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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 15

ANO DE 1946 17 DE JANEIRO

IV LEGISLATURA

SESSÃO N.º 15 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 16 DE JANEIRO

Presidente: Exmos. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.

Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel de Abranches Martins

Nota - Foram publicados três suplementos ao Diário das Sessões n.º 14, que inserem: o 1.º, o aviso convocatório da Assembleia Nacional; o 2.º, o parecer n.º 2 à proposta de lei n.º 2 (organização hospitalar); o 3.º, um acórdão da Comissão de Verificação de Poderes da Câmara Corporativa.

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia. - Leu-se o expediente.

Foram aprovados, com rectificações dos Srs. Deputados Franco Frazão, Mário de Figueiredo e Albano de Magalhães, os Diários n.ºs 11, 12, 13 e 14.

Leram-se os pareceres da Comissão de Verificação de Poderes respeitantes aos Srs. Deputados eleitos pelos círculos de Angola e Cabo Verde e outro relativo ao candidato pelo círculo de Macau.

Foram considerados eleitos Deputados pelo círculo de Angola os Srs. Fausto de Almeida Frazão, Frederico Bagorro de Sequeira e Henrique Carlos Malta Galvão e pelo círculo de Cabo Verde o Sr. Adriano Duarte Silva.

Foi proclamado eleito Deputado por Macau o Sr. Álvaro Eugenia Neves da Fontoura, que tomou o sou lugar na Assembleia.

Encontrando-se nos Passos Perdidos os Srs. Deputados Armando Cândido de Medeiros, Pedro Chaves Cymbron Borges de Sousa, Indalêcio Froilano de Melo e Teotónio Machado Pires, o Sr. Presidente designou os Srs. Deputados Cunha Gonçalves, Pinto Basto, Linhares de Lima, Águedo de Oliveira, Cunha Silveira, Carlos Borges, Alberta de Araújo e João Amaral para os introduzirem na sala e tomarem os seus lugares na Assembleia.

O Sr. Presidente anunciou estarem na Mesa uma representação da Junta de Província da Beira Baixa e outra de diversas entidades de Tomar, ambas relativas à proposta de lei de organização hospitalar em discussão e que iriam ser publicadas no Diário das Sessões.

Receberam-se na Mesa os esclarecimentos fornecidos petos Ministérios da Guerra, Interior, Marinha e Colónias relativos a requerimentos apresentados por diversos Deputados.

Pela Presidência do Conselho foi enviado à Presidência da Assembleia Nacional um ofício comunicando a remessa à Câmara Corporativa do projecto de alterações à Carta Orgânica do Império Colonial, Português e que vai ser publicado no Diário das Sessões.

Para os fins do § 3.º do artigo 109.º da Constituição a Presidência do Conselho enviou também diversos números do Diário do Governo, contendo decretos-lei.

A Presidência do Conselho enviou igualmente uma proposta de lei sobre melhoramentos agrícolas, cuja urgência levou o Sr. Presidente da Assembleia a marcar o prazo de quinze dias para a Câmara Corporativa emitir o sen parecer, o que foi aprovado. Essa proposta vai ser publicada no Diário das Sessões e baixará da Comissão de Economia.

O Sr. Presidente comunicou acharem-se na Mesa as contas da Junta do Crédito Público relativas a 1944, que baixarão à Comissão de Finanças e serão publicadas em suplemento ao Diário das Sessões.

Foi autorizado o Deputado Fernão Couceiro da Costa a depor como testemunha.

O Sr. Presidente deu conhecimento de que no passado dia 1 do corrente, em nome da Assembleia, apresentou, em Belém, cumprimentos ao Chefe do Estado, que nesse mesmo dia veio à Assembleia retribuir esses cumprimentos, tendo nessa ocasião o Sr. Presidente da Assembleia Nacional pronunciado as palavras que neste Diário se publicam.

O Sr. Presidente informou que o Sr. Deputado José Esquivel lhe escrevera comunicando que não podia comparecer à sessão de hoje nem à de amanhã por motivo do falecimento de sua mãe.

Em nome da Assembleia o Sr. Presidente expressou votos de pesar pelo acontecimento.

Usaram da palavra os Srs. Deputados André Navarro, Nunes Mexia e Froilano de Melo.

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Ordem do dia. - Início da discussão, na generalidade, da proposta de lei de organização hospitalar.

Usaram da palavra os Srs. Deputados França Vigor e Alexandre Pinto Basto.

O Sr. Presidente encerrou a sessão as 18 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 45 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Afonso Eurico Ribeiro Casaes.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos de Azevedo Mendes.
Diogo Pacheco de Amorim.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Henrique Linhares de Lima. Henrique dos Santos Tenreiro.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
João Ameal.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João de Espregueira da Rocha Páris.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim Saldanha.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Luís da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Sacadura Botte.
José Martins de Mira Galvão.
José Nunes de Figueiredo.
José Penalva Franco Frazão.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Maria da Câmara Pina.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Mendes de Matos.
Luís Pastor de Macedo.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel Franga Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller
Mário Borges.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Paulo Cancela de Abreu.
Querubim do Vale Guimarães.
Rafael da Silva Neves Duque.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Spratley.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 89 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 5 minutos. Foi lido na Mesa o seguinte

Expediente

Telegramas

"Ao ser presente alta apreciação Assembleia Nacional projecto lei organização hospitalar Covilhã a mais importante cidade distrito espera lhe seja feita a justiça de manterem base III referido projecto considerando-a centro em que vai ser construído hospital regional apresento Vossa Excelência cumprimentos mais alta consideração. Presidente Câmara Covilhã, Carlos Coelho".

"Concelho Ferreira Zêzere inseparável companheiro do de Tomar desde existência ordens templários e Cristo seguindo calorosamente justo e exacto pedido classificação Tomar como sede região hospitalar sentindo-se muito deslocado sua inclusão região hospitalar Leiria. Presidente da Câmara Ferreira do Zêzere, José Baido".

"Câmara Municipal Penamacor vem rogar V. Ex.ª que o concelho Penamacor seja incorporado na zona de influência hospital de Castelo Branco e não Covilhã devido facilidade comunicações com capital distrito. Presidente Câmara, Rodrigues Silva".

Foi recebido na Mesa um telegrama de protesto pela prisão do director de um jornal de Espinho.

Ofício

Foi presente um protesto da Ordem dos Médicos contra afirmações produzidas na sessão de 12 de Dezembro pelo Exmo. Deputado Alexandre Pinto Basto, relativas à classe médica.

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Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os Diários das Sessões n.ºs 11, 12, 13 e 14, que ainda não foram submetidos à aprovação da Assembleia e que aliás o deveriam ter sido antes do expediente.

O Sr. Franco Frazão: - Sr. Presidente: desejo fazer as seguintes rectificações ao Diário das Sessões de 14 de Dezembro findo:

A p. 144, col. 2a., 1. 62, a seguir às palavras "nada teríamos", deve aditar-se "de completo"; a p. 145, col. 1a., 1. 5, a seguir à palavra "solos", deve também acrescentar-se a expressão "felizmente já em execução, mas que urge completar".

O Sr. Mário de Figueiredo - Sr. Presidente: no Diário das Sessões n.º 12, a p. 148, col. 1a., 1. 21, onde está "ficara", deve ler-se "ficava". Na mesma página, col. 2a., 1.20, onde se lê "não foi a interpretá-lo tão mal como o nosso querido colega Bustorff Silva", deve ler-se "não foi a interpretá-lo tal qual como o nosso querido colega Bustorff Silva". Faz bastante diferença...

Ao fundo dessa mesma página e coluna, onde consta "pelo que respeita à relação entre os preços e a inflação, dizia o Sr. Dr. Pacheco de Amorim, vem a seguir esta expressão: "Em 1919 eram aqueles que cavalgaram esta; em 1945 são estes cavalgaram aquela". Ora não é assim; isto seria o mesmo. O que eu disse é isto: "em 1945 é esta que cavalga aqueles".

Mais: a p. 151, col. 1a., 1. 32 e 33, onde se lê "há as receitas", deve ler-se, em ambas as linhas, "há as despesas".

E é tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Albano de Magalhães: - Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer as seguintes rectificações ao Diário das Sessões n.º 14: na primeira coluna, na última linha, onde está a palavra "admirar", devia estar "admiração"; na p. 180, onde está "Valeri", devia ter-se escrito "Valere".

O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado pede a palavra, considero os Diários das Sessões n.ºs 11, 12, 13 e 14 aprovados com as rectificações que lhes foram feitas.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa dois pareceres da Comissão de Verificação de Poderes: um relativo aos Srs. Deputados eleitos pelos círculos de Angola e Cabo Verde e outro relativo ao candidato pelo círculo de Macau.

Vai ler-se o primeiro.

Foi lido. É o seguinte:

"Sr. Presidente: Srs. Deputados: A vossa Comissão de Verificação de Poderes acha-se já habilitada a propor que sejam julgados definitivamente verificados os poderes dos Deputados pelos círculos de Angola e Cabo Verde.

Por isso propõe que assim sejam julgados os poderes dos Deputados Fausto de Almeida Frazão, Frederico Bagorro de Sequeira e Henrique Carlos Malta Galvão, por Angola, e Adriano Duarte Silva, por Cabo Verde.

Palácio de S. Bento, 16 de Janeiro de 1946. - Mário de Figueiredo - António de Sousa Madeira Pinto - Paulo Cancela de Abreu - Francisco Higino Craveiro Lopes - João Luís Augusta das Neves".

O Sr. Presidente:- Está em discussão. Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra sobre este parecer, vai votar-se.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Considero, portanto, verificados os poderes daqueles candidatos e proclamo Deputados pelo círculo de Angola os Srs. Fausto de Almeida Frazão, Frederico Bagorro de Sequeira e Henrique Carlos Malta Galvão e pelo círculo de Cabo Verde o Sr. Adriano Duarte Silva.

Convido estes Srs. Deputados a tomarem os seus lugares, se acaso estiverem presentes.

Vai ler-se o parecer relativo ao candidato pelo círculo de Macau.

Foi lido. É o seguinte:

"Adenda. - Com fundamento em ofício agora mesmo recebido, podem, nos mesmos termos, ser julgados definitivamente verificados os poderes do Deputado Álvaro Eugénio Neves da Fontoura, eleito pelo círculo de Macau.

Palácio de S. Bento, 16 de Janeiro de 1946. - Mário de Figueiredo - Paulo Cancela de Abreu - João Luís Augusto das Neves".

O Sr. Presidente: - Está em discussão. Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra sobre este parecer, vai votar-se.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente : - Considero, portanto, verificados os poderes daquele candidato e proclamo Deputado pelo círculo de Macau o Sr. Álvaro Eugénio Neves da Fontoura.

Convido este Sr. Deputado, se estiver presente, a tomar o seu lugar.

Pausa.

O Sr. Presidente : - Informo que se encontram nos Passos Perdidos os Srs. Deputados Armando Cândido de Medeiros, Pedro Chaves Cymbron Borges de Sousa, Indalêncio Froilano de Melo e Teotónio Machado Pires.

Estes Srs. Deputados, tendo sido já proclamados, não puderam ainda, por motivos diversos, tomar assento na Câmara. Vão, portanto, ser introduzidos nesta sala, conforme praxe desta Assembleia.

Para introduzir o Sr. Deputado Indalêncio Froilano de Melo nomeio os Srs. Deputados Luís da Cunha Gonçalves e Alexandra Pinto Basto.

Para introduzir o Sr. Deputado Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa nomeio os Srs. Deputados Linhares de Lima e Águedo de Oliveira.

Para introduzir o Sr. Deputado Armando Cândido de Medeiros nomeio os Srs. Deputados Cunha Silveira e Carlos Borges.

Para introduzir o Sr. Deputado Teotónio Machado Pires nomeio os Srs. Deputados Alberto de Araújo e João Ameal.

Os referidos Srs. Deputados deram entrada na sala e, depois de apresentarem cumprimentos ao Sr. Presidente, tomaram assento nos respectivos lugares.

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O Sr. Presidente: - Está na Mesa uma representação da Junta de Província da Beira Baixa relativa à proposta de lei da organização hospitalar que vai entrar hoje em discussão.

Vai ser publicada no Diário das Sessões para elucidação da Assembleia.

É a seguinte:

"Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - A Junta de Província da Beira Baixa, reunida em sessão ordinária a 9 do corrente mês, considerando a proposta de lei que o Governo envia à Assembleia Nacional para estabelecer o plano geral de organização hospitalar, verifica: que o território e população constante desta circunscrição administrativa são divididos em duas regiões - Castelo Branco e Covilhã -, com hospitais próprios em cada uma das citadas cidades, o que efectivamente corresponde às necessidades da assistência populacional a efectivar urgentemente, embora cada uma dessas regiões fique dependendo de zonas hospitalares diferentes.

Causa verdadeira estranheza, absolutamente injustificável perante a unidade administrativa provincial, que os concelhos da Sertã e Oleiros sejam colocados na dependência imediata de Coimbra e o de Vila de Rei na de Abrantes, tendência que, a levar-se a efeito, compromete gravemente a tradição da unidade administrativa.

Se é fácil compreender que o concelho de Mação, apesar de incluído na província da Beira Baixa, fique dependendo da região de Abrantes e bem assim o de Pampilhosa da Serra dependa da região de Coimbra, outro tanto não acontece com a projectada saída da região de Castelo Branco dos concelhos de Oleiros, Sertã e Vila de Rei, capital administrativa de todos eles e centro regional tradicional efectivo, com todas as possibilidades precisas para o desempenho da nova função, tanto mais que no novo plano de urbanização, já aprovado para Castelo Branco, está previsto o local para a construção imediata do novo hospital e, bem assim, existe um estudo sério e detalhado, já publicado, do que deveria ser esta construção, a efectuar na primeira fase de execução do projecto presente à Assembleia Nacional.

No que respeita ao cálculo do número de camas para os hospitais regionais, pode afirmar-se, sem receio, que não corresponde às actuais necessidades da assistência, quer no referente à lotação do concelho sede da região, quer à lotação dos restantes concelhos da sua área.

Com efeito, o estudo atrás referido prevê para Castelo Branco um hospital com um mínimo de 300 camas e para o da Covilhã lotação sensivelmente igual, o que está perfeitamente de acordo com as realidades presentes.

A lotação prevista a tal respeito no projecto fica muito abaixo das mais elementares condições assistenciais, pois que, segundo essa proposta de lei, Castelo Branco, incluindo os concelhos de Penamacor, Idanha-a-Nova, Vila Velha de Ródão, Proença-a-Nova, Sertã, Oleiros e Vila de Rei, viria a ter uma lotação de 171 camas.

Presentemente o Hospital da Misericórdia tem 124 leitos, não possuindo um pavilhão de isolamento, uma maternidade, uma enfermaria de banco para a observação dos respectivos doentes, um compartimento próprio para recolher, embora a título provisório, um louco, um sinistrado de urgência, pois as enfermarias estão permanentemente congestionadas.

Pelo que se refere à Covilhã, a mesma série de cálculos leva a encontrar uma lotação de 180 camas, abrangendo os concelhos de Belmonte e Fundão, e nunca

o de Penamacor, que, pela sua afinidade própria, tem de ser incluído na região de Castelo Branco.

Perante estes factos, conclui-se que a taxa de cálculos para o concelho sede da região não poderá ser inferior a 4 e para os concelhos subsidiários de 0,50 a 0,75.

E assim, a Junta de Província da Beira Baixa resolve solicitar dos Srs. Presidente da Assembleia Nacional, Ministro do Interior, Subsecretário de Estado da Assistência e Deputados do círculo de Castelo Branco:

1.º A inclusão na região de Castelo Branco dos concelhos de Penamacor, Sertã, Oleiros e Vila de Rei, além dos de Idanha-a-Nova, Proença-a-Nova e Vila Velha de Ródão, já incluídos na proposta de lei;

2.º A atribuição de um hospital com a lotação mínima de 300 camas à região de Castelo Branco, o qual merece ser levado a efeito em primeiro lugar, relativamente a qualquer outro do País, não somente perante a mediocridade das instalações existentes como pelas facilidades de local higiénico à disposição das estâncias superiores;

3.º Solicitar que as taxas de cálculo para o número de camas sejam de 4 a e 0,75 b para as regiões e concelhos subsidiários respectivamente.

Assim, certos do espírito de alta justiça e do são critério de V. Ex.ª, cumprimentando,

A bem da Nação.

Castelo Branco, 11 de Janeiro de 1946. - O Presidente, Joaquim Sérvulo Correia".

O Sr. Presidente: - Está ainda na Mesa uma representação de diversas entidades de Tomar, representativas dos interesses morais, culturais e económicos, acerca da classificação dessa cidade pelo que respeita a proposta de lei que hoje vai entrar em discussão na generalidade.

Vai ser publicada no Diário das Sessões, para conhecimento da Assembleia.

É a seguinte:

"Excelentíssimo Senhor Presidente da Assembleia Nacional. - Tomar, que aos problemas de assistência dedicou sempre o maior interesse, recebeu com regozijo e ansiedade a notícia da projectada organização hospitalar do País.

Todavia, ao tornar-se público pela imprensa o plano geral desse projecto, verificou com desgosto que, em detrimento das mais palpáveis realidades, seria relegada para uma categoria secundária, como simples sub-região, em directa dependência de uma sede com a qual não mantém quase nenhum contacto.

Parece que semelhante anomalia se deve filiar no facto de não terem sido tomadas em consideração importantes circunstâncias, que, pelo contrário, justificariam inteiramente a sua classificação como sede de uma região hospitalar.

Sem deixarmos de prestar homenagem ao valor do trabalho realizado, pois se reconhece a impossibilidade de se evitarem falhas de tal natureza na elaboração de um projecto de tão grande complexidade e magnitude são aquelas importantes circunstâncias que temos hoje a honra de expor a V. Ex.ª, na antecipada certeza de que elas convencem por si só da razão que nos assiste ao formularmos uma pretensão justa e de interesse geral.

1) Relações entre Tomar e Leiria:

As relações entre os concelhos de Tomar e Leiria são insignificantes, sem que quaisquer motivos ponderosos ou afinidades especiais justifiquem a sua interdependência no campo da reforma hospitalar.

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Com efeito, enquanto o concelho de Tomar faz parte da província do Ribatejo, do distrito de Santarém e do Patriarcado de Lisboa, o concelho de Leiria pertence à, província da Beira Litoral, ao distrito de Leiria e ao Bispado do mesmo nome.

Por isso Tomar mantém relações de subordinação administrativa com Santarém, de caracter religioso com Lisboa e de natureza clínica com Coimbra e Lisboa.

A própria orografia, situando Tomar na zona central do País, encarregou-se de a afastar de Leiria, pela interposição da cordilheira que de Malcata se estende até Sintra e aqui separa a bacia do Tejo da zona litoral, dividindo a península de Lisboa em dois sectores, bem conhecidos das esferas castrenses.

Na estrada de ,2a. classe que liga Tomar a Leiria e que atravessa aquela cordilheira nos contrafortes da Serra de Aire circula apenas uma modesta carreira feita por uma pequena camioneta, que mais serve para ligar Vila Nova de Ourém a Tomar e a Leiria do que propriamente estas duas cidades entre si.

As comunicações ferroviárias entre Tomar e Leiria são praticamente inexistentes, visto terem de se fazer por intermédio de Lisboa ou pelo entroncamento distante de Alfarelos, através de péssimas ligações.

Não consta ainda que até hoje quaisquer doentes de Tomar tenham ido tratar-se aos hospital de Leiria.

As únicas relações permanentes entre estas duas cidades resumem-se afinal naquelas que a guarnição militar de Leiria mantém com o quartel general e o Hospital Militar Regional de Tomar, isto é, em sentido inverso ao que acarretaria a projectada organização para o movimento hospitalar civil.

Parece, portanto, poder concluir-se que a inclusão de Tomar ,na região de Leiria não obedeceu às três condições que no preâmbulo do projecto se afirma terem servido de base à divisão do País em zonas e regiões hospitalares, ou seja as necessidades e hábitos da população, a situação geográfica e os meios de comunicação.

II) Tomar possui os três requisitos para ser sede de região:

a) Necessidades e hábitos da população:

De há muito que a maioria dos doentes dos concelhos vizinhos de Ferreira do Zêzere, Vila Nova de Ourém, Alvaiázere, Sertã, Oleiros, Barquinha, Entroncamento e Golegã se habituou a procurar em Tomar os serviços clínicos de que carece e que não encontra nos seus concelhos ou noutros mais próximos e acessíveis.

Por esse motivo a cidade de Tomar, possuindo um numeroso e proficiente corpo clínico, tornou-se no decorrer do tempo um importante centro hospitalar, onde se pratica há muito a cirurgia; e o seu hospital civil, que data dos tempos do Infante D. Henrique, atingiu o apreciável desenvolvimento a que adiante se fará referência, confirmando a regra de que são as necessidades que criam e desenvolvem o órgão.

De resto, esta convergência a Tomar das regiões suas vizinhas não se verifica apenas no campo clínico, mas também, entre outros, no campo económico.

Em época de normalidade o comércio armazenista da cidade é em grande parte o fornecedor dos retalhistas de um vasto hinterland, a que pertencem numerosos e distantes concelhos, fenómeno que explica de certo modo a importância do comércio tomarense, que excede as necessidades locais.

O movimento desse comércio afere-se em parte pelo valor das suas transacções, para o que, além de várias agências e representações de estabelecimentos de crédito, existem em Tomar duas importantes casas bancárias.

Realmente, o imperativo geográfico fez de Tomar a estação de caminho de ferro mais próxima, mais acessível e mais conveniente para uma vasta zona interior do País.

Sancionaram-se, por assim dizer, usos e costumes com fortes raízes tradicionais, que datam dos tempos em que a Tomar, grande centro segeiro, afluíam os veículos dessa grande zona que se dirigiam à Barquinha, onde se tomava o barco para Lisboa... E tamanha importância esse movimento atingiu que D. Sebastião chegou a mandar estudar o possível prolongamento da via fluvial até Tomar, pelo Zêzere e Nabão.

b) Situação geográfica:

0 que se acaba de expor deve-se indiscutivelmente a excelente situação geográfica de Tomar no centro do País, que determinou a escolha da nossa cidade para quartel general de uma das quatro regiões militares do continente.

Tomar encontra-se numa zona muito populosa - mais de 100 habitantes por quilómetro quadrado -, de população com tendência para a dispersão, em contraste com a zona interior do País marginal do Tejo, que, em regime de concentração, não chega a ter metade daquela densidade.

Isto conduz à seguinte conclusão: se, de acordo com a densidade e hábitos da sua população, se pretender dividir esta parte central em três regiões, não é aconselhável repartir os seus 180 quilómetros em três faixas de 60 quilómetros cada, mas sim em duas de 45 (a ocidental e a central) e uma de 90 quilómetros (a parte oriental), que abarcaria a zona de população mais rarefeita. E como Tomar fica a 60 quilómetros do litoral, esta também sob este ponto de vista naturalmente indicada para sede de uma região hospitalar.

e) Meios de comunicação:

A privilegiada situação geográfica de Tomar contribuiu muito para a sua esplêndida rede de comunicações:

1.º Comunicações ferroviárias:

A principal linha férrea do País - a linha do norte Lisboa-Porto - atravessa o concelho de Tomar, onde tem duas estações, a de Paialvo e a de Chão de Maçãs.

Além disso, distando Tomar apenas 20 quilómetros do importante nó de comunicações ferroviárias do Entroncamento, um pequeno ramal de via larga liga a cidade àquela linha do norte, na estação da Lamarosa, cuja gare fica a menos de 300 metros do nosso concelho, com óptima estrada de penetração.

2.º Comunicações telegráficas, telefónicas e radiofónicas:

Tomar está ligada telegráfica e telefonicamente à rede geral do País, com serviço permanente de telefone e uma vasta rede urbana cuja montagem automática está quase concluída.

Possui ainda uma boa estação emissora militar de T. S. F., que em determinadas circunstâncias faz serviço cívil, de grande valor em emergências graves, e um posto emissor da Legião Portuguesa, cujo comando distrital tem aqui a sua sede.

3.º Comunicações rodoviárias:

Tomar dispondo de uma bem tecida malha de estradas municipais, está ligada por estradas nacionais a Coimbra, Sertã e Castelo Branco, a Lisboa (por Torres Novas-Santarém e por Entroncamento-Golegã-Santarém), Vila Nova de Ourém (por Chão de Maçãs),

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Abrantes (por Constância), Torres Novas (por Lamarosa) e Ferreira do Zêzere (por Olalhas).

Por todas estas estradas circulam diariamente muitas camionetas de numerosas carreiras.

Poderá concluir-se, portanto, que Tomar satisfaz cabalmente as três condições fundamentais indicadas no projecto para que venha a ser sem favor e no interesse geral classificada como sede de região hospitalar.

III) Outras considerações:

a) Aspecto industrial:

Tomar, que possui, além de outras, quatro fábricas de papel, uma de fiação e tecelagem, uma destilação de aguardente e de rectificação de álcool, duas de cerâmica, uma de produtos resinosos, duas moagens, uma central eléctrica, várias serrações e fundições e numerosas oficinas, onde trabalham milhares de operários, e sem dúvida o mais importante centro fabril da região. Por isso encontra-se nesta cidade o Tribunal do Trabalho do distrito de Santarém, constituindo Tomar e a Covilhã as únicas excepções a regra legal da coincidência das sedes daqueles tribunais com as sedes dos distritos administrativos.

Frisa-se esta circunstância porque tão grande actividade fabril e relevante sob o ponto de vista clínico. Com efeito, tão activo núcleo industrial acarreta apreciável percentagem de desastres de trabalho, cujos socorros urgentes não se compadecem muitas vezes com longas e demoradas deslocações dos sinistrados.

Acresce que a lei n.º 1:942, de 27 de Julho de 1936, que regula a matéria dos acidentes de trabalho, impõe a montagem de serviços especiais de readaptação dos sinistrados nas sedes dos tribunais do trabalho como factor decisivo da reaquisição da capacidade funcional do trabalhador, problema aliás cuja oportunidade foi muito recentemente posta em evidência pela criação de uma comissão especial encarregada do seu estudo (despacho de S. Ex.ª o Subsecretário de Estado das Corporações de 22 de Dezembro de 1945, publicado no Diário do Governo n.º 303, 2a. série, de 29 daquele mês).

Por outro lado, Tomar é a sede de um hospital militar regional, cuja função abrange o tratamento dos doentes e sinistrados militares e, consequentemente, a readaptação funcional dos que são portadores de defeitos corrigíveis ou que venham a incapacitar-se nas fileiras.

Ora, se Tomar deve ter por força da lei serviços especiais de readaptação de sinistrados, afigura-se-nos estar naturalmente indicado que essa montagem se adapte aos serviços de que trata a base VII do projecto e se conjugue com serviços idênticos a funcionar junto do Hospital Militar Regional desta cidade, a que acima nos referimos.

Esta conclusão harmoniza-se de resto com os mais recentes estudos do problema, segundo os quais o tratamento dos traumatismos e a readaptação dos traumatizados cívis e militares constituem hoje como que uma especialidade no âmbito da ciência médica, os quais, por serem de dispendiosa execução, devem necessariamente concentrar-se nos locais onde funcionem aqueles serviços, assistindo ao mesmo tempo a todas as categorias de sinistrados.

Como tais readaptações revestem hoje o aspecto do uma necessidade social - tão basilar e para a economia do Estado a conservação do "capital humano" -, ao impor-se a criação daquelas clínicas, como acontece nos países mais adiantados, elas devem necessariamente funcionar junto dos tribunais do trabalho e dos hospitais militares, em perfeita coordenação com os serviços de assistência geral.

Ainda sob este aspecto as razões militam a favor da classificação de Tomar como sede de região hospitalar.

b) Aspecto militar:

Convencemo-nos também de que, ao fazer-se a distribuição dos hospitais cívis regionais, não poderá descurar-se o aspecto militar do problema, dada a importância que ele reveste perante a estratégia dos serviços de saúde do exército, devendo, por isso, encarar-se o aproveitamento e possível mobilização dos hospitais cívis, não só para a hipótese de guerra propriamente dita, mas também para qualquer outro caso de emergência grave.

Sendo Tomar sede de uma região militar e tendo anexo um hospital militar regional, para onde são normalmente evacuados os doentes de todos os hospitais de guarnição da área, compreende-se a conveniência de o hospital cívil da cidade, susceptível de mobilização, ser amplo e bem apetrechado.

Realmente, é óbvio que, sob o ponto de vista militar, deve interessar mais um bom hospital cívil em Tomar, à retaguarda do Zêzere, ligado à linha do Norte e a uma vantajosa distância do Entroncamento, do que os outros hospitais cívis regionais propostos para a zona abrangida pela área da 3a. Região Militar.

Com efeito, enquanto os de Castelo Branco e Portalegre se encontram demasiadamente próximos da fronteira, o de Abrantes num ponto vulnerável e de difíceis comunicações e o de Leiria não tem ligação ferroviária aproveitável para as linhas do Norte e do Leste, o hospital de Tomar fica a menos de 20 quilómetros de cada um dos elementos de uma importante concentração militar, que abrange um quartel general, um regimento de infantaria, uma escola prática de engenharia, uma escola prática de cavalaria, uma base aérea, um batalhão de pontoneiros, um batalhão de sapadores de caminhos de ferro, uma sucursal da Manutenção Militar e vários depósitos de material de guerra e de aquartelamento.

Parece assim que as razões de natureza militar recomendam também a classificação de Tomar como sede de região hospitalar.

c) Aspecto escolar:

Em Tomar existe a única escola industrial e comercial do distrito, estabelecimento de ensino técnico profissional que, datando dos meados do século XIX, tem uma frequência actual de 648 alunos, sempre superior a 500 nos últimos cinco anos.

Tem um colégio particular de ensino liceal, com a frequência média de 250 a 300 alunos, possui um seminário das missões católicas ultramarinas e as suas 58 escolas e postos de ensino primário oficial são frequentados por 3:219 crianças.

d) Aspecto demográfico:

Verifica-se ainda pelas últimas estatísticas que Tomar foi, logo a seguir a Lisboa, Porto e Coimbra, a terra onde se registou maior natalidade, incremento esse que se vem acentuando desde meados do século passado e que faz prever um ritmo progressivo no aumento futuro da sua população.

Como característica da região compreendida pelos concelhos a oeste do Zêzere, Tomar encontra-se numa zona de forte densidade populacional e de acentuada disseminação, sendo, por isso, compreensível que em tal área as regiões hospitalares tenham menor extensão do que as do Alentejo e Beira Baixa, cuja população e pouco densa e concentrada.

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e) Aspecto turístico:

Sendo Tomar, pela protecção da sua recuada e gloriosa tradição histórica, pelo valor consagrado do seu património artístico e monumental e pelo encanto da sua paisagem, uma zona privilegiada de turismo, recomendada pelos guias internacionais e em ligação directa com outras importantes estâncias de turismo, seria deplorável que o visitante não encontrasse aqui, sobretudo em caso de necessidade, os modernos recursos que vão ser pródiga e generosamente espalhados por outros pontos do País, falta que aos olhos dos estrangeiros induziria em erro sobre o nível dos serviços hospitalares em Portugal.

E não temos dúvida em afirmar que Tomar é, em tempos normais e depois da capital, uma das terras portuguesas que os estrangeiros procuram de preferência nas suas excursões pelo nosso País.

f) Aspecto social:

Tomar nunca foi indiferente aos problemas de assistência, pois, pelo contrário, eles tem-lhe merecido de longa data constante preocupação e desvelado carinho, mantendo em actividade, quase apenas mercê da generosidade particular, numerosos estabelecimentos de assistência pública.

Assim, Tomar mantém os seguintes: Santa Casa da Misericórdia, Casa dos Pobres, com albergue para mendigos em trânsito, Creche-Asilo de Nossa Senhora da Piedade, Centro de Assistência Social Infantil, com lactário e casa de trabalho para raparigas, Dispensário Antituberculoso, Obra do Culto de Santa Maria dos Olivais, Conferência de S. Vicente de Paulo, Associação das Senhoras de Caridade e o Núcleo da União Noelista de Tomar, além de dois moderníssimos jardins-escolas, que vão ser muito brevemente construídos nos dois bairros da cidade e para os quais se dispõe da verba de 1:800 contos.

Conclusão. - Tomar, a mais antiga cidade do distrito de Santarém, que foi a sede gloriosa da Ordem dos Templários e da Ordem de Cristo, que tão larga contribuição deu para a fundação da nacionalidade e para a sua epopeia marítima e que é presentemente a sede do quartel general da 3a. Região Militar, a sede do Tribunal do Trabalho do distrito, a sede do comando distrital da Legião Portuguesa, uma das sedes da Sociedade Portuguesa das Missões Católicas Ultramarinas, a sede de dois Sindicatos Nacionais, a sede de uma das duas Intendências de Pecuária do distrito, a sede da única escola industrial e comercial da província do Ribatejo, e que representa simultaneamente um grande aglomerado fabril incluído no plano de concentração industrial do País, como foco da manufactura papeleira, possui recursos e necessidades que justificam plenamente o reconhecimento oficial da sua categoria como sede de região hospitalar.

De resto, a cidade de Tomar possui um hospital cívil modernizado, enfermarias higiénicas e em boas condições de admissão de doentes, com uma moderna sala de operações convenientemente apetrechada, com serviços de raios X e outros agentes físicos e com pavilhão de isolamento de construção recente.

Esse hospital, onde há mais de trinta anos se prestam todos os serviços clínicos e cirúrgicos, adaptar-se-ia com facilidade a hospital regional, o que, além de traduzir uma economia para o Estado, representaria a justa consagração de uma prestimosa instituição que de longa data vem prestando relevantes serviços.

Semelhante medida legislativa respeitaria direitos adquiridos por uma velha e laboriosa cidade, que se vê injustamente preterida pela organização hospitalar pre-

vista, e asseguraria pela forma mais conveniente os interesses de vários concelhos vizinhos de Tomar.

E, assim, seriam respeitadas as três condições-bases da reforma projectada: as necessidades e hábitos dos povos, o imperativo geográfico e os meios do comunicação!

À criteriosa e esclarecida ponderação do alto organismo a que V. Ex.ª tão superiormente preside nós confiamos a apreciação das razões apresentadas, na antecipada esperança de que será feita justiça a uma das mais nobres terras de Portugal, aliás a bem da assistência, ou seja

A bem da Nação.

Tomar, 7 de Janeiro de 1946. - Seguem-se assinaturas de representantes das seguintes entidades: Câmara Municipal de Tomar, Comissão da União Nacional, Comando Distrital da Legião Portuguesa, Mocidade Portuguesa, Grémio da Lavoura, Grémio do Comércio, Centro de Assistência Social Infantil, Escola Industrial e Comercial Jácome Ratton, Delegação da Ordem dos Médicos, Colégio Nun'Álvares, Museu Municipal João de Castilho e Museu Luso-Hebraico Salomão Zacuto, Corpo de Salvação Pública de Tomar, Santa Casa da Misericórdia de Tomar, Comissão Municipal de Higiene, Jornal Cidade, de Tomar, Casa Bancária Manuel Mendes Godinho & Filhos, Moagem Nabantina, Moagem A Portuguesa, Moagem Henrique Simões & M. Tuna, Limitada, Casa Banecária Gonçalves da Silva, Delegação Escolar, Delegação da Ordem dos Advogados, Clube União Foot-Ball Comércio e Industria, Associação das Senhoras de Caridade, Conferência de S. Vicente de Paulo, Sindicatos Nacionais dos Técnicos e Operários da Indústria de Fiação e Tecelagem de Algodão e da Indústria de Papel, Seminário das Missões Católicas Ultramarinas, Obra do Culto de Santa Maria dos Olivais, União Noelista de Tomar, Sporting Clube de Tomar, Dispensário Antituberculoso de Tomar, Asilo-Creche de Nossa Senhora da Piedade, Sociedade Musical Nabantina, Comissão Municipal de Turismo, Fábrica de Cerâmica Prista, Casa dos Pobres do Concelho de Tomar, União dos Amigos dos Monumentos da Ordem de Cristo, Sociedade Musical Gualdim Pais, Casa do Povo da Madalena, Fábricas de Papel do Prado e Marianaia, Fábrica de Papel de Matrena, Fábrica de Fiação de Tomar, Empresa de Viação Tomarense e Comissão Municipal de Arte e Arqueologia".

O Sr. Presidente: - Comunico à Câmara que estão na Mesa os esclarecimentos fornecidos pelo Ministério da Guerra em consequência do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Augusto Mendes Correia.

Estão também na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério do Interior em satisfação do que foi pedido pelo Sr. Deputado Mira Galvão na sessão de 3 de Dezembro último.

Estão igualmente na Mesa os elementos pedidos pelo Sr. Deputado Pinto Bessa na sessão de 6 de Dezembro último e os elementos fornecidos pelos Ministérios das Colónias e da Marinha em satisfação do pedido feito em 15 do mês passado pelo Sr. Deputado Luís António de Carvalho Viegas.

Todos estes elementos ficam à disposição dos referidos Srs. Deputados.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Está ainda na Mesa um ofício da Presidência do Conselho, datado de 15 do corrente, comunicando que nesta data é enviado à Câmara Corporativa o projecto do alteração à Carta Orgânica do

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194 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 15

Império Colonial Português. Este projecto vai ser publicado no Diário das Sessões.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Comunico à Assembleia que se encontram na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho e para os fins do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os Diários do Governo n.ºs 275, 277, 278, 282, 284, 285, 286, 287, 288. 289, 290 e 291, respectivamente de 11, 13, 14, 19, 21, 22, 24, 26, 27, 28, 29 e 31 de Dezembro do ano findo, contendo os decretos leis n.ºs 35:240, 35:257, 35:260, 35:267, 35:344, 35:385, 35:386, 35:387, 35:388, 35:389, 35:390, 35:391, 35:394, 35:395, 35:396, 35:398, 35:399, 35:401, 35:402, 35:403, 35:404, 35:406, 35:407, 35:410, 35:411, 35:414, 35:418, 35:421, 35:422, 35:424, 35:425, 35:426, 35:427, 35:428, 35:429, 35:430, 35:434, 35:435, 35:436,35:439 e 35:440.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Foi recebida na Mesa uma proposta de lei sobre melhoramentos agrícolas, enviada a Assembleia pela Presidência do Conselho.

Nesta proposta S. Ex.ª o Presidente do Conselho lavrou o seguinte despacho:

Envie-se à Presidência da Assembleia Nacional. O Governo considera urgente a aprovação desta proposta.

Em virtude de o Governo considerar urgente esta proposta, é necessário marcar prazo à Câmara Corporativa para emitir o seu parecer.

Eu proponho que esse prazo seja de quinze dias.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Interpreto o silêncio da Câmara como assentimento ao prazo que propus, ficando assim assinado á Câmara Corporativa aquele prazo de quinze dias.

A proposta vai ser publicada no Diário das Sessões e baixar à Câmara Corporativa e à Comissão de Economia desta Assembleia.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Estão também na Mesa as contas da Junta do Crédito Público referentes ao ano de 1944.

Vão baixar à Comissão de Finanças e serão publicadas em suplemento ao Diário das Sessões.

Está na Mesa um pedido do juiz de Direito do tribunal do Porto para que a Assembleia autorize o Sr. Deputado Fernão Couceiro da Costa a depor no dia 4 do mês próximo, pelas 13 horas.

O Sr. Deputado Fernão Couceiro da Costa informou-me não haver qualquer inconveniente em que seja autorizado a prestar o seu depoimento naquele dia.

Nesta conformidade, vou consultar a Assembleia.

Consultada a Assembleia, foi dada autorização pedida.

O Sr. Presidente: - Cumpre-me comunicar à Assembleia que no dia 1 do corrente, em nome desta Assembleia e acompanhado dos Srs. Secretários, apresentei em Belém cumprimentos ao Chefe do Estado. Pouco tempo depois, S. Ex.ª veio a esta Casa, acompanhado do Presidente do Conselho, retribuir esses cumprimentos, e nesse acto, em nome da Assembleia, dirigi a S. Ex.ª breves palavras, que, nos termos do Regimento, vão ser publicadas no Diário das Sessões.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Soube hoje, por carta do Sr. Deputado José Esquível justificativa das suas faltas nas sessões de hoje e de amanhã, que S. Ex.ª não pode comparecer por motivo de falecimento de sua mãe.

Creio interpretar os sentimentos da Assembleia exprimindo deste lugar, por tão doloroso acontecimento, o nosso mais sincero pesar a esse digno Deputado.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado André Navarro.

O Sr. André Navarro: - Sr. Presidente: as minhas primeiras palavras são de cumprimentos para V. Ex.ª - homenagem sincera às altas virtudes morais e intelectuais que ilustram a figura prestigiosa que dirige esta Assembleia.

Desejo também saudar efusivamente os Srs. Deputados e meus ilustres colegas nesta Câmara.

Sr. Presidente: pedi a palavra para focar um problema de alto interesse nacional e para o qual ouso chamar a atenção do Governo e da Assembleia Nacional. Quero me referir à conservação do património da nossa agricultura, sujeito desde há muito a delapidações graves, que afectam já, de forma sensível, o valor desta preciosa fonte de riqueza da Nação.

O problema que passo a expor não interessa somente ao nosso País. É igualmente assunto de actualidade noutras nações velhas como a nossa e, também, nas de mais recente origem. Porém, nos países novos reveste menos acuidade. Nestes a terra ainda sobra relativamente às gentes que a habitam. Exausta uma parcela, procuram--se noutras paragens folhas ainda virgens e plenas de fertilidade.

Não é, infelizmente, Portugal beneficiado pela bondade dos solos agrícolas. Excepção feita a manchas limitadas do noroeste, centro litoral e de algumas parcelas dioríticas e basálticas dos territórios do sul, bem como de terras localizadas nas veigas de rios e ribeiros, todo o resto - o que representa a maior parte - é pobre e cansado pelo uso de muitos séculos.

Verifica-se, ainda mais, que a capital do Império, onde se acantona cerca de um oitavo da população metropolitana, está implantada numa zona paupérrima, de terras cascalhentas do miocénico lacustre e areais estéreis do pliocénico. Como excepção mais saliente, apenas as parcelas do manto basáltico, as campinas ribatejanas e as areias beneficiadas pelas lamas de Lisboa.

À pobreza agrológica há que acrescentar, tornando mais triste o panorama, o empobrecimento progressivo das terras, derivado duma desmedida extensificação das arroteias, em prejuízo do conveniente equilíbrio da natureza.

A difusão das culturas cerealíferas de sequeiro nas bacias hidrográficas dos principais rios, especialmente nas terras declivosas e nas facilmente erosionáveis, teve como consequência o desnudamento de muita rocha e a decapitação dos horizontes superficiais de solos outrora férteis, e apenas com o aparente benefício do depósito de alguns nateiros junto das margens de rios e ribeiros.

A par deste empobrecimento, que ameaça destruir parte importante do património da nossa agricultura, há que acrescentar que nas zonas de tradicional frumentária extensiva se reduziu perigosamente o tempo de pousio e se está abusando de adubações químicas desequilibradas, não se atendendo, com o necessário bom-senso, às máximas da rotina - experiência de muitos séculos - e aos ensinamentos das estações oficiais. A matéria orgânica - parte viva dos solos -, responsável em grande parte pelo nível de fertilidade das terras, vai assim de-

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saparecendo assustadoramente, consumindo-se o juro e o capital.

Nos domínios da florestação dos terrenos particulares o problema que estamos focando tem o sen paralelo com igual gravidade.

Já não falo dos cortes abusivos nos montados de sobro e de azinho, a que se ousa chamar poda e a que, com mais propriedade, se deveria denominar exploração de carvão de madeira. Mas é ainda mais grave a derrota sofrida por algumas árvores de longa vida, criminosamente abatidas para lenha ou madeira, na mira de vendas tentadoras. Assim têm caído, uns após outros, castanheiros, nogueiras e carvalhos seculares.

Se nos lembrarmos de que os carvalhos constituem, para a maioria do território metropolitano, as espécies florestais dominantes dos climaxes, podemos ajuizar os graves inconvenientes que hão-de resultar deste desatino no que se refere à fertilidade dos solos, especialmente dos das zonas do interior continental.

Como não fosse suficiente tanto desperdício em casa tão pobre, delapidação que a Carta de Solos, já iniciada pelo Departamento de Agricultura, nos há-de revelar com todo o rigor, vamos agora assistindo à transformação do pouco que ainda nos resta em miríades de unidades industriais ou em superfícies abrangidas pela urbanização.

É o caso das férteis várzeas ribatejanas, das terras da Outra Banda, e de alguns areais de Colares, que deixarão de originar excelentes produtos hortícolas e o precioso vinho que conquistou mercados de aquém e além-mar, para surgirem, em sua vez, fábricas e moradias, que com um pouco de estudo se localizariam, sem qualquer prejuízo, umas dezenas de metros afastados de locais eleitos para o cultivo da terra.

Não desejo alongar-me em mais considerações e assim ultrapassar o tempo que me é concedido pelo Regimento.

Apenas quis levantar a minha voz contra esta sombra que só avizinha o que ameaça reduzir o que herdámos, em prejuízo manifesto das gerações vindouras.

Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Nunes Mexia: - Sr. Presidente: falando pela primeira vez nesta Legislatura, associo-me com entusiasmo às saudações que a V. Ex.ª foram dirigidas. Aproveito ainda o ensejo para cumprimentar todos os meus colegas nesta Assembleia.

Desejo, Sr. Presidente, tratar hoje de um problema da maior importância para a cidade de Lisboa - o do trânsito - e, acessoriamente, de certos aspectos de urbanização que com ele se relacionam.

Ao contrário do que seria talvez para desejar, as cidades tendem a aumentar de população num ritmo que ultrapassa em muito os acréscimos demográficos dos respectivos países. Como consequência deste facto e ainda em resultado da profunda modificação das condições de vida, sobretudo no domínio dos transportes, todas as grandes cidades sofrem de insuficiência de superfície no que respeita às faixas quer de rodagem, quer as destinadas à circulação de peões.

A Lisboa do século XVI vivia descuidada quando surgiram as primeiras carruagens, ao tempo representadas pelo coche de origem castelhana. Anos decorridos, por alturas do meado do século XVII, os problemas levantados pela circulação das seges e coches eram já de tal magnitude que datam dessa época as primeiras demolições de prédios, vindo a tomar ainda maior acuidade nos fins desse século, em que foi preciso promulgar leis como a de 13 de Setembro de 1686 e disposições como a de 9 de Outubro do mesmo ano, que iam ao ponto de

aplicar aos contraventores as mais severas penas e multas, entre elas a pena de cinco anos de degredo e a multa de 2:000 cruzados.

Ocorrida, entretanto, a demolição, pelo terramoto de 1755, de grande parte da cidade de Lisboa, deve-se ao marques de Pombal e a Manuel da Maia a elaboração e execução de um piano que havia de resolver satisfatoriamente todos os aspectos de urbanização e de trânsito até ao fim do século XIX.

Com a importação, em 1893, do primeiro automóvel surge lima nova época. O coupé, a caleche, a vitória, o landau, a aranha, o breack, o phaéton, a mylord, cedem sucessivamente o lugar a outros veículos cada vez mais rápidos, e a população, que em 1864 era ainda de 164:000 habitantes, passa rapidamente em 1910 para 356:000, em 1940 para 700:000 e atinge em 1945 cerca de 750:000, num ritmo de progressão de cerca do 12:000 indivíduos por ano.

Lisboa, que ao tempo da conquista apenas contava uns escassos 20 hectares, cresce incessantemente, possuindo hoje uma área de 8:245 hectares, dos quais se acham já urbanizados cerca de 3:500.

A superfície já urbanizada compreende por sua vez cerca de 3.500:000 metros quadrados de faixas de rodagem e 1.350:000 metros quadrados de faixas de trânsito para peões.

Considerada no seu conjunto, qualquer cidade compõe-se fundamentalmente de três elementos:

Superfície habitada; Superfície de trânsito; Superfície livre.

A superfície habitada deverá corresponder a uma densidade média da população de 150 a 200 pessoas por hectare.

A superfície de trânsito carece, à medida que a população aumenta, de ser valorizada pelo recurso a meios de transporte sucessivamente mais eficientes e de ser desdobrada pela criação de sistemas, utilizando outros pavimentos, especialmente subterrâneos.

Parece averiguado que a partir de 600:000 habitantes o eléctrico precisa da ajuda do auto-car e que a partir de 800:000 os transportes de superfície necessitam da colaboração do metropolitano.

A superfície livre de uma cidade, constituída por parques, jardins, campos de jogos, logradouros, etc., deverá corresponder a 12 metros quadrados por habitante a que se deveria juntar ainda uns 6 metros quadrados utilizáveis nas zonas da periferia, constituindo aquilo a que os ingleses dão o nome de Green Belt.

Descendo ao pormenor, a circulação dentro de uma cidade deverá realizar-se através de uma rede de grandes artérias dispostas em relação a um núcleo fundamental, umas no sentido radial e outras no sentido circular, e cumulativamente através de ruas de diversas categorias.

As grandes artérias, tanto radiais como circulares, deverão, por motivos de comodidade e segurança, cruzar-se em planos diferentes, e as ligações, sobretudo das grandes circulares, destinadas a veículos rápidos, com o sistema constituído pelas restantes ruas, deverão ser reduzidas ao mínimo, para que a circulação interna, sempre intensa e vagarosa, interfira o menos possível com a que resulta da ligação rápida da cidade com as regiões que a circundam.

Em ruas de pavimento e correspondente coeficiente de atrito normais e à velocidade de segurança de 20/25 quilómetros à hora, o índice de escoamento, considerado satisfatório em pavimentos molhados, corresponde a 480 veículos automóveis por hora, marchando num só sentido.

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Em 1944, durante as horas de máxima circulação automóvel, eram as seguintes as médias horárias de algumas das nossas ruas:

Rua do Ouro: 8 metros de faixa num só sentido, 639 veículos;

Rua Augusta: 8 metros de faixa num só sentido, 800 veículos;

Rua da Palma: 8m,5 de faixa em dois sentidos, 568 veículos;

Rua do Arsenal: 10 metros de faixa em dois sentidos, 846 veículos.

Em 1945, por contagens a que mandei proceder, verifiquei ainda os seguintes dados horários:

Garganta de S. Pedro de Alcântara, no dia 19 de Dezembro de 1945 (14 horas e 30 minutos às 15 horas e 30 minutos):

Movimento nos dois sentidos: eléctricos, 73; automóveis, 371; outros carros, 82; peões, 1:374.

Rua ,do Arsenal, no dia 19 de Dezembro de 1945 (14 horas e 30 minutos às 15 horas e trinta minutos):

Movimento nos dois sentidos: automóveis, 795; hipomóveis, 139; eléctricos, 195; peões, 2:194.

Comparando estes dados, relativos ao número global de veículos, com o número padrão de 480, respeitante apenas a automóveis seguindo num só sentido, é possível concluir:

1.º Que todas as ruas estudadas apresentam uma intensidade de trânsito superior à que se poderia considerar como absolutamente satisfatória, tanto mais que o escoamento é nalgumas agravado pela coexistência de veículos automóveis e hipomóveis;

2.º Que as más condições de trânsito das Ruas da Palma e de S. Pedro de Alcântara resultam em grande parte de coexistirem os dois sentidos de trânsito e veículos dos mais variados requisitos quanto ao regime de marcha;

3.º Que, no que respeita à, Rua do Arsenal, os dois sentidos de trânsito, a subdivisão da rua em nada menos de três faixas de rodagem e a intensidade do movimento criam uma situação tão grave que se torna urgente aprontar a variante provisória pa5ssando por detrás do Arsenal e para ela canalizar os veículos mais lentos ou, o que seria preferível, os mais rápidos;

4.º Que o núcleo central de Lisboa carece da elaboração e execução de um vasto plano de urbanização que solucione os problemas de trânsito e de estacionamento, que hoje tomam forma aguda em determinadas zonas, mas que muito brevemente se generalizarão a toda a Baixa.

Importa ainda, Sr. Presidente, desviar da Baixa toda a, circulação de veículos que em trânsito por ela passam, em virtude de não disporem de outras artérias adequadas.

Impõe-se assim construir rapidamente um certo número de grandes artérias circulares ao nível do terreno ou ainda subterrâneas, como a projectada pela Câmara, e passando sob o Largo do Corpo Santo, Restauradores e Campo das Cebolas, destinada a ser a primeira grande circular em relação ao "núcleo" constituído pela Baixa.

Tive o prazer de tomar conhecimento dos planos da Câmara destinados a solucionar o trânsito das diversas gargantas que apontei e a promover a adequada urbanização da zona da cidade compreendida entre a Rua da Palma, a Avenida da Liberdade e a Praça da Figueira.

Trata-se, como não podia deixar de ser, de uma obra dispendiosa, movimentando avultados capitais, embora recuperáveis em parte, e exigindo que previamente se criem as condições necessárias para alojar as inúmeras famílias e os numerosos estabelecimentos atingidos pelas expropriações.

A construção, nos talhões tornados disponíveis, de grandes edifícios, que confiram a Lisboa aquela grandeza arquitectónica que lhe falta, e a enorme projecção da obra sob o duplo aspecto de urbanização e de transito fazem com que não hesite em pedir ao Governo que secunde e viabilize o empreendimento e à Câmara Municipal que o complete, considerando e remediando as precárias condições de segurança que oferecem certas ruas e pragas para a circulação dos peões, e em especial dos velhos e das crianças, construindo nesses locais adequadas galerias ou simples passagens subterrâneas.

Sr. Presidente: às pessoas a quem estas minhas palavras pareçam exageradas eu aponto o trágico balanço actual de perda e risco de vidas em acidentes de viação:

Em 1942: 593 atropelamentos, dos quais 23 fatais; Em 1943: 714 atropelamentos, dos quais 37 fatais; Em 1944: 892 atropelamentos, dos quais 35 fatais;

acusando uma progressão alarmante e quanto ao último ano mais de um acidente por 1:000 habitantes. Nos três anos a maior percentagem de vítimas coube a crianças de menos de 10 anos de idade.

Encarando o problema no seu conjunto, julgo chegado o momento de dotar Lisboa dos meios de transportes rápidos, que não só descongestionem determinadas zonas da cidade, demasiadamente povoadas, como contribuam para resolver o grave problema da habitação.

Lisboa, com 750:000 habitantes, atingiu o momento em que, sem precipitações, mas com inteira oportunidade, deverá cuidar da criação do metropolitano.

Madrid, quando em 1919 terminou os trabalhos de instalação das primeiras linhas, possuía, segundo os cálculos da direcção do metropolitano, 750:000 habitantes e segundo o censo oficial 655:000.

Barcelona, quando em Dezembro de 1924 inaugurou as linhas da sua primeira empresa de metropolitano, logo seguida em 1926 pela entrada em actividade de uma segunda empresa do mesmo género, possuía 807:628 habitantes.

Este novo meio de transporte poderia ter entre nós a função de secundar o eléctrico e o táxi nos pequenos e médios trajectos ou de se lhe somar, promovendo as ligações de maior extensão, o que permitiria, pela redução do número de paragens, uma maior velocidade e um melhor rendimento.

Sei, Sr. Presidente, que o subsolo e o relevo de Lisboa não oferecem condições óptimas para empreendimentos desta natureza e que o elevado custo de "primeiro estabelecimento" viria a pesar muito sobre as condições da sua exploração.

Por isso proporia ao Governo e a Câmara Municipal que adoptassem uma solução que, embora se afaste muito da concepção clássica do metropolitano, em nada afectaria o seu funcionamento.

Refiro-me à utilização de toda a linha de caminho de ferro já existente, chamada de cintura, comunicando, como seria conveniente, com a rede geral dos caminhos de ferro por alturas de Sacavém e integrando no sistema as linhas do Estoril e de Sintra, que seriam ligadas entre si onde e como se reputasse mais conveniente. Teríamos assim um misto de metropolitano de rede urbana e suburbana.

Este sistema, devidamente electrificado com base no aproveitamento do Zêzere, apresentar-se-ia em relação à cidade como um dispositivo constituído por duas

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grandes circulares, das quais a primeira passando por Sacavém, Moscavide, Braço de Prata, Entre-Campos, Campolide e Alcântara e a segunda por Cascais e Sintra ou locais intermédios, e por três radiais, ou sejam a subterrânea de Campolide ao Rossio e as duas a superfície, respectivamente: o troço de Algés ao Cais do Sodré e o de Santa Apolónia a Braço de Prata.

Completado o dispositivo com outras radiais subterrâneas, à medida que as necessidades o fossem aconselhando, e construído também em devido tempo o troço subterrâneo de ligação Cais do Sodré-Santa Apolónia, estariam previstas todas as necessidades futuras e integrado o esquema no conceito de organização da zona de Lisboa e no plano de electrificação do País.

Este momento, em que profundas alterações vão ser introduzidas no esquema ferroviário português, parece-me o melhor não só para substituir na rede geral o troço de linha a que fiz referência, como ainda, e à semelhança do que se fez nos empreendimentos hidreléctricos, para chamar a colaborar com a Câmara, na criação e exploração do metropolitano, as empresas ferroviárias, as hidreléctricas, a Carris de Lisboa e o público.

Claro está que o troço de linha da rede geral dos caminhos de ferro, assim utilizado, seria substituído, quanto à anterior função, por uma mais adequada variante, contornando a cidade, em vez de a atravessar.

Criada uma comissão permanente de urbanização que, sob a presidência de um representante do Governo coordenasse a acção de todas as câmaras interessadas na zona circunvizinha de Lisboa, executado o plano de urbanização do centro da cidade, criados os meios de transporte, de tipo rápido e económico, para a população que não pode pagar muito e se vê forçada a viver na periferia, criadas as grandes artérias circulares e radiais que permitam melhor distribuição e escoamento do trânsito, construídas passagens subterrâneas para veículos, do tipo da primeira circular projectada, e ainda galerias ou simples passagens, também subterrâneos, para peões, nos locais mais perigosos, e teremos dotado Lisboa com as condições indispensáveis não só à categoria de uma grande cidade moderna, como ainda a função, a que justificadamente aspira, de futuro aeroporto da Europa.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Froilano de Melo: - Com a devida vénia de V. Ex.ª, Sr. Presidente, a quem apresento as minhas homenagens de respeito pela sua personalidade de patriota, de político e de parlamentar, guia dos nossos trabalhos, guarda das nossas imunidades parlamentares, e pedindo a V. Ex.ªs meus ilustres colegas nesta Câmara, acolhimento benévolo à mensagem que a Índia manda pela minha boca à Assembleia Nacional e por seu intermédio a Nação Portuguesa:

A primeira vez que falo no Parlamento português é fácil de calcular que o faço com profunda emoção.

Nesta sala fizeram-se ouvir vozes de tribunos que imprimiram a oratória nacional aquele alto grau de arte e de eloquência que em qualquer parte do mundo poderiam rivalizar com os melhores debates parlamentares de Burke e de William Pitt!

Ressoam ainda nos meus ouvidos as palavras sonoras dos oradores que nesta mesma sala ensinaram a minha adolescência o encanto da língua portuguesa: a voz mágica de António Cândido, a frase vibrante e sacudida do conselheiro Alpoim, os trinados de Arroio, que sabia imprimir aos seus discursos a mesma deliciosa harmonia que nos enleva nas suas composições musicais ... Estes, para citar apenas os que os meus ouvidos ouvi-

ram e que continuaram dignamente a tradição de eloquência que para a nossa língua, no tablado internacional da oratória, conquistaram os nomes gloriosos e sempre venerados do Padre Vieira e de José Estêvão.

Venho da Índia! Voando nas asas de um avião, atravessando mares e continentes, desertos da Arábia, costas do norte africano, onde revivi em espírito a memorável batalha do Egipto, parado em Malta, a bela e heróica Malta que espantou o Mundo pelo seu poder de sacrifício infinito e de resistência sobre-humana, tiritando de frio por entre os nevoeiros de Londres, vim aquecer-me ao calor de Portugal e ao carinho da gente portuguesa.

E, pois, que vi os efeitos dos tormentos da guerra e dos horrores da guerra, seja-me permitido neste momento, em nome da Índia, prestar a minha homenagem à política sábia com que o nosso venerando Chefe do Estado, Presidente Carmona, e o nosso eminente Chefe do Governo, Prof. Salazar, souberam afastar da nossa terra todo esse rol de miséria e desolação em que se debatem ainda hoje, em plena paz, os países que se envolveram nessa carnificina sem igual na história do Mundo.

Venho da Índia e sou o portador do pensamento indiano! Porque, se quatro séculos de cultura portuguesa fizeram de mim o patriota que sou, profundamente português, amante de Portugal, não devo esquecer a minha ancestralidade indiana, orgânica, milenária, de que justamente me orgulho.

E é esta ancestralidade - cujo conceito de vida, altamente espiritualista, procura em cada crente um simbolismo ditado pela roda do Destino - que me faz ver que a minha chegada a esta terra em vésperas do Natal tem qualquer coisa de simbólico também e que eu poderia traduzir transmutando o cântico do Natal: glória à Nação nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade!

Eu sou no seio desta nobre Assembleia o embaixador do sentir moderno da Índia, a gloriosa pérola da coroa de Portugal e em cujo seio dormem o sono eterno os melhores e os mais nobres servidores que tornaram imortal o Portugal da Renascença. E a Índia de hoje pede-me que seja o avatar moderno daqueles antepassados meus que iam ao túmulo de Afonso de Albuquerque pedir-lhe justiça e bradar em altos gritos: Levanta-te, que se perde o que ganhaste.

Fui eu que inaugurei a estátua que há um ano a ternura dos filhos da Índia erigiu na praia de Gaspar Dias em memória do grande capitão. Venho hoje repetir essas mesmas palavras, não ao pé do túmulo de Afonso de Albuquerque, mas no seio vivo e carinhoso da Assembleia Nacional.

Porque, se a gente da minha geração, mais conhecedora da alma amorável da Nação, não vê em certas dissonâncias que não condizem com o sentimento igualitário, temo e justiceiro da gente portuguesa mais que desvios momentâneos que a própria natureza da alma nacional se encarregará de dissipar, na alma da gente moça, mais revolta, mais explosiva ao sabor dos tempos, se vai firmando a convicção de que se vai criando, no que respeita ao tratamento que a Índia merece hoje à metrópole, uma espécie de dissociação entre o Estado Português e a Nação Portuguesa. É meu dever de lealdade, de amor e de patriotismo informar a Assembleia Nacional do perigo que corremos.

Os sentimentos da Nação conheço-os eu! No mundo dos cientistas Portugueses com quem mantenho relações tenho amigos que me querem como a um irmão! Se eu fora estrangeiro, poderia bem repetir as palavras de Tagore ao receber o prémio Nobel, na Academia de Estocolmo: "Era eu um desconhecido e abristes-me os braços como a irmão!".

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Mais: no Congresso Internacional de Zoologia, realizado em Lisboa com esse brilho de organização que a Nação ficou a dever ao meu eminente amigo, o Prof. Ricardo Jorge, filho, com essa parada de gladiadores Intelectuais, que timbraram em colaborar com o comité português num alto sentimento de patriotismo que nos trouxesse honra e glória à Ciência nacional, coube-me a honra de encerrar a série dos toasts no banquete final. Cerca de 300 convivas, entre Portugueses e estrangeiros.

A atmosfera internacional turva, com a garra imperialista tentando arranhar o coração da Abissinia. Na sala do banquete os delegados das doutrinas hiper-racistas, que das especulações teóricas de Chamberlain e Gobineau passaram as realidades trágicas dos super-homens de além-Reno! E, chegado o meu turno, vinha-me a sugestão de que saudasse os congressistas pelas colónias portuguesas. Peguei no mote e glosei-o à minha guisa: "Fostes saudados por um português de Portugal, cabe-me a honra de encerrar a série dos toasts que acabamos de escutar com encanto cada vez mais crescente. Fala-vos agora um português de além-mar. E o meu amigo, o chefe de saúde das colónias, sugere-me que vos saúde pelas colónias portuguesas. Não meus senhores, não vos saudarei pelas colónias de Portugal, mas pela voz do próprio Portugal, porque na nossa orgânica, na nossa estrutura, não há nem metrópole nem colónias! Em qualquer parte em que flutue a bandeira portuguesa, em qualquer parte em que se fale a nossa língua, é a voz do grande Portugal que fala ao Mundo!".

Se V. Ex.ªs soubessem a tempestade de palmas que cobriram as minhas palavras? Elas partiram de gente portuguesa! Não as proferiu idênticas a voz autorizada do nosso venerando Presidente na sua romagem triunfal através do continente africano?

Elas são a expressão espontânea, evidente, insofismável, do pensar e do sentir da Nação Portuguesa!

As palavras que vos digo não foram preparadas com aquele eufemismo polido, em que a palavra que se profere mascara muita vez o pensamento que se encobre. Não! Elas transbordam espontâneas e sinceras do meu coração apreensivo! E vereis se tenho razão!

Acabo de visitar a cidade de Bombaim, a urbs prima in Indiis, em que vivem e sofrem e mourejam 80:000 Portugueses da Índia. São os nossos emigrantes, de cujas poupanças vive a nossa pobre e outrora gloriosa Goa. E se a grande maioria labuta em misteres humildes, uma elevada percentagem ocupa posições de destaque, colabora com a administração inglesa, mercê da educação ocidental que Portugal lhe ministrou. São todos Portugueses, orgulham-se de ser Portugueses. Falam o português na intimidade do seu lar, celebram nos seus grémios as datas mais célebres da nossa História e tem num cantinho da casa a imagem e o culto desse grande missionário português que é em terras do Oriente o símbolo vivo e amado do Portugal da Renascença.

Bombaim é uma cidade grandiosa, cujo município tem uma receita vinte vezes maior do que a de todo o nosso Estado da Índia! Pois três filhos de Goa foram eleitos Lord Major da cidade; um, o Dr. Albano de Sousa, é o ainda neste momento, e a um que já morreu - o Dr. Acácio Viegas - a cidade de Bombaim erigiu uma estátua numa praça pública! Eles são a honra da Índia e a honra de Portugal.

Pois sabem V. Ex.ªs o tratamento que sofreram há uns anos, por parte de uma autoridade consular portuguesa, enfermada por uma vesânia racista que invadiu as mentes como uma pandemia destruidora? A Nação ignora-o e os Portugueses de Bombaim suplicaram-me que vo-lo dissesse. Lembrou-se essa autoridade de dizer ao governo de Bombaim: que lamentava que se chamassem Portugueses indivíduos que o não eram e que não passavam de indianos mascarados de portugueses!

Que portugueses na presidência de Bombaim havia apenas três: ele, um gerente do Banco Ultramarino e um missionário da Arquidiocese! E, naturalmente, para evitar que a sua estirpe fosse vexada por esses portugueses de contrabando, propunha a seguinte classificação: portuguese os que vinham de Portugal, portuguese Indian os que sabiam usar gravata e fraque, indian portuguese os demais!

Prudentemente, avisadamente, sabiamente, o Governo Inglês relegou esta nota à pasta das coisas importunas. Mas a teimosia anda muitas vezes de braço com a estupidez! E quatro meses depois a nota era renovada! Não havia remédio! Nos diversos departamentos onde os nossos filhos ocupam posições elevadas - instrução, administração cívil, alfândegas, correios - circulou a pergunta, de mistura com um sorriso escarninho: "fazem favor, digam vocês a que casta pertencem, segundo a classificação da autoridade portuguesa". E sabem V. Ex.ªs qual foi a resposta? Oito dias depois, os melhores de entre os melhores, professores da Universidade, médicos, advogados célebres, altos funcionários ... tinham-se naturalizado súbditos ingleses! E fez isto um representante da nossa Nação.

A boa e amorável e igualitária Nação Portuguesa, cuja tradição de igualdade cívica para os filhos da Índia vem desde os tempos de Afonso de Albuquerque, sabe estes factos? Não, que a Índia se vê de longe e quase nunca se escuta! É por isso que a Índia me manda interromper a paz serena da minha carreira científica para vir repetir no seio da Assembleia Nacional o brado dos meus antepassados: Levanta-te Capitão, que se perde o que ganhaste!

Á nossa roda lavra o incêndio. Massas revoltas hindus e muçulmanas cantam na Índia Inglesa o Quit India nas estrofes de Bande Matharam. E, enquanto isto se passa à nossa ilharga, a Índia Portuguesa diz-vos: Nós orgulhamo-nos de ser portugueses, nós queremos continuar a ser portugueses. E vós quereis enjeitar-nos? Esquecestes que nesta mesma sala o bispo de Viseu proclamava que quando em Portugal faltasse o patriotismo se devia ir buscá-lo a alma dos filhos da Índia? Esquecestes que na I Conferência Imperial, um outro português, não menos genuíno nem menos prestigioso, o general Craveiro Lopes - e nas mãos do nosso colega no Parlamento, coronel Craveiro Lopes, seu filho, eu deponho o preito da saudade da Índia por esse querido morto!-, alto afirmou que a aspiração da Índia era de ser "não posse de Portugal mas Portugal ela própria também"? Em que é que os filhos da Índia, que na frase do general "concorreu com os primeiros metropolitanos na sua obra civilizadora e colonizadora", desmereceram das suas tradições de cultura, de lealdade, de inteligência e de cooperação que a tornaram parte integrante da Nação? Ocorrem-me neste momento os lamentos do salmista: quid feci tibi ant in quo contris-tavi te, responde nihi!

Sou perante vós o embaixador do moderno pensamento indiano, que às luzes do eminente filho de que a Índia justamente se orgulha, o Dr. Cunha Gonçalves, irá buscar as luzes do seu talento e o apoio da sua inconfundível autoridade. Venho colaborar convosco para o reconforto e para a reconquista da alma indo-portuguesa magoada! Sou como o cruzado de que fala Selma Lagerloff, que foi acender a vela no altar do Santo Sepulcro para a depor inapagada no santuário dos templos de Florença. A minha actuação parlamentar obedecerá a esse intuito capital. A chama portuguesa na Índia está esmorecida. Venho reacendê-la no altar da Mãe-Patria, para a levar eternamente viva aos corações angustiados dos meus compatriotas.

Sr. Presidente e meus eminentes colegas na Assembleia Nacional: cheguei a Lisboa em vésperas de Natal,

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trazendo-vos a mensagem da Índia! Entrego-vo-la no Ano Novo, afirmando à Nação Portuguesa a lealdade nunca desmentida da Índia Portuguesa e a sua aspiração suprema de ser parte integrante do Estado Português, na plena fruição dos deveres e direitos que competem aos filhos de Portugal. Tenha dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Vai entrar em discussão na generalidade a proposta de lei sobre a organização hospitalar.

Comunico à Assembleia que a comissão de assistência elegeu para seu presidente o Sr. Deputado Linhares de Lima e que é relator da proposta de lei que vai discutir-se o Sr. Deputado França Vigon.

Tem a palavra o Sr. Deputado França Vigon.

O Sr. França Vigon: - Sr. Presidente: sendo esta a primeira vez que falo na Assembleia Nacional, cumpro gostosamente o dever de saudar V. Ex.ª e fazer ao mesmo tempo a afirmação de que no exercício da minha função de Deputado terei a maior satisfação em colaborar nos trabalhos da Assembleia Nacional sob a orientação superior de V. Ex.ª, e, neste momento, e para findar esta saudade, sinto-me tentado e não resisto a lembrar que um dos homens do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência reconhece, cheio de prazer, a circunstância de se sentar nesse lugar um que não e da nossa idade, mas que soube sempre compreender-nos e verdadeiramente ajudar-nos.

Encarregou-me a Comissão Permanente de Trabalho, Previdência e Assistência Social de relatar os seus trabalhos sobre a proposta de lei de organização hospitalar. Em primeiro lugar devo lembrar a V. Ex.ªs que essa Comissão dispôs de muito pouco tempo para estes trabalhos. Foi-lhe entregue o parecer da Câmara Corporativa no dia 11, e tarde, quase no fim da sua primeira reunião de trabalhos. Ficou praticamente sem o dia de ontem, porque esse foi destinado à impressão dos trabalhos da Comissão.

Esta uma das razões por que não se fez parecer escrito, talvez útil neste caso, embora legalmente desnecessário. Com o pouco tempo de que a Comissão dispôs estudaram-se alterações e acrescentamentos à proposta de lei, que serão sujeitos a apreciação dos Srs. Deputados. É altura de dizer, Sr. Presidente, que o relato que vou fazer, se exprime a opinião da Comissão, deve ficar já ressalvado para o efeito de opiniões discordantes, relativas a casos especiais, de um ou outro Sr. Deputado membro da Comissão que poderão ser manifestadas, e sê-lo-ão certamente, a propósito da discussão na generalidade e na especialidade.

O parecer verbal, portanto, ressalva imediatamente aquelas opiniões pessoais referentes ao assunto em discussão.

Entretanto na análise do problema, que será feita em síntese, há que dizer o seguinte, em nome da Comissão: A intenção do Governo de dar solução ao problema da assistência hospitalar consta da presente proposta de lei, e a este respeito parece me conveniente antes de mais nada desmentir a campanha da oposição na parte em que acusava o Estado Novo de que os seus Governos tinham descurado a solução do problema da assistência, em especial da assistência hospitalar. No momento em que essa campanha proclamava que em matéria de assistência, especialmente da assistência hospitalar, nada se

fizera, o Governo tinha reunido todos os elementos - prova-se agora - para a solução desse problema.

O Sr. Botelho Moniz (em aparte): - E já o Governo anunciara tudo isso ...

O Orador: - A este propósito convém ainda lembrar outras medidas já tomadas relativamente ao problema da assistência: primeiro, o Estatuto da Assistência Social e o diploma sobre assistência psiquiátrica, e também os trabalhos dos Ministérios do Interior e das Obras Públicas e Comunicações para a construção de edifícios hospitalares e melhoramento das actuais instalações.

Manifestou a Câmara Corporativa, no seu parecer, acordo com a essência da proposta de lei trazida à Assembleia Nacional.

A Comissão de Trabalho, Previdência e Assistência Social deu inteira aceitação ao pensamento do Governo, à sua intenção e iniciativa, e deu também inteira aceitação ao parecer da Câmara Corporativa e, salvo certos pormenores, a redacção sugerida por esta para a proposta de lei e resultante das alterações na mesma introduzidas.

Posso, portanto, informar V. Ex.ªs de que a Comissão perfilha inteiramente o parecer da Câmara Corporativa, os princípios que o orientam e as conclusões a que chegou.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Daqui resulta imediatamente a nota de que os trabalhos da Comissão decorreram seguindo o parecer da Câmara Corporativa.

As conclusões suas resultaram da apreciação das bases propostas por aquela.

Quanto às alterações que a Comissão julgou conveniente fazer, interessa apenas notar que devem ser estudadas na discussão na especialidade, não interessando portanto referi-las neste momento. Quanto ao mais, pode e deve dizer-se que não há necessidade de fazer uma exposição da matéria ou um relatório circunstanciado, porque uma e outro estão no parecer da Câmara Corporativa perfilhado pela Comissão.

A Comissão entendeu, porém, que algumas coisas havia a acrescentar a sugestão da Câmara Corporativa. Razões e objectivos dessa conclusão:

Entende que a necessidade não é apenas de um plano de construção, mas também de um plano de orgânica e de administração.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Conclui, portanto, que não é apenas o aspecto das construções hospitalares, mas também a solução funcional do problema que o momento e a situação actual exigem ...

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador (continuando):- ... ou, pelo menos, que se dê provimento já e na medida do possível as exigências fundamentais dessa administração, dessa orgânica, exigências que, no entender da Comissão, devem ser imediatamente estudadas e urgentemente resolvidas...

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador (continuando):- ... esse problema de orgânica da nossa assistência hospitalar consiste fundamentalmente na hierarquização e especialização dos estabelecimentos hospitalares e também na selecção dos valores representados pelo pessoal administrativo e técnico.

Por estas razões sugeriu a Comissão de Trabalho, Previdência e Assistência Social que só aditem as bases XXII, XXIII e XXIV, que redigiu.

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Na publicação feita e a distribuir dentro em pouco a V. Ex.ªs para estudo, essas bases destinam-se precisamente a atender a aspectos fundamentais da orgânica e administração hospitalares.

Uma outra base, a XXV, é proposta como aditamento ao trabalho da Câmara Corporativa, no sentido de se centralizarem a administração superior e o exercício da função assistencial de todos os estabelecimentos hospitalares.

Os hospitais dependem uns do Ministério do Interior, outros do Ministério da Educação Nacional. A Comissão de Trabalho, Previdência e Assistência Social é de parecer que se deve centralizar a administração de todos os hospitais, muito embora fique ressalvada para as Faculdades a acção pedagógica dentro das normas aplicadas, que hão-de constar de diploma especial.

Não desejo dar mais do que uma síntese do pensamento da Comissão e ainda neste sentido informo V. Ex.ªs de que ela não está convencida de que com a resolução do problema da assistência hospitalar se tenha resolvido completamente o do melhoramento da saúde pública.

Esse melhoramento conseguir-se-á através da assistência hospitalar, sim, mas também através da profilaxia das doenças e da elevação do nível de vida da população. Através da assistência hospitalar, instalando-se como rede principal a dos estabelecimentos preconizados nesta proposta de lei; através da profilaxia das doenças, instalando-se como rede principal a dos estabelecimentos com função específica respectiva, irradiada para as escolas, quartéis, organismos corporativos e da previdência dos trabalhadores, oficinas e outros locais de trabalho; através da elevação do nível de vida da população, com a extensão da acção de previdência e com a elevação do salário, principalmente por mais larga e eficiente aplicação do princípio do salário familiar.

O Sr. Botelho Moniz: - Do salário e dos vencimentos dos funcionários públicos, que são pior que salários; os salários são aumentados e esses vencimentos não o têm sido.

O Orador: - Não se pense que, ao resolver-se o problema da organização hospitalar, se tenha chegado ao fim da missão. A assistência hospitalar não é mais do que um meio, e talvez não seja o mais importante, de se conseguir realmente uma melhoria das condições da saúde pública. Entende a Comissão que só o conjunto dos três factores - elevação do nível de vida, profilaxia das doenças e assistência hospitalar - dará, ao País gente mais saudável, mais gente saudável e menor necessidade de recurso aos hospitais.

Eis quanto havia a dizer por ora.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Alexandre Pinto Basto: - Sr. Presidente: antes de entrar nas considerações que tenciono fazer sobre o assunto da proposta de lei em discussão, cumpre-me, gostosamente, agradecer a V. Ex.ª a oportunidade que me deu de falar neste momento, porque é a única forma que tenho de intervir na apreciação de um assunto que, conforme resulta claramente dos comentários que fiz nesta tribuna por ocasião da discussão da lei de meios, para mim têm especial interesse e merece especial carinho.

Desejo, antes de ir mais além, fazer dois comentários, que não são propriamente à lei, embora um deles se refira à matéria em discussão.

Peço, portanto, vénia a V. Ex.ª, Sr. Presidente, para me permitir que eu diga o seguinte, nomeadamente em referência a umas palavras produzidas aqui pelo ilustre Deputado Sr. Dr. Alberto Cruz.

Este nosso colega, quando fez certas considerações, antes das férias parlamentares, sobre algumas considerações que eu aqui fizera, disse que estava ausente quando eu produzira as minhas declarações.

E, por outro lado, disse que fora pelos jornais que tivera conhecimento de certas afirmações que eu aqui produzi.

Estas duas circunstâncias, primeiro, o facto de estar ausente da sala em parte do tempo, e, segundo, de se ter referido aos jornais e não ao Diário das Sessões, que porventura ainda não estava distribuído, levaram a boa fé do Sr. Dr. Alberto Cruz, a quem me é grato prestar especial homenagem, a pôr na minha boca afirmações que eu não produzi.

Assim, o Sr. Dr. Alberto Cruz, conforme consta a páginas 141 do Diário das Sessões n.º 12, declarou que eu dissera o seguinte:

Leu.

Ora, o que eu disse e consta do respectivo Diário das Sessões, foi isto:

Leu.

Eu disse "falta de noção perfeita". Isto, no meu entender - e o meu entender nesta matéria tem uma certa importância, porque traduz o que estava no meu ânimo e, portanto, na minha intenção -, é muito diferente de "noção exacta"; e, como neste campo reconheço que as intenções são quase tudo, quis aproveitar esta oportunidade para frisar que naquela ocasião eu me referi à raridade dos médicos com a noção perfeita e não à raridade dos médicos com a noção exacta.

Não estou a fazer jogo de palavras; estou a expressar perfeitamente o meu pensamento, de maneira que não seja dada errada interpretação as minhas intenções que, conforme tive posteriormente ocasião de dizer nesta Assembleia e consta do Diário das Sessões, nunca poderiam ter a ideia de ofender qualquer classe.

Uma das frases que o Sr. Deputado Alberto Cruz me atribuiu foi a de que eu afirmara, também acerca da proposta de lei sobre organização hospitalar, em estudo na Câmara Corporativa, que não acreditava na sua eficiência. Ora não falei na proposta de lei sobre a organização hospitalar, porque não estava em discussão nesta Assembleia. Falei, sim, no decreto-lei sobre a reforma da assistência.

É uma coisa diferente da proposta acerca da reforma hospitalar.

V. Ex.ªs far-me-ão a justiça de que eu seria incapaz de fazer comentários favoráveis ou desfavoráveis sobre uma coisa que eu não conhecia, e eu desconhecia a proposta de lei acerca da reforma hospitalar, que ainda não estava em discussão.

São estes dois esclarecimentos que eu queria prestar antes de entrar propriamente na discussão do assunto marcado para ordem do dia.

O Sr. Alberto Cruz: - V. Ex.ª dá-me licença para um simples esclarecimento?

Agradeço a V. Ex.ª as palavras que proferiu, e se V. Ex.ª não tivesse dito o que vem no Diário das Sessões, no seu discurso, teria pedido a palavra para uma rectificação. No Diário das Sessões, numa parte do discurso de V. Ex.ª, diz-se assim: "de facto proferi as palavras que S. Ex.ª me atribuiu". Foi exactamente por este motivo que não fiz qualquer rectificação ao Diário. De contrário, tê-la-ia apresentado, como V. Ex.ª acabou de fazer.

O Orador: - Do que não há dúvida nenhuma e que a minha intenção é a que consta do Diário.

Mas este incidente, se assim se lhe pode chamar, está sanado.

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O Sr. Alberto Cruz: - E com honra para ambas as partes!

O Orador: - Sr. Presidente: vou, portanto, fazer algumas considerações a respeito da proposta em discussão, que, como disse, me mereceu um muito especial interesse e carinho.

Mas não é só o interesse pelo problema dos serviços hospitalares, do qual toda a Câmara decerto compartilha, que explica e justifica a minha intervenção: é também um sentimento profundo e sincero de gratidão ao Governo por ter posto perante a Assembleia um projecto de lei que traduz claramente o carinho e cuidado que a todos merece um dos mais urgentes e instantes problemas de interesse social e, portanto, do bem público.

Não sei se a solução adoptada e seguida nas directrizes da proposta é certamente a melhor; haverá talvez quem julgue e entenda que o problema devia ter outra solução. Mas permito-me dizer que até talvez houvesse várias soluções, todas defensáveis, segundo o ponto de vista em que nos colocamos e os critérios individuais. O que importa porém é encontrar, estabelecer e seguir uma só1ida orientação, porque o problema é urgente e não se compadece com longas discussões de critérios.

Assim se, como penso, esta solução é boa, entendo que devemos adoptá-la, melhorando-a nos detalhes como for aconselhável.

E, Sr. Presidente, antes de fazer alguns comentários à proposto de lei sobre reforma hospitalar, quero dizer que confirmo inteiramente o que aqui disse quando da discussão da lei de meios. E indispensável socorrer urgentemente, no que de mais imperiosamente careçam, os serviços hospitalares e de assistência existentes, independentemente deste plano. Aliás, dada a autoridade e competência da Comissão da Câmara Corporativa que sobre esta proposta deu parecer, foi-me grato

- de certo modo infelizmente - ver, no que ela declara, a razão que eu tinha nas afirmações que então proferi e no apelo que então fiz aos Srs. Ministros das Finanças e do Interior.

Se, como bem se diz no valioso parecer a que me retiro, a proposta tem a mais flagrante oportunidade, esta

- no meu conceito - é determinada precisamente por razões de ordem política e social que caracterizam a essência do problema e constituem flagrante exemplo do sentido que, nesta delicada e fundamental matéria, a Câmara deseja ver seguido pelo Governo, ao qual, estou certo, ela não regateará todo o apoio, todo o auxílio e toda a colaboração.

0 quadro da insuficiência ou quase inexistência de uma verdadeira organização hospitalar é claro e objectivamente exposto no parecer a que me referi. E porque este foi feito por pessoas especialmente qualificadas para estudar tão instante assunto e constitui preciosa contribuição para o conhecimento do problema sobre o qual a Assembleia tem de pronunciar-se, eu julgo fazer acto de simples justiça prestando homenagem à Comissão e especialmente ao seu relator, Professor Reinaldo dos Santos, homenagem que não representa lisonjeador elogio, que não está no meu feitio fazer nem na sua dignidade aceitar. Pode, aqui e além, concordar-se ou não com os comentários feitos, as ilações tiradas ou as modificações sugeridas; mas isso não diminui de qualquer forma o valor de um estudo de tal forma sério e útil: este, de facto, é um parecer.

As misérias, as angústias, as justas preocupações que o projecto pretende diminuir no objectivo final dos trabalhos que se propõe realizar traduzem o anseio diário de milhares de portugueses; e agora que os graves cuidados de que a guerra foi constante motivo para o Governo estão em grande parte - senão totalmente - atenuados, a apresentação à Assembleia deste assunto

em primeiro lugar (excluída naturalmente a lei de meios) responde iníludivelmente a quem pudesse ter ainda dúvidas sobre o acerto da confiança do País no ideal e nos propósitos magníficos que inspiram a obra de Salazar. Só quem, por egoísmo inadmissível, ignore totalmente a imensa tarefa a realizar em todos os capítulos e aspectos que deve revestir a obra de assistência no nosso País, pode discordar da oportunidade da medida; que eu por mim, confesso, só tenho acaso a criticar a insuficiência do que se propõe, nomeadamente no respeitante ao prazo previsto para esta primeira fase da obra. Num país onde não há nada ou tão pouco de feito para ocorrer a esta inadiável necessidade que é cuidar dos doentes, dez anos parece-me prazo demasiadamente longo. E ponderando sobretudo o facto de se não pôr a dúvida o ser a despesa prevista comportável num orçamento que anda em volta de 3 milhões de contos (e eu diria que ainda mesmo que houvesse que recorrer a empréstimos especiais para este fim), parece que o carácter de urgência na execução do plano deve sobrelevar a todas as considerações.

É evidentemente necessário assegurar que o que se vai fazer - ou, melhor, que a forma por que se vai realizar o plano prescrito nas bases da proposta - corresponda precisamente as necessidades do País. Nesse sentido parece serem especialmente oportunas certas alterações sugeridas pela Câmara Corporativa tendentes a dar maior maleabilidade às regras, acaso um pouco rígidas, da proposta original. Mas acertado e acordado o fim e a forma pelo trabalho da Comissão de Construções Hospitalares, julgo que não devem desprezar-se quaisquer meios ou processos de realizar, no menor prazo possível, as obras em vista e de assegurar que, uma vez completos e perfeitamente equipados, os hospitais centrais e regionais - visto que só destes se trata por enquanto - possam realizar o alto e humano pensamento que animou a proposta. Mas ai de nós se pensarmos que tão complexo assunto se liquida e resolve pela aprovação desta lei com quaisquer modificações que a Assembleia julgue conveniente introduzir-lhe!

Creio que alguém escreveu um dia que os problemas da instrução em Portugal eram resolvidos no Ministério das Obras Públicas - comentário ou gracejo de muito discutível gosto e justiça, mas que me permito citar para ilustrar, em poucas palavras, um motivo de grande preocupação, que decerto não escapou a atenção do Governo. É tão necessário e urgente começar a construção ou remodelação dos hospitais dentro do plano previsto como refundir, desde já, o ensino geral da enfermagem - para usar uma frase do parecer -, de forma a assegurar esta condição, base da eficiência do projecto. Seria inútil, mais, seria criminoso gastar tempo e dinheiro na execução deste plano se não se assegurasse, por todas as formas necessárias, a existência no momento necessário e sem um dia de demora do corpo médico idóneo e competente e dos serviços de verdadeira, séria e habilitada enfermagem, na falta dos quais este plano seria absurdo. A Assembleia não foi solicitada a pronunciar-se concretamente sobre esta matéria; mas nada impede que expresse claramente um voto nesse sentido, a que o Governo, decerto, dará a atenção imediata que o assunto impõe e exige.

O Sr. Botelho Moniz: - Isso está previsto na base XXIII, base nova proposta pela comissão.

O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª o seu esclarecimento, mas exactamente quando eu estava a olhar para o Sr. Deputado Franga Vigon, para dizer que tinha sido com especial prazer que ouvira as suas explicações, que para mim são especialmente gratas, ainda não sabia que a comissão tão idónea da Assembleia pensava exactamente como eu.

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O Sr. Carlos Borges: - É que les beaux esprits se rencontrent...

O Sr. Botelho Moniz: - Traduza V. Ex.ª isso em português, visto que estamos na Assembleia Nacional portuguesa...

O Sr. Carlos Borges: - O que V. Ex.ª quer é que eu lhe chame um belo espírito.

O Orador: - Outro aspecto da deficientíssima organização hospitalar actual, a que aliás o parecer faz criteriosa referência, é o da falta de um serviço social. A criação deste é também uma imperiosa necessidade, e eu sei o âmbito imenso que deve compreender a sua acção tão cristã, tão humana, que não posso crer não se encontrem as pessoas precisas, em qualidade e quantidade, para servir tal missão, desde que a organização seja estabelecida da forma que os seus elevados propósitos exigem. E que a Câmara me permita que dirija daqui a expressão do meu respeito e admiração àquelas pessoas, especialmente aquelas senhoras, que já em Lisboa, já no País todo, se dedicam hoje, voluntariamente e com a doçura que só uma mulher sabe pôr em tal trabalho, a essa misericórdia, tão triste e dolorosa se não fosse, como é, animada por um sopro de bela espiritualidade.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Neste como que prólogo a discussão na generalidade da proposta perante a Câmara eu desejaria focar ainda dois aspectos que me parecem especialmente interessantes e que julgo podiam constituir quer matéria de novas bases a introduzir na lei, quer de moções votadas pela A55embleia, se se entendesse que um ou outro, ou ambos, não deviam ser incluídos na lei a votar agora.

O primeiro diz respeito á administração hospitalar. Para obter os melhores resultados e os mais valiosos benefícios de qualquer instituição - e os hospitais, longe de constituírem excepção, são talvez exemplo frisante deste princípio - é indispensável uma boa administração, zelosa, ponderada, competente e séria. Isto nada tem com o exercício da medicina: são funções diferentes a ser exercidas por órgãos diferentes, e eu iria até dizer - e garanto que não vai nisto a menor intenção de melindrar os médicos - que haveria, talvez, até vantagem em que o administrador de um hospital, sobretudo de um hospital importante, não fosse um médico. As razões parecem-me óbvias. Mas o que é indispensável é que tal administrador tenha uma competência especializada e, portanto, uma preparação especial para poder desempenhar-se de tal missão. Por isso, entendo que, tendo em vista o número e importância dos hospitais previstos nesta proposta, a Direcção Geral da Assistência devia, desde já, procurar criar um corpo especial de técnicos ou peritos em tal matéria que se munissem - aqui ou lá fora - dos conhecimentos e prática que a função requer. Parece-me este um aspecto que bem merece a particular atenção da Assembleia no estudo do assunto e, se V. Ex.ªs assim o entenderem, decidirão da forma por que se deve materializar tal interesse.

0 outro ponto a que desejo ainda referir-me é o que diz respeito aos sanatórios. Não pretendo ter nem a competência nem qualquer especial autoridade para me referir a esta matéria, mas creio que haveria vantagem em tratar simultaneamente do problema hospitalar e do problema sanatorial, pois que me parece que eles deveriam completar-se e, até, que a melhor solução do primeiro carece de uma solução para o segundo. De outro modo a trágica situação actual, tão grave - onde, por exemplo,

um recém-operado grave ou um doente em estado deveras melindroso se encontra numa enfermaria entre dois tuberculosos -, não se modificará: apenas haverá lugar para mais doentes rodeados de mais tuberculosos.

O Sr. Moura Relvas: - É praticamente impossível estar um indivíduo operado ladeado por dois tuberculosos, visto que o operado está em cirurgia.

O Orador: - V. Ex.ª sabe, e os médicos que aqui estão sabem-no muito melhor do que eu, que se entra numa enfermaria e verifica-se isto: os hospitais estão cheios de tuberculosos.

O Sr. Alberto Cruz: - Actualmente é certo que existem nos hospitais tuberculosos, cancerosos e pelagrosos, mas para resolver esse problema é que esta proposta vem aqui. Tudo isso terá depois a regulamentação especial. Para os doentes tuberculosos há um dispensário no hospital e os cancerosos vão para os institutos próprios.

O Orador: - Mas só não há mais sanatórios para tuberculosos, onde é que os vamos pôr?

O Sr. Alberto Cruz: - É um problema que terá de ser resolvido. V. Ex.ª tem razão na ideia.

O Orador: - Os esclarecimentos de V. Ex.ª ainda não chegaram para me convencer de que não haverá vantagem no estudo simultâneo do problema hospitalar e do problema sanatorial.

E, se tanto fosse necessário para assegurar a simultaneidade que me parece tão oportuna, a Comissão de Construções Hospitalares poderia ocupar-se também do instante problema dos sanatórios; para isso bastaria um simples alargamento das suas atribuições, que a lei em discussão poderia admitir ou prever. Estes dois casos não estão divorciados nem são sequer independentes: então porque não aproveitar esta oportunidade feliz, em que o problema dos portugueses doentes foi carinhosamente estudado e posto em equação, para atacar harmonicamente os seus dois magnos aspectos?

O Sr. Moura Relvas: - V. Ex.ª tem razão nas suas linhas gerais, mas a tuberculose, o cancro e a lepra são consideradas doenças sociais, o portanto têm uma organização à parte. V. Ex.ª tem razão em não querer que num hospital comum haja tuberculosos, mas esta questão da tuberculose está articulada com outras questões para as quais há uma organização especial.

O Orador: - Os jornais, na mesma fornada, fizeram-me num só dia médico e engenheiro. Não sou nem uma coisa nem outra, e por isso não possuo competência para me pronunciar em detalhe nesta matéria. No entanto, digo que enquanto houver insuficientes instalações sanatoriais não está resolvido o problema da saúde, o problema dos doentes, e esse é o problema essencial que está posto à consideração da Assembleia Nacional na proposta de lei que estamos discutindo.

O Sr. Moura Relvas: - 0 problema que está em discussão não é esse.

Não estamos aqui a discutir uma proposta de lei relativamente a doenças sociais, mas estamos a discutir uma proposta de lei genérica para as doenças que não estão enquadradas nessas doenças. Estas têm uma organização própria.

Em parte nenhuma hoje só instalam tuberculosos ao lado de indivíduos atacados, por exemplo, de febre tifóide. Essas doenças cabem noutro departamento.

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O Orador: - Julgo que se poderiam estudar simultaneamente estes aspectos.

O Sr. Moura Relvas: - A proposta em discussão não resolve estes casos, esclarecendo-se até esse ponto numa das suas bases.

O Orador: - Então V. Ex.ª dirá que é uma petulância da minha parte estar a emitir razões que não têm cabimento dentro da proposta e até que eu estou em contradição com o parecer da Câmara Corporativa, que nesta parte concorda com a proposta original. Fico na minha e afirmo que não vejo senão vantagens em que os dois problemas, o da assistência hospitalar e o da reforma sanatorial, se resolvam em conjunto. Isto é uma sugestão que faço, embora possa não ter cabimento na proposta em discussão.

O Sr. Carlos Borges: - Em princípio estamos de acordo com V. Ex.ª Segundo a proposta, é que não pode ser.

O Orador: - Se estamos de acordo em princípio, assim poderíamos chegar ao fim...

Não desejo alongar-me em considerações, mas direi ainda mais algumas palavras.

Um plano do hospitais e sanatórios bem estudado e a realizar rapidamente, tendo em vista a sua função; corpo médico e de enfermagem à altura da sua missão; assistência espiritual; boa administração hospitalar - eis o que o País urgentemente carece e que o Governo, ao apresentar esta proposta, se propõe realizar. Neste canto privilegiado, e para todos nós sagrado, de um mundo desfeito em sangue, suor e lágrimas, é o assunto maravilhoso e apaixonante que à Assembleia cumpre estudar, discutir e votar com a maior consciência, devoção e até - que alguém me perdoe o plagiato - com o maior entusiasmo!

Fazendo-o com a elevação que decerto a todos anima, corresponderemos ao pensamento que acompanhou a elaboração da proposta e prestigiaremos a Assembleia, porque serviremos a Nação. E dêmos graças a Deus por nesta hora trágica do Mundo podermos ocupar-nos, tranquila e proveitosamente, do que interessa a todos, na continuidade de uma política em que o simples e o humilde devem ter sempre o primeiro lugar.

Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem ! O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - A próxima sessão será amanhã. Nela se procederá à eleição das Comissões de Economia e de Colónias, visto haver diplomas que têm de baixar a essas Comissões para estudo.

A ordem do dia da sessão de amanhã será a continuação da discussão na generalidade da proposta de lei relativa à organização hospitalar.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Armando Cândido de Medeiros.

Indalêncio Froilano de Melo.

José Dias de Araújo Correia.

Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.

Teotónio Machado Pires.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.

António Augusto Esteves Mendes Correia.

António Maria Pinheiro Torres.

Artur Augusto Figueiroa Rego.

Augusto César Cerqueira Gomes.

Camilo de Morais Bernardes Pereira.

Gabriel Maurício Teixeira.

Gaspar Inácio Ferreira.

Henrique de Almeida.

Jacinto Bicudo de Medeiros.

João Antunes Guimarães.

Jorge Viterbo Ferreira.

José Alçada Guimarães.

José Esquível.

José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.

José Pereira dos Santos Cabral.

Manuel Beja Corte-Real.

O REDACTOR -- Luis de Avillez.

Alocução do Sr. Presidente da A5ssembleia

em resposta às palavras do Chefe do Estado

no dia 1 de Janeiro

Senhor Presidente da República: é honroso para a Assembleia Nacional e para o seu Presidente recebeu pessoalmente de V. Ex.ª, nesta Casa, os cumprimentos e os votos de boas-festas, em retribuição dos que hoje, em nome da Assembleia Nacional, apresentei a V. Ex.ª em Belém. É honroso e é um motivo de confiança para todos nós, porque esses cumprimentos e esses votos têm, a garantir-lhes a eficácia, a sinceridade de uma longa vida ao serviço do País, e o calor e a pureza do mais provado patriotismo. Se o momento não fosse apenas para saudarmos em plena confiança o novo ano que começa, eu reafirmaria, em nome da Assembleia, o espírito de respeito e leal colaboração de todos os que a constituem ao mais alto representante da Nação. Mas nem isso é necessário. Esse espírito e essa atitude ressaltam nítida e inequivocamente dos mútuos cumprimentos trocados hoje em Belém e aqui em S. Bento, que não são apenas um frio acto protocolar, porque são, e sabe-o o País, animados por um profundo sentimento de dedicação e por uma inteira identidade de propósitos de continuarmos a servir o País no ano que surge.

Senhor Presidente: é o primeiro Ano Novo que comemoramos depois da cessação das hostilidades. É o primeiro desde há seis anos que o mundo inicia em paz. Mas a nossa alegria por esse facto não pode fazer-nos esquecer que ainda o grande rio da dor e do sofrimento referve de uma a outra das suas margens, envolvendo nas suas ondas milhões de seres humanos sem culpa. Para todos vai neste momento a nossa piedade de cristãos e de portugueses e a nossa fervida esperança de que aos votos de V. Ex.ª, que são os nossos, corresponderá um progressivo alívio dos males, consequência da guerra, e o amanhecer glorioso de tempos de mais caridade, de mais justiça e de mais felicidade no mundo.

Projecto de alterações à Carta Orgânica do Império Colonial Português

1. A presente proposta de lei contém diversas alterações à Carta Orgânica do Império Colonial Português, aprovada pelo decreto-lei n.º 23:228, de 15 de Novembro de 1933, e já modificada pela lei n.º 1:948, de 13 de Fevereiro de 1937.

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As recentes a alterações ao Acto Colonial (lei n.º 2:009, de 17 de Setembro de 1945) determinam nova redacção das disposições da Carta Orgânica que sejam reprodução, aplicação ou desenvolvimento dos preceitos constitucionais alterados. E aproveita-se o ensejo para uma mais ampla revisão do diploma fundamental da administração colonial portuguesa, a fim de nele se intro-

duzirem correcções exigidas pela experiência ou que a evolução das sociedades coloniais aconselhem.

As alterações propostas podem classificar-se, quanto ao seu objectivo, nos seguintes grupos:

a) Alterações tendentes a permitir o alargamento da descentralização de poderes do Governo Central nos governos coloniais;

b) Alterações que visam remodelar a orgânica do governo nas colónias, permitindo aliviar os governadores gerais do trabalho burocrático que actualmente os absorve e dar representação nos Conselhos de Governo aos interesses das populações nativas;

c) Alterações que consistem em simples aperfeiçoamentos de técnica legislativa exigidos pela prática da administração.

2. Sem dúvida, e o primeiro grupo de alterações que reveste maior importância política.

Sabe-se quanto convém ir gradualmente permitindo aos governos coloniais, à medida que uma colónia se desenvolva e desde que possua os elementos necessários, a resolução local de maior número de assuntos de interesse do seu território e da sua população.

Sem ser exacta a acusação, frequentemente formulada, de que as nossas leis coloniais diminuem a acção dos governadores, e certo que os imperativos da defesa do equilíbrio orçamental e de uma sã situação financeira obrigaram, por vezes, o Poder Central, no interesse das próprias colónias a intervir assiduamente na sua administração.

Tal intervenção não deve, porém, constituir um sistema mas um recurso: a acção do Poder Central sobre os governos locais deve normalmente limitar-se à orientação política e a fiscalização superior, em termos de evitar situações críticas das finanças, da economia ou da administração.

A descentralização da administração colonial e presentemente uma aspiração das nossas maiores colónias e que o Governo deseja atender até onde julga razoável e justo.

A Carta Orgânica, porém, e um diploma comum a todas as colónias: as alterações que nela haja a introduzir não podem deixar de ter a generalidade e a maleabilidade necessárias para permitirem aplicar a cada colónia o regime mais consentâneo com as suas circunstâncias peculiares.

Ninguém nos diz que a intervenção que ontem foi imprescindível não volte a sê-lo amanhã; e todos concordarão em que, para estar de acordo com as realidades, não é possível estabelecer para S. Tomé o mesmo sistema de governo que se julgar adequado a Moçambique.

Nestas condições, a proposta contém, sobretudo nesta matéria, a concessão de faculdades ao Governo Central, permitindo-lhe que, de acordo com as circunstâncias de lugar e de ocasião, adopte uma ou outra de duas soluções possíveis.

3. As alterações do primeiro grupo consistem, nomeadamente, em:

a) Alargar a competência própria doa governadores coloniais ;

b) Permitir ao Ministro das Colónias que delegue nos governadores o exercício total ou parcial, com ou sem limitação de tempo (mas podendo sempre revogar

a delegação), de certos dos poderes que a Carta Orgânica lhe confere;

c) Permitir ao Ministro das Colónias que prescindi da revisão dos orçamentos coloniais, os quais nesse caso serão elaborados pelos serviços de Fazenda, de acordo com uma portaria ministerial de autorização emitida sob proposta do governador, com prévia audiência do Conselho de Governo.

Se a Assembleia Nacional aprovar tais propostas, o Ministro das Colónias poderá, sem abdicar da sua visão superior da política e da administração ultramarinas, e tendo em atenção as oportunidades, alargar a autonomia daquelas colónias cujo grau de evolução social e cuja situação económica e financeira o justifiquem.

4. Há muito que os governadores gerais de Angola e de Moçambique representam ao Ministro sobre a necessidade da adopção de providências que lhes permitam consagrar-se à sua função governativa, de estudo, orientação e direcção, cada vez mais prejudicada pelo desenvolvimento do expediente burocrático que têm de despachar.

Apesar do sistema de delegações nos chefes de serviço, não há dúvida de que sobre o governador recai grande massa de papéis e de casos administrativos provenientes dos numerosos departamentos sob a sua dependência colocados. O despacho absorve, de manhã à noite, o dia de um governador geral, com sacrifício de outros importantes encargos e de mais altas preocupações.

0 modo de resolver este problema parece ser o que está em risco em colónias estrangeiras e, de resto, se adoptou já no próprio Governo Central: dar ao governador geral um auxiliar, o secretário geral da colónia, que possua competência para resolver os assuntos de administração corrente dentro da orientação e dos limites por ele marcados.

Hesitou-se muito sobre se este secretário geral devia ser funcionário permanente ou da escolha e confiança de cada governador. Optou-se pela primeira solução, por apresentar menores inconvenientes e assegurar melhor a continuidade de orientação administrativa.

A criação do lugar de secretário geral permitirá deslocar os governadores de província que hoje tem sede nas capitais de colónia para outras localidades, que assim beneficiarão no seu progresso da presença da autoridade e dos serviços provinciais, ficando o concelho da capital, e porventura alguns territórios mais, na dependência directa do governador geral.

5. Outra alteração de vulto é a entrada obrigatória nos Conselhos de Governo das colónias de Angola e de Moçambique de dois representantes dos interesses das populações nativas, escolhidos pelos respectivos governadores, definindo-se, quanto às outras colónias, a norma de que, onde seja possível, entre os vogais de nomeação se dê igualmente ingresso nos Conselhos a quem represente tão importante sector populacional.

Tal modificação justifica-se, por um lado, pela progressiva consciência da vida cívica tomada pelos nativos, com o consequente aparecimento de um escol capaz de exprimir os seus desejos e os seus votos.

Se é certo que o interesse das populações indígenas estão suficientemente salvaguardados pelo zelo tutelar das autoridades de governo e administração cívil, nem por isso deixa de ser conveniente que os governadores, ao pretenderem conhecer o parecer de um conselho representativo da colónia, possam concretamente saber o sentimento ou a opinião da massa nativa.

Assim se dará mais um passo na tradicional política portuguesa de elevação, dignificação e assimilação das populações indígenas.

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6. As restantes alterações correspondem, como se disse, a simples ajustamentos do texto legal às necessidades experimentadas e não importam modificação de vulto no sistema administrativo: tais são as relativas ao estatuto do funcionalismo e que de resto apenas codificam princípios gerais já aplicados em legislação ordinária.

Proposta de lei

Artigo único. São alterados nos termos constantes da presente lei os artigos da Carta Orgânica do Império Colonial Português a seguir reproduzidos ou mencionados.

§ único. As modificações estabelecidas por esta lei serão consideradas como fazendo parte da referida Carta Orgânica e deverão inserir-se no lugar próprio, por meio da substituição dos artigos e parágrafos modificados ou pela omissão dos parágrafos e números suprimidos.

Carta Orgânica do Império Colonial Português Artigo 1.º ...................

(É suprimido o § 1.º do artigo 1.º, passando a § 2.º a ser § único, com a sua actual redacção).

........................
Artigo 5.º Em caso de urgência extrema, o Governo, com voto afirmativo do Conselho do Império Colonial, em sessão presidida pelo Ministro das Colónias, poderá legislar sobre as matérias a que se referem o n.º 1:º e as alíneas a) e b) do n.º 2.º do artigo 27.º do Acto Colonial, fora do período das sessões da Assembleia Nacional.

........................
Artigo 10.º Salvaguardadas as matérias que constituem a competência exclusiva da Assembleia Nacional, a competência legislativa do Ministro das Colónias exerce-se, em regra, depois do voto consultivo do Conselho do Império Colonial ou da conferência dos governadores coloniais em relação a todas as matérias que representem interesses superiores da política colonial portuguesa ou sejam comuns a mais de uma colónia, editando decretos e portarias, revogando os diplomas em vigor e autorizando os governos coloniais a publicar diplomas legislativos sobre as bases que estabelecer.

§ 1.º Consideram-se matérias da competência legislativa própria do Ministro das Colónias:

1.º O regime administrativo geral das colónias, compreendendo as matérias relativas a governos subalternos, serviços gerais, corpos e corporações administrativas;

2.º O Estatuto dos Funcionários Civis Coloniais em geral, e em especial a disciplina, o regime das nomeações, promoções, exonerações e aposentações, a organização por classes e situações, licenças, passagens, direitos e deveres inerentes à qualidade de funcionário público;

3.º Os vencimentos de todos os funcionários civis e militares coloniais, a criação de lugares remunerados e o alargamento de quadros de que resulte aumento de despesa;

4.º A administração financeira ultramarina geral e local, compreendendo todos os assuntos relativos à organização dos serviços, orçamento e contabilidade;

5.º O estatuto político, civil e criminal dos indígenas e do trabalho indígena;

6.º O regime das missões religiosas e dos estabelecimentos de formação do pessoal para o seu serviço e do Padroado Português;

7.º A organização militar colonial;

8.º O regime de liberdade de imprensa, obedecendo aos princípios do § 2.º do artigo 8.º da Constituição;

9.º O Estatuto Judiciário das Colónias e a divisão judicial de cada colónia;

10.º O regime monetário e fiduciário de qualquer colónia;

11.º A aprovação de empréstimos que não exijam caução ou garantias especiais e cujo total seja superior a dois duodécimos da receita anual da colónia ou tenham de ser amortizados em período que exceda o exercício em que foram contraídos.

§ 2.º ......................

§ 3.º O Ministro das Colónias poderá autorizar os governos coloniais a publicar diplomas legislativos sobre as matérias do n.º 3.º, por meio de portaria em que condicione a autorização nos termos que julgar convenientes.

§ 4.º Quando o Ministro das Colónias se encontre numa colónia, em exercício de funções, poderá exercer a sua competência legislativa em relação a essa colónia mediante portarias ministeriais. Nos casos de ter sido expressamente autorizado pelo Conselho de Ministros ou de se verificarem circunstâncias tais que imperiosamente o imponham, poderá exercer a sua competência legislativa em relação a outras colónias ficando, porém, neste último caso as providências tomadas sujeitas a ratificação do Governo.

Art. 11.º ......................

a) .............................

b) .............................

§ l.º ..........................

1.º Nomear, transferir e exonerar, nos termos legais, os governadores de província ou de distrito, tanto efectivos como interinos, ouvidos os governadores gerais das respectivas colónias, salvo, quanto aos interinos, os casos de urgência devidamente justificada pelos governadores;

2.º Nomear, contratar, reconduzir, promover, transferir de uma para outra colónia, aposentar e exonerar ou demitir, nos termos legais, os funcionários dos quadros comuns do Império Colonial e ainda os dos quadros complementares ou privativos das colónias ou do Ministério sobre os quais, por lei, exerça essas atribuições;

3.º Transferir os funcionários dos quadros comuns, com excepção dos magistrados judiciais, de uns para outros lugares, em diferentes colónias, conceder-lhes licenças registadas e ilimitadas, exonerá-los, por conveniência de serviço ou disposição legal, dos cargos que exerçam em determinada colónia, e, quando for de justiça, mandá-los apresentar no Ministério, colocando-os nas situações a que se referem os §§ 3.º e 4.º do artigo 121.º da presente Carta Orgânica;

4.º (0 actual n.º 6.º}.

5.º (0 actual n.º 7.º).

6.º (0 actual n.º 8.º).

7.º (0 actual n.º 9.º}.

8.º Aprovar ou rejeitar as propostas de diplomas que lhe sejam presentes pelos governadores coloniais;

9.º Autorizar, ouvidos os governadores das colónias interessadas, ou sobre proposta destes, e obtido o parecer das instâncias competentes, concessões de cabos submarinos, comunicações radiotelegráficas, carreiras aéreas coloniais, vias férreas de interesse geral e grandes obras públicas, bem como a emissão de obrigações das sociedades beneficiárias das mesmas concessões;

10.º (0 actual n.º 12.º).

11.º Superintender na elaboração dos orçamentos coloniais, aprovando as respectivas bases ou revendo os projectos enviados das colónias;

12.º (0 actual n.º 14.º}.

13.º (0 actual n.º 15.º}.

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14.º (0 actual n.º 16.º).

15.º (0 actual n.º 17.º).

16.º (0 actual n.º 19.º).

17.º (0 actual n.º 21.º).

18.º (0 actual n.º 22.º).

§ 2.º O Ministro das Colónias poderá delegar, mesmo em circunstâncias normais, nos governadores gerais ou de colónia o exercício total ou parcial, permanente ou temporário, dos poderes referidos nos n.ºs 10.º, 12.º e 15.º do § 1.º deste artigo.

.........................
Artigo 24.º Faltando o governador ou estando ausente da colónia, o Ministro das Colónias designará um encarregado do governo, fazendo as suas vezes, até à designação, o vice-presidente do Conselho de Governo.

.........................
Artigo 26.º As acções cíveis, comerciais e criminais em que seja réu o governador ou o encarregado do governo de qualquer colónia só poderão ser, enquanto durar o seu governo, instauradas na comarca de Lisboa, salvo quando para julgamento da causa seja competente outro tribunal da metrópole ou de diversa colónia ou exista o privilegio de foro.

.........................
Artigo 28.º O governador enviará ao Ministério das Colónias o relatório anual da sua administração.

.........................
Artigo 30.º O governador é, em todo o território da colónia, o mais alto agente e representante do Governo da República, a autoridade a todas superior, tanto na ordem cívil como na ordem militar, o administrador superior da Fazenda Pública e o protector dos indígenas. Pelo exercício das suas funções responde perante o Ministro das Colónias, e a legalidade dos actos que praticar está sujeita à fiscalização contenciosa.

§ 1.º Em cada uma das colónias de Angola e de Moçambique haverá um secretário geral da colónia com a categoria de inspector superior de administração colonial.

§ 2.º O secretário geral tem competência para decidir, de acordo com a orientação que lhe for dada pelo governador geral, todos os assuntos pertencentes a função executiva deste.

.........................
Artigo 32.

1.º .....................

2.º .....................

3.º Dar execução escrupulosa e diligente às ordens e instruções do Ministro das Colónias e usar para os fins legais e no interesse público os poderes que por ele lhe foram delegados;

4.º .....................

Art. 33.º ...............

1.º .....................

2.º .....................

3.º .....................

4.º Nomear, contratar, promover, confirmar, aposentar e exonerar, nos termos legais, os funcionários públicos cuja nomeação ou contrato não sejam da competência do Ministro das Colónias;

5.º Distribuir, nos termos legais, os funcionários públicos pelas comissões ou serviços, segundo as respectivas nomeações, e transferi-los dentro da colónia nos termos da lei;

6.º Exercer sobre todos os funcionários públicos acção disciplinar, nos termos legais;

7.º (0 actual n.º 8.º).

8.º (0 actual n.º 10.º}.

9.º (0 actual n.º 11.º).

10.º Ordenar inspecções, sindicâncias ou inquéritos aos serviços públicos da colónia, compreendendo os serviços autónomos e corpos ou corporações administrati-

vas, e a todos os funcionários da colónia, com excepção dos oficiais de justiça que não lhe competir nomear;

11.º Solicitar sindicâncias ou inquéritos aos magistrados do Ministério Público e aos oficiais de justiça que não lhe competir nomear, sempre que o entenda conveniente;

12.º (0 actual n.º 14.º}.

13.º (0 actual n.º 15.º).

14.º {0 actual n.º 16.º}.

15.º (O actual n.º 17.º).

16.º (0 actual n.º 18.º).

17.º (0 actual n.º 19.º).

18.º Mandar apresentar no Ministério das Colónias, salvo as restrições legais quanto aos magistrados judiciais e aos funcionários dos quadros comuns, os funcionários cuja presença no território da colónia seja inconveniente por grave razão de interesse público;

19.º (0 actual n.º 21.º}.

........................

Artigo 35.º ............

1.º Dirigir superiormente a preparação do projecto do orçamento geral da colónia, fazendo observar os prazos legais;

2.º Mandar executar o orçamento da colónia, velando pela manutenção do equilíbrio entre as receitas e as despesas e observando as instruções que nesse sentido lhe sejam transmitidas pelo Ministro das Colónias;

3.º Exercer as funções de ordenador do orçamento, nos termos legais; incorre em responsabilidade cívil e criminal o governador que, de sua iniciativa ou contra a informação dos funcionários competentes, ordenar despesas não previstas nas tabelas orçamentais ou que as ordenar em importância superior à fixada ou para aplicações diferentes das prescritas nas rubricas orçamentais;

4.º .....................

5.º .....................

6.º .....................

7.º .....................

8.º .....................

9.º .....................

10.º Resolver sobre abonos de quaisquer vencimentos derivados de situações ou serviços na colónia; a competência nesta matéria não se devolve ao Ministro em caso algum e dos actos praticados no seu exercício cabe só recurso contencioso;

11.º ....................

12.º ....................

§ único. ................

.........................
Artigo 37.º .............

1.º .....................

2.º .....................

3.º .....................

4.º .....................

5.º Aprovar os estatutos e respectivos regulamentos orgânicos dos organismos corporativos, dos montepios ou associações fundadas exclusivamente no princípio da mutualidade e ainda os daqueles cuja aprovação não competir a outra entidade;

6.º .....................

7.º .....................

8.º .....................

9.º .....................

10.º ....................

11.º ....................

12.º ....................

13.º ....................

14.º ....................

15.º ....................

16.º ....................

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§ l.º ....................

§ 2.º ....................

Artigo 41.º Os actos administrativos do governador, quando definitivos e executórios, podem ser anulados pelo Conselho do Império Colonial como Tribunal Superior do Contencioso Administrativo, mediante recurso interposto no prazo legal, com fundamento em incompetência, usurpação ou desvio de poder, vício de forma ou violação da lei.

§ único. O Ministro das Colónias pode também, como superior hierárquico, revogar, reformar ou suspender os actos do governador, bem como ordenar a interposição de recurso contencioso para o efeito da anulação dos actos constitutivos de direitos que tenha por ilegais.

....................
Artigo 46.º O governador não pode determinar, sem autorização especial do Ministro das Colónias:

1.º ................

2.º O estabelecimento de penalidades superiores a penas correccionais, salvo o disposto no artigo 210.º;

3.º ................

4.º (0 actual n.º 6.º).

§ 1.º ..............

§ 2.º ..............

§ 3.º Nos casos dos n.ºs 1.º, 2.º e 3.º deste artigo poderão ser postas provisoriamente em execução, publicando-se os diplomas que lhes respeitem, as resoluções submetidas pelo governador à sanção do Ministro das Colónias, quando sobre elas este se não tiver pronunciado no prazo de noventa dias que se seguir à entrada da respectiva proposta no Ministério.

§ 4.º ..............

§ 5.º Os governadores só podem negociar acordos ou convenções com outras colónias portuguesas e com autorização do Ministro das Colónias. Os projectos negociados serão submetidos à aprovação e ratificação do Ministro das Colónias, ao qual compete igualmente autorizar a publicação das providências legislativas destinadas a executar os referidos acordos e convenções.

Art. 47.º O Ministro das Colónias pode delegar nos governadores gerais e de colónia o exercício permanente ou temporário, total ou parcial, dos poderes que o Acto Colonial ou a presente Carta Orgânica expressamente permitirem ou dos que lhe sejam conferidos por outros diplomas.

§ 1.º Os poderes atribuídos pelo Acto Colonial só podem ser delegados nos precisos termos da parte final do artigo 29.º, devendo os diplomas publicados invocar no preâmbulo a delegação ministerial.

§ 2.º Todos os actos praticados por delegação ficam sujeitos a revogação ou alteração pelo Ministro, nos termos gerais de direito.

....................
Artigo 02.º Na composição dos Conselhos de Governo entrarão vogais oficiais, natos ou designados pelo governador, e vogais não oficiais, eleitos ou nomeados pelo governador.

§ 1.º Nas colónias de cujos Conselhos de Governo façam parte vogais não oficiais de nomeação, os governadores procurarão escolhê-los de harmonia com as indicações dos corpos administrativos e dos organismos representativos da agricultura, do comércio, da indústria e dos empregados e operários.

§ 2.º Sempre que possível, será dada representação nos Conselhos de Governo aos interesses das populações nativas.

Art. 53.º Compõem o Conselho de Governo nas colónias de Angola e Moçambique:

1.º Vogais oficiais:

a) Secretário geral da colónia;

b) Procurador da República;

c) Director dos serviços de Fazenda;

d) Director dos serviços de administração cívil;

e) Dois directores ou chefes de serviços escolhidos anualmente pelo governador.

2.º Vogais não oficiais eleitos:

a) Cinco vogais eleitos.

3.º Vogais não oficiais nomeados:

a) Dois vogais representantes das populações nativas.

§ único.............

....................
Artigo 55.º.........

§ 1.º Nas colónias de Angola e de Moçambique o secretário geral é o vice-presidente do Conselho de Governo e faz parte da respectiva secção permanente.

§ 2.º ..............

....................
Artigo 63.º Os vogais não oficiais do conselho de Governo servirão por um triénio a contar da data da entrada em funções, sendo sempre permitida a recondução ou reeleição.

§ único. Na hipótese de eleição provocada pela dissolução da parte electiva do Conselho, os novos eleitos servirão até ao fim do triénio que estiver a decorrer.

....................
Artigo 72.º ........

§ 1.º O Conselho de Governo será convocado em cada ano, pelo governador da colónia respectiva, para sessão ordinária pelo período de trinta dias, e, por motivos imperiosos, para sessão extraordinária, quando o governador o julgar necessário. As sessões ordinárias do Conselho devem realizar-se em cada colónia sempre na mesma época.

§ 2.º ..............

§ 3.º ..............

....................
Artigo 79.º Das sessões do Conselho de Governo se lavrarão actas, que, depois de aprovadas, serão assinadas por quem houver presidido à sessão e pelo secretário.

§ 1.º ..............

§ 2.º ..............

Artigo 81.º A secção permanente do Conselho é composta:

1.º Nas colónias de governo geral:

a) Pelo vice-presidente do Conselho de Governo;

b) Pelo Procurador da República;

c) Pelo director dos serviços de Fazenda;

d) Por dois vogais de Conselho de Governo escolhidos pelo governador.

2.º ................

§ 1.º ..............

§ 2.º ..............

....................
Artigo 89.º ........

§ 1.º ..............

§ 2.º ..............

Artigo 89.º ........

§ 3.º As leis, os decretos-lei e os decretos simples que regularem matérias de interesse comum da metrópole e de todas ou de alguma colónia são considerados legislação colonial desde que contenham a declaração de que têm de ser publicados nos Boletins Oficiais das colónias onde hajam de executar-se.

....................
Artigo 91.º A publicação de actos legislativos que hajam de ser aplicados às colónias é da competência do Ministro das Colónias ou dos governadores coloniais, consoante se trate de matérias das atribuições do Governo Central ou dos governos locais.

§ 1.º A publicação no Boletim Oficial das colónias de providências legislativas publicadas no Diário do Governo depende da menção aposta nas leis, decretos-

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208 DIÁRI0 DAS SESSÕES - N.º 15

-lei, decretos simples ou portarias: "Para ser publicado no Boletim Oficial de ...". Essa menção será escrita no original do acto legislativo e assinada pelo Ministro das Colónias.

§ 2.º A aplicação às colónias de um acto legislativo já vigente na metrópole depende de portaria do Ministro das Colónias, na qual poderão ser feitas as alterações e aditadas as normas especialmente exigidas pela ordem jurídica ou pelas condições particulares das colónias a que o acto deva ser aplicado.

§ 3.º (0 actual § 2.º).

§ 4.º A publicação no Boletim Oficial de quaisquer disposições transcritas do Diário do Governo, sem observância dos termos deste artigo, não produzirá efeitos jurídicos.

§ 5.º (0 actual § 4.º).

....................
Artigo 97.º Em regra só nas colónias de governo geral haverá direcções de serviços.

§ único. ....................

....................
Artigo 99.º As funções de autoridade ou de chefia que hajam de ser exercidas por funcionários dos quadros comuns do Império poderão ser providas, em comissão ou por contrato, em indivíduos de comprovada competência técnica e critério demonstrados no exercício de cargos públicos de análoga natureza na metrópole ou nas colónias, quando possuam a necessária preparação técnica oficial e assim convenha ao serviço público.

§ 1.º Quando os funcionários a que se refere este artigo forem nomeados em comissão, entender-se-á que a nomeação é válida por dois anos contados do dia da posse, podendo ser reconduzidos por períodos iguais sucessivos se o Ministro das Colónias assim o entender e o governador o propuser.

§ 2.º ....................

§ 3.º Após a terceira renovação de comissão permitida pelo § 1.º deste artigo, se o funcionário o merecer pelas qualidades que revelou e pelas boas informações obtidas, poderá ser nomeado definitivamente para a categoria que no quadro corresponder ao cargo exercido.

§ 4.º As funções de director de serviços ou de chefe de serviços serão sempre exercidas em comissão por funcionários dos respectivos quadros ou por indivíduos nomeados ou contratados nos termos do presente artigo.

§ 5.º (0 actual § 3.º).

Artigo 103.º .............

§ 1.º ....................

§ 2.º Nenhum funcionário em serviço na colónia poderá corresponder-se directamente com o Governo Central. Da aplicação deste princípio exceptuam-se:

a) Os inspectores superiores e outros funcionários de igual ou mais elevada categoria, nos casos em que hajam de desempenhar-se de missão especial cometida pelo Ministro;

b) Os tribunais, em matéria de recursos ou outros actos judiciais;

c) Os serviços militares de terra e mar que dependerem dos Ministérios da Guerra e da Marinha, nos casos previstos na lei.

§ 3.º ....................

§ 4.º Salvo o caso previsto na alínea a) do § 2.º, os funcionários encarregados pelo Ministro das Colónias de inspecções, sindicâncias ou inquéritos, que tiverem de apresentar directamente relatórios do exercício da missão de que estiverem incumbidos, enviarão simultaneamente cópias autênticas desses relatórios ao governador, e nenhuma outra correspondência lhes será permitida para o Governo Central que não seja por intermédio do governador.

§ 5.º ....................

§ 6.º ....................

....................
Artigo 121.º Os governadores das colónias podem mandar apresentar no Ministério das Colónias os funcionários cuja presença na colónia seja inconveniente por grave razão de interesse público; quando, porém, se tratar de funcionários dos quadros comuns, deverão previamente dar conhecimento ao Ministro pela via mais rápida, a fim de este poder avocar a resolução do assunto, se o entender.

§ 1.º Não podem ser mandados apresentar no Ministério das Colónias os magistrados judiciais no exercício de judicatura.

§ 2.º (0 actual § 1.º).

§ 3.º (0 actual § 2.º}.

§ 4.º (O actual § 3.º).

Art. 122.º Os quadros gerais do funcionalismo colonial são:

a) Quadros comuns do Império Colonial;

b) Quadros complementares que a lei criar para determinados serviços;

c) Quadros privativos de cada colónia ou grupo de colónias.

§ 1.º Dentro de cada um destes quadros gerais pode haver quadros especiais com organização e designação peculiares de cada serviço, nos termos legais.

§ 2.º O disposto neste artigo não tolhe a faculdade de contratar ou assalariar pessoal além dos quadros, nos casos em que a lei expressamente o permitir.

Art. 123.º Os quadros dos funcionários são os que constarem da lei, e só estes poderão inscrever-se nas tabelas orçamentais.

§ 1.º Pertencem aos quadros comuns do Império os funcionários das categorias seguintes:

a) Os oficiais dos extintos quadros privativos do exército colonial, incluindo os dos quadros militares de saúde, e os oficiais do exército e da armada servindo em comissão militar;

b) Os da magistratura judicial e do Ministério Público, bem assim os conservadores do registo predial, os notários, secretários e ajudantes das Relações e escrivães de direito, salvo, quanto aos últimos, as excepções previstas na lei;

c} Os professores e inspectores do ensino liceal, técnico ou superior;

d) Os da administração civil nas categorias superiores a primeiro-ofícial ou administrador de circunscrição;

e) Os de categoria superior a primeiro-oficial ou equivalente nos restantes serviços, incluindo os da Fazenda, técnico-aduaneiro, dos correios e telégrafos e da saúde;

f) Os médicos e farmacêuticos, salvo as disposições da lei especial;

g) Os veterinários, os engenheiros, os agrónomos, os arquitectos e outros funcionários de serviços técnicos a quem a lei de provimento exija curso superior da especialidade, quando não esteja diversamente disposto nas leis orgânicas respectivas.

§ 2.º Os quadros complementares, destinados a completar a acção de determinados serviços em ramos especiais ou transitórios da sua actividade, compreendem:

a) Os médicos das especialidades, das missões ou brigadas sanitárias eventualmente criadas e dos serviços locais de saúde que a lei determinar;

b) Os funcionários técnicos eventuais dos caminhos de ferro, obras públicas e outros serviços técnicos;

c) O pessoal das brigadas ou missões com caracter temporário.

§ 3.º Todos os funcionários não mencionados nos parágrafos anteriores pertencem aos quadros privativos.

Art. 124.º Os funcionários coloniais serão nomeados, reconduzidos, confirmados, promovidos, exonerados ou

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demitidos ou aposentados por uma das seguintes entidades, conforme o quadro a que pertencerem:

a) Os dos quadros comuns, pelo Ministro das Colónias, nos termos da lei geral;

b) Os dos quadros complementares, pelo Ministro ou pelo governador da colónia, conforme a lei determinar;

c) Os dos quadros privativos, salvo as excepções expressamente consignadas na lei, pelo governador da respectiva colónia, segundo as disposições em vigor nesta.

Art. 125.º Exceptuada a hipótese de missão especial, os provimentos pelo Ministro das Colónias mencionarão apenas a colónia onde os funcionários devem servir; dentro desta, compete ao governador a colocação em lugares da respectiva categoria.

§ único. A transferência dos funcionários dos quadros comuns de uma para outra colónia e da competência do Ministro das Colónias; a transferência de todos os funcionários dentro da mesma colónia e da competência do respectivo governador, nos casos em que lhe é permitida a sua colocação.

Art. 126.º As primeiras nomeações para os quadros do funcionalismo colonial podem ser:

a) Interinas;

b) Provisórias;

c) Definitivas;

d) Em comissão.

§ 1.º As nomeações interinas obedecerão as seguintes regras, além de outras que estejam fixadas por decreto:

1a. Competem, às entidades indicadas no artigo 124.º conforme os quadros; todavia, em casos de inadiável urgência de serviço público, poderão ser feitas pelos governadores gerais ou de colónia, mesmo quando o lugar a prover pertença aos quadros comuns ou complementares;

2a. As que forem ordenadas pelo Ministro das Colónia valerão por todo o tempo que durarem as circunstâncias que as justificaram;

3a. As que forem feitas pelos governadores caducam ao fim de um ano, salvo as excepções previstas na lei, e só poderão ser renovadas com autorização do Ministro das Colónias quando o cargo pertencer ao quadro comum.

§ 2.º As nomeações de ingresso no serviço público colonial terão carácter provisório durante cinco anos, nos termos seguintes:

a) A nomeação inicial será por dois anos, de contínuo exercício, ainda que em diversos lugares do mesmo quadro;

b) Se o funcionário tiver boas informações, será reconduzido por mais três anos, nas condições do número anterior;

e) Os funcionários nomeados provisoriamente, nos termos deste parágrafo, têm os deveres e direitos dos funcionários de nomeação definitiva, incluindo as promoções legais.

§ 3.º Salvo o disposto para as nomeações em comissão, o funcionário será nomeado definitivamente, se o merecer, após cinco anos de exercício efectivo e ininterrupto das funções, com dispensa de nova posse e devendo contar-se-lhe a antiguidade desde a primeira posse que haja tomado em virtude da nomeação provisória.

§ 4.º Se o funcionário a nomear definitivamente for militar do exército ou da armada, a nomeação dependerá de prévio assentimento do Ministro da Guerra ou da Marinha, respectivamente, sobre requerimento do interessado.

§ 5.º As nomeações em comissão conferem os direitos e deveres dos correspondentes cargos apenas durante o prazo da sua duração.

....................
Artigo 128.º É admitida a prestação contratual de serviço ao Estado, nas colónias, em algum dos casos seguintes:

1º No exercício anual de cargos incluídos nos quadros da administração pública, quando a lei reguladora do seu provimento tal permitir;

2.º No desempenho eventual de funções dentro ou fora dos referidos quadros, quando a lei o permitir, ou ainda, no silêncio desta, quando, em virtude da sua dificuldade ou especialidade, a autoridade que deve provê-las entenda ser necessário contratar pessoas de alta ou especializada competência;

3.º Na prestação de serviço ou trabalho assalariado, dia a dia, e, em regra, de natureza manual.

§ único. A lei estabelecerá o regime de cada uma destas formas de contrato, cuja celebração poderá ou não ser precedida de concurso público, conforme for julgado conveniente.

....................
Artigo 132º.........

(É suprimido o § 2.º, passando o § 1.º a ser § único, com a sua actual redacção).

Art. 133.º As licenças só poderão ser concedidas quando não houver inconveniente para o serviço e sempre que as exigências do mesmo serviço o aconselharem poderão ser interrompidas.

....................
Artigo 156.º Os orçamentos das colónias não podem entrar em vigor sem autorização ou aprovação do Ministro das Colónias.

§ 1.º A autorização será dada em portaria, estabelecendo-se as bases do orçamento a elaborar, sob proposta do respectivo governador, com audiência do Conselho de Governo.

§ 2.º A aprovação será dada em portaria, precedendo revisão do projecto do orçamento.

§ 3.º O Ministro das Colónias determinará quais as colónias cujos orçamentos serão elaborados por autorização e quais ficam sujeitas a aprovação, podendo a todo o tempo alterar essas determinações.

....................
Artigo 161.º Os projectos dos orçamentos coloniais são preparados nas colónias, sob a direcção dos governadores.

§ 1.º Quando sujeitos à revisão e aprovação do Ministro, darão entrada no Ministério das Colónias até ao dia 1 de Outubro anterior ao começo do ano económico a que disserem respeito, após discussão no Conselho de Governo.

§ 2.º Se o Ministro prescindir da revisão, o governador apresentará nas sessões ordinárias do Conselho de Governo as bases do orçamento, onde se defina a orientação a seguir nas dotações dos serviços e se proponham as providências relativas ao aumento das receitas ou das despesas, bem como as medidas necessárias à administração da colónia e ao equilíbrio orçamental sobre que o Ministro deva decidir. As bases aprovadas no Conselho de Governo deverão dar entrada no Ministério até 1 de Outubro anterior ao começo do ano económico a que respeitem e a portaria de autorização aprovando-as com as modificações e aditamentos convenientes será publicada até 8 de Novembro seguinte.

§ 3.º Os projectos orçamentais serão preparados de modo a resultar equilíbrio entre as receitas e despesas ou com as sugestões que se julgarem indispensáveis ao restabelecimento deste equilíbrio.

§ 4.º Os directores de serviços de Fazenda são responsáveis disciplinarmente pela remessa ao Ministério dos documentos referidos neste artigo, de modo a que se observem os prazos legais.

§ 5.º Quando o Ministro esteja na colónia no 2.º semestre do ano económico, procederá localmente à revi-

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210 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 15

são e aprovação do orçamento para o ano seguinte, ficando dispensada a remessa do projecto ao Ministério.

....................
Artigo 163.º Compete aos governadores das colónias, em diploma legislativo, aprovar os orçamentos, quando autorizados, ou mandá-los executar depois de aprovados pelo Ministro, salvo a hipótese prevista no § 5.º do artigo 161.º, em que a vigência do orçamento poderá ser determinada por portaria ministerial.

....................
Artigo 165.º .......

§ 1.º ..............

§ 2.º ..............

§ 3.º ..............

§ 4.º A abertura de créditos especiais depende da existência de receita compensadora ou da anulação de dotações correspondentes às novas despesas.

....................
Artigo 174.º .......

§ 1.º ..............

§ 2.º A informação desfavorável quanto ao cabimento não pode ser suprida.

§ 3.º Quando o governador discordar de informação desfavorável do director ou chefe dos serviços de Fazenda quanto à legalidade da despesa, ouvirá o Tribunal Administrativo.

§ 4.º Se o parecer do Tribunal for favorável à realização da despesa, poderá o governador ordená-la.

§ 5.º Se os serviços de Fazenda e o Tribunal Administrativo concordarem na ilegalidade da despesa, o governador não pode ordená-la, mas pode submeter a decisão do processo ao Ministro das Colónias.

....................
Artigo 193.º .......

(É suprimido o § único).
....................

Artigo 208.º A prevenção e repressão dos crimes será efectivada mediante a aplicação de medidas de segurança e de penas.

§ 1.º ..............

§ 2.º ..............

§ 3.º ..............

§ 4.º ..............

....................
Artigo 210.º As portarias regulamentares da colónia poderão cominar aos contraventores as penalidades mencionadas no artigo 486.º do Código Penal, com as modificações vigentes na metrópole, incluindo multa até 5.000$ ou quantia equivalente em moeda local.

....................
Artigo 220.º .......

(É suprimido o § único).

Proposta de lei sobre melhoramentos agrícolas

1) Tem o Governo procurado concorrer para o desenvolvimento agrícola, e industrial do País em termos de obter uma melhoria da produção e de tornar possível o aproveitamento de todos os recursos ainda inexplorados.

Assim, as leis sobre o fomento e reorganização industrial e electrificação nacional, a lei do povoamento florestal e a do fomento hidroagrícola, além de muitas outras, nomeadamente a lei de melhoramentos rurais, todas inspiradas no desejo de assegurar trabalho e melhor nível de vida à nossa crescente população, expri-

mem um pensamento e uma política de realizações ordenadas.

Parece conveniente ao Governo, no prosseguimento da política encetada, estimular e auxiliar a realização de pequenas obras de interesse privado, mas de largo reflexo nas condições de vida rural e que, ao mesmo tempo, constituam poderoso auxílio na resolução do problema do desemprego periódico. Na verdade e a despeito dos esforços e dedicação dos organismos encarregados da assistência técnica a lavoura e da forma como esta tem correspondido à acção desenvolvida, ainda muitas das nossas explorações agrícolas se encontram inibidas de modificar o respectivo sistema de exploração no sentido económico e socialmente mais vantajoso.

Se ao lavrador forem facultados, em razoáveis condições, os meios indispensáveis à realização de melhoramentos que permitam uma mais rápida evolução no sentido desejado, ter-se-á dado um passo decisivo na resolução de muitos dos problemas da nossa vida rural.

2) O Estado propõe-se intervir:

1.º Sugerindo, depois de prévio estudo, os melhoramentos que possam ser realizados pelos particulares;

2.º Prestando assistência técnica e planeando as realizações e obras necessárias;

3.º Facilitando a concessão de auxílios financeiros para as obras previstas, segundo a precedência do maior interesse geral
Embora a Junta de Colonização Interna deva proceder, nas várias regiões do País, ao estudo dos melhoramentos fundiários manifestamente reprodutivos e que mais se imponham pelo seu carácter económico e social, não se prevê a obrigatoriedade da sua execução, pois se espera da lavoura uma perfeita compreensão da finalidade a atingir e da parte activa que na consecução dos seus objectivos lhe pertence.

Julga-se não ser necessário, por agora, ir mais além.

3) A assistência financeira poderia ser concedida por comparticipação não reembolsável, ou ainda por empréstimo reembolsável.

Preferiu-se a segunda solução por se entender que a concessão de subsídios não reembolsáveis não poderia exceder uma pequena parcela do custo das obras a realizar e não resolveria, portanto, o problema, aliás mais frequente, dos que não disponham do restante capital. Por outro lado, não faria sentido conceder subsídios aos que, dispondo de recursos suficientes, podem dispensar o auxílio financeiro.

Os créditos deverão ser amortizados em prazo a fixar para cada caso. O limite de trinta anos considera-se suficiente para abranger todos os casos.

A cobrança das anuidades de amortização dos empréstimos será efectuada juntamente com a da contribuição predial, adoptando-se o sistema estabelecido no artigo 54.º do decreto n.º 28:653, de 16 de Maio de 1938. Prevê-se a concessão de empréstimos individuais ou colectivos, sendo responsáveis pela amortização destes os interessados no melhoramento na medida em que entre si tiverem acordado.

Na verdade, não podia o Governo desinteressar-se da realização de melhoramentos fundiários de interesse comum a vários proprietários e que, directa ou indirectamente, contribuam para a valorização da terra e do trabalho. Estão neste caso alguns aproveitamentos de águas e obras de defesa da terra, que não poderão ser realizados por um, por exigirem a intervenção de vários.

4) O crédito, se não for convenientemente aplicado em obras reprodutivas, tecnicamente bem concebidas e de seguros resultados económicos, pode causar a ruína de quem a ele recorra.

Julgou-se por isso indispensável basear a sua concessão em estudo pormenorizado dos melhoramentos a

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que se destine e subordinar a sua aplicação a uma fiscalização eficiente, de modo a impedir o seu emprego em fins diferentes daquele para que for concedido.

Assim se evitará que seja desvirtuada a política inspiradora da presente iniciativa, salvaguardando-se ao mesmo tempo os interesses económicos de quem vier a utilizar esta modalidade de crédito.

5) O Governo, de acordo com o estabelecido no decreto-lei n.º 32:439, de 24 de Novembro de 1942, confia esta tarefa à Junta de Colonização Interna, que, pela própria natureza dos serviços que vem desempenhando, melhor conhece os problemas económico-sociais das várias zonas do País e dispõe já de grande soma de elementos de orientação para esta política de realizações.

Nestes termos, o Governo tem a honra, de submeter à apreciação da Assembleia Nacional a seguinte proposta de lei:

BASE I

Compete ao Estado, pelo Ministério da Economia e por intermédio da Junta de Colonização Interna, prestar a5ssistência técnica ou financeira aos agricultores na execução de melhoramentos fundiários que tenham por fim manter ou aumentar a capacidade produtiva da terra ou facilitar a sua exploração, designadamente nos seguintes casos:

a) Captação, elevação e distribuição de águas destinadas a rega ou ao abastecimento de explorações agrícolas;

b) Ampliação ou correcção de sistemas de rega já instalados;

c) Adaptação de terrenos ao regadio;

d) Enxugo, dessalgamento de terrenos e regularização de leitos de cursos de água;

e} Defesa contra inundações ou contra a erosão;

f) Construção ou melhoramento de abrigos para gado, silos ou nitreiras;

g) Edificação, ampliação ou melhoramento de habitações para o pessoal que viva permanente ou eventualmente nas explorações agrícolas;

h) Construção, apetrechamento ou aperfeiçoamento de oficinas destinadas à instalação de industrial agrícolas anexas as explorações;

i) Aquisição de terrenos ou árvores, encravados, e extinção de servidões prejudiciais à economia das explorações agrícolas;

j) Plantações de reconhecido interesse económico ou social.

BASE II

A assistência técnica ou financeira do Estado poderá ser requerida por um ou mais agricultores, conforme o melhoramento a realizar seja de interesse individual ou colectivo.

BASE III

Os pedidos de assistência técnica indicarão especificadamente a localização, a área aproximada e confrontações da propriedade, seu estado actual e seu projectado destino, bem como o título pelo qual o requerente exerça a respectiva posse e os recursos com que conta para a efectivação do melhoramento que tem em vista.

BASE IV

Os pedidos de assistência financeira, que só serão atendidos quando formulados pelo proprietário em domínio pleno ou pelo enfiteuta, deverão, além dos elementos constantes da base anterior, ser acompanhados das informações ou estudos de carácter económico e social necessários para a completa apreciação do seu objecto, bem como do projecto da obra a realizar, assinado por entidade competente. A apresentação deste projecto poderá ser dispensada nos casos a que se refe-

rem as alíneas i) e j) da base I e nos de simples reparações ou aquisições de maquinismos que não exijam informação técnica especializada.

Em quaisquer casos será, porém, obrigatória a junção de certidão da conservatória do registo predial referente ao prédio ou prédios a beneficiar, da qual conste a inscrição em nome do requerente e os encargos a que os prédios estão sujeitos.

BASE V

O Governo promoverá a concessão de empréstimos reembolsáveis, à taxa de juro de 2 por cento, para a execução dos melhoramentos cujos pedidos ou projectos tenham sido aprovados pelo Ministro da Economia sob proposta da Junta de Colonização Interna e segundo ordem de precedência por esta estabelecida em cada ano económico, tendo em atenção a urgência ou o maior interesse social de cada um deles.

A quantia emprestada não pode ser superior a 90 por cento do custo orçamentado para o melhoramento e o prazo de amortização em caso algum excederá trinta anos, ficando assegurado ao devedor o direito de antecipação do pagamento parcial ou total. Nesta hipótese, o valor actual das prestações a data do pagamento será calculado à taxa de juro de 3 por cento.

BASE VI

A anuidade de amortização dos empréstimos constitui ónus real, que será, a requerimento do Ministério Público, registado sobre o prédio ou prédios referidos na base IV e a respectiva importância será cobrada juntamente com a contribuição predial, constando embora de documento separado.

BASE VII

Quando o empréstimo for concedido a mais de um proprietário, o encargo dele resultante será rateado pela forma que, no pedido de assistência financeira e no despacho de concessão, for indicada e será atribuído aos prédios que em nome de cada um estiverem registados, nos termos das bases IV e VI.

BASE VIII

A Junta de Colonização Interna poderá averiguar a exactidão das declarações prestadas pelos interessados ou colher os esclarecimentos complementares que reputar necessários, e bem assim fiscalizar a aquisição e aplicação de materiais ou andamento dos trabalhos, recorrendo, quando mais conveniente, aos funcionários do Estado da respectiva área, os quais terão o dever de lhe prestar coadjuvação, para estes efeitos, na medida da sua competência, sem prejuízo, porém, do serviço próprio dos seus cargos.

A Junta satisfará os transportes, as ajudas de custo e os subsídios de marcha que competirem.

BASE IX

São causas de distrate ou redução do empréstimo, conforme as circunstâncias:

1.º A demora no início ou na conclusão do melhoramento, sem motivo justificado;

2.º A alteração, redução ou ampliação do melhoramento, quanto ao plano ou quanto à natureza ou qualidade dos materiais aprovados, sem prévia autorização da Junta.

BASE X

No caso de distrate do empréstimo, consideram-se imediatamente vencidas as importâncias entregues e a

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sua cobrança coerciva far-se-á pelos tribunais dos respectivos concelhos ou comarcas, pelo processo das execuções fiscais.

BASE XI

Os melhoramentos fundiários realizados pelo senhorio, ao abrigo desta lei em prédios arrendados obrigam o arrendatário a recompensá-lo do encargo que assumiu e pelo tempo correspondente à duração do arrendamento, acrescido, quando for caso disso, de equitativo aumento de renda, o qual, na falta de acordo, será fixado pela Junta de Colonização Interna.

Lisboa, 15 de Janeiro de 1946. - Luís Supico Pinto.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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