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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES
N.° 184
ANO DE 1945
28 DE JUNHO
ASSEMBLEA NACIONAL
III LEGISLATURA
(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)
SESSÃO N.° 181, EM 27 DE JUNHO
Presidente: Ex.mo Sr. José Alberto dos Reis
Secretários: Ex.mos Srs.
Manuel José Ribeiro Ferreira
José Luiz da Silva Dias
SUMÁRIO: — O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 40 minutos.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Deputado Antunes Guimarãis tratou da falta de celeiros no norte do País e das pragas que atacam os cercais.
O Sr. Deputado Ângelo César ocupou-se das dificuldades criadas à exportação dos principais produtos portugueses.
Ordem do dia. — Efectuou-se mais uma sessão de estudo da proposta de lei de alterações à Constituïção e ao Acto Colonial.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 16 horas.
O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 31 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Alexandre de Quental Calheiros Veloso.
Alfredo Luiz Soares de Melo.
Amândio Rebêlo de Figueiredo.
António de Almeida.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Rodrigues Cavalheiro.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Ribeiro Lopes.
Fernando Augusto Borges Júnior.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco da Silva Telo da Gama.
Henrique Linhares de Lima.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
Jaime Amador e Pinho.
João Ameal.
João Antunes Guimarãis.
João Duarte Marques.
João de Espregueira da Rocha Páris.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luiz Augusto das Neves.
João Pires Andrade.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Saldanha.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Alberto dos Reis.
José Luiz da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Ranito Baltasar.
José Rodrigues de Sá e Abreu.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Júlio César de Andrade Freire.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz de Arriaga de Sá Linhares.
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Luiz Cincinato Cabral da Costa.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Lopes Vieira de Castro.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Luiz Mendes de Matos.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel Joaquina da Conceição e Silva.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Mário de Figueiredo.
Pedro Inácio Álvares Ribeiro.
Rui Pereira da Cunha.
Salvador Nunes Teixeira.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 51 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 40 mimitos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: — Em virtude de o Diário da última sessão ainda não ter chegado à Assemblea, não o posso pôr à votação.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Antunes Guimarãis.
O Sr. Antunes Guimarãis: — Sr. Presidente: «Está de parabéns o gorgulho!». Eis a frase que no último domingo, o dia festivo de S. João, ouvi na cidade do Pôrto num grupo de lavradores ilustrados.
Estas viagens que semanalmente faço à região do norte, se representam certo incómodo (tanto à ida como no regresso, a afluência de passageiros de 3.ª classe foi tal que as carruagens de 1.ª foram invadidas por avalanche daqueles viajantes, que encheram os corredores e impossibilitaram o acesso às plataformas; contudo, é de justiça reconhecer que o atraso foi de pouca monta — cêrca de uma hora no Pôrto e bastante menos no Rossio); mas, dizia eu, em compensação do sacrifício que tais viagens constituem, podemos assim pôr-nos em contacto com a gente nortenha e conhecer suas dificuldades e alvitres sensatos para as evitar.
Mas, conforme ouvi, nem só o daninho cleóptero, que tantas razias faz nas tulhas e celeiros logo que o calor aperta, está de parabéns, por isso que também as borboletas dos cereais e os micro-agentes das fermentações vão medrando à vontade e à custa dos infelizes lavradores.
O gorgulho é pelos pobres conhecido por «bicho santo», porque determina o abastecimento dos mercados logo que a sua presença se verifica nas tulhas, a fim de que o prejuízo não seja total.
Mas é de pouca dura o banquete que o referido coleóptero encontrará no milho aquecido, porque depressa experimenta a trituração das mós das azenhas e, muitas vezes, passa a ser assim encorporado na farinha.
Mas presentemente o caso é diverso, porque o milho fôra declarado, nos termos da lei, à Federação Nacional dos Produtores de Trigo, e só pode sair dos celeiros quando aquele organismo ou as Comissões Reguladoras o requisitarem.
Ora como as requisições apenas se fazem, geralmente, à medida das necessidades do consumo, o milho, que tantas canseiras e sacrifícios representa, e constitue um dos principais valores a que a lavoura recorre para obter os fundos indispensáveis à sua laboração, ao pagamento de contribuïções e outros encargos, bem como para manter seus casais, lá fica nas tulhas à disposição do gorgulho, que agora deixa de ser «bicho santo» para se transformar em autêntico cataclismo, para que se não vê remédio imediato.
É certo que à Federação Nacional dos Produtores de Trigo compete a sua aquisição.
E fui informado de que aquele organismo vem adquirindo grandes quantidades (no distrito do Pôrto, de 18.182:391 quilogramas declarados pelos produtores para venda, já foram adquiridos 15.901:095).
Porque não foi adquirido o restante e, assim, não se permitiu subtrair o milho ainda nas tulhas aos estragos do gorgulho, nem se pagou à lavoura o respectivo preço?
Simplesmente porque aquele organismo não dispõe, como sei que o norte desejaria, de celeiros para convenientemente armazenar tam grandes quantidades de milho!
Sr. Presidente: tam grande mal carece de pronto remédio!
Aquela deplorável lacuna não pode continuar!
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Orador: — Sr. Presidente: a história repete-se.
Quando tive a honra de pertencer ao Govêrno correspondente ao triénio 1929-1932 o então meu ilustre colega da Agricultura, e agora distinto colega nosso Sr. coronel Linhares de Lima, afirmara que a política da arroteia do trigo teria de assentar na construção prévia de bons celeiros e de silos, para que o cereal sobrante das melhores colheitas fôsse guardado para os anos de carestia.
Tam sábio conselho não foi seguido e houve que assistir, anos volvidos, à inutilização de grandes quantidades de trigo e à exportação de muito outro a preços mínimos.
Os prejuízos registados subiram a somas avultadas, mais que suficientes para a construção dos referidos celeiros e silos preconizados pelo distinto e previdente estadista. O que se passou é profundamente lamentável.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Mais tarde chegámos a assistir a uma política de restrições oposta à do referido Ministro da Agricultura, tendo-se até proïbido a sementeira de trigo em determinadas circunstâncias! Isto num país onde a produção daquele cereal é notòriamente insuficiente!
Sr. Presidente: reedita-se agora com o milho a deplorável orientação seguida no problema do trigo.
Promovera o Govêrno a Campanha da Produção, a que a lavoura correspondeu patriòticamente, não olhando a sacrifícios, mesmo em período de limitações de preços para a venda impostas por rigoroso tabelamento, sem a correspondente compensação de limitações nos preços dos produtos que a lavoura forçosamente teria de adquirir, quási sempre no mercado negro, devido à exigüidade dos fornecimentos feitos pelos organismos legais.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Alega-se haver o recurso de o lavrador receber desde já o preço do milho, mas guardando-o nos seus celeiros e constituindo-se fiel depositário.
Sòmente o banquete do gorgulho continuaria. E, quando o milho fôsse requisitado pela Federação ou Comissões Reguladoras, não seria aceite ou, como é pago em relação ao pêso e não ao volume, a quantia a receber pelo lavrador seria desfalcada mercê dos estragos causados pelo gorgulho e outros convivas do lauto repasto.
E para se chegar a êste lamentável resultado, sendo do conhecimento geral que a última colheita de milho
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fôra boa, não se trepidou em impor as maiores restrições no seu consumo à população que naquele cereal tem a base essencial do alimento e às espécies zootécnicas, para cujo desenvolvimento o milho tanto contribue, o que não está certo.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Durante largo período impôs-se o jejum forçado de 350 gramas, ração que se elevara para 500 gramas, quando destinada a serviços pesados, e recentemente foi esta elevada para 600 gramas e a destinada a serviços leves para 400 gramas.
No campo da pecuária foi permitida a ração de 180 quilogramas anuais por cada cevado. Mas as outras espécies não foram contempladas.
E agora que a estiagem vai secando as ribeiras e parando os moinhos surgem embaraços à instalação de pequenas moagens eléctricas!
E aqui está, Sr. Presidente, como o milho desviado do seu destino natural engorda agora miríades dos referidos coleópteros e outros felizes hóspedes dos celeiros da lavoura.
O nosso ilustre colega. Sr. Dr. Rocha Páris, com muita oportunidade, sugeriu nesta Assemblea a distribuïção de pão de milho às guarnições militares da zona em que aquele pão é corrente e a encorporação de certa percentagem de farinha de milho na de trigo para o pão de outras regiões.
Conto-me no número dos que então aplaudiram tam inteligente sugestão.
Mas reconheço que desde já deveria o Govêrno promover a construção de celeiros nas devidas condições, uns situados nas zonas de maior produção e outros nas de considerável consumo de milho.
Assim, no distrito de Braga, apesar da grande produção daquele cereal em todos os concelhos do distrito, regista-se consumo muito superior à produção no de Braga, devido à população citadina, e nos de Famalicão e sobretudo de Guimarãis, como conseqüência da numerosa população fabril.
Neste último, o de Guimarãis, a produção total orça por 7.500:000 quilogramas, ficando livres para venda apenas 2.200:000 quilogramas, quando o consumo da população alheia à lavoura orça por 500:000 quilogramas por mês, ou seja 6.000:000 por ano.
Está assim indicada a construção imediata de celeiros nos concelhos de Braga, Guimarãis e Famalicão.
No distrito do Pôrto impõe-se um grande celeiro nesta cidade e outros talvez em Matozinhos, Maia, Vila do Conde e Penafiel, estes últimos três correspondentes a zonas de grande produção.
No distrito de Viana do Castelo, centro por excelência da produção de milho, estaria também indicada a construção de vários celeiros, podendo dizer-se o mesmo relativamente a Aveiro e ainda a outros distritos.
Sr. Presidente: de todos os cereais é por certo o milho o que tem mais larga margem de cultura entre nós, porque, além de vantajosas condições climáticas e dos melhoramentos introduzidos pela técnica na selecção das sementes, adubação e lavra da terra, a política da irrigação seguida pelo Estado Novo promete garantias de viabilidade daquela cultura em áreas muito vastas, do que resultarão vantagens para a alimentação humana e para o fomento da riqueza pecuária.
Mas a propaganda dessa cultura tem de ser acompanhada de providências que garantam a conservação do cereal produzido e respectivo transporte.
As insuficiências de armazenagem e de transporte não poderiam repetir-se sem desprestígio para o Estado Novo.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — E o que digo para o milho aplica-se também aos outros cereais, à batata, ao vinho, ao azeite e outros géneros agrícolas, dos quais alguns estão expostos à deterioração, emquanto outros, como o azeite, permanecem tempo infinito nas casas agrícolas sem que os lavradores possam proceder à sua venda, para realizar fundos, que lhes são absolutamente precisos.
Sr. Presidente: Havia tanto a dizer sôbre êste momentoso tema!
Mas terminarei chamando a atenção do Govêrno para o tratamento de que têm sido vítimas muitos lavradores: uns atirados para o Tribunal Militar Especial, com fundamentos que não resistiriam a uma rápida apreciação pelas autoridades, que deveriam estudar os autos antes de os remeterem ao Poder Judicial; outros colocados na dura contingência de entregarem elevadas somas a autoridades administrativas, para evitarem aquela alçada, que, pelo menos, constitue grave pesadelo e fonte de despesas e incómodos para os que caem em seu domínio.
Sr. Presidente: a lavoura e, de uma maneira geral, todos os que se dedicam à trabalhosa e incerta faina da produção carecem absolutamente de outro tratamento e bem merecem as atenções do Estado.
Certo estou de que o Govêrno tudo fará no sentido que venho de indicar.
E tudo será preciso para que não continuem factos como os que venho de citar e para o «gorgulho não continuar de parabéns».
Disse.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Ângelo César: — Sr. Presidente: a guerra foi e é — porque a paz ainda é guerra — fenómeno mundial, passando, nas suas repercussões, por todos os caminhos, envolvendo todos os povos, como se fora uma outra atmosfera.
Não podemos estranhar que na pequena casa lusitana a sua presença nefasta se fizesse sentir.
Fortunas geradas do nada, algumas das quais já desaparecidas, prosperidades fictícias, indústrias repentinamente e excessivamente valorizadas criaram, de certa forma, uma economia anómala.
De tudo isso é dever do Estado defender-se e defender-nos.
Mas, para além dêsse anarquismo transitório, prevalecem as realidades económicas nacionais, ou deverão prevalecer.
Os vinhos, os resinosos, as conservas, as cortiças, o estanho e poucos mais produtos continuam a ser a possível contribuïção para um equilíbrio, ou menor desequilíbrio, da nossa balança económica.
Assim, tudo o que dificulte a sua exportação e lhes faça deminuir ou perder os mercados estranhos é punhal apontado ao nosso peito.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — As exportações dêsses e de outros produtos não se realizam nem se anunciam prometedoramente.
Porquê?
Os preços de custo e de venda serão excessivos?
Na desconjunção resultante da guerra, não haverá verbas anormais a encarecerem, por ficção de orgânica, ou por outra causa, os produtos que normalmente exportávamos?
Os impostos de lucros de guerra e de exportação não serão exagerados e até descabidos em relação a êsses produtos de indispensável exportação?
Não podemos contar com a riqueza dos compradores. A guerra empobreceu os povos mais ricos.
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Êsses procurarão o menor dos preços.
Não é na elevação dêstes, ou na sua manutenção no nivel resultante das hostilidades, que devemos procurar a solução para a nossa crise de exportações.
Ao Sr. Ministro da Economia, que deixou nesta Assemblea uma justa impressão de prudência e de zeloso interêsse pelo bem comum, cabe a responsabilidade de enfrentar o problema.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: - Por que se não busca resolvê-lo solidarizando-o com uma razoável contribuïção portuguesa de tudo quanto disponhamos, na metrópole e nas colónias, para socorrer os povos sem casas, sem pão, sem nada?
Porque se não tenta resolvê-lo por meio de contactos directos com os govêrnos interessados, nos moldes de diplomacia sem burocratismo em que hoje estão a liquidar-se as grandes dificuldades internacionais?
A política é essencialmente previsão.
Mal vai aos povos que não procuram evitar a tempo os grandes males de que podem adoecer.
A capacidade de resistência, os fundos de reserva e as possibilidades de maneio de indústrias que produzem e não vendem são limitados. Atingido o seu limite, a crise poderia ser irremediável e de conseqüências fatais.
Cumpri o meu dever chamando, discretamente, a atenção do Govêrno para êste aspecto essencial da nossa economia e — para que não dizê-lo? — do nosso futuro.
Disse.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: — Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: — A Assemblea passa a funcionar em sessão de estudo da proposta de lei relativa às alterações à Constituïção Política e ao Acto Colonial.
A ordem do dia da sessão de amanhã será ainda a continuação da sessão de estudo da mesma proposta de lei.
Está encerrada a sessão.
Eram 10 horas.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Ângelo César Machado.
Artur de Oliveira Ramos.
João Mendes da Costa Amaral.
José Alçada Guimarãis.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Pereira dos Santos Cabral.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Querubim do Vale Guimarãis.
Sebastião Garcia Ramires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Acácio Mendes de Magalhãis Ramalho.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhãis.
Alberto Cruz.
António Cristo.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Carlos Moura de Carvalho.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes Arnaut Pombeiro.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Clemente Fernandes.
José Dias de Araújo Correia.
O Redactor — Leopoldo Nunes.
Imprensa Nacional de Lisboa