O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 521

REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES
N.° 167
ANO DE 1945
5 DE JUNHO
ASSEMBLEA NACIONAL
III LEGISLATURA
(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)
SESSÃO N.° 164, EM 4 DE JUNHO
Presidente: Ex.mo Sr. José Alberto dos Reis
Secretários: Ex.mos Srs.
Manuel José Ribeiro Ferreira
José Luiz da Silva Dias
SUMÁRIO: — 0 Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 37 minutos.
Antes da ordem do dia. — Foram aprovados os Diários das duas últimas sessões.
Usou da palavra o Sr. Deputado Joaquim Mendes do Amaral, que se referiu elogiosamente ao artigo que, sob o título Neutralidade colaborante, o Diário de Notícias publicou no passado domingo, e propôs que, dêsse artigo se dêsse largo conhecimento ao País, publicando-o em folheto.
Ordem do dia. — Iniciou-se a discussão, na generalidade, da proposta de lei sôbre a coordenação dos transportes terrestres.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Antunes Guimarãis e João Duarte Marques.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 6 minutos.
O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 30 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Alexandre de Quental Calheiros Veloso.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
António de Almeida.
António Bartolomeu Gromicho.
António Rodrigues Cavalheiro.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur de Oliveira Ramos.
Artur Ribeiro Lopes.
Carlos Moura de Carvalho.
Fernando Augusto Borges Júnior.
Henrique Linhares de Lima.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Antunes Guimarãis.
João Duarte Marques.
João de Espregueira da Rocha Páris.
João Garcia Nunes Mexia.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pires Andrade.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Saldanha.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Alberto dos Reis.
José Clemente Fernandes.
José Dias de Araújo Correia.
José Luiz da Silva Dias.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Júlio César de Andrade Freire.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz de Arriaga de Sá Linhares.
Luiz Cincinato Cabral da Costa.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Lopes Vieira de Castro.

Página 522

522
DIÁRIO DAS SESSÕES — N.° 167
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel Joaquim da Conceição e Silva.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 43 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 37 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: — Estão em reclamação os Diários das duas últimas sessões.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Como nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, considero-os aprovados.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Mendes do Amaral.
O Sr. Mendes do Amaral: — Sr. Presidente: pedi a palavra para chamar a atenção desta Assemblea para o magnífico editorial publicado ontem pelo jornal Diário de Notícias com o título «Neutralidade colaborante» e ao qual já hoje o nosso ilustre colega Dr. Manuel Múrias fez no Diário da Manhã uma relevante o justíssima referência.
Sr. Presidente: quis o acaso que ontem, momentos depois de ter terminado a leitura daquele artigo e quando me demorava a meditar no altíssimo serviço que êle presta ao esclarecimento da opinião pública sôbre a nossa actuação de política externa durante o conflito mundial, me chegasse às mãos uma dessas cartas anónimas que nos entram em casa surrateira e cobardemente pela mão inocente do carteiro, na qual, como de costume, se bolsavam aleivosias e infâmias sôbre a actual situação política e sôbre as pessoas que a servem.
A própria redacção da carta, recheada de erros gramaticais, denunciava a craveira mental do anónimo, que não pode deixar de ser um dêsses muitos protozoários do pensamento, componentes da flora microbiana que infecta as sociedades modernas, mesmo em classes cuja preparação mental devia mantê-las imunes a tais infecções.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Mas instintivamente me ocorreu que a resposta a essa e a semelhantes eructações anónimas se continha no magistral artigo do Diário de Noticias e que seria portanto da maior utilidade e higiene social que dele se fizesse uma larga difusão por todo o País.
É indispensável, Sr. Presidente, que a grande maioria daqueles que há dias vitoriavam pelas ruas o triunfo da causa dos aliados fiquem esclarecidos de que êsse triunfo se deve em muito à torturada, à «dramática vigília dêsse Homem, que neste ponto da Europa não tinha nas suas mãos apenas os destinos de um povo, a segurança de uma Pátria, mas também as responsabilidades de uma confiança de tremendas perspectivas».
É indispensável, Sr. Presidente, que a pequena minoria dêsses homens, sem esperanças, sem sentimentos,
que, no dizer do Papa Pio XI, anda ligada a todas as massas da desordem e ao serviço duma tirania não menos despótica do que aquela cujo derrubamento êles vitoriavam, com acintosos requintes de ironia e segundo sentido, hajam de reconhecer no seu fôro íntimo que, se estavam ricos, não tinham passado fome, ferimentos, a morte e todas as misérias da guerra e da ocupação, o deviam exclusivamente aos triunfos diplomáticos do grande Português que colocou Hitler ante o dilema crucial de ganhar a sua guerra invadindo e ocupando a Península Ibérica ou de a perder respeitando, como teve de respeitar, a neutralidade digna, impecável e altamente útil e generosa para todos que foi a nossa neutralidade colaborante.
Sr. Presidente: se me fôsse permitido fazer uma sugestão, pediria ao Govêrno que por intermédio dos serviços de propaganda oficial mandasse fazer uma volumosa tiragem, em folheto, do artigo a que me venho referindo e que dele se fizesse a maior difusão por todo o País, levando-o sobretudo às escolas e aos campos, para que a mocidade portuguesa, que Salazar livrou da carnificina mundial, nunca pudesse esquecê-lo e para que ficasse ciente e convicta de que se algum dia tiver de marchar para outra, não o fará para satisfazer a ambição megalómana de um homem ou de um partido, como aconteceu em 1915, mas apenas para defender a independência nacional e a civilização cristã.
Disse.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: — A sessão abriu apenas com 43 Srs. Deputados, número insuficiente para se entrar na ordem do dia. Sou, porém, informado de que neste momento se encontram já na sala 46 Srs. Deputados. Havendo portanto o quorum necessário, vai passar-se à
Ordem do dia
O, Sr. Presidente: — Vai entrar em discussão, na generalidade, a proposta de lei sôbre coordenação dos transportes terrestres.
Tem a palavra o Sr. Deputado Antunes Guimarãis.
O Sr. Antunes Guimarãis: — Sr. Presidente: vamos no 11.° ano de funcionamento da Assemblea Nacional e devemos reconhecer que têm por aqui passado os problemas mais importantes da vida nacional.
Nos últimos seis meses o nosso estudo tem convergido para assuntos de particular interêsse, dos quais se destacam os da electrificação, das indústrias e agora o dos transportes.
Pode discordar-se das bases propostas e até das soluções votadas, mas ninguém contestaria a sua oportunidade nem a decisiva influência que exercerão na vida portuguesa.
Porque sempre assim pensei, direi muito de passagem algumas palavras acêrca dos pontos fundamentais do que se legislou e realizou no triénio que decorreu entre Julho de 1929 a igual mês de 1932, em que sôbre mim pesara grande quinhão das responsabilidades daqueles três sectores do fomento nacional.
No fundamental capítulo da energia eléctrica foi concedido o aproveitamento do rio Zêzere e aberto concurso para o rio Douro. Conjugava-se assim o aproveitamento do caudal mais volumoso e regular da península, que, além da produção de muita energia permanente, nos garantiria muitos milhões de unidades de energia sobrante, em condições económicas compatíveis com a laboração de indústrias-base, e da qual uma grande parte se trans-

Página 523

5 DE JUNHO DE 1945
523
formaria em permanente pela sua combinação com as centrais do Zêzere, cujas albufeiras armazenariam a água das chuvas de inverno para compensação da baixa de caudal duriense na quadra estival. Além disso haveria a contar com a sucessiva valorização do rio Douro, mercê da regularização do seu curso e dos seus importantes e numerosos afluentes na parte espanhola da sua vasta bacia hidrográfica.
Quanto teríamos ganho e o que se teria evitado se aquele plano, perseverantemente meditado, estudado e começado, se não tivesse — ainda ignoro as razões — lamentàvelmente pôsto de lado!
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — No domínio das indústrias, entre outras providências, foi publicada a primeira lei de condicionamento industrial.
Mercê dêste diploma evitaram-se muitas das conseqüências, que poderiam resultar funestíssimas, da grande crise mundial que se desencadeara em 1929.
A fórmula adoptada, que já nos defendia da desnacionalização, contrariava exageros de concorrência que ameaçava muitas das indústrias em laboração, orientava a sua distribuïção geográfica e, longe de permitir concentrações, estimulava as iniciativas privadas como base preciosa e fundamental da prosperidade económica e garantia sólida de justiça social.
Aquela orientação, de que eu tanto esperava, não logrou ser mantida.
Todos conhecem o critério que posteriormente, não só contrariou a expansão de novas iniciativas, mas impôs o encerramento de numerosas unidades fabris, que sem vantagens, antes com inconvenientes assaz conhecidos, foram a génese das memoráveis concentrações.
Por serem muito recentes, devem estar na memória de todos os comentários de que essa política foi alvo nos debates renhidos sôbre a proposta de lei de reorganização o fomento industrial. Mas... adiante, porque a ordem do dia manda-me dissertar sôbre o momentoso problema dos transportes.
Sr. Presidente: merecera ao Estado Novo particular cuidado tudo quanto se relacionava com transportes.
Anteriormente a Julho de 1929, quando eu vim lá do extremo norte para fazer o meu quarto de sentinela no Terreiro do Paço, o que por lá me reteve por três anos, isto é, até Julho de 1932, tinham os Govêrnos do 28 de Maio imprimido grande desenvolvimento à rêde de estradas a cargo do Estado e fez-se o arrendamento das nossas linhas férreas — Minho e Douro e Sul e Sueste — à Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses, geralmente conhecida por C. P.
No triénio em que me couberam as responsabilidades da pasta do Comércio e Comunicações — que após a minha saída se desdobrou em dois Ministérios e quatro Sub-Secretariados de Estado! — foi o problema dos transportes alvo das maiores atenções.
No que respeita à secção portuária, foram publicados os decretos que definiram o importante plano de obras indispensáveis nos portos e asseguraram os recursos para execução da 1.ª fase, a qual abrangia melhoramentos importantes em Leixões, Lisboa, Viana do Castelo, Aveiro e Setúbal e o prosseguimento dos que se estavam realizando na Figueira da Foz, Vila Real de Santo António e outros de menor vulto.
Relativamente à aviação, foram estudadas por uma comissão de competentes e depois aprovados por minha proposta os aeródromos da Portela de Sacavém, que felizmente já presta bons serviços a esta capital, e o da Madalena, ao sul da Foz do Douro, que se combinava com as projectadas ponte da Arrábida e auto-estrada do Pôrto a Miramar, Granja e Espinho.
Êste aeródromo, que ficaria situado a poucos quilómetros da cidade do Pôrto e com magníficas ligações, não chegou a ser construído, porque depois lhe preferiram, não sei com que fundamento, o lugar de Pedras Rubras, a muitos quilómetros daquela cidade e sem comunicações à altura. Adiante...
Em matéria de caminhos de ferro, que importava melhorar desde logo, para bem colaborarem com o automobilismo na execução das importantíssimas funções para que haviam sido construídos, foi aprovado o plano da rêde ferroviária, em que se atendia às necessidades de ordem económica e às imposições da defesa nacional.
Procurava-se interligar troços independentes para constituir sistemas com todas as vantagens de exploração unificada e prolongavam-se determinadas linhas até aos principais centros de actividade.
Pensava o Govêrno em promover a modernização do material circulante, em remodelar as normas de exploração e, simultâneamente com a política geral da electrificação, dotar com êsse grande melhoramento as zonas suburbanas e linhas de maior tráfego.
Infelizmente êste oportuno e indispensável programa não se executou paralelamente com a obra admirável das estradas, do que resultou marcada desconexão entre o carril e o nascente sistema rodoviário, com grande vantagem para êste e notório declínio para o primeiro, tendo sido preciso aguentá-lo com empréstimos e altas tarifárias, que actuaram como balões de oxigénio, de efeitos que se traduziam em mero alívio e que, longe de efeito curativo, foram agravando o mal...
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — E foi assim que a guerra veio surpreender-nos desprovidos de material circulante e na contingência, depois deploràvelmente verificada, da falta de combustíveis, do que resultou redução do número e velocidade de muitos combóios, com grandes incómodos para os passageiros, prejuízos para toda a economia e sacrifícios incomportáveis e desproporcionados para a lavoura, que tem sido e continua a ser obrigada a entregar o seu arvoredo, muito do qual exercia funções de protecção de culturas ou influía benèficamente nas condições climáticas, a preços irrisórios.
Muito haveria que dizer sôbre matéria ferroviária, mas limito-me aos pontos culminantes, para reservar o tempo de que disponho às considerações mais directamente ligadas com a proposta de lei.
Passemos às estradas. Grande obra a que o Estado Novo tem realizado neste importantíssimo sector!
Sem o grande fomento das estradas nacionais, logo seguido pela construção de numerosas estradas aparentemente modestas, mas de maior alcance, mercê da política dos melhoramentos rurais, não teria sido possível o grande incremento então tomado pelo automobilismo e, muito destacadamente, pela camionagem.
O que a Nação deve a êsses verdadeiros pioneiros da autêntica revolução operada desde então em toda a economia portuguesa!
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Orador: — Construíram-se lindas vivendas ao longo de todas as estradas, terrenos até aí estéreis foram desbravados, para se transformarem em campos férteis, hortas e pomares produtivos e até em formosos jardins.
Surgiram oficinas em locais até aí explorados por uma lavoura deficitária. Às aldeias foram regressando famílias solarengas que nas cidades procuravam o elementar confôrto que uma antiga política errada ali concentrara.

Página 524

524
DIÁRIO DAS SESSÕES — N.° 167
Por sua vez as cidades e as feiras passaram a ser mais visitadas, colhendo fartos benefícios da intensificação do respectivo comércio.
E até os caminhos de ferro beneficiaram do afluxo de passageiros e de mercadorias, mercê do novo sistema de transportes, e infinitamente maiores teriam sido as vantagens auferidas se uma série lamentável de circunstâncias não tivesse entravado a sua indispensável adaptação ao período de renovação que em boa hora nos visitara.
Repito: só quem correr o País através da nossa já importante rêde de estradas é que poderá avaliar a importância dos melhoramentos recentes, o desenvolvimento do trabalho nacional em todas as suas modalidades e o nosso crescente povoamento mercê do progresso do automobilismo, considerado nas suas múltiplas facêtas de transportes colectivos, tanto de passageiros como de mercadorias, de aluguer e ainda os particulares, quer ao serviço particular dos seus proprietários, quer como instrumentos de trabalho para valorização da lavoura, de múltiplas indústrias e do comércio em geral.
Mas, no que respeita aos camionistas, não deixarei êste tema sem prestar homenagem aos que, isoladamente e sem qualquer protecção, arriscaram todos os haveres do casal para explorarem uma modesta carreira que, iniciada geralmente com um simples veículo (quantas vezes hipotecado e suportando as exigências da usura), tendo por condutor o proprietário e constituindo emprêsas de cunho absolutamente familiar, proporcionaram aos seus conterrâneos comodidades e vantagens que, concorrendo para o progresso local, largamente contribuíram para o incontestável progresso que se vem registando nos dezanove anos de vigência do Estado Novo.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Orador: — Sr. Presidente: a legislação carecia de adaptar-se àquela admirável realidade, não a contrariando, antes estimulando-a, mas procurando organizada e dotando-a com os preceitos indispensáveis para garantia do público e da Nação.
Já em Maio de 1911 se legislara sôbre tam importante assunto, mas o Estado Novo logo de início codificara e actualizara os preceitos reguladores da matéria.
Contudo, em 1930, competiu-me intervir no importante problema, e, depois de aturado estudo, em que tive a colaboração de competentes devotados, sobretudo de delegados da benemérita instituïção conhecida por Automóvel Clube de Portugal, foi publicado, em 31 de Maio do mesmo ano, o decreto n.º 18:406, conhecido por Código da Estrada.
Antes da minha entrada para o Govêrno fora criada uma taxa de salvação nacional sôbre gasolina. Mas foi em 30 de Dezembro de 1929 que o decreto n.º 17:813, criando novas taxas sôbre gasolina, óleos, câmaras de ar e protectores de borracha (pneus), terminou com a série interminável de encargos que oneravam e afrontavam com formalidades sem conta o automobilismo em geral, em que avultavam várias taxas municipais cobradas nas barreiras dos diferentes concelhos, obrigando a constantes e demoradas paragens e expondo a multas, processos e outras conseqüências entravantes e irritantes.
Esta feliz fórmula foi depois adoptada em diferentes países.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Pode afirmar-se que da sua promulgação, conjugada com a grande melhoria verificada nas estradas nacionais, municipais e vicinais, data o grande desenvolvimento do automobilismo em Portugal, como pode concluir-se da crescente importação de veículos, desde então realizada, dos registos das comissões técnicas e do contínuo estabelecimento de novas carreiras.
Citarei também o decreto n.º 18:479, que criou as conservatórias de registo de propriedade automóvel, que contribuíram para facilitar a aquisição de veículos para o estabelecimento de carreiras.
O decreto n.º 18:558 regulamentou a aplicação do imposto de camionagem, e o n.º 19:545 regulamentou o Código da Estrada.
Outros diplomas sôbre transportes foram publicados no triénio 1929-1932, mas como a respectiva enumeração demoraria, rematarei êste pormenor da minha intervenção neste debate informando V. Ex.as de que em 1932, se a memória me é fiel, nomeei uma comissão, presidida pelo nome prestigioso do falecido general Trindade e constituída por individualidades da maior competência, para estudar a coordenação dos transportes.
O relatório valioso daquela comissão foi entregue ao meu malogrado sucessor, o engenheiro Duarte Pacheco, e serviu de base ao decreto-lei n.º 23:499, de 24 de Janeiro de 1934, que, mantendo de uma maneira geral os princípios por mim introduzidos no Código da Estrada, regulamentou larga e pormenorizadamente os transportes de passageiros e mercadorias em carros pesados, legislação que, com ligeiras alterações, ainda está em vigor.
Sr. Presidente: ditas estas palavras de história da matéria da proposta de lei sôbre coordenação de transportes, permita V. Ex.ª que eu tome ainda algum tempo à Assemblea Nacional para apreciar aquele diploma na generalidade.
Julgo que ninguém contesta a oportunidade desta iniciativa do ilustre Ministro das Obras Públicas, Sr. engenheiro Cancela de Abreu, pois se a coordenação se me impusera, como venho de dizer, há cêrca de quinze anos, e o meu dinâmico sucessor desenvolvera o mesmo assunto no citado decreto de 1934, agora, e com muito mais razão, um novo e maior esfôrço nesse sentido é preciso, porque o fim da guerra nos veio encontrar com veículos automóveis e material ferroviário a pedir substituïção imediata, devido ao serviço violento a que fôra exposto durante o longo período de perturbação bélica, e porque a revolução que deve ter-se operado na técnica de todos os sistemas de transportes o exige; e, também, devido à tendência, bem manifesta, de toda a população para utilizar veículos nas suas deslocações, mercê da alta verificada, duma maneira geral, no poder de compra, sobretudo das classes operárias, que lhes permite evitar canseiras, ganhar tempo e poupar energias; e, finalmente, porque a produção se vai intensificando e o comércio cresce paralelamente.
Sr. Presidente: entre as dezassete bases da proposta de lei encontra-se uma que bastaria para justificação da proposta.
Refiro me à base XIII, que diz:
O Govêrno promoverá o aperfeiçoamento técnico e comercial das explorações ferroviárias, para o que poderá atenuar na medida conveniente os respectivos encargos e facilitar-lhes a obtenção dos capitais necessários para a realização em breve prazo de um adequado plano de melhoramentos materiais e de reforma de serviços.
Repito: esta base justificaria por si só a proposta.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — E não só a justificaria como a sua plena execução constituïria título de glória para o ilustre Ministro que a redigiu.
Ainda mais: no vasto capítulo de realizações do Estado Novo ocuparia um dos primeiros lugares.

Página 525

5 DE JUNHO DE 1945
525
O Sr. Cincinato da Costa: — Bem poderia ser a base I...
O Orador: — E única... Mas a verdade é ser a XIII.
De acôrdo com V. Ex.ª, reconheço ser tam grande a sua importância que a proposta ficaria perfeita se se limitasse a ela, embora com outra redacção.
Sr. Presidente: o Estado Novo restaurou os monumentos nacionais.
Está em marcha a execução da grande rode escolar dos Centenários. E mais completa ficaria se fôsse aprovado o meu projecto sôbre cantinas escolares baseadas no Casal da Escola.
Construíram se hospitais, sanatórios e outras valiosas obras indispensáveis à assistência social.
Acha-se em via de realização uma política portuária em harmonia com as nossas tradições marítimas, situação geográfica, interêsses das colónias e relações internacionais.
A frota de guerra foi restabelecida, e oportunos financiamentos estimularam o desenvolvimento da frota comercial.
Não se descuraram as comunicações por via aérea.
A cultura desportiva tem merecido a particular atenção do Govêrno.
Sôbre a política de estradas já me referi.
Há, contudo, dois sectores que ficaram para trás, muito para trás:
O da hidro-electricidade, em que nos valeu, até certo ponto, a inteligência e coragem de algumas iniciativas privadas, mas que, em boa hora constituiu recentemente razão de uma lei aqui discutida e votada, e o dos caminhos de ferro, que ficou em planos e projectos...
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Do plano da rêde ferroviária, resultante de estudos do um grupo de técnicos competentes, a que pertencera o eminente especialista nesses assuntos, de alta inteligência e tenacidade inflèxivelmente mantida, o falecido conselheiro Fernando de Sousa, ainda se iniciaram trabalhos e estudos de algumas linhas classificadas na 1.ª fase, os quais bons serviços já teriam prestado se um critério oposto não tivesse ordenado a suspensão de trabalhos e estudos, como se estivéssemos perante um autêntico anacronismo, aliás desmentido pela orientação seguida noutros países, em que, sem desconhecer o valor dos novos sistemas de transportes, se reconhece a necessidade de actualizar o grande valor, na paz e em caso de guerra, que herdáramos do esfôrço tenaz e inteligente dos antepassados.
Vozes: — Muito bem!
0 Orador: — É justo reconhecer que as emprêsas do carril, em parte acicatadas pela marcha triunfante da estrada, se esforçaram por introduzir melhoramentos nos respectivos serviços.
Mas foi quási nada para o muito que haveria a fazer, a fim de que, para continuarem a existir, não precisem de transfusões feitas à custa do novo e brilhante sistema concorrente ou de nocivas elevações de tarifas.
Queremos, sim, um sistema ferroviário com vida própria e dotado da pujança precisa para, em colaboração leal com os restantes factores de transportes, bem servir a colectividade.
Estávamos, em pleno período de renovação orientado pelo Estado Novo, perante uma lacuna verdadeiramente deplorável e que urge remediar.
Pretende a proposta de lei atacar o momentoso problema? Só louvores e agradecimentos lhe são devidos.
Mas a fórmula para isso definida noutras bases será a mais consentânea com os altos interêsses nacionais?
Sr. Presidente: começa aqui a minha discordância.
Nas bases I, II e III estabelece-se a fusão, numa só emprêsa, de todas as actuais concessões, incluindo os caminhos de ferro do Estado, depois de prorrogados os prazos das concessões das linhas existentes para as unificar em duração e outras condições.
Ora está quási a findar o século de vigência da concessão das principais linhas, pois que em 4 de Maio de 1959 deverão ser entregues ao Estado as de norte e leste, o ramal de Cáceres e a de Santa Apolónia-S. Domingos de Bemfica, concedidas à C. P. A importante linha da Figueira da Foz, por Pampilhosa, a Vilar Formoso, concedida à Companhia da Beira Alta, em 2 de Agosto de 1977.
A linha de Lisboa-Sintra e Tôrres Vedras, a de Belém-Cascais, o ramal de Cascais, arrendado à Sociedade Estoril, e ainda outras concedidas à C. P., em 9 de Julho de 1981.
A linha de Tôrres Vedras-Figueira e Alfarelos em 23 de Novembro de 1982.
A linha da Beira Baixa em 28 de Julho de 1984.
Finalmente outras, de via estreita, prolongam-se até ao ano de 2000 e 2017.
Assim, dentro de catorze anos a C. P. deverá entregar ao Estado as linhas do norte e leste e outras, em bom estado de conservação, com todo o seu material fixo, seus edifícios e dependências, de qualquer natureza que sejam, sem que por isso tenha a receber dele indemnização alguma. Também lhe entregará todo o material circulante, mas tanto o valor dêste como o de carvão de pedra e outros quaisquer provimentos que entregar ao Govêrno ser-lhe-ão pagos segundo o arbítrio de louvados.
Quando o Govêrno tomar conta do caminho de ferro, finda a concessão, terá o direito de se pagar de quaisquer despesas que sejam necessárias para pôr o dito caminho de ferro em bom estado de serviço pelo valor do material circulante, carvão e mais provimentos, os quais objectos ficarão servindo nos últimos cinco anos de hipoteca especial a esta obrigação.
Pois, Sr. Presidente, a serem aprovadas as referidas bases, aquelas linhas não seriam entregues ao Estado, nas condições citadas em 1959; isto é, daqui por catorze anos teriam os prazos de concessão prorrogados possìvelmente até ao ano de 2017, ou seja mais sessenta anos em números redondos, e beneficiariam das vantagens da aludida base XIII, isto é, da redução de encargos e de facilidades da parte do Estado para obtenção dos capitais necessários à realização em breve prazo de um adequado plano de melhoramentos materiais e de reforma de serviços.
Sr. Presidente: vem-me à memória um caso similar, passado em Dezembro de 1941, com a Companhia Carris de Ferro do Pôrto.
A Câmara Municipal daquela cidade, que, no seguimento dum plano acertado e inflèxivelmente mantido, depois de resgatar as concessões do gás e electricidade e das águas, resolvera, de harmonia com as cláusulas contratuais livremente aceites pelas duas partes, resgatar também os transportes intraurbanos, em carris, mais tarde ampliados por sentença judicial a outros sistemas, foi contrariada na sua oportuna e vantajosa deliberação pelo Ministério das Obras Públicas e Comunicações.
Resolvi então comunicar a quem de direito o grande desacerto de uma tal atitude, mas, convencendo-me de que teimosamente seria mantida, disse desta tribuna, e cêrca de quinze dias antes da data fixada para tam indicado resgate, quanto julgava inconveniente perturbar o inteligente programa com perseverança mantido por ilustres vereações daquele Município.

Página 526

526
DIÁRIO DAS SESSÕES — N.º 167
Não obstante, o decreto de prorrogação foi publicado.
Depois, desta mesma tribuna, mostrei os prejuízos que estavam resultando daquela prorrogação para os cofres municipais e transtornos para os interêsses do velho burgo portuense e respectivas cercanias.
Pois, dois anos volvidos, foi publicado novo decreto de prorrogação por mais dois anos, que devem findar em Dezembro próximo.
Êste caso seria digno de mais larga dissertação. Mas surge a talho de foice, como mero incidente esclarecedor, razão por que não o desenvolverei em seus múltiplos aspectos e conseqüências.
Limito-me a citar alguns números constantes do Boletim n.º 29, ano IX, da Casa Pacheco, Filhos, Limitada, do Pôrto, aqui largamente distribuído há dias.
Resultados da exploração da Companhia Carris de Ferro do Pôrto relativos ao ano imediatamente anterior à prorrogação e três desde então decorridos:
[Ver diário original]
Se no ano corrente, último da segunda prorrogação, a cobrança de receitas fôr igual à do ano de 1944, o total cobrado a mais que em 1941, ano anterior à prorrogação, elevar-se-ia à soma colossal de 85:230665035.
Isto é, mais de 85:000 contos deixariam de entrar nos cofres municipais, porque ficaram nos cofres da Companhia Carris de Ferro do Pôrto mercê das referidas prorrogações.
É certo que as despesas também se agravaram, mas os dividendos subiram consideràvelmente, a Companhia dispôs de recursos para resgatar, só nos últimos três anos, 28:672 acções, e as cotações, segundo me informaram, quadruplicaram, mas possìvelmente poderiam ser bastante mais altas em face dos grandes valores da Companhia.
E, segundo ouvi dizer, há quem pense já na influência que os resultados extraordinários dêstes quatro anos das prorrogações poderiam ter no cálculo da anuïdade a pagar pela Câmara à Companhia Carris até terminar o prazo da concessão, se o resgate vier a operar-se; anuïdade que, devendo ser calculada pela média dos últimos cinco ou dez anos, viria a ser consideràvelmente elevada, o que, na minha opinião, não seria de admitir.
Sr. Presidente: tomei alguns minutos à Assemblea para mostrar os prejuízos colossais que para a comunidade poderiam resultar da prorrogação prevista na base I desta proposta de lei.
Depois de analisado êste ponto fundamental, cumpre-me agora declarar que o diploma em discussão me deixou, no seu conjunto, a impressão de que fôra orientado pelo critério, já aqui muito discutido e contra o qual sistemàticamente me tenho manifestado, da constituïção de monopólios nas mãos de emprêsas privadas e resultantes do sacrifício de outras emprêsas, bem como pela visão errada e receosa de superabundância onde uma análise rigorosa demonstraria apenas manifesta insuficiência de organização.
O monopólio de todo o sistema ferroviário nas mãos de uma só emprêsa privada, mercê do desaparecimento de todas as actuais emprêsas concessionárias de caminhos de ferro, não seria de admitir.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Compreendo, sim; que o Govêrno, perante a necessidade imperiosa da valorização imediata do sistema ferroviário, para bem servir a comunidade, e dada a impossibilidade financeira das respectivas emprêsas para obra de tam grande envergadura, chame a si as diversas concessões, se possível por acôrdo, e, no caso de inviabilidade, por recurso ao resgate, pois não conheço, para aquele fim, outro meio contratual ou legal, embora na base I se tenha escrito que, no caso de o acôrdo se não verificar, deverá o Govêrno tomar as medidas necessárias para satisfação dêsse objectivo.
E uma vez integrado em plena propriedade no património nacional, por acôrdo ou resgate, todo o sistema ferroviário, porque não considerar a hipótese de o fazer administrar por um organismo do próprio Estado, embora funcionando com a autonomia e liberdade de movimentos que permitam a elasticidade necessária à eficaz administração de emprêsas daquela categoria?
No relatório de uma proposta de lei aqui discutida recentemente aludia-se à má tradição de administrações feitas pelo Estado.
Ora eu sei que essa tradição é no seu conjunto prestigiosa para os organismos do Estado.
E não faltam hoje serviços da maior envergadura a continuar essa honrosa tradição.
Desfalecimentos transitórios podem verificar-se nas organizações mais perfeitas.
Elucidativo seria o confronto histórico das administrações do Estado com as do domínio privado, mas nem o tempo me permitiria tam larga dissertação nem me julgo totalmente documentado para trabalho de tanta responsabilidade.
Da mesma forma entendo que não convirá impossibilitar o Govêrno de, se um dia aparecessem emprêsas de largos recursos financeiros e comprovada competência técnica e administrativa, capazes de, sem auxílios financeiros do Estado, antes garantindo-lhe o rendimento que legìtimamente lhe cabe como possuidor do nosso grande património ferroviário, e, além disso, dando garantias de bem servir a comunidade, poder adjudicar em concurso público a respectiva concessão.
Sr. Presidente: o pensamento monopolista da proposta de lei surge ainda nas bases IV, V, VI, VII e VIII, em que se prevê a divisão do País em zonas (ouvi falar em três) para concentração de todas as carreiras de camionagem que ali funcionem, se limita a 50 quilómetros o campo de acção dos transportes de aluguer e se fala até em regulamentar os efectuados em veículos particulares. Alude-se à necessidade de grandes capitais que as grandes emprêsas poderiam realizar, como se para o estabelecimento de carreiras fôsse preciso capital muito superior ao dos veículos utilizados.
Se as estradas são nossas e o encargo de as conservar, melhorar e aumentar é da nossa exclusiva responsabilidade!...
Entendo, sim, que importa limitar a faculdade da concentração de concessões de carreiras aos casos de indiscutível utilidade pública, que, na minha opinião, raramente se verificarão.
De outra forma ficaria aberto o caminho para a absorpção de pequenas e utilíssimas emprêsas por outras financeiramente poderosas, mas menos interessantes sob os aspectos económico e social e porventura de inferior proveito para o público.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Orador: — Sr. Presidente: afirmei que da leitura da proposta me ficara a impressão de certo receio de superabundância de transportes onde de facto existe apenas insuficiência de organização.

Página 527

5 DE JUNHO DE 1945
527
No douto parecer da Câmara Corporativa fala-se em pletora de transportes.
Assim, na proposta frisa-se a conveniência de limitação do número de emprêsas e alvitra-se não sòmente que não sejam concedidas novas carreiras mas até se nega a renovação das actuais, limitando-se as prorrogações até que sejam constituídas novas emprêsas.
E na base XV estabelece-se que as carreiras concorrentes só excepcionalmente poderão ser concedidas.
Tive, porém, a satisfação de ser informado de que o referente a carreiras concorrentes não traduz o pensamento do Govêrno.
Na base XII vai-se até prever a cessação temporária ou definitiva de certas explorações ferroviárias, como se na infelizmente reduzida rêde de caminhos de ferro de Portugal houvesse algum percurso dispensável para o serviço público.
Carecidos de boa organização e do material indispensável acredito que haja muitos; mas em condições de poder ser dispensado, mesmo depois de convenientemente melhorado, não conheço nenhum.
Repito: estamos carecidos de melhorar e desenvolver o nosso sistema ferroviário, como estou absolutamente convencido da necessidade do conservarmos todas as carreiras actuais, incluindo as concorrentes, e de fomentar a criação de muitas outras.
Tudo será pouco para corresponder à ânsia da população para utilizar os transportes, mercê da elevação do poder de compra que, felizmente, nos últimos tempos se tem conquistado para a maioria da população, constituída pelas classes operárias.
E como êsse poder de compra não pode baixar, antes convém que suba, sempre que, sem desequilíbrio, as condições económicas o consintam, necessàriamente que a procura de veículos há-de aumentar. Eis a realidade que deve ditar a orientação a seguir neste sector, que é a do máximo desenvolvimento e, portanto, a condenação de toda a política nociva de restrições.
Vozes: — Muito bem!
0 Orador: — Sr. Presidente: a economia da proposta de lei caracteriza-se, essencialmente, pela constituïção de um grande monopólio ferroviário, que seria entregue a uma emprêsa particular, financiada pelo Estado, e pela concentração de todas as emprêsas rodoviárias noutros monopólios dêste sistema de transportes.
Da coordenação de uns e de outros resultaria o predomínio ferroviário, ao qual, pràticamente, ficaria cabendo o comando de todo o fundamental sector dos transportes, com a faculdade de restringir carreiras, de suspender serviços e limitar percursos.
Um Estado dentro do Estado!
Sr. Presidente: nas restantes bases da proposta, XIV, XV, XVI e XVII, outra cousa não encontro do que a reedição de preceitos que já figuravam no Código da Estrada, publicado em 1930, tais como os que se referem a características dos veículos, horários, seguros obrigatórios, para as emprêsas concessionárias, sistema tributário escalonado para compensação entre os diferentes serviços e fomento de transportes nas regiões de menor tráfego, fiscalização do trânsito e outros preceitos que estão em vigor, pelo menos, há quinze anos.
Entendo, sim, ser indispensável remodelar e actualizar as múltiplas disposições sôbre transportes, codificando-as convenientemente e expurgando-as de complicações burocráticas, de exigências descabidas e de um certo trop de zèle, sempre desnecessário e por vezes irritante, que não corresponde às recomendações constantes da lei nem ao espírito que norteou a criação dos diferentes serviços de viação e, portanto, das brigadas das estradas, que, embora sob vários aspectos tenham prestado serviços úteis, no capítulo das multas são focadas nos relatórios da Direcção Geral dos Serviços de Viação com números elevadíssimos, que já orçaram por 60:000 num só ano, o que é bastante eloqüente para dispensar quaisquer comentários.
Ao transportar para as bases da proposta de lei os referidos preceitos, que já vigoram há quinze anos, verifica-se que, proïbindo-se a renovação das concessões existentes, para só permitir pequenas prorrogações até à organização dos projectados monopólios de camionagem, são estes beneficiados com a elevação para vinte anos do prazo das respectivas concessões, quando é certo que, mais de acôrdo com as realidades, isto é, com a duração provável dos veículos e atendendo também às transformações que sucessivamente se dão na técnica da indústria dos automóveis, aquele prazo era até dez anos no Código da Estrada de 1930, depois concretamente fixado em cinco e possibilidade de prorrogação por outros cinco no decreto de 1934 que regulamentou os transportes em veículos pesados.
Ainda, como se os impostos e taxas que incidem sôbre transportes e, especialmente, o imposto de camionagem, que a citada lei de 1930 mandava, rever anualmente para adaptar às indicações que fôssem surgindo, não bastassem, estabelece-se na base XVI um novo imposto sôbre as emprêsas concessionárias, no género do imposto ferroviário, para compensação de melhoramentos a introduzir no sistema de transportes por estrada. Ora, sendo êsses melhoramentos da competência da Junta Autónoma de Estradas, que tem a sua dotação própria, chega-se à conclusão de que tudo se reduziria, em última análise, à criação complicativa e onerosa de mais um tributo sôbre os transportes automóveis.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Orador: — Sr. Presidente: para terminar esta análise à proposta de lei, que já vai longa, mas que fica muito aquém do que seria preciso dizer, vou referir-me ao projecto de supressão das Direcções Gerais de Caminhos de Ferro e dos Serviços de Viação para se constituir a nova Direcção Geral dos Transportes Terrestres e à projectada fusão dos actuais Conselhos Superiores de Caminhos de Ferro e de Viação em novo organismo que seria designado por Conselho Superior dos Transportes Terrestres e ao qual seriam dadas funções de deliberação e executivas, como as de revisão do plano ferroviário, definição de zonas, concessões de carreiras, repartição de tráfego e outras de grande envergadura.
Se estou de acôrdo com a fusão dos dois Conselhos, mas ùnicamente com funções consultivas, já o mesmo não direi sôbre a extinção das Direcções Gerais de Caminhos de Ferro e dos Serviços de Viação.
É certo que no Código de 1930, quando estávamos no início do grande desenvolvimento dos transportes em automóveis de carácter público, não foi prevista a criação de uma Direcção Geral dos Serviços de Viação, pois tudo ficou imediatamente a cargo das comissões técnicas, do Conselho Superior de Viação e do Ministro.
Mas o meu ilustre sucessor, entendendo que o desenvolvimento tomado pelas carreiras de camionagem indicava a criação daquele organismo, decretou nesse sentido.
Hoje penso que seria difícil passar sem aqueles serviços.
Julgo, porém, da maior vantagem proceder à respectiva remodelação para os simplificar e garantir a sua perfeita adaptação à projectada e indispensável coordenação dos transportes terrestres a que se refere a proposta de lei em discussão.
A constituïção do projectado Conselho Superior de Transportes Terrestres carece de revisão para corres-

Página 528

528
DIÁRIO DAS SESSÕES — N.° 167
ponder aos altos interêsses que ali não poderão deixar de ter representação.
Em especial não posso deixar de referir-me à eliminação injusta do representante do Automóvel Clube de Portugal naquele Conselho.
Digna seria de longa exposição a história daquela benemérita instituïção no sector automobilista.
Desde 1911, em que foram criadas as comissões técnicas automobilistas, que os respectivos serviços de exames, de vistorias, registos, transferências e muitos outros foram gratuitamente desempenhados por sócios daquela instituïção. Durou aquele regime de trabalho gratuito até 1927, se a memória não falha.
Simultâneamente o Automóvel Clube de Portugal encarregou-se, também gratuitamente, dos serviços de sinalização das estradas, da concessão de trípticos e certificados internacionais, interveio em convénios internacionais e garantiu sempre idónea representação do nosso País em congressos e outras reuniões sôbre problemas de viação.
No desporto da especialidade e na propaganda do turismo tem sido do maior relêvo a sua intervenção.
Deve, com justiça, reconhecer-se-lhe a importância, dos serviços prestados e prestar-lhe as merecidas homenagens pela sua larga e valiosíssima contribuïção para o grande desenvolvimento tomado pelo automobilismo, em todas as suas modalidades, a bem do nosso progresso económico e da prosperidade da Nação.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Orador: — De entre tantos serviços prestados por aquele grande e benemérito grémio permita, Sr. Presidente, que destaque a sua assistência, sempre gratuita, mas incontestàvelmente patriótica, a todos os automobilistas, sem exceptuar os que não pertencem ao número dos sócios, que encontraram sempre as suas instalações franqueadas e a colaboração inflexìvelmente leal e dedicada das respectivas gerências e do seu numeroso e habilitado pessoal para lhes obter livretes de racionamento de gasolina, distribuïção de pneus e preenchimento das muitas e complicadas formalidades que pesaram durante a guerra, e continuam a preocupar todos os que são obrigados, para garantir seus transportes, a cumprir a complicada legislação sôbre o assunto.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Orador: — Quando passei pelo Terreiro do Paço tive a honra de avaliar o valor da colaboração do Automóvel Clube de Portugal em tudo quanto se relaciona com o importante problema dos transportes.
E a circunstancia de os seus representantes serem pessoas viajadas e de grande ilustração constitue sólida garantia de que nas resoluções dos problemas em que êles intervierem, além de outras facetas em que o seu concurso nunca deixará de ser vantajoso, o aspecto das relações internacionais dos transportes em geral e, notòriamente, do automobilismo será tratado por quem de direito.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Sr. Presidente: julgo que só por lapso fôra eliminado da composição do projectado Conselho Superior dos Transportes Terrestres um delegado do Automóvel Clube de Portugal.
Tenciono voltar a esta tribuna para versar diferentes problemas focados na proposta de lei.
O Sr. Presidente: — V. Ex.ª está no uso da palavra há perto de uma hora.
O Orador: — V. Ex.ª compreende que numa matéria desta ordem não se pode ser muito sucinto.
O Sr. Presidente: — Exactamente porque sei que se trata de uma proposta muito complexa é que não quis interromper V. Ex.ª quando decorreram quarenta e cinco minutos desde que V. Ex.ª principiou a falar.
O Orador: — Agradeço a amabilidade de V. Ex.ª. Mas, como tenciono usar outras vezes da palavra sôbre esta proposta, sobretudo na especialidade, vou terminar por hoje, enviando para a Mesa várias propostas, em que me esforcei por concretizar o que venho de expor sôbre a proposta de lei, e peço licença para ler.
São as seguintes:
Proponho a substituïção das bases I, II, III e VI pelas seguintes:
Base I
0 Govêrno decretará oportunamente a fusão do sistema ferroviário — via larga e via estreita — para a sua integração no património nacional e maior eficiência dos respectivos serviços, podendo para isso usar da faculdade de resgate.
Base II
Realizada a fusão, será confiada a um organismo autónomo, com normas comerciais, a respectiva administração.
Base III
Não obstante, fica o Govêrno autorizado a promover, por concurso público, a adjudicação daquele sistema ferroviário a uma emprêsa, se circunstâncias supervenientes assim o indicarem, a bem da economia nacional e para defesa do Estado.
Base IV
Será instituído um sistema de tarifas unificado, com bases era distâncias quilométricas corridas, desde a estação de origem dos transportes até à do destino, independentemente de bitolas e de trasbordos, podendo, contudo, estabelecer-se fórmulas especiais em percursos cujas características sejam de molde a justificá-las.
Base V
Só poderão ser concedidos passes nos termos da lei.
Base VI
O plano da rêde ferroviária poderá ser revisto pelo Govêrno para interligação de troços ora independentes, acessos a centros populacionais e de actividades importantes, bem como para correcção de traçados e melhoramento nas respectivas condições económicas e técnicas, notòriamente a electrificação.
§ 1.° A aprovação de melhoramentos nos termos desta base deveria constar de lei.
Base VII
É autorizada a criação de um Fundo de actualização do sistema ferroviário.
Base VIII
Da indispensável coordenação e ligação do sistema ferroviário com os restantes transportes não poderá resultar exclusivo para qualquer emprêsa.

Página 529

5 DE JUNHO DE 1945
529
Proponho também a substituïção das bases IV, V, VII e restantes pelas seguintes:
Base IX
A iniciativa do estabelecimento, alteração e cancelamento das carreiras de camionagem compete, além das emprêsas de transportes, às autarquias administrativas e organismos representantes das diferentes actividades.
Se o Govêrno, após o indispensável inquérito, aprovar alguma daquelas iniciativas, será a mesma registada no mapa da rêde de camionagem, e, sendo o caso, ordenará as diligências legais para a sua concessão.
Base X
As carreiras actualmente em exploração podem ser prorrogadas até cinco anos, devendo o Govêrno fixar-lhes cláusulas relativas a segurança, confôrto, higiene e horários, bem como as referentes à, sua indispensável coordenação com outros transportes, e, ainda, definirá a respectiva incidência do imposto de camionagem e mais tributação para a necessária compensação entre os diferentes transportes.
Base XI
A concentração de concessões de carreiras apenas será autorizada quando se verifiquem vantagens apreciáveis para a colectividade.
Base XII
Os veículos e outros elementos constantes de cada concessão ficam adstritos à execução das respectivas cláusulas, podendo o Estado intervir, por conta do respectivo concessionário, quando se verifique risco de perturbação dos respectivos serviços.
Base XIII
É autorizada, a criação de um fundo ou sistema de compensação para fomento dos transportes em todas as regiões do País.
Base XIV
O Govêrno definirá com rigor transportes colectivos permanentes e eventuais, transporte de aluguer sem qualquer limitação de distâncias e transportes particulares, cuja circulação obedecerá apenas aos preceitos reguladores do trânsito e sôbre os quais incidirão exclusivamente os encargos, também gerais, constantes das leis em vigor.
Base XV
Serão remodeladas a Direcção Geral de Caminhos de Ferro e a Direcção Geral dos Serviços de Viação.
Base XVI
São suprimidos os Conselhos Superiores dos Caminhos de Ferro e dos Serviços de Viação.
Base XVII
É criado ùnicamente com funções consultivas o Conselho Superior dos Transportes Terrestres, com a constituïção prevista na base X da proposta de lei, adicionando-lhe representantes do Automóvel Clube de Portugal, das Direcções Gerais de Caminhos de Ferro e dos Serviços de Viação e de outros altos interêsses que o Govêrno julgue deverem ser ali representados.
Base XVIII
O Govêrno ordenará o estudo da codificação e actualização dos preceitos sôbre transportes, para serem concretizados numa proposta de lei.
Disse.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: — As propostas que o Sr. Deputado Antunes Guimarãis acaba de mandar para a Mesa serão publicadas no Diário das Sessões.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Duarte Marques.
O Sr. João Duarte Marques: — Sr. Presidente: é preocupação dominante do Govêrno elevar o nivel de vida da Nação.
A série de propostas aqui discutidas, salientando-se de entre elas as de electrificação, reorganização industrial, construção de casas económicas e hoje a de coordenação de transportes, indica indiscutìvelmente o desejo expresso.
Tem esta Assemblea feito os possíveis por corresponder, apreciando opiniões e alvitres, os quais, aprovados uns e rejeitados outros, permitem todos êles elementos de decisão por parte de quem tem o pesado encargo da governança.
A proposta de lei n.º 96, sôbre coordenação de transportes terrestres, dado o seu particular de interessar directamente o público e a vida diária da Nação, porque a envolve inteiramente desde o desejo mais pequenino, mas de respeitar, à realização mais ampla do interêsse individual ou colectivo, pode considerar-se um dos decididos passos que o Govêrno pretende realizar para o alevantamento do nivel de vida do povo português. É por isso um documento importante, evidenciando não só largo estudo do seu autor, como grande preocupação em servir bem, a bem da colectividade.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Entretanto devo dizer que encerra motivo de reparos próprios do interêsse natural de dar maior realce ao valor da sua concepção.
É natural que estes reparos sejam causa, do ambiente em que a proposta foi apreciada, possìvelmente diferente daquele em que foi concebida.
Muitas vezes o âmbito de trabalho tem influência considerável, não pròpriamente sôbre a concepção, mais sôbre a forma prevista, para, a realizar.
E assim aparecem, como agora, pontos de vista discordantes, ainda que fundamentados no mesmo desejo e anseio de uma profunda realização utilitária sob todos os aspectos, dando lugar a opiniões diversas, como a que vou explanar em ligeiros comentários.
Em minha opinião existe um princípio que deve ser mantido como preocupação fundamental quando se estudam problemas de coordenação de transportes considerados de interêsse colectivo, e que se pode definir da seguinte forma:
As emprêsas de transporte de qualquer natureza, a bem do seu próprio interêsse, criam-se, sob a orientação e contrôle do Estado, com o fim exclusivo de bem servir a Nação e não se organizam com o propósito imediato de exploração industrial.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Assim, sob êste princípio, se permitem todas as emprêsas, porque todas elas competirão em

Página 530

530
DIÁRIO DAS SESSÕES — N.° 167
possuir as melhores condições de preferência, considerando-se melhor a que melhor servir; são todas de admitir e considerar, porquanto o contrôle do Estado, manifestado apenas através a disciplina de tarifas unitárias, impostos respectivos e disposições policiais, coordena as suas actividades e protege os seus interêsses como garantia da sua vida económica.
Sob êste princípio não se limitará, mas antes se permitirá que a concorrência se manifeste livremente na comodidade, na segurança, na especialização e permanência de transporte relativas com as possibilidades do meio, para que se efective a utilização prática por parte do público.
Desta forma o regime tarifário e impostos respectivos permitem a criação do Fundo de compensação para equilíbrio económico de todas as actividades e, em paralelo, a concorrência regrada, como se expôs, permite o livre espraiar da iniciativa privada no sentido de bem servir.
A própria proposta, no seu preâmbulo, diz «que a concorrência dentro de razoáveis limites é factor de estímulo, de aperfeiçoamento e de benefício público. O que importa é que se exerça no devido campo e não exceda êsses limites, fora dos quais deixa de ser competição construtiva e passa a ser luta de extermínio».
O que é certo é que, na forma de executar esta concepção e com receio possìvelmente de evitar a, luta de extermínio, compartimentou-se em demasia a acção dos contendores, inutilizando-os por asfixia.
Vozes: — Muito bem!
0 Orador: — Sr. Presidente: são de respeitarão o facto ninguém contesta, os interêsses das emprêsas, mas no assunto em questão são mais de respeitar ainda os interêsses do público e do Estado, porque êles no seu conjunto representam os interêsses da Nação.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Pelo afirmado não é de concluir que o âmbito da proposta tenha particular simpatia por qualquer organização especial de determinadas emprêsas, porquanto reconheço que toda ela reveste o propósito de bem servir a Nação, mas o que desejo é realçar as dúvidas que tenho sôbre se a concepção na prática, como se propõe, corresponde ao fim desejado.
E sôbre êste tema estendo livremente a minha opinião.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Promover o maior número de facilidades económicas no sentido de permitir que a nacionalização ou fusão de emprêsas possa remodelar o equipamento do sistema ferroviário e melhorar o seu tráfego de acôrdo com as actuais exigências da vida é na verdade a orientação aconselhada; mas incluir, no caso de fusão e no número dessas facilidades, a prorrogação dos actuais contratos de concessão será, em meu entender, ceder ruïnosamente um valor do Estado, facto que, além de não ser consentâneo com as actuais circunstâncias nem com a política administrativa que defendemos, nada determina que o justifique.
Cercear liberdades de actuação, condicionando-as ao sabor da liberdade de exploração única para um melhor rendimento, não me parece ser política a adoptar no momento em que as possibilidades e as surprêsas dos meios de transporte podem prejudicar profunda e radicalmente essa política, como ainda inutilizar o único factor preponderante a considerar — a concorrência.
Pelo contrário, consentir liberdades de actuação sem prejudicar o rendimento próprio da exploração poderá não ser esta, pròpriamente, a política da proposta, mas é em meu entender a mais consentânea com os interêsses do País, a mais apta ao desenvolvimento das emprêsas pela iniciativa a que ficam obrigadas a desenvolver no sentido de bem servir e a mais apta às surprêsas que os novos sistemas de transporte podem apresentar.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Ainda, na primeira hipótese, a iniciativa privada, fica comodamente burocratizada, como até aqui em algumas emprêsas, pelo condicionalismo imposto por falta de concorrente; cada qual no seu lugar, de onde não pode nem precisa sair e onde não precisa melhorar, porque o interêsse está garantido pelo exclusivo que subordina, e se impõe ao público.
Na segunda, hipótese, a iniciativa privada liberta de condicionalismo procurará o ambiente de preferência para um melhor rendimento, activando os melhores esforços em benefício dilecto dos interêsses do público e, conseqüentemente, da Nação.
Sr. Presidente: definido o ambiente em que se fez o estudo da proposta e defendido o princípio da concorrência como elemento a tomar na devida conta na coordenação dos transportes, irei apreciar a mesma proposta na generalidade e sôbre os seus três pontos essenciais, que são, afinal, o seu fundamento:
A fusão das emprêsas ferroviárias;
A concentração obrigatória, das emprêsas de camionagem, ainda limitada a zonas de acção;
Os meios julgados capazes para a efectivação burocrática do pensamento proposto.
Diz-se na proposta «que se interpreta a coordenação no seu mais amplo sentido, que é o da repartição do tráfego pela forma que fôr mais útil e menos onerosa para a colectividade».
Confessa-se que ambos os meios de transporte possuem indiscutìvelmente as suas vantagens. O caminho de ferro tem a seu favor a grande capacidade, a segurança e o confôrto a qualquer distância, e o automóvel tem a seu favor a extrema maleabilidade.
Ante esta judiciosa apreciação parecia deduzir-se que para o completamento da missão seria de admitir-se o princípio da sobreposição de meios com o objectivo de realizar a comodidade da sua utilização.
Tal não acontece, porque se reparte o tráfego pelas razões já apontadas e ainda para evitar o desperdício das injustificadas duplicações de transporte; e reforça-se esta intenção afirmando que o que é preciso é que um sistema de transportes se estenda até onde o outro não pode chegar.
Salvo o devido respeito, tenho opinião contrária, porque, admitida a concorrência, onde o carril não pudesse chegar ser-lhe-ia lícito utilizar outro sistema para o conseguir; por outro lado, uma rêde perfeita de comunicações só se obterá com sobreposição de meios e, portanto, com duplicação de transportes.
Para realizar a coordenação prevista na proposta prevê-se a fusão das emprêsas de transporte ferroviárias e a concentração dos transportes automóveis limitada a zonas. Confesso que não encontro razão de ser ou motivos que justifiquem a concentração automóvel, porque, ao verificar e apreciar as inúmeras vantagens provenientes da fusão das emprêsas ferroviárias, ou mesmo da nacionalização do sistema, verifico também e em paralelo a existência dos inconvenientes de toda a espécie se acaso a mesma orientação se estendesse às emprêsas de sistemas de transporte por estrada.
As causas que existem e prevalecem e, portanto, justificam exuberantemente a urgente concentração ferroviária não existem nem prevalecem, e por isso não

Página 531

5 DE JUNHO DE 1945
531
podem justificar a concentração dos transportes por estrada, ou seja da camionagem.
Em meu entender, impor a concentração automóvel seria talvez, até certo ponto, contagiar esta concentração da maioria dos males que hoje são causa da necessidade de fusão ou nacionalização do sistema ferroviário.
Sr. Presidente: compreendo a necessidade inadiável da concentração do sistema de transportes por via férrea.
E, assim, tanto admito e defendo a nacionalização do sistema, possìvelmente influenciado pela organização modelar da Administração dos CTT, da Administração do Pôrto de Lisboa e emfim de muitos outros serviços nacionalizados, como admito e defendo a fusão das respectivas emprêsas, mas sem a prorrogação dos contratos de concessão ou desde que ela não motive fenómenos de absorpção que convém evitar.
Entretanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, já não posso compreender que, a par dêste desejo de desenvolvimento à acção de exploração da emprêsa ferroviária a constituir-se, outras emprêsas de sistema diferente de transportes, como o automóvel, não possam progredir com iguais direitos e liberdade de acção.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — A concentração imposta aos transportes por estrada traz para as emprêsas a paralisação do estímulo, embora lhes permita a fórmula mais cómoda do emprêgo de capital e acarrete para a Nação todos os inconvenientes da actividade monopolizante.
A compartimentação de zonas, fechando os horizontes às iniciativas, asfixiando as emprêsas no espaço limitado, traria para o interêsse público perturbações na ordem da comodidade dos transportes, além de afectar prejudicialmente todas as actividades económicas, de pequena grandeza e que por isso mesmo são de respeitar.
Por isso, repito os meus justificados receios de ver o interêsse público oprimido entre zonas, atrofiado pela repartição do tráfego, subjugado ao horário único da não duplicação e às exigências e arbítrios que se não evitam e são próprios da exploração única.
Sr. Presidente: entremos na última parte da análise genérica da proposta, ou seja quanto aos meios burocráticos apresentados como vida e actuação ao pensamento da coordenação.
Existem presentemente a Direcção Geral de Caminhos de Ferro, a Direcção Geral dos Serviços de Viação e os conselhos respectivos.
A acção dêstes organismos tem sido até hoje de molde a que os sistemas de transporte em actividade mantenham as suas explorações e relações sem quaisquer atritos ou conflitos, ou mesmo contrariedades.
O facto é para mim sintoma de que, apesar de os sistemas de transporte não estarem coordenados, e, portanto, com o campo aberto à disputa, tem sido eficiente a acção das respectivas direcções gerais, e como tal mais eficiente será ainda quando a coordenação fôr um facto.
Por outro lado, quer o sistema de transportes por via férrea, quer o sistema de transportes por estrada, necessitam cada vez mais de especialização definida, não só porque o material é totalmente diverso, como ainda são verticalmente opostos os meios de actuação e exploração.
Cada sistema requere um ambiente técnico apropriado, para que a missão burocrática não sofra de interferências que podem originar perdas ou prejudicar o expediente próprio dos interessados, além de atrofiar iniciativas de maior alcance em favor de melhor utilização a bem do interêsse colectivo.
Por outro lado, os estudos técnicos que cada sistema possue só poderão resultar completos se êles se realizarem num conjunto de repartições orientado superiormente pelo respectivo director geral, como de resto existe ainda, e que afinal tem provado bem.
O fado de se pretender coordenar os transportes terrestres não implica que seja necessário misturar as direcções gerais existentes, como a supor-se que da mistura resulte um composto homogéneo tendente a facilitar a coordenação.
Em meu entender não se torna fácil obter boa liga da mistura do carril com a estrada e da roda de aço com a de borracha, pelo que só vejo inconvenientes na criação de uma só direcção geral.
Guardarei para a devida oportunidade apreciações maia completas, quando na especialidade o caso fôr pôsto à votação.
Sr. Presidente: acabei as minhas considerações sôbre a apreciação na generalidade da proposta de lei em discussão.
Tentei expor a minha opinião, o mais resumidamente possível, mas com a clareza suficiente, para definir a minha atitude quanto aos pontos essenciais da proposta, muito em especial sôbre os que na discussão da especialidade serão então motivo de reparos mais evidentes.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: — Como não está mais nenhum Sr. Deputado inscrito para usar da palavra na sessão de hoje, o debate continua na sessão de amanha.
Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 6 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Acácio Mendes de Magalhãis Ramalho.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
António Cortês Lobão.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
João Ameal.
João Luiz Augusto das Neves.
José Alçada Guimarãis.
José Pereira dos Santos Cabral.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Querubim do Vale Guimarãis.
Rui Pereira da Cunha.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhãis.
Alberto Cruz.
Alfredo Luiz Soares de Melo.
Amândio Rebêlo de Figueiredo.
Ângelo César Machado.
António Carlos Borges.
António Cristo.
Artur Proença Duarte.

Página 532

532
DIÁRIO DAS SESSÕES — N.° 167
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco da Silva Telo da Gama.
Jaime Amador e Pinho.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes Arnaut Pombeiro.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Braga da Cruz.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Ranito Baltasar.
José Rodrigues de Sá e Abreu.
Luiz Mendes de Matos.
Pedro Inácio Álvares Ribeiro.
O Redactor — Luiz de Avillez.
Imprensa Nacional de Lisboa

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×