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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES
N.° 144
ANO DE 1945
22 DE FEVEREIRO
ASSEMBLEA NACIONAL
III LEGISLATURA
SESSÃO N.° 141, EM 21 DE FEVEREIRO
Presidente: Ex.mo Sr. José Alberto dos Reis
Secretários: Ex.mos Srs.
Manuel José Ribeiro Ferreira
José Luiz da Silva Dias
SUMÁRIO: — 0 Sr. Presidente declarou aberta a sessão as 11 horas e 4 minutos.
Antes da ordem do dia. — 0 Sr. Deputado Soares de Melo falou sôbre a prestação de serviço militar pelos mancebos habilitados com os cursos de pilotagem e de máquinas da Escola Náutica
Ordem do dia. — Prosseguiu o debate, na generalidade, acêrca da proposta de lei de assistência psiquiátrica, tendo usado da palavra os Srs. Deputados Acácio Mendes, Alberto Cruz, António de Almeida e Ranito Baltasar.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 12 horas e 52 minutos
O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à chamada.
Eram 10 horas e 56 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Acácio Mendes de Magalhãis Ramalho.
Alberto Cruz.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre de Quental Calheiros Veloso.
Alfredo Luiz Soares de Melo.
Amândio Rebêlo de Figueiredo.
António de Almeida.
António Cortês Lobão.
António Rodrigues Cavalheiro.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur de Oliveira Ramos.
Artur Ribeiro Lopes.
Carlos Moura de Carvalho.
Fernando Augusto Borges Júnior.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco da Silva Telo da Gama.
Henrique Linhares de Lima.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
Jaime Amador e Pinho.
João Antunes Guimarãis.
João Duarte Marques.
João de Espregueira da Rocha Páris.
João Garcia Nunes Mexia.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Mendes Arnaut Pombeiro.
Joaquim Saldanha.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima
Jorge Viterbo Ferreira.
José Alberto dos Reis.
José Alçada Guimarãis.
José Dias de Araújo Correia.
José Luiz da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Ranito Baltasar.
José Rodrigues de Sá e Abreu.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz de Arriaga de Sá Linhares.
Luiz Cincinato Cabral da Costa.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Lopes Vieira de Castro.

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Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Luiz Mendes de Matos.
Manuel Joaquim da Conceição e Silva.
Manual José Ribeiro Ferreira.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Luíza de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Pedro Inácio Alvares Ribeiro.
Querubim do Vale Guimarãis.
Salvador Nunes Teixeira.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 55 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 11 horas e 4 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: — Como o Diário da última sessão ainda não chegou, não o posso pôr em reclamação.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Luiz Soares de Melo.
O Sr. Soares de Melo: — Sr. Presidente: ao usar da palavra pela primeira vez na Assemblea Nacional apresento a V. Ex.ª as minhas homenagens, não como cumprimento protocolar, mas sim como afirmação sincera pelas elevadas qualidades de V. Ex.ª. Saúdo os Srs. Deputados, sentindo que as minhas limitadas qualidades mais não me permitam do que assegurar-lhes uma camaradagem amiga, sincera e leal.
Em cumprimento das leis n.ºs 1:960 e 1:961, de Setembro de 1937, leis da reorganização do exército e do recrutamento militar, os mancebos recrutados são distribuídos pelas várias escolas de graduados, bem como pelas armas e serviços, em conformidade com as habilitações literário-científicas por êles adquiridas nos vários estabelecimentos de ensino superior, médio e técnico.
Porém, assim não sucede com os recrutados habilitados com os cursos de pilotagem e de máquinas da Escola Náutica, escola de ensino profissional especializado única no País, cuja freqüência êste ano é de cento e oitenta alunos.
Na distribuïção dêsses futuros ou já mesmo oficiais náuticos (pilotos) e maquinistas da nossa marinha mercante não se atende às habilitações técnicas especiais por êles adquiridas e à profissão que escolheram, sendo apenas tomadas em consideração as habilitações obtidas em outros estabelecimentos e que, regra geral, são as exigidas pelo decreto-lei n.º 32:154 para a matrícula na referida Escola Náutica: para o curso de pilotagem, o 6.º ano dos liceus (curso geral) ou o 1.° ano do Instituto Industrial ou do Instituto Comercial; para o de maquinistas, o curso de operário mecânico das escolas industriais ou o curso oficinal do Instituto dos Pupilos do Exército.
Com estas habilitações são destinados à freqüência do curso de sargentos milicianos.
Como se sabe, a marinha mercante constituo a reserva natural da armada e, assim, o decreto-lei n.º 32:445, de 24 de Novembro de 1942, reorganizando as reservas de marinha, estabelece que:
a) A reserva marítima — ou reserva M — é constituída por todos os marítimos durante a vigência da sua matrícula e até um ano depois;
b) Os oficiais da marinha mercante mobilizados são considerados oficiais da armada, durante o tempo de serviço, com os postos que lhes forem atribuídos;
c) Os componentes da reserva M podem ser autorizados a passar à disponibilidade no exército depois de terem concluído com aproveitamento o curso de oficial ou sargento miliciano.
Desta forma, Sr. Presidente, qualquer oficial da marinha mercante, mesmo sem ter tido a mais ligeira instrução militar, poderá ser chamado ao serviço da armada como oficial de reserva, e a composição da reserva M dependerá do número de inscritos marítimos.
Ao mesmo tempo verifica-se que os pilotos e maquinistas mercantes, tendo prestado o serviço militar obrigatório, estilo sujeitos simultâneamente a situações militares diferentes, conforme a fôrça por onde forem chamados a prestar serviço: no exército, regra geral, não terão graduação superior a sargento; na armada terão o pôsto de oficial.
Esta simultaneidade é inconveniente para o serviço, como igualmente são inconvenientes os factos de se atribuírem funções militares navais a quem não tenha a necessária preparação e a variabilidade de composição da reserva M, inconvenientes estes que seriam removidos se fôsse determinado que:
1.° Os recrutados habilitados com os cursos de pilotagem o de maquinista mercante da Escola Náutica, bem como os alunos dêsses cursos, são postos à disposição do Ministro da Marinha, para fazerem na armada o serviço militar e constituir a sua reserva, devendo nela receber a preparação militar naval adequada aos postos e funções que lhes venham a ser atribuídos por efeito de mobilização;
2.° Aos alunos com bom aproveitamento será adiada a prestação do serviço militar para o fim do curso.
Êste adiamento será de um ano, pois os cursos da Escola Náutica têm a duração de dois anos, e, embora constitua um benefício para os futuros oficiais náuticos e maquinistas mercantes, é antes uma vantagem para o serviço.
Como benefício, julgo que os pilotos e maquinistas mercantes, cujo espírito de dedicação, trabalho e sacrifício é sobejamente conhecido, bem merecem tam pequena concessão, que para êles apenas teria como conseqüência evitar que, como agora, o seu curso seja interrompido, por motivo do serviço militar, por período que, por vezes, tem atingido três anos.
A vantagem para o serviço sobrepõe-se ao benefício, pois permitirá que a instrução naval seja dada a indivíduos completamento preparados para a profissão que escolheram, profissão que é a causa determinante da sua inclusão na reserva M.
Desta forma a armada seria um quadro de graduados da reserva M devidamente organizado, instruído e renovado, pelo que tomo a liberdade de solicitar do Govêrno a sua atenção para o assunto que acabo de expor.
Disse.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: — Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: — Continua em discussão a proposta de lei sôbre assistência psiquiátrica.
Tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Mendes.
O Sr. Acácio Mendes: — Sr. Presidente: com a proposta de lei que vai entrar em discussão e se integra

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numa série de importantes diplomas já promulgados, o Govêrno põe em equação um delicado e premente problema nacional e procura, não pròpriamente resolvê-lo, mas estabelecer os alicerces sôbre que há-de levantar-se o belo edifício da sua solução.
O problema, que, nomeadamente nos últimos decénios, tem merecido o mais vivo interêsse dos meios científicos e a mais carinhosa atenção dos poderes públicos em todos os países civilizados, não poderá, evidentemente, ser resolvido só por via legislativa, como aliás sucede com todos os problemas do carácter social.
Utilizando-me de uma terminologia usada em psicologia, tenho menos confiança no poder dinamogénico das íeis, isto é, no seu poder criador do movimentos, do que no seu poder dinamotrópico, ou directivo e disciplinador do movimentos preexistentes ou já iniciados.
E ilustra à maravilha a verdade desta tese o que precisamente se tem passado com a nossa assistência psiquiátrica.
Em 4 de Julho de 1889, isto é, há mais de cinqüenta e cinco anos, promulgou-se em Portugal a primeira lei reguladora dessa modalidade de assistência social, e por ela se dividia o País em quatro círculos para efeito dos serviços de alienados e se autorizava o Govêrno a construir, nos limites do fundo criado pelo artigo 7.°, um hospital para 600 alienados em Lisboa, outro para 300 em Coimbra, ainda outro para 200 na Ilha de S. Miguel e, finalmente, um asilo para oligofrénicos, epilépticos e dementes inofensivos no Pôrto, além de enfermarias psiquiátricas anexas às penitenciárias centrais.
Pois cêrca de vinte anos depois a lamentável estagnação da nossa assistência psiquiátrica, porquanto a lei de 1889 ficou inteiramente sem execução, provocava ainda ao insigne mestre Júlio de Matos estas desoladoras palavras, aliás exageradas, sob outros aspectos, no seu pessimismo negativista, e hoje, felizmente, desactualizadas e descabidas:
País de uma instrução deficientíssima e, portanto, de frouxas correntes de opinião, Portugal não avança unido e em marcha evolutiva, antes dividido e por bruscos saltos intermitentes, que não traduzem estados de consciência colectiva, mas o pensamento de homens preponderantes pela política ou pela fortuna. Daqui a falta de harmonia e proporção em todos os seus órgãos e em todas as suas modalidades dinâmicas. É uma civilização desarticulada e convulsiva a nossa, feita de corcovas e de espasmos, toda em linhas quebradas e abruptas. Isto se vê em tudo; temos alguns grandes artistas, e não possuímos, todavia, uma arte nacional; temos alguns homens notáveis de ciência, um ou outro pensador, e não possuímos, contudo, uma ciência e uma filosofia portuguesa. Tudo o que possuímos de bom é individual e esporádico; a obra colectiva é uma vergonha sem nome. Na questão que nos vem ocupando — a da assistência psiquiátrica — ainda uma vez se verifica êsse transparente desequilíbrio de órgãos e funções.
Três anos depois de escrito êste formidável libelo, manifestamente injusto em muitos pontos, em 11 de Maio de 1911, sob a inspiração e mercê dos esforços, sem dúvida, do mesmo eminente psiquiatra, promulgava-se um decreto, que pode dizer-se o primeiro estatuto orgânico da nossa assistência psiquiátrica e no qual se previa a criação de sete manicómios e dez colónias agrícolas, sendo os primeiros distribuídos em quatro categorias: manicómios do ensino, regionais e criminais e manicómios-asilos.
E no relatório que precede êsse diploma, que não se andará longe da verdade atribuindo-o à pena do insigne alienista, salienta-se ainda o facto de, decorridos vinte e dois anos sôbre a lei de 1889, ela não ter, no menos, começo de execução.
Nos doze anos que viveu depois da promulgação do decreto de 1911, e durante os quais muito se avolumaram as receitas do fundo criado para as construções previstas pela lei de 1889, não conseguiu Júlio de Matos que tivesse qualquer execução o estatuto da assistência psiquiátrica por êle elaborado com esperanças tam optimistas, mas tam flagrantemente iludidas.
O estado da nossa assistência psiquiátrica continuou, pois, preguiçosamente estacionário; os clamores de Júlio de Matos não haviam sido ouvidos pelos poderes do Estado.
A inexecução do decreto de 11 de Maio de 1911 e os rápidos e notáveis progressos da assistência psiquiátrica operados em todo o mundo civilizado, quer por via científica, quer por via legislativa, desactualizaram, como não podia deixar de ser, êsse diploma, que havia indubitàvelmente marcado, no seu tempo, um lugar do mais alto relêvo na evolução legislativa mundial da assistência aos alienados.
Impunha-se, pois, como satisfação de uma iniludível necessidade, que o problema nacional dessa assistência fôsse de novo enfrentado e que outro estatuto lhe fôsse dado.
Também não sou apologista, Sr. Presidente, da superprodução legislativa, seja qual fôr o sector da vida social a que ela se destine.
É que a inflação legislativa é, nos seus efeitos, um fenómeno muito análogo ao da inflação monetária; assim como esta desvaloriza a moeda, assim também aquela deprecia o valor da lei.
A superabundância das leis torna-as, não raro, letra morta, quando, em vez de organizar serviços, os não desorganiza e anarquiza.
Isto não quere, porém, dizer que eu não julgue indispensável a planificação normativa das linhas gerais ou básicas dos regimes jurídicos, dentro de cujos quadros possam e devam movimentar-se as actividades sociais nos diferentes sectores da vida nacional; e é êste o caso da proposta de lei em debate.
E menos ainda quero dizer, Sr. Presidente, que eu seja partidário, como muitos chauvinistas, do isolacionismo do País, até extremos xenofóbicos, quanto à evolução legislativa e ao progresso das instituïções sociais nos outros povos cultos, porque, semelhantemente à lei física do equilíbrio dos líquidos em vasos comunicantes, há também, manifestamente, uma lei de equilíbrio do progresso nos países civilizados.
Sob êste ponto de vista há-de reconhecer-se, forçosamente, que pela sua proposta procura o Govêrno conduzir o País em direcção àquele equilíbrio e propõe se conseguir que êle acerte o passo com as outras nações civilizadas, no que diz respeito à assistência psiquiátrica.
Teria de ultrapassar os estreitos limites do tempo que me impõe a acumulação de trabalhos da Assemblea neste poente da sua actividade na 3.ª sessão desta legislatura se dêsse às minhas, aliás despretenciosas, considerações o desenvolvimento que eu desejaria dar e bem mereceria, pela sua vital importância, a proposta em discussão; sob a pressão do dever de, por essa razão, ter de as comprimir, procurarei limitá-las, pois, ao mínimo possível.
O problema da assistência psiquiátrica é encarado com elevação e realismo na proposta que julgo saïrá desta Assemblea de algum modo melhorada por algumas alterações sugeridas pela Câmara Corporativa e por outras que a sessão de estudo proporá.
As linhas mestras da sua economia, e que poderemos considerar como as coordenadas que permitem situá-lo no plano e dentro dos quadros da assistência psiquiátrica

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do mundo culto, são o que poderá chamar-se a sua tríplice morfologia, a sua estrutura anatómica ou orgânica, e o regime jurídico das garantias da liberdade individual.
Elevado por Pinel o louco à categoria e dignidade do doente e abandonada no período esquiroliano e post-esquiroliano, que se sucede à campanha humanitária daquele professor da Bicêtre e da Salpetrière, a velha concepção da presumida incurabilidade das psicoses, passou o psicopata a ser considerado sob o duplo aspecto de um doente curável e de um pernicioso agente de degenerescência da espécie humana...
Essas novas concepções revolucionaram, ab ovo, nos últimos decénios, a psiquiatria e a assistência psiquiátrica.
E a fecundidade dessa revolução projecta se largamente nos moldes da arquitectura, externa e interna, organização e decoração dos edifícios destinados a recolher os loucos, que perdem todo o seu antigo, lúgubre e exclusivo carácter prisional de autênticas masmorras ou tenebrosos in pace em que, segundo as velhas concepções, os loucos furiosos ou com perturbações mentais aparatosas eram enclausurados indefinidamente, algemados ou acorrentados às paredes nuas de células sem ar, sem luz, sem mobília, sem limpeza nem higiene, ainda as mais rudimentares, e entregues apenas à guarda e vigilância deshumanas, não de enfermeiros, mas de brutais carcereiros.
A tese da curabilidade do doente mental no seu tríplice aspecto — cura médica, cura social, ou simples susceptibilidade de melhoras — tem, em breve, nos dados estatísticos, a sua prova real. Assim, a mero título exemplificativo, anotarei que na Suíça, entre 21:382 doentes mentais que passaram pelos seus estabelecimentos psiquiátricos, de 1929 a 1931, 60 por cento saem curados ou melhorados.
Em Portugal, no ano do 1942, segundo o Anuário Estatístico de 1943, em 909 doentes saem dos estabelecimentos psiquiátricos do continente e ilhas 303 curados e 366 melhorados.
Numa palavra, é de cêrca de 60 a 70 por cento a percentagem de curados e melhorados, segundo a estatística de todos os países.
Se, em face dêstes insofismáveis números, o doente mental é curável, há evidentemente o dever de solidariedade social de o tratar, como qualquer outro doente, em ordem a essa cura.
Por outro lado, se a loucura é curável após a eclosão do mal, ou nos seus efeitos, há também que combatê-la na sua patogenia, prevenindo e afastando as suas causas, imunizando as populações, como em qualquer outra doença, contra a nocividade dessas causas.
E, finalmente, se há doentes mentais ou anormais, crianças ou adolescentes, susceptíveis de educação que evite a perda dêsse valioso capital humano, eduquem-se ou reeduquem-se; é também um imperativo social.
E, assim, dimanam lògicamente das novas concepções da loucura as três modalidades fundamentais da assistência psiquiátrica, universalmente adoptadas e reconhecidas pela proposta — a modalidade da profilaxia ou higiene mental, a modalidade terapêutica e a modalidade pedagógica.
Prefiro a palavra modalidades ao têrmo formas, pela qual a Câmara Corporativa substituía a primeira, salvo todo o meu respeito pela aliás muito autorizada opinião expendida no seu muito douto parecer pelo seu ilustre relator, o eminente académico e homem de letras Sr. Dr. Júlio Dantas, a cujos superiores e tantas vezes comprovados méritos muito me apraz render neste momento e nesta tribuna a homenagem do meu alto aprêço e da minha profunda admiração.
É que, Sr. Presidente, a palavra modalidade, que em nada contende com a índole e com os clássicos processos de renovação do nosso idioma, há muito tem foros de cidade e está integrada no nosso património lexicográfico, tem a sua consagração insistente na terminologia cientifica, o seu placet legal no próprio estatuto da assistência psiquiátrica e em vários outros diplomas, e nem sequer lhe falta o sacramento da confirmação ministrado pelo recente vocabulário ortográfico da Academia das Ciências, que nós tam justificadamente e com tam legítimo orgulho de portugueses temos como paládio e grande arma de defesa da pureza, conservação e expansão da nossa língua.
Está, pois, absolutamente certa a proposta quanto às modalidades da assistência psiquiátrica.
Não cabe no tempo de que disponho analisar desenvolvidamente cada uma delas quanto aos órgãos de execução que lhe são dados o à larguíssima esfera de acção dentro da qual se move cada um. Direi apenas, de passagem, que, relativamente à acção profilática, é mester não esquecer que desempenha papel importantíssimo na sua eficiência e lhe assegura maravilhosos êxitos a psicotecnia ou adaptação e orientação profissional, já aqui focada com tanta proficiência e elevação pelo nosso ilustre colega e meu querido amigo Sr. Dr. Oliveira Ramos, quando foi discutida a proposta de lei sôbre fomento industrial, e que em todas as profissões e actividades tam benéficos resultados produz para as próprias emprêsas, e é como que uma eficaz vacina, em muitos casos, contra afecções mentais.
Pelo que respeita à acção terapêutica, desejo apenas referir-me, ainda que muito sucintamente, à ergoterapia e à colocação familiar, pela importância que revestem. Sem qualquer escrúpulo idiomático, aceito o neologismo ergoterapia, porque é um vocábulo que sinteticamente exprime o tratamento pelo trabalho o ocupação, tem também, há muito, a sua consagração científica, o seu registo nos nossos dicionários, e entrou na língua portuguesa por um dos processos normais de formação neológica — a via erudita —, que, entre as fontes de enriquecimento filológico, não é, seguramente, das menos abundantes e puras.
A palavra tem tanto jus à sua naturalização portuguesa como, por exemplo, as palavras fisioterapia, hidroterapia, helioterapia e outras, de uso tam freqüente; e, como seria empregada num diploma cuja execução tem de ser confiada a técnicos, não corria o risco de ser incompreendida ou mal compreendida.
Mas o têrmo não tem ainda lavrado o assento do seu nascimento no vocabulário a que já me referi, e por isso a comissão de estudo perfilhou, nas emendas que propõe, a sua substituïção por método de ocupação e trabalho.
Notarei ainda que o tratamento ergoterápico não é exclusivo do regime fechado, mas comum a êsse e ao aberto, e porventura mais especialmente adaptável, por óbvias razões, ao regime aberto.
E deve ter-se em vista que a ergoterapia não é muitas vezes mais do que um excelente adjuvante dos outros tratamentos das doenças mentais — o repouso no leito, o isolamento em determinadas condições, a hidroterapia, especialmente a balneação tépida, prolongada ou não e até permanente, a terapêutica medicamentosa, as curas de sono, a terapêutica de convulsionantes, pirética ou pelos chamados choques febris, pela malária ou insulina, o a psicoterapia.
A ergoterapia pode, de resto, revestir diferentes formas — a gimnoterapia, pela gimnástica; a ludoterapia, pelos jogos; a laborterapia pròpriamente dita, pelo trabalho agrícola ou em oficinas apropriadas — e não excluo os recreios ou distracções, como a música, o canto, os espectáculos cinematográficos ou teatrais, etc., todos muito em uso em diversos estabelecimentos psiquiátricos doutros países.

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Não quero ainda deixar de fazer uma referência, embora ligeira, a três princípios ou directrizes que, de um modo geral, dominam toda a acção terapêutica, são a individualização, a actividade e a liberdade vigiada, intra-hospitalar ou asilar, em menor ou maior grau (open-door), que aliás mantêm um grande paralelismo com os princípios que hoje orientam a jurisdicionalização do cumprimento das peias e das medidas de segurança e a rehabilitação dos delinqüentes, e ainda com os que dominam a educação normal, em todos os seus métodos actuais — método Montessori, método Decroly, plano de Dalton, método dos projectos, escolas de Winetka, trabalho em grupos.
Entre as diversas modalidades da acção terapêutica conta-se hoje a colocação familiar, que pode ser homofamiliar, conforme a colocação do doente é na própria família — pouco aconselhável porque é quási sempre vantajoso e, por vezes, mesmo indispensável o desenraïzamento do doente do meio familiar em que eclodiram as suas psicoses —, ou heterofamiliar, isto é, em famílias estranhas, ou nas chamadas colónias familiares.
A assistência ou colocação familiar reveste principalmente quatro métodos: método belga — os doentes são em geral recebidos directamente na multi-secular colónia de Gheel ou na de Lierneux sem assistência prévia hospitalar ou asilar; método escossês — distribuïção ou dispersão topográfica, não formando aglomerações; noutros países, na Alemanha, por exemplo — a colocação é feita em famílias da vizinhança imediata de um asilo, ao qual o doente é ligado; outras vezes em asilos-colónias — união íntima entre um estabelecimento central e uma colónia livre — e ainda outras vezes em famílias de enfermeiros ou enfermeiras; na Suíça os asilos são providos de patronatos encarregados de recrutar as famílias que hão-de receber os doentes crónicos, tranqüilos e convalescentes, de os vigiar e de organizar as visitas médicas.
A colocação familiar em geral oferece grandes vantagens aos doentes — liberdade, regresso à vida normal, recuperação dum lar, bem-estar consecutivo ao afastamento dum asilo, despertar da afectividade, readaptação progressiva à vida social, reeducação psíquica, ocupação pelo trabalho e possibilidade de o assistido organizar a existência à sua vontade, embora sob uma certa vigilância.
Convém notar que tem de haver uma selecção muito cuidadosa, como já aqui disse o nosso ilustre colega Sr. Dr. Antunes Guimarãis, das famílias que recolham os doentes. Sôbre êsse assunto é modelar a legislação do Uruguai.
Quanto à estrutura orgânica da assistência há a notar que também a proposta, com as alterações que a comissão de estudo submeterá à apreciação da Câmara, se encosta ao que, em geral, a tal respeito estatuem as legislações de outros países.
Na Alemanha há uma cisão ou dissociação completa e radical entre as clínicas psiquiátricas, destinadas à observação e tratamento dos estados agudos o recentes e investigação científica, e os asilos destinados ao tratamento, vigilância e asilagem dos crónicos, umas e outros com distribuïção topográfica e vida perfeitamente separadas.
Nos outros países, e nomeadamente nos latinos, nunca chegou a ser adoptada essa dissociação radical. Os estabelecimentos psiquiátricos, que têm diferentes designações, agrupam, em geral, as clínicas com os asilos, e, freqüentes vezes, com as colónias também, embora em pavilhões ou em secções separados no mesmo estabelecimento.
Na Espanha, nos seus cêrca de 50 estabelecimentos psiquiátricos provinciais, à data de 1920, era e creio que ainda hoje é feita a assistência em secções especiais dos hospitais provinciais ou em hospitais psiquiátricos totais que, em instalações especializadas e independentes, são dotados de clínicas, asilos e colónias, transitando os doentes directamente da secção clínica para a dos crónicos, sem transferências morosas e complicadas, quer a clínica funcione em regime aberto, quer não.
E não resta dúvida de que esta organização mixta tem sido considerada proveitosa à Espanha, pois que, adoptada pela sua lei de assistência psiquiátrica de 1931, foi mantida na lei da sanidade aprovada, há poucos meses, pelas suas Cortes.
Em França é adoptada a mesma organização mixta nos seus 53 estabelecimentos psiquiátricos departamentais ou na maior parte dêles, devendo notar-se que muitos dêles se encontram encravados em terrenos de vasta área, que varia entre 10 a 120 hectares, e no Asilo de Clermont de l'Oise chegam a atingir cêrca de 300 hectares, o que lhes permite agrupar perfeitamente em cada estabelecimento a clínica, o asilo e a colónia. E os psiquiatras franceses consideram esta a melhor organização, tanto no ponto de vista médico, como no económico.
Nos Países Baixos, muitos dos seus vinte e cinco asilos têm a característica de estabelecimentos totais ou gerais.
Na Suíça prevalece também a organização mixta, nunca chegando a ter êxito as tentativas de dissociação.
É notável a eloqüente defesa que Klaesi, autoridade psiquiátrica suíça de renome mundial, faz da organização dos estabelecimentos psiquiátricos totais, no seu trabalho Da orientação moderna duma clínica psiquiátrica universitária suíça, em que êle mostra as grandes vantagens, para o ensino e para eficácia do tratamento dos doentes, da organização mixta a que me tenho vindo referindo e às vantagens económicas dela derivadas.
A organização alemã, imensamente dispendiosa e onerosa, só pode servir para países de grandes recursos, como a Alemanha.
Em países pequenos e que não são ricos, como o nosso, a organização ideal seria a dos estabelecimentos hospitalares que englobassem o hospital, o asilo e a colónia.
Não podemos ter a pretensão megalomaníaca de seguir o exemplo da Alemanha o dos países ricos que adoptaram como paradigma a sua organização dissociada das clínicas, asilos e colónias. Na própria Suíça, país mais pequeno em superfície e população do que o nosso, e que gasta anualmente cêrca de 120:000 contos com a sua assistência psiquiátrica, está adoptada a organização mixta.
É êsse o ponto de vista do Govêrno na sua proposta, e que a sessão de estudo perfilhou.
Também na proposta ou pelas emendas da sessão de estudo se tem em consideração os chamados «serviços sociais» que têm por função seguir o doente, antes, durante e depois do seu internamento, e por isso são importantes auxiliares de todos os organismos da assistência psiquiátrica, orientando a família e melhorando, na medida do possível, as condições materiais e morais do meio familiar. Não podendo desenvolver êste interessante assunto, direi sucintamente que o serviço social, composto de assistentes e visitadoras, é verdadeiramente o traço de união entre os estabelecimentos ou organismos psiquiátricos e a população.
Quanto ao que pode chamar-se o regime jurídico das garantias da liberdade individual, sem prejuízo das da eficiência da assistência, a proposta dá a sua adesão, como a comissão de estudo igualmente deu, à diferenciação, há muito admitida pelas legislações estrangeiras, dos dois regimes — o aberto e o fechado —, aquele destinado aos casos de doença aguda e recente, êste aos de doença crónica de evolução prolongada.
É forçoso reconhecer que esta diferenciação é assaz vaga e imprecisa, pois não concretiza as psicoses que devem ser submetidas a qualquer dêles.

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Regnier et Baudoin, no seu livro O Alienado e os Asilos de Alienados, anotando-lhe a insuficiência, propõem uma diferenciação baseada na classificação nosográfica das doenças mentais.
Não podia, evidentemente, a proposta seguir êsse caminho, quer porque assim invadiria a esfera científica da psiquiatria, quer porque o terreno das classificações é, ainda hoje, duma flagrante instabilidade.
Há a classificação de Krafte-Ebing; a de Schule; a de Kraepelin; a de Morselli; a de Bianchi; a de Tanzi (que, com algumas modificações, foi adoptada por Júlio de Matos nos seus Elementos de Psiquiatria); a de Bunke; a francesa de Dide e Giraud; a adoptada definitivamente na Alemanha, para fins estatísticos, na reünião da Sociedade de Psiquiatria em Wursburgo em Abril de 1933; a aprovada em 1932 na primeira reünião europeia da Liga de Higiene Mental em Paris, e recomendada internacionalmente para a unificação da nomenclatura psiquiátrica; a adoptada pelo Conselho da Sociedade Americana de Psiquiatria na sua reünião de 27 de Dezembro de 1933; e a classificação ou nomenclatura internacional segundo o estudo do Dr. Bersot, apresentado, em 19 de Junho de 1937, ao segundo Congresso Internacional de Higiene Mental em Paris, e adoptada pela nossa estatística. E outras classificações há ainda.
Em terreno tam movediço, como erguer uma construção sólida e firme?
Relativamente ao direito de correspondência dos assistidos, entendeu a comissão da sessão de estudo que não deve cercar-se de precauções demasiado severas, que porventura poderiam ter justificação se visassem factos reais de carácter mais ou menos geral, e não factos esporádicos ou isolados, às vezes mais ou menos romantizados ou desvirtuados por interêsses dissimulados em aparentes protecções dos doentes.
Não há dúvida de que não basta defender a sociedade do louco; é preciso também defender o louco da sociedade.
Deve, porém, ter-se também como corte que, a pretexto de se defender a liberdade dos presumìvelmente sãos do juízo e de os proteger — pois é justamente a liberdade individual dêstes que se pretende tutelar com as precauções adoptadas —, não poderá ir-se tam longe que, em última análise, com o seu excesso venham a desproteger-se os doentes que realmente juízo não têm e que há o direito e dever social de curar ou melhorar.
Termino aqui as minhas considerações, que tendo sido demasiado longas, o foram contudo menos do que a generosa benevolência com que a Câmara me ouviu.
Mas não o faço sem me congratular, como é de justiça, com a criação, em hora feliz, do Sub-Secretariado da Assistência Social, onde, pela sua inteligente e devotada competência, o nosso ilustre colega Sr. Dr. Diniz da Fonseca marcou uma posição de relêvo a si próprio e à Assistência Social Portuguesa, como igualmente a está marcando o seu ilustre sucessor e também distinto membro desta Assemblea, Sr. Dr. Trigo de Negreiros.
Disse.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Alberto Cruz: — Sr. Presidente e Srs. Deputados: êste período legislativo tem sido fértil na apreciação de trabalhos da maior importância, que se hão-de traduzir, em futuro próximo, em maior engrandecimento moral e material do nosso País, levantando o nivel de vida da sua população e fazendo desaparecer alguns dos grandes males que a afligem, impróprios já do século em que vivemos e do grau de civilização que queremos e havemos de atingir.
Só assim conquistaremos o direito de igualdade no concêrto das nações civilizadas, sem necessitar de licença de ninguém nem esperar o fim de determinados acontecimentos para orientar os nossos destinos, em marcha acelerada para uma organização cada vez mais perfeita, e sem nos afastarmos dos conceitos eternos que são e serão a base da nossa civilização.
Se a maioria dos portugueses não andasse totalmente absorvida com as notícias diárias com que os «fios» e os «sem fios» lhe atormentam a vista e os ouvidos e repartisse um pouco da sua atenção com o que se passa na sua casa, verificaria a razão destas palavras e não confiaria sòmente à história a justiça devida aos homens a quem entregou os seus destinos.
Longe de mim a idea de nos despreocuparmos dos males do mundo e do desfecho dêste calamitoso prélio que se eterniza, vitimando tantos inocentes e destruindo tantas obras de arte, património sagrado da humanidade, e de que só ficarão para os presentes ruínas que serão saüdades e remorsos até ao fim da sua existência e para os vindouros recordações macabras da pandemia de loucura que atacou os seus antepassados neste século de maravilhosas invenções.
Nesta Assemblea têm sido tratados os mais importantes problemas com a ponderação e a serenidade que êles reclamam, sem se ouvir, cá dentro ou lá fora, os ecos de palavras mal soantes, de intrigas ou pugnas políticas que fizeram as delícias das gerações passadas e de muitos das gerações presentes.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: na seqüência dos nossos trabalhos mais um diploma, e da maior importância, vem hoje à consideração dêste alto organismo do Estado. Diz respeito à assistência psiquiátrica em Portugal.
Foi apreciado pela Câmara Corporativa, que nos enviou o seu parecer, subscrito por alguns dos seus maiores valores mentais e relatado pelo ilustre académico Sr. Doutor Júlio Dantas, honra das nossas letras e a quem a medicina iniciou também nos seus complexos problemas.
Durante escassos dias foi apreciado pela comissão de estudos desta Assemblea, que lhe introduziu as alterações que vão ser sujeitas à esclarecida apreciação de V. Ex.as.
A leitura dos circunstanciados relatórios que antecedem a proposta do Govêrno e do parecer da Câmara Corporativa dispensa desperdício de tempo e de palavras para a sua discussão na generalidade.
Vão-se distanciando, cada vez mais, os tempos do obscurantismo no estudo e tratamento das doenças mentais, em que imperava o falso dogma da sua incurabilidade, e daí o desinteresse a que eram votados os pobres doentes dêsse departamento da patologia.
De longe a longe ouvia-se uma voz, depressa, extinta perante a indiferença dos poderes públicos.
O formidável progresso das ciências médicas nestes últimos anos, para a qual contribuíram tantos e tam abnegados homens de ciência, a maior parte dos quais deploràvelmente ignorados, modificou radicalmente êsse erróneo conceito, e necessário se tornava, portanto, acompanhar no nosso País o movimento já existente em países de mais elevado cultura.
Na sua primeira base diz-se que êste projecto de lei abrange a acção profilática, terapêutica e pedagógica. Oxalá a acção profilática e terapêutica possa, em breve tempo, retirar dos nossos olhos o espectáculo triste e deshumano dos pobres loucos, arrastando pelas cidades e aldeias a sua miséria física e moral, muitas vezes excitados ainda mais pelas chufas e até agressões de garotos inconscientes e mal educados e de adultos analfabetos, supersticiosos e embrutecidos.

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Oxalá essa acção possa também, a curto prazo, transferir das prisões para estabelecimentos de assistência psiquiátrica os irresponsáveis loucos que por lá vegetam.
Oxalá também possa, em futuro próximo, restituir aos seus e à sociedade, por meio dos novos métodos de tratamento, tantos seres recuperáveis que se encontram nos velhos manicómios.
Oxalá também que a acção pedagógica se acentue num sentido prático e teórico eficientes, como deve ser o ensino em todos os departamentos da, cada vez mais, complexa ciência médica, para que os seus cultores só raramente tenham de procurar em centros estrangeiros tudo o que deveriam aprender nas Faculdades portuguesas, ao contrário do que sucedia no tempo em que freqüentei a minha saüdosa Universidade, onde os alunos só com um óculo de bom alcance poderiam lobrigar as intervenções cirúrgicas que os Mestres, em sociedades limitadas, faziam, menos para nos ensinar e mais para nos deslumbrar com os primores da sua técnica. Faço votos sinceros por que a feição do ensino de hoje tenha tomado outro rumo, menos egoísta, mais prático e mais conforme com a sua alta missão.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: antes de terminar estas singelas considerações, quero dirigir as minhas mais calorosas homenagens ao Govêrno, que teve a coragem de enfrentar, para o resolver, êste complexo problema, especialmente aos Srs. Ministro do Interior actual e anterior Sub-secretário da Assistência Social.
Presto as minhas homenagens também às Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus e aos Irmãos Hospitaleiros de S. João de Deus, que há mais de cinqüenta anos se dedicam em Portugal, em estabelecimentos por si criados, à assistência psiquiátrica. Dentro dessas casas têm-se praticado, por intermédio dos seus esclarecidos corpos clínicos, todos os progressos da ciência, a par da mais desvelada e humanitária enfermagem, que só procura recompensa na fé que a anima e num alto ideal cristão que procura atingir.
Disse.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. António de Almeida: — Sr. Presidente: não obstante a base X da lei n.º 1:998 — Estatuto da Assistência Social — declarar expressamente que «as modalidades ou providências especiais exigidas pelo combate às demais doenças (excluída a tuberculose), bem como aos males ou vícios referidos na base VII, serão estabelecidas em diplomas regulamentares», mercê da importância que lhe atribue, o Govêrno entendeu por conveniente enviar à Assemblea Nacional a presente proposta de lei sôbre assistência psiquiátrica.
Com efeito, tal projecto não carecia de vir a esta Câmara, não só por virtude das disposições que acabo de relembrar, como também porque, a par da exposição de alguns enunciados higiénico-terapêuticos, se encontram nas presentes bases muitos preceitos de nítido carácter regulamentar.
Por outro lado, e salvo o devido respeito, quere parecer-me que, após a promulgação do Estatuto da Assistência Social, era oportuna a criação ou a reforma dos quadros orgânicos da assistência, indicados no capitulo V da lei n.º 1:998.
As bases do Estatuto constituem as raízes da árvore que todos ambicionamos venha a ser majestosa, cujo tronco corresponderá aos órgãos superiores da assistência e a copa às modalidades ou providências assistenciais utilizadas na luta contra as doenças apontadas na base VII.
Embora repute de incontestável actualidade a regulamentação da assistência psiquiátrica, no entanto os
elementos estatísticos revelam à saciedade que maior flagêlo do que as moléstias mentais é a tuberculose; se não bastasse a ordem de disposição dos nomes das enfermidades, enumeradas na base VII, para salientar a urgência, de travarmos, com decisão, o combate a tam traiçoeira e devastadora doença, o meu reparo podia filiar-se no desenvolvimento dado ao relato das medidas profiláticas e curativas, contido em duas bases (VIII e IX) do Estatuto da Assistência Social.
Depois, Sr. Presidente, na proposta em debate fala-se de certos organismos que só existem teòricamente, circunstância esta que mais ajuda a corroborar os pontos de vista que considero fundamentais: a reforma dos serviços centrais da assistência e a regulamentação da luta contra a tuberculose, os quais tenho fundadas esperanças de ver efectivados brevemente.
Sr. Presidente: o Govêrno merece francos louvores por querer ouvir a nossa opinião acêrca de problema de tamanha magnitude; estão de parabéns, principalmente, os ilustres Ministro do Interior e Sub-Secretário de Estado da Assistência Social e todos quantos trabalharam na preparação dêste notável diploma, — os ilustres estadistas Drs. País do Sousa, Diniz da Fonseca e alguns dos melhores psiquiatras portugueses.
E há ainda que encomiar, e calorosamente, o magnífico parecer da Câmara Corporativa, — erudito, profundo, completo —, elaborado pelo eminente escritor e insigne presidente da Academia das Ciências de Lisboa, Sr. Doutor Júlio Dantas, que, respeitando e esclarecendo o texto governamental, em muito o aperfeiçoou.
Sr. Presidente: a proposta em discussão deve ser apreciada sob dois aspectos: técnico e político-social.
As normas científicas que informam o projecto sôbre assistência psiquiátrica patenteiam flagrantemente que neste sector, como em tantos outros, Portugal, dentro dos seus limitados recursos financeiros, se esforça por caminhar ao lado das outras nações mais adiantadas e progressivas. A exemplificação prática dêsses conceitos já está a, verificar-se nos estabelecimentos modelares de assistência psiquiátrica que, inegàvelmente, são o Hospital Júlio de Matos e a Clínica Psiquiátrica de Coimbra, e, em breve, virá a, ser também a Colónia Psiquiátrica Agrícola da Conraria (Coimbra), organismos que, no seu género, não temem confronto com os similares estrangeiros.
Desde o edifício até ao apetrechamento material, ao regime de admissão dos doentes, à formação do corpo clínico e dos enfermeiros, e nos métodos medicamentosos, tudo é moderno no Hospital Júlio de Matos.
Quem quer que, com interêsse, visite êste Hospital fàcilmente reconhecerá a veracidade destas afirmações.
A observação do grandioso plano arquitectónico; da consulta externa, com o dispensário de higiene e profilaxia mentais e o serviço social anexo; dos serviços hospitalares pròpriamente ditos; dos laboratórios de análises clínicas, de anatomia patológica e de psicologia; da biblioteca e dos estudos e experiências em realização; da aparelhagem indispensável aos exames radiográficos e electrocardiográficos e à fisioterapia; das consultas de oftalmologia, de oto-rino-laringologia e de estomatologia, e, por fim, da escola de formação de pessoal especializado com o novo curso estagiário de enfermagem, enche-nos de viva alegria e legítima vaidade, ampliando o sentimento da certeza de que se iniciou na nossa terra e com fundadas esperanças uma era de verdadeira assistência aos doentes mentais e aos neuróticos e psicopatas.
Para se conseguir tamanho êxito foi necessário que o Govêrno, por intermédio do prestimoso organismo Instituto para a Alta Cultura, enviasse alguns dos nossos médicos ao estrangeiro a familiarizarem-se com as melhores técnicas de assistência psiquiátrica e contratasse

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enfermeiras e enfermeiros estrangeiros especializados no tratamento das doenças mentais.
Mas, infelizmente, nem em todos os hospitais de alienados pertencentes ao Estado ou a entidades privadas a assistência atingiu o grau de perfeição verificada nos estabelecimentos que acabo de mencionar.
Assim, no velho manicómio de Rilhafoles, com lotação para 400 enfermos, encontram-se internados perto de 1:000, pràticamente assistidos por 2 médicos — outrora havia 8, incluindo 1 médico de clínica geral —, insuficiência técnica esta que carece de pronto remédio.
Sr. Presidente: se a feição técnica da assistência psiquiátrica se apresenta com a amplitude que peremptoriamente delineei, o ponto de vista político e social não envolve menor projecção.
Conquanto os dados estatísticos recolhidos pelo último censo computem em cêrca de uma dezena e meia de milhar o número de alienados do País, tudo leva a crer que esta soma fica muito aquém da realidade; a tomar-se por exacta esta totalidade, haveríamos de admitir para a população portuguesa uma permilagem muito privilegiada, pois se apresenta reduzida de um têrço em relação à média correspondente estrangeira — cêrca de 3 doentes por 1:000 habitantes.
Eis por que me inclino a crer que, entre nós, o somatório de loucos declarados e dos portadores de anomalias ou insuficiências mentais se elevará a mais de 23:000, dos quais perto de metade carece de assistência imediata.
Em Portugal continental e insular possuímos pràticamente estabelecimentos oficiais e privados com possibilidades de internamento para 5:220 doentes, o que é bem pouco; portanto, urge alargar esta modalidade de assistência psiquiátrica de acôrdo com o volume das necessidades, ou seja até duplicação da actual capacidade de hospitalização.
Se persistirmos em trabalhar com o ritmo dos últimos cinco anos — durante os quais se obtiveram instalações para mais de 2:000 doentes —, duas dezenas de anos bastarão para solucionar esta questão, de tanta importância e complexidade.
Por isso, Sr. Presidente, para que a assistência psiquiátrica não demore em atingir benèficamente todo o País e satisfaça as nossas inadiáveis necessidades, torna-se indispensável que a cidade do Pôrto possua brevemente uma clínica psiquiátrica privativa da sua Faculdade de Medicina, e que, pelo menos, se abram dispensários e inicie a construção de colónias psiquiátricas agrícolas provinciais, onde a ergoterapia educativa e de recuperação humana e social irá, decerto, produzir os melhores frutos.
Igualmente é aconselhável que o Estado e as autarquias locais estimulem por todos os meios ao seu alcance a instituïção de estabelecimentos de assistência privada ou desoficializada - a quem a Nação já deve inolvidáveis serviços; contudo o recebimento de subsídios para manutenção de obras desta natureza implica da parte dos beneficiários a obrigação de melhoria assistencial, o que equivale a dizer que tanto a preparação especializada dos médicos e dos enfermeiros há-de ser comparável à dos técnicos dos organismos oficiais, como os próprios métodos terapêuticos hão-de mostrar-se análogos aos que o Estado emprega em seus serviços, naturalmente actualizados. E, quando às instituïções particulares ou desoficializadas não fôr possível preparar convenientemente o pessoal de enfermagem, tem êste, como a equipe clínica, de ser recrutado entre os indivíduos habilitados com os cursos post-escolares, professados nas clínicas psiquiátricas oficiais; isto é, aliás, o que se infere de um passo do excelente relatório que acompanha esta proposta de lei: «Esta evolução dos métodos de assistência supõe naturalmente uma correlativa transformação no pessoal médico e de enfermagem chamado a dirigi-la e a prestá-la; supõe pessoal que alie, à generosidade humanitária cultura e competência técnica especializadas, como se tem procurado conseguir no ensaio feito há dois anos a esta parte no Hospital Júlio de Matos».
É certo, Sr. Presidente, que tal tarefa, que durante alguns lustros vem sendo levada a cabo pelas outras nações, exige grandes despesas, que só gradualmente poderão fazer-se; mas emquanto as novas instalações se levantam e se preparam e apetrecham haverá tempo suficiente para dedicar todo o interêsse à formação do pessoal médico e de enfermagem, sem o que o espírito reformador da proposta em discussão jamais alcançará a plenitude dos seus objectivos capitais.
E não esqueçamos de que todos os países destinam enormes quantias à assistência psiquiátrica; a Suíça, por exemplo, nação com 4.000:000 de habitantes — disse há pouco o nosso ilustre colega Sr. Dr. Acácio Mendes —, gasta anualmente com o tratamento dos alienados, neuróticos e psicopatas cêrca de 120:000 contos, mais do que nós despendemos com todos os serviços assistenciais!
Sr. Presidente: a conclusão dos admiráveis edifícios do Hospital Júlio de Matos, o conhecimento geral da humanização do tratamento hospitalar e dos bons resultados conseguidos, e bem assim a propaganda efectuada pela imprensa — sempre disposta a patrocinar as causas justas —, criaram um ambiente propício a essas importantes realizações e, mais ainda, deram à opinião pública a impressão e a certeza de que chegou a hora de encontrarmos a solução do difícil problema da assistência aos nossos doentes mentais.
O reflexo desta campanha já começou a sentir-se no Hospital Júlio de Matos, onde acorrem numerosos pedidos de internamento, tanto mais que toda a gente sabe que, apesar de ali haver alojamento para 1:300 alienados e de se acharem construídos e apetrechados todos os pavilhões, apenas têm sido admitidos enfermos até ao número de 400.
Uma das grandes virtudes sociais e económicas desta proposta de lei consiste na adopção do regime aberto, de há alguns anos vantajosamente seguido nos Hospitais de Conde de Ferreira e de Júlio de Matos. «Os alienados, diz magistralmente o Sr. Doutor Júlio Dantas, são doentes como quaisquer outros. Os doentes que saem de um hospital ou de uma clínica psiquiátrica em condições de recuperação social já não levarão consigo para a vida a sombra do manicómio — espécie de morte civil, sinistro ponto de interrogação que outrora os acompanhava pela existência fora».
Tam cristã intenção, creio eu, apenas poderá ser perfeitamente realizada se as clínicas psiquiátricas —ainda que pertencentes a um mesmo conjunto assistencial — se erigirem em locais algo separados dos asilos psiquiátricos; a instalação dos serviços de regime aberto e de regime fechado num só edifício ou em anexo muito próximo, se bem que econòmicamente talvez defensável, nunca evitará a imposição do estigma degradante e inapagável de louco a todo o psicopata ou neurótico que algum dia, mau grado seu, houver de receber tratamento em semelhantes estabelecimentos.
Sr. Presidente; devia terminar aqui as minhas ligeiras reflexões sôbre o projecto de lei de assistência psiquiátrica, destinada a favorecer os portugueses do continente e das ilhas adjacentes. Todavia, o amor que voto a tudo o que represente melhoria das condições físicas, económicas e sociais das gentes das nossas possessões ultramarinas e a obediência aos bons princípios da unidade imperial lusitana levam-me a chamar a atenção do Govêrno para a premente necessidade de olhar mais carinhosamente para a assistência aos loucos

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das nossas colónias, onde tal modalidade assistencial mal começa a pôr-se em equação.
Como entre os habitantes dos países civilizados, causas análogas — endógenas e, sobretudo, exógenas (alcoolismo, ópio, cânhamo, doença do sono, etc.) — condicionam o aparecimento de doenças nervosas e mentais nos povos de além-mar; idênticamente ao que se verifica naquelas regiões, a permilagem de gentio com afecções dessa índole não deve, por certo, afastar-se muito do número 3, sendo lícito supor, por conseqüência, que nos nossos domínios coloniais haja uma totalidade de pessoas carecidas de cuidados psiquiátricos muito próxima de 25:000.
Actualmente apenas possuímos um manicómio destinado a indígenas em Marracuene, a poucos quilómetros de Lourenço Marques, dirigido por psiquiatra competente; nas restantes possessões, quiçá, com excepção da Índia, (onde existe o hospital de Chimbel, a cargo da Misericórdia de Goa, com 20 ou 25 leitos), pede afirmar-se que não há, pràticamente, instalações apropriadas nem técnicos para prestar assistência psiquiátrica digna dêste nome.
Manda a verdade proclamar que o Sr. Dr. Francisco Machado, ilustre Ministro das Colónias cessante, durante o exercício dessa alta magistratura, se esforçou bastante por melhorar a sorte dos dementes coloniais; são disso provas cabais o contrato de um médico psiquiatra para Moçambique e a inscrição no orçamento do Macau, a partir de 1940, da verba destinada a ocorrer ao pagamento dos serviços de um clínico especializado, encarregado de tratar os indivíduos intoxicados pelo ópio.
Como as gentes incultas, também as civilizadas de além-mar podem precisar de assistência psiquiátrica; os brancos de Moçambique necessitados de terapêutica mental deslocam—se a Pretória, com cuja organização hospitalar a assistência da colónia mantém um contrato especial. Os alienados de origem europeia das outras nossas colónias ùnicamente dispõem para seu tratamento de um ou outro quarto hospitalar, escuro e desprovido de qualquer confôrto.
Sr. Presidente: os jornais de hoje anunciaram a próxima publicação da nova reforma dos serviços de saúde das colónias, que desde há anos vem sendo preparada. Estou convencido de que tal diploma incluirá os princípios essenciais da lei n.º 1:998 e, por conseqüência, também os da moderna assistência psiquiátrica, preconizados na proposta de lei em apreciação; nem outra cousa deve esperar-se do ilustre titular da pasta das Colónias, que, em seu exaustivo parecer sôbre o Estatuto da Assistência Social, deu particular desenvolvimento ao capítulo da assistência aos alienados, neuróticos e psicopatas.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Ranito Baltasar: — Sr. Presidente: a apresentação da proposta de lei de assistência psiquiátrica obriga-me a usar da palavra.
Mais uma vez o Govêrno vem até à Assemblea Nacional pôr à discussão livre e franca uma proposta, que pode ser lei do País, e fá-lo na certeza de que todos os membros desta Casa, integrados no absoluto cumprimenta do seu dever, actuam, uma vez aplaudindo, outras corrigindo, mas sempre construindo, expondo as suas ideas de homens livres e obedecendo apenas à sua consciência de portugueses.
A proposta de lei que a Câmara está discutindo indica que é manifesta e firme a vontade do Govêrno, de enveredar por um caminho seguro e bem trilhado, no sentido de solucionar um problema social que a todos aflige, mormente os médicos. Esta proposta é a seqüência lógica, ou, melhor, um dos elos do Estatuto da Assistência Social, que, com outros que a seu tempo o Govêrno apresentará, constituirão a rêde completa da assistência médico-social em Portugal.
O primeiro estabelecimento de assistência aos alienados na Europa, e conseqüentemente no mundo, merecedor do nome de hospital, foi mandado construir em Florença pelo Príncipe Leopoldo I, em 1785, começando a funcionar três anos depois, com 126 camas, sob a direcção clínica de Chiaruzi, e nêle foi iniciado o tratamento verdadeiramente clínico das doenças mentais.
Chiaruzi foi o primeiro a reagir contra a tortura dos alienados, abolindo os meios severos, violentos e cruéis que nessa, época eram correntemente infligidos aos loucos. Publicara mesmo um trabalho de psiquiatria, onde proclamava que «o médico e o enfermeiro devem assistir ao alienado como um pai a um filho demente».
Neste hospital era largamente empregada a balneoterapia, havia salas de recreio para os doentes nos dias de chuva e caminhos arborizados para passeios quando o tempo permitia. Chiaruzi foi assim, não só o precursor de alguns modernos métodos de psicoterapia, mas também precursor da reforma proposta e implantada por Pinel em 1792. Foi graças a êste alienista que os loucos adquiriram o direito de ser tratados como doentes sãos de corpo, mas enfermos de espírito.
Deixaram de ser enclausurados ou enjaulados em masmorras ou subjugados por cadeias de ferro que se tingiam com o seu sangue. Não quero, Sr. Presidente, importunar a Assemblea com estes dados históricos, mas vou terminá-los já. O grito libertador de Pinel, que elevou o alienado da condição de cativo à dignidade de doente, e secundado pelo genial alienista Esquirol no primeiro quartel do século XIX, ouviu-se em todo o mundo, e os govêrnos das nações mais cultas foram levados, embora com lastimável morosidade, a volver a sua atenção para a assistência aos oligofrénicos e a pensar na sua legislação. Legislação que não visa apenas a sequestrar do convívio social o alienado perigoso, perturbador da ordem, ameaçador da segurança da vida e fazenda, alheias; mas sim acolher, proteger e valorizar os doentes mentais.
Cabe agora, Sr. Presidente, afirmar nesta Assemblea Nacional que antes de todos estes estrangeiros apareceu um português. Foi mais um que nesse luminoso século XVI da nossa história nos elevou perante a Europa, e que, compadecido da horripilante situação dos loucos, com a sua propaganda de apóstolo, fez abrir, em 1535 (se não estou em êrro), em Granada, um hospício para alienados que foi celebre na sua época. Trata-se de João Cidade. Fundador da Ordem de S. João de Deus, que, como é sabido, se tem especializado na assistência aos dementes, êle preceituou: «os frades devem lavar os pés aos alienados, ministrar-lhes os alimentos e tratá-los com muita doçura».
Há mais de meio século o Dr. António Maria de Sena, professor da Faculdade de Medicina de Coimbra (a única Faculdade ao tempo), foi o inspirador e defensor duma proposta de lei pela qual o Govêrno ficava autorizado a criar em Coimbra um manicómio. Tudo se passou, porém, como se esta lei nunca tivesse existido. Em Maio de 1911 o Govêrno decretou, para valer como lei, que na cidade universitária de Coimbra fosse construído um manicómio de ensino, em memória daquele emérito professor, que dentro e fora do Parlamento, tanto se interessou pela sorte dos alienados portugueses. Pretendeu o Govêrno dar com êste decreto satisfação às necessidades do ensino médico e da assistência pública no centro do

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País, pois que êste manicómio seria pedagògicamente anexado à Faculdade de Medicina, para constituir o ensino da clínica psiquiátrica e a medicina legal psiquiátrica. Está esta clínica psiquiátrica instalada nalguns pavilhões do Manicómio Sena.
As palavras «clínica» e «hospital» suscitam menos aversão, infundem menos horror, não inspiram prevenções que afugentem os doentes. Assim, é justo que o Manicómio Sena passe a chamar-se Clínica Psiquiátrica do Dr. Sena, como há onze anos propôs o Prof. Elísio de Moura. A êste professor, figura nacional da medicina, se deve, pela sua persistência sistemática, fôrça de vontade e altruísmo, a criação da Clínica Psiquiátrica de Coimbra. (Apoiados). Sem êle não existiria psiquiatria na Universidade de Coimbra.
O mesmo decreto de 11 de Maio de 1911 criara também em Lisboa um manicómio que hoje se chama Júlio de Matos e em plena actividade, mas ao fim de trinta anos. Quanto à óptima situação topográfica primitiva, tomo que o decorrer dos tempos venha prejudicá-la. Ouso lembrar ao nosso ex-colega desta Câmara, Salvação Barreto (se é que ainda o não fez), que talvez haja necessidade de criar imediatamente uma zona de defesa daquele hospital, de forma que o local continue a ser airoso, desafogado, calmo, propício ao repouso sensorial dos doentes, livre de impressões exteriores visuais e auditivas.
Sr. Presidente: entrando na apreciação da proposta direi o seguinte. Na divisão do País em três zonas — Lisboa, Coimbra e Porto — há que limitar as suas áreas, não esquecendo as ilhas adjacentes, que, dada a distância que as separa da metrópole, têm necessidade dum regime especial de assistência aos loucos.
Também gostaria de ver, na proposta ou no parecer, a indicação de assistência aos oligofrénicos no império colonial, particularmente nos grandes territórios de Angola e Moçambique. Confio no entanto no Sr. Ministro das Colónias para a sua realização. Bem entendido que não será pretensão de nós portugueses ir até a uma assistência que investigue onde termina o feiticismo e começa a demência, mas, ao menos, amparar os colonos e os indígenas arrancados pela acção civilizadora das missões católicas às práticas gentílicas. As missões católicas, que reputo ser o nosso mais barato e mais perfeito exército da ocupação africana.
Quanto aos elementos que constituem o serviço de cada zona, gostaria de ver à sua frente as clínicas psiquiátricas privativas das respectivas Faculdades do Medicina, mas, como se diz na proposta, «deverão funcionar em estreita cooperação com o centro e com os respectivos serviços».
Julgo preferível que a palavra «clínica» seja reservada para as clínicas psiquiátricas universitárias, estabelecimentos urbanos, abertos, de activa e individualizada assistência psiquiátrica, destinados aos casos agudos, recentes e do interêsse pedagógico, onde se ministraria o ensino da psiquiátrica clínica e médico-legal. A denominação «hospital» seria para o internamento de doentes com tendência para a cronicidade dos seus males, e associar-se-ia a palavra «asilo» se no mesmo estabelecimento coexistisse o regime aberto e o regime fechado. Haveria assim, em cada uma das três zonas, uma clínica escolar psiquiátrica, para o ensino dos respectivos alunos, clínicas que exigem instalações, apetrechamento laboratorial e pessoal auxiliar diferentes das do um simples hospital de alienados, som funções docentes e sem a obrigatoriedade de investigação científica que cabe às clínicas escolares.
Estas clínicas seriam a fonte donde sairia o pessoal auxiliar especializado (médicos e enfermeiros) de forma a satisfazer a execução da rêde de assistência aos loucos, como a lei prevê, clínicas suficientemente dotadas de meios financeiros, para que o trabalho experimental não seja uma palavra vã.
E o número revelado nas estatísticas não deve estar longe da verdade, porque se na Suécia e nos Estados Unidos a percentagem de oligofrénicos é respectivamente de 2 por mil e 2 por mil e quatrocentos, para uma população metropolitana de 8 milhões encontraríamos um número bastante aproximado do que se apresenta no relatório da proposta.
Dentro dêste número, devem constituir legião as crianças e adolescentes, e para êle chamo a atenção da Assemblea e do Sr. Ministro da Educação Nacional. Estas crianças são pêso morto para os pais e um doloroso encargo para a sociedade. Assim, Sr. Presidente, bem avisada andou a Câmara Corporativa com a introdução do n.º 2 na alteração feita à base IX, «...estabelecimentos e classes escolares para educação de crianças e adolescentes anormais», porque de facto o tratamento médico-psíquico-pedagógico é preventivo da criminalidade juvenil, das psicoses da idade adulta, óptimo meio de profilaxia, de forma a transformar essa legião de crianças em unidades de valor social indiscutível, ou pelo menos melhor.
As escolas para anormais permitem recuperar as crianças atrasadas intelectualmente, sem que sejam o pesadelo para os mestres no ensino em classes comuns.
Sem querer continuar a importunar a Assemblea, permita V. Ex.ª, Sr. Presidente, que cite alguns números.
Nos Estados Unidos, em 1898, havia 24 escolas para 8:000 alunos anormais; na Inglaterra 10 escolas para 3:200; na Alemanha 40 escolas para 4:000. Trinta anos depois, em 1929, o resultado foi de tal forma animador que, nos Estados Unidos, de 24 passaram para 47 internatos, com 20:000 alunos, além dos externatos anexos a escolas oficiais, com 70:000 alunos no total, dos sete aos quinze anos, com 3:000 professores. População escolar esta igualada pela Alemanha, com 4:000 cursos para crianças anormais e com uma população de cêrca de 60 milhões. É de admitir que em Portugal, estabelecendo a proporção, ficaríamos apetrechados com 500 cursos, mas estamos quási em zero, porque, se o Instituto António Aurélio da Costa Ferreira tem como um dos fins a preparação do professores especializados na psicopedagogia infantil, por motivos que ignoro ainda não conseguiu ver espalhadas por êsse Portugal fora escolas onde os seus diplomados exerçam a sua competência.
Direi ainda que a obrigatoriedade de ensinar anormais é lei na Inglaterra, Holanda, Noruega, etc.
Se em Portugal é justo mencionar a acção das tutorias e dos reformatórios, a falta de um corpo docente especializado faz-se sentir, não só nos resultados obtidos quanto aos fins das instituïções, mas também, e por conseqüência, nos encargos para o Estado, pelas demoras verificadas no aproveitamento.
Quanto à profilaxia, muita cousa haveria a dizer, mas ficará para outra oportunidade. Direi apenas que discordo da epilepsia como causa da demência, porque muitos epilépticos são-no devido a acidentes de parto e a traumatismos cranianos e dão muitas vezes filhos sãos, um ou outro um tanto atrasados mentalmente. Procurar na epilepsia a causa de demência é procurar no vazio.
Se a lei denominada «lei de Sena», de 1889, e o decreto de Maio de 1911 honraram, como diz o douto parecer da Câmara Corporativa, os psiquiatras que os inspiraram, o mesmo se poderá dizer, e até com mais razão, dos que agora colaboraram neste diploma. O anonimato não impede, antes nos impõe, o nosso reconhecimento.
Pôsto isto, Sr. Presidente, vou terminar, afirmando que, à parte as observações mencionadas, dou à proposta

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22 DE FEVEREIRO DE 1945
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o meu voto. Esta é uma das leis que consagra o alto espírito de quem a idealizou, nobilita quem a votar e terá os louvores da Nação quem a executar.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Rebêlo de Figueiredo: — Sr. Presidente: a hora vai muito adiantada e eu procurarei abreviar o mais possível as minhas considerações sôbre a proposta de lei em discussão nesta Assemblea e relativa à assistência psiquiátrica.
Trata-se de um diploma notável, tendente a melhorar a situação de mais de duas dezenas de milhar de loucos que há pelo País, sem quaisquer garantias de tratamento.
A assistência psiquiátrica está prevista no Estatuto da Assistência Social e na enumeração das diferentes modalidades da assistência prevista naquele Estatuto não vem nem em primeiro nem em segundo lugar; portanto dá ao exame sucinto do problema a impressão de que a sua acuïdade não requereria o presente diploma, mormente emquanto não estivessem regulamentados os que se referem à tuberculose, ao cancro, à lepra, ao sezonismo, aos quais o já referido Estatuto dá preferência na sua seriação.
Dizem as estatísticas que o número de loucos, mercê de variadíssimos factores, entre os quais avulta sem dúvida a civilização industrial que deu primazia ao material o utilitário sôbre a moral estética e religiosa, é hoje maior do que a soma de todos os doentes dos outros quadros patológicos e, assim, justifica-se plenamente a oportunidade da proposta.
A média de loucos na Europa anda á roda de 3 por mil, e se considerarmos esta permilagem em relação ao nosso País teremos pelo menos 21:000 que precisam tratamento, convindo acentuar ainda a percentagem assustadora que nos aponta Carrel ao referir-se aos loucos de Nova York afirmando que, naquele Estado, em cada 22 habitantes há 1 que uma vez ou outra na sua vida é hospitalizado numa clínica psiquiátrica.
Necessàriamente, como muito bem se diz no parecer e na proposta, nem todos carecem do internamento, mas todos precisam do tratamento imediato e urgente, e é nisso que a proposta traz novidade e se enquadra dentro das normas técnicas hoje praticadas em todos os povos civilizados.
Nas novas directrizes seguidas pela assistência psiquiátrica o louco é tratado como doente vulgar na maioria das suas perturbações mentais e é êsse ponto que mais convém focar: a diferença do tratamento na clínica psiquiátrica e no asilo psiquiátrico, ou seja, tratamento em regime aberto e tratamento em regime fechado.
Conhecemos as vantagens individuais e colectivas das primeiras, pelo tratamento precoce de todas as anomalias mentais geralmente curáveis de início, reservando as segundas para as grandes loucuras. Por meio do propaganda eficaz de higiene e profilaxia mental, levando ao conhecimento do público o conceito de que o doente mental é um doente vulgar e que como tal é actualmente considerado, das vantagens do tratamento no dispensário o na clínica, sem perda dos seus direitos individuais, logo de início, procurando assim desprendê-lo do estigma de louco que infelizmente anda tam ligado «àqueles que procuram o remédio para o seu mal, nas velhas organizações da assistência dos manicómios.
A criação e difusão dos dispensários com o fim profiláctico e terapêutico, têm um grandíssimo alcance no tratamento dos que sofrem em maior ou menor grau de perturbações mentais.
Embora a criação e difusão de tais organismos de assistência seja uma modalidade cara, reputo-a absolutamente necessária, e ela pagará em capital social o que se despender hoje com a sua criação.
Com o funcionamento do serviço social e de enfermeiras visitadoras junto dos dispensários, que possam despistar o doente na sua primeira manifestação, antes mesmo que êle se considere um perturbado mental, aconselhar-lhe a consulta no dispensário e seguir depois o necessário tratamento correctivo, justamente na fase mais curável da doença, defenderemos, não só o doente, a fim de não vermos amanhã agravada a sua psicose tornando-o perigoso ou anti-social, e também a sociedade, dos desmandos e preversidades que podem surgir, que, como é do conhecimento de V. Ex.as, podem ir até ao homicídio ou suicídio.
Prevê a proposta o agrupamento do dispensário, da clínica e do asilo num grande estabelecimento: tal critério, embora haja fortes razões económicas para o aconselhar, afigura-se-nos a nós, médicos, contrário ao desejo de apagar no doente a idea de louco que fatalmente lhe advém de tais estabelecimentos, pelo que os mesmos deverão localizar-se em pontos diferentes, embora funcionando em íntima cooperação.
E quanto mais afastados melhor, para que o doente que procura a clínica neuro-psiquiátrica não se sinta amarrado para sempre ao ferrete de louco e que quando haja recuperado o seu equilíbrio mental não traga para a vida rótulo tam degradante.
Sr. Presidente: uma outra modalidade de tratamento provê a proposta, sôbre a qual me permito fazer uma sugestão ao Govêrno: é a que se refere à colocação do doente, por razões terapêuticas, em ambiente familiar estranho.
Como o diploma preconiza a criação de colónias agrícolas psiquiátricas, vem como necessidade imediata a construção de alojamentos para o pessoal técnico que há-de prestar serviço nas mesmas.
Ora, se desde o começo a sua construção fôsse executada com vista à colocação dos doentes que precisam de tal ambiente para consolidação da sua cura, resolveríamos de forma económica êste aspecto da questão, visto as colónias agrícolas psiquiátricas terem naturalmente de espalhar-se pelo País e, portanto, a solução do problema habitacional dos médicos e enfermeiros ter de resolver-se ao mesmo tempo.
Há uma outra facêta de certa importância: é a que se refere a pessoal dos organismos de assistência psiquiátrica pública e particular e que, embora se trate de disposição puramente regulamentar, quero frisar neste momento.
Segundo o parecer dos técnicos, a assistência aos doentes mentais é das que requerem elevado número de pessoal especializado em relação aos doentes a tratar.
A proposta e o parecer fazem referência à falta dêsse pessoal. Mas eu permito-me afirmar que, desde que as medidas previstas, com bolsas de estudo e estágios nos centros psiquiátricos nacionais ou estrangeiros, sejam aplicadas, teremos dentro do País pessoal bastante e competente.
Apoiados.
O que é necessário é assegurar-lhe desde início remuneração condigna (Apoiados), quer aos médicos quer aos enfermeiros, tanto mais que àqueles que vierem a dedicar-se a êste ramo de assistência, muito especialmente os que prestarem serviço nas colónias agrícolas e estabelecimentos asilares onde seja praticada a ergoterapia em maior escala, fica-lhes vedada, de certo modo, qualquer actividade lucrativa, profissional ou não.
Vozes: — Muito bem!

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DIÁRIO DAS SESSÕES — N.º 144
O Orador: — Eu ia mais longe. Desejaria ainda que na regulamentação da lei fôsse estabelecido o número de profissionais para os organismos que se criassem (Apoiados), incluindo até mesmo os particulares, a quem presto aqui a minha homenagem, por terem durante um largo período prestado proficientemente tal assistência, tanto quanto permitiam os métodos terapêuticos em voga, e em muito maior volume que o Estado (Apoiados), e que êsse número, quer de médicos quer de enfermeiros, fôsse estabelecido segundo a capacidade dêsses organismos, assegurando assistência capaz e evitando que venha a verificar-se a existência de grandes estabelecimentos, com elevado número de internados ou hospitalizados, apenas com um ou dois médicos e dois ou três enfermeiros.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: — Está encerrado o debate na generalidade. Na sessão da tarde far-se-á a discussão da especialidade e também se apreciarão as Contas Gerais do Estado relativas à gerência de 1943.
Está encerrada a sessão.
Eram 12 horas e 52 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhãis.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
João Ameal.
João Luiz Augusto das Neves.
João Pires Andrade.
José Clemente Fernandes.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Soares da Fonseca.
Rafael da Silva Neves Duque.
Rui Pereira da Cunha.
Sebastião Garcia Ramires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Ângelo César Machado.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cristo.
Artur Proença Duarte.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
José Gualberto de Sá Carneiro.
Júlio César de Andrade Freire.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
0 Redactor — Leopoldo Nunes.
Imprensa Nacional de Lisboa

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