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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES
N.° 181
ANO DE 1945
23 DE JUNHO
ASSEMBLEA NACIONAL
III LEGISLATURA
(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)
SESSÃO N.° 178, EM 22 DE JUNHO
Presidente: Ex.mo Sr. José Alberto dos Reis
Secretários: Ex.mos Srs.
Manuel José Ribeiro Ferreira
António Rodrigues Cavalheiro
SUMARIO: — O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 42 minutos.
Antes da ordem do dia. Foi aprovado o Diário da última Sessão.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Antunes Guimarãis, Albano de Magalhãis, Melo Machado e Camarate de Campos, que se ocuparam de assuntos de carácter social e económico.
O Sr. Deputado José Cabral foi autorizado a prestar declarações no cumprimento de uma deprecada pela comarca de S. João da Pesqueira.
Ordem do dia. — Efectuou-se mais uma sessão de estudo da proposta de lei de alterações à Constituïção Política e ao Acto Colonial.
O Sr. Presidente encerrou a sessão plenária às 16 horas e 20 minutos.
O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 33 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhãis.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Luiz Soares de Melo.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
António de Almeida.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Rodrigues Cavalheiro.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Ribeiro Lopes.
Fernando Augusto Borges Júnior.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Henrique Linhares de Lima.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Ameal.
João Antunes Guimarãis.
João Duarte Marques.
João de Espregueira da Rocha Páris.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luiz Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Mendes Arnaut Pombeiro.
Joaquim Saldanha.
José Alberto dos Reis.
José Alçada Guimarãis.
José Dias de Araújo Correia.
José Rodrigues de Sá e Abreu.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Júlio César de Andrade Freire.
Juvenal Henriques de Araújo.

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Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Lopes Vieira de Castro.
Luiz Mendes de Matos.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Querubim do Vale Guimarãis.
Rui Pereira da Cunha.
Salvador Nunes Teixeira.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 42 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 42 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: — Está em discussão o Diário da última sessão.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Como ninguém pede a palavra, considera-se aprovado.
Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Antunes Guimarãis.
O Sr. Antunes Guimarãis: — Sr. Presidente: visitei há dias uma Casa do Povo recentemente fundada.
Edifício modesto como a população que o frequenta. Modesto, sim, na sua fachada arquitectónica, mas acolhedor e casando-se com a païsagem em que mergulha, autêntico tufo de flores e arvoredo frondoso, com uveiras magníficas, ramadas extensas e bem cobertas sôbre caminhos e regatos a prometerem boa vindima, embora inferior às duas últimas, laranjeiras já despidas de fruto mas em plena florescência, oliveiras com fartura de «chôro», que, se não fôr a inclemência da estiagem, não deixarão de fornecer azeite para os altares e cozinhas, e até um lindo pinheiro manso, sob cuja copa baixa mas larguíssima estão dispostas curiosas mesas formadas por mós de granito já muito gastas e pulidas por terem moído infinidades de alqueires de milho e de centeio.
A bandeira nacional estralejava açoutada pela ventania e o alto-falante de um potente rádio lembrava a data festiva que ali chamara bastante gente.
Funciona ali uma secção postal e, logo que o restabelecimento da paz permita a chegada de material, será aberta uma estação telefónica.
Bastante movimento no consultório médico e na enfermaria anexa.
Despensa bem fornecida e... muitas cousas mais de grande utilidade para aquele bom povo rural, mas cuja enumeração exigiria minutos de que não disponho.
Nos dias de descanso afluem ali muitos habitantes dos arredores, que ouvem bons conselhos sôbre lavoura e outras actividades e se entretêm na prática de desportos sãos.
Está em organização uma mútua de gado, que, mediante contribuïção mínima, garante os lavradores contra as surprêsas ruïnosas da morte ou inutilização do indispensável e precioso colaborador que a lavoura encontra no gado bovino.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Aquela região continua privada de electricidade, embora a poucos quilómetros passem várias linhas condutoras da preciosa energia que poderia alumiar-lhes as casas e estábulos e poupar o gado no trabalho rude das noras para a elevação de água.
É que, Sr. Presidente, às emprêsas concessionárias apenas interessam as zonas ricas, onde o expoente de consumo garante fartura de proventos. Por isso, quando aqui se discutiu a proposta de lei sôbre electrificação, eu, que sou defensor acérrimo da iniciativa privada e não concordo com ingerências sucessivas do Estado na vida das emprêsas, propugnei pela intervenção do Estado e das câmaras municipais na produção, transporte e distribuïção da electricidade, para que ela não deixe de chegar imediatamente e em condições comportáveis de preço a todos os recantos do País, para ali acordar fontes de produção que jazem esquecidas e facultar aos habitantes o grau de confôrto que a dignidade humana exige.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Sr. Presidente: preguntei se já tinham pensado em estabelecer o seguro corporativo para garantia iniludível de todos os trabalhadores daquela populosa região.
E fui ouvindo:
«O Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, segundo o artigo 13.° da lei n.º 1:942, pode autorizar que os organismos corporativos promovam, na área que lhes disser respeito, o seguro contra acidentes de trabalho dos trabalhadores da respectiva categoria profissional ou daqueles que prestam serviços aos seus associados, nos casos em que se verificar constituir o seguro em base corporativa a fórmula de maior eficiência para o cumprimento da lei».
Mas o § único do referido artigo determina que «o seguro só será efectuado por intermédio dos Sindicatos Nacionais e Casas do Povo e dos Pescadores quando se tratar de trabalhadores que, pela natureza da sua profissão, trabalhem em grupo e prestem indiferentemente os seus serviços a entidades patronais diversas».
As restrições resultantes dêste parágrafo, conjugadas com as constantes da legislação que regula o funcionamento das Casas do Povo, não permitiriam abranger nas incontestáveis vantagens do seguro corporativo a maioria dos trabalhadores, porque nem as mulheres nem os menores de 18 anos estão inscritos nas Casas do Povo. Além disso há a considerar o caso, aliás muito freqüente, de trabalhadores residentes fora da área da Casa do Povo.
E as hipóteses, que constituem a maioria dos casos nas regiões de pequena e média propriedade, notòriamente no Entre Douro e Minho, em que os casais são arrendados, em parçaria ou renda fixa, o que modifica consideràvelmente as garantias dos caseiros quando se verificar algum acidente de trabalho?
E os trabalhos resultantes da simpática e multiforme solidariedade que, felizmente, ainda se verifica nas populações rurais?
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Além disso há que ter em conta a série de formalidades exigidas pela legislação em vigor no que respeita a acidentes de trabalho e respectivos seguros, impraticável nas zonas rurais onde a cultura, por vezes, é pouca.
O que importa é que toda a população rural seja abrangida numa fórmula sôbre seguros relativos a acidentes de trabalho: simples jornaleiros, caseiros e pequenos proprietários, de ambos os sexos e de qualquer idade, independentemente de domicílio e sem exceptuar qualquer serviço.
Essa fórmula carece de ser adaptada ao nivel da região, absolutamente prática e da maior simplicidade.

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Sr. Presidente: os seguros relativos a acidentes de trabalho devem generalizar-se a todas as regiões, porque os trabalhadores, sem qualquer excepção, carecem da indispensável protecção em caso de acidente; e, por sua vez, os proprietários das lavouras e, de uma maneira geral, todos os patrões não devem estar expostos às surprêsas de acidentes cuja responsabilidade lhes cabe, mas; que não fôra devidamente transferida para companhia de seguros, por ignorância, aliás muito freqüente, dificuldades que seria fácil evitar, ou garantias insuficientes por lacunas ou falta de clareza das respectivas apólices que difìcilmente poderão abranger toda a vastíssima gama de modalidades de trabalho.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Sr. Presidente: há ainda numerosas freguesias sem Casas do Povo, e, assim, os seguros corporativos ficariam muito limitados na sua alçada se efectuados por intermédio daqueles organismos. E, mesmo que as Casas do Povo se generalizassem a todo o País, ficariam muitos trabalhadores — mulheres, menores, pequenos proprietários, rendeiros e outros em que se verificarem circunstâncias não previstas na respectiva legislação — privados das vantagens garantidas pelo seguro contra acidentes de trabalho.
Contudo existem Grémios de Lavoura em todos os concelhos, onde estão inscritos todos os lavradores.
Por sua vez o referido artigo 13.° da lei n.º 1:942 permite ao Instituto Nacional do Trabalho e Previdência autorizar ou determinar que os organismos corporativos promovam o seguro contra acidentes de trabalho dos trabalhadores da respectiva categoria profissional ou daqueles que prestem serviços aos seus associados...
E também ali se diz que: «O seguro a que se referem os artigos anteriores será efectuado em sociedade seguradora legalmente autorizada, mediante concurso aberto pela Inspecção de Seguros entre as sociedades que explorem o ramo de acidentes de trabalho».
Sr. Presidente: êste assunto é de tal importância que não desejo que os trabalhos desta sessão extraordinária se encerrem sem chamar para êle a atenção do Govêrno, que, por certo, já o terá apreciado como merece, porque é bem notório o seu grande interêsse por tudo quanto respeita aos trabalhadores.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Orador: — Embora a lei permita ordenar providências de grande utilidade, talvez fôsse vantajosa a elaboração de uma proposta de lei a submeter à Assemblea Nacional na sua próxima reünião, porque a sua adaptação a todos os casos e a importância colossal do problema justificariam o concurso de todos para uma solução perfeita.
Êste assunto reveste-se de aspectos técnicos que as repartições competentes poderão estudar.
Sr. Presidente: os Grémios da Lavoura, a cuja acção se devem serviços de relêvo, poderão ser francamente úteis aos respectivos associados noutros sectores, tanto mais que o restabelecimento da paz não deixará de reflectir-se nas funções de carácter comercial que aquelas instituïções vinham exercendo geralmente, e com manifestas vantagens para os seus associados, para atenuar certas dificuldades resultantes da guerra.
Contudo tenho verificado que alguns Grémios da Lavoura pretendem elevar consideràvelmente as cotas dos respectivos sócios para organizarem a polícia rural.
Ora já não é pouco o que a lavoura paga ao Estado, às câmaras e à organização corporativa.
E para policiamento, quem analisar as verbas orçamentais destinadas às diferentes polícias e guardas não deixará de verificar que também se paga bastante.
Coordene-se a acção daqueles corpos de policiamento e à lavoura não faltará a guarda de que tanto precisa e bem merece para defesa dos seus valores, aliás fundamentais para a Nação.
Mas que o Govêrno evite que os Grémios da Lavoura exijam de seus associados cotas incomportáveis para serviços que no Orçamento Geral do Estado e no das câmaras já têm dotações suficientes.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Existem certos cadastrados bem conhecidos nas diversas zonas do País, useiros e vezeiros em razias nos campos e celeiros, que seria fácil colocar em condições de não fazerem mal aos que trabalham sem descanso de sol a sol e que bem mereciam um sono reparador, aliás impossível em face das visitas freqüentes de tais malfeitores.
Sr. Presidente: vou terminar. Trouxe aqui êste problema dos seguros contra acidentes de trabalho, exposto através do critério prático do presidente de uma Casa do Povo e simultâneamente lavrador apaixonado, porque se me afigura que com a sua rápida solução todos poderão beneficiar.
Os sinistrados, porque seriam devidamente tratados e indemnizados em todos os casos e sem excepções.
Os lavradores e, de uma maneira geral, todos os patrões, porque o seguro se efectuará automàticamente e abrangendo todas as formas de responsabilidade por acidentes de trabalho.
E as taxas, mercê da sua vastíssima incidência, não deixariam de baixar consideràvelmente.
Por sua vez as companhias de seguros veriam consideràvelmente aumentado o seu campo de acção.
Finalmente, seria possível, com a colaboração de representantes da lavoura, Inspecção de Seguros e Ordem dos Médicos, estudar a organização de uma grande rêde de assistência médica, constituída por pequenos postos locais de socorros urgentes e assistência domiciliária, um bom serviço de ambulâncias e conveniente aproveitamento das instalações hospitalares e das clínicas privativas das instituïções seguradoras.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — O vulto dos prémios que as actividades rurais, destacadamente a lavoura, viriam a pagar, apesar das taxas muito reduzidas resultantes da nova fórmula, seria a garantia sólida do plano que venho de traçar, apenas nas suas linhas gerais, porque o tempo que o Regimento me fixa seria escasso para, lhe dar o desenvolvimento que bem merecia e que muito grato seria para mim.
Resumindo: não pretendo criar novos encargos para a lavoura; os previdentes que já fizeram os seguros dos seus riscos beneficiarão da redução dos respectivos prémios, da simplificação das formalidades a que actualmente os expõem e de redacções claras que insofismàvelmente cubram todos os riscos.
Aos imprevidentes que ainda não transferiram para companhias de seguros as responsabilidades em que porventura possam vir a incorrer, mercê de desastres no trabalho, facilita-se-lhes o libertarem-se da ameaça de grandes trabalhos e, possìvelmente, da ruína.
Às sociedades de seguros garante-se a cobrança dos prémios que na realidade lhes forem devidos.
E, finalmente, os sinistrados terão sempre garantidos o tratamento e indemnizações nos termos da lei, ter-

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minando assim o pesadelo que preocupa todos os que trabalham, na incerteza do preciso amparo em caso de desgraça.
Disse.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Albano de Magalhãis: — Sr. Presidente: existe neste País certa propensão para atribuir aos factos e à atitudes das pessoas uma errada interpretação.
Tudo o que existe de mau é exclusivamente devido ao critério apertado e unilateral do Govêrno. Tudo o que existe de bom tem toda a razão de ser nas condições geográficas — e ia a dizer matemáticas — dêste País.
Há uma certa camada de gente, constituída por paralisantes e soturnos conselheiros, ciosa de malquistar perante os Poderes Públicos todos aqueles que, levados por um sério espírito de colaboração, desejam apreciar actos que, no seu entender, merecem justa crítica.
A adesão a um sistema ou a uma idea implica uma conformidade absoluta com o processo pessoal de quem manda.
Entende a «boa pessoa» que Deus criou o mundo com uma predisposição innata para concordar e que desempenha na sociedade o papel do fio neutro na instalação eléctrica, aceita toda a corrente, quer seja para iluminar, quer seja para fundir.
Eu, porém, não penso assim.
A política é formada por grandes e por pequenas cousas. Tanto umas como outras dimanam da doutrina e do seu processo de realização.
As grandes cousas aceitam-se quando fundamentais à política cujo ideário o Govêrno pretende traduzir e asseguram unidade e permanência à vida nacional.
As pequenas cousas têm uma penetração mais funda e mais extensa no espírito do povo e, como êle as vive mais intensamente, têm um significado e uma importância relevantes que é preciso pôr em destaque. É bom, por isso, de vez em quando, traduzirmos êsse sentimento, levando ao conhecimento do Govêrno não só a alegre aceitação de certas medidas, mas principalmente a justa reacção de pequenas cousas que contribuem para uma indisposição que se pode e deve evitar.
Esta é a melhor forma de colaboração de maior eficiência para a política nacional que defendemos e que contribue para um maior esclarecimento de certas providências, cujo alcance imediato ou futuro se pretende avaliar.
O melhor colaborador é aquele que procura criticar para construir, e não aquele que deseja estar sempre de acôrdo. É nesse sentido que devem ser interpretadas as nossas palavras nesta Assemblea.
Podia, na verdade, procurar o funcionário que normalmente presta com toda a solicitude todos os esclarecimentos que por vezes satisfazem. Mas dessa maneira consigo apenas uma satisfação pessoal, que nada esclarece o País, mantendo-se por isso a indisposição pública que se procura evitar. Não cumpriremos assim aquele imperativo que sôbre nós pesa como Deputados, o que é em manifesto prejuízo do mandato que nos foi confiado e do interêsse político nacional.
Vou apenas citar três factos e de uma maneira rápida e o mais simples possível.
Não quero neste momento apreciar a actuação dos Grémios da Lavoura e a falta de organização corporativa.
Quero apenas notar que os Grémios da Lavoura, como organizações comerciais em que bem ou mal foram transformados, só têm demonstrado incapacidade quási absoluta.
Os lavradores que a êles recorrem verificam que são geralmente mal servidos. Cito apenas dois factos: o da distribuïção da batata de semente e o da distribuïção de enxôfre. Muitos dos lavradores que foram aos Grémios para obter batata de semente sentiram que não foram tam bem servidos como aqueles que a foram buscar ao comércio.
Quanto ao caso da distribuição do enxôfre, viu-se que, emquanto em algumas terras os lavradores que acorreram ao comércio a comprá-lo já o aplicavam, aqueles que o fizeram por intermédio dos Grémios não o possuíam por estes não estarem abastecidos. De quem é a culpa?
Factos como estes redundam em prejuízo da lavoura e da sua valorização corporativa.
Um outro caso a que me quero reportar: estabeleceu-se o regime de distribuïção de pneus de uma forma tal que as pessoas que vivem em terras distantes estão nas mesmas condições daquelas que vivem em Lisboa.
Assim, aqueles que vivam em Monção, Bragança, Trancoso, etc., têm de se deslocar a Lisboa para aqui entregar os pneus usados e receber os pneus novos, o que representa um grave prejuízo, além dos incómodos que esta deslocação acarreta. Recebem a respectiva guia com a natural alegria e depois lamentam a sua sorte de terem de fazer uma viagem forçada ou encarregar alguém de a fazer.
Só no Comissariado do Desemprêgo de Lisboa se podem entregar os pneus usados, como se não houvesse em todos os distritos delegações do Comissariado do Desemprêgo, que, assim como exercem as suas funções para receber o dinheiro, também podiam exercer as suas funções para receber pneus.
E como a distribuïção dos pneus novos é feita em Lisboa pelos respectivos agentes dos importadores, também parece que o destinatário poderia declarar em que delegação dessa agência lhe convinha receber êsses pneus.
Parece que o serviço assim era de manifesta utilidade e benefício para o público.
Há um outro assunto que também desejo apontar.
O desgraçado do indivíduo que more em Vila Nova de Gaia e que seja lavrador ou filho de lavradores não pode beber o vinho da sua lavra, ou, se o quiser beber, tem de sujeitar-se ao cumprimento de um sem número de formalidades que oneram o seu vinho a ponto de ser mais vantajoso a compra de qualquer vinho.
É de tal forma inconcebível o que se passa na área do entreposto de vinho, que abrange a sede de um dos mais importantes concelhos do País, para se receber 100 litros de vinho da sua lavra que eu pedi a um modesto interessado um relato de todas as diligências efectuadas.
Vou ler a V. Ex.as êsse relato para se avaliar das torturas por que tem de passar um simples mortal que viva em Vila Nova de Gaia.
Tem de:
Tirar a guia na Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes, à Travessa da Fábrica, Pôrto.
Tirar a guia do Grémio dos Armazenistas de Vinhos, para poder transitar, à Avenida dos Aliados, Pôrto.
Pedir no pôsto da guarda fiscal autorização para a condução do vinho para Vila Nova de Gaia em barco, sem pagar uma conferência, visto ser apenas um volume.
Embarque do barril do vinho, visto não poder transitar pela ponte D. Luiz I. Só pode entrar em Gaia por
Via fluvial ou pela via férrea.
Pedido à guarda fiscal de dispensa do pagamento de conferência para o desembarque em Gaia.
Apresentação no pôsto da Beira-Rio do Instituto dos Vinhos do Pôrto da guia tirada na Comissão de Viticultura.
Ida de um fiscal ao cais onde se encontra o barril verificar a graduação do vinho e se a medição condiz

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com a que deve vir marcada no barril a tinta branca de óleo.
Regresso ao pôsto da Beira-Rio do Instituto dos Vinhos do Pôrto, a fim de ser passado documento para se ir pagar um pequeno imposto à tesouraria.
Ida à tesouraria, sita nas Devesas, pagar êsse imposto (1$50, mais ou menos), onde se apresentará um impresso devidamente assinado, com a assinatura reconhecida, se não tiver ficha com a assinatura do Instituto dos Vinhos do Pôrto.
Regresso ao pôsto da Beira-Rio com o documento do pagamento do imposto, onde é dada então autorização para se levantar o vinho.
Ida ao pôsto da guarda fiscal para ser apôsto o respectivo carimbo no documento de autorização de levantamento do vinho.
Apresentação do documento à sentinela que está de guarda ao vinho.
Finalmente, pode seguir o vinho, mas tem de estar recolhido até às 18 horas, senão pode ser apreendido se fôr encontrado pela fiscalização.
O Sr. Carlos Borges: — Nessa altura o vinho está azedo, com certeza.
O Orador: — O interessado ainda terá de dar muitas graças a Deus se não fôr considerado como contrabandista.
Chamo a atenção de V. Ex.as para êste facto e espero que o Govêrno, ao tomar conhecimento dele, procure esclarecer a Assemblea, porque pode haver algum motivo que eu desconheça e que o País também ignore que justifique tam estranhas exigências.
Há muitos actos, que me parece estarem a criar uma indisposição que é absolutamente prejudicial à política da Nação, que convém pôr em relêvo neste lugar para que os membros do Govêrno, necessàriamente empenhados com o maior sacrifício em bem servir, reconheçam que as intervenções nesta Assemblea tendem a ajudá-los na ingrata tarefa de administração pública.
Em face dêste esclarecimento talvez se encontre uma solução ou satisfação mais conveniente à ansiedade pública.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: pedi a palavra para dar um esclarecimento ao Sr. Deputado Albano de Magalhãis, que trouxe aqui assuntos muito interessantes, como, por exemplo, todo aquele sudário de trabalhos e canseiras para se conseguir receber um simples barril de vinho.
Mas S. Ex.ª não foi igualmente justo quando se referiu à acção dos Grémios da Lavoura e disse que êsses Grémios tinham vendido batata para semente de inferior qualidade à do comércio, porque, como V. Ex.ª sabe, a semente de batata que se vendeu no País tem toda a mesma origem.
O Sr. Albano de Magalhãis: — Suponho que, além de outra, alguma batata veio da Irlanda e não foi distribuída pelos Grémios.
O Orador: — Se V. Ex.ª me fala em batata de importação, que chegou aqui por um preço louco, então o caso é diferente.
Quanto ao enxôfre, o caso é muito simples. V. Ex.as sabem que o enxôfre foi distribuído para a lavoura em certa proporção aos Grémios e ao comércio. Sucedeu que êle chegou ao comércio primeiro do que aos Grémios.
Ora isso não é da responsabilidade dos Grémios dia Lavoura, que bastantes canseiras tiveram para reclamar a sua parte, que chegou muito tarde.
Tenho dito.
O Sr. Albano de Magalhãis: — Eu só pedi um esclarecimento ao Govêrno para se saber quem foi o culpado.
O Sr. Camarate de Campos: — Sr. Presidente: já foi aqui frisado, por mais de uma vez, que o actual ano agrícola não é simplesmente mau, mas péssimo.
No sul, ao recolher-se agora as sementes, verificou-se que a produção era muito menor do que nós todos pensávamos.
Com efeito, o trigo é pouco, a fava é pouca e o mesmo acontece quer com a cevada quer com a aveia. Os gados, como é sabido, por falta de pastagem, estão magros e definhados e muito morreu de fome.
A lavoura está portanto numa situação má e a triste verdade é esta: é que está quási impossibilitada de agüentar os trabalhadores da terra, os trabalhadores do campo.
Já em muitos pontos do País, principalmente no sul, se esboça crise na classe de trabalhador rural. Posso informar V. Ex.ª e a Câmara que, nomeadamente nos concelhos de Mourão, Reguengos e Alandroal, há já muitos trabalhadores sem poderem ocupar seus braços no trabalho.
Parece, pois, que há toda a conveniência em que o Govêrno, cuja preocupação constante e permanente é o bem comum, olhe desde já para a crise no trabalho agrícola, porque amanhã pode ser tarde. Parece-me, Sr. Presidente, que o Govêrno devia pensar já na abertura de trabalhos públicos para empregar êsses trabalhadores, visto que, se assim não acontecer, a fome começará a bater à porta dêles.
Eu sei, Sr. Presidente, que a verba a despender com os trabalhos é muito grande, porque a crise é muito extensa. Mas julgo também que, de momento, não há outro remédio para êsse mal.
Nestes termos, ouso chamar a atenção do Govêrno para êste problema, que reputo de uma grande gravidade.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: — O juiz do 9.° tribunal criminal pede que seja autorizado o Sr. Deputado José Cabral a prestar declarações no cumprimento de uma deprecada pela comarca de S. João da Pesqueira. Proponho que seja concedida autorização.
Consultada a Assemblea, foi autorizado.
O Sr. Presidente: — Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: — A Assemblea passa a funcionar em sessão de estudo da proposta de lei sôbre alterações à Constituïção Política e ao Acto Colonial.
A ordem do dia da próxima sessão, que se realizará na próxima segunda-feira, será ainda a continuação da sessão de estudo da mesma proposta de lei.
Está encerrada a sessão.
Eram 16 horas e 20 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Artur de Oliveira Ramos.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.

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José Luiz da Silva Dias.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Soares da Fonseca.
Luiz de Arriaga de Sá Linhares.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Mário de Figueiredo.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Acácio Mendes de Magalhãis Ramalho.
Alberto Cruz.
Alexandre de Quental Calheiros Veloso.
Amândio Rebêlo de Figueiredo.
Ângelo César Machado.
António Cristo.
Artur Proença Duarte.
Carlos Moura de Carvalho.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco da Silva Telo da Gama.
Jaime Amador e Pinho.
João Pires Andrade.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Clemente Fernandes.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Braga da Cruz.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Ranito Baltasar.
Luiz Cincinato Cabral da Costa.
Manuel Joaquim da Conceição e Silva.
Pedro Inácio Álvares Ribeiro.
Sebastião Garcia Ramires.
O Redactor — M. Ortigão Burnay.
Imprensa Nacional de Lisboa

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