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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES
N.° 173
ANO DE 1945
13 DE JUNHO
ASSEMBLEA NACIONAL
III LEGISLATURA
(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)
SESSÃO N.° 170, EM 12 DE JUNHO
Presidente: Ex.mo Sr. José Alberto dos Reis
Secretários: Ex.mos Srs.
Manuel José Ribeiro Ferreira
José Luiz da Silva Dias
SUMÁRIO: — O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 40 minutos.
Ordem do dia. — Iniciou-se a discussão, na especialidade, da proposta de lei de coordenação dos transportes terrestres.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Antunes Guimarãis e Mário de Figueiredo.
O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão às 18 horas e 42 minutos.
O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 33 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Acácio Mendes de Magalhãis Ramalho.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhãis.
Alberto Cruz.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre de Quental Calheiros Veloso.
Alfredo Luiz Soares de Melo.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Amândio Rebêlo de Figueiredo.
Ângelo César Machado.
António de Almeida.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Rodrigues Cavalheiro.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur de Oliveira Ramos.
Artur Ribeiro Lopes.
Fernando Augusto Borges Júnior.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco da Silva Telo da Gama.
Henrique Linhares de Lima.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
Jaime Amador e Pinho.
João Ameal.
João Antunes Guimarãis.
João Duarte Marques.
João de Espregueira da Rocha Páris.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luiz Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Mendes Arnaut Pombeiro.
Joaquim Saldanha.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Alberto dos Reis.
José Alçada Guimarãis.
José Clemente Fernandes.

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José Dias de Araújo Correia.
José Luiz da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Ranito Baltasar.
José Rodrigues de Sá e Abreu.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Júlio César de Andrade Freire.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz de Arriaga de Sá Linhares.
Luiz Cincinato Cabral da Costa.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Lopes Vieira de Castro.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Luiz Mendes de Matos.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel Joaquim da Conceição e Silva.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Pedro Inácio Alvares Ribeiro.
Rui Pereira da Cunha.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 68 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 40 minutos.
Antes da ordem do dia
0 Sr. Presidente: — Como ainda não chegou à Assemblea o Diário da última sessão, não o posso pôr à votação.
Não há nenhum Sr. Deputado inscrito para usar da palavra no período do antes da ordem do dia.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Interrompo a sessão por algum tempo.
Eram 15 horas e 42 minutos.
O Sr. Presidente: — Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 43 minutos.
O Sr. Presidente: — Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: — Vai começar a discussão, na especialidade, da proposta de lei sôbre coordenação dos transportes terrestres.
Estão em discussão as bases I o II da proposta do Govêrno.
Quanto a estas bases estão na Mesa as seguintes propostas de alteração:
Uma do Sr. Deputado Antunes Guimarãis, que propõe a substituïção das duas primeiras bases da proposta do Govêrno por estas:
Base I
O Govêrno decretará oportunamente a fusão do sistema ferroviário — via larga e via estreita — para a sua integração no património nacional e maior eficiência dos respectivos serviços, podendo para isso usar da faculdade de resgate.
Base II
Realizada a fusão, será confiada a um organismo autónomo, com normas comerciais, a respectiva administração.
Base III
Não obstante, fica o Govêrno autorizado a promover, por concurso público, a adjudicação daquele sistema ferroviário a uma emprêsa, se circunstâncias supervenientes assim o indicarem, a bem da economia nacional e para defesa do Estado.
Uma proposta de alteração apresentada pelo Sr. Deputado Mário do Figueiredo, que é do seguinte teor:
Base I
A fim de conseguir a maior eficiência económica dos transportes ferroviários, o Govêrno estabelecerá o plano do substituïção de todas as concessões de linhas férreas de via larga e estreita por uma concessão única, que abrangerá as próprias linhas do Estado.
Esta concessão será feita à emprêsa que resultar da fusão das actuais, por acôrdo entre elas. O Govêrno promoverá êste acôrdo e deve, em qualquer caso, tomar as medidas necessárias à satisfação do objectivo previsto na alínea anterior.
Em conseqüência da redacção desta proposta, propõe o Sr. Dr. Mário de Figueiredo a eliminação da base I.
Há ainda na Mesa uma proposta do Sr. Deputado Araújo Correia, e subscrita também por vários outros Srs. Deputados, que diz o seguinte:
«Propomos a substituïção da base I e seus §§ 1.° e 2.° pelo seguinte:
A fim de conseguir maior eficiência económica e melhor comodidade do público em matéria de transportes, o Govêrno, mantendo os actuais prazos das concessões, promoverá, por acôrdo das entidades interessadas, a constituirão de uma única emprêsa exploradora de toda a rêde de via larga e via estreita. À medida que forem expirando os prazos das actuais concessões, reverterão para o Estudo, na nova emprêsa exploradora, as partes de capital que corresponderem a cada uma delas, sem prejuízo dos direitos e obrigações que para o Estado e para as emprêsas resultem dos respectivos contratos no fim das concessões.
No caso de o acôrdo se não verificar, deverá o Govêrno tomar as medidas necessárias para a satisfação dêsse objectivo.»
E, finalmente, uma outra do Sr. Deputado Águedo de Oliveira, de aditamento à proposta de alteração à base I, assinada pelo Sr. Deputado Mário de Figueiredo, que diz:
Tanto na fusão das emprêsas como no contrato do concessão única, serão sempre levados em conta e assegurados os direitos, expectativas e valores patrimoniais do Estado resultantes da sua posição nas emprêsas e os decorrentes das concessões existentes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Antunes Guimarãis.

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O Sr. Antunes Guimarãis: — Sr. Presidente: ontem, antes de V. Ex.ª encerrar o debate na generalidade, ainda pensei em pedir novamente a palavra, não para acrescentar mais considerações às dos ilustres oradores que, pràticamente, haviam esgotado o assunto, mas para esclarecer a Assemblea acêrca das razões que me haviam determinado a apresentar uma série de propostas de substituïção às dezassete bases da proposta de lei, as quais, erradamente, foram por algumas pessoas classificadas de contraproposta.
Se tal fôra o meu pensamento, lógico seria que antes de V. Ex.ª encerrar o debate na generalidade eu propusesse a rejeição da proposta de lei e requeresse que as minhas dezóito propostas de substituïção, convertidas em contraproposta, baixassem à Câmara Corporativa para serem estudadas e sôbre elas ser elaborado parecer a fim do oportunamente ser apreciado nesta Assemblea Nacional.
Sr. Presidente: repito o que disso quando intervim na discussão na generalidade: reputo a proposta de lei oportuníssima; e bastaria para a justificar a base XIII, que visa à garantia financeira da imediata reconstituïção de todo o nosso sistema ferroviário, para que, finalmente, se atinja o seu sincronismo — de que lamentàvelmente nos afastáramos — com os outros sistemas de transportes, para a leal e perfeita colaboração de todos êles em benefício da comunidade
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Mas, simultâneamente com os melhoramentos técnicos e administrativos dos caminhos de ferro, alveja-se na proposta, também com manifesta oportunidade, a indispensável actualização dos transportes em automóveis.
E, uma vez redigidas as bases que visam a garantir a colocação daqueles sistemas de transportes em pé de igualdade, traçam-se as linhas gerais da sua indispensável coordenação, modifica-se o regime tributário, alteram-se alguns preceitos de trânsito e suprimem-se direcções gerais e conselhos superiores para darem lugar a outros organismos que o Govêrno entende corresponderem melhor ao indispensável desenvolvimento, devidamente coordenado, dos transportes terrestres.
Êste conjunto de alvitres, além de oportuno, representa grande esfôrço do ilustre Ministro das Obras Públicas e Comunicações e proporciona-nos o óptimo e honroso ensejo da nossa colaboração para, na qualidade de políticos, considerarmos o momentoso assunto em relação a todos os múltiplos e importantes interêsses em jogo e, por fim, proceder à respectiva votação para que sejam convertidos em lei.
Em face do exposto, ao apresentar as dezóito propostas de substituïção ás dezassete bases da proposta de lei, não passou pelo meu espírito a idea da elaboração de uma contraproposta que substituísse a feliz iniciativa do ilustre Ministro, ao qual fica pertencendo integralmente a honra de ter apresentado em momento tam oportuno um diploma que visa a solucionar o importantíssimo e reconhecidamente urgente problema dos transportes terrestres.
Sr. Presidente: propositadamente, ao redigir as minhas dezóito propostas de substituïção às bases da proposta de lei evitei aumentar-lhe o ambito, quando, em 1932, nomeei uma comissão para estudar o assunto não me limitara aos transportes terrestres e pretendera abranger os restantes, e, salvo em questões de pormenor, não abordei problemas diferentes dos considerados na referida proposta.
Limitei-mo a apresentar para problemas idênticos soluções diferentes, que a longa prática da presidência da comissão técnica de automobilismo do norte e um triénio no Ministério do Comércio e Comunicações, joeirados pela minha formação política, me dizem mais indicadas e vantajosas para a Nação e para o Estado.
Reconheço não corresponderem numèricamente as minhas propostas de substituïção às bases da proposta. _
Procurei assegurar-lhes a possível harmonia, e assim é que as oito primeiras se referem principalmente a matéria ferroviária, as seis imediatas aos transportes por estrada e as quatro restantes a modificações na estrutura de organismos e à codificação e actualização das leis sôbre transportes.
Desta forma seria difícil e até certo ponto improdutivo o trabalho da apreciação isolada das diversas propostas de substituïção por mim apresentadas.
Recordo que na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, após um ano trabalhoso de anatomia descritiva, só no ano seguinte, ao estudarmos anatomia topográfica, é que conseguíamos a noção exacta da situação e relações dos diferentes órgãos.
Ao trabalho da Assemblea Nacional, se interessa o conhecimento dos diferentes interêsses através dos pareceres da Câmara Corporativa, que os representa, compete mais especialmente, tal como no exemplo que citei, o conhecimento em conjunto da multiplicidade de interêsses, apreciados por um critério largo que a todos abranja com justiça.
Desta forma, Sr. Presidente, permita V. Ex.ª que eu leia as minhas propostas de substituïção mais directamente relacionadas com o carril.
1.° O Govêrno decretará oportunamente a fusão do sistema ferroviário — via larga e via estreita — para a sua integração no património nacional e maior eficiência dos respectivos serviços, podendo para isso usar da faculdade de resgate.
2.° Realizada a fusão, será confiada a um organismo autónomo, com normas comerciais, a respectiva administração.
3.° Não obstante, fica o Govêrno autorizado a promover, por concurso público, a adjudicação daquele sistema ferroviário a uma emprêsa, se circunstâncias supervenientes assim o indicarem, a bem da economia nacional e para defesa do Estado.
4.° Será instituído um sistema de tarifas unificado, com bases em distâncias quilométricas corridas, desde a estação de origem dos transportes até à de destino, independentemente de bitolas e de trasbordos, podendo, contudo, estabelecer-se fórmulas especiais em percursos cujas características sejam de molde a justificá-las.
5.° Só poderão ser concedidos passes nos termos da lei.
6.° O plano da rêde ferroviária poderá ser revisto pelo Govêrno para interligação de troços ora independentes, acesso a centros populacionais e de actividades importantes, bem como para correcção de traçados e melhoramento nas respectivas condições económicas e técnicas, notòriamente a electrificação.
7.° É autorizada a criação de um Fundo de actualização do sistema ferroviário.
8.° Da indispensável coordenação e ligação do sistema ferroviário com os restantes não poderá resultar exclusivo para qualquer emprêsa.
Por sua vez a base I da proposta de lei é assim redigida:
O Govêrno promoverá a fusão das emprêsas ferroviárias, por acôrdo entre elas, numa só emprêsa exploradora de toda a rêde geral de via larga e via estreita. No caso de o acôrdo se não verificar, deverá o Govêrno tomar as medidas necessárias para a satisfação dêsse objectivo.
§ 1.° Para facilitar a fusão o Govêrno poderá prorrogar o prazo das concessões das linhas exis-

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tentes o unificá-las quanto às suas condições e duração.
§ 2.° Da exploração em comum poderão ficar excluídos, mediante contratos de arrendamento em que o Estado intervirá, pequenas linhas ou ramais que possuam características especiais e condições próprias que justifiquem ou aconselhem a excepção.
Base II
O Govêrno promoverá a entrega das linhas férreas do Estado, em regime de concessão integrada no conjunto a que se refere a base anterior, à emprêsa que actualmente as tem de arrendamento ou à que vier a resultar da fusão que a mesma base determina.
A base III refere-se a tarifas, mas as despesas de trasbordos são de conta dos donos das mercadorias transportadas.
Na base VI alude-se a contratos entre as emprêsas ferroviárias e outras para serviços combinados.
E, finalmente, a base XIII da proposta de lei é assim redigida:
O Govêrno promoverá o aperfeiçoamento técnico e comercial das explorações ferroviárias, para o que poderá atenuar na medida conveniente os respectivos encargos e facilitar-lhes a obtenção dos capitais necessários para a realização em breve prazo de um plano de melhoramentos materiais e de reforma de serviços.
Sr. Presidente: verifica-se pela leitura que venho de fazer que o Govêrno reconhece a necessidade da realização em breve prazo de um adequado plano de melhoramentos materiais e de reforma de serviços ferroviários.
Sôbre êste ponto estou absolutamente de acôrdo, e entendo que, além de concordância, todos louvam esta urgente e indispensável resolução governamental.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Como base daquele plano de melhoramentos e reformas indispensáveis à necessária eficiência dos serviços ferroviários, o Govêrno entende dever promover a fusão de todas as emprêsas ferroviárias, por acôrdo entre elas ou mercê de medidas que forem julgadas necessárias.
Também concordo, uma vez que se verifica não estarem as actuais emprêsas em condições financeiras de realizarem por si sós a execução do plano atrás referido.
E também entendo que da fusão e conseqüente unificação devem resultar vantagens para a respectiva exploração e importantes benefícios para o público.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Tanto na proposta de lei como nos meus alvitres se admite o acôrdo para se obter a indispensável fusão das emprêsas, entendendo o Govêrno que, na inviabilidade dessa fórmula, se deverão tomar as medidas necessárias, e tendo eu escrito que, em tal hipótese, poderá o Govêrno usar da faculdade de resgate.
E proferi esta redacção porque, em face do contrato, só conheço a solução do resgate, aliás livremente aceite pelas emprêsas, para conseguir a indispensável fusão, se elas não acordarem espontâneamente em aceitá-la.
A verdade é que nenhuma das emprêsas consentiria em ceder por menos do que as cláusulas contratuais lhe garantiriam, na hipótese do resgate, os seus direitos de concessionária.
A compensação que, porventura, o Govêrno poderia oferecer-lhes através da prorrogação dos prazos de concessão só interessaria aquelas que estão na iminência de os verem terminados.
Ora eu entendo não ser de aceitar a prorrogação dos prazos de concessão de qualquer das empresas existentes e, portanto, das linhas que deverão ser entregues ao Estado dentro de catorze anos, e que se contam, justamente, entre as mais importantes.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Orador: — Sr. Presidente: estou convencido de que as emprêsas ferroviárias só transigiriam com o Govêrno se lhes fôssem garantidas, através das aludidas prorrogações, da redução de encargos, facilidades financeiras e defesa contra a actividade da camionagem, que tam benéfica tem sido para a Nação, vantagens iniludìvelmente superiores às que julgam poderem advir-lhes da aplicação do resgate.
Foi por isso que à frase «deverá o Govêrno tomar as medidas necessárias», adoptada na proposta de lei, eu preferi «podendo para isso usar da faculdade de resgate».
Depois de ler os elucidativos elementos enviados, mercê do meu requerimento, pela Direcção Geral de Caminhos de Ferro, fiquei com a impressão de que o resgate, considerado no seu conjunto em relação às diversas emprêsas concessionárias, constituïrá operação comportável para o Estado, tendo em consideração o aumento de tráfego que, necessàriamente, não deixará de afluir aos caminhos de ferro desde que se efective o plano de melhoramentos referido na proposta de lei, e também porque, como já tive ocasião de dizer, estamos felizmente perante um facto que nos traz grande regozijo, que é o da elevação do poder de compra das classes operárias, e que não tardará a estender-se às demais actividades, com reflexo no respectivo nivel de vida e, assim, aumentando o seu afluxo aos meios de transporte para defenderem a saúde, ganharem tempo e pouparem energia.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Sôbre o caso de o material circulante dever ser pago à parte, ou estar incluído na anuïdade de resgate, já a Procuradoria Geral da República se pronunciara favoràvelmente a esta segunda hipótese. É certo que o digno Procurador Geral manifestara opinião diversa e que o Ministro das Obras Públicas e Comunicações, o falecido major Joaquim Abranches, a homologara. Mas o certo é que, nos termos do artigo 116.° do Estatuto Judiciário e do artigo 238.º do anterior Estatuto, «O que se resolver no Conselho será seguido e sustentado nas respostas, pareceres ou consultas do Procurador Geral e procuradores».
Somando os números facultados pela Direcção Geral de Caminhos de Ferro, verificam-se saldos positivos das várias emprêsas no total de 93:151.021$31, e negativos no total de 9:902.254$04.
Contudo, é conveniente registar que para os primeiros concorrem principalmente os saldos da C.P. em que o Estado figura como principal accionista.
Evidentemente que êste problema do resgate carece de minucioso estudo. Por isso, e porque entendo que a fusão das emprêsas será mais viável através do resgate que recorrendo a prorrogações, facilidades de financiamento, redução de encargos e restrições de concorrência das carreiras de camionagem e limitação do percurso aos veículos de aluguer, é que na minha primeira proposta adoptei a redacção «o Govêrno decretará oportunamente», para lhe dar tempo a estudar o

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assunto e julgar da oportunidade de recurso à faculdade de resgate.
Ora, uma vez resgatadas as concessões e assim integradas no património nacional, não seria de admitir a sua entrega à emprêsa resultante da fusão das actuais emprêsas ferroviárias, como se diz na base I da proposta de lei, sem admitir a hipótese da administração dêste grande valor do património nacional por um organismo do próprio Estado, expurgado de complicações burocráticas, com a precisa autonomia e dotado da elasticidade reconhecidamente necessária nas emprêsas comerciais.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Orador: — Já no relatório da proposta de lei sôbre electrificação se aludira à má tradição das administrações do Estado. E durante o debate na generalidade feriram-me os ouvidos repetidas afirmações naquele sentido.
Contudo, de uma maneira geral, e particularmente no caso em discussão, e vendo-o através dos relatórios da comissão liquidatária dos caminhos de ferro do Estado, verifica-se que, salvo desfalecimentos explicados pela primeira Grande Guerra e crises que se seguiram, na administração daquelas linhas do Estado no período imediatamente anterior ao arrendamento se verificara uma melhoria notável, não só nos resultados da exploração, que passaram a ser positivos, como na aquisição de material e melhoramentos realizados nas linhas.
Lamento que a Direcção Geral de Caminhos de Ferro não me tenha enviado os elementos que requeri sôbre os resultados da exploração dos caminhos de ferro do Estado nos anos que precederam o arrendamento, obras realizadas, material adquirido e outros elementos para conhecer o estado daqueles caminhos de ferro antes do arrendamento; e idênticos elementos até esta data para conhecimento da sua situação actual.
A análise dêsses números deveria ter grande interêsse neste momento, em que está em jogo o problema da administração do sistema ferroviário, depois de encorporado no património nacional, por um organismo do Estado sem excessos burocráticos e com normas adaptáveis à realização das operações comerciais relativas ao grande tráfego que ali necessàriamente se realizarão.
Se eu não confiasse na administração do Estado, e perante as condições em que algumas emprêsas se propunham explorar a rêde telefónica interurbana e a radiotelefonia, não estariam êsses importantes factores de marcada influência na posse do Estado e administrados por organismos do mesmo Estado aos quais a Nação é devedora de bons serviços. E ninguém se lembrou de ver nesses sectores manifestações de um socialismo ùltimamente muito discutido e apresentado como perigosíssimo.
Afinal, Sr. Presidente, estou convencido de que todos reconhecem que eu tinha razão quando me neguei a entregar aqueles serviços fundamentais a emprêsas privadas e os confiei à Administração Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones.
E V. Ex.as sabem também o que representa essa rêde vastíssima de comunicações que é a da Administração Geral dos Correios Telégrafos e Telefones, que se tem desenvolvido de maneira notável nas mãos do Estado, e logo que o fim da guerra permita adquirir material indispensável poder-se-á comunicar telefònicamente com todos os pontos mais remotos do País e por taxas módicas, fazendo assim convergir para essa Administração receitas apenas suficientes para assegurar e desenvolver os respectivos serviços, o que nunca seria possível a uma administração privada, com as taxas mínimas actualmente cobradas.
O Sr. Mendes do Amaral: — V. Ex.ª considera êsse um serviço perfeito?
O Orador: — É impossível, devido às dificuldades de momento, obter perfeição, mas, dentro das dificuldades com que todos lutamos e, portanto, com que também lutam êsses serviços, devo dizer - sabendo bem a responsabilidade que pesa sôbre mim neste momento — que havia de ser muito difícil conseguir maior eficácia e perfeição por preços tam baixos como aqueles que actualmente se pagam.
É certo haver deficiências, mas sei que essas deficiências resultam da insuficiência do material, e o material que vem não chega, apesar da vontade da Administração e do Govêrno.
O Sr. Presidente: — V. Ex.ª está no uso da palavra já há mais de quarenta e cinco minutos.
O Orador: — Muito obrigado Sr. Presidente. Vou já concluir, embora houvesse ainda muito a dizer. Mas no decurso dos debates conto usar outras vezes da palavra, esperando que a generosidade da Assemblea me perdoe.
Sôbre o que se fez em matéria de radiotelefonia no triénio do Govêrno a que pertenci, afirmarei que a memória dos homens é falaz...
Tanto em discursos como em diplomas publicados no Diário do Govêrno já ninguém recorda (essa amnésia é-me pessoalmente indiferente, mas desvirtua a história do Estado Novo, que alguns pretendem iniciar anos volvidos sôbre o 28 de Maio, esquecendo o período difícil e perigoso dos primeiros anos).
Assim acontece esquecer-se o que representou de perseverança e coerência a defesa daqueles e de outros elementos do património nacional, a defesa das nossas ondas em congressos internacionais, a anulação de certos privilégios anteriormente concedidos, a regulamentação da radiotelefonia e a construção da Emissora Nacional.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Orador: — Felizmente que, apesar dessas manifestações de amnésia, a obra realizada ficou e continua a prosseguir a bem da Nação e indiferente a que a classifiquem de manifestação de socialismo, que, aliás, nunca lograra aceitação no cérebro do Ministro que tivera a honra e satisfação de contribuir para que ela fôsse realizada pelo Estado e seja administrada por um organismo do mesmo Estado.
Sr. Presidente: sou de opinião que numa proposta do Govêrno não deve arredar-se a hipótese da administração do património do Estado por organismo do próprio Estado, fórmula por uns designada por «régie» e a que outros preferem a designação, susceptível de confusões desnecessárias e prejudiciais, de «nacionalização».
Entendo que da adopção dêsse princípio resultariam muitas vantagens para a Nação, porque só êle permitiria uma administração sem mira no lucro, o que, além de ser legítimo, é indispensável nas explorações de carácter capitalista e poderá singrar sem a preocupação constante da concorrência de outros sistemas de transporte, cuja limitação poderia ser altamente prejudicial à comunidade.
Portanto, a administração do sistema ferroviário por um organismo do Estado, sem preocupação imediata do lucro, isto é, sem que o Estado desvirtuasse as suas actuais funções para adoptar as do capitalismo de Estado, seria a maior garantia de transportes ferroviários bons e baratos sem a eliminação de carreiras concorrentes de camionagem e limitações excessivas de percursos a veículos de aluguer.

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Contudo, a minha proposta não exclue a hipótese de, no caso improvável de surgirem capitalistas de poder financeiro que dispensem as facilidades de crédito pelo Estado enunciadas na base XIII e, simultâneamente, garantam boa técnica e organização perfeita para que o público seja bem servido em qualidade e preço, e sem admitir restrições injustificadas de outros meios de transporte, o Estado, depois de apreciado com todos os cuidados o assunto, pôr a concurso a adjudicação do sistema ferroviário, elaborando para isso um caderno de encargos onde tudo seja previsto para bem da Nação e defesa do Estado.
Disse.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Mário de Figueiredo: — Sr. Presidente: ao começar a discussão da proposta de lei que nos ocupa, na especialidade, não quero deixar de afirmar que o que vou dizer é, de um modo geral, já conhecido de V. Ex.as, designadamente conhecido dos Srs. Deputados que acompanharam os trabalhos da sessão de estudo.
Podia, portanto, porventura, dispensar-me de o repetir agora, com melhor ordem, com pior ordem, com melhor método, com pior método.
Entendo, no entanto, que a fundamentação das soluções a que se chegue nesta Assemblea deve ficar exarada no Diário das Sessões, para que, a todo o tempo, quem se interessar por estes problemas, que respeitam à vida do Estado e à economia pública, porventura possa reconstituir completamente o processo que conduziu às soluções.
É essencialmente, Sr. Presidente, esta a razão que me determinou a, na sessão pública, pôr com certo ordenamento o movimento das questões suscitadas nas sessões de estudo; é esta a razão, dizia eu, que me leva a pôr aqui com determinado ordenamento êsse conjunto de razões, para ficarem bem de pé ou refutadas e sempre poder saber-se que o resultado da votação corresponde a um certo processo de formação da consciência.
Pôsto isto, Sr. Presidente, começarei, para chegar ao conjunto de ideas que me determinou a apresentar a minha proposta de substituïção das bases I e a da proposta do Govêrno, começarei, dizia eu, pelo aspecto negativo, em vez de pelo aspecto positivo; quere dizer, procurarei, em vez de pôr desde já as razões que directamente me determinaram a apresentar a minha proposta de substituïção, estabelecer aquelas que me determinaram a não aceitar as soluções apresentadas noutras propostas de substituïção ou na própria proposta do Govêrno.
Começarei então pela proposta do Sr. Dr. Antunes Guimarãis na parte que tem que ver com a base I da proposta do Govêrno em discussão.
A proposta do Sr. Dr. Antunes Guimarãis pretende, no primeiro momento, que o serviço público dos transportes, em vez de ser explorado em concessão, seja explorado em régie; nesse momento pretende, pois, a nacionalização dos transportes como serviço público. E neste primeiro momento eu creio não ter que voltar ao problema, porque foi considerado na discussão na generalidade, e então se disse, segundo suponho, o suficiente para se afastar, como princípio informador das soluções da proposta, e não só das soluções da proposta, mas das soluções a adoptar pelo Estado, a idea da nacionalização.
Vou então considerar o segundo momento da proposta, nesta matéria, do Sr. Dr. Antunes Guimarãis.
Êsse segundo momento é aquele em que S. Ex.ª põe de lado, se se entender que o interêsse público assim
o exige, a nacionalização, para então adoptar ou tornar possível que seja adoptada a solução da concessão.
Mas, nesse aspecto, também creio que não tenho de discutir mais largamente a proposta do Sr. Dr. Antunes Guimarãis, porque, quer pela sua letra, quer pelos esclarecimentos por S. Ex.ª produzidos, as ideas do Sr. Dr. Antunes Guimarãis coincidem com as ideas que informam a minha proposta.
Vou então considerar, segundo o plano estabelecido, a proposta de substituïção do Sr. engenheiro Araújo Correia. Quero, preliminarmente, estabelecer o ambiente em que pode, suponho, com mais fácil compreensão apreender-se todo o conteúdo da proposta de substituïção do Sr. engenheiro Araújo Correia. E começarei então por considerar, como direi, um processo de concessão, de uma concessão de caminhos de ferro. Aquilo a que estamos habituados como modo, como tipo destas concessões é o seguinte: a concessão é feita a uma emprêsa que toma sôbre si o encargo de construir, de fazer a construção e a exploração da linha que lhe foi concedida. Daqui resulta logo o seguinte: é que quando se está em presença de uma matéria que não é a concessão para a construção e exploração, e é o caso que nos ocupa, porque a massa das linhas de que se trata já está construída, fala-se habitualmente de contrato de exploração, de concessão de exploração. E assim compreende-se perfeitamente que, quando o que se fez, no início, foi uma concessão de construção e exploração, uma emprêsa possa, sem se negar, sem desaparecer, direi, subconceder a exploração e ficar na posição de concessionária, como construtora que foi da linha férrea.
Eu digo que isto é assim em princípio, e vou mais longe: isto é assim nas realizações efectivas da vida.
Creio que numa das sessões de estudo aludi, embora sem desenvolvimento, ao que se passa com a linha do Vale do Vouga.
A situação dessa linha é esta: uma emprêsa concessionária para a construção e exploração, emprêsa cujo contrato de concessão se consolidou em 1907.
Um conjunto de razões que tem importância, mas não pròpriamente interêsse, para o que vou discutir conduziu esta emprêsa a modificar a sua posição efectiva em face da concessão. O motivo foi, no fundo, fazer a nacionalização do capital das emprêsas.
Ficou de um lado a companhia concessionária da construção e exploração — tudo isto que estou a dizer se encontra no Diário do Govêrno — e do outro uma sociedade chamada de exploração, cuja constituïção a primeira promoveu e à qual entregou a exploração, ficando ela como sociedade concessionária.
É claro que estas sociedades de exploração podem ter só como objecto fazer a exploração da emprêsa e assim realizar toda a obra que entra no conceito de exploração.
Em tal caso a isso se limitarão e entregarão o lucro líquido dessa exploração à emprêsa concessionária. Mas é claro que qualquer emprêsa ferroviária ao mesmo tempo que tem os encargos correspondentes à exploração, tem necessidade permanente de fazer obras de primeiro estabelecimento.
São conhecidas até as percentagens que em cada ano devem ser aplicadas em obras de primeiro estabelecimento e são também conhecidas as percentagens que efectivamente têm sido aplicadas — não me estou a referir sòmente à linha do Vale do Vouga — às obras de primeiro estabelecimento. Ora bem. Estas obras de primeiro estabelecimento é claro que ultrapassam a medida dos encargos da simples exploração, o que não quere dizer que não sejam tomadas pela própria sociedade exploradora, ou que, ao menos, não seja por ela tomado o encargo de as realizar.

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A emprêsa exploradora pode tomar sôbre si o encargo de fazer ela mesma as obras de primeiro estabelecimento, de as executar; mas, quando as executa — e podem ser indispensáveis para a continuação regular da exploração, sendo, em geral, previstas no contrato de subconcessão ou de exploração — como procede? Debita-as à emprêsa concessionária, pois aquelas obras não constituem pròpriamente um encargo de exploração.
A emprêsa exploradora comprometeu-se a executá-las, no contrato de exploração; mas, porque se tratava de uma emprêsa exploradora, não lhe cabia, naturalmente, o encargo correspondente.
As despesas de primeiro estabelecimento competem à emprêsa concessionária.
Estou a expor um conjunto de princípios que me parecem indiscutíveis.
Pode ir-se mais adiante e, no contrato de exploração, impor-se à sociedade exploradora que faça as obras de primeiro estabelecimento que hajam de ser custeadas pelos lucros líquidos da exploração ou, ainda mais longe, que hajam de ser custeadas através de recursos financeiros buscados pela própria emprêsa exploradora e que hão-de solver-se, segundo um plano de amortização, pelos lucros da mesma exploração.
Isto é possível também; isto é uma organização económica possível.
Mas uma emprêsa que toma sôbre si o encargo não só de fazer tudo o que respeite à matéria de exploração mos também o que respeite à matéria do primeiro estabelecimento não é exclusivamente uma emprêsa de exploração, é verdadeiramente uma emprêsa concessionária.
Dê-se-lhe o nome que se lhe quiser dar, essa emprêsa é real e efectivamente uma emprêsa concessionária.
O quadro que acabo de pôr diante dos olhos de V. Ex.as pode perfeitamente pôr-se fora de qualquer proposta de substituïção, e ninguém contestará que exprime a realidade existente e possível.
No conjunto dêste quadro, vou analisar a proposta do Sr. engenheiro Araújo Correia no que ela tem, segundo creio, de essencial: manutenção das actuais concessões e constituïção de uma emprêsa exploradora de toda a rêde portuguesa.
Não trato agora de averiguar — porque isso não tem, suponho eu, grande importância para o problema na fase que atingiu — se a nova emprêsa resulta da fusão, das actuais ou se se consegue chegar à concentração da rêde por qualquer outro processo.
A essência da proposta do Sr. Deputado Araújo Correia é esta: uma emprêsa exploradora e manutenção das actuais concessões. Portanto, parece-me que também manutenção das actuais emprêsas concessionárias.
Se se mantêm as actuais concessionárias, em que posição se mantêm?
De tudo o que pude perceber das palavras do Sr. engenheiro Araújo Correia duas soluções são possíveis. Uma: as emprêsas actuais mantêm a concessão.
A emprêsa exploradora faz a exploração e entrega o lucro líquido às emprêsas actuais para que façam o serviço das suas obrigações, o serviço das acções e as obras de primeiro estabelecimento indispensáveis.
Outra solução possível ainda dentro do conjunto das palavras do Sr. engenheiro Araújo Correia. Importa distinguir obras de primeiro estabelecimento e obras do primeiro estabelecimento. Há umas certas obras de primeiro estabelecimento que caberiam às emprêsas concessionárias actuais. Há outras obras de primeiro estabelecimento que caberiam à emprêsa exploradora.
É esta outra solução possível que está dentro da ordem de ideas ou, pelo menos, da ordem das palavras do Sr. engenheiro Araújo Correia.
Uma terceira solução possível, que eu não sei se está na ordem de ideas do Sr. engenheiro Araújo Correia: uma emprêsa exploradora com os encargos do serviço das obrigações e das acções das actuais concessionárias e mais o de fazer, a exploração, assim como toda a obra a esta correspondente e mais toda a obra, de primeiro estabelecimento.
Insisto: é uma solução possível; não posso demonstrar que se contenha no que está escrito e foi dito pelo Sr. engenheiro Araújo Correia.
Na primeira solução, estamos em presença de uma sociedade só exploradora, ao lado das sociedades concessionárias que ficam, que permanecem com os encargos próprios das sociedades concessionárias. Na segunda estamos era presença de uma sociedade que é exploradora e ao mesmo tempo concessionária, mas não concessionária de todo o conjunto de direitos e obrigações que estão contidos na concessão, mas de uma parte dêsses direitos e obrigações, porque a outra ainda fica a cargo das sociedades concessionárias.
É claro que esta solução está no prolongamento da distinção, que não foi definida, entre obras de primeiro estabelecimento e obras de primeiro estabelecimento, a que acima aludi.
Na terceira solução estamos em presença de uma nova concessão. Quanto a esta, eu não posso afirmar, ou, melhor, demonstrar, através das palavras por que o Sr. engenheiro Araújo Correio traduziu o seu pensamento, que é uma solução por S. Ex.ª prevista.
Mas, Sr. Presidente, na terceira solução estamos em presença verdadeiramente de uma sociedade concessionária. Não se sabe se ficam a existir, adoptando-a, as outras sociedades concessionárias; se ficam, é só para isto: guardar a concessão. Continuariam titulares de uma concessão que já não têm, porque passou para a tal sociedade exploradora: continuam titulares da concessão, para, no fim dela, a traspassarem para o Estado.
É admissível qualquer das soluções apontadas em primeiro lugar? É harmónica com o interêsse público qualquer delas?
Consideremos a primeira:
Mantêm-se as actuais emprêsas como emprêsas concessionárias e a nova emprêsa é exclusivamente exploradora. Toda a obra de primeiro estabelecimento há-de ser realizada pelas emprêsas concessionárias. Toda a obra de transformação, que todos desejamos nos caminhos de ferro portugueses, há-de ser custeada pelas empresas concessionárias, que hão-de procurar para isso os meios financeiros indispensáveis e que hão-de naturalmente organizar, para satisfazer as obrigações que tiverem contraído ao procurar estes meios financeiros, um plano do amortização, que não pode ser de prazo reduzido, porque se torna evidente que a massa de capital que é preciso investir nessa obra de transformação é tal que carece de esperar pelos resultados da própria transformação das condições de exploração, para poder ser amortizada.
O plano de amortização terá de ser, portanto, a prazo longo.
As emprêsas são senhoras da concessão até ao seu têrmo, conforme os contratos vigentes.
Ora bem. As emprêsas serão senhoras da concessão até ao têrmo desta, que acabará para umas daqui a catorze anos, para outras daqui a vinte, trinta anos...
Por comodidade, falemos sòmente das que acabam daqui a catorze anos. Chegado êste têrmo, é claro que se opera o regresso para o Estado, mas o plano de amortização não pode ter a duração de quinze anos; e, portanto, é precisa uma providência especial do Estado para que as emprêsas cuja concessão acaba quinze anos volvidos possam escalonar o seu plano de amortização por cinqüenta ou sessenta anos. E, então, que

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DIÁRIO DAS SESSÕES — N.° 173
se passa? É que quem vai tomar a posição de pagador é o Estado.
Será defensável esta solução em face do interêsse público, sabido como é que as emprêsas privadas que têm a garantia de que quem há-de pagar é o Estado fazem uma administração incomparàvelmente pior do que as administradas em régie pelo Estado?
Nisto tem razão o Sr. Dr. Antunes Guimarãis: é melhor a solução da nacionalização do que a de concessão nas condições apontadas.
Vamos então à segunda solução. A segunda solução é precisamente a mesma que a primeira quanto à obra de primeiro estabelecimento que pertencer às emprêsas concessionárias.
Quanto aos encargos de primeiro estabelecimento a cargo da emprêsa exploradora, que a tornam verdadeira concessionária, é ela que tem de procurar os meios financeiros para os satisfazer; mas, como com a caducidade das concessões estas passam para o Estado, por um lado e por outro êle fica com as responsabilidades da sociedade exploradora, é afinal a êle que vem a caber suportar todos os encargos.
Na terceira solução as emprêsas ficam a fazer não se sabe o quê. Se é a nova emprêsa exploradora que há-de procurar os meios financeiros para realizar toda a obra de primeiro estabelecimento, etc., as outras não se sabe para que ficam, a não ser que seja para receber os lucros líquidos da exploração, como se nós estivéssemos autorizados, pelo panorama que hoje conhecemos, a supor que, unificada a rêde ferroviária e antes de transformada, é possível do conjunto resultarem lucros de exploração!
Portanto, realmente nem para isso ficam. Ficam para ali...
Isto por um lado, porque por outro estamos verdadeiramente em presença de uma concessão única, para a qual, naturalmente, se estabelece um determinado prazo de duração, etc.
Tal qual a solução da minha proposta! A única cousa que varia é esta: é que a certa altura o Estado substitue-se às emprêsas, para pagar...
Toda a posição capitalista das emprêsas passa para o Estado, mas... para êste pagar!
A experiência não é só do nosso País, é de toda a parte.
Ora aqui estão enunciadas, segundo suponho, as soluções a que conduz a proposta de substituïção do Sr. engenheiro Araújo Correia. Vejamos agora a proposta do Govêrno: Porque não me parece de aceitar a proposta do Govêrno?
Pondo de lado o § 2.°, que nesta altura já não há motivo para discutir, considero só o corpo da base e o seu § 1.° Não me parece de admitir tornar possível a prorrogação ou, de um modo geral, a unificação das concessões nas mãos das emprêsas actuais.
E não me parece de admitir por esta ordem de considerações: ou com a prorrogação se não pretende alterar a posição relativa das actuais emprêsas para efeito de valorização no acto da fusão — e então parece-me inútil; ou se pretende alterar essa posição relativa — e então é inadmissível, porque se não compreende que por simples lei ou decreto se vá modificar o valor actual das concessões.
E aqui está porque eu entendo que não deve aceitar-se a proposta do Govêrno. E ainda há outra razão: é que a proposta do Govêrno parece deixar a possibilidade de as emprêsas actuais se entenderem sem um quadro de princípios que as orientasse, sem se saber para onde caminhavam. Portanto, importava definir êsse quadro, indicar para onde é que se caminhava; importava essencialmente definir os princípios que haviam de ser fundamento do caderno de encargos a estabelecer para a nova concessão.
E foi para responder a isto, uma vez que eu considerava as insuficiências da proposta do Govêrno nesta matéria, que organizei a proposta de substituïção que tive a honra de apresentar na Mesa e é do conhecimento de V. Ex.as.
Não se fala na minha proposta de prorrogação nem dentro dela tal palavra pode empregasse com propriedade. Eu explico-me.
Nos termos da proposta de substituïção que apresentei, é possível a fusão por acôrdo, mas se se não conseguir a fusão por acôrdo espontâneo ou sugestão do Poder, como na proposta de substituïção se diz que em qualquer caso o Govêrno procurará atingir o objectivo da primeira alínea, isto é a concentração, tem de se ir para uma solução diferente.
Essa solução diferente, para quem, como eu, não quere através da lei atingir situações contratuais, essa posição diferente só pode ser aquela a que se chegar por intermédio do resgate, empregada esta palavra no seu sentido próprio, ou por uma espécie de resgate indirecto, que consistiria na aquisição pelo Estado, no mercado, das acções das actuais emprêsas. Digo isto hesitantemente, porque não estudei os pormenores da operação.
No parecer da Câmara Corporativa afirma-se que o valor nominal das acções é, se bem me lembro, de 500:000.000$; adquiri-las seria uma maneira de atingir o resgate sem resgate.
O Sr. Mendes do Amaral: — O capital a que se refere o parecer da Câmara Corporativa é o capital acções e obrigações.
O Sr. Presidente: — Houve uma rectificação.
O Orador: — Agradeço a V. Ex.as. O que dizem dá mais vigor ao que acabo de afirmar.
Como não se pretende ir para a nacionalização, o que é que então fará o Estado?
Vai naturalmente organizar um caderno de encargos e com base nêle abrir um concurso público.
Mas é preciso muito cuidado com o concurso público, porque é preciso evitar investimentos de capitais estrangeiros, e nem sempre se pode estar seguro disso, mesmo quando são só portugueses os concorrentes.
Depois do concurso faz-se a adjudicação.
Pregunto: nesta hipótese há que falar de prorrogação?
Põe-se a pregunta e é evidente que a resposta só pode ser esta: não há prorrogação.
No sistema da minha proposta não há prorrogação, mas em todo o caso pode falar-se de prorrogação em sentido impróprio, se a nova concessionária fôr a sociedade que resultar da fusão das actuais, quando as concessões destas acabarem antes do têrmo fixado para a nova concessão.
Mas todos V. Ex.as concordarão comigo em que, desde que se trata de uma mova concessão, não é correcto falar-se na prorrogação das concessões antigas.
Era isto, Sr. Presidente, que eu queria dizer; e desejo acrescentar que não tenho dúvida nenhuma em subscrever a proposta de aditamento do Sr. Dr. Águedo de Oliveira, com esta declaração: é que ela corresponde perfeitamente ao meu mundo de ideas; simplesmente entendi que não era preciso pô-la, porque estava atrás do texto da minha proposta de substituïção.
O Sr. Dr. Águedo de Oliveira entende conveniente, e eu agora também, que se ponha expressamente e por-

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tanto não tenho dúvida nenhuma em declarar desde já que a aplaudo e que, salvo se no movimento da discussão a outra conclusão houver de chegar, a votarei.
Disse.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: — O debate continua na sessão de amanhã.
Está encerrada a sessão.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
António Cristo.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Carlos Moura de Carvalho.
João Pires Andrade.
João Xavier Camarate de Campos.
José Gualberto de Sá Carneiro.
Querubim do Vale Guimarãis.
Eram 18 horas e 42 minutos.
O Redactor — Luiz de Avillez.
Imprensa Nacional de Lisboa

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