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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES
N.° 165
ANO DE 1945
1 DE JUNHO
ASSEMBLEA NACIONAL
III LEGISLATURA
(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)
SESSÃO N.° 162, EM 31 DE MAIO
Presidente: Ex.mo Sr. José Alberto dos Reis
Secretários: Ex.mos Srs.
Manuel José Ribeiro Ferreira
José Luiz da Silva Dias
SUMARIO: — 0 Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 40 minutos.
Antes da ordem do dia. — Foram aprovados os Diários das duas últimas sessões.
0 Sr. Presidente anunciou que estava na Mesa a resposta a um pedido de informações do Sr. Deputado Antunes Guimarãis, a qual se publica neste Diário das Sessões.
Usou da palavra o Sr. Deputado Antunes Guimarãis, que tratou de alguns problemas agrícolas.
Ordem do dia. — Prosseguiu a sessão de estudo da proposta de lei de coordenação de transportes terrestres.
O Sr. Presidente encerrou a sessão plenária às 15 horas e 53 minutos.
O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 30 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhãis.
Alberto Cruz.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
António de Almeida.
António Bartolomeu Gromicho.
António Cortês Lobão.
António Rodrigues Cavalheiro.
Artur Águedo de Oliveira.
Fernando Augusto Borges Júnior.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco da Silva Telo da Gama.
Henrique Linhares de Lima.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
Jaime Amador e Pinho.
João Ameal.
João Antunes Guimarãis.
João Duarte Marques.
João de Espregueira da Rocha Páris.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luiz Augusto das Neves.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes Arnaut Pombeiro.
Joaquim Saldanha.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Alberto dos Reis.
José Clemente Fernandes.
José Dias de Araújo Correia.
José Luiz da Silva Dias.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Ranito Baltasar.
José Rodrigues de Sá e Abreu.
José Soares da Fonseca.
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DIÁRIO DAS SESSÕES — N.° 165
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Júlio César de Andrade Freire.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz de Arriaga de Sá Linhares.
Luiz Cincinato Cabral da Costa.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Lopes Vieira de Castro.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel Joaquim da Conceição e Silva.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Pedro Inácio Álvares Ribeiro.
Rui Pereira da Cunha.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 53 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 40 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: — Estão em reclamação os Diários das duas últimas sessões.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Como nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, considero-os aprovados.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Antunes Guimarãis.
O Sr. Antunes Guimarãis: — Sr. Presidente: não são boas as notícias que trago do norte. Se é certo que as chuvas recentes têm suprido, até certo ponto, a falta de água nos poços, fontes e ribeiras na rega dos milharais, sendo de esperar que, com mais umas chuvadas em Junho e Julho, o trabalho da lavoura venha a ser recompensado com regular colheita da preciosa gramínea que, durante todo o ciclo vegetativo, vai alimentando o gado bovino, mercê da monda e da desbandeira e, depois, fornece fartura de palha para o alimentar durante parte do inverno e abastece os celeiros do grão que, misturado com centeio, constituo as broas deliciosas indispensáveis à alimentação do povo nortenho (como oportuna e muito inteligentemente aqui foi dito na sessão de sexta-feira pelo ilustre Deputado minhoto Sr. Dr. Rocha Páris, ao qual agradeço as generosas palavras da sua valiosa concordância); se é certo, vinha eu dizendo, serem favoráveis as perspectivas da colheita de milho, já o mesmo não se verifica com o centeio, cuja ceifa se precipitou devido às irregularidades climáticas, mas com resultados geralmente medíocres.
Os batatais temporãos não têm recompensado e são geralmente pouco prometedores os plantados mais tarde.
A falta de adubos, as geadas, alguns estragos do míldio e, por último, o maldito escaravelho têm semeado o desânimo entre lavradores que tentaram aquela cultura, caríssima devido ao preço incomportável da batata-semente, dos adubos, insecticidas e fungicidas e, ainda, à alta considerável de salários.
E os vinhedos, cuja abundantíssima nascença serviu de pretexto a uma injustificada especulação para provocar a baixa desmedida de preços dos vinhos verdes, têm sido muito prejudicados, em certos pontos, pelas geadas e, geralmente, pelo desavinho resultante das chuvas, dos nevoeiros e do frio; e já se registam invasões de míldio, tudo contribuindo para deminuir as probabilidades de uma grande colheita vinícola, como as duas últimas.
Se, infelizmente, é precária a defesa contra as intempéries, nunca serão demais os louvores e agradecimentos a todos os que perseverantemente vêm contribuindo para as descobertas de insecticidas e fungicidas, e respectivo emprêgo, a fim de combater as pragas que teimosamente infestam as culturas.
Dissera eu há dias, nesta Assemblea, não haver razões para a injustificada baixa de preços de vinhos verdes ùltimamente registada porque ainda nos separam da próxima colheita justamente os quatro meses em que se verifica maior consumo, e também porque o Govêrno autorizou a destilação de 50:000 pipas de vinho verde, ao preço de $13 o grau-litro, o que garante cêrca de 600$ por pipa nos vinhos de graduação à volta de 10 graus, e ainda em conseqüência da elevação do poder de compra da maioria dos consumidores, mercê da alta de salários.
Àquelas razões juntam-se agora, infelizmente, os estragos verificados nos vinhedos a que venho de aludir.
E digo infelizmente porque está demonstrado haver consumo garantido para as maiores colheitas de vinho verde, isto a bem de produtores e consumidores.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Orçara por 601:000 pipas a produção de vinho verde no ano de 1943 (a maior até aí registada), e as adegas estavam pràticamente vazias no S. Miguel seguinte, prontas a receber todo o vinho novo.
A colheita de 1944 excedera a anterior apenas em cêrca de 13:000 pipas. Mas há quem duvide de tam elevados números, dizendo que alguns lavradores, para se garantirem maior cota no rateio de sulfato de cobre indispensável ao tratamento das vinhas, aumentaram os números da respectiva produção nas declarações feitas.
Seja como fôr, há todas as razões para afirmar que em Setembro, quando as uvas entrarem nos lagares, estarão as vasilhas vazias e em condições de armazenarem toda a futura colheita.
Sr. Presidente: a cultura vitivinícola na região minhota não é feita com sacrifício de outras culturas fundamentais, como deploràvelmente se verifica noutras regiões.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Salvo casos raríssimos de vinhos que fogem dos moldes da zona dos vinhos verdes, as videiras frutificam na borda dos campos onde se cultivam cereais e das hortas que produzem legumes, bem como ao longo de caminhos e de cursos de água.
Trata-se de uma cultura complementar, mas absolutamente indispensável, que não prejudica, antes melhora, as condições do casal agrícola minhoto, que eu considero, pelo seu equilíbrio económico, como verdadeira obra prima.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Em geral, a um determinado número de pipas de vinho corresponde número igual de carros de milho, devendo registar-se ainda que, além de cereais, êsses mesmos terrenos produzem frutos e pastagens abundantes, que são a garantia de grande riqueza pecuária.
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Mas há mais! É que nesses admiráveis casais minhotos vivem outras tantas famílias, que constituem o grande mercado de consumo dos seus vinhos verdes e precioso alfobre de bons portugueses.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Há dias, quando atravessei o Alentejo para visitar Vila Viçosa, onde agora se eleva o interessante monumento a D. João IV e se verificam trabalhos de bem orientada urbanização, com velhos edifícios e valiosos monumentos bem restaurados e tudo muito asseado (o que, aliás, se aprecia também em Borba, Estremoz e noutras características e encantadoras povoações alentejanas), notei em certos pontos extensas vinhas a perder de vista e, paralelamente, ausência completa de casas e, portanto, de habitantes.
O expoente demográfico é baixíssimo em toda aquela vastíssima zona.
Produz-se muito, mas consome-se relativamente pouco, o que constitue mal que importa remediar. (Apoiados).
Contudo verifiquei com prazer, mas ùnicamente longe a longe, a nota fresca de casinhas caiadas e cercadas de hortas viçosas e de bons pomares, apresentando os respectivos habitantes fisionomias de saúde e alegria.
Mesmo na zona do plioceno, surge, embora raramente, essa nota alegre e animadora a desmentir afirmações acêrca da inviabilidade do respectivo povoamento.
Quanto se pode esperar da política hidroagrícola, se ela fôr bem orientada!
E quantos benefícios há a esperar da electricidade! E dos transportes!
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Orador: — Quando passei em Vendas Novas examinei muito de passagem a grande feira, que ali reünia imenso gado, e tive o desgôsto de verificar que, salvo um ou outro exemplar, era flagrante a magreza, a que nesta Assemblea se referira o nosso ilustre colega e distinto lavrador Sr. engenheiro Nunes Mexia.
Sr. Presidente: não é de temer a produção de vinho, duma maneira geral, no nosso País, em face da nossa baixa capitação, a que há dias aludi, bem como da manifesta irregularidade de colheitas.
Sobretudo em regiões como o Minho, cortas zonas das Beiras e outros pontos onde a cultura vitivinícola não sacrifica zonas capazes de produzirem econòmicamente outros géneros indispensáveis à nossa economia.
A região do Douro, claro é, está fora de toda a discussão, não só porque nos socalcos onde se cultiva a vinha mal iriam outras culturas, mas porque a excelência dos vinhos ali produzidos justifica tudo quanto se faça para a respectiva protecção.
Mas no que respeita à região dos vinhos verdes, cujos produtores, como já disse aqui, desejam que lhes permitam conservar o Jaguez e outros produtores directos como porta-enxertos, que êles julgam os mais vigorosos e resistentes à filoxera, a irregularidade de colheitas é manifesta.
Socorrendo-me do arquivo da respectiva Comissão de Viticultura, verifico que à colheita regular de 1934, com cêrca de 340:000 pipas, se seguiram duas pequenas — 80:000 pipas em 1935 e 167:000 em 1936; no ano de 1937 colheram-se 350:000 e 371:000 em 1938. Seguiram-se depois quatro anos em que as colheitas andaram à volta de 200:000 pipas. Finalmente, em 1943 subiu para 601:000 e em 1944 atingiu 614:000 pipas, que é o número mais alto que se tem registado.
Tam grande irregularidade é altamente nociva para os produtores, para o comércio e para os apreciadores do muito procurado vinho verde.
Assim, as colheitas pequenas, além de prejudicarem os produtores, porque, embora os preços subam, remuneram mal aquela cultura, que exige trabalho assíduo e a aplicação de adubos e outros produtos sempre caros, não correspondem «às necessidades do mercado, do que resulta perder-se parte da clientela nacional e, sobretudo, da estrangeira.
A exemplo do que se verifica noutras regiões, destacadamente na duriense há que providenciar no sentido de a Comissão de Viticultura dos Vinhos Verdes intervir, por meio de financiamentos e de compras, para regularizar o mercado.
Todos sabem que o problema é, no caso particular dos vinhos verdes, mais difícil que nas regiões cujos vinhos se conservam fàcilmente, e até melhoram, não perdendo com os anos, como se dá com os vinhos verdes, suas qualidades características.
Tendo as devidas cautelas nas lagaradas, conforme os conselhos das repartições técnicas competentes, já se defendem os vinhos de moléstias a que são atreitos, como a acetificação, a casse e a volta, e, mercê do tratamento das vasilhas, também se lhes aumenta a vida.
Mas parece que as pipas, balseiros e tonéis de madeira, sendo esplêndidos para os conservar durante um e até dois anos, não estão indicados para maiores períodos.
O ideal seria o engarrafamento, mas o alto preço das garrafas torna inviável êste recurso para grandes quantidades. Oxalá o Govêrno ordene providências para melhorar e baratear aquele artigo, tam fundamental para uma das nossas principais culturas!
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Ùltimamente tem-se recorrido a depósitos em cimento armado, forrados de vidro ou pincelados com silicato de potássio.
Mas são caros e não podem depois deslocar-se.
Na última colheita eu e o nosso distinto colega Sr. Jaime de Pinho fizemos a experiência da conservação do vinho verde, branco e tinto, em depósitos de ardósia (lousa de Valongo), com uma ligeira inclinação para facilitar a precipitação de bôrras e evitar a acumulação de bôlhas no tampo.
De preço consideràvelmente mais reduzido que as outras vasilhas de madeira ou cimento armado, os resultados obtidos são de animar, porque a conservação do vinho é perfeita e poupa desposas e trabalhos com sucessivos atestos.
Êsses depósitos de lousa carecem de revestimento interno por meio de pincelagem com soluto de silicato de potássio ou de ácido tartárico.
Para fazer face aos encargos da intervenção financeira na região duriense, cobra a Casa do Douro $10 por litro de vinho beneficiado e $07 por litro de vinho de pasto.
Na zona da Junta Nacional do Vinho e região do Dão os encargos não incidem directamente sôbre a produção, pois são pagos pelo comércio, correspondentes a $05 por litro de vinho vendido.
Na região dos vinhos verdes é devido pelos produtores $00(5) por litro e pelo comprador $02, também por litro, correspondentes ao vinho adquirido.
No presente ano, que é o primeiro da referida cobrança na região dos vinhos verdes, a intervenção da respectiva comissão limita-se à destilação até 50:000 pipas, como fica dito.
Mas é de esperar que aquele organismo, dirigido por pessoas competentes e que se têm esforçado por defender os avultados e fundamentais interêsses ligados aos
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vinhos verdes, há-de encontrar as melhores fórmulas para compensação da aludida irregularidade de colheitas, melhoria das massas vinárias da região minhota — a qual, aliás, se vem afirmando de ano para ano —, constituïção de adegas regionais e, não só a manutenção, mas o desenvolvimento dos mercados nacionais, destacadamente as cidades do Pôrto e Lisboa, das colónias e do estrangeiro, sobretudo o Brasil, onde o clima quente aconselha a preferência de vinhos verdes, de inconfundível frescura e altamente vitaminados.
Disse.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: — Está na Mesa a resposta ao pedido de informações feito pelo Sr. Deputado Antunes Guimarãis.
Vou mandá-la publicar no Diário das Sessões.
O Sr. Antunes Guimarãis: — Muito obrigado a V. Ex.ª.
O Sr. Presidente: — Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: — A Assemblea passa a funcionar em sessão de estudo da proposta de lei sôbre coordenação dos transportes terrestres.
A ordem do dia da sessão de amanhã será ainda a continuação da sessão de estudo da mesma proposta de lei.
Está encerrada a sessão.
Eram 15 horas e 53 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Ângelo César Machado.
Artur de Oliveira Ramos.
Carlos Moura de Carvalho.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
José Alçada Guimarãis.
José Gualberto de Sá Carneiro.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Acácio Mendes de Magalhãis Ramalho.
Alexandre de Quental Calheiros Veloso.
Alfredo Luiz Soares de Melo.
Amândio Rebêlo de Figueiredo.
António Carlos Borges.
António Cristo.
Artur Proença Duarte.
Artur Ribeiro Lopes.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
João Pires Andrade.
José Maria Braga da Cruz.
Luiz Mendes de Matos.
Querubim do Vale Guimarãis.
O Redactor — M. Ortigão Burnay.
Documentos de resposta ao requerimento apresentado, na sessão de 21 de Maio corrente, pelo Sr. Deputado Antunes Guimarãis, a que se referiu o Sr. Presidente no final do período de antes da ordem do dia desta sessão:
Elementos que poderão concorrer para apreciação dos encargos que traria para o Estado a aplicação da doutrina do resgate às diferentes concessões de caminhos de ferro.
I — Anuïdades de resgate
Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses — vide mapa I e anexo.
Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses da Beira Alta — vide mapa II.
Sociedade Estoril — vide mapa III.
Sociedade Portuguesa para a Construção e Exploração de Caminhos de Ferro (linhas do Vale do Vouga) - vide mapa IV.
Companhia Nacional de Caminhos de Ferro — vide mapa V.
Companhia dos Caminhos de Ferro do Norte de Portugal — vide mapa VI.
Deve observar-se que as anuïdades de resgate foram calculadas sôbre os elementos colhidos dos relatórios das emprêsas que se acham publicados até hoje, referindo-se portanto os últimos elementos a 1943.
II — Dúvidas sôbre a aplicação da doutrina do resgate às diferentes concessões de caminhos de ferro
1.° Direito do Estado sôbre o material circulante:
Acêrca do resgate, observa-se no relatório que precede o decreto n.º 13:829, de 17 de Junho de 1927, o seguinte:
O resgate suscita outra dúvida, que até hoje não foi resolvida explìcitamente. Segundo o direito vigente, o material circulante pertence ao domínio da emprêsa e é-lhe pago no fim da concessão.
Como se procede no caso de resgate? Os contratos vigentes só se referem ao pagamento do material de consumo, concluindo-se lògicamente que só ao expirar a concessão há obrigação de pagar o material circulante.
Pois houve quem inferisse dêsse silêncio dos contratos o direito do Estado a êsse material sem o pagar. Por esta forma bastaria resgatar uma linha no penúltimo ano da concessão para confiscar material que no ano seguinte deveria ser pago.
Importa, pois, estabelecer jurisprudência equitativa, reservando para o Estado o pagamento em prestações, se assim lhe convier, e aplicável tanto às concessões actuais como às que de futuro se fizerem.
e no texto estabelece-se para todos os contratos de concessão de novas linhas o seguinte:
Artigo 65.° Em todos os contratos de concessão de novas linhas deve ser previsto o direito de resgate pelo Estado ao cabo do prazo mínimo de dez anos de exploração de toda a linha.
Art. 66.° O resgate é feito mediante uma anuïdade determinada nos termos dos contratos vigentes, acrescida porém em cada ano que faltar para o têrmo da concessão de metade do aumento da receita líquida em relação à do último ano anterior ao resgate, por forma que a soma das duas quantias atinja, pelo menos, o juro do capital-acções, à
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taxa do juro dos bilhetes do Tesouro, do ano correspondente à anuïdade a liquidar.
§ 1.° Quando haja garantia de anuïdade, a anuïdade de resgate não pode ser inferior à que representa a garantida pelo contrato de concessão.
§ 2.° Quando não haja garantia de anuïdade, o diploma de concessão fixará o limite abaixo do qual não pode descer em caso algum a importância da anuïdade a pagar pelo resgate.
Art. 67.° O preço da remição não compreende o material circulante nem o valor dos materiais de exploração em depósito, que serão avaliados para serem pagos pelo Govêrno, na ocasião de serem entregues, pelo preço da avaliação.
§ único. O valor do material circulante, que não seja pertença do Estado será pago, à escolha do Govêrno, em globo no acto do resgate ou em tantas prestações iguais, adicionadas à anuïdade de resgate, quantos os anos que faltarem para atingir o fim da concessão, tendo-se em conta na avaliação a possibilidade da sua utilização.
Ouvida a douta Procuradoria da República, emitiu o parecer de que se junta cópia, aprovado por maioria, com as seguintes conclusões:
a) Nos antigos contratos de concessão dos caminhos de ferro portugueses não se estabelece que o Estado fique obrigado a pagar em separado, no caso de resgate, o preço do material circulante, pois antes se depreende que êste se considera incluído na respectiva indemnização;
b) Êsse sistema de indemnização está em desharmonia com os princípios que actualmente informam o direito administrativo em matéria de resgate e é susceptível de causar sérios prejuízos às emprêsas concessionárias;
c) A regra consignada no artigo 67.° do decreto n.º 13:829 é inaplicável aos contratos anteriores;
d) O Govêrno poderá, se assim o entender — e tanto não cabe à Procuradoria Geral da República propor —, obedecendo a motivos superiores de ordem económica e de interêsse geral, acordar com as emprêsas concessionárias que sejam alteradas as disposições contratuais em matéria de resgate, por forma a harmonizá-las com os princípios geralmente seguidos sôbre êsse assunto.
Nota. — Para completa informação deve acrescentar-se ainda que estas conclusões, por maioria, da Procuradoria Geral da República não foram homologadas pelo Ministro das Obras Públicas e Comunicações por seu despacho de 7 de Março de 1938, mas sim o parecer que se contém no voto discordante expresso pelo Procurador Geral da República, que conclue «... o material circulante deve ser pago conjuntamente com a indemnização no caso de resgate».
De uma forma geral todos os contratos de concessão estabelecem que:
Neste preço de remição não é incluído o valor do carvão, coque ou outros abastecimentos, que serão avaliados em separado e pagos pelo Govêrno, na ocasião de serem entregues, pelo preço de avaliação (vide artigo 27.° da concessão das linhas de norte e leste).
o que contrasta com as cláusulas de entrega, que em geral estabelecem:
Também lhe entregará todo o material circulante, mas tanto o valor dêste como o de carvão de pedra e outros quaisquer provimentos que entregar ao Govêrno ser-lhe-ão pagos segundo arbítrio de louvados.
Difere da cláusula «tipo», que é da linha de norte e leste, a que foi estabelecida para o resgate da linha Mirandela-Bragança:
O Govêrno terá a faculdade de resgatar em qualquer época a concessão do caminho de ferro.
O preço da remição não compreenderá o material circulante nem o valor dos materiais de exploração em depósito, que serão avaliados para serem pagos pelo Govêrno, na ocasião de serem entregues, pelo preço da avaliação (artigo 26.° do contrato de concessão da linha Mirandela-Bragança).
o que contrasta com o que para o mesmo efeito dispõe o contrato de concessão da linha Tua-Mirandela, de que aquela é continuação:
Em qualquer época, depois de terminados os quinze primeiros anos, a datar do prazo estabelecido para a conclusão da linha, terá o Govêrno a faculdade de resgatar a concessão inteira.
Neste preço de remição não é incluído o valor do carvão, coque ou outros abastecimentos, que serão avaliados em separado e pagos pelo Govêrno, na ocasião de serem entregues, pelo preço da avaliação (artigo 26.° do contrato de concessão).
2.° Caso particular do caminho de ferro Cais do Sodré-Cascais (Sociedade Estoril).
O artigo 8.° do contrato de concessão estabelece que esta linha seja considerada como um ramal da linha de norte e leste, ficando a Companhia concessionária:
Sujeita, para a sua construção e exploração, às cláusulas e condições que não forem modificadas por êste alvará, estipuladas no contrato de 14 de Setembro de 1859, aprovadas pela lei de 5 de Maio de 1860.
Nestes termos o que funciona é o artigo 27.° e êste determina:
Em qualquer época, depois de terminados os quinze primeiros anos, a datar do prazo estabelecido para a conclusão de ambas as linhas, terá o Govêrno a faculdade de resgatar a concessão inteira. Para determinar o preço da remição, toma-se o produto líquido obtido pela emprêsa durante os sete anos que tiverem precedido aquele em que a remição deve efectuar-se, deduz-se desta soma o produto líquido que corresponde aos dois anos menos produtivos e tira-se a média dos outros anos, a qual constitue a importância de uma anuïdade que o Govêrno pagará à emprêsa durante cada um dos anos que faltarem para terminar o prazo da concessão. Porém esta anuïdade nunca será inferior ao produto líquido do último dos sete anos tomados para base dêste cálculo.
Neste preço da remição não é incluído o valor do carvão, coque ou outros abastecimentos, que serão avaliados em separado e pagos pelo Govêrno, na ocasião de serem entregues, pelo preço da avaliação.
O que se deve considerar, para o efeito, como «produto líquido obtido pela empresa»?
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O artigo 8.° do decreto n.º 11:898, de 12 de Julho de 1926, que acabou com a «distinção de preços-bases e sobretaxas», substituído pelo regime de multiplicadores pelos decretos n.ºs 9:551 e 9:552, estabelecia:
Emquanto forem aplicados às taxas-bases das tarifas multiplicadores correspondentes às sobretaxas determinadas pela desvalorização da moeda e encarecimento da exploração, as receitas assim obtidas revestirão carácter jurídico igual ao das que provêm das taxas-bases, devendo ser-lhes dada pelas emprêsas a aplicação prevista nas leis e nos respectivos contratos.
No entanto a sentença arbitral de 14 de Janeiro de 1929 determinou que no cômputo da receita bruta não entrasse o produto dos multiplicadores (vide informação da Direcção Geral de Caminhos de Ferro de 12 de Maio de 1915).
O contrato de arrendamento é omisso quanto à hipótese de resgate (vide folheto enviado junto à referida informação de 12 de Maio de 1945).
III — Litígios
As questões emergentes da interpretação dos textos contratuais poderão ser resolvidas, consoante as regras estabelecidas nos respectivos contratos, da forma seguinte:
Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses:
Alvará da linha de norte e leste:
Artigo 74.° Todas as questões que se suscitarem entre o Govêrno e a emprêsa sôbre a execução dêste contraio serão decididas por árbitros, dos quais dois serão nomeados pelo Govêrno e dois pela emprêsa. No caso de empate sôbre o objecto em questão, será um quinto árbitro nomeado a aprazimento de ambas as partes. Faltando acôrdo para esta nomeação será deferida ao Supremo Tribunal de Justiça a nomeação do quinto árbitro.
Alvará do ramal de Cáceres:
Artigo 33.º As questões que se suscitarem sôbre a execução ou interpretação das presentes condições serão resolvidas pelo Govêrno, ouvida a Junta Consultiva de Obras Públicas e Minas.
Alvará de Santa Apolónia-S. Domingos de Bemfica:
Artigo 21.° (idêntico ao artigo 33.° do alvará do ramal de Cáceres).
Alvará de Sintra-Tôrres Vedras:
Artigo 65.° Os estatutos da emprêsa, se esta se constituir em sociedade anónima, ficarão sujeitos à aprovação do Govêrno, sem embargo da lei de 22 de Junho de 1867.
A emprêsa será considerada como portuguesa para todos os efeitos.
As contestações entre ela e o Estado serão sempre julgadas por um tribunal arbitral, composto de três membros escolhidos pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Um decreto do Govêrno fixará a forma do processo arbitral.
Alvará de Tôrres Vedras-Figueira da Foz e Alfarelos:
Artigo 72.° Todas as questões que se suscitarem entre o Govêrno e a emprêsa serão decididas por árbitros, dos quais dois serão nomeados pelo Govêrno e dois pela emprêsa:
Para prevenir o caso de empate sôbre o objecto em questão, será um quinto árbitro nomeado a aprazimento de ambas as partes.
Faltando acôrdo para esta nomeação, o quinto árbitro será nomeado pelo Supremo Tribunal de Justiça.
§ único. Serão exclusiva e definitivamente resolvidas pelo Govêrno todas as questões que se referirem à aprovação, modificação e execução dos projectos, segundo os quais a emprêsa tem obrigação de construir a linha férrea indicada nestas condições.
Alvará da marginal Cais dos Soldados-Alcântara, Belém-Cascais e Rossio-Campolide:
Artigo 23.° As questões que se suscitarem sôbre a execução ou interpretação das presentes condições serão resolvidas pelo Govêrno, ouvida a Junta Consultiva de Obras Públicas e Minas.
Alvará da Beira Baixa:
Artigo 75.° As contestações que se suscitarem entre a emprêsa e o Estado serão decididas por árbitros, dos quais dois serão nomeados pelo Govêrno e dois pela emprêsa.
No caso de empate sôbre o objecto em questão, será um quinto árbitro nomeado a aprazimento de ambas as partes.
Faltando o acôrdo para esta nomeação, o quinto árbitro será nomeado pelo Supremo Tribunal de Justiça.
§ 1.° No processo arbitral serão observados os preceitos decretados pelo Govêrno em virtude de autorização legislativa que lhe foi conferida.
§ 2.° Serão exclusiva e definitivamente resolvidas pelo Govêrno todas as questões que se referirem à aprovação, modificação e execução dos projectos, segundo os quais a emprêsa tem obrigação de construir a linha férrea indicada nestas condições.
Alvará de Coimbra-Arganil:
Artigo 48.° (idêntico ao artigo 33.º do alvará do ramal de Cáceres).
Alvará de Vendas Novas:
Artigo 48.° (idêntico ao artigo 33.° do alvará do ramal de Cáceres).
Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses da Beira Alta:
Alvará de Pampilhosa-Vilar Formoso e Pampilhosa-Figueira da Foz:
Artigo 67.° Todas as questões que se suscitarem entre o Govêrno e a emprêsa sôbre a execução dêste contrato serão decididas por árbitros, dos quais dois serão nomeados pelo Govêrno e dois pela emprêsa. Para prevenir o caso de empate sôbre o objecto em questão, será um quinto árbitro nomeado a aprazimento de ambas as partes. Faltando acôrdo para esta nomeação, será deferida ao Supremo Tribunal de Justiça a nomeação do quinto árbitro.
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Companhia Nacional de Caminhos de Ferro:
Alvará de Tua-Mirandela:
Artigo 74.° e seus parágrafos (idênticos ao artigo 75.° e seus parágrafos do alvará da Beira Baixa).
Alvará de Mirandela-Bragança:
Artigo 73.° e seus parágrafos (idênticos ao artigo 75.° e seus parágrafos do alvará da Beira Baixa).
Alvará de Santa Comba-Viseu:
Artigo 74.° e seus parágrafos (idênticos ao artigo 75.° e seus parágrafos do alvará da Beira Baixa).
Sociedade para a Construção e Exploração de Caminhos de Ferro do Norte de Portugal (linha do Vale do Vouga):
Alvará de Espinho-Viseu e ramal de Aveiro:
Artigo 55.° As questões que se levantarem sôbre a execução ou interpretação destas condições serão resolvidas pelo Govêrno, ouvido o Conselho Superior de Obras Públicas e Minas, com recurso para um tribunal arbitral.
Êste tribunal será constituído por cinco árbitros, dos quais dois nomeados pelo Govêrno, dois pela emprêsa e um quinto, para desempate, a aprazimento de ambas as partes. Faltando acôrdo para nomeação dêste quinto árbitro, será êle nomeado pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Companhia dos Caminhos de Ferro do Norte de Portugal:
Artigo 65.° Todas as contestações que se suscitarem entre o concessionário e o Govêrno serão decididas em processo arbitral, sendo observados os preceitos decretados pelo Govêrno, em harmonia com as leis vigentes.
§ único. Serão exclusiva e definitivamente resolvidas pelo Govêrno todas as questões que se referem à aprovação, modificação e execução dos projectos, segundo os quais o concessionário tem obrigação de construir as linhas férreas indicadas nestas condições.
Sociedade Estoril:
Contrato de arrendamento do caminho de ferio de Cais do Sodré-Cascais:
Artigo 8.° As dúvidas e questões que entre o Govêrno e qualquer das sociedades outorgantes ou entre estas, uma com a outra, possam suscitar-se serão resolvidas no juízo arbitral, como resulta da concessão do Estado, autorizada pela respectiva lei e acto dela emergente, cabendo intervenção obrigatória de assistente, pelo menos, àquela das outorgantes a que porventura não caiba intervir directamente ou com a qual não colida a pendência.
§ único. A intervenção directa de assistente não priva a acção do outorgante, nessa qualidade chamado, de proceder como medianeiro para facilitar a terminação amigável da dúvida ou questão, usando dos meios adequados a obter essa solução como fôr de equidade e conveniente a todos os interessados ou à causa e utilidade públicas, o que prometem observar.
Direcção Geral de Caminhos de Ferro, 26 de Maio de 1945. — O Engenheiro Director Geral, Rogério Vasco Ramalho.
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MAPA I
Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses
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MAPA I
Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses
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MAPA II
Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses da Beira Alta
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MAPA III
Linha do Cais do Sodré a Cascais (Sociedade Estoril)
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MAPA IV
Linhas do Vale do Vouga
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MAPA V
Companhia Nacional de Caminhos de Ferro
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MAPA VI
Companhia dos Caminhos de Ferro do Norte de Portugal
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Cópia. — Procuradoria Geral da República.
Sr. Ministro das Obras Públicas e Comunicações — Excelência. — Pretende V. Ex.ª que a Procuradoria Geral da República emita o seu parecer sôbre se no caso de resgate das Concessões dos serviços dos caminhos de ferro é o Estado obrigado a pagar o material circulante, nas mesmas condições estabelecidas para o têrmo do prazo de concessão, ou se, pelo contrário, a indemnização relativa à aquisição dêsse material está já incluída na anuïdade calculada nos termos dos respectivos contratos.
Vejamos:
Nos contratos de concessão encontra-se estabelecido a princípio de que fiquem pertencendo ao domínio do Estado, desde a sua construção ou colocação na linha, o caminho de ferro com todos os edifícios necessários para o serviço, seus acessórios e dependências, como carris, coxins, travessas e, em geral, todo o material fixo. Quanto ao material circulante, coque e outros provimentos, atribuem os contratos o seu domínio às respectivas emprêsas.
Em harmonia com esta diversidade de princípios respeitantes ao domínio do material fixo e do material circulante, estabelecem os respectivos contratos regras diferentes, quanto a um e outro material, para o caso de terminar o prazo da concessão: o caminho de ferro, com todo o material fixo, será entregue ao Estado, sem que por isso seja devida qualquer indemnização, mas o material circulante, carvão de pedra e outros provimentos serão pagos pelo Estado, em harmonia com o arbítrio de louvados.
A hipótese do resgate está prevista nos diferentes contratos de concessão em um artigo concebido nos seguintes termos:
Em qualquer época, depois de terminados os primeiros quinze anos a datar do prazo estabelecido para a conclusão das linhas, terá o Govêrno a faculdade de resgatar a concessão. Para determinar o preço da remição toma-se o produto líquido obtido pela emprêsa durante os sete anos que tiverem precedido aquele em que a remição deve efectuar-se, deduz-se desta soma o produto líquido que corresponde aos dois anos menos produtivos e tira-se a média dos outros anos, a qual constitue a importância de uma anuïdade que o Govêrno pagará à emprêsa durante cada um dos anos que faltarem para terminar o prazo da concessão.
Porém, esta anuïdade nunca será inferior ao produto líquido do último dos sete anos tomados para base dêste cálculo.
Neste preço de remição não é incluído o valor do carvão, coque ou outros abastecimentos, que serão avaliados em separado e pagos pelo Govêrno, na ocasião de serem entregues, pelo preço da avaliação.
Toda a dificuldade consiste em averiguar se na anuïdade calculada conforme as regras enunciadas está já incluída a indemnização respeitante à aquisição do material circulante.
Se atendermos à letra das cláusulas contratuais respeitantes ao resgate, somos levados a responder afirmativamente.
Na verdade, mostra-se dêsse preceito que, depois de se terem fixado os princípios a seguir para o cálculo da indemnização, ficou expressamente estabelecido que esta não inclue o valor do carvão, do coque e outros abastecimentos. O preço do material circulante não se encontra exceptuado do montante da remição, pelo que tem de se considerar nela incluído.
O produto líquido que serve de base para determinar o montante da remição é obtido, não só em função do material fixo, mas também em virtude do emprêgo do material circulante, pelo que então se deveria ter entendido que êste material não tinha de ser pago em separado no caso de resgate. Só assim se torna compreensível a omissão das disposições contratuais relativamente ao material circulante, quando indicam os bens cuja remuneração não está compreendida no montante da indemnização.
É certo que êste sistema de remuneração pode trazer, por vezes, sérios prejuízos para as emprêsas concessionárias quanto às despesas feitas com melhoramentos, sobretudo se o resgate é feito em data próxima do têrmo de concessão; mas não deve esquecer-se que estes inconvenientes só mais tarde foram notados e que os contratos devem ser interpretados conforme a vontade das partes no momento em que foram celebrados.
Os contratos de concessão dos caminhos de ferro portugueses são, em grande parte, a reprodução textual de alguns dos contratos relativos às linhas férreas francesas e é interessante observar que a dificuldade agora suscitada, quanto ao pagamento do material circulante no caso de resgate, surgiu também na Câmara dos Deputados da França.
Quando nesta assemblea, em sessão de 2 de Junho de 1838, se discutia o contrato respeitante ao caminho de ferro de Lille a Dunkerque, o general Lamy proferiu a seguinte frase:
A l'article 44 du cahier des charges, où il est question du prix de rachat et où ce prix est supputé
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d'après le produit net du chemin pendant un certain nombre d'années, il n'est pas fait mention du mobilier; sans doute, comme le produit net qui sert de base à évaluation du prix est également le fruit du capital employé à la construction du chemin et du capital que represente le mobilier, il est, selon nous, évident que le Gouvernement doit, en payant de prix, être censé acquéreur de l'immeuble et du meuble; mais peut-être serait-il à propos qu'une rédaction plus explicite, dans des occasions subséquents, fût substituée à la rédaction du projet.
Picard, comentando o assunto, escreve: «Esta observação era das mais judiciosas; não foi senão mais tarde que os cadernos de encargos impuseram ao Estado a obrigação de pagar, em caso de resgate, além da indemnização baseada no produto do caminho de ferro, o valor do material circulante e do mobiliário, isto é, de pagar uma segunda vez objectos já implicitamente compreendidos na liquidação da indemnização principal».
(Les chemins de fer françaises, vol. 2.°, p. 156).
Todavia é nosso dever ponderar que as cláusulas contratuais das concessões dos caminhos de ferro portugueses, na parte em que não estabelecem o pagamento do material circulante à margem da indemnização, estão em completo desacôrdo com os princípios gerais que no moderno direito administrativo informam as regras a seguir para determinar os pagamentos no caso de resgate.
A Revue du Droit Public, em um dos artigos doutrinários do professor Jèze, afirma claramente que a indemnização, na hipótese do resgate, compreende três elementos principais: o preço dos objectos que no fim normal da concessão não são adquiridos pelo concedente senão mediante indemnização, a anuïdade do resgate e o prémio da evicção.
Explicando o alcance dos dois últimos dêstes elementos, diz Jèze que a anuïdade de resgate tem por fim assegurar ao concessionário o gozo de todas as vantagens com que devia necessàriamente contar até ao têrmo da concessão, emquanto que o prémio de evicção tem por objecto indemnizar o concessionário dos benefícios futuros que seria legítimo esperar do desenvolvimento da exploração.
Nos contratos de concessão das linhas férreas francesas actualmente em vigor está estabelecido que as respectivas emprêsas receberão dentro dos três meses posteriores ao resgate os reembolsos a que teriam direito quando expirasse o têrmo da concessão, cláusula esta que implica a obrigação de pagar em separado o material circulante (Evigioreux, Legislation des chemins de fer, pp. 175 e 176; Carpentier et Maury, Traité des chemins de fer, vol. 3.°, p. 226).
A jurisprudência do Conselho de Estado tem sancionado a acumulação de indemnizações prevista nos contratos — anuïdade e pagamento do material —, conforme se verifica das notas a pp. 282 e 283 do ano 53.° da Revue du Droit Public.
No entanto, na convenção de 28 de Junho de 1921, respeitante à concessão de uma linha férrea de interêsse regional, foi alterado o sistema geralmente seguido, dispondo-se que o preço atribuído ao material fôsse calculado tomando em consideração a amortização já efectuada, baseando-se êste sistema no princípio de que a indemnização paga à emprêsa concessionária pelo material circulante constitue um prémio pelos melhoramentos introduzidos, porquanto o custo dêsse material deve ser considerado como despesas de primeira instalação do serviço e como tal levado em conta no respectivo plano de amortização (Revue du Droit Public, ano 52.°, pp. 87 e 93).
O decreto n.º 13:829, de 17 de Junho de 1927 — lei de classificação, agrupamento e concessão de linhas férreas —, veio introduzir algumas modificações quanto ao cálculo das indemnizações a pagar às emprêsas concessionárias no caso de resgate.
O capítulo III dêsse diploma, que se intitula «Concessões de linhas», está dividido em vários números, dos quais o n.º VII, designado por «Resgate das concessões», é constituído pelos seguintes artigos:
Artigo 65.° Em todos os contratos de concessão de novas linhas deve ser previsto o direito de resgate pelo Estado ao cabo do prazo mínimo de dez anos de exploração de toda a linha.
Art. 66.° O resgate é feito mediante uma anuïdade determinada nos termos dos contratos vigentes, acrescida porém em cada ano que faltar para o têrmo da concessão de metade do aumento da receita líquida em relação à do último ano anterior ao resgate, por forma que a soma das duas quantias atinja, pelo menos, o juro do capital-acções, à taxa do juro dos bilhetes do Tesouro, do ano correspondente à anuïdade a liquidar.
§ 1.° Quando haja garantia de anuïdade, a anuïdade de resgate não pode ser inferior à que representa a garantia pelo contrato de concessão.
§ 2.° Quando não haja garantia de anuïdade, o diploma de concessão fixará o limite abaixo do qual não pode descer em caso algum a importância da anuïdade a pagar pelo resgate.
Art. 67.° O preço da remição não compreende o material circulante nem o valor dos materiais de exploração em depósito, que serão avaliados para serem pagos pelo Govêrno, na ocasião de serem entregues, pelo preço da avaliação.
§ único. O valor do material circulante que não seja pertença do Estado será pago, à escolha do Govêrno, em globo no acto dó resgate ou em tantas prestações iguais, adicionadas à anuïdade de resgate, quantos os anos que faltarem para atingir o fim da concessão, tendo-se em conta na avaliação a possibilidade da sua utilização.
Mas deverá a doutrina consignada no artigo 67.°, pela qual se manda pagar em separado o material circulante, ser aplicada às concessões anteriores?
Do relatório que precede o decreto n.º 13:829 parece depreender-se que era êsse o pensamento do legislador.
Diz o relatório:
O resgate suscita outra dúvida que até hoje não foi resolvida explicitamente. Segundo o direito vigente, o material circulante pertence ao domínio da emprêsa e é-lhe pago no fim da concessão.
Como se procede no caso de resgate? Os contratos vigentes só se referem ao pagamento do material de consumo, concluindo-se lògicamente que só ao expirar a concessão há obrigação de pagar o material circulante. Pois houve quem inferisse dêsse silêncio dos contratos o direito do Estado a êsse material sem o pagar.
Por esta forma bastaria resgatar uma linha no penúltimo ano da concessão para confiscar material que no ano seguinte deveria ser pago.
Importa, pois, estabelecer jurisprudência equitativa, reservando para o Estado o pagamento em prestações, se assim lhe convier, e aplicável tanto às concessões actuais como às, que de futuro se fizerem.
Mas a verdade é que o relatório tem apenas valor informatório e do próprio texto do decreto resulta, por
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forma evidente, que essa regra é apenas aplicável às concessões futuras e não às anteriores.
O decreto n.º 13:829, quando estabelece disposições aplicáveis às antigas emprêsas concessionárias, declara-o expressamente, como acontece mos artigos 33.° e 36.°
Nem outra interpretação pode ser atribuída àquela disposição legal.
Muito se tem escrito acêrca da natureza jurídica dos contratos de concessão dos serviços públicos, mas é hoje doutrina assente que êsses diplomas têm normas de carácter geral, criadoras de situações jurídicas objectivas e regras de carácter estritamente contratual que criam situações jurídicas de natureza subjectiva. Só as primeiras dessas normas são susceptíveis de serem modificadas por lei, pois as outras apenas de comum acôrdo e em novo contrato se podem alterar, (Jèze, Les príncipes généraux de droit administratif, ed. 1914, p. 28; Dr. Magalhãis Colaço, Concessões dos serviços públicos, pp. 77 e seguintes; Dr. Marcelo Caetano, Manual de direito administrativo, pp. 87 e seguintes).
Não sofre dúvida alguma que as regras que estabelecem o preço da indemnização, no caso de resgate da concessão, são daquelas que criam situações jurídicas subjectivas e, por isso mesmo, são immodificáveis por via legislativa.
Das considerações expostas resultam as seguintes conclusões:
a) Nos antigos contratos de concessão dos caminhos de ferro portugueses não se estabelece que o Estado fique obrigado a pagar em separado, no caso de resgate, o preço do material circulante, pois antes se depreende que êste se considera incluído na respectiva indemnização;
b) Êsse sistema de indemnização está em desharmonia com os princípios que actualmente informam o direito administrativo em matéria de resgate e é susceptível de causar sérios prejuízos às emprêsas concessionárias;
c) A regra consignada no artigo 67.° do decreto n.º 13:829 é inaplicável aos contratos anteriores;
d) O Govêrno poderá, se assim o entender — e tanto não cabe à Procuradoria Geral da República propor —, obedecendo a motivos superiores de ordem económica e de interêsse geral, acordar com as emprêsas concessionárias que sejam alteradas as disposições contratuais em matéria de resgate, por forma a harmonizá-las com os princípios geralmente seguidos sôbre êsse assunto.
O Ajudante do Procurador Geral da República, Luiz Lopes Navarro.
Êste parecer foi votado por maioria do Conselho da Procuradoria Geral da República de 24 de Fevereiro de 1938, com a seguinte declaração de voto do Ex.mo Sr. Procurador Geral da República:
«Feita uma concessão para a construção e exploração de um caminho de ferro, a emprêsa concessionária é obrigada a fazer à sua custa as expropriações necessárias, os trabalhos da linha, incluindo pontes, assentamento de carris e edifícios, etc., e já se sabe — é corrente e é de lei — que tudo isso, a que se chama o material fixo, no dia em que terminar a concessão, pertence ao domínio pública do Estado, que pode continuar a exploração em régie ou dar-lhe o destino que mais convenha aos interêsses do País.
Até então a emprêsa concessionária era uma simples detentora ou usufrutuária.
Para a exploração é indispensável que a emprêsa adquira, à sua custa, o material necessário, designadamente as máquinas, carruagens, etc., isto é, o material circulante, e ainda provimentos, como carvão e óleo.
Tudo isto é propriedade exclusiva da emprêsa, o que me parece não sofrer contestação séria.
Estipulam os contratos que, terminada a concessão, o Estado se reserva o direito de adquirir o material circulante que lhe convier para continuar a exploração, excluindo aquele que, por estar deteriorado ou por outro motivo, pudesse vir a ser um encargo inútil.
Da mesma forma o Estado reserva-se ainda a faculdade de resgatar a concessão em qualquer época, findo um certo período de anos, que tem regulado quinze, pagando, neste caso, à emprêsa concessionária uma indemnização calculada sôbre as receitas que ela arrecadava.
Já se sabe, e acima o dissemos, que, terminada a exploração, o material fixo passa para o Estado; mas o material circulante e os abastecimentos, que eram propriedade exclusiva da emprêsa, que destino têm?
Não o dizem expressamente os diversos contratos celebrados antes do decreto com fôrça de lei n.º 13:829, de 17 de Junho de 1927.
Entende a maioria do Conselho da Procuradoria Geral da República que, se o Estado resolver fazer o resgate de uma concessão, em qualquer época, nos termos em que ficou a sua reserva, nada tem a pagar à emprêsa pelo material circulante que a esta pertencia, porque o preço dêsse material já foi incluído na indemnização que se calculou dar-lhe e, pagando-o além da referida indemnização, pagava duas vezes.
Pouco valor tem êste argumento desde que se faça a reflexão de que a quantia paga pelo Estado é sòmente a indemnização pelos lucros cessantes, por não ter completado o período de exploração durante todo o tempo do contrato.
Outro é, a meu ver, o sentido a dar à interpretação do contrato da concessão.
Resgatar a concessão é simplesmente fazer cessar desde logo a exploração, antecipando a época em que normalmente esta terminaria; e, então, creio eu que, lògicamente, se aplicam os mesmos princípios que regem o caso em que a concessão acabaria por ter terminado o prazo do contrato, salvo se nesta houvesse alguma cláusula que determinasse o contrário. Mas não há.
Omissão quando se fez o contrato? Não é de crer.
Tratando-se de assunto tam importante para ambas as partes, que tiveram o cuidado de se referir a cousas de menor valia e que decerto foi muito estudado e debatido, se a houvesse, teria sido remediada em alguns dos contratos subsequentes, o que não sucedeu, porque todos os contratos conhecidos até Junho de 1927 — e são êsses que para o caso interessam — têm redacção idêntica.
É a intenção, a vontade dos pactuantes que rege as estipulações contratuais. Ao interpretar um negócio jurídico é necessário ver qual seria o pensamento dos contratantes relativamente a êsse negócio, isto é, determinar o exacto alcance das palavras ou cláusulas que do contrato constem.
No caso que se discute, não posso crer que o Estado tivesse em mente deixar aberta uma porta pela qual, num dia, recebesse, sem dispêndio algum, o material que no dia seguinte teria de pagar, se tal porta não existisse; assim como não acredito que houvesse uma emprêsa que tal aceitasse.
Na realidade, a dar-se ao contrato a interpretação que a maioria do Conselho entende, o Estado, tendo a liberdade de fixar a época do resgate nos termos do artigo 27.° do contrato, podia, para tanto, designar qualquer ano: o penúltimo do contrato, a penúltima
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semana e até o penúltimo dia — em contrário à provada intenção dos contratantes.
É regra de interpretação dos contratos que todas as suas cláusulas se devem entender umas pelas outras, visto que todas elas constituem a convenção e contribuem para a realização da intenção das partes, como indica o Dr. Cunha Gonçalves no comentário dos artigos 684.° e 685.° do Código Civil, e a conseqüência assim tirada, como quere o Conselho, não se harmoniza, com o contexto do contrato.
Creio não errar dizendo que o meu modo de ver foi também o pensar do Govêrno exposto no decreto com fôrça de lei n.º 13:829, de 17 de Junho de 1927, que legislou sôbre caminhos de ferro.
Com efeito, diz-se no relatório dêste diploma:
0 resgate suscita outra dúvida, que até hoje não foi resolvida explicitamente. Segundo o direito vigente, o material circulante pertence ao domínio da emprêsa e é-lhe pago no fim da concessão.
Como se procede no caso de resgate?
Os contratos vigentes só se referem ao pagamento de material de consumo, concluindo-se lògicamente que só ao expirar a concessão há obrigação de pagar o material circulante.
Pois houve quem inferisse dêsse silêncio dos contratos o direito do Estado a êsse material sem o pagar!
Por esta forma bastaria resgatar uma linha no penúltimo ano da concessão para confiscar material que no ano seguinte deveria ser pago.
Importa, pois, estabelecer jurisprudência equitativa, reservando para o Estado o pagamento em prestações, se assim lhe convier, e aplicável tanto às concessões actuais como às que de futuro se fizerem.
No citado decreto, capítulo III, «Resgate das concessões», vem o artigo 66.°, indicando o modo de calcular a indemnização a pagar à emprêsa; e o artigo 67.° diz que o prazo da remição não compreende o material circulante, nem o valor dos materiais de exploração em depósito, que serão avaliados para serem pagos pelo Govêrno no acto do resgate ou em tantas prestações iguais adicionadas à anuïdade do resgate.
Vê-se, pois, que o Estado reconheceu expressamente que o material circulante deve ser pago à emprêsa concessionária tanto no fim do prazo da concessão como no de resgate, e que a sua doutrina se aplica tanto às concessões que se fizerem de futuro como àquelas que já existiam ao tempo da vigência do decreto n.º 13:829, de 17 de Junho de 1927.
É, pois, o meu voto, salvo a devida vénia pelo parecer em contrário, que o material circulante deve ser pago conjuntamente com a indemnização no caso de resgate.
A bem da Nação. — Procuradoria Geral da República, 5 de Março de 1938. — O Procurador Geral da República, Francisco Henriques Góis».
Despacho: Homologo o parecer que se contém no voto expresso do Ex.mo Sr. Procurador Geral, Ex.mo Sr. Dr. Góis. — 7 de Março de 1938.
Está conforme. — Lisboa, 21 de Maio de 1938.
Está conforme. — Lisboa, 15 de Maio de 1945.
Imprensa Nacional de Lisboa