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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES
N.° 172
ANO DE 1945
12 DE JUNHO
ASSEMBLEA NACIONAL
III LEGISLATURA
(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)
SESSÃO N.° 169, EM 11 DE JUNHO
Presidente: Ex.mo Sr. José Alberto dos Reis
Secretários: Ex.mos Srs.
Manuel José Ribeiro Ferreira
José Luiz da Silva Dias
SUMARIO: — O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 40 minutos.
Antes da ordem do dia. — Foram aprovados os Diários das duas últimas sessões. Deu-se conta do expediente.
Ordem do dia. — Terminou a discussão, na generalidade, da proposta de lei sôbre a coordenado dos transportes terrestres. Usou da palavra o Sr. Deputado Soares da Fonseca. O Sr. Presidente encerrou a sessão às 16 horas e 12 minutos.
O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 31 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Acácio Mendes de Magalhãis Ramalho.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhãis.
Alberto Cruz.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre de Quental Calheiros Veloso.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Rodrigues Cavalheiro.
Artur Águedo de Oliveira.
Fernando Augusto Borges Júnior.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Henrique Linhares de Lima.
Jaime Amador e Pinho.
João Ameal.
João Antunes Guimarãis.
João Duarte Marques.
João de Espregueira da Rocha Páris.
Joaquim Mendes Arnaut Pombeiro.
Joaquim Saldanha.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Alberto dos Reis.
José Dias de Araújo Correia.
José Luiz da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Ranito Baltasar.
José Rodrigues de Sá e Abreu.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Júlio César de Andrade Freire.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz de Arriaga de Sá Linhares.
Luiz Cincinato Cabral da Costa.
Luiz da Cunha Gonçalves.
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Luiz Lopes Vieira de Castro.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Luiz Mendes de Matos.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel Joaquim da Conceição e Silva.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Pedro Inácio Alvares Ribeiro.
Rui Pereira da Cunha.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
0 Sr. Presidente: — Estão presentes 50 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 40 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: — Estão em reclamação os Diários das duas últimas sessões.
O Sr. Carlos Borges: — Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer ao Diário das Sessões n.º 171 a seguinte rectificação: a l. 19.ª, col. 1.ª, p. 580, deve ser iniciada por «O Orador», em virtude de o meu àparte terminar na linha anterior.
O Sr. Presidente: — Visto que mais ninguém pede a palavra, consideram-se aprovados os referidos Diários, com a rectificação apresentada.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Exposição
Sr. Presidente da Assemblea Nacional. — Excelência. — A Companhia Carris do Ferro do Pôrto, S.A.R.L. com sedo no Pôrto, vem esclarecer algumas afirmações feitas pelo Sr. Deputado Dr. Antunes Guimarãis na sessão de 4 de Junho corrente e pede que esta breve exposição seja publicada no Diário das Sessões.
O contrato de exclusivo de transportes no concelho do Pôrto, que devia terminar no dia 22 do Dezembro de 1941, por a Câmara ter usado da faculdade do resgate (note-se que o têrmo normal do contrato era em 1981), foi prorrogado por dois anos, em virtude de as três entidades — Govêrno, Câmara e Companhia — concordarem nessa prorrogação (decreto n.º 31.677, de 22 de Novembro de 1911, e portaria de 20 de Dezembro dêsse ano).
Os motivos da mesma prorrogação foram óbvios.
Nesso momento era impossível estabelecer as bases do novo contrato, atendendo à anormalidade da situação criada pela guerra.
E o Govêrno, fiel à orientação económica estabelecida na Constituïção Politica e no Estatuto do Trabalho Nacional, entendia que era inconveniente a municipalização.
O decreto n.º 32:208, de 10 de Novembro de 1943, prorrogou a concessão por mais dois anos tendo o Govêrno, para decretar essa prorrogação, obtido também o acôrdo da Ex.ma Câmara e da Companhia. É que subsistiam as razões que determinaram a primeira prorrogação.
Cita o Sr. Dr. Antunes Guimarãis o boletim de uns cambistas desta cidade, e quem lesse tais números poderia supor que a Companhia, nos quatro anos da prorrogação, embolsa mais de 85:000 contos de lucros líquidos. Infelizmente estes não perfazem, sequer, metade dessa importância.
O aumento de receitas derivou especialmente da falta de transportes e foi, na sua maior parte, absorvido pelo grande acréscimo de despesas e pelos encargos do pessoal.
Basta dizer que, sendo a receita líquida de 1941 de perto de 8:000 contos, as dos anos de 1942, 1943 e 1944 oscilaram entre os 10:000 e 11:000, supondo-se que a de 1945 será inferior.
Quere dizer, o aumento de receita líquida andará, nos quatro anos (1942 a 1945), ao redor de 12.000 contos.
A situação dos accionistas não pode considerar-se brilhante, atendendo-se a que o capital, em grande parte ouro, com que entraram para a emprêsa não teve remuneração durante dezenas de anos e, por último, tem sido remunerado com parcimónia.
O Govêrno da Nação e a Ex.ma Câmara saberão, sem necessidade de mentores, defender o interesso público.
A bem da Nação. — Pôrto, 9 de Junho de 1945. — Pela Companhia Carris de Ferro do Pôrto, o Administrador Delegado, Luiz dos Santos Monteiro.
O Sr. Presidente: — Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: — Continua a discussão na generalidade da proposta de lei relativa à coordenação dos transportes terrestres.
Tem a palavra o Sr. Deputado Soares da Fonseca.
O Sr. Soares da Fonseca: — Conta-se do grande Alves Mendes, uma das glórias da nossa tribuna sagrada, que, estando já no declinar da vida, lhe sucedia, por um estranho esquecimento, repetir às vezes, quási por inteiro, sermões que andavam impressos e a sua memória tinha em viva lembrança.
E conta-se também que isto mesmo se verificou um dia em que prègava do alto do púlpito da Sé Nova em Coimbra. Mas um estudante da velha Universidade, levado da natural irreverência própria dos impulsos da juventude, tivera o cuidado de ir para a igreja munido do volume ou dos volumes de sermões que corriam impressos e êle muito atentamente folheara. Depressa encontrou os trechos que estavam sendo decalcados na tribuna. Então, muito subreptìciamente, introduziu-se nas escadas do púlpito, subiu até perto do orador e começou de lhe ir lendo ao jeito de «ponto» o que o próprio Alves Mendes havia de dizer.
Alves Mendes, porém, sem quebrar a altivez da sua dignidade, encontrou hàbilmente forma de introduzir no exórdio da sua oração esta resposta, cuja serenidade quebrou o gôsto irreverente do estudante: «Parece que já não sou senão fonógrafo de mim mesmo».
Ora, Sr. Presidente, a maturidade a que chegou a discussão, na generalidade, desta proposta de lei vai fazer-me cair na situação difícil de nada mais ter a dizer do que repetir por forma apagada o que tam brilhantemente antes de mim foi dito do alto desta tribuna. Fugirei, contudo, tanto quanto puder a tornar-me eco, necessàriamente infiel, de autorizadas vozes alheias e preferirei ser fonógrafo de mim mesmo, limitando-me a reproduzir diante de V. Ex.ª, Sr. Presidente, e da Assemblea Nacional algumas das modestas considerações que tive ocasião de expor no decorrer das várias sessões de estudo.
Sirva ao menos de grato alívio para toda a Câmara a promessa de que serei breve.
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Sr. Presidente: o Sr. Dr. Mário de Figueiredo, sem lisonja e sem favor um dos mais brilhantes ornamentos desta casa, expôs aqui, com o vigor e o brilho próprios da sua inteligência, alguns dos princípios fundamentais informadores da proposta de lei. Há todavia um princípio fundamental que especificamente a caracteriza, segundo creio, e merece, por isso, particular atenção, refiro-me à preocupação, cujo domínio me parece visível em toda a economia da proposta, de proteger e defender os transportes ferroviários.
Não nego, e decerto ninguém de bom senso negará, a necessidade, a legitimidade desta protecção e desta defesa.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — A necessidade resulta das precárias circunstâncias económicas em que se encontra a sua exploração.
Vem-lhe a legitimidade do facto de os caminhos de ferro constituírem um alto problema de ordem económica, política e social.
Basta reflectir, mesmo ao de leve, por exemplo: no considerável montante dos valores neles investidos; na avultada carga tributária que dêles sai para as receitas do erário público; na legião de empregados que andam ao seu serviço; no papel indispensável que representam dentro do sistema da defesa militar do País; na missão capital que lhes cabe dentro do vasto quadro dos interêsses gerais agrícolas, comerciais e industriais da Nação.
A necessidade da protecção e defesa dos caminhos de ferro é evidente. A sua legitimidade está fora e acima de qualquer dúvida séria.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Sr. Presidente: mas como se orienta a proposta na procura desta defesa e na busca desta protecção?
Utilizando duas espécies de processos, que poderei talvez chamar: directos, uns; indirectos, outros.
É protecção directa o estabelecimento de uma concentração total do sistema ferroviário, concentração a que me não parece poderem fazer-se objecções de monta e que, pelo contrário, se me afigura de louvar.
Nem isto se estranhe da parte de quem se mostrou aqui adversário irredutível de concentrações sistemáticas.
Os caminhos de ferro pertencem ao número daqueles ramos de actividade económica que só podem constituir-se sob a forma de portentosas sociedades anónimas, com vastos capitais despersonalizados e que ou hão-de trabalhar em muito grande ou não funcionarão bem.
Não há, assim, que pôr, acêrca dêles, os inconvenientes que do alto desta tribuna apontei para as concentrações ao discutir-se aqui a proposta de lei sôbre reorganização industrial. Quando muito, podemos dizer que, no caso presente, a concentração, sendo um mal, é um «mal necessário».
Concentração, portanto, e concentração total dos caminhos de ferro — já que não são iguais as condições de exploração nas mãos dos actuais concessionários e se torna mester, para benefício do País, que os lucros e os prejuízos se possam repartir pelo conjunto da exploração de toda a rêde ferroviária.
É também defesa directa a faculdade de se suprimirem algumas linhas deficitárias — preceito em cuja análise não vou entrar agora, para me ater só à generalidade da discussão da proposta, mas do qual, não obstante, há-de dizer-se que se não entende bem quando pôsto em confronto com a faculdade de arredar da exploração comum certas linhas rendosas, e, sobretudo, que não terá justificação senão quando o transporte ferroviário fôr eficazmente substituído por outros.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Feitas estas breves considerações sôbre a protecção e defesa directas do sistema ferroviário, vejamos agora o que chamei processo indirecto.
Aqui, parece-me, as medidas preconizadas na proposta envolvem a idea de dar aos caminhos de ferro uma verdadeira hegemonia, subalternizando-se-lhes em vasta medida os transportes por estrada.
Ora, Sr. Presidente, será necessária esta segunda modalidade de protecção? E ainda, sendo-o, haverá de considerar-se legítima tal defesa?
Salvo melhor critério, por emquanto não está provada a necessidade de, para proteger os caminhos de ferro, restringir e restringir excessivamente a camionagem.
Mercê do regime de monopólio em que exercia os transportes, o nosso sistema ferroviário burocratizou-se. Ancilosou os seus processos de administração. Não se adaptou em apetrechamento. Deixou envelhecer e encardir a sua regulamentação.
Tem relógios nas estações, mas não servem para regular horários. Passa-lhe ao lado o veículo automóvel e não curou de aumentar a velocidade das suas máquinas. Diz-se que está subordinado a uma direcção geral, mas esta não lhe impõe perfeita coordenação de chegadas e partidas dos combóios em estações de ligação para linhas diversas.
Em suma, descurou a ordem e a segurança; menosprezou a rapidez e o confôrto; esqueceu o progresso, decerto por não ter vislumbrado a concorrência.
Ora, além do refôrço, mercê da concentração preconizada na proposta, das condições económicas da exploração do nosso sistema ferroviário, porque não há-de êle tentar, embora com eficaz auxílio do Estado, remodelar-se, actualizar-se, fazer dentro de si uma revolução interior, semelhante àquela revolução interior que se aconselha aos homens para que se dispam do homem velho e se vistam do homem novo?!
Não estará, então, em condições de se bastar a si próprio e até de eliminar a concorrência da camionagem em certos casos?
Por que justos motivos há-de êle vir, antes de se impor esta espécie de auto-protecção; proteger-se à custa de limitações, restrições e encargos impostos à camionagem?
De mais, ainda quando revelada necessária, esta forma de defesa parece-me inconveniente.
É que, Sr. Presidente, os transportes colectivos por estrada assumiram, no quadro dos interêsses gerais do País, um lugar de alto relêvo, que não é inferior aos dos caminhos de ferro e se mostra, pelo menos, tam indispensável como o dêstes.
Efectivamente, pode com inteira afoiteza proclamar-se que, em relação aos caminhos de ferro, não são menores na camionagem, e até nalguns casos bastante maiores: nem os quantiosos valores monetários nela investidos; nem o grosso volume dos impostos que paga ao Estado; nem o numeroso pessoal nela ocupado; nem a alta importância dos seus serviços para as necessidades militares; nem o extraordinário desenvolvimento económico por ela trazido ao País.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Bastará para documentar a afirmação o seguinte breve apontamento:
Cálculos recentes, já aqui apontados pelo Sr. Deputado Dr. Ulisses Cortês, avaliam em cêrca de 2 mi-
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lhões de contos o valor das instalações fixas e dos capitais investidos no comércio da gasolina e outros produtos — quantia a que deve somar-se o valor dos próprios veículos, cujo custo, antes da guerra, era computado em cêrca de milhão e meio de contos.
Pelo que respeita a imposições tributárias, o Estado arrecadou no triénio anterior à guerra cêrca de 27:000 contos de imposto ferroviário, contra mais de 100:000 contos da circulação na via terrestre.
No capitulo de pessoal, se considerarmos a existência aproximada de 50:000 viaturas, com o correspondente numero de motoristas, acrescido dos seus ajudantes e dos empregados existentes nas instalações fixas e noutros serviços auxiliares ou complementares, os números são igualmente impressionantes.
Em matéria de defesa militar, se o caminho de ferro é necessário para transporte, a camionagem é indispensável para a concentração dos meios de defesa e até para o seu transporte, mesmo a longa distância.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Finalmente, está à vista de todos o que tem sido a camionagem, para mais neste País de escassa rêde ferroviária, em utilíssima aproximação de distâncias, em benéfica valorização dos produtos, em feliz desenvolvimento de regiões abandonadas.
Só uma visão superficial, parada diante do volume concentrado dos caminhos de ferro, seria capaz de julgar o contrário do que deixo afirmado, esquecendo-se de avaliar a grandeza dos muitos montantes dispersos nos transportes colectivos por estrada.
Arredemos tal ilusão de óptica!
Sr. Presidente: os transportes por estrada estão longe de merecer, quanto a mim, quer a subalternização em que parece colocá-los a proposta, aliás animada dos melhores propósitos, quer o plano secundário a que parece fazê-los descer o parecer da Câmara Corporativa, aliás muito douto e bem elaborado.
Eles revelaram-se fecundo instrumento de progresso, que de há muito vêm realizando apertados nas malhas de uma estreita regulamentação, superior talvez à disciplina regulamentar dos caminhos de ferro.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Na verdade, há para êles um sem número de licenças a pedir e de regras sujeitas a miúda fiscalização efectivamente realizada:
Êle é a proïbição de transportar passageiros a mais — o que se não observa nos caminhos de ferro;
Êle é a multa por falta de observância de horário — quantas teria de pagar o caminho de ferro se fôsse fiscalizado?;
Êle é a penalidade pela falta de relógio ou pelo seu mau funcionamento, pela falta de conta-quilómetros, pelo escape livre, pela falta de farol, pela falta de espelho retrovisor, etc.
O Sr. Carlos Borges: — E até pela falta de boné...
O Orador: — Agradeço a V. Ex.ª o seu àparte, que serve de apoio ao que vinha afirmando.
Alguém já disse que nenhum veículo está seguro — tam excessiva e apertada é a regulamentação — de sair da garage certo de que não vai incorrer na prática de qualquer infracção e de ser responsabilizado por ela.
O caminho de ferro está sempre certo de que as cometerá e de que as poderá cometer impunemente.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — De todo o exposto, Sr. Presidente, quero concluir que os transportes colectivos por estrada devem ser tratados no mesmo pé de igualdade dos transportes ferroviários. Demais, não foi aqui dito que a proposta os considera serviço público e que é obrigação do Estado assegurar a realização dos serviços públicos? Porquê então um regime desigual para os dois serviços? Porque adoptar, como forma de realização do transporte colectivo por automóvel, um processo que leva à sua deminuïção?
Por isso me parece de rejeitar a divisão do País em zonas, que tanto podem ser três como trinta, e outras restrições contidas na proposta.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Aliás, a base em que se prescreve o estabelecimento de zonas parece-me envolver uma contradição quando simultâneamente preconiza para os transportes colectivos por estrada um regime de concentração, que foi dito aqui pelo Sr. Dr. Mário de Figueiredo ser mitigada — e efectivamente o é — em relação à dos caminhos de ferro e eu julgo excessiva, quando considerada em si mesma.
Aqui há que pôr todos os inconvenientes das grandes concentrações e que procurar, portanto, os benefícios da personalização ou deminuta despersonalização do capital — aspectos que apontei a propósito da lei de concentração industrial.
Nem vale dizer-se que também aqui se verifica a tendência natural para o agrupamento de emprêsas. A concentração em larga medida deve ter derivado da crise imposta à camionagem pelas dificuldades do momento presente.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Ela tem sido, de resto, favorecida e vigiada pela Administração, embora me pareça que por vezes em demasia, pois creio começarem a surgir, aqui ou além, concentrações desnecessárias e até perigosas, criando pequenos ou grandes potentados, que oferecem graves inconvenientes de ordem económica, política e social.
Nem se diga também que só com grandes concentrações se conseguem estabelecer carreiras de exploração económica deficitária.
Diz-se que em regime de concentração se produz melhor e mais barato. Em teoria é sempre assim. Na prática, sobretudo quando a concentração vai ao ponto de eliminar a concorrência, quási sempre se produz pior e mais caro.
O Sr. Ângelo César: — Se nós nos deixássemos seduzir pelo esplendor das concentrações tínhamos de admirar e de aceitar o facto comunista — a Rússia.
Porém, nós não o aceitamos, e hoje somos mais anti-comunistas, mais anticoncentracionistas do que nunca.
O Orador: — Não há dúvida. E continuo o meu raciocínio:
Carreiras deficitárias há-de talvez ser mais fácil impô-las a pequenos empresários, beneficiários de uma ou mais carreiras lucrativas, do que a empresários potentes. Estes hão-de eximir-se mais fàcilmente a aceitar a obrigação e, quando a aceitem, não lhes faltarão pretextos para se furtarem ao seu regular cumprimento. O Estado capitulará mais fàcilmente perante êles e até, se as circunstâncias o permitirem, êles obterão a dispensa oficial do encargo — o que até certo ponto pode ver-se incluído na presente proposta, na base em que se
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admite legalmente o abandono de exploração de linhas deficitárias.
Aliás esta excessiva concentração, além de desnecessária, parece enfermar de ilogismo, quando se examina todo o contexto da base que a prescreve.
Pretendem-se grandes emprêsas, fortes, sadias, dotadas de sólidos capitais, confiadas a competentes empresários, possuidoras de esplêndidos motores, carros cheios de confôrto. Mas estes, como disse alguém, não poderão ter rodas ou não terão rodas pneumáticas: adaptar-se-lhes-ão rodas ronceiras de carros de bois. É contra a própria natureza do veículo automóvel tam rígida limitação.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Fazer mais restrições aos transportes colectivos do que as já existentes no actual regulamento, sem embargo de êste se actualizar e aperfeiçoar, equivaleria a dizer que êles não convêm, e não podendo morrer de morte natural devem sofrer morte legal.
Até aqui, Sr. Presidente, embora de modo perfunctório, eis o que me parecia necessário apontar como sendo de mais saliente quanto à concentração dos transportes colectivos de via terrestre.
Mas, Sr. Presidente, a proposta, como salientou — e bem — o Sr. Dr. Mário de Figueiredo, vai mais além. Pretende pôr, como aqui foi brilhantemente afirmado, os meios de transformação dos mesmos transportes e até problemas que com êles nada têm, como espero dizer melhor, isto é, mais desenvolvidamente, durante a discussão na especialidade. Designadamente, pretende também transformar a situação dos transportes não colectivos, instaurando para êles um regime jurídico muito apertado. Neste ponto divirjo mais uma vez da proposta.
A nossa rêde de transportes colectivos é por emquanto pequena. Não há inflação de transportes. O Estado não os assegura ainda fáceis e rápidos e cómodos e baratos. Até lá, pelo menos limitar os transportes particulares, incluindo os de aluguer, é, salvo o devido respeito e para utilizar uma imagem de outrem, como se dissesse: há povoações com barbeiros insuficientes; há-as com mais barbeiros, e até as há sem barbeiro. Todavia fica vedado aos particulares barbearem-se em casa. Por mim continuo partidário de se poder fazer a barba em casa...
Risos.
Não invalida todo o exposto, Sr. Presidente, a aprovação da proposta na sua generalidade, pois se trata de questões que será fácil remediar durante a discussão na especialidade. Por isso votarei algumas propostas de emenda que sei já foram ou vão ser enviadas para a Mesa, e eu próprio vou subscrever algumas prevendo a hipótese de as não haver iguais ou semelhantes.
Entretanto, Sr. Presidente, há que louvar, digo-o sinceramente, a nobre coragem do ilustre titular das Obras Públicas em pôr decididamente um problema que demandava solução e está no momento oportuno de a receber.
Guiado, aqui ou além, por princípios diversos dos que irão parecer aconselháveis à Assemblea Nacional? Não admira! Em matéria desta monta é natural surgirem opiniões divergentes, que existem até, e acaloradas, dentro desta casa. Não pode negar-se ao Govêrno o direito de ter a sua. À Assemblea Nacional compete, porque se trata de medidas de larga projecção no futuro e cuja realização há-de caber a mais de um Govêrno e até a mais de uma geração, compete, dizia, ver que mais do que de política do Govêrno, se trata verdadeiramente de política do próprio Estado.
Só por isso me parece justificada a vinda da proposta em sessão extraordinária. Só por isso também há-de a Assemblea mostrar-se digna da rasgada iniciativa do Ministro e da gravidade nacional do problema sôbre que vai decidir.
Vozes: — Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: — Está encerrado o debato na generalidade.
A discussão na especialidade começará na sessão de amanhã.
Está encerrada a sessão.
Eram 16 horas e 12 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Ângelo César Machado.
António de Almeida.
Artur de Oliveira Ramos.
João Luiz Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
José Alçada Guimarãis.
José Clemente Fernandes.
Manuel Alaria Múrias Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alfredo Luiz Soares de Melo.
Amândio Rebêlo de Figueiredo.
António Bartolomeu Gromicho.
António Cristo.
Artur Proença Duarte.
Artur Ribeiro Lopes.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Carlos Moura de Carvalho.
Francisco da Silva Telo da Gama.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Garcia Nunes Mexia.
João Pires Andrade.
João Xavier Camarate de Campos.
José Gualberto de Sá Carneiro.
Querubim do Vale Guimarãis.
O Redactor — M. Ortigão Burnay.
Propostas enviadas para a Mesa durante a sessão, referentes à proposta de lei em debate:
Base VIII
Proponho a eliminação desta base.
Bases IX e X Proponho a eliminação destas bases.
Base XV
Proponho a eliminação nesta base das referências aos transportes de aluguer.
Sala das Sessões da Assemblea Nacional, 11 de Junho de 1945.— O Deputado José Soares da Fonseca.
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Propomos a substituïção da base I e seus §§ 1.° e 2.° pelo seguinte:
A fim de conseguir maior eficiência económica e melhor comodidade do público em matéria de transportes, o Govêrno, mantendo os actuais prazos das concessões, promoverá, por acôrdo das entidades interessadas, a constituïção de uma única emprêsa exploradora de toda a rêde de via larga e via estreita. À medida que forem expirando os prazos das actuais concessões, reverterão para o Estado, na nova emprêsa exploradora, as partes do capital que corresponderem a cada uma delas, sem prejuízo dos direitos e obrigações que para o Estado e para as emprêsas resultem dos respectivos contratos no fim das concessões.
No caso de o acôrdo se não verificar, deverá o Govêrno tomar as medidas necessárias para a satisfação dêsse objectivo.
Sala das Sessões da Assemblea Nacional, 11 de Junho de 1945. — Os Deputados: José Dias de Araújo Correia — Henrique Linhares de Lima — Fernando Augusto Borges Júnior — Artur Proença Duarte — João Garcia Nunes Mexia — José Alçada Guimarãis — Luiz de Arriaga de Sá Linhares — Artur de Oliveira Ramos — Rui Pereira da Cunha — João de Espregueira da Rocha Páris — José Rodrigues de Sá e Abreu — José Clemente Fernandes — Pedro Inácio Álvares Ribeiro — António Bartolomeu Gromicho — Francisco da Silva Telo da Gama — Amândio Rebêlo de Figueiredo — Alfredo Luiz Soares de Melo — Jaime Amador e Pinho — Ângelo César Machado — Luiz Cincinato Cabral da Costa — João Duarte Marques — José Ranito Baltasar — Joaquim das Santos Quelhas Lima.
Propomos a substituïção da base XIII por estas duas bases, que seguirão à base I:
Base II
Unificada a exploração, a sociedade exploradora a que se refere a base I apresentará ao Govêrno um plano de reorganização de todo o sistema ferroviário de via larga e via estreita. Êsse plano deve necessàriamente compreender:
a) Os aspectos financeiro, económico e técnico da exploração e as modificações e progressos susceptíveis de serem introduzidos no interêsse do público;
b) A electrificação da actual rêde;
c) A conclusão de troços de linhas que facilitem a interconexão da rêde existente, de modo a aperfeiçoar as condições da exploração do conjunto e a satisfazer melhor as necessidades públicas;
d) As exigências da defesa nacional;
e) As possíveis repercussões na exploração do desenvolvimento futuro da aviação comercial e da navegação fluvial;
f) Quaisquer outras circunstâncias derivadas da experiência dos últimos anos em matéria ferroviária que possam influir na economia da exploração;
g) Outros elementos susceptíveis de aperfeiçoar, no interêsse da economia nacional, a coordenação dos transportes terrestres.
Sala das Sessões da Assemblea Nacional, 11 de Junho de 1945. — Os Deputados: José Dias de Araújo Correia — Henrique Linhares de Lima — Fernando Augusto Borges Júnior — Artur de Oliveira Ramos — Rui Pereira da Cunha — João Garcia Nunes Mexia — José Alçada Guimarãis — Artur Proença Duarte — João de Espregueira da Rocha Páris — João Duarte Marques — José Rodrigues de Sá e Abreu — José Clemente Fernandes — Pedro Inácio Álvares Ribeiro — António Bartolomeu Gromicho — Francisco da Silva Telo da Gama — Amândio Rebêlo de Figueiredo — Alfredo Luiz Soares de Melo — Jaime Amador e Pinho — Ângelo César Machado — Luiz Cincinato Cabral da Costa — José Ranito Baltasar — Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Base III
Depois de estudo e parecer dos organismos oficiais competentes e aprovação em Conselho de Ministros do plano de reorganização a que se refere a base II, e de calculados e verificados os recursos financeiros e as disponibilidades de material das emprêsas ferroviárias integradas na sociedade exploradora, e reconhecida a impossibilidade de ela, por si só, poder executar, em prazo curto, os melhoramentos preconizados no plano do reorganização, poderá o Govêrno intervir no sentido de a auxiliar na obtenção de meios financeiros para a execução do plano de realizações, ou conceder quaisquer outros benefícios que tendam a manter a eficiência do serviço ferroviário.
Sala das Sessões da Assemblea Nacional, 11 de Junho de 1945. — Os Deputados: José Dias de Araújo Correia — Henrique Linhares de Lima — Fernando Augusto Borges Júnior — Artur de Oliveira Ramos — Rui Pereira da Cunha — João Garcia Nunes Mexia — Artur Proença Duarte — José Alçada Guimarãis — João de Espregueira da Rocha Páris — João Duarte Marques — José Rodrigues de Sá e Abreu — José Clemente Fernandes — Pedro Inácio Álvares Ribeiro — António Bartolomeu Gromicho — Francisco da Silva Telo da Gama — Amândio Rebêlo de Figueiredo — Alfredo Luiz Soares de Melo — Jaime Amador e Pinho — Ângelo César Machado — Luiz Cincinato Cabral da Costa — Joaquim dos Santos Quelhas Lima — Jacinto Bicudo de Medeiros — José Ranito Baltasar.
Imprensa Nacional de Lisboa