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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES
N.° 177
ANO DE 1945
19 DE JUNHO
ASSEMBLEA NACIONAL
III LEGISLATURA
(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)
SESSÃO N.° 174, EM 18 DE JUNHO
Presidente: Ex.mo Sr. José Alberto dos Reis
Secretários: Ex.mos Srs.
Manuel José Ribeiro Ferreira
José Luiz da Silva Dias
Nota. — Foi publicado um suplemento ao Diário das Sessões n.º 176, que contem o parecer da Câmara Corporativa acêrca da proposta de lei n.º 110 (alterações à Constituïção e ao Acto Colonial).
SUMARIO: — 0 Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 40 minutos.
Antes da ordem do dia. — Foram aprovadas os Diários das duas últimas sessões.
O Sr. Deputado Querubim Guimarãis ocupou-se das inspecções feitas ao Grémio dos Exportadores de Madeiras, Junta Nacional dos Produtos Pecuários e Comissão Reguladora do Comércio de Metais.
Sôbre o mesmo assunto falaram os Srs. Deputados Albino dos Reis e Nunes Mexia.
Foi autorizado o Sr. Deputado José Cabral a depor como testemunha no tribunal de Mangualde.
Ordem do dia. — Concluíu-se a votação da proposta de lei de coordenação dos transportes terrestres.
Realizou-se uma sessão de estudo da proposta de lei de alterações à Constituïção.
0 Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 16 minutos.
O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 30 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Luiz Soares de Melo.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
António de Almeida.
António Carlos Borges.
António Rodrigues Cavalheiro.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Ribeiro Lopes.
Fernando Augusto Borges Júnior.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Henrique Linhares de Lima.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Ameal.
João Duarte Marques.
João de Espregueira da Rocha Páris.
João Garcia Nunes Mexia.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pires Andrade.
Joaquim Saldanha.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Alberto dos Reis.
José Dias de Araújo Correia.
José Luiz da Silva Dias.
José Rodrigues de Sá e Abreu.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Júlio César de Andrade Freire.
Juvenal Henriques de Araújo.
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Luiz de Arriaga de Sá Linhares.
Luiz Cincinato Cabral da Costa.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Luiz Mendes de Matos.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Mário de Figueiredo.
Querubim do Vale Guimarãis.
Rui Pereira da Cunha.
Salvador Nunes Teixeira.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 40 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 40 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: — Estão em reclamação os Diários das duas últimas sessões.
O Sr. Rui Pereira da Cunha: — Sr. Presidente: peço a palavra para uma rectificação:
No Diário das Sessões n.º 175, de 15 do corrente, a p. 626, col. 1.ª, l. 27.ª, onde se lê: «...se a acção do Govêrno se exercesse...», deve ler-se: «...se a acção do Govêrno se não exercesse...».
O Sr. Presidente: — Considero aprovados os dois Diários das Sessões com a rectificação apresentada.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Ministério das Obras Públicas e Comunicações. — Gabinete do Ministro. — Ex.mo Sr. Chefe do Gabinete de S. Ex.ª o Presidente do Conselho. — Em aditamento ao ofício dêste Gabinete n.º 596, de 28 de Maio último, e de acôrdo com o ofício da Direcção Geral de Caminhos de Perro n.º 140/E, de 9 do corrente, em referência a vários lapsos que se verificaram nos elementos fornecidos ao Sr. Deputado João Antunes Guimarãis, tenho a honra de solicitar a V. Ex.ª se digne promover que nos mesmos sejam feitas as seguintes rectificações:
No mapa n.º I - C.P., a pp. 510 e 511:
L — Urbana — 1937 — Saldo de exploração — Emendar para 2:764.050$27 a quantia de 2:744.050$27 indicada.
L — Arganil:
1938 - Receita — Idem para 707.637$49 a verba de 707.637$40;
1939 — Receita — idem para 742.385$16 a verba de 742.386$16;
1939 — Despesa — Idem para 1:628.403$90 a verba de 1:629.403$90.
L — Leste e norte — 1939 — Saldo de exploração — Idem para 27:887.296$90 a verba de 27:877.296$90.
R — Coimbra — 1939 — Saldo de exploração — Idem para 388.871$66 a verba de 338.871$66.
L — Vendas Novas:
1940 — Saldo de exploração — Idem para 495.266$93 a verba de 495.256$93;
1941 — Saldo de exploração — a verba de 161.092$08 não deve ser precedida do sinal —;
Total dos saldos de exploração de 1941 — Rectificar para 22:151.491$01 a verba indicada de 22:151.491$91.
L — Tôrres-Figueira-Alfarelos — 1942 — Despesa — Idem para 18:218.259$61 a verba de 13:218.259$61.
L — Cintura — 1943 — Receita — Idem para 5:141.257$12 a verba de 5:141.357$12.
L — Tôrres-Figueira-Alfarelos — 1943 — Receita — Idem para 25:687.741$41 a verba de 23:687.741$41.
Aproveito também o ensejo para solicitar de V. Ex.ª a seguinte rectificação na resposta dada ao requerimento do Sr. Deputado Antunes Guimarãis e publicada a p. 456 (fim da 2.ª coluna) do Diário das Sessões n.º 155, de 17 de Maio findo:
Na alínea a) Sôbre as datas de começo e terminação de todas as concessões ferroviárias de via larga e de via estreita e cláusulas da sua entrega ao Estado.
Sociedade para a Construção e Exploração de Caminhos de Ferro no Norte de Portugal (linhas do Vale do Vouga).
onde se lê: «22 de Maio de 2000», deve ler-se: «24 de Abril de 2004», por ter sido alterada pelo contrato de traspasse de 25 de Abril de 1905 a data de terminação da concessão.
Apresento a V. Ex.ª os meus cumprimentos da mais elevada consideração.
A bem da Nação.
Lisboa, 14 de Junho de 1945. — Pelo Chefe do Gabinete, Mário de Oliveira.
Informação
Inspecção ao Grémio dos Exportadores de Madeiras
A comissão de inspecção ao Grémio dos Exportadores de Madeiras, nomeada por despacho de 13 de Outubro último, concluiu os seus trabalhos com a apresentação do respectivo relatório.
A comissão nada apurou em desabono da direcção ou funcionários do Grémio e considera que não há reparos a fazer no que respeita à honestidade da administração.
Quanto à actuação do Grémio, como elemento primário da organização corporativa, verifica-se que esta se encontra dominada pela tarefa de requisição de matas para a produção de lenhas.
A comissão, tendo em vista a urgente necessidade de melhorar o abastecimento em combustíveis das indústrias fundamentais do País, observou que convinha alargar a zona submetida a corte de lenhas e era aconselhável a criação de um Fundo de fomento florestal, a fim de favorecer a reconstituïção das matas submetidas a corte e fomentar a arborização das propriedades particulares.
Neste sentido já foram ordenadas as providências convenientes, conforme disposições publicadas no Diário do Govêrno de 27 de Janeiro último.
A fim de averiguar se, pelos comerciantes inscritos no Grémio, haviam sido praticadas irregularidades no corte, destino e pagamento das lenhas requisitadas, a comissão enviou aos proprietários 38:463 circulares e recebeu em resposta 1:154 reclamações. Estas foram remetidas ao contencioso do Grémio, para início do correspondente processo disciplinar.
Conselho Técnico Corporativo, 27 de Março de 1945.
Inspecção à Junta Nacional dos Produtos Pecuários
A comissão de inspecção à Junta Nacional dos Produtos Pecuários, nomeada por despacho de 13 de Outubro último, concluiu os seus trabalhos com a apresentação do respectivo relatório.
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Nada se apurou em desabono dos actuais dirigentes ou funcionários daquela Junta. Antes pelo contrário, a comissão verificou que a administração se depara honesta e se soube rodear das necessárias cautelas. No que respeita à contabilidade e tesouraria do organismo não existe qualquer irregularidade. No entanto, dentro dos limites de carácter geral em que a inspecção decorreu, a comissão relatou factos e apresentou pontos de vista, que aconselham a revisão da política económica seguida em alguns sectores da actividade da Junta e a adopção de métodos administrativos e de funcionamento dos serviços mais eficientes, com vista a melhorar a sua actuação no quadro da economia nacional.
Neste sentido foram expedidas as convenientes instruções.
Conselho Técnico Corporativo, 24 de Março de 1945.
Inspecção à Comissão Reguladora do Comércio de Metais
A direcção presentemente em exercício na Comissão Reguladora do Comércio de Metais, no desempenho das funções de inspecção que lhe foram cometidas por despacho de 17 de Outubro último, apresentou o seu relatório quanto à actuação desenvolvida anteriormente por àquele organismo.
No que respeita, à administração exercida pela anterior direcção, o relatório da inspecção revela que a vida do organismo foi profundamente abalada pelo excesso de tarefas que lhe foram cometidas, entre as quais avultam a aquisição e distribuïção dos materiais de ferro e aço importados e o exclusivo da compra e venda de volfrâmio e estanho.
Daí resultou elevar-se desmedidamente o quadro do pessoal ao serviço da Comissão e êste nem sempre dispor da preparação necessária ao desempenho da sua missão.
A pedido da actual direcção, está em curso uma investigação na polícia de vigilância e defesa do Estado acêrca de certos funcionários acusados da prática de actos de corrupção e a mesma direcção já determinou o despedimento do pessoal que carecia de suficientes qualidades para o exercício do cargo e de parte do que não era necessário ao funcionamento dos serviços.
No que respeita à contabilidade, não se observaram irregularidades de que resultasse o desvio de qualquer importância administrada pela Comissão, e êste facto merece ser salientado, uma vez que chegaram a circular por aquele organismo cêrca de 2.400:000 contos em cada ano.
Quanto à actuação da Comissão em matéria de compra e venda de volfrâmio e estanho, nada se observou que mereça reparo. Neste capítulo a Comissão desempenhou-se da difícil tarefa que lhe fôra confiada.
Quanto à actuação da Comissão em matéria de distribuïção de materiais de ferro e aço, o sistema adoptado revelou-se, pela sua morosidade, extremamente inconveniente e parece ter contribuído — em alguma parte — para o incremento das transacções ilícitas, que não foram reprimidas com bastante eficiência. A presente direcção já tomou, nesta matéria, algumas medidas que se afiguram convenientes e procurará simplificar, tanto quanto possível, os métodos de distribuïção dos diferentes materiais, sem a criação de novos e excessivos encargos com a fiscalização.
O relatório da inspecção revelou ainda, em particular, duas irregularidades de carácter bastante grave:
a) Que existiam na Comissão processos relativos a actos de especulação com ferros, aos quais não se dera o conveniente andamento. A actual direcção remeteu os referidos processos à Intendência Geral dos Abastecimentos, com destino ao Tribunal Militar Especial. Entretanto, aquela Intendência já ordenou o encerramento dos estabelecimentos em causa, por períodos que variaram entre trinta e noventa dias;
b) Que o vogal representante dos importadores de ferro, Alberto Rio, foi encarregado — por delegação do anterior presidente da Comissão — de elaborar uma tabela de preços de materiais de ferro e aço, por forma a que os importadores não beneficiassem de um lucro superior a 15 por cento. Contudo, os serviços da Comissão Reguladora consideram — conforme consta do relatório da inspecção — que não foi observada a referida limitação de 15 por cento, e, assim, o lucro dos importadores excedeu o permitido relativamente a 63 por cento das quantidades importadas, e em alguns casos o referido lucro chegou a ser de 67 por cento.
Por êste motivo se determinou que o dito vogal Alberto Rio fôsse exonerado das suas funções e, além disso, visto o disposto no artigo 7.° e seu § único do decreto-lei n.° 29:964, de 10 de Outubro de 1939, se ordenou à actual direcção que organizasse um processo de onde constem as circunstâncias que respeitam à actuação do vogal Alberto Rio, a fim de ser remetido ao Tribunal Militar Especial, que decidirá sôbre a responsabilidade do dito vogal perante a lei.
Conselho Técnico Corporativo, 31 de Março de 1945.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Querubim Guimarãis.
O Sr. Querubim Guimarãis: — Sr. Presidente: tenho em meu poder já há alguns dias, não me tendo sido permitido, porém, referir-me ao facto há mais tempo por circunstâncias superiores à minha vontade, entre elas algumas ausências às sessões, a informação que pedi ao Ministério da Economia sôbre os resultados de inspecções ou inquéritos ordenados aos serviços de vários organismos de coordenação económica, sôbre cuja actuação havia dúvidas na opinião pública e se formulavam críticas que tendenciosamente iam mais alto e visavam a organização corporativa, em que assenta o regime económico instituído pelo Estado Novo.
O Sr. Ministro das Colónias, a cujo Ministério estendi também a minha solicitação, mandou a respectiva informação, e a ela me referi já nesta Assemblea, requerendo a sua publicação no Diário das Sessões, o que se fez.
Pouco tempo depois era recebida na Mesa a informação do Ministério da Economia, que V. Ex.ª me fez comunicar e à qual me refiro hoje, solicitando também, tal como fiz para a informação do Ministério das Colónias, a respectiva publicação no Diário das Sessões.
Da informação agora recebida, fornecida ao Ministério da Economia pelo Conselho Técnico Corporativo, verifica-se que se realizaram inspecções a três organismos:
Ao Grémio dos Exportadores de Madeiras;
À Junta Nacional dos Produtos Pecuários;
À Comissão Reguladora do Comércio de Metais.
Na primeira inspecção verificou-se, em resumo:
Que nada se apurou em desabono da direcção ou funcionários do Grémio, nenhuns reparos havendo a fazer à honestidade da administração;
Que, quanto à actuação do Grémio, esta se encontra dominada pela tarefa de requisição de matas para a produção de lenhas;
Que, quanto a irregularidades praticadas pelos comerciantes inscritos no Grémio, pelo que diz respeito ao corte, destino e pagamento de lenhas requisitadas, a comissão respectiva, à qual presidia o nosso ilustre colega Dr. Nunes Mexia, a cuja isenção e competência presto as minhas homenagens, enviou aos proprietários 38:463 circulares, recebendo em resposta apenas 1:154 reclamações, que foram todas remetidas ao contencioso do Grémio para início do correspondente processo disciplinar.
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Considerou a comissão encarregada de inspeccionar êsses serviços a conveniência de alargar a zona submetida a corte de lenhas, dada a urgente necessidade de melhorar o abastecimento em combustíveis das indústrias fundamentais do País e a criação de um Fundo de fomento florestal, a fim de favorecer a reconstituïção das matas submetidas a corte e fomentar a arborização das propriedades particulares.
Informa a propósito o Ministério que já foram ordenadas as providências convenientes, conforme disposições publicadas no Diário do Govêrno de 27 de Janeiro último.
Muito de desejar é que as providências tomadas sejam eficientes e se apliquem aos intermediários acusados as sanções merecidas. Parecia-me necessário que o alargamento, da área do corte de matas fôsse condicionado de modo a permitir uma regularização de preços em que os proprietários das matas auferissem maiores lucros, êles que ficam privados de um capital importante, provocado pelo desbaste dos seus pinhais, a longo prazo repovoados.
Quanto à inspecção feita à Junta Nacional dos Produtos Pecuários, a respectiva comissão nomeada concluiu os seus trabalhos, apresentando um relatório do qual se vê que nada se apurou em desabono dos actuais dirigentes e funcionários da Junta, tendo, pelo contrário, verificado que a administração era honesta e se soube rodear das necessárias cautelas, que nenhuma irregularidade se notou no que respeita à contabilidade e tesouraria do organismo, mas, dentro dos limites de carácter em que a inspecção decorreu, a comissão, relatando factos e apresentando pontos de vista, aconselha à revisão da política económica seguida em alguns sectores da actividade da Junta e a adopção de métodos administrativos e de funcionamento dos serviços mais eficientes, de modo a melhorar a sua actuação no quadro da economia nacional.
Nesse sentido, diz a informação, foram expedidas as convenientes instruções.
De facto o Ministério da Economia, nos dois sectores da actividade da Junta mais visados pela crítica, que nesta Assemblea teve eco de grande relêvo — o dos lacticínios e o da cortadoria do pêlo para a indústria da chapelaria —, já providenciou de maneira a reformar-se, como aconselhou a comissão encarregada da inspecção, a política económica até agora seguida e a dar-se nova orientação aos processos administrativos até agora seguidos.
Veremos o que essas medidas produzem em resultados práticos. Continuo a ver, quanto a indústria de lacticínios, uma boa solução na organização das cooperativas, de modo a que os produtores de leite, fornecedores, portanto, da matéria prima, participem dos lucros dessa indústria.
Temos por fim a inspecção à Comissão Reguladora do Comércio de Metais. Foi nomeada uma nova direcção e esta encarregada, por despacho de 17 de Outubro, de inspeccionar os actos da anterior e de averiguar qual fora a actuação desenvolvida anteriormente por aquele organismo.
Resumo também as conclusões a que chegou a inspecção feita.
Começa por declarar o relatório, quanto à administração da anterior direcção, que a vida do organismo foi profundamente abalada pelo excesso de tarefas que lhe foram cometidas, entre elas avultando a aquisição e distribuïção dos materiais de ferro e aço importados e o exclusivo da compra e venda de volfrâmio e estanho.
Daí resultou elevar-se desmedidamente o quadro do pessoal ao serviço da Comissão, e êste nem sempre ter a preparação necessária para o desempenho da sua missão.
Mas concluíu: que há acusações de actos de corrupção praticados por alguns funcionários, estando a correr, a pedido da actual direcção, uma investigação na polícia de vigilância e defesa do estado.
Também tomou a resolução de despedir pessoal que carecia de suficientes qualidades para o exercício do cargo ou que não era necessário ao funcionamento dos serviços.
Irregularidades na contabilidade não se encontraram de que resultasse o desvio de qualquer importância administrada pela Comissão.
Acentua o facto o relatório, salientando-o pela circunstância de chegarem a circular por aquele organismo cêrca de 2.400:000 contos em cada ano.
Não houve desvios de dinheiros, mas actos de corrupção, pelo menos acusações de tal natureza que levaram a actual direcção a entregar o caso à polícia e que convém punir, uma vez averiguadas.
Entra depois o relatório em pormenores quanto à actuação da Comissão Reguladora nos dois ramos de serviços que lhe foram afectos — o da aquisição e distribuïção dos materiais de ferro e de aço e o exclusivo da compra e venda do volfrâmio e do estanho.
Quanto a êste, nada há que mereça reparo. A Comissão desempenhou-se bem da difícil tarefa que lhe foi confiada.
Quanto à aquisição e distribuïção dos materiais de ferro e aço, verificou a inspecção que o sistema adoptado se revelou moroso e por isso extremamente inconveniente, contribuindo assim para o incremento das transacções ilícitas, que não foram suficientemente reprimidas.
Contra isto tomou já a actual direcção as precisas providências.
Mas o relatório da inspecção averiguou a existência de duas irregularidades graves, bastante graves, e afirma:
a) Que existiam na Comissão processos relativos a actos de especulação com ferros, aos quais não se deu o conveniente andamento.
A actual direcção já remeteu os respectivos processos à Intendência Geral dos Abastecimentos, com destino ao Tribunal Militar Especial, tendo já sido por aquele organismo ordenado o encerramento dos estabelecimentos em causa por períodos que variaram entre trinta e noventa dias;
b) Que o vogal representante dos importadores de ferro foi encarregado pelo presidente da anterior direcção de elaborar uma tabela de preços de materiais de ferro e aço, por forma a que os importadores não beneficiassem de um lucro superior a 15 por cento, mas verificou-se que tal limitação não foi respeitada, excedendo o lucro dos importadores o permitido em relação a 63 por cento das quantidades importadas, chegando a ser, em alguns casos, de 67 por cento.
O Sr. Albino dos Reis: — V. Ex.ª dá-me licença?
O que seria interessante era saber se no conjunto êsses lucros iriam além dos 15 por cento, porque bem pode suceder que em certos produtos caros essa percentagem fôsse maior, mas noutros fôsse menor que os 15 por cento.
O Orador: — Talvez tenha alguns elementos para responder a V. Ex.ª. Tenho em meu poder uma cópia remetida por êsse vogal ao Ministério da Economia lamentando ter sido afastado sem ser ouvido, explicando depois, não sei se com bons fundamentos, a razão da sua actuação, da qual consta que realmente êsse lucro de 15 por cento não era o que mais convinha, e até, caso curioso, em certa altura da sua exposição êle diz que como negociante dêsse artigo bem estimaria que se lhe fixassem os 15 por cento.
Mas, em face do que vinha dizendo, foi já resolvido exonerar das suas funções êsse vogal, ordenando-se à actual direcção a organização de um processo ao caso
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respeitante, a fim de ser remetido ao Tribunal Militar Especial, que decidirá da responsabilidade do acusado.
Devo dizer a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que êsse vogal visado na acusação, tendo visto na imprensa que eu me referira aos inquéritos ordenados pelo Ministério da Economia e solicitava dêste a informação oficial, a esta Assemblea dada, dos resultados a que se chegou nesses inquéritos, me enviou cópia de uma exposição que dirigiu, em sua defesa, ao Sr. Ministro da Economia, acompanhada de vária documentação, tudo com o objectivo de eu me aperceber bem do que se passou e fazer justiça ao visado.
E claro, Sr. Presidente, que, estando o caso afecto ao Tribunal Militar Especial, a êste e a mais ninguém compete apreciar a questão devidamente e resolver de harmonia com os princípios da justiça, que a todos os acusados há necessidade de fazer.
Na exposição feita ao Sr. Ministro da Economia queixa-se o visado de não ter sido ouvido na inspecção que se lhe fez e apesar disso ter sido exonerado. Essa exposição tem a data de 14 de Abril e foi enviada logo após a publicação na imprensa da nota do Ministério da Economia com o resumo do relatório da comissão encarregada da inspecção respectiva.
Em 14 de Maio o mesmo interessado enviava ao Sr. Ministro da Economia uma solicitação, de que também me enviou cópia, estranhando que nessa data ainda não tivesse sido remetido ao Tribunal Militar Especial o processo e pedindo que essa remessa fôsse ordenada ràpidamente, para se averiguar a verdade e responder aí pelos actos cuja responsabilidade lhe possa caber.
É de crer que o processo já se encontre no Tribunal, pois em casos dêstes, tanto para a justa punição, havendo culpas, como para a isenção de responsabilidades, não as havendo, impõe-se uma rápida averiguação.
Sr. Presidente: acho conveniente que se publique no Diário das Sessões a informação que o Ministério da Economia enviou, embora ela tivesse já sido publicada na imprensa.
E cabe-me por último agradecer ao Sr. Ministro da Economia essa resposta ao meu pedido, afirmando de novo aqui a minha plena confiança na actuação de S. Ex.ª para que se opere o necessário saneamento em todos os organismos visados pelas críticas: onde haja faltas ou irregularidades, reprimindo-as; onde as deficiências sejam de competência dos funcionários, melhorando os serviços; onde nada haja de anormal, elucidando a opinião pública, tranqüilizando-a ou calando a bôca dos tendenciosos acusadores da organização corporativa.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Nunes Mexia: — Peço a palavra para um esclarecimento.
O Sr. Presidente: — Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Nunes Mexia: — Referiu-se o Sr. Dr. Querubim Guimarãis à comissão de inspecção ao Grémio dos Exportadores de Madeiras. Permita-me S. Ex.ª que, em primeiro lugar rectifique um ponto que diz respeito à composição dessa comissão.
De facto, a presidência coube ao Sr. engenheiro Frazão. Quanto às zonas, deixou a comissão alvitres para o alargamento dessas zonas; e, quanto aos preços, não apoiou decididamente a sua elevação, porque criava uma situação de desigualdade em relação aos proprietários que já haviam sido atingidos pelos cortes de arvoredo.
Relativamente aos lacticínios — um sector da Junta dos Produtos Pecuários —, referiu-se o Sr. Dr. Querubim
Guimarãis à situação existente e advogou a expansão da modalidade «cooperativas de produtores».
Devo dizer que essa modalidade, bem como todas as outras, têm estado a ser estudadas por nós, com todo o interesso, na Junta dos Produtos Pecuários, mas por emquanto nada é possível fazer-se, visto que o assunto está afecto a uma comissão de estudo que anda realizando estudos e investigações em todas as regiões leiteiras de feição industrial.
Quanto à Cortadoria do Pêlo, posso informar que foi recentemente reorganizada. Neste momento está a trabalhar-se bastante bem e a corrigir-se certas orientações anteriormente seguidas.
E o que digo quanto a êste organismo refere-se a um melhor enquadramento e reorganização de todas as actividades que dele dependem.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito, bem!
O Sr. Presidente: — O pedido do Sr. Deputado Querubim Guimarãis para que sejam publicados no Diário das Sessões os documentos a que se referiu será satisfeito.
Pausa.
O Sr. Presidente: — O juiz de direito de Mangualde pediu que fôsse autorizado o Sr. Deputado José Cabral a prestar o seu depoïmento num processo que corre naquela comarca. Proponho que seja concedida a necessária autorização.
Consultada a Assemblea, foi concedida a autorização solicitada.
O Sr. Presidente: — Neste momento estão já na sala 46 Srs. Deputados, número legal suficiente para a Assemblea entrar na ordem do dia.
Vai passar-se portanto à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: — Está em discussão a base XI da proposta de lei de coordenação dos transportes terrestres.
Sôbre esta base está na Mesa uma proposta do Sr. Deputado Antunes Guimarãis, que diz assim:
O Govêrno ordenará o estudo da codificação e actualização dos preceitos sôbre transportes, para serem concretizados numa proposta de lei.
Esta base refere-se não só à legislação sôbre caminhos de ferro, mas também à legislação sôbre viação automóvel.
Relaciona-se com a base XIV.
Está em discussão.
O Sr. Mário de Figueiredo: — Sr. Presidente: são só duas palavras e para dizer o seguinte:
Em primeiro lugar, a proposta do Sr. Deputado Antunes Guimarãis contém uma matéria que deveria ser antes objecto de uma moção do que pròpriamente de um texto legal.
Tenho as minhas dúvidas — sem que nisto vá qualquer espírito de crítica à maneira como V. Ex.ª está a dirigir os trabalhos — sôbre se tal proposta tem realmente uma relação íntima com a base em discussão, como à primeira vista poderá parecer.
Trata-se de convidar o Govêrno a organizar o regime jurídico do automobilismo. Quere dizer, de convidar o
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Govêrno a organizar uma proposta de lei e mandá-la à Assemblea sôbre o que deve ser o novo regime jurídico do automobilismo.
Como o Govêrno tem, em certo sentido, a plenitude do Poder Legislativo, excepto quando funciona a Assemblea, isso equivale a convidar, contra a doutrina constitucional, o Govêrno a que não considere a matéria senão para ser resolvida quando de novo se reúna a Assemblea.
Creio que uma moção era realmente o meio de dar satisfação ao objectivo de S. Ex.ª, a entender-se que êle era de admitir. Mas não parece que o seja, porque a Assemblea tem sempre possibilidade de se pronunciar através de um projecto de lei que qualquer Deputado poderá apresentar.
Eis porque me parece que não deve devolver-se ao Govêrno o que na Assemblea pode ter satisfação completa.
Aqui tem, V. Ex.ª, Sr. Presidente, e V. Ex.as, Srs. Deputados, porque julgo, na verdade, que não deve ser votada a proposta, do Sr. Dr. Antunes Guimarãis.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: — Vou submeter à votação da Assemblea a proposta do Sr. Dr. Antunes Guimarãis.
Submetida à votação, foi rejeitada.
O Sr. Presidente: — Vai votar-se agora a base XI tal como consta da proposta do Govêrno.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: — Está em discussão a base XII. Quanto a esta base, há na Mesa uma proposta de substituïção do Sr. Deputado Mário de Figueiredo. Diz assim:
O Govêrno poderá autorizar regimes especiais de exploração económica nas linhas férreas secundárias cujo rendimento não compense as despesas de uma exploração normal. Se, mesmo em exploração económica, não deixarem de ser deficitárias, poderá ser autorizada a cessação temporária ou definitiva, parcial ou total, da exploração nessas linhas, desde que, em vez dela, seja estabelecida, pela emprêsa ou emprêsas concessionárias de transportes automóveis interessadas, ou, na recusa destas, pela emprêsa ferroviária, uma carreira com percurso equivalente, tudo condicionado, porém, à satisfação das necessidades públicas e às exigências do desenvolvimento da região servida.
Está também em discussão esta proposta.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Como ninguém quere usar da palavra, vai votar-se.
Submetida à votação a proposta de substituïção do Sr. Deputado Mário de Figueiredo, foi aprovada.
O Sr. Presidente: — Está em discussão a base XIII.
Quanto a esta base, está na Mesa, em primeiro lugar, uma proposta do Sr. Deputado Mário de Figueiredo, assim redigida:
À nova emprêsa incumbe realizar, além da exploração de toda a rêde, conforme os progressos técnicos e comerciais, a transformação e reapetrechamento dessa rêde, conforme plano por ela proposto ou da iniciativa das estâncias oficiais, devidamente aprovado pelo Govêrno em Conselho de Ministros.
Êste plano deve prever tudo o que respeita à economia dos transportes ferroviários e, em especial, a electrificação das linhas julgada conveniente.
Para executar êsse plano pode o Govêrno facilitar à emprêsa a obtenção dos necessários meios financeiros e atenuar os encargos que actualmente oneram o exercício da indústria ferroviária.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Por outro lado, há duas propostas, que foram apresentadas pelo Sr. Deputado Araújo Correia, mas que estão subscritas por vários outros Srs. Deputados.
São as seguintes:
Unificada a exploração, a sociedade exploradora a que se refere a base I apresentará ao Govêrno um plano de reorganização de todo o sistema ferroviário de via larga e via estreita. Êsse plano deve necessàriamente compreender:
a) Os aspectos financeiro, económico e técnico da exploração e as modificações e progressos susceptíveis de serem introduzidos no interêsse do público;
b) A electrificação da actual rêde;
c) A conclusão de troços de linhas que facilitem a interconexão da rode existente, de modo a aperfeiçoar as condições da exploração do conjunto e a satisfazer melhor as necessidades públicas;
d) As exigências da defesa nacional;
e) As possíveis repercussões na exploração do desenvolvimento futuro da aviação comercial e da navegação fluvial;
f) Quaisquer outras circunstâncias derivadas da experiência dos últimos anos em matéria ferroviária que possam influir na economia da exploração;
g) Outros elementos susceptíveis de aperfeiçoar, no interêsse da economia nacional, a coordenação dos transportes terrestres.
Depois de estudo e parecer dos organismos oficiais competentes e aprovação em Conselho de Ministros do plano de reorganização a que se refere a base a, e de calculados e verificados, os recursos financeiros e as disponibilidades de material das emprêsas ferroviárias integradas na sociedade exploradora, e reconhecida a impossibilidade de ela, por si só, poder executar, em prazo curto, os melhoramentos preconizados no plano de reorganização, poderá o Govêrno intervir no sentido de a auxiliar na obtenção de meios financeiros para a execução do plano de realizações, ou conceder quaisquer outros benefícios que tendam a manter a eficiência do serviço ferroviário.
Estão também em discussão estas propostas.
O Sr. Mário de Figueiredo: — V. Ex.ª dá-me a palavra, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: — Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Mário de Figueiredo: — Pedi a palavra só para dizer o seguinte: suponho que, àparte um aspecto que não é sem importância, tudo o que se contém nas propostas de substituïção da base XIII apresentadas pelo Sr. engenheiro Araújo Correia está também contido na minha proposta de substituïção. A diferença é que a minha é mais sintética e as do Sr. engenheiro Araújo Correia mais analíticas.
Se isso não fôsse interpretado como uma expressão de vaidade — que nunca descobri motivos para ter - diria que a minha se harmoniza melhor do que a do
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Sr. engenheiro Araújo Correia com o que costuma chamar-se os princípios de técnica legislativa. Tenho, de resto, muito gosto em dizer a V. Ex.as que a minha proposta foi organizada sôbre o texto das do Sr. engenheiro Araújo Correia; se quiserem, é um plágio meu sôbre a obra do Sr. engenheiro Araújo Correia, já, por sua vez, construída sôbre a proposta do Govêrno. São idênticas as duas propostas no conteúdo, àparte a diferença a que já aludi e que consiste nisto: emquanto que na proposta do Sr. engenheiro Araújo Correia é a nova emprêsa que há-de organizar o plano a que as duas propostas se referem, na minha pode ser a emprêsa ou as instâncias oficiais. Creio que isto é suficiente para logo inculcar que é a minha que deve ser votada.
O Sr. Araújo -Correia — Sr. Presidente: a base em discussão é, depois da primeira, a mais importante da proposta ide lei, porque é através dela que pode ser operado o financiamento da nova emprêsa exploradora, além de possíveis desagravamentos fiscais e outros benefícios. E se se materializar a teoria, com a qual não concordo, da impossibilidade de exploração ferroviária lucrativa, que possa em razoável período de anos liquidar os novos encargos contraídos, nós vamos dar poderes para autorizar e conceder a emprêsa privada, embora de utilidade pública, empréstimos ou subsídios que podem não ser recuperados.
Torna-se, por isso, necessário tomar as cautelas devidas no instrumento que tal permite, e assim orientar claramente as suas disposições no sentido de que os empréstimos ou subsídios a conceder o sejam tendo em vista sempre a sua maior utilidade, de modo a completar, creio eu, o próprio pensamento do Govêrno.
As propostas de substituïção visam isso.
Quem examinar as necessidades do sistema ferroviário português verifica ser necessário o seguinte:
1) Sanear financeiramente as emprêsas antes de se fundirem, de modo a reduzir ao mínimo os encargos do passado;
2) Remodelar toda a exploração, modernizando a sua orgânica e apetrechamento;
3) Promover melhorias consideráveis na conservação e reparação do que existe, de modo a permitir melhor circulação de combóios;
4) Adquirir material moderno, que aumente as comodidades do público, reduza os custos e, até certo ponto, limite a importação de combustíveis, isto é, que assegure bom coeficiente de exploração e melhor serviço do que agora; e finalmente
5) Estudar e prever a influência de factores que possam, dentro de dez ou quinze anos, perturbar a economia da exploração, como agora aconteceu com o caso da camionagem.
O Estado, que vai consentir em grandes sacrifícios financeiros e que entrega a exploração das suas próprias linhas e de valiosas concessões a uma emprêsa privada, deve fazer estudar com minúcia, e antecipadamente, tudo o que possa vir a ter influência no gasto dos capitais mutuados e promover a reorganização dos seus próprios serviços no sentido de tornar possível rigorosa fiscalização quando se aplicarem êsses capitais.
Há necessidade, por conseguinte, de estabelecer um plano cuidadoso, que encerre um programa concreto de realizações. E também é indispensável dar independência e poderes à Direcção Geral de Caminhos de Ferro, de modo a que, além dos trabalhos que por lei e pelos regulamentos em toda a parte do mundo competem a organismos similares, tenha ainda o objectivo e a responsabilidade de, como órgão permanente do Estado, examinar como é executado o plano de trabalhos e como são gastas tam grandes somas de dinheiros públicos.
Esta idea, apoiada também na opinião dos que bem conhecem, estes assuntos, levar-me-ia, se tivesse sido posta à votação a base IX, a votar contra ela, por considerar um grave êrro a extinção daquele organismo fiscalizador.
Há três propostas em discussão: a do Govêrno, a do Sr. Dr. Mário de Figueiredo e a de um grupo de Deputados, de que faço parte.
Antes de emitir opinião sôbre o assunto convém fixar algumas ideas «obre o destino dos capitais a fornecer pelo Estado, e, embora à Câmara não tivessem sido enviados elementos sôbre êsse destino, foram aqui citadas cifras, extraídas de relatório recente da mais importante emprêsa ferroviária nacional.
São precisas, segundo êsses elementos, e para certos fins, cêrca de 1.275:000 contos, assim divididos:
Contos
Conservação da via............. 464:000
Reparação de pontes............ 240:000
Automotoras e carruagens....... 170:500
Locomotivas e tractores........ 364:500
Sinalização e diversos......... 36:000
1.275:000
V. Ex.as reparem que não se inclue, neste respeitável total, nada para 1.° estabelecimento, naturalmente por êste simples motivo de que o 1.° estabelecimento consistirá essencialmente de cousas que não podem ser já iniciadas e que levam bastante tempo a executar, como a electrificação, em escala razoável, visto não haver ainda energia disponível, e serem de menor importância, embora necessárias, outras, como as estações de mercadorias de Lisboa. O têrmo de qualquer destas obras há-de evidentemente demorar mais do que o optimismo nacional julga, dadas as condições do mundo e ainda por outros motivos.
Mas a conservação da via, as reparações de pontes, a sinalização, as telecomunicações, a compra de material circulante, incluindo automotoras, carruagens, locomotivas e tractores, são cousas urgentes, muito necessárias. Era obrigação das emprêsas e do Estado ter mantido as suas linhas em boas condições de tráfego. Mas nem o Estado nem as emprêsas isso fizeram ou puderam fazer — e muitas das falhas apresentadas em desfavor dos serviços técnicos, tanto nas rêdes das companhias como nas do Estado, são devidas, não à insuficiência dos engenheiros e outro pessoal que nelas trabalham, mas à deficiência na via, na sinalização, nas comunicações e, sobretudo, ao material antiquado e anti-económico que circula. E isso porque, apesar dos constantes alertas, não houve a tempo e horas o dinheiro e a iniciativa de promover os remédios.
Se para o que acabo de mencionar, que nada inclue para obras novas, são precisos 1.275:000 contos nas linhas do Estado e antiga rêde da C. P. pode bem avaliar-se o total a desembolsar num prazo relativamente curto, de dez ou quinze anos, em toda a rêde ferroviária de via larga e via estreita. É para autorizar o possível desembolso dêsse total, que avaliei, no meu último discurso, em talvez mais de 2.000:000 de contos, que nós vamos votar agora.
Dada a importância da cifra, a sua influência no futuro do País e o facto de ela poder vir a ser gasta por uma emprêsa privada, entendi eu, e folgo em ter sido acompanhado por tantos ilustres Deputados, que era necessário subordinar a sua entrega a um cauteloso e especializado estudo, que envolvesse todos os possíveis aspectos do problema sem esquecer a defesa nacional, e ao delineamento de um programa harmónico de realizações, fiscalizado por entidade independente do Es-
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tado, que seria a Direcção Geral de Caminhos de Ferro, convenientemente apetrechada. Sem isso, considerei e considero difícil votar e nem sei como isso se possa fazer, porquanto, se o programa de realizações se estende por muitos anos, é certo que será aplicado por Govêrnos diferentes — e também, como disse já nesta tribuna, ninguém agora sabe a confiança que êles podem merecer no futuro.
Das propostas em discussão a que mais se aproxima da que por mim e outros Srs. Deputados foi mandada para a ilesa é a do Sr. Dr. Mário de Figueiredo, que também prevê «a transformação e apetrechamento da rêde, conforme plano por ela proposto (a companhia ou emprêsa) ou de iniciativa das instâncias oficiais, e que deve prever tudo o que diz respeito à economia dos transportes ferroviários e em especial à electrificação das linhas julgadas convenientes».
As duas propostas afastam-se, porém, em alguns aspectos, que são fundamentais. Vejamos, em primeiro lugar, a feitura do plano.
Não entendo como as instâncias oficiais podem delinear o plano em vista e o Estado dele assumir a responsabilidade. E se fôsse levada para diante a idea de extinguir a actual Direcção Geral de Caminhos de Ferro e fundi-la com os Serviços de Viação, pode dizer-se que o caso ainda seria muito mais agravado e sério. A actual Direcção Geral de Caminhos de Ferro tem a dirigi-la alguns engenheiros de alta categoria técnica e ferroviária, reconhecida por todos os seus colegas da especialidade e outros, e que, a par de longa experiência, possuem grande integridade moral. Se êsse corpo de técnicos fôsse desmembrado, seria manifestamente impossível elaborar qualquer plano de conjunto. Até no caso de o não ser, eu creio ser impossível isso, porque se não trata apenas de escrever, em branco papel, puras e imaginativas aspirações; trata-se de em todos os aspectos da técnica ferroviária, em todas as concessões do País, lançar minuciosamente as bases de melhorias importantes, e algumas novas no mundo técnico, com estimativas sérias e circunstanciadas. Só os serviços especializados das linhas de cada uma das emprêsas podem fornecer e estudar todos os elementos, que seriam depois revistos e adaptados às necessidades públicas pelos serviços do Estado e por êles fiscalizados.
Mas um plano dêste género, que pode envolver prejuízos para o Estado na ordem financeira e é de profunda importância para o País, tem de olhar a outros aspectos, como, por exemplo, a defesa nacional. O caminho de ferro constitue ainda hoje o fulcro em volta do qual giram as comunicações em tempo de guerra; e tanto as estações de mercadorias, as directrizes das linhas, o tipo de material circulante, como a própria estandardização dêsse material, têm também de atender a êsse aspecto.
Por outro lado, eu já aqui informei ser meu parecer que a aviação, a navegação fluvial e a cabotagem são inimigos latentes e potenciais do caminho de ferro, e se forem feitas as melhorias já estudadas no Tejo, por exemplo, uma grande parte do tráfego da margem esquerda há-de encontrar natural saída para Lisboa através dêste rio. A linha de Vendas Novas, que agora dá receita líquida, pode bem vir a transformar-se em linha deficitária.
Outro, tanto se poderá dizer do Douro quando alguém pensar em extrair dele o enorme potencial de energia que encerra e ao mesmo tempo tiver em vista a exploração das minas de ferro de Trás-os-Montes, aproveitando a navegação que pode resultar do domínio dos caudais do rio. E se ainda atentarmos com olhos de ver nas possibilidades dos portos recentemente construídos, que serão utilizados essencialmente na cabotagem, vemos novo contendor a disputar ao caminho de ferro o tráfego do litoral e talvez outro, como a camionagem com tanto sucesso lho disputou nas duas últimas décadas.
Já houve bastantes prejuízos por falta de previsão; é bom que os não haja amanhã, e por isso o plano de realizações tem de prever, tanto quanto possível, o eco dos desenvolvimentos futuros e ajustar-se a êles.
Não é, por conseqüência, uma cousa simples, um leve relatório, mas estudos sérios, conscienciosos e demorados, que envolvem aspectos de natureza não apenas ferroviária, mas que afectam profundamente o interêsse do público e a sua comodidade, como expressamente se reconhece na proposta de substituïção que tivemos a honra de enviar para a Mesa.
Qualquer plano de realizações, no próprio interêsse do seu êxito, tem de ser orientado no sentido da comodidade do público, sem esquecer o rendimento económico da rêde. Entendo que um e outro se podem conciliar, mas não pode haver harmonia entre êstes dois fins se não houver cuidadoso estudo dos factores que influenciam ambos.
Não citei o caso da necessidade de acabar alguns, embora pequenos, troços de linhas, nem outras cousas de importância que dizem respeito ao aspecto financeiro e económico.
Mas quero acrescentar ainda o seguinte: hão-de ser necessários estudos muito cuidadosos quando forem avaliadas as concessões, sobretudo a da linha norte-leste, que já em 1938 uma alta autoridade financeira e política estimava em algumas centenas de milhar de contos. Agora, sete anos volvidos, mais próxima do seu têrmo e com receita líquida muito aumentada, há-de possìvelmente atingir cifras de tal magnitude que, disse eu aqui, receio muito ela só possa ser compensada, nos termos da base I aprovada pela Câmara, por uma forte comparticipação do Estado na nova emprêsa, que o levará talvez a posição de domínio.
Isto tem de ser previsto em qualquer estudo, em qualquer plano de reorganização e em qualquer programa de realizações.
Se não fôsse o que acabo de dizer, não teria dúvida em votar a proposta do Sr. Dr. Mário de Figueiredo, que contém uma parte do que estava nó meu espírito ao apresentar na sessão de estudo, e aqui, uma proposta de substituïção, mas, porque a considero insuficiente e se circunscreve a restritos aspectos que dizem respeito só à economia ferroviária, não a posso aceitar.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Águedo de Oliveira: — Sr. Presidente: ainda que o debate parlamentar sôbre matéria de coordenação dos transportes atinja o seu epílogo, pareceu-me útil subir a esta tribuna no sentido de realçar os termos da base XIII da autoria do Sr. Deputado Mário de Figueiredo. Vejo neles uma medida de grande alcance. Trata-se de uma base política indispensável à boa execução da lei; trata-se de um pressuposto moral da obra de coordenação dos transportes. Suponho, pois, que é de indiscutível vantagem a aprovação da base XIII tal como o Sr. Deputado Mário de Figueiredo a gizou. É que ela pugna pela existência de um plano de bemfeitorias ferroviárias e implica uma melhoria na sua exploração comercial, por forma que teremos aqui a base moral que permite fazer entrar em vigor, sem discussão, todas as demais disposições.
Claro que eu vejo a questão muito limitadamente e não vou acompanhar o Sr. Araújo Correia em matéria de assistência financeira nas linhas ferroviárias portuguesas ou no seu esquema de melhorias.
Sobretudo entendo que é absolutamente necessário neste momento que as emprêsas ferroviárias entrem no
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caminho de reorganização que as leve a refrescar e aperfeiçoar os seus métodos.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — A indicação positiva e firme nesse sentido — eu não irei ocupar as atenções de V. Ex.as com pormenores — foi dada por diversas vezes, particularmente no debate de 1938, sôbre tarifas.
Quási todos os Srs. Deputados intervenientes em 1938 e os que porventura interpelaram antes da ordem do dia, mesmo até alguns membros do Govêrno muito ilustres, bateram esta tecla: é necessário melhorar os serviços para se acabarem as reclamações por parte do público.
É portanto, Sr. Presidente, preciso que acabe êste pessimismo de se supor que em matéria ferroviária se não pode fazer mais nem melhor. Para isso suponho que uma reorganização, no sentido comercial, daquilo que é mais simples e viável poderia dar uma solução a êste ponto e de forma a acabar com tal pessimismo, que releva e vinca como que uma crise permanente, um fatalismo histórico, por parte das administrações. É necessário que alguma vez, ou, melhor, desta vez, seja dada solução de modo a acabar-se com o pessimismo e com as queixas constantes do público que viaja.
Não quero lembrar o que disse o Sr. Dr. Mário de Figueiredo ou o que disseram o Sr. Deputado Melo Machado e o Sr. Dr. Diniz da Fonseca. Lembro apenas que o Sr. Dr. Amorim Ferreira consignou que os nossos caminhos de ferro não estão preparados para o desenvolvimento comercial depois da guerra, nem apetrechados para acompanhar no futuro as exigências do pôrto de Lisboa e do seu interland, dado um possível aumento da nossa navegação.
Temos locomotivas antigas, caldeiras avariadas, parque de material deficiente, combóios congestionados, atravancados, mercadorias engasgadas, mas quero crer que não é isto inteiramente da responsabilidade das administrações. Não tenho elementos para acompanhar e apreciar completamente as considerações dos Srs. Deputados que aqui falaram, que vincaram a deficiente direcção com excesso de responsabilidades.
A nossa elite ferroviária mostra-se tarda ou relutante em atender as reclamações ou satisfazer os desejos razoáveis do público.
Que pretende êste, sobretudo?
Horários racionais, cómodos, velocidade crescente, fiscalização, que parece brilhar pela ausência, rapidez de cargas e descargas.
Mas devo também, em louvor do empreendimento ferroviário, constatar que entre aquilo que se passou na Grande Guerra de 1914 a 1918 e o que se passou agora, de 1939 para cá, é de elogiar tanto a Direcção Geral de Caminhos de Ferro como as emprêsas ferroviárias, que se esforçaram para melhorar os serviços. Felizmente nesta guerra não se viajava do Pôrto para Lisboa ou de Coimbra para o Pôrto gastando dois ou três dias, nem assistimos aos casos extraordinários: os soldados amontoados, ao abandono, quando começavam a sua marcha para a Flandres e a guarda e os empregados abrindo a marcha, em vagão descoberto.
Como eu ponho êste ponto de vista do lado do serviço público ou comodidade pública, sem acompanhar o Sr. Dr. Mário de Figueiredo no plano intelectual de distinção em que pôs aqui os princípios jurídicos fundamentais em matéria de coordenação, no fecho do debate na generalidade, também tenho um princípio, aliás muito repetido em todos os economistas: sempre mais depressa, sempre mais barato e sempre mais còmodamente. E, se quiser repetir o ensino dos economistas que mais se têm dedicado aos transportes, direi mesmo: sempre mais transportes (Apoiados). Portanto suponho que há vantagem em não resistir às reclamações e queixas do público.
Assim, examinarei de momento, como traço característico de que realmente o serviço é deficiente, um aspecto essencial: a questão dos horários.
Neste particular eu não quero referir-me aos felizardos que viajam do Pôrto para Lisboa nos rápidos cómodos e magníficos que são timbre e honra da velha C.P. de 1908; quero referir-me aos combóios usuais de longo curso, onde a maior parte das pessoas viajam e que atravessam o País desde a sua capital até à periferia da Nação. Êsses combóios, que são decisivos para o efeito da circulação neste País, seguem morosamente, arrastadamente, param em todas as estações, nunca mais chegam, perdem-se constantemente em atrasos incríveis. A concepção prístina que a êles preside há várias décadas é esta: combóio todo um dia, para ver a mesma païsagem; combóio toda uma noite, para dormitar sofrìvelmente.
Êsses combóios essenciais à vida do País têm de ser melhorados, acelerados — os seus métodos inteiramente refrescados...
O Sr. Querubim Guimarãis: — V. Ex.ª dá-me licença? V. Ex.ª não pertence ao número dos felizardos?
O Sr. Carlos Borges: — V. Ex.ª dá-me licença? Os felizardos existiam antigamente, porque, agora, mesmo nos rápidos Pôrto-Lisboa já não há felizardos.
O Orador: — Eu não vou dar a V. Ex.as, evidentemente, apontamentos incidentais; não me vou referir ao rápido Pôrto-Lisboa ou ao facto de êle andar mais hipertrofiado ou menos. Refiro-me aos combóios de longo curso usuais, com horários estabelecidos, que produzem viagens de longas horas.
Vamos a números.
Velocidades atingidas no decurso dos séculos:
Quilómetros à hora
Século XVII — Sege................. 2,2
Fim do século XVIII — Sege......... 3,4
1813 — Carruagem de molas.......... 4,3
1828 — Primeira locomotiva......... 6,5
1830 — Primeiro americano.......... 6,5
1840 — Outras locomotivas.......... 40
1848 — Diligência rápida........... 9,5
1863 — Combóio..................... 50
1889 — Combóio..................... 60
1900 — Combóio..................... 75
1910 — Combóio..................... 90
1935 — Combóio.....................130
Claro que se trata de velocidades máximas e o seu confronto é imperfeito, porque se lhes seguem velocidades médias, velocidades comerciais.
Encontro, por exemplo, o seguinte: combóios usuais de longo curso entre Lisboa e Pôrto — são 349 quilómetros em nove horas e trinta e sete minutos; em dez horas e dezanove minutos, e em doze horas menos cinco minutos. Isto corresponde a uma média comercial de 29 quilómetros à hora, a 36,7 quilómetros à hora.
Na linha de leste, 272 quilómetros em sete horas e vinte e cinco minutos, o que corresponde à média de pouco mais de 36 quilómetros.
No oeste, 272 quilómetros em sete horas e vinte e cinco minutos, ou seja o correspondente à média de 32 quilómetros à hora.
Na Beira Baixa, 355 quilómetros em catorze horas e treze minutos, correspondendo a uma média de 24 quilómetros à hora.
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No sul e sueste, 345 quilómetros em vinte e uma horas e quatro minutos. Sabem V. Ex.as a que isto corresponde? À média de 16 quilómetros à hora!
Minho e Douro, 202 quilómetros em oito horas e trinta minutos, o que atinge 24 quilómetros à hora.
Ninguém se alegre, porém, porque, enfiando para as linhas complementares de Amarante, Corgo, Tua e Duas Igrejas, esta média baixa ainda.
É por isso que eu chamo a atenção para êste facto, que parece ser uma fatalidade invencível de há dezenas de anos a esta parte. Assim viajaram já nossos avós.
Ao mesmo tempo, se procurarmos estabelecer confronto entre as necessidades da vida económica e a forma como é programada a marcha de combóios, encontramos que tais combóios saem dos grandes centros a uma hora em que os estabelecimentos estão por abrir e, em regra, chegam quando os estabelecimentos estão fechados, de modo que isto implica a necessidade de uma demora de mais vinte e quatro horas para se poder ir a um armazém, a uma oficina ou a qualquer parte para se realizar um negócio. Chegam mesmo a uma hora em que é proïbido comer.
Demoram tempos incríveis a atravessar cidades. Do Pôrto a Ermezinde é frequente os combóios gastarem quarenta minutos e uma hora para chegarem do centro de uma cidade até aos seus arredores.
Se em cidades que têm uma área muito larga, como Berlim, como Paris ou como Londres, se efectuassem tais marchas, com tais paragens e tais demoras, se se admitissem mesmo os atrasos iniciais que aqui são freqüentes, necessàriamente que nunca mais se saïria dessas grandes metrópoles.
Por outro lado, onde é que estão previstas as disposições legais que normalmente interessam ao serviço dos caminhos de ferro?
Estão previstas, não num estatuto legal, mas num decreto que tem a data de 31 de Dezembro de 1864 e num regimento de polícia datado de 11 de Abril de 1868.
Basta enunciar estas datas para ficar imediatamente feita a crítica de tal decreto e regimento, salientado o significado da ausência de um estatuto moderno.
Ainda no ano passado o Sr. Dr. Rui Ulrich, um abalizado especialista, considerava quási inverosímil que em 1944 estivessem de pé semelhantes disposições fundamentais em matéria ferroviária.
Muitos anos depois, em 1870 e tal, é que Fontes conseguiu levar quási ao fim a linha do norte-leste e por essa altura é que se começou a construir a linha do sul e sueste.
Era a época em que todos os economistas desconfiavam do combóio, havendo um no entanto, Miguel Chevalier, que se bateu por estes transportes. Era a época em que a plutocracia de Napoleão III pretendia invadir, para fins de estratégia política e económica, a rêde ferroviária de alguns países, tomando uma grande parte das respectivas acções e obrigações.
Parece-me ainda que, dentro desta modalidade da exploração comercial do caminho de ferro, há grande falta de fiscalização.
Tenho visto que a maior parte dos combóios segue muitas das vezes, por assim dizer, ao abandono. Ninguém quere saber de imperfeições, atrasos e percalços.
Há um pessoal de tracção, um pessoal de fogo e um pessoal de condução.
Quem dirige o combóio é o condutor, que vai no furgão, mas que, embrenhado dentro da sua restrita tarefa, não quere saber nem terá poderes para essas dificuldades.
O combóio atrasa-se, mas o maquinista não se importa, tanto mais que lhe dizem que é preciso economizar carvão.
Quando a Itália refrescou inteiramente os seus métodos ferroviários, passou a dirigir os combóios essenciais à vida da nação, que são os de longo curso, um funcionário superior.
De resto, tenho verificado que são constantes os estorvos no trasbôrdo sem qualquer controle e também que a maior parte do serviço ferroviário anda sem fiscalização alguma.
E lamento que não se adopte entre nós o método usado por alguns Parlamentos, que é o seguinte: há uma comissão parlamentar que, antes da apreciação de qualquer assunto, faz um inquérito à vida das actividades a que êsse assunto diga respeito. Ouve o público interessado, os especialistas, os responsáveis, etc. Depois publicam-se as actas.
Não colaboro no pessimismo de muita gente, e suponho que na base II do Sr. Deputado Mário de Figueiredo, quando se fala de progresso comercial, se deve tratar realmente de uma melhoria dos métodos.
Desejamos, como toda a gente, que as novas locomotivas, que fazem 160 quilómetros à hora, que as automotoras Diesel, que também fazem 180 quilómetros, etc., venham ràpidamente, mas não sei se isso será possível ou se o romance do caminho de ferro continuará a ser o mesmo velho romance de sempre.
Seja como fôr, suponho que esta base é essencial para o bom resultado daquilo que se pretende fazer.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Querubim Guimarãis: — Sr. Presidente: acabámos de ouvir o Sr. Deputado Águedo de Oliveira, e, embora seja história do presente, parece-me que se pode já integrar, visto que estamos no fim da discussão desta proposta, na história passada dos caminhos de ferro.
Sr. Presidente: se assim não fôsse, poderíamos então, ampliando um pouco o sentido e o significado da expressão, não termos razão de existir, pois ficaríamos a uma distância enorme de todos os outros países que se servem do caminho de ferro como elemento admirável de fomento da sua economia.
O Sr. Carlos Borges: — Nós não somos dos piores!
O Orador: — Tudo o que o Sr. Deputado Águedo de Oliveira disse a respeito de atrasos de combóios, de maus horários, de trasbordos difíceis, de dificuldades de toda a ordem, numa palavra, mesmo anteriormente ao período da guerra, tudo isso se ressente, na verdade, daquela falta ide interêsse verdadeiramente nacional das emprêsas exploradoras pelos serviços de transporte que lhes estavam confiados.
Foram feitas nesta Assemblea todas as censuras a êsse sistema político-económico dos transportes no decorrer da discussão da proposta. Agora estamos a dar o nosso contributo para que tudo se remedeie, e não é de admitir que todo êste nosso esfôrço e a própria iniciativa do Govêrno ao apresentar a proposta redundem em pura inutilidade.
Não podemos realmente deixar de crer que essa transformação se efectivará e os que viverem hão-de usufruir no futuro, convenço-me, os benefícios que advirão da aprovação desta proposta.
Mas vamos à base em discussão.
Há, em presença uma da outra, duas propostas relativas a esta base: uma do Sr. Deputado Mário de Figueiredo e outra do Sr. Deputado Araújo Correia. A do Sr. Dr. Mário de Figueiredo — é êle próprio quem o explica — é mais sucinta. A do Sr. Araújo Correia é mais analítica, mais extensa na determinação dos
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diversos pontos da proposta. Confesso que se a síntese é perigosa por poderem admitir-se exclusões que não estão no pensamento do proponente, o enunciado ou pormenor pode levar o intérprete a considerar taxativo o que o não é.
Compreendo perfeitamente o pensamento do Sr. Dr. Mário de Figueiredo; nem podíamos duvidar da sinceridade da sua afirmação.
Sem grande esfôrço conseguimos integrar quási tudo da proposta do Sr. Deputado Araújo Correia na proposta do Sr. Dr. Mário de Figueiredo.
Há alguns pontos, porém, que me parecem duvidosos quanto à respectiva integração na proposta do Sr. Dr. Mário de Figueiredo. Um dêles é a concorrência futura da navegação fluvial e dos transportes aéreos.
O Sr. Mário de Figueiredo: — V. Ex.ª acha que isso não está contido na fórmula economia dos transportes?!
O Orador: — E possível, mas convém esclarecer êsse ponto para que amanhã, na execução da proposta, não surjam inconvenientes de uma concorrência que ela não previu expressamente.
A expressão a que V. Ex.ª se refere, contida na sua base, alude à economia, dos transportes ferroviários.
Compreendo, por um critério de interpretação extensivo quanto ao significado das palavras, que a economia dos transportes ferroviários abranja uma possível concorrência, no futuro, da navegação fluvial e dos transportes aéreos. Mas pode o intérprete menos prudente considerar isso apenas aspecto do problema, que aqui se suscitou: o conflito entre o transporte automóvel e o de caminho de ferro.
As mesmas dúvidas não tenho já quanto à questão da defesa nacional. Sem dúvida está compreendida na essência da proposta.
Não se compreenderia, de modo algum, que se estabelecesse um sistema de transportes que não tivesse em vista êsse princípio da defesa nacional. Não admito que haja interêsses opostos entre a economia geral do País, à qual anda ligado o seu próprio progresso, e os princípios da defesa nacional, que, a meu ver, primam sôbre tudo. Não está expresso, mas está contido êsse princípio implicitamente na proposta do Sr. Dr. Mário de Figueiredo.
Mas para um outro ponto, que não vejo tratado nem na proposta do Sr. Deputado Araújo Correia nem na do Sr. Dr. Mário de Figueiredo, desejo chamar a, atenção de V. Ex.as. É êste:
Quem organiza o plano da, rêde ferroviária? Resposta do Sr. Dr. Mário de Figueiredo: a emprêsa ferroviária ou o Govêrno.
Um plano apresentado pela companhia concessionária vai também ao Conselho de Ministros. Mas, pregunto eu: organiza-se uma emprêsa e oferece-se-lhe uma concessão; não deveria estar já prèviamente organizado êsse plano por quem, ou à ordem de quem interessa a exploração ferroviária — o Estado, que faz a concessão?
Constitue-se uma emprêsa para explorar êsses serviços, dá-se-lhe uma concessão com todas as garantias e vantagens daí provenientes, e não se lhe apresenta, prèviamente organizado, um plano que ela tenha de executar? Lògicamente assim deve ser.
O que me parecia mais lógico, com efeito, é que o Govêrno apresentasse um plano como base da concessão a fazer à emprêsa a, constituir. Plano para o presente, é claro, embora sujeito às modificações, alterações e melhorias que as necessidades e progressos do sistema de transportes aconselhassem.
Um plano prèviamente organizado pelas instâncias oficiais ou por unia comissão nomeada pelo Govêrno para êsse efeito parecia-me preferível, para o interêsse geral a respeitar, a encarregar a nova emprêsa, que porá o problema no aspecto comercial da exploração, porventura, embora êsse plano tenha de ser levado à sanção do Conselho de Ministros.
São estas afinal as dúvidas que eu tenho e que desejo fiquem consignadas nesta discussão, pedindo ao Sr. Deputado Mário de Figueiredo, a cuja proposta ligo o maior interêsse, a fineza de dizer o que pensa a tal respeito e tornar bem explícito o seu pensamento, de modo a eu poder dar o meu voto com plena consciência do que faço.
Sr. Presidente: estamos no fim da discussão desta proposta e creio não ter sido inútil o intenso trabalho a que ela nos obrigou.
Termino afirmando a V. Ex.as a, minha plena confiança em que da, sua aprovação advirão grandes benefícios para o País, de modo a transformar por completo o sistema de transportes até agora adoptado e a garantir-se assim a plena eficiência, dêste serviço público de magna importância.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Mário de Figueiredo: — Apenas uns esclarecimentos.
Abstraio das palavras das propostas de substituïção do Sr. engenheiro Araújo Correia que, estando no prolongamento da sua proposta de substituïção da base I, estão fora do escólio do pensamento efectivamente votado.
Abstraio dessas palavras, porque, não podendo imputar-se à Assemblea, na mesma sessão legislativa, votações contraditórias, a Comissão de Redacção estaria à vontade para, se fôssem votadas aquelas propostas, harmonizar, ao dar forma definitiva ao texto, o pensamento agora votado com o pensamento antes votado.
Ponho, por isso, de lado as palavras em que estão redigidas as propostas para não considerar senão o pensamento que, independentemente de qualquer ligação com a base I, querem exteriorizar.
Posta a questão neste plano, direi que, pelo que acabo de ouvir ao Sr. engenheiro Araújo Correia, a minha proposta está mais no prolongamento das ideas que expôs do que a sua própria. O Sr. engenheiro Araújo Correia continua a afirmar a necessidade de se manter a Direcção Geral de Caminhos de Ferro, porque importa que ela estude todo o plano de transformação a fazer para assegurar plena eficiência aos transportes ferroviários e, direi mesmo, aos transportes em geral.
Mas isto é muito mais harmónico com a minha proposta, em que o plano tanto pode ser da iniciativa da emprêsa como das estâncias oficiais, isto é, da Direcção Geral de Caminhos de Ferro, do que com as propostas do Sr. engenheiro Araújo Correia, em que a iniciativa pertence exclusivamente à nova emprêsa concessionária. A não ser que o Sr. engenheiro Araújo Correia reclame para a Direcção Geral funções exclusivamente críticas, que constituem o expediente dos que não sabem construir, dos que não têm imaginação - a grande faculdade criadora — e, por isso, só sabem parar o que souberam projectar os que a têm.
No resto das considerações do Sr. engenheiro Araújo Correia não me apareceu evidente qualquer cousa que mostrasse conterem as suas propostas mais alguma cousa do que implícita ou explìcitamente está contido na minha.
As de S. Ex.ª aparecem desdobradas; a minha, se quiserem, está concentrada. Mas o que se vê numas cabe na outra...
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DIÁRIO DAS SESSÕES — N.º 177
Feitas estas notas à exposição do Sr. engenheiro Araújo Correia, vou tentar fazer algumas às dúvidas postas pelo Sr. Dr. Querubim Guimarãis.
Quando se organiza o plano?
Como há-de fazer-se a nova concessão sem o plano organizado?
As dúvidas são fundadas.
É na verdade indispensável, para fixar os termos em que há-de ser atribuída a concessão, fazer uma idea do que vai conceder-se, das obrigações que hão-de impor-se e dos direitos que hão-de atribuir-se, como é indispensável a quem vai tomar a concessão formular, a respeito dela, um juízo paralelo daquele.
Quero dizer, é preciso, de um lado e de outro, conhecer-se o plano. O plano, porém, como a vida, não é, não pode ser uma cousa fixada, cristalizada. Como a vida, estará sujeito a mutações contínuas. E daí a necessidade de se deixar bastante elasticidade na lei, para êle poder ser constantemente retocado. A isso se quis obtemperar com a redacção que proponho.
É isto que essencialmente tenho que dizer ao Sr. Dr. Querubim Guimarãis.
E mais nada, Sr. Presidente.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: — Vai votar-se em primeiro lugar a proposta do Sr. Deputado Mário de Figueiredo.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: — Estão prejudicadas as propostas do Sr. Deputado Araújo Correia.
Está em discussão a base XIV. Quanto a esta base não há na Mesa nenhuma proposta de alteração.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Como ninguém pede a palavra, vai votar-se.
Consultada a Assemblea, foi aprovada a base XIV.
O Sr. Presidente: — Está em discussão a base XV. A esta base corresponde a base XIV apresentada pelo Sr. Deputado Mário de Figueiredo, a qual é redigida nos seguintes termos:
A todos os transportes automóveis colectivos ou de aluguer será aplicado um sistema tributário escalonado, que conduza ao equilíbrio económico em que deve assentar a coordenação dos transportes terrestres e que, conseqüentemente, deverá ser em maior ou menor grau:
a) Menos oneroso para os transportes de carreira do que para os de aluguer;
b) Menos oneroso para as carreiras afluentes e independentes do caminho de ferro do que para as concorrentes;
c) Especialmente reduzido para as carreiras a que se refere o § 3.° da base VI, assim como para os transportes rurais a pequena distância e para todos aqueles que se tornem necessários por deficiência dos transportes colectivos.
§ único. Será estabelecido um imposto de compensação, em certa medida, sôbre os transportes automóveis cujos veículos utilizem combustível de procedência estrangeira não sujeito, por motivo de protecção agrícola ou industrial, aos mesmos impostos que oneram a gasolina.
Está em discussão também esta proposta.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Como ninguém pede a palavra, vai votar-se.
Consultada a Assemblea, foi aprovada a base XV, conforme o texto apresentado pelo Sr. Deputado Mário de Figueiredo.
O Sr. Presidente: — Quanto a esta base havia na Mesa uma proposta de alteração do Sr. Deputado Soares da Fonseca, mas está prejudicada por esta votação, uma vez que era no sentido de se eliminar desta base, já aprovada, a referência aos transportes de aluguer.
O Sr. Soares da Fonseca: — V. Ex.ª dá-me licença? O que eu tinha proposto era a eliminação, nesta base, da referência a transportes particulares — o que estava necessàriamente no prolongamento lógico da proposta de eliminação da base VIII. Como, porém, pelas razões oportunamente apresentadas, retirei a proposta de eliminação de tal base, ficou desde logo prejudicada a emenda referente à base agora aprovada.
O Sr. Presidente: — Está em discussão a base XVI.
O Sr. Deputado Mário de Figueiredo propõe a seguinte redacção:
Em compensação de melhoramentos a introduzir no sistema de transportes por estrada, tais como a construção de estações centrais de camionagem ou simples abrigos, que não devam competir às emprêsas concessionárias, estas cobrarão do público, por conta do Estado, uma quantia correspondente à que daquele é cobrada como imposto ferroviário pelas emprêsas exploradoras dos caminhos de ferro.
Está em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Como ninguém pede a palavra, vai votar-se.
Consultada a Assemblea, foi aprovada.
O Sr. Presidente: — Está em discussão a última base, a base XVII.
Com relação a esta base não há na Mesa nenhuma proposta de alteração.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Como nenhum Sr. Deputado pede a palavra, vai votar-se.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: — Está concluída a discussão e votação da proposta.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Segue-se a segunda parte da ordem do dia: sessão de estudo da proposta de lei sôbre alterações à Constituïção.
A ordem do dia da sessão de amanhã será a continuação da sessão de estudo da proposta de lei sôbre alterações à Constituïção.
Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 16 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
António Bartolomeu Gromicho.
Artur de Oliveira Ramos.
João Luiz Augusto das Neves.
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19 DE JUNHO DE 1945
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Joaquim Mendes do Amaral.
José Alçada Guimarãis.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Pereira dos Santos Cabral.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Acácio Mendes de Magalhãis Ramalho.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhãis.
Alberto Cruz.
Alexandre de Quental Calheiros Veloso.
Amândio Rebêlo de Figueiredo.
Ângelo César Machado.
António Cortês Lobão.
António Cristo.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Carlos Moura de Carvalho.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco da Silva Telo da Gama.
Jaime Amador e Pinho.
João Antunes Guimarãis.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes Arnaut Pombeiro.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Clemente Fernandes.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Braga da Cruz.
José Ranito Baltasar.
Luiz Lopes Vieira de Castro.
Manuel Joaquim da Conceição e Silva.
Pedro Inácio Álvares Ribeiro.
Sebastião Garcia Ramires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
O Redactor — Leopoldo Nunes.
Imprensa Nacional de Lisboa