Espregueira da Rocha Páris.
João Luiz Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes Arnaut Pombeiro.
José Alberto dos Reis.
José Alçada Guimarães.
José Clemente Fernandes.
José Dias de Araújo Correia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Luiz da Silva Dias.
José Manuel da Costa.
José Maria Braga da Cruz.
José Ranito Baltazar.
José Rodrigues de Sá e Abreu.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz de Arriaga de Sá Linhares.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Lopes Vieira de Castro.
Luiz Mendes de Matos.

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Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Luíza de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Querubim do Vale Guimarães.
Quirino dos Santos Mealha.
Rui Pereira da Cunha.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 55 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 11 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente:- Não posso por à votação os Diários das duas sessões de ontem porque ainda não vieram da Imprensa Nacional.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como não está ninguém inscrito para antes da ordem do dia, vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Borges.

O Sr. Carlos Borges: - Sr. Presidente: não tenho a pretensão de discutir o parecer sobre as Contas Gerais do Estado como um técnico. Não sou nem financeiro, nem contabilista, nem economista, e creio mesmo, Sr. Presidente, que não é neste aspecto que a Assembleia Nacional tem do apreciá-las. O julgamento da Assembleia Nacional é principalmente um julgamento político, e tanto assim que, se este julgamento se não fizesse ou se as Contas não fossem aprovadas, ficava tudo no mesmo plano, não havia responsabilidades, não havia que pagar, nem que restituir, nem que receber. Ficava tudo na mesma.

0 que se faz é para apreciar a gerência no seu aspecto político, no beneficio que traz para o País a maneira como foram despendidas as verbas orçamentais, no sacrifício que ao País pode ter sido imposto na cobrança de impostos para fazer face às despesas.

É a apreciação da vida política do País que se faz através das contas públicas.

Como muito bem diz o relatório que tenho na mão e que está presente, é milagre que ainda haja um governo a apresentar, com ritmo inalterável e nas épocas constitucionais, notícia pormenorizada onde claramente se mostra o modo como se gastaram os dinheiros públicos.

Nesta confusão, neste caos da vida da Europa, em que tudo se esfacela, em que tudo se confunde e se destrói, sem se saber o que ressuscitará destas ruínas, no meio desta tormenta e desta desorientação, há uma coisa certa: a de que em Portugal se administra com escrúpulo o dinheiro público, todos cumprem o seu dever, as contas são apresentadas com cuidado e apreciadas com elevação e imparcialidade, e, salvo o que me diz respeito, com reconhecida competência.

Temos, portanto, que assinalar, que pôr em foco, que estamos discutindo as contas da gerência de 1942 dentro dos prazos previamente estabelecidos e por forma que, só por si, mostra qual é a situação económica, finan-

ceira, social e moral do País neste momento difícil da humanidade.

E isto não pode deixar de ser em louvor do Governo, e sobretudo de quem tão superior, tão nobre, tão genialmente, o dirige. Não pode deixar de ser em louvor do Governo que tem sabido manter-nos nobre e dignamente na paz interna e no respeito do estrangeiro, cumprindo com delicadeza e elegância todos os seus deveres, sem faltar a nenhuma das suas obrigações e sem fugir a nenhuma das suas responsabilidades.

Apoiados.

Foi desafogado - diz o relatório da Comissão Revisora de Contas - o ano de 1942.

A situação financeira do País foi boa. Cobraram-se as receitas necessárias para fazer face às despesas, realizaram-se as despesas sem recorrer a nenhum expediente e sem sentir nenhuma dificuldade.

Entre essas despesas, algumas não foram exageradas e até foram diminuídas.

Há uma para que eu não posso deixar de dar todo o meu aplauso: a que se refere à construção de um Hospital Escolar em Lisboa.

Dizem-me que o edifício que está em projecto tem oito andares, onde podem instalar-se 1:500 camas, o que deve resolver o problema gravíssimo, angustiante, da hospitalização em Lisboa, onde parece que os hospitais não têm capacidade suficiente para abrigar todos os doentes que a eles acorrem.

O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª dá-me licença?

Uma das razões por que os nossos hospitais não têm capacidade suficiente para todos é a de que os doentes estão muitas vezes internados mais tempo do que aquele que seria preciso.

O Orador: - Essa poderá ser uma das razões, mas também há outras. Pode ser realmente que um ou outro doente se demore no hospital mais tempo do que o necessário; é, de resto, uma maneira de ficar ao abrigo da miséria, muitas vezes. Mas vezes há em que se conservam nos hospitais mais tempo do que o preciso também por razões de ordem terapêutica. E ainda há outros motivos a considerar. O número de doentes aumentou e o número de pessoas abastadas que podem tratar-se na sua própria casa diminuiu bastante. Perdeu-se o horror ao hospital. Em Portugal havia três coisas a que o pobre tinha horror: primeiro, à cadeia, depois ao quartel e depois ao hospital.

Para não irem para a cadeia portavam-se bem. Para não irem para o quartel recorriam a todas as influências, a todos os padrinhos, e procuravam até na lua quem lhes pudesse valer para não irem para soldados. Não trazer as correias às costas era a aspiração suprema de muitos rapazinhos de 18 anos.

Depois o hospital. Era a perspectiva apavorante para qualquer doente, possivelmente porque então não encontravam nesses estabelecimentos o conforto que já hoje ali se encontra, principalmente naqueles que estão confiados à enfermagem religiosa.

Fez-se uma grande especulação política à volta da enfermagem religiosa. Essas santas mulheres que fazem a enfermagem em hospitais que eu conheço, por mim ou por pessoas de família, oferecem um exemplo de abnegação que dificilmente atingem as profissionais, mesmo as melhores.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Isto é da minha observação, infelizmente.

Não há enfermagem como a voluntária. Não há enfermagem como a que tem como fundamento a abnegação de quem a pratica. Quem faz de uma profissão o seu

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ganha pão, por muito amor que lhe dedique, tem sempre atrás de si o lado material da paga. Quem trabalha por amor de um princípio muito alto e muito transcendente desprende-se de tal maneira da materialidade e dá o coração, os nervos, a vida, a saúde e a alma.

Apoiados.

Faço votos, portanto, Sr. Presidente, por que as obras do Hospital Escolar de Lisboa se realizem com a maior rapidez. Parece que devem estar concluídas em quatro anos, mas eu desejaria que esse prazo fosse reduzido para dois anos ou para um, porque além de um grande melhoramento de carácter material e também uma necessidade cultural, visto que me informam que na Faculdade de Medicina de Lisboa há professores que não têm enfermarias para darem as suas lições.

E isto, numa cidade como Lisboa, que é a capital do Império uma deficiência absolutamente lamentável.

Noutro sector da administração pública também houve diminuição de despesas. Foi no dos melhoramentos rurais.

Devo dizer, Sr. Presidente, que, para mim, os melhoramentos rurais têm sido os melhores instrumentos do conhecimento que se tem levado às populações do País de que a administração pública iniciada com a Revolução de 28 de Maio é inteiramente diversa da desadministração que se fazia antigamente.

É precisamente nos melhoramentos rurais que deve assentar a boa, a honesta, a sã, propaganda da política que estamos fazendo.

Porém, não é só sob o aspecto político, mas também sob o aspecto moral e social, que devemos encarar este problema.

Nós andamos sempre a falar no perigo do urbanismo, do absentismo, da fuga do campo para a cidade, que têm, de facto, - consequências gravíssimas. E não há hoje ninguém que não reconheça quão perigoso é o êxodo dos campos. E um mal social que é preciso ponderar, e com os melhoramentos rurais bem orientados combate-se a fuga da terra para os grandes centros populacionais.

0 que é preciso, pois, é rodear as populações rurais de certo conforto moral e de certo bem-estar material.

Diz o parecer que é indispensável fazer um plano de caminhos vicinais, e eu entendo que esse plano é necessário que se faça em todos os distritos, para todos os melhoramentos, e não apenas para os caminhos vicinais.

É preciso que nos lembremos que ainda há muitas aldeias onde não existe sequer um simples chafariz, que há aldeias que não têm uma bomba e que a água para usos domésticos é extraída de fontes de mergulho, onde se lavam as próprias vasilhas em que há-de ser transportada.

O Sr. Melo Machado: - Dá-se isso até bem perto de Lisboa.

O Orador: - Creio bem.

Por outro lado, há aldeias que têm chafariz, que têm lavadouro e bons edifícios escolares, e outras que não têm chafariz, que não têm lavadouro, que não têm coisa alguma. Porquê? Porque as câmaras municipais, mercê de influências várias, consagram todo o dinheiro a uma povoação e deixam absolutamente abandonadas outras ao lado.

Parece-me, Sr. Presidente, que seria de toda a conveniência que o Ministério do Interior mandasse elaborar um plano para cada concelho e que nenhum melhoramento se fizesse sem esse plano estar concluído. Deste modo, quando feito numa povoação certo melhoramento, outro não poderia ser realizado enquanto as demais freguesias do concelho não tivessem melhoramento idêntico.

O Sr. Clemente Fernandes: - V. Ex.ª dá-me licença? Um concelho conheço eu, o de Vinhais, onde um conjunto de dezasseis ou dezoito povoações, conhecido pela região de Lomba, não tem estrada, sendo completamente impossível drenar os produtos, por os caminhos serem inacessíveis.

Essa estrada consta já do actual plano, pelo que urge construí-la quanto antes.

Quanto a fontes, mais de 70 por cento das povoações do mesmo concelho, têm ainda as clássicas fontes do mergulho.

O Orador : - Por isso digo que as verbas relativas a melhoramentos rurais deviam aumentar no futuro orçamento, em vez de diminuir; mas em 1942 baixaram em 1:048 contos.

Depois, Sr. Presidente, as despesas com os melhoramentos rurais tem influência também nos salários, nas crises de trabalho em certas épocas do ano; o que tem valido em certas ocasiões é a bondade de alguns proprietários, que às vezes procuram inventar que fazer para dar dinheiro as populações necessitadas.

Vozes : - Muito bem !

O Orador : - Sr. Presidente : não vem nas Contas nada a respeito de organismos corporativos, mas ontem o nosso ilustre colega Dr. Clemente Fernandes referiu-se a esses organismos e frisou as diferenças verdadeiramente extraordinárias que apareciam entre o preço de compra dos produtos ao lavrador e o preço dos mesmos produtos entregues no porto de Lisboa - fob é a expressão consagrada.

Realmente este facto é para considerar e urge, talvez, organizar um processo de evitar que certos grémios, convertidos em verdadeiros trusts, diminuam consideravelmente aquilo que ao produtor é legítimo receber pelos seus produtos, para fazerem um lucro não só imoderado, mas que repute ilícito e até prejudicial para a própria organização.

O Sr. Clemente Fernandes:- V. Ex.ª dá-me licença? Ontem não referi, mas sei também que vale mais o direito a exportar 3:000 quilogramas de castanhas do que produzir 6:000 quilogramas, pois os exportadores compram e vendem cotas pelo dobro do preço que pagam à lavoura.

O Orador: - Parece-me, Sr. Presidente, que ainda não está bem revisto o problema da exportação de produtos nacionais que são ao mesmo tempo consumidos no País e cujo excedente, ou uma parte, é exportado. Que nós tenhamos um tabelamento rigoroso, apertado, para as coisas essenciais à vida e consumidas em Portugal, eu compreendo, julgo-o indispensável; o Estado tem o direito de fazer essa restrição e nós temos o dever de a aceitar e cumprir estritamente.

Mas quando se trata de produtos que são destinados ao estrangeiro, não compreendo que o produtor esteja sujeito a um preço de tabela, quando esses produtos não têm tabela nenhuma para serem colocados, e isso só pode redundar em prejuízo dos produtores.

O Sr. Deputado Clemente Fernandes falou na castanha, nas frutas, nas resinas, mas outras coisas mais se poderiam indicar, como, por exemplo, as madeiras, com as quais se têm feito fortunas formidáveis (apoiados). À custa de quem? A custa do produtor, à custa do lavrador, que precisa de estar - ele e sua família - cinquenta e sessenta anos à espera que as árvores cresçam e se desenvolvam para depois as venderem por um preço vil. Isto é escandaloso, precisa de correctivo e de remédio.

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Deposito tanta confiança no homem que nos dirige - e por quem tenho, como todos os portugueses sinceros, uma grande veneração - que estou convencido de que este problema não há-de escapar ao seu espírito e que há-de ser resolvido por forma a fazer-se justiça.

Outro problema não menos grave ainda no corporativismo: surgem de vez em quando questões importantíssimas no seio dos grémios - aplicação de multas graves e de sanções que podem chegar à cessação temporária da actividade -, e isto faz-se pela respectiva direcção do grémio, às vezes com recurso para a organização imediatamente superior e por fim para o Sr. Ministro da Economia.

Todos sabem que tenho pela pessoa do Sr. Ministro da Economia a maior consideração e sei que é uma pessoa de bem, impecavelmente de bem.

Mas o que é certo é que o Sr. Ministro da Economia não deve assumir todas as responsabilidades das decisões das variadíssimas discussões suscitadas no seio dS55es organismos, que, como, aliás, já fiz notar, têm uma grande importância.

Por outro lado, no desenvolvimento da organização corporativa há um princípio liberal: a escolha dos directores é feita por eleição, e tudo isto está a indicar a necessidade absoluta de criar um contencioso corporativo.

Se para a classe sindical, se para os sindicatos nacionais, se para regular as relações dos trabalhadores entre si ou destes com a classe patronal se criaram os tribunais do trabalho, entendo que, com uma magistratura similar, é indispensável criar o contencioso corporativo, para onde possa levar-se a discussão livre e aberta, às claras, de todos os problemas que se põem no seio dos grémios.

Um grémio faz uma distribuição de contingentes. Há que exportar, como frisou ontem o Sr. Deputado Clemente Fernandes, um certo numero de caixas e a direcção do grémio faz um rateio de tal maneira que uns comerciantes ficam com 30 e outros com 4:000 caixas. É evidente que esta distribuição de contingentes é absolutamente inadmissível. Absolutamente inadmissível.

E para onde há-de recorrer o prejudicado? O melhor seria recorrer logo para o tribunal do contencioso corporativo e a este competiria indicar se houve ou não má distribuição.

Claro que não são precisos muitos tribunais, o que é preciso é que exista um tribunal onde se vá com segurança, onde não haja necessidade de pedir licença para lá entrar, porque V. Ex.ªs sabem que nos Ministérios, no seio dos grémios e dos organismos corporativos, é preciso pedir licença com chapéu na mão, e às vezes não nos deixam entrar. Ao passo que nos tribunais os juízes estão sempre prontos a atender e a despachar.

O Sr. Ângelo César: - O juiz é obrigado por lei a fundamentar os seus despachos, e hoje aí não se fundamenta nada.

O Orador: - É que aquilo é para mandar e não para obedecer.

0 que é certo é que é indispensável criar um organismo, um contencioso corporativo, para onde se levem essas questões, onde se possa perguntar, no caso de uma distribuição mal feita, qual foi a razão dessa distribuição. Fulano teve o maior quinhão, a parte de leão, e os outros não tiveram quase nada! Não está certo! Não pode ser!

O Sr. Querubim Guimarães: - V. Ex.ª dá-me licença ?

Para não estar depois a falar neste assunto, queria dizer o seguinte:

É que a razão disso está em que, sendo entregue a uma comissão reguladora todo o material a distribuir no País, esse material não aparece no mercado legal o aparece no mercado negro!

O Orador: - Isso é já uma questão de aspecto criminal, e eu não estou a ocupar-me dessas questões. Não quero dizer que nos organismos corporativos se não procede correctamente. O que há é um ou outro caso em que o interesse de um ou de muitos se sobrepõe a doutrina e até ao bem comum. O facto que V. Ex.ª cita provém de uma fraude, provém de um delito, que deve ser severamente punido.

E com um bocadinho de boa vontade talvez se pudesse descobrir como é que se abastece o mercado negro, em prejuízo do mercado legal.

Termino as minhas considerações, Sr. Presidente, o termino-as da mesma maneira por que as comecei: faço votos, Sr. Presidente, por que na próxima legislatura, quando tivermos de apreciar as Contas Públicas de 1943, eu possa fazer, como faço hoje, a minha apreciação com optimismo, com louvor para o Governo, com satisfação para todos nós, portugueses, que vamos caminhando tranquilamente, pacificamente, fazendo ainda alguma coisa, construindo quando os outros destroem, edificando quando os outros estão a demolir e, enfim, com os olhos postos em objectivos tão altos e tão generosos, que oxalá eles possam sobrepor-se às calamidades e às catástrofes que estão desabando sobre o mundo.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Querubim Guimarães: - Sr. Presidente: fecham-se os trabalhos da Assembleia com a apreciação das Contas Gerais do Estado, cabendo portanto pronunciar-nos sobre a maneira como foram geridos os negócios públicos, dado o balanço à soma total das receitas e à importância global das despesas, examinadas umas e outras detalhadamente nas várias secções ou grupos em que possam subdividir-se. É esse trabalho de apreciação que nos pertence fazer uma das mais delicadas atribuições que constitucionalmente nos são conferidas e de maior significado na vida da Assembleia Nacional como órgão de soberania.

Assim como logo ao iniciar os nossos. trabalhos conferimos ao Governo, pela lei de meios, a faculdade de realizar as possibilidades de assegurar a sua gestão no ano respectivo, logicamente nos é dado o direito de examinar como essa gestão se exerceu e se as respectivas contas apresentadas merecem ou não a nossa aprovação.

Daqui se conclui, Sr. Presidente, sem esforço, como a função fiscalizadora da Assembleia é do maior relevo, da maior importância, que, fraccionando-se no decorrer das sessões em vários casos particulares, se encontra, no final, na apreciação geral da acção administrativa do Executivo.

0 ilustre relator do parecer que nos foi presente e que há anos vem, no mesmo ritmo e com a mesma proficiência, lúcida e claramente expondo os seus pontos de vista e fazendo o consciencioso exame das contas públicas, põe-nos, logo de entrada, um problema que, excedendo propriamente o âmbito de apreciação da matéria em causa, tem, nos factos que decorrem e na observação do que se passa no mundo, tão perturbado - anunciador, tudo isso que nos esmaga o cérebro e nos excita os nervos, de uma grande transformação política e social que está em curso e de que mal se apercebem ainda, no

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fragor da luta, os delineamentos principais -, a sua plena e completa justificação.

S. Exa. coloca-nos perante o dia de amanhã, previne a Nação da necessidade de se preparar para novas concepções de vida, procurando constituir um sólido arcaboiço que, após o armistício, na tão desejada mas tão perigosa hora da paz, possa resistir ao abalo que sofrerá o mundo, já tão habituado ao clima de guerra que só a ideia de que esse dia, tão ansiado, da deposição das armas pode surgir, e praza a Deus que em breve surja, atormenta os espíritos dos homens públicos, dos economistas, dos Estados e dos particulares.

Quando há tempos se anunciaram possibilidades de paz com imaginários encontros de personalidades responsáveis dos países beligerantes, o mundo da finança e dos negócios de tal modo se perturbou, principalmente nos dois grandes centros - Nova York e Londres -, que um bólide caído do espaço na terra, fragorosa e distruidoramente, não faria talvez maiores temores.

Estranho paradoxo, bem revelador o facto de um plano superior, inapreciável à inteligência humana e que transcende todas as possibilidades de previsão e organização.

Apresenta o ilustre relator do parecer o problema, bem de natureza constitucional, e na hora própria afinal, pois já aqui se votou um projecto de antecipação de revisão da Constituição vigente, da função que ficará a pertencer no futuro a Assembleia Nacional e antevê que ela se limitará a fiscalização dos actos da administração pública.

A função legislativa pertencerá exclusivamente ao Executivo, como o órgão próprio para essas atribuições, visto nenhuma entidade se encontrar em condições semelhantes, pelo conhecimento directo dos vários problemas da vida administrativa do País, para sobre eles se pronunciar e providenciar.

Parece-me com efeito que tudo leva a crer que nesse sentido se marchará e que nos próprios países que mais galhardamente erguem a flâmula da democracia, ou por ela, pelo menos, dizem bater-se, as atribuições das grandes Assembleias legislativas serão reduzidas a um mínimo comportável com as exigências de antigas tradições e com a conveniência de satisfazer ainda algumas correntes de opinião de relevante valor.

Mas a função fiscalizadora é já muito para estas Assembleias e de manifesta utilidade para os interesses do País - exercida, é claro, com ponderação e espírito de bem servir e não com sentimento sectário - , como também pode não ser nada

E pode realmente não ser nada se a Assembleia tem hesitações ou escrúpulos demasiados e se deixa impressionar por susceptibilidades da Administração que lhe coarctem a legítima liberdade, aquela liberdade que é afinal imperativo do próprio mandato, a liberdade que não é a licença doutros tempos, apenas impulsionada, como vimos nas anteriores Assembleias que esta precederam e como nota o relatório, pela paixão política e não norteada pelos altos interesses da Nação.

Eram assim esses tempos de lutas partidárias, em que o principal objectivo era o ataque por sistema, para derrubar o adversário.

E não se hesitava nos processos.

Já Rodrigues Sampaio, o "Sampaio" da "Revolução de Setembro", dizia que tudo era legítimo para conseguir esse fim, mesmo a arma caluniosa, porque da calúnia alguma coisa fica sempre.

E tudo vinha à supuração, até a vida privada do adversário, assoalhada em charges candentes ou entrevista em reticências clamorosamente compreensíveis nos debates parlamentares.

Houve homens públicos, de extraordinário valor, que se inutilizavam para a vida do Governo, assim expostos,

tantas vezes em imaginários ou inventados defeitos, à irrisão pública, de que nem sempre conseguia ilibá-los o coro laudatório dos correligionários.

Da calúnia fica sempre rasto... Hoje, porém, o espírito é outro e essa é, a meu ver, a maior conquista da Revolução Nacional.

"Tudo pela Nação, nada contra a Nação" é lema que nos norteia a todos, ao Governo e a Assembleia Nacional, e assim, nesse sentido superior de cooperação, se deve entender a fiscalização por nós exercida, fazendo-nos porta-voz da nossa consciência, eco das justas e legítimas reclamações da opinião pública.

É este ainda, Sr. Presidente, o único campo onde ela pode manifestar-se no quadro daquela liberdade a que acabo de me referir. Por isso convém prestigiar este órgão nacional no seu duplo fim - órgão de representação da opinião pública, órgão de colaboração com o Governo.

Ir além deste duplo ponto de vista, ou abrindo a porta a todas as reclamações, as menos consistentes por mais suspeitas ou particularmente interessadas, ou entregando-se a uma quase passividade, de permanente concordância com o Governo, é inutilizar por completo a sua função e portanto levá-la ao seu desaparecimento.

Nem sempre o louvor é o melhor para o Governo. Uma crítica sensata, uma censura conscenciosa, embora errada, garante-lhe, perante a opinião pública, maior prestígio, sobretudo quando se se está em erro e a Administração se apressa a esclarecê-lo, a explicá-lo, dando assim plena satisfação as justificadas exigências do interesse nacional que aqui representamos.

Sr. Presidente: o que recentemente fez o Ministério das Obras Públicas a respeito da intervenção do ilustre Deputado Dr. Antunes Guimarães sobre um diploma por aquele Ministério recentemente publicado é prática a seguir por todos os Ministérios, a mais útil, a mais proveitosa para a política do Governo e para os interesses do País.

Já aqui louvou essa atitude o nosso ilustre colega Sr. Melo Machado e a esses louvores me associo inteiramente.

Mas, ficando à, Assembleia apenas a função fiscalizadora, dá-se aos vogais da Administração o exclusivo de legislar, e, sendo assim, afirma o ilustre relator, torna-se evidente o recrutamento de uma burocracia à qual concorram os mais altos valores intelectuais.

De acordo, tão evidente é que os Ministros encontram nos funcionários do seu Ministério os mais prestimosos auxiliares e indispensáveis informadores para a execução dos seus pianos. Para muitos iniciados esse ambiente é escola.

Mas direi a este respeito que me pareceu opinião do ilustre relator ser esse o campo de mais proveitosa acção legislativa para o futuro.

Já aqui ontem o ilustre Deputado Sr. Antunes Guimarães fez uma observação a esse respeito, de não concordância absoluta, pois aos homens de Estado compete a elaboração dos planos gerais, as grandes directrizes da política.

Não me parece na verdade que aí se possa encontrar tudo; encontra-se muito, mas não tudo; encontra-se a parte informativa, que é importante, e mais nada.

O Sr. Araújo Correia: - V. Ex.ª dá-me licença? Esse ponto que levantou aqui ontem o Sr. Dr. Antunes Guimarães, e que V. Ex.ª levanta agora, esclarecê-lo-ei em poucas palavras. Não é isso que V. Ex.ª diz que realmente vem no parecer; é um pouco diferente do que lá está.

O Orador: - É possível, mas parece-me que V. Ex.ª entende que o recrutamento deve fazer-se pela selecção

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da superior capacidade intelectual. Ora eu a esse respeito faço as seguintes observações:

Não é só preciso que eles sejam os mais competentes intelectualmente. Não se pode prescindir, é claro, além de uma competência moral indiscutível, de confiança política inequívoca, para que não é bastante a declaração formal de concordância exigida para a entrada no exercício do cargo.

Mas pergunta-se:

Poderá o recrutamento para a burocracia fazer-se proveitosamente nesse campo da selecção intelectual a que alude o relatório?

Ponho as minhas reservas, Sr. Presidente. Em país pobre, de limitados recursos -pois as nossas receitas, embora, como documenta o parecer, mostrem um apreciável acréscimo nos últimos cinco anos, atingindo em 1942 um total de 3.081:576 contos, dos quais 2.967:824 representam receitas ordinárias, traduzindo assim um aumento de cerca de meio milhão de contos relativamente ao ano anterior e mais de um milhão do que se cobrou em 1930-1931, são uma gota de água no oceano imenso das receitas dos grandes países - , não pode pagar-se ao funcionalismo naquela proporção compensadora que aos cargos públicos faça atrair os melhores seleccionados.

Não pode deixar de reconhecer-se que o nosso funcionalismo, na mediania dos recursos que lhe são proporcionados, se desobriga condignamente do encargo que tem aos ombros e em muitos casos excede-se em trabalho tão prestante e tão difícil que só uma especial competência pode valorizar.

Honra lhe seja.

Mas, em concorrência o Estado com as grandes empresas particulares, onde pode exercer-se uma acção muito mais ampla e mais liberta de óbices e dificuldades, de mais largos horizontes e possibilidades, melhor assegurado o futuro em capitalização a que não podem equiparar-se as por vezes míseras pensões de reforma e aposentação, que quase representam ingratidão do Estado, não me parece que este leve a melhor e não sinta o afastamento, pela fuga para maiores interesses, dos que melhor o poderiam servir.

A cada passo isso se v, e nem mesmo o uso das licenças ilimitadas tem outra significação.

Quantos regressam aos seus cargos oficiais?

Seria interessante saber.

Vem a propósito aqui de novo referir-me, embora ligeiramente, ao problema dos reformados e dos aposentados, cuja situação para alguns é verdadeiramente aflitiva.

A minha intervenção numa das nossas sessões, pelo conhecimento particular de alguns casos em que os reformados e aposentados por força da lei, quando, embora válidos, não encontram colocação onde possam exercer a sua actividade, são torturante exemplo de honestidade e resignação, sujeitando-se por vezes aos maiores sacrifícios, trouxe até mim, em muitas dezenas de cartas, a notícia de tantos outros que por esse País fora, perante a carestia da vida cada vez maior, sentem o abandono dos Poderes Públicos, que durante tantos anos serviram com dignidade e competência, e a quem é negada até a própria pensão de reforma ou aposentação a que se julgavam com direito e que uma remodelação dos serviços lhes nega, embora tenham, desde o início da sua entrada nos quadros, concorrido com a respectiva cota para essa espécie de capitalização em que se traduz a pensão.

Acontece, perante essa reforma dos serviços da Caixa de Aposentações, que os respectivos interessados ou têm de contrair um empréstimo para entrar com milhares de escudos na Caixa, para que esta possa pagar-lhes a pensão a que tinham direito, ou renunciam a ela e limitam-se a receber a insignificância que lhes garantem, e que é, muitas vezes, triste pretexto para lhes iludir a fome.

E depois, Sr. Presidente, há situações verdadeiramente contraditórias e lamentavelmente comprometedoras - funcionários da mesma categoria aposentados antes da reforma dos serviços recebendo muito mais que outros que depois da reforma se aposentaram.

Sr. Presidente: não se impõe, na verdade, uma remodelação completa destes serviços, de modo a suprimirem-se estas anomalias, que tanto comprometem o nome do Estado Novo, que, ao mesmo tempo que proclama como lema que enquanto houver um lar sem pão a revolução continua, esquece os que o serviram, dando assim contraditório exemplo aos que nas actividades particulares obriga a concorrer para o bem-estar dos seus antigos trabalhadores, velhos ou inválidos, entrados assim no período de uma reforma imposta pela doença ou pela idade?

Com que autoridade é que o Estado aplica aos outros normas de proceder de que se isenta?

Para prestígio do Estado Novo urge que se providencie de modo a pôr termo ao que se passa. Deste lugar, e ao encerrarem-se os trabalhos da Assembleia, eu apelo para o clarividente espírito do Sr. Ministro das Finanças, para a inteligência e boa vontade do Governo, para que se estude esse problema, que, se é melindroso no seu aspecto financeiro, não me parece exceder as possibilidades do Tesouro, uma vez que, num novo arranjo das nossas possibilidades, se destinem às classes inactivas maiores verbas, ainda que com sacrifício de outras, embora úteis pelos serviços que representem, mas adiáveis. As classes inactivas, segundo o parecer, custaram ao Estado 179:751 contos. Mas é preciso notar que o mesmo parecer, no capítulo respectivo, pp. 45-46, prevê um maior aumento de despesa com as classes inactivas, concluindo nestes termos:

"As classes inactivas são, como acaba de ver-se, um ónus apreciável sobre as finanças públicas. Representam cerca de 8 por cento do total das receitas ordinárias. Contudo a tendência nesta matéria é para maior despesa.

Apesar das melhorias que resultaram da reforma de 1929, quando se criou a Caixa Geral de Aposentações, não se pode considerar resolvido ainda o problema".

Permito-me chamar a atenção do ilustre relator do parecer para as considerações que acabo de fazer a propósito dessa reforma.

Sr. Presidente: é ocasião, a propósito deste capítulo, de abordar, embora levemente, este problema:

O que se tem feito a favor das chamadas classes médias?

Têm elas merecido ao Estado, porventura, o interesse necessário?

Pode afoitamente dizer-se que nada se tem feito a seu favor, apesar de essas classes terem na economia do País um lugar preponderante, como garantes principais da unidade nacional.

Todos os economistas lhe reconhecem esse valor.

Escreve um deles - professor de ciências políticas e sociais no Instituto Superior de Comércio Santo Inácio, de Anvers - Albert Müller S. J., nas suas Notes d'Économie Politique, primeira série do lições dadas ao seu curso e publicada em 1933:

"Situadas na hierarquia social a igual distância das classes superiores, abundantemente providas de bens, e das classes inferiores, votadas à pobreza ou à miséria, as classes médias encontram numa pequena fortuna ou em rendimentos medíocres os elementos de uma honesta o decente subsistência".

E continua abaixo, marcando o seu papel na sociedade:

"Uma classe média numerosa e próspera é, para a sociedade, uma garantia de ordem e estabilidade; cons-

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titue o traço de união entre as classes extremas e oferece aos elementos sãos das classes inferiores uma ascensão gradual aos graus mais elevados da escala social".

Acrescentando ainda:

"Ora, sob a influência da lei de concentração dos capitais e das rendas, as classes médias sofrem uma crise que ameaça a sua existência.

Importa trabalhar energicamente pela sua conserva-

ção".

Isto dizia o ilustre professor em 1933, antes, portanto, de rebentar o tremendo conflito que tão gravemente atingiu o seu país.

Que dirá ele hoje se ainda é vivo e sobre o assunto lhe é permitido escrever?

Ao traçar, em luminosa síntese, o quadro que o problema lhe oferece, o distinto professor pergunta:

"A quem incumbe essa tarefa? (o trabalhar pela sua conservação)".

E responde:

Aos Poderes Públicos em primeiro lugar e aos próprios interessados depois. Aos Poderes Públicos, isso resulta:

"a) Das exigências do corpo social, cujo desaparecimento das classes médias comprometeria a sua estabilidade;

b) Da impossibilidade em que elas se encontram de remediar por si sós o mal que sofrem;

e) Da própria parte que a autoridade pública toma no progresso da concentração. O que não tem ela feito para favorecer a grande indústria e o grande comércio? A equidade exige que ela não recuse o seu concurso ao progresso das pequenas profissões e mesteres".

Isto parece doutrina incontestável.

O favor que os Estados dispensam à grande indústria e ao grande comércio, sobretudo em países fortemente industrializados, embora pequenos, como a Bélgica, é evidente.

Não se discute essa política, desde que por equidade, como diz o Prof. Müller e por conveniência direi também, se não esqueçam as pequenas indústrias, os pequenos mesteres, o pequeno comércio, as pequenas actividades, que representam, como vimos, a grande maioria e o mais sólido bloco das nações.

Qualquer outra que seja a política económica dos Governos é perigosa e prejudicial.

0 mesmo autor, para pôr a necessidade dessa política mais em evidência, cita, em sen abono, um país industrializado ao extremo, dos mais industrializados do mundo, a Alemanha, que levou a doutrina para a própria Constituição (a de 1919), declarando no seu artigo 164.º:

"A classe média independente, na agricultura, nas profissões, no comércio, deve ser encorajada pela legislação e pela Administração e protegida contra os encargos excessivos e a absorção".

Sr. Presidente: em face destes princípios, de novo pergunto: 0 que se tem feito entre nós a favor das classes médias?

Têm-se desenvolvido sim uma intensa e forte política social.

As classes trabalhadoras têm sentido grandemente os benefícios da Revolução. Já, quando da discussão da proposta da Assistência, me referi ao esforço e actividade desenvolvidos pelo Sub-Secretário das Corporações e Previdência Social, através do Instituto Nacional do Trabalho, e com o notável zelo dos respectivos delegados, que, por esse País fora, tanto e com tão alta compreensão

se têm dedicado ao problema, devotadamente, carinhosamente, contando entre os trabalhadores as simpatias dum verdadeiro patronato em que confiam absolutamente.

Porque temos nesta Assembleia dignos representantes dessa classe, na sua pessoa a todos saúdo, como cumprimento sinceramente o seu ilustre chefe, o Sr. Dr. Trigo de Negreiros, que, vindo da magistratura, como o seu antecessor, enfrentou esses problemas com superior critério e notável interesse, continuando e melhorando a obra desenvolvida por Rebelo de Andrade, e que o actual nosso Embaixador em Madrid, de especial competência no assunto, iniciou em Portugal.

Mas, se tanto se tem feito já no campo da protecção às classes trabalhadoras, com manifestos benefícios para as mesmas, de toda a espécie, e de que é preciso destacar, o que faço sempre com grande satisfação, pela grande simpatia que me merece, como homem do litoral, a respectiva classe, a obra realizada pelas Casas dos Pescadores, de que pode considerar-se paradigma, pela sua modelar organização, a que só falta o bairro económico, a Casa dos Pescadores de Setúbal, que, na semana passada, tive, com outros prezados colegas, por amável convite do seu digno presidente, o ilustre Deputado comandante Sá Linhares, o prazer espiritual de visitar e examinar em todos os seus detalhes.

Daqui saúdo sinceramente S. Exa.

Na verdade é notabilíssima a obra social das Casas dos Pescadores.

V. Ex.ª, Sr. Dr. Carlos Borges, não é do litoral...

O Sr. Carlos Borges: - Eu sou da Serra da Estrela, lá dos píncaros; de nascimento e de raiz. Tudo quanto há de mais beirão, mas, por adopção, sou da Figueira da Foz.

Sou, por isso, um pouco de granito da Serra da Estrela...

O Orador: - Eu sei... mas V. Ex.ª tem pouco de granito, porque é todo coração.

Se, porém, V. Ex.ª não está em contacto com os homens do litoral, estou eu; e, por isso, quero chamar a atenção de V. Ex.ª para este facto: é que nas Casas dos Pescadores, devido sobretudo à acção dos seus dignos presidentes, os capitães dos portos, presidentes natos, que vivem e sentem a vida admirável de trabalho dessa gente simples, sóbria e ao mesmo tempo heróica nas lides do mar, onde tanta vez arrisca a vida, não se encontram os vícios que V. Ex.ª, Sr. Dr. Carlos Borges, notou há pouco existirem nos grémios. O mesmo acontece com os sindicatos, onde também a organização é outra e nela superintendem os delegados do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, a cuja actividade e dedicação já me referi.

Sr. Presidente: vou terminar, lembrando ao Governo essa classe, a classe média até agora tão esquecida, e na qual se pode integrar o nosso funcionalismo, sobretudo o pequeno funcionalismo, a que é preciso conceder o indispensável bem-estar a que tem direito, em períodos calamitosos como o que passa, a sua mediania, garante, como já referi, da estabilidade social, papel que todos os economistas reconhecem a essas classes.

Fala-se no parecer na diminuição das receitas provenientes da importação, o que não admira, visto não entrarem no País, em virtude da guerra, das necessidades dos países beligerantes e da falta de transportes, as mercadorias que nos são necessárias.

Em compensação, há aumento de receitas provenientes da exportação, o que me não parece índice, de um modo geral - as exportações -, de uma situação económica feliz do povo exportador. Citam, em exemplo desta tese, os economistas o que se passa na Índia, grande exportadora de arroz e onde se morre de fome por vezes.

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A exportação só é verdadeiramente índice apreciável quando se exporta apenas o supérfluo e não o necessário.

Ora não sei se no quadro das nossas exportações actuais, não falando nos minérios, figura apenas o supérfluo.

Defenda-se pois, volto a dizer, essa conclusão, a classe média, faça-se uma política tendo em atenção os seus legítimos interesses, defenda-se o pequeno proprietário, o pequeno agricultor, o pequeno industrial, de modo que numa política bem equilibrada e prudente da distribuição dos bens materiais haja a verdadeira riqueza, um bem-estar geral, para que não se cavem abismos entre as várias classes sociais.

Um economista, estudando o problema na Inglaterra, baseado nas estatísticas de 1899 a 1914, quanto as sucessões, verificou esta flagrante desigualdade: enquanto em 27:500 ricos a soma global atingia 250 milhões de libras, as restantes 685:500 sucessões não atingiam 30 milhões.

Tenho dito.

Vozes:- Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Marques Mano: - Sr. Presidente: não venho aqui tratar desenvolvidamente dos assuntos. a que me vou referir; venho apenas chamar a atenção para esses assuntos e fá-lo-ei ainda muito ligeiramente segundo o que me for ocorrendo.

Ao relatório tão notável do Sr. engenheiro Araújo Correia sobre as Contas Públicas junta-se um estudo especial sobre o problema hidroeléctrico do País. No primeiro período do seu último parágrafo nele se nota que é agora tempo de tratar desse problema, porque o aproveitamento dos rios de Portugal na sua energia está na base da economia nacional.

Já de outra vez eu tive ocasião de procurar fazer a demonstração de quanto a defesa do nosso sistema económico tinha para nós uma importância vital. Agora, restringindo o problema, eu desejaria contribuir para se esboçarem os princípios gerais da posição administrativa em que se deve propor o problema da energia na construção económica da Nação.

Os elementos da construção económica de um país são muito diversos; mas a energia é, entre eles, o elemento prevalente da construção. Podemos deduzi-lo já da localização dos centros industriais em relação com as espécies de bens económicos. Eles estão situados junto das fontes de energia, e não junto dos mananciais de matérias primas. As matérias primas estão disseminadas pelo mundo; algumas supõem a cultura de áreas imensas, que envolvem toda a superfície da terra; com relação às matérias primas, de um modo global, como é suposto pela grande indústria de hoje, e não pela indústria parcelar de preparação, não há razões especiais de localização.

Essa localização seria em qualquer caso administrativamente menos onerosa junto das fontes de energia. Como todos os centros industriais, estes teriam de carrear do mundo inteiro as suas matérias primas; mas, ao contrário daqueles, não teriam de carrear a energia, e essa vantagem bastaria para dominar os mercados. Acresce, porém, que os outros concorrentes seriam ainda tributários destes pela aquisição de energia, e essa posição traduzir-se-ia, quando, apesar de tudo, fosse possível a produção concorrente, nos processos de política económica necessárias para extinguir os concorrentes. A única forma que tem um país de evitar essa dependência é, pois, a de criar, na medida do possível, fontes próprias de energia.

A criação das fontes de energia não deve, além disso e em caso algum, ser prevista apenas em face das empresas que, de facto, a precisam ou prometam precisar dela. A importância desta condição ilustra-se melhor com um exemplo de construção social cujo exame é cheio de interesse.

Numa das nossas grandes províncias ultramarinas traçou-se um dia um grande caminho de ferro pelos pontos menos próprios à exploração económica do território, pois que visava a drenagem do cobre extraído das minas do centro do continente africano, e por isso não serpenteava unindo as regiões férteis mas dirigia-se directamente à fronteira.

0 objectivo desse caminho de ferro falhou, mas do facto dele resultou uma transformação profunda do território.

Para esse caminho de ferro convergiram estradas, formando espinha; para essas estradas convergem caminhos indígenas; e uma imensa região aparece ocupada de vilas e cidades, claras, higiénicas, bem traçadas, ocupadas por população branca. Porque, por aquela via de drenagem e distribuição sobem os materiais de construção, o agasalho, a alimentação dos colonos, e descem os valores com que adquirem o que é necessário à vida pode dizer-se que ela é uma veia de sangue, a mais longa, e a mais caudalosa da nossa ocupação no ultra-mar.

0 caminho de ferro foi aberto no território imenso e inexplorado, e ficou em oferta dez ou quinze anos a todos os empreendimentos que a supusessem. Por que ele se construiu desse modo, antecipando-se, embora sem os prever, a esses empreendimentos, a província se transfigurou, e daquela sua parte aufere o montante maior das suas receitas, extrai a maior parte da sua exportação e oferece o melhor exemplo da colonização portuguesa.

As fontes de energia têm de conceber-se da mesma forma. Elas têm de ser feitas antecipando-se a todas as necessidades previsíveis, e ficando em oferta a todos os empreendimentos, para que todos os empreendimentos as aproveitem e de per si transfigurem também a estrutura e aparência do nosso sistema económico.

Os aproveitamentos hidroeléctricos são, por fim e em regra, concebidos em consideração das receitas e despesas de cada empreendimento.

As receitas dos empreendimentos que estabeleçam as condições gerais de produção não têm de ser previstas directamente; têm de ser cobradas pelo fomento geral dessa produção, têm de ser cobradas depois nas empresas e nas actividades que se criam. Aquela empresa não tira os lucres que outras aplicações dão ao capital. Mas ao Estado conviria tê-la realizado, porque na vida que ela fomentou ele colhe o que se não poderia de modo algum ter previsto.

A realização das condições de energia indispensáveis a um sistema económico nacional tão forte quanto possível é realmente um grave empreendimento. E a grandeza, a dificuldade e o tempo supostos pelo problema vêm afinal, e como sempre, a conduzir-nos à consideração do problema político.

Essa empresa supõe um Estado forte, contínuo, cônscio da sua missão. Exige a doutrina do regime, sem a qual não é concebível a doutrina da empresa. Exige a convicção absoluta no facto e seu conceito e impõe que todos se unam à volta do ilustre Chefe de Governo.

Decerto, nós oferecemos-lhe a segurança de uma dedicação inalterável; oferecemos-lhe a certeza de que cada português cumprirá o dever nacional de o compreender, apoiar e seguir em todas as emergências internas ou externas que se proponham à defesa, que lhe está confiada, dos interesses nacionais; oferecemos-lhe a confiança absoluta em que, sob o seu comando, a

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Nação atravessara com honra a crise do mundo e com honra realizará os seus destinos na paz.

Vozes : - Muito bem!

O Orador: - Mas não basta. Há sempre aqueles que não querem compreender que da empresa da Revolução Nacional depende de facto a vida do País por uma longa era, que essa empresa depende da forma do Estado, que o Estado em acção depende da autoridade do seu condutor; e aquele feixe de vontades que o Chefe do Governo aglutinou deve lembrar-se sempre que um dia será na unidade de todos os portugueses que a Providência experimentará esta Nação, e que há, por isso, que mantê-la contra tudo e contra todos. É como um elemento dessa força de unidade que eu termino prestando homenagem ao Sr. Presidente do Conselho.

Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Araújo Correia: - Sr. Presidente: cumpre-me agradecer todas as provas de atenção e incentivos que, aqui e lá fora, tenho recebido de muitas pessoas que felizmente, e cada vez em maior número, se interessam pelas contas do Estado.

Se passo horas, dias e até meses na tarefa ingrata de escrever longos relatórios, é para cumprir um dever de consciência. E entendo que a Assembleia Nacional prestigia a administração pública quando, seriamente, com independência e saber, faz reparos, expõe alvitres, sugere soluções, para o suave andamento da engrenagem administrativa.

Sr. Presidente - : tratam-se no parecer das Contas deste ano três ou quatro questões que me parece ser necessário debater e analisar por pessoas de mais merecimentos do que o seu relator. Todas afectam. muito a nossa vida económica e social, e, até certo ponto, da sua resolução acertada depende o grau de prosperidade das gerações que hão-de vir depois de nós. Entre elas cumpre destacar: o desenvolvimento dos recursos hidroeléctricos dos nossos rios; os resultados do censo de 1940 em matéria de instrução primária; a competência das assembleias representativas; e, embora de menor importância, a necessidade de alojar convenientemente os serviços públicos, sobretudo na capital, em coordenação com uma reforma profunda que os torne mais eficientes, mais práticos e menos burocráticos.

Era meu propósito, já o foi há alguns anos, penetrar um pouco mais fundo no estudo das condições de vida do nosso povo em matéria de saúde, habitação e regime alimentar. Mas, além de ser extremamente difícil a colheita de elementos sobre muitos aspectos destes momentosos assuntos, propostas de lei enviadas recentemente a esta Câmara, relativas à assistência e casas económicas, já parcialmente tentaram encontrar remédios para alguns dos males patentes a todos. No entanto não desisti de por diante de V. Ex.ªs os aspectos mais relevantes das necessidades da nossa vida social e das medidas que convém adoptar.

Ninguém melhor do que eu pode julgar da modéstia destas minhas contribuições para resolução de tão vastos problemas. Desde há muito reconheço a necessidade de fazer intervir no seu estudo todos aqueles que os conhecem em conjunto, ou nas suas variadas facetas, porque tenho observado que a complexidade da vida moderna e os poderosos anseios dos povos em matéria de progresso social dão aos problemas da sua organização características e aspectos desconhecidos em outras épocas. Nós não podemos, por exemplo, considerar a saúde pelo lado de simples sofrimento físico ou tratar o problema pelo lado puramente assistencial. Os mé-

todos de ordem construtiva, usados com o fim de evitar a perda da saúde, possuem hoje bem mais eficácia e até importância do que propriamente aqueles que tendem a curar a doença. Do mesmo modo a educação e a instrução, em todos os seus graus, não devem ser consideradas só como um instrumento de progresso cultural ou apenas económico. Elas têm de conduzir o adolescente até uma maturidade de pensamento e de ideias que o levem com agrado a reconhecer os valores morais e a devoção ao interesse nacional como um dos fundamentos da vida dos povos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E o mesmo se poderá dizer a respeito de tantos outros problemas políticos e económicos sem solução no nosso meio e que tão escura sombra lançam sobre o viver da nossa gente.

Da complexa organização do mundo contemporâneo resulta que não é um homem ou um pequeno grupo de homens que podem inteiramente delinear os sistemas político-económicos que hão-de enquadrar as sociedades humanas. O trabalho de investigação de realidades, às vezes bem difíceis de descortinar, e de todos os factores que nelas podem influir constitui uma imperiosa exigência que ninguém deve desconhecer. As reformas que as não tomarem em conta serão efémeras e meras aspirações; avolumarão apenas a literatura política do País - não produzirão efeitos práticos. E a nossa dolorosa experiência de muitas dezenas de anos mostra que só quando os problemas são atacados com sentido definido, enfrentando as realidades - como no caso da reforma financeira -, se obtêm resultados positivos e duradouros.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Quando nos pareceres das Contas Públicas se expõem ideias ou se tocam assuntos ao de levo há sempre o propósito de apenas chamar para eles a atenção das entidades sabedoras, convidar a discussão e a crítica. Nunca houve propósitos dogmáticos, mas sempre o desejo de colher elementos, de aclarar assuntos já de si muito complicados, de encaminhar a resolução de problemas instantes - numa palavra -, de contribuir com uma pequena cota parte para o progresso do País.

Se tem havido até hoje especial predilecção por assuntos económicos e porque sinceramente imagino que está neles uma das chaves do problema português.

A desgraça dos números e dos índices relativos à, vida social, nela compreendendo tudo o que diz respeito ao nosso povo, desde a saúde até à dieta alimentar, desde a moradia até às dificuldades monetárias que afligem tanta gente, só pode ser atenuada por maiores rendimentos colectivos e individuais. Isto significa que a produção interna tem de aumentar consideravelmente.

Não há outro meio, e todos aqueles que dobram longas horas a auscultar os anseios da vida humana do País e observam o que outros países tentam aplicar para atender esses anseios não podem deixar de sinceramente, friamente, e sem paixões políticas, que escurecem muitas vezes o raciocínio, deixar de apontar, repito, a necessidade instante e premente de melhorar os instrumentos da produção. Só dessa melhoria podem resultar acréscimos nos rendimentos.

Sr. Presidente: acontecerá, porventura, que alguns se surpreendam com a grande diferença das receitas e despesas ordinárias do ano de 1942. Ela atingiu cerca de 930:000 contos - e por isso foi possível liquidar mais de 800:000 das despesas extraordinárias com o excesso das receitas ordinárias.

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Aqueles que julgarem por esta razão poder ser reduzido o peso tributário devem lançar as suas vistas para a estrutura orçamental em matéria de despesas. E se isso fizerem, hão-de verificar que os serviços de saúde consomem pouco mais de 8:000 contos; que as Universidades, sobretudo na sua capacidade e apetrechamento laboratorial, precisam de reforço de dotações; que os hospitais não têm ainda o número de camas suficiente; que grande número de repartições do Estado se encontram dispersas por toda a cidade, às vezes em casas alugadas e impróprias; e que, apesar de ser já imensa a obra do Estado Novo em muitos aspectos da vida social, ainda diante de nós todos aparece nitidamente um enorme somatório de coisas que é mester realizar para que seja levado a cabo o programa de reconstrução imposto pelos pioneiros da Revolução de Maio de 1926.

A soma de 3 milhões de contos de receitas em 1942 é grande. Suponho, porém, que a carga tributária não é exagerada no momento presente, embora as circunstâncias mostrem estar mal repartida - e todas as medidas que tendam a evitar desigualdades flagrantes e injustas devem aplicar-se cuidadosamente e com urgência.

Mas quem estiver a par das condições reais do mercado não poderá dizer que o imposto sobre lucros excessivos foi exagerado. Ele rendeu em 1942 cerca de 187:000 contos. Basta reflectir um pouco, sem necessidade de maiores estudos, sobre as cifras do activo do Banco de Portugal, na parte relativa à existência de moeda estrangeira, ou sobre o valor dias transacções prediais e outras, para imediatamente concluir sobre lucros excessivos. Arrecadando deles uma modesta soma, o Estado, que por uma hábil política externa os tornou possíveis, fez menos do que o que devia fazer, dada a perniciosa influência que esses lucros, em certos aspectos, tiveram e continuam a ter na economia nacional e sobretudo na vida social.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- E sempre difícil dizer se são baixas ou altas as receitas de um país. Elas têm de ser relacionadas com os rendimentos. É um erro a estimativa optimista dos rendimentos, por exemplo, da propriedade rústica, onde são os mais aleatórios, porque, se eles não atingirem a cifra prevista, nunca o proprietário poderá inverter na terra as sobras da sua exploração - e de um modo geral a cegueira saudável, perdoe-se o paradoxo, do nosso homem do campo lança na terra uma grande parte daquilo que a terra lhe deu.

A comparação das nossas receitas por habitante com as de outros países coloca-nos num nível demasiado baixo. Isto, que a muitos parecerá um bem, tem como resultado insuficiência de dotações e indica fracos rendimentos unitários. Aumentá-los deve ser um dos nossos principais objectivos. E isto só pode conseguir-se pelo melhor aproveitamento dos recursos nacionais.

Sr. Presidente: vejamos agora o grande capítulo das despesas.

Escrevi numa das passagens do relatório que há necessidade de rever a estrutura orçamental na parte relativa à sua distribuição. Vamos ter diante de nós, logo a seguir à guerra, problemas de alta transcendência política, social e económica. Uns, os primeiros, estão relacionados com a própria estrutura da Europa e pode dizer-se do mundo - dizem respeito à nossa política externa. Constituem hoje uma incógnita em toda a parte. São basilares para a vida do nosso povo. Estão actualmente em boas mãos e tenho fé que os havemos de resolver, como resolvemos outros bem graves em tem-

pos de guerra. Os segundos, os serviços sociais, formam um emaranhado de questões de ordem construtiva, como a saúde e a educação, e de previdência, como os seguros sociais e de assistência. E ninguém poderá dizer que não seja urgente a sua resolução entre nós. E, finalmente, os terceiros, de ordem económica, nos seus variadíssimos aspectos, tendem a melhorar de maneira considerável o desenvolvimento dos recursos internos.

Para atender a esta vasta obra, que as ruínas da guerra impõem a todos os países neutrais e beligerantes, há necessidade de estudar antecipadamente planos de conjunto, pormenorizá-los, dar-lhes corpo, vida e realidade. Nada no mundo actual se pode fazer sem reflexão e trabalho. E por isso há vantagem, e já é tempo de impulsionar o estudo das actividades que se hão-de desenvolver depois do conflito.

As notas sobre o problema hidroeléctrico publicadas este ano no parecer também tentam dar elementos para este trabalho. As considerações preliminares sobre o funcionamento das assembleias representativas expõem a orientação que ressalta do exame cuidadoso dos trabalhos das modernas assembleias parlamentares - até nos países em que há pouco tempo ainda elas governavam e legislavam soberanamente, com os conhecidos trágicos efeitos lá fora e entre nós. E devo corrigir neste lugar a interpretação que parece ter sido dada a certas passagens do relatório. Não se escreveu serem os especialistas que determinam os princípios gerais e orientadores das sociedades modernas - as bases em que elas devem assentar. Isso é função política que compete às assembleias e ao Governo.

0 que o especialista terá de fazer, e já o está fazendo em muitos países, e transformar essa ideias em sistemas jurídicos de actuação que não colidam e antes se ajustem às circunstâncias políticas, económicas e sociais do meio - evitar que leigos no pormenor deliberem sobre coisas que não conhecem.

Se forem postos em prática alguns planos que tendam a melhorar as condições da nossa vida económica e social, hão-de ser precisos vastos recursos monetários.

A simples estimativa para a produção, transporte, distribuição e uso de 1 bilião de unidades eléctricas deu logo a cifra de 2 milhões de contos, e, se se tiver em conta toda a obra de renovação dos nossos transportes marítimos e terrestres, para não falar nos aéreos, o reajustamento e modernização da nossa indústria, antiquada em muitos aspectos, o que há a fazer em matéria social e em outras modalidades da vida económica, além da renovação de reservas de produtos em todas as nossas actividades comerciais, agrícolas e industriais, ter-se-á ideia das vastas somas que é mester despender.

Não nos podemos deixar embalar por grandes ilusões. Temos de ser serenos e comedidos nos nossos projectos e ambições. Razão de sobra para estabelecer prioridade nas despesas, para aplicar os fundos disponíveis nas obras mais rendosas, para vigiar constantemente o gasto dos dinheiros públicos. Tem sido essa uma das minhas ingratas tarefas - às vezes com êxito, outras vezes sem ele - , porque eu sei que ainda em muitos aspectos da Administração se não aplicam as dotações com o maior rendimento possível.

As receitas do Estado vêm até ele ás vezes com sacrifício. Despende-las sem esquecer esses sacrifícios e extrair delas o maior proveito possível deve ser uma norma fundamental na Administração.

Estou certo de que ninguém contesta hoje os nossos enormes progressivos financeiros. Ainda não atingimos o mesmo nível em outros aspectos da vida nacional. Fazer tudo o que humanamente seja possível para o atingir é um dever que se impõe a todos. Cobrir os abusos

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que porventura envenenem a vida do País e também dever de quem governa. Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem ! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Está encerrado o debate.

Encontra-se na Mesa uma proposta de resolução subscrita pelo Sr. Deputado Araújo Correia. É redigida nos seguintes termos:

"A) As receitas públicas cobriram amplamente as despesas do Estado na gerência compreendida entre 1 de Janeiro de 1942 e 31 de Dezembro do mesmo ano;

B) As receitas adaptaram-se tanto quanto possível as condições económicas da Nação e foram cobradas conforme as bases votadas na Assembleia Nacional e mais preceitos legais;

C) As despesas públicas ordinárias o extraordinárias efectuaram-se nos termos da lei;

D} Os saldos de anos económicos findos não contribuíram com qualquer importância para as despesas;

E) Contraíram-se empréstimos no total de 113:752 contos, que tiveram a aplicação estatuída nos preceitos constitucionais;

F) O saldo de 127:063 contos apresentado nas contas de 1942 é verdadeiro e legítimo;

G) Merecem, pois, aprovação as Contas Gerais do Estado relativas ao ano de 1942".

Vai votar-se.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Como a hora vai adiantada, vou encerrar a sessão. Designo para a ordem do dia da sessão de amanhã, em primeiro lugar, a discussão das contas da Junta do Crédito Público, em segundo lugar, o projecto de lei do Sr. Deputado Melo Machado.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

João Duarte Marques.
José Pereira dos Santos Cabral.
Manuel José Ribeiro Ferreira.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Acácio Mendes de Magalhães Ramalho.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Cruz.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre de Quental Calheiros Veloso.
António Cortês Lobão.
Artur Proença Duarte.
Cândido Pamplona Forjaz.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
João Antunes Guimarães.
João Garcia Nunes Mexia.
João Pires Andrade.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Saldanha.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
Júlio César de Andrade Freire.
Luiz Cincinato Cabral da Costa.
Luiz José de Pina Guimarães.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Joaquim da Conceição e Silva.
Pedro Inácio Álvares Ribeiro.

O REDACTOR - M. Ortigão Burnay.

Rectificação

O Sr. Deputado Querubim Guimarães enviou para a Mesa a seguinte rectificação ao Diário n.º 74, da sessão de 1 de Abril: na p. 370, col. 2a., 1. 66a., onde está: "a Câmara", leia-se: "Carrara"; na p. 371, col. 1a., 1. 51a., a expressão "mesures de sûreté" é um título.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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