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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES
N.° 126
ANO DE 1945
24 DE JANEIRO
ASSEMBLEA NACIONAL
III LEGISLATURA
SESSÃO N.° 123, EM 23 DE JANEIRO
Presidente: Ex.mo Sr. José Alberto dos Reis
Secretários: Ex.mos Srs.
Manuel José Ribeiro Ferreira
José Luiz da Silva Dias
SUMÁRIO: — 0 Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.
Antes da ordem do dia. — Foi aprovado o Diário da última sessão.
Os Srs. Deputados Antunes Guimarãis e Duarte Marques referiram-se à situação difícil em que se encontram os autores da estátua da Guerra Peninsular.
Ordem do dia. - Realizou-se mais uma sessão de estudo da proposta de lei de fomento e reorganização industrial.
0 Sr. Presidente encerrou a sessão plenária às 16 horas e 20 minutos.
O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 55 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Acácio Mendes de Magalhãis Ramalho.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Luiz Soares de Melo.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
António de Almeida.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Rodrigues Cavalheiro.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur de Oliveira Ramos.
Artur Ribeiro Lopes.
Carlos Moura de Carvalho.
Fernando Augusto Borges Júnior.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Henrique Linhares de Lima.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
Jaime Amador e Pinho.
João Ameal.
João Antunes Guimarãis.
João Duarte Marques.
João de Espregueira da Rocha Páris.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luiz Augusto das Neves.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Saldanha.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Alberto dos Reis.
José Alçada Guimarãis.
José Dias de Araújo Correia.
José Luiz da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Rodrigues de Sá e Abreu.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Júlio César de Andrade Freire.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz de Arriaga de Sá Linhares.
Luiz Cincinato Cabral da Costa.
Luiz José de Pina Guimarãis.
Luiz Lopes Vieira de Castro.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
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DIÁRIO DAS SESSÕES — N.º 126
Luiz Mendes de Matos.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel Joaquim da Conceição e Silva.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Rafael da Silva Neves Duque.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 53 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: — Está em reclamação o Diário da última sessão.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Como não há reclamações sôbre o Diário, considera-se aprovado.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Antunes Guimarãis.
O Sr. Antunes Guimarãis: — Sr. Presidente: li há dias na imprensa ter a Câmara Municipal de Gaia, que, ainda em vida do notável escultor Teixeira Lopes, adquirira o autêntico templo de arte onde êle tanto trabalhara, bem como bastantes das suas obras primas, deliberado enriquecer o museu ali instalado com outras manifestações de talento, que constituem o acervo artístico da sua herança.
Tam acertada deliberação...
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — ...que continua e completa a merecida homenagem que aquele corpo administrativo prestara em vida ao ilustre escultor, e na qual não pode deixar de reconhecer-se certo grau de magnanimidade, levou-me a recordar o quási sistemático calvário da numerosa e distinta pléiade de artistas que naquele torrão privilegiado deixaram o seu génio bem impresso tanto no barro macio como no ferro forjado, bem como no mármore esculpido e no bronze fundido e cinzelado.
Um autêntico martirológio.
Soares dos Reis, o príncipe da escultura nacional e autêntico mártir da arte, suïcidou-se em Vila Nova de Gaia, no recanto pobre onde o seu génio tantas maravilhas produzira, deixando a viúva e dois filhinhos na miséria.
Joaquim Gonçalves da Silva, estatuário e decorador, que trabalhara com Teixeira Lopes nas célebres portas da Candelária e noutras obras de arte, deixou a viúva e oito filhos sem recursos.
Albino Barbosa, o artista que pintou as admiráveis imagens da Rainha Santa e Santo Isidro, de Teixeira Lopes, caiu em profunda neurastenia, após as maiores dificuldades, e assim morreu.
Augusto Santo, o conhecido escultor de «Cabeça de Estudo» e «Ismael», actualmente nos museus do Pôrto
e de Viseu, foi vítima da tuberculose, após um calvário de dificuldades.
José Fernandes Caldas, depois de ter criado numerosas imagens, hoje muito apreciadas, viu-se forçado, pelas inclemências com que sempre lutara, a emigrar quando já era muito velho.
Mas... para tristezas já basta!
Sr. Presidente: tenho aqui, porque me enviaram, como a todos os meus ilustres colegas, um folheto intitulado Justa súplica.
Faz o relato das atribulações dos irmãos Oliveiras Ferreiras, o arquitecto a quem devo a honra da sua oferta e o escultor que já deixou êste mundo, e em condições que o empurram para o martirológio dos artistas de Gaia, a que acabo de aludir.
São, nem mais nem menos, os autores da «obra-prima do monumento comemorativo da Guerra Peninsular» (palavras do Sr. general Carmona), que «é a glória dos artistas e honra da Nação», como escreveu Salazar.
Constituindo, na opinião do malogrado engenheiro Duarte Pacheco, «o primeiro monumento português construído no nosso século» e sendo, como pensa o Dr. Júlio Dantas, «dos mais belos e mais originais monumentos das nossas praças públicas», «vale como formosa lição cívica: preito aos mortos ilustres e incitamento aos vivos», na frase lapidar do Sr. Cardeal Patriarca.
«Consagra — como escrevera o ilustre Presidente desta Assemblea —, de par com a memória dos heróis, as virtudes cívicas do povo português, que, no conturbado período das invasões francesas, melhor que ninguém afirmou o seu patriotismo e a indomável altivez da raça lusitana».
No referido folheto Justa súplica regista-se também a homenagem pelo Dr. Reinaldo dos Santos prestada ao esfôrço dos artistas, bem como a afirmação de quanto o insigne escultor Teixeira Lopes apreciara o talento daqueles seus discípulos e ainda outros muitos e valiosos testemunhos de alto aprêço que seria longo enumerar.
Sr. Presidente: se não é raro surpreender forasteiros a admirar a obra monumental que Machado de Castro deixou no grandioso Terreiro do Paço e se, ao passar na Rua do Alecrim, acontece deterem-se os passos para regalar o espírito na contemplação do mármore que Teixeira Lopes esculpira em homenagem a Eça de Queiroz, é muito raro passar-se junto do monumento da Guerra Peninsular sem que se verifique a presença dos que, na frase do Dr. Manuel Rodrigues, «ali se detêm a observá-lo e a mirá-lo e nêle encontram sempre alguma cousa de novo, de perfeito, uma perfeição maior do que aquela que a memória guardava do exame anterior».
E, além dos artistas, é freqüentíssimo ver ali numerosos representantes do povo, «os heróis anónimos da rua — segundo o pensamento do Dr. Alfredo de Magalhãis —, na sua máscara enigmática e vincada, cândida, concentrada e promissora, que diante dele param e se congregam, embevecidos silenciosamente na própria obra de ontem, de hoje, de amanhã. Os monumentos são feitos para o povo. Só êle os sabe sentir e julgar».
Sr. Presidente: socorri-me do citado folheto para definir o notável monumento da Guerra Peninsular e os respectivos autores, com brochadas felizes de ilustres portugueses.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Pela minha parte reedito o que escrevera há cêrca de dez anos: «foi de aplauso a impressão recebida ao contemplar o belo monumento que perpetua uma página brilhante da nossa história e atesta o valor dos artistas que o conceberam e realizaram».
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Mas agora, volvidos tantos anos, ao verificar que o monumento da Guerra Peninsular continua a ser alvo da admiração geral, reconheço o manifesto acêrto do Sr. Cardeal Patriarca ao escrever:
As mãos milagreiras dos distintos artistas souberam dar à pedra fria vida imortal.
Sr. Presidente: adjudicada, por concurso de 1909, aos irmãos Oliveiras Ferreiras, a construção do monumento da Guerra Peninsular veio a constituir para os dois artistas uma série de contrariedades, sobretudo de ordem financeira, que rematou pela morte de um e pela ruína de ambos!
O que se lê no folheto Justa súplica é profundamente deplorável!
E se logrou aquela obra tam bela chegar ao têrmo e se a capital possue agora um dos mais originais monumentos, devemo-lo todos ao concurso decisivo do Tesouro, garantido desde 1929, isto é, já em plena vigência do Estado Novo e quando Salazar sobraçava a pasta das Finanças.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Pena foi que, simultâneamente, não tivesse sido garantida a conclusão de outro artístico monumento, também votado à justa consagração dos sentimentos de patriotismo afirmados na Guerra Peninsular, mas destinado à cidade do Pôrto.
Bem o merece aquele antigo burgo — Cidade Invicta — porque muito concorreu para repelir as águias imperiais, que, uma vez transposta a muralha pirenaica e a meseta ibérica, ali exerceram a mais cruenta rapina.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Do projectado monumento, da autoria do falecido escultor Alves de Sousa e do arquitecto Marques da Silva, apenas existem os alicerces do pedestal, que, pela sua curiosa, mas desvirtuada silhueta, o público designa por «castiçal».
Bem digna é a capital nortenha de que o Govêrno a auxilie decididamente para que, finalmente, possua, como Lisboa, um monumento condigno das façanhas portuguesas na Guerra Peninsular!
Sr. Presidente: diz-nos o referido folheto que os autores do projecto, para não abandonarem a direcção da obra que o seu espírito concebera e a que tanto queriam, tiveram de aceitar condições que, sob o ponto do vista financeiro, ficavam consideràvelmente abaixo das suas provisões, porque o cálculo então feito pela comissão do monumento não coincidia com o dêles.
Foi assim que (vou ler as palavras da citada monografia) «resolveram os dois artistas aceitar o sacrifício que lhes era imposto duma maneira tam violenta e contrária a todos os princípios, sacrificando tudo, até a própria saúde e vida, pois que a morte do autor escultor foi apressada pelos muitos sacrifícios e preocupações que o seu fraco cérebro suportou pela sua obra, e assim concluíram esta, deixando-lhes um deficit superior a 150.000$».
Sr. Presidente: impõe-se que tam avultado prejuízo seja remediado conforme a justiça e na medida do possível!
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Orador: — Certo estou de que se o Govêrno, em 1929, houvera sido informado com mais exactidão (todos sabemos como são falíveis os cálculos, mesmo quando feitos pelos mais competentes, sobretudo em período de instabilidade de preços), tudo teria sido desde logo remediado.
É bem eloqüente a frase do Salazar no Livro de Honra do Monumento da Guerra Peninsular:
Sinto o maior prazer em ter prestado, desde 1929, o concurso decisivo do Tesouro para a realização de uma obra que é a glória dos artistas e honra da Nação.
Esta frase diz tudo: se a verba concedida veio a resultar insuficiente foi porque os cálculos, por certo devido a circunstâncias imprevistas, ficaram aquém da despesa apontada na monografia.
Mas consta-me que o ilustre titular das Finanças de então, orientado pelo critério de boa previdência, eloquentemente afirmado em toda a sua administração, inscrevera uma verba bastante superior ao proposto pela comissão do monumento da Guerra Peninsular.
Sr. Presidente: ainda recentemente o Estado Novo, dentro das normas da melhor equidade, afirmou a orientação de se evitarem os efeitos gravosos resultantes de circunstâncias económicas anormais na aplicação de cláusulas contratuais fixadas em período normal.
Por exemplo: o decreto n.º 32:432, de 24 de Novembro de 1942, estabeleceu indemnizações aos empreiteiros pelos prejuízos resultantes da alta de preços provocada pela guerra, para satisfação dos quais foi desde logo aberto um crédito de 12:000 contos.
Trata-se de orientação oportuna e justa, e, como tal, digna de louvor, continuada por outros diplomas, que não enumero para não alongar as minhas palavras.
Se o Govêrno, dentro daqueles princípios, ordenasse a revisão das despesas realizadas no monumento da Guerra Peninsular, para cálculo de justa indemnização aos seus autores, evitaria que, ao contemplar-se a obra-prima que se eleva no Campo Grande, o travor das circunstâncias difíceis em que a sua construção se realizou se misture à grande lição de patriotismo e de arte que se encerra no belo monumento da Guerra Peninsular.
Eis o apêlo que dirijo ao Govêrno, convencido de que assim interpreto o pensamento dos meus ilustres colegas e da Nação.
Disse.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Duarte Marques: — Sr. Presidente: a propósito do motivo por que falou o ilustre colega Sr. Dr. Antunes Guimarãis, ou seja do monumento comemorativo da Guerra Peninsular, eu desejo também juntar às palavras de S. Ex.ª o meu apoio, o meu pensamento, homenageando o esfôrço despendido.
Esforçaram-se os artistas irmãos Oliveiras Ferreiras em cumprir um compromisso que a evolução dos tempos de então tornara pesado e inexequível.
O génio não conheceu dificuldades e o resultado dêsse esfôrço sobrehumano perpetua agora um feito histórico através duma manifestação artística entre as mais belas e mais sugestivas.
Apoiados.
O encantamento que o grupo de pedra e bronze nos provoca, entusiasma e aquece esconde uma luta titânica que o sonho dos artistas manteve dura e acesa com a realidade material da sua execução. Conhecedor desta luta atroz, vivendo hoje os terríveis momentos que êsses dois homens viveram na época, eu, Sr. Presidente, não posso deixar de prestar homenagem à heroicidade dêsses dois valores, dêsses dois corações portugueses que souberam, alevantada, sacrificada e dignamente, manter durante essa luta uma coragem tam indómita como indómito foi o sou génio criador na concepção que hoje, em fria pe-
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dra e escuro bronze, nos enternece, nos encanta e nos orgulha.
Disse.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: — Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: — A Assemblea passa a funcionar em sessão de estudo da proposta de lei de fomento e reorganização industrial.
A ordem do dia da sessão de amanhã será ainda a continuação da sessão de estudo da mesma proposta. Será a última sessão de estudo.
Está encerrada a sessão.
Eram 16 horas e 20 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
João Mendes da Gosta Amaral.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhãis.
Alberto Cruz.
Alexandre de Quental Calheiros Veloso.
Amândio Rebêlo de Figueiredo.
Ângelo César Machado.
António Bartolomeu Gromicho.
António Cristo.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco da Silva Telo da Gama.
João Pires Andrade.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes Arnaut Pombeiro.
José Clemente Fernandes.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Ranito Baltasar.
Luiz da Cunha Gonçalves.
D. Maria Luíza de Saldanha da Gama van Zeller.
Pedro Inácio Álvares Ribeiro.
Querubim do Vale Guimarãis.
Rui Pereira da Cunha.
O Redactor — M. Ortigão Burnay.
Imprensa Nacional de Lisboa